Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DO TRABALHO PARA DIARISTAS ATUANTES
NA CIDADE DE NATAL, RIO GRANDE DO NORTE
Kamilla Sthefany Andrade de Oliveira
Natal
2017
i
Kamilla Sthefany Andrade de Oliveira
PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DO TRABALHO PARA DIARISTAS ATUANTES NA
CIDADE DE NATAL, RIO GRANDE DO NORTE
Dissertação de mestrado elaborada sob a orientação
do Prof. Dr. Pedro F. Bendassolli e co-orientação da
Profa. Dra. Tatiana de Lucena Torres, apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
Natal
2017
Oliveira, Kamilla Sthefany Andrade de. Processo de significação do trabalho para diaristas atuantesna cidade de Natal, Rio Grande do Norte / Kamilla SthefanyAndrade de Oliveira. - 2017. 147f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grandedo Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programade Pós Graduação em Psicologia. Orientador: Prof. Dr. Pedro F. Bendassolli. Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Tatiana de Lucena Torres.
1. Trabalhadoras domésticas. 2. Diaristas. 3. Processos designificação (Psicologia). I. Bendassolli, Pedro F. II. Torres,Tatiana de Lucena. III. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 64.042.4(813.2)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA
ii
Dedico este trabalho a todas as donas de casa, diaristas ou não.
iii
Agradecimentos
Não é sobre ter
Todas as pessoas do mundo pra si
É sobre saber que em algum lugar
Alguém zela por ti
É sobre cantar e poder escutar
Mais do que a própria voz
É sobre dançar na chuva de vida
Que cai sobre nós
É saber se sentir infinito Num universo tão vasto e bonito
É saber sonhar1
Sempre devaneei lendo os agradecimentos das dissertações e teses alheias, porque,
quando você se deixa levar pela imaginação, se consegue sonhar acordado; e eu me imaginava
devendo tantos agradecimentos que não via a hora de um dia expressar formalmente tamanha
gratidão pelas escolhas que fiz, mas também pelas pessoas que escolhi para percorrer esse
caminho comigo.
Por isso, não esperei findar a construção dos elementos textuais para que eu pudesse
dar início aos agradecimentos, pois o ato de agradecer, ao longo da minha caminhada, foi
primordial para que eu pudesse empreender novos passos.
O conteúdo das minhas palavras de agradecimento ao fim da minha graduação foi de
infindável alegria e agradecimento a Deus. Do mesmo modo, me despeço dessa caminhada:
“Deem graças ao Senhor, clamem pelo seu nome, divulguem entre as nações o que Ele tem
feito” (1 Crônicas 16:8). Obrigada, meu Deus, minha fonte de coragem, que sempre esteve a
me surpreender e me presentear com as melhores oportunidades.
Não é sobre chegar no topo do mundo
E saber que venceu
1 Música “Trem Bala”, de Ana Vilela.
iv
É sobre escalar e sentir
Que o caminho te fortaleceu
É sobre ser abrigo
E também ter morada em outros corações
E assim ter amigos contigo
Em todas as situações1
Agradeço às participantes desta pesquisa, as diaristas, cujas histórias de vida muito me
emocionaram. Sem vocês, a qualidade deste trabalho não seria a mesma. Ao SINE, em nome
de Joana D’arc, Jacirema, Miranilma e Suzy, que propiciaram conforto no campo de pesquisa.
Em especial, ao meu orientador, Dr. Pedro Bendassolli, pela acolhida, por provocar
inquietações, pelas sugestões, por acreditar no que eu poderia produzir ao longo desse tempo;
e à minha co-orientadora, Dra. Tatiana Torres, por ter exercido o papel de intermediação entre
a minha formação como pesquisadora e o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
(GEPET), e por muitas vezes ter sido exemplo de dedicação.
Aos meus colegas acadêmicos, Joeder Messias e Danielle de Gois, e àqueles que
compõem o Grupo de Estudos sobre Processos Psicossociais, Organizações e Trabalho
(GPPOT), em especial Jessica Rodrigues, Suzana Sarmento e Andressa Medeiros, pelas
palavras que evocaram força para continuar e por estarem sempre dispostas a pensar a
construção de um bom trabalho.
Não é sobre tudo que o seu dinheiro
É capaz de comprar
E sim sobre cada momento
Sorriso a se compartilhar
Também não é sobre correr
Contra o tempo pra ter sempre mais Porque quando menos se espera
A vida já ficou pra trás1
Obrigada, professora Dra. Isabel Fernandes, que em meio a tantas tarefas pôde
contribuir para a minha formação acadêmica.
Ao meu eterno orientador de estágio, Dr. Marlos Alves, pela sensibilidade e pelas
conversas fora de hora, porém, necessárias.
v
Segura teu filho no colo
Sorria e abraça seus pais
Enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir1
Agradeço ao meu painho, Paulo Oliveira, e à minha mainha, Eliene Andrade, pelo
apoio, mesmo que silencioso, pela torcida a cada desafio e pelas orações.
Ao meu companheiro de todas as horas, Douglas Oliveira, com quem tenho
compartilhado meus sonhos, e com quem pretendo construir toda uma vida. Ter você ao meu
lado, sem sombra de dúvida, tornou meus dias e as batalhas mais leves.
À minha avó, Lúcia Andrade, que dedicou parte de sua vida a minha educação.
A todas as trabalhadoras domésticas que passaram em minha vida: Dalva, Leilse,
Marinalva, Lúcia, Catarina, Maria e Neide. Essa última ainda presente.
Àqueles que ajudaram a aprimorar esta dissertação, Fellipe Coelho-Lima, pela
disposição e disponibilidade em ler parte deste material, e aos professores Marcelo Ribeiro e
Maria Chalfin Coutinho, pelas contribuições decorrentes da qualificação.
À CAPES, por aliviar as dificuldades financeiras.
E à banca que aceitou esse convite.
vi
Sumário
Lista de Figuras ..................................................................................................................... viii
Lista de Tabelas ....................................................................................................................... ix
Lista de Siglas ........................................................................................................................... x
Resumo ..................................................................................................................................... xi
Abstract ................................................................................................................................... xii
Introdução ............................................................................................................................... 13
1. Trabalho doméstico ............................................................................................................ 16
1.1. Aspectos históricos do trabalho doméstico .................................................................... 16
1.2. Aspectos jurídicos do trabalho doméstico ..................................................................... 21
1.3. Um caso particular de trabalho doméstico: as diaristas ................................................. 25
1.4. Um retrato do trabalho doméstico.................................................................................. 29
1.4.1. O trabalho doméstico em números .......................................................................... 29
1.4.2. O trabalho doméstico no contexto de gênero .......................................................... 31
1.4.3. O trabalho doméstico no contexto do envelhecimento populacional ...................... 35
a) Concepções de desenvolvimento humano .................................................................... 38
1.5. Em síntese ...................................................................................................................... 39
2. Processo de significação ..................................................................................................... 40
2.1. Estudos sobre sentido e significado do trabalho ............................................................ 40
2.2. A teoria da atividade como subsídio para compreender o processo de significação no
trabalho ................................................................................................................................. 42
2.2.1. Sentido, significado e atividade em Vygotsky ........................................................ 43
2.2.2. Sentido, significado e atividade em Leontiev ......................................................... 46
2.2.3. Sentido, significado e atividade em Engeström ...................................................... 48
2.3. Em síntese ...................................................................................................................... 53
3. Delineamento da pesquisa e aspectos metodológicos....................................................... 55
3.1. Delineamento geral da pesquisa .................................................................................... 55
3.2. Local e perfil dos participantes ...................................................................................... 56
3.3. Instrumento, técnica e acesso às informações dos participantes ................................... 58
3.4. Procedimento de acesso às informações e cuidados éticos ............................................ 59
3.5. Procedimento de análise das entrevistas ........................................................................ 61
4. Resultados e discussão ........................................................................................................ 66
vii
4.1. Núcleos de Significação inferidos e sistematizados a partir das entrevistas .................. 66
4.2. Análise intranúcleo ........................................................................................................ 68
4.2.1. Núcleo de significação 1 – “Minha vida é essa; eu vivo só para trabalhar”:
reflexões sobre a trajetória ocupacional das diaristas ....................................................... 68
4.2.2. Núcleo de significação 2 – “Tem que se virar com o que tem”: ferramentas,
impedimentos e estratégias de enfrentamento para execução da atividade de trabalho .... 82
4.2.3. Núcleo de significação 3 – “Nem todos os lugares são iguais e nem todas as
patroas são iguais”: relações sociais no processo de trabalho ........................................... 94
4.2.4. Núcleo de significação 4 – “Eu não sobrevivo daquilo ali?”: a percepção da
atividade de trabalho da diarista ...................................................................................... 100
4.2.5. Núcleo de significação 5 – “Não queria ser aquela diarista solta e irreconhecível”:
repercussões das mudanças no mundo do trabalho sobre a atividade da diarista ........... 104
4.2.6. Núcleo de significação 6 – “A gente vai trabalhar pensando em fazer as coisas bem
feitas”: a constatação do trabalho final ........................................................................... 110
4.3. Análise internúcleo ...................................................................................................... 113
5. Considerações finais ......................................................................................................... 122
Referências ............................................................................................................................ 125
Apêndices ............................................................................................................................... 137
Anexos .................................................................................................................................... 143
viii
Lista de Figuras
Figura 1. Modelo de Atividade de Vygotsky ........................................................................... 43
Figura 2. Estrutura hierárquica da atividade em Leontiev. ...................................................... 47
Figura 3. Estrutura de um sistema de atividade humana ......................................................... 50
Figura 4. Sistema de atividade proposto por Engeström (adaptado) ....................................... 54
Figura 5. Articulação dos núcleos de significação para análise internúcleos ........................ 114
Figura 6. Estrutura do sistema de atividade da diarista. ........................................................ 120
ix
Lista de Tabelas
Tabela 1 Caracterização sociodemográfica das participantes diaristas ................................. 57
Tabela 2 Número de pré-indicadores e indicadores por entrevista ......................................... 66
Tabela 4 Trecho do indicador 1h ............................................................................................ 69
Tabela 5 Trecho do indicador 1e ............................................................................................. 70
Tabela 6 Trecho do indicador 1d ............................................................................................ 71
Tabela 7 Trecho do indicador 1b ............................................................................................. 72
Tabela 8 Trecho do indicador 1c .............................................................................................. 74
Tabela 9 Trecho do indicador 1j .............................................................................................. 74
Tabela 10 Trecho do indicador 1g ........................................................................................... 75
Tabela 11 Trecho do indicador 1k ............................................................................................ 76
Tabela 12 Trecho do indicador 1a ........................................................................................... 77
Tabela 13 Trecho do indicador 1l ............................................................................................ 77
Tabela 14 Trecho do indicador 1m........................................................................................... 78
Tabela 15 Trecho do indicador 1f ............................................................................................ 80
Tabela 16 Trecho do indicador 1i ............................................................................................ 81
Tabela 17 Trecho do indicador 2d ........................................................................................... 83
Tabela 18 Trecho do indicador 2a ........................................................................................... 84
Tabela 19 Trecho do indicador 2c ........................................................................................... 85
Tabela 20 Trecho do indicador 2j ............................................................................................ 86
Tabela 21 Trecho do indicador 2b ........................................................................................... 87
Tabela 22 Trecho do indicador 2f ............................................................................................ 89
Tabela 23 Trecho do indicador 2i ........................................................................................... 90
Tabela 24 Trecho do indicador 2e ............................................................................................ 91
Tabela 25 Trecho do indicador 2g ........................................................................................... 92
Tabela 26 Trecho do indicador 2h ........................................................................................... 93
Tabela 27 Trecho do indicador 3a ........................................................................................... 95
Tabela 28 Trecho do indicador 3b ........................................................................................... 97
Tabela 29 Trecho do indicador 3c ............................................................................................ 99
Tabela 30 Trecho do indicador 4b ........................................................................................ 100
Tabela 31 Trecho do indicador 4a ......................................................................................... 103
Tabela 32 Trecho do indicador 5b ......................................................................................... 105
Tabela 33 Trecho do indicador 5a ......................................................................................... 107
Tabela 34 Trecho do indicador 5c .......................................................................................... 108
Tabela 35 Trecho do indicador 6a ......................................................................................... 111
Tabela 36 Trecho do indicador 6b ......................................................................................... 113
x
Lista de Siglas
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
DIEESE Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
DST Divisão Sexual do Trabalho
EPA Espaço Profissional Autônomo
EUA Estados Unidos da América
GEPET Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
GPPOT Grupo de Estudos sobre Processos Psicossociais, Organizações e Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IPESPE Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas
MOW Meaning of Work International Research Team
MT Mato Grosso
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
OECD Organisation for Economic Co-operation and Development
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial da Saúde
PEA População Economicamente Ativa
PEC Proposta de Emenda Constitucional
PT Partido dos Trabalhadores
RN Rio Grande do Norte
SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática
SINE Sistema Nacional de Emprego
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
xi
Resumo
Independente do reconhecimento jurídico, diaristas são trabalhadoras que prestam serviços
por até dois dias por semana para um mesmo tomador de serviço. A ocupação das diaristas é
marcada pela manutenção de um sistema estratificado de gênero e classe, o que ajuda a
reforçar desigualdades, agregando-se a isso outra dimensão: a idade. O número de pessoas
que trabalham como Diarista vem crescendo, principalmente nos grandes centros
metropolitanos. Mais recentemente, esse tipo de trabalho tem sido estudado pela Psicologia
do Trabalho, notadamente pela Psicologia Social do Trabalho. Diante disso, esta pesquisa
busca compreender o processo de significação do trabalho para diaristas que atuam na cidade
de Natal, no Rio Grande do Norte. Baseando-se, essencialmente, na teoria da atividade, esta
dissertação entende significados como construções mediadas pela atividade concreta. Para
tanto, 12 diaristas foram entrevistadas e suas respostas foram analisadas a partir da construção
de Núcleos de Significação. Neste estudo, inferimos e sistematizamos a construção de seis
núcleos de significação que têm como foco: a) a trajetória ocupacional das diaristas; b)
ferramentas, impedimentos e estratégias de enfrentamento para a execução da atividade de
trabalho; c) relações sociais no processo de trabalho; d) a percepção da atividade de trabalho
das diaristas; e) repercussões das mudanças no mundo do trabalho sobre a atividade da
diarista; e f) a constatação do trabalho final. Na atividade humana da diarista há a prescrição
de objetivos, regras e procedimentos relacionados aos resultados desejados e como fazer para
alcançá-los, porém, esse sistema é dinâmico, o que pode levar a semelhanças e contradições
no próprio sistema de atividade. Conseguimos confirmar os resultados com boa parte da
literatura, principalmente nos quesitos que desvelam a precarização do trabalho, pois essa
ocupação ainda carrega muito das estruturas das desigualdades brasileiras. Além das
contribuições desta pesquisa, constatamos uma série de temáticas a serem estudadas
futuramente.
Palavras-chave: trabalhadoras domésticas; diaristas; processos de significação; teoria da
atividade.
xii
Abstract
Regardless of legal acknowledgement, there are female housekeepers who work on a daily
hiring system that allows them to work on a maximum of two days a week for the same
employer. Their occupation is marked by the perpetuation of a gender and social status
stratified system, which yields the reinforcement of inequalities, and brings another
dimension to the matter: age. The number of people with this sort of employment has been
increasing, mainly in the great metropolitan areas. Recently, this kind of labor has been
studied by Work Psychology, notedly by the Social Psychology of Work. Contemplating this
data, this research seeks to understand the process of signification of work for the daily hired
housekeepers, in the city of Natal, Rio Grande do Norte. Basing essentially on the activity
theory, this dissertation comprehends significances as constructions mediated by concrete
activity. Therefore, 12 daily hired housekeepers were interviewed, and their answers analyzed
according to the construction of Meaning Cores. In this study, we inferred and systematized
the construction of six meaning cores that have as a focus: a) occupational trajectory of the
housekeepers; b) tools, obstacles and strategies for facing the execution of the work activity;
c) social relations in the working process; d) the perception of the housekeeping work
activity; e) repercussions of the changes in the work area regarding daily hired housekeepers;
and f) the conclusion about the final work. Within the human activity of housekeeping there is
the prescription of objects, rules and procedures related to the desired results and how to reach
them, however, it is a dynamic system, which can lead to similarities and contradictions in the
activity itself. We were able to verify the results through a large amount of literature, mainly
when it came to matters that unveil the precariousness of work, since this occupation still
carries a lot of the structures of the unequal social scheme in Brazil. Aside from the
contributions in this research, we brought up various themes that can be further studied.
Keywords: housekeepers; daily hired housekeepers; processes of signification; activity theory.
13
Introdução
A história do trabalho doméstico é datada da época colonial brasileira e possui estreito
vínculo com a escravidão (Ávila, 2009). Após a abolição da escravatura, esse tipo de trabalho
começa a se fortificar (Macedo, 2013). Sua origem histórica guarda forte estigmatização e
desvalorização, o que sugere marcas da precarização do trabalho.
Somadas as transformações no mundo do trabalho, temos assistido um contexto de
intensa desproteção social dos trabalhadores, bem como de desvalorização formal de algumas
atividades de trabalho. A categoria dos trabalhadores domésticos é essencialmente feminina;
decorrente da desvalorização histórico-social do escravo e da mulher, por muito tempo o
trabalho doméstico não alcançou o patamar de atividade produtiva e profissional (Brito,
2012).
No ano de 2015, a categoria das empregadas domésticas conseguiu conquistar diversos
direitos, em decorrência da lei complementar nº 150, de 1º de junho; por outro lado, a
atividade das diaristas segue à margem do trabalho formal e do reconhecimento jurídico.
Porém, o trabalho de diarista se caracteriza como trabalhadores que prestam serviços por até
dois dias por semana para um mesmo contratante, sendo essa uma atividade sem vínculo
empregatício e, portanto, sem normatizações legais, consistindo em um trabalho autônomo e
de sobrevivência, marcado pela lógica do trabalho informal.
O número de pessoas que trabalham como diarista vem crescendo, principalmente nos
grandes centros metropolitanos. Algumas discussões presentes na literatura avaliam como
positiva essa modalidade de trabalho, pela existência de maior autonomia, sendo uma forma
das trabalhadoras saírem de um contexto de opressão, ou por fornecer uma alternativa, quando
não há outras possibilidades de inserção no mercado de trabalho formal (Brites, 2003).
14
Longe de situar o trabalho informal como uma modalidade notadamente precária, há
outros indicativos que sugerem a precarização do trabalho de diarista, haja vista a feminização
nessa atividade de trabalho, acompanhada de más condições ocupacionais e piores
remunerações, a queda da qualidade dos vínculos trabalhistas e o envelhecimento da força de
trabalho que influencia o exercício das atividades domésticas. Dentre as atividades de maior
predominância de trabalhadores mais velhos, destaca-se a de serviços domésticos (Guimarães,
2012). Cada vez mais é evidente a relação existente entre gênero, idade e trabalho flexível
(Loretto & Vickerstaff, 2015).
O trabalho realizado pelas diaristas é uma modalidade que vem demonstrando novas
possibilidades de agências, subjetivações e desafios ao subdomínio da psicologia dedicado ao
estudo da relação sujeito-trabalho, a Psicologia Social do Trabalho, cujo leque de
preocupações tem se ampliado para além das temáticas associadas às organizações capitalistas
tradicionais.
A atividade, por sua vez, é o modo de mediação entre o sujeito e a realidade externa, é
o modo como nos enraizamos no mundo. A atividade humaniza o homem, na mesma medida
em que potencializa o seu desenvolvimento. O uso da Teoria da Atividade, portanto, é uma
forma de captar sentidos e significados a partir do fazer concreto das pessoas. A concepção
adotada nesta produção é de que sentido e significado são uma unidade indivisível mediada
pela atividade (Bendassolli & Coelho-Lima, 2015), isto é, o processo de significação se
constitui pela unidade sentidos-significados mediada pela atividade. Assim, sentidos e
significados são produzidos na relação entre os sujeitos, por meio da atividade, que é marcada
pelas trajetórias e experiências, bem como pelas condições e características do contexto
histórico de cada um e de todos (Zanella, Reis, Titon, Urnaur, & Dassoler, 2007).
O processo de significação é um fenômeno que visa investigar a produção, reprodução
e reelaboração de sentidos e significados num contexto mediado pela atividade (Bendassolli
15
& Coelho-Lima, 2015). Esta dissertação se baseia na teoria da atividade, cujo objeto de
análise é o processo dialético de transformação entre o sujeito e o meio (Piccolo, 2012). Nesse
contexto, este estudo busca compreender o processo de significação do trabalho para um
conjunto de diaristas atuando na cidade de Natal, RN. Especificamente, objetiva investigar os
significados associados ao trabalho a partir da compreensão da atividade concreta realizada
pela diarista e identificar as estratégias utilizadas por essas profissionais para realizar sua
atividade e nela encontrar sentido.
Diante disso, os dois primeiros capítulos desta dissertação têm por objetivo apresentar
os elementos teóricos que subsidiam a investigação. O primeiro capítulo visa resgatar a
historicidade do trabalho doméstico, assim como caracterizá-lo. O marco histórico é um
aspecto importante, pois se pretende fazer esse resgate até o momento em que surge o
primeiro marco legal, a Lei nº 5.859/1972, bem como apontar as contradições da formalização
do trabalho doméstico, culminando com a situação presente: as diaristas.
É perceptível que os marcos legais e jurídicos aparecem como uma forma de
regulamentação do trabalho doméstico. Entretanto, à medida que surgem meios de
regulamentação da profissão, institui-se uma nova atividade, oriunda do trabalho doméstico,
que insurge numa redefinição desse local. Eis o trabalho da diarista.
Em seguida, o capítulo 2, Processo de Significação do Trabalho, irá contextualizar os estudos
sobre sentidos, localizado na articulação entre sentido/significado como elemento essencial do
ser humano e, a partir disso, irá explorar suas conexões com a atividade concreta. Após essa
contextualização teórica, será apresentado, no capítulo 3, o delineamento metodológico da
pesquisa. Em seguida, serão apresentados os resultados empreendidos e as análises
sistematizadas.
16
1. Trabalho doméstico
1.1. Aspectos históricos do trabalho doméstico
O trabalho doméstico remonta a séculos e possui uma longa tradição na história do
Brasil, precisamente no regime pós-escravocrata, isto é, a história do trabalho doméstico
guarda vínculos funcionais e simbólicos com a escravidão. Desse modo, o sentido histórico da
escravidão dá significado ao que hoje se denomina de emprego doméstico (Ávila, 2009). A
ênfase na escravidão é uma referência da qual se produz o saber histórico e se pensa a atuação
política (Bernardino-Costa, 2007).
No contexto brasileiro, o emprego doméstico esteve presente desde a colonização. As
primeiras referências de mulheres que realizavam atividades domiciliares eram as amas de
leite, as criadas e as mucamas (Monticelli, 2013). Existiam os escravos da Senzala e os
escravos da Casa Grande, que realizavam o serviço doméstico; esses últimos acabavam
conquistando uma ocupação privilegiada (Davis, 1998). Na casa, cenário da vida doméstica,
as práticas escravocratas se mesclavam com as leis patriarcais. As atividades destinadas aos
criados distribuíam-se em atividades portas adentro, a saber: o trabalho das cozinheiras, amas
de leite, mucamas e costureiras; e atividades portas afora: lavadeiras, carregadeiras de água e
as que faziam as compras (Brites, 2000).
A escrava da casa possuía alguns privilégios, pois ela quem tinha uma relação mais
próxima com os senhores brancos. Por outro lado, havia um excesso de controle e uma maior
sujeição à violência. Como podemos observar em Costa (1998, p. 247): “escolhiam-se as
mucamas entre as negras de presença mais agradável. Ocupavam posição invejada, embora
17
estivessem sujeitas mais diretamente aos caprichos da ama e do senhor, e fossem muito mais
fiscalizadas. Já pela roupa diferenciava-se dos demais”.
Durante o período da segunda metade do século XIX, o trabalho doméstico ficava sob
a responsabilidade de mulheres livres, as quais pouco se distinguiam das escravas (Ávila,
2009). Além das mulheres livres, havia as amas de leite, que também eram identificadas com
as práticas domésticas e o cuidado de criação aos filhos de seus locadores ou proprietários
(Carneiro, 2006). Nessa época, à medida que cresciam o Rio de Janeiro e sua população,
também aumentava o mercado de serviços domésticos. Procedia-se a necessidade de
matricular todos os escravos existentes, com intuito de controlar a movimentação dos
escravos nos espaços urbanos. A maior parte da população escrava do município estava
empregada no serviço doméstico, perfazendo um total de 20.825 homens e mulheres nessas
condições (Carneiro, 2006).
Enquanto os homens negros se lançaram no mercado de trabalho após a abolição, as
mulheres negras ex-escravas tornaram-se trabalhadoras domésticas remuneradas, agregadas
de família, ou criadas (Bernardino-Costa, 2007) e, desse modo, ocupavam atividades de
babás, cozinheiras, arrumadeiras e lavadeiras (Monticelli, 2013). É após a abolição da
escravidão que essa modalidade de trabalho se fortifica (Macedo, 2013).
No Brasil, uma prática comum era trazer jovens de classes pobres, migrantes, ou seja,
do interior das grandes cidades, para trabalharem em casas de classe média e alta a fim de
realizarem o trabalho doméstico; a relação salarial se constituía no recebimento de roupas,
comida e lugar para morar. No mais, a questão salarial era ditada pela relação da empregada
com a família e pela definição dos vínculos (Ávila, 2009).
A história do serviço doméstico no Brasil é semelhante a história desse serviço nos
Estados Unidos da América (EUA). Antes da abolição da escravatura, os escravos domésticos
eram aqueles encarregados das tarefas do lar. Porém, ao longo do século XIX, além das
18
escravas domésticas, as famílias contavam com mocinhas para uma espécie de “ajuda
contratada”, fonte tradicional de trabalho doméstico após a abolição (Melo, 1998).
Com o processo de industrialização e urbanização do Brasil, gradualmente o trabalho
doméstico vai se configurando em serviço remunerado, apesar de que a lógica de “casa e
comida” ainda fosse empreendida como uma forma de ajuda. Em meados da década de 60 e
70 do século XX, as empregadas representavam mais de um quarto da força de trabalho
feminina, e ainda havia forte estigmatização e desvalorização, haja vista que, para muitas
famílias de classes média e alta, as mulheres trabalhadoras apresentavam uma conotação de
“criadas” subservientes, voltadas a servir às classes superiores, mesmo que isso lhes custasse
a própria vida particular. Nesse momento, as marcas da precarização do trabalho estavam
ilustradas pelos salários baixos, extensas jornadas de trabalho e o maior índice de
informalidade (Macedo, 2013).
Em virtude da desvalorização histórico-social do escravo e da mulher, por muito
tempo o trabalho doméstico não alcançou o patamar de atividade profissional (Brito, 2012).
Como afirma DeVault (1994), o trabalho doméstico passa despercebido pelo discurso público,
construindo o que o autor denomina de invisibilidade psicossocial dessa forma de trabalho:
com pouco reconhecimento social tanto para a sociedade quanto para os indivíduos aos quais
se atribui a atividade.
O tema do serviço doméstico só tem visibilidade da literatura científica a partir da
década de 70, por meio do trabalho de Heleieth Saffioti (1978), Emprego Doméstico e
Capitalismo, o qual levanta a questão sobre o trabalho doméstico, ainda pouco debatido no
espaço acadêmico. Para essa autora, o trabalho doméstico é o resultado de uma articulação
entre o modo capitalista de produção com formas não capitalistas de trabalho (Brites, 2000).
Consonante à expansão do fenômeno, alguns pesquisadores revelam uma produção acadêmica
crescente sobre o assunto (Brites, 2013).
19
O crescimento desse tipo de trabalho está associado ao crescente número de mulheres
da elite realizando atividades liberais e administrativas, que dão condições para contratar o
trabalho doméstico de outras mulheres (Brites, 2000; Hirata, 2002). Foi, portanto, com a saída
das mulheres do ambiente doméstico para as esferas públicas que o cuidado do lar foi
demandado e transferido a outras mulheres, então, empregadas domésticas (Brito, 2012).
Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), os trabalhadores
domésticos:
Preparam refeições e prestam assistência às pessoas, cuidam de peças do vestuário
como roupas e sapatos e colaboram na administração da casa, conforme orientações
recebidas. Fazem arrumação ou faxina e podem cuidar de plantas do ambiente interno
e de animais domésticos. (Ministério do Trabalho e Emprego, 2016).
Para essa classificação, há quatro tipos de trabalhadores domésticos: empregado
doméstico de serviços gerais (caseiro), empregado doméstico arrumador (arrumador no
serviço doméstico), empregado doméstico faxineiro e empregado doméstico diarista (Maia,
2014).
Alternativamente, é possível classificar três tipos de trabalhadoras domésticas:
mensalista residente, mensalista externa e diarista (Ávila, 2009; Brites, 2013). A primeira é
aquela que mora no lugar do trabalho – o que chama a atenção de Ávila (2009), pois morar na
casa do empregador é uma situação que sugere a falta de liberdade, em que o controle do uso
do tempo, os objetos pessoais e as relações pessoais estão sob controle patronal.
A segunda categoria, mensalista externa, é aquela que trabalha para uma família,
recebe por mês, porém não reside na casa dos patrões. Por último, as diaristas, que recebem
por dia trabalhado, podendo prestar serviço para mais de um empregador (Brites, 2013).
20
Considerando que muitas mulheres exercem serviços domésticos em suas próprias
casas, mas também na casa de outrem, é possível supor que nem toda trabalhadora doméstica
é empregada doméstica, uma vez que não há relação formal e contratual. Porém, o termo
trabalhador doméstico abarca tanto a empregada doméstica quanto a diarista (Fraga, 2010) e,
por isso, toda empregada doméstica é trabalhadora doméstica.
A definição de empregado doméstico aparece no artigo 3° do Decreto Lei 71.885, de
26 de fevereiro de 1973: “considera-se empregado doméstico aquele que presta serviço de
natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou à família, no âmbito residencial
destas”.
Para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE):
Considera-se empregado (a) doméstico (a) aquele (a) maior de 18 anos que presta
serviços de natureza contínua (frequente, constante) e de finalidade não lucrativa à
pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Assim, o traço diferenciador do
emprego doméstico é o caráter não econômico da atividade exercida no âmbito
residencial do (a) empregador (a). Nesses termos, integram a categoria os (as)
seguintes trabalhadores (as): cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a),
vigia, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras
(MTE, 2016).
Dentre as escolhas profissionais dos trabalhadores, o trabalho doméstico não pode ser
considerado a ocupação preferida. Na verdade, quando não há outras possibilidades de
inserção no mercado de trabalho formal, é o trabalho doméstico que aparece como alternativa
(Brites, 2003). Para Velho (2012), “embora o trabalho doméstico profissional possa ter
declinado em certos aspectos, continua sendo uma alternativa importante para as camadas
populares” (p. 26).
Em um estudo empírico, Ávila (2009) destaca que o emprego doméstico aparece como
uma oportunidade de escapar de alguma situação não desejada, de pobreza e/ou violência
doméstica. Esse tipo de trabalho representa uma ruptura, ou seja, uma forma de dar um novo
rumo à própria vida. O estudo de Macedo (2013) desvela que se tornar empregada doméstica
21
não é resultado de uma escolha de carreira, de uma vocação, relacionada à habilidade pessoal.
Entretanto, o serviço doméstico remunerado tem sua importância pelo fato de absorver
mulheres de menor escolaridade e sem experiência no mercado de trabalho (Melo, 1998).
Brandt (2004) caracteriza o trabalho doméstico como uma atividade degradante e
desvalorizada, pois é realizado por pessoas, por ela denominadas, inferiorizadas. O que
contribui para isso é a falta de reconhecimento social de sua atividade, caracterizada muitas
vezes como subtrabalho ou não trabalho. Outro fator que contribui para tal desvalorização é a
qualificação de ser uma atividade manual e, portanto, vista como trabalho hierarquicamente
inferior (Teixeira, Saraiva, & Carrieri, 2015).
Teixeira et al. (2015) apontam a diminuição do número de trabalhadoras domésticas
com jornadas de trabalho definidas. Isso se deve ao fato de as domésticas externas/diaristas
comumente serem mulheres pobres, com filhos menores de idade e que moram nas periferias
das zonas metropolitanas, sem creches e escolas em tempo integral. Além disso, verifica-se
que as patroas têm certa preferência por empregadas que tenham moradia própria, uma vez
que a doméstica residente retira a liberdade de dentro da casa. Nota-se também a necessidade
de cortar custos por meio do não oferecimento de alojamento, tampouco refeições. Esses
dados sugerem, por exemplo, o possível desaparecimento de trabalhadores domésticos
vivendo na casa dos patrões (Melo, 1998).
1.2. Aspectos jurídicos do trabalho doméstico
As primeiras referências jurídicas ao trabalho doméstico datam do período anterior à
República. O serviço doméstico era particularmente citado nas leis sanitárias e policiais, com
o propósito de proteger a sociedade contra as trabalhadoras domésticas, vistas como ameaça
22
às famílias empregadoras (Bernardino-Costa, 2007). Com os surtos de febre e epidemias, as
criadas eram julgadas por trazer as enfermidades (Monticelli, 2013).
Os primeiros indícios de proteção social estavam relacionados ao reconhecimento
trabalhista por parte dos patrões, os quais ofereciam aos trabalhadores alimentação, abrigo,
roupa, remédio e até mesmo alforria, em troca de obediência e dedicação aos serviços
domésticos e à família (Graham, 1992, como citado em Monticelli, 2013).
Após a abolição da escravidão, crescente foi a preocupação em se estabelecer normas
visando propor proteção e garantias ao trabalho livre, muito embora, como poderemos
observar, a empregada doméstica tenha gozado proteção inferior quando comparada a outros
trabalhadores (Maziero, 2010).
As empregadas domésticas só se organizam politicamente em 1936, com a fundação
da primeira Associação de Trabalhadoras Domésticas. Esse momento foi liderado por
Laudelina de Campos Melo, militante e filiada ao Partido Comunista, em Santos, São Paulo.
A luta tinha o intuito de garantir o reconhecimento jurídico da categoria, isto é, os direitos
trabalhistas, pois, até então, as trabalhadoras domésticas não tinham direito à sindicalização e
sua profissão não era regulamentada pela CLT (Bernardino-Costa, 2007). Mas, é só na
década de 60 que a organização ganha fôlego (Ávila, 2009), a partir de discussões da situação
da trabalhadora doméstica na sociedade brasileira (Bernardino-Costa, 2007). Foi nessa década
que houve os primeiros congressos e encontros regionais e nacionais da categoria (Ávila,
2009).
Após muitas discussões, foi somente em 1972 que as trabalhadoras domésticas tiveram
alguns direitos reconhecidos (Bernardino-Costa, 2007), a partir da lei nº 5.859, de 11 de
dezembro de 1972, que garantiu três direitos: carteira assinada, férias de vinte dias por ano e à
previdência social. Essa lei foi, então, regulamentada pelo decreto nº 71.885, de 26 de
fevereiro de 1973, que estabeleceu que empregado doméstico “é aquele que presta serviço de
23
natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou a família, no âmbito residencial
destas”.
Após a regulamentação em 1973, foi somente em 1984 que a questão do trabalho
doméstico foi retomada nas discussões jurídicas, por meio da lei nº 7.195, de 12 de junho de
1984. Essa lei tinha o ideal de estabelecer a responsabilidade civil das agências de
empregadas desta categoria sobre os danos causados pelos trabalhadores por elas indicados
(Maziero, 2010).
Em 1993, no sétimo Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, que tinha
como tema O Novo Perfil da Trabalhadora Doméstica no Brasil Hoje, constatou-se o
surgimento de um maior número de diaristas, haja vista o desejo dessas profissionais por
liberdade, ou até mesmo da recusa dos patrões em assumirem os encargos sociais. Desse
modo, ficou a cargo dos sindicatos assumirem a defesa dos direitos dessas trabalhadoras
(Bernardino-Costa, 2007).
A 100ª Conferência Internacional do Trabalho, da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que aconteceu em 2011, intitulada Trabalho decente para trabalhadoras e
trabalhadores domésticos, impulsionou a alteração do artigo 7º da Constituição Federal, que
versa sobre o estatuto diferenciado dos trabalhadores domésticos e suas garantias de proteção
legal. Essa alteração constitucional é parte de uma luta que durou décadas (Brites, 2013).
Foi, então, em abril de 2013 que a Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013,
conhecida como “PEC das Domésticas”, foi aprovada. A proposta equiparou os direitos dos
empregados domésticos aos demais trabalhadores urbanos e rurais, previsto no artigo 7º da
Carta Magna de 1988 (Macedo, 2013).
Uma questão um tanto intrigante não foi colocada em tela no debate: o direito das
diaristas. Levando em consideração que trabalhadores domésticos são aqueles que prestam
“serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou a família no âmbito
24
residencial destas”, há certa divergência entre os juristas em definir se a diarista é ou não
trabalhador doméstico, em virtude da característica contínua que aparece no artigo 3° do
Decreto Lei 71.885 de 09 de março de 1973. Para parte das instâncias jurídicas do país, a
diarista não presta serviço de natureza contínua, ou seja, permanente. Entretanto, para os
sindicatos dos trabalhadores domésticos, o trabalho da diarista é contínuo e regular,
independente do número de dias que estejam na casa dos patrões. Assim, também para o
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mensalistas e diaristas são trabalhadoras
domésticas para efeitos demográficos (Bernardino-Costa, 2007).
Com o objetivo de cessar os impasses das divisões da categoria, em abril de 2009, a
senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) propôs três projetos ao Senado Federal: o projeto de
Lei nᵒ 159, que tinha por objetivo estabelecer uma multa aos empregadores que
descumprissem a legislação; o projeto de Lei nᵒ 160, que busca definir o trabalho da diarista;
e o projeto de Lei nᵒ 161, que busca diminuir de 12% para 6% o valor que o empregador tem
que contribuir para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com o intuito de aumentar a
formalização do trabalho doméstico remunerado (Monticelli, 2013).
Para o segundo projeto, definiu-se que a diarista deverá apresentar ao contratante o
comprovante de contribuição ao INSS como Contribuinte Autônomo, ou como Contribuinte
Funcional. Além disso, estipulou-se que a diária equivaleria a 1/30 (um trinta avos) do salário
mínimo vigente; a jornada de trabalho equivaleria a oito horas; e dois dias como definidor da
diarista. Entretanto, tendo em vista várias reivindicações, principalmente do movimento
sindical, a deputada Sandra Rosado do PSB de Pernambuco entrou com o Projeto de Lei nº
7.279 (2010), que dispõe que a diarista é aquela que presta serviço eventual ou no máximo
uma vez por semana para um mesmo contratante (Monticelli, 2013).
25
Apesar dos dissensos jurídicos, o trabalho de diarista se caracteriza como
trabalhadores que prestam serviços por até dois dias por semana para um mesmo contratante,
sendo esta uma atividade sem vínculo empregatício e, portanto, sem normatizações legais,
consistindo em um trabalho autônomo e de sobrevivência (Teixeira et al., 2015). Além de não
conviver com os patrões e não limpar a mesma casa todos os dias, muitas vezes não se
encontram nem com seus empregadores na residência, pois tem uma rotina de trabalho
diversa (Monticelli, 2013).
Apesar de mudanças recentes na legislação (Debert, 2014), e das conquistas de
diversos direitos pelas empregadas domésticas, em decorrência da lei complementar nº 150,
de 1º de junho de 2015, as diaristas continuam às margens do trabalho formal.
Alguns módulos permanecem blindados a mudança social. Um deles diz respeito ao
direito das Diaristas, ainda profundamente vulneráveis. Mas o maior de todos os
impasses consiste em sair do corpo da lei para as práticas sociais. Mesmo com as leis
reguladoras do trabalho vigentes desde 1972, 73,2% das trabalhadoras domésticas
brasileiras subsistem sem carteira de trabalho assinada. Além da dificuldade de
formalizar o vínculo empregatício, o sistema de fiscalização dos direitos do trabalho
encontra obstáculos intransponíveis (Brites, 2013, p. 437).
É, portanto, a incompletude dos direitos alcançados que as caracterizam ainda como
uma categoria do setor informal, não incluída na Confederação das Leis do Trabalho (CLT)
(Ávila, 2009).
1.3. Um caso particular de trabalho doméstico: as diaristas
O mundo do trabalho tem passado por diversas transformações decorrentes do
processo de reestruturação produtiva. No Brasil, esse movimento aconteceu no final da
década de 80, como consequência das políticas neoliberais que incentivaram a flexibilização,
desregulamentação e precarização do trabalho (Alves & Almeida, 2009).
26
Como resultado disso, os trabalhadores começaram a perder direitos trabalhistas e
sociais, o que fez com que buscassem alternativas de subsistência e novas formas de inserção
laboral, tal como a informalidade (Prisco, Carvalho, & Gomes, 2013).
Reflexo das mudanças, as trabalhadoras domésticas se viram na condição de redefinir
seus locais de trabalho. A opção de se inserir no âmbito da informalidade se dá pela
oportunidade que oferece ao trabalhador de ter mais controle sobre sua atividade, maior
flexibilidade quanto ao uso do tempo, maior autonomia e melhores rendimentos (Menezes &
Carrera-Fernandez, 1998).
Retrato disso é o que acontece com as diaristas, as quais têm autonomia para
administrar seus serviços, podendo escolher para quem desejam trabalhar, em quais dias e
horários, além de poderem prestar serviço para mais pessoas e, quando não satisfeita, escolher
usuários diferentes para oferecer seus serviços (Fernandes, 2009).
Entretanto, há que se notar a imprevisibilidade da renda e a falta de seguridade social
oriundas desse tipo de inserção laboral informal (Coutinho, Borges, Graf, & Silva, 2013),
além da falta de compensação financeira em casos de doenças e acidentes (Iriart et al., 2008).
A ocupação de diarista apresenta uma tendência de aumento expressivo em
comparação ao número de trabalhadoras domésticas. Apesar de desempenharem funções
idênticas às empregadas domésticas, sua condição no mercado informal não lhes possibilita
gozar dos mesmos direitos usufruídos por elas (Prisco, Carvalho & Gomes, 2013), mesmo
após a institucionalização da lei complementar nº 150, de 2015.
Como avalia Nunes (1993), a existência das diaristas se dá pelo contexto econômico e
social que o país ou região vive: “em período de recessão, tinha muitas poucas vagas de
diaristas a oferecer, mas ao contrário, muitas vagas para mensalistas, o que as diaristas não
aceitavam” (p. 255). Durante 1890-1930, as tarefas das diaristas se configuravam em
27
trabalhos específicos, como a limpeza de um cômodo ou a lavagem das roupas. Enquanto que,
nos anos 90, as diaristas trabalhavam também com congelados, na limpeza pesada e como
ajudante por um dia da trabalhadora doméstica mensalista (Monticelli, 2013).
Ao passo que tem diminuído acentuadamente o número de empregadas mensalistas
residentes, cresce o número das que trabalham como diaristas, principalmente nos grandes
centros metropolitanos, como já constatado por Melo, em seu estudo da década de 90.
Algumas discussões, como a de Harris (2007), assumem posições sobre se a atividade das
diaristas é mais vantajosa quando comparadas ao trabalho doméstico da mensalista. Um
estudo comparativo realizado entre essas trabalhadoras, nos EUA e no Brasil, revelou que a
relação contratual de trabalho da diarista se configura como uma relação mais moderna,
racional e capitalista, uma vez que essa modalidade de trabalho permite que as trabalhadoras
tenham maiores rendimentos, mais chances de autonomia, bem como mais condições de
controlar as horas trabalhadas (Harris, 2007).
Outro estudo com diaristas, realizado na região metropolitana de Curitiba, salienta
certa valorização dessas trabalhadoras a possibilidade de consumo, ao fato de as relações de
trabalho permitirem dizer “não”, quando necessário, e a existência de maior autonomia
(Monticelli, 2013).
Uma pesquisa realizada por Nunes (1993) avalia que a categoria das diaristas consiste
em trabalhadoras que conseguiram sair de um contexto de opressão, e, por isso, investiram em
uma atividade menos formalizada, ou seja, encontraram um caminho mais autônomo, que
proporciona menos humilhação e ambivalências afetivas, mudando a percepção de si mesmas.
Ou, ainda, as diaristas estariam sendo as pioneiras em quebrar o ciclo de relações desiguais e
afetivas, construindo um distanciamento emocional e, consequentemente, mais empreendedor
(Monticelli, 2013).
28
A tese defendida por Monticelli (2013) expõe que as escolhas profissionais das
diaristas eram influenciadas pelas experiências sofridas ao longo de suas vidas. A maior parte
do público desse estudo já havia se empregado em outros segmentos, como, por exemplo:
garçonete, operadoras de máquina, vendedoras de loja e até mesmo empregada doméstica
com contrato mensal. Entretanto, escolheram ser diaristas por causa do dinheiro. Assim, o
processo de escolha deste trabalho, para as diaristas, estava baseado tanto em suas emoções
como em suas experiências.
Em um estudo que discute as vantagens e desvantagens em ser diarista, Coutinho et al.
(2013) também observam que um dos principais motivos para a escolha de ser diarista é a
remuneração, principalmente quando comparada ao exercício da atividade doméstica com
registro formal e carteira. Algumas trabalhadoras declararam, inclusive, ganhar até o dobro da
remuneração auferida mensalmente, caso tivessem vínculo formal. Uma diarista relatou que
seu trabalho não requer custos altos, não sendo necessário o investimento em roupa, calçado e
comida.
As diaristas estão ganhando mais e trabalham menos horas (Fraga, 2010). O IBGE
revelou que, de 2009 a 2011, o rendimento dos trabalhadores domésticos que exerciam
atividades sem carteira aumentou 15,2%, enquanto que entre os que exerciam a atividade com
registro formal o aumento foi de apenas 5,2% (2012, como em Coutinho et al., 2013).
Outro dado que reflete o perfil dessas trabalhadoras é o aumento no número de
diaristas mais velhas, na faixa etária entre 30 e 60 anos, de 42,6% para 68% (Brites, 2013).
Prisco, Carvalho e Gomes (2013) coadunam com Brites (2013) ao revelar que esse público
está envelhecendo. Monticelli (2013) aponta que cerca de 45,9% das trabalhadoras tinham
entre 40 e 59 anos de idade, enquanto que o contingente de trabalhadoras jovens era de
18,26%. Isso acontece porque as mulheres mais jovens estão se recolocando em atividades
que, embora não sejam tão rentáveis, tem maior reconhecimento social (Brites, 2013).
29
Além disso, a flexibilidade desse trabalho permite que as trabalhadoras conciliem seu
“ganha pão” com as exigências laborais do âmbito familiar e doméstico, ou seja, trabalhar
menos dias durante a semana permite que elas também deem conta de interesses pessoais,
como o cuidado dos filhos, além de terem mais oportunidade para descansar (Coutinho et al.,
2013).
Atualmente, as diaristas realizam todas as tarefas domésticas, como lavar louça, limpar
banheiros, lavar roupas, varrer, tirar o pó e passar roupa, coisas que antes eram designadas às
empregadas mensalistas (Monticelli, 2013). Ou seja, percebe-se a qualidade de um trabalho
polivalente nessa modalidade de atividade.
1.4. Um retrato do trabalho doméstico
1.4.1. O trabalho doméstico em números
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas
(IPESPE), em 1992, traçou o perfil das empregadas domésticas nas seguintes cidades
brasileiras: Porto Alegre, Recife, Campinas, Salvador, Rio de Janeiro, Londrina, Volta
Redonda e São Paulo. Constatou-se que elas tinham baixo nível de escolaridade,
primordialmente as mensalistas residentes, das quais 5% nunca foram à escola e 26%
estudaram até antes da quinta série (IPESPE, 1992, como citado em Ávila, 2009).
Em 2006, o DIEESE apresentou que cerca de 60% das empregadas domésticas
brasileiras não chegaram a completar o ensino fundamental. Ainda assim, a faixa etária
predominante delas era de 25 a 39 anos. Essa faixa etária reflete o alto número de mulheres
desempenhando as atividades domésticas no auge de suas capacidades produtivas (OIT,
2006), muito embora essa realidade venha se modificando, como veremos adiante. Nas
30
regiões Sul e Sudeste, percebe-se um maior número de mulheres numa faixa etária de pessoas
mais velhas, ou seja, com mais de 40 anos, quando comparada às outras regiões (IBGE,
2005).
Segundo o IBGE (2005), no Brasil, durante a década de 90, as empregadas mensalistas
residentes no trabalho eram as que trabalhavam o maior número de dias na semana e
chegavam a exceder oito horas de trabalho diário. Em Recife e em Salvador, por exemplo, as
jornadas de trabalho das empregadas domésticas eram em torno de 47 e 43 horas semanais,
respectivamente. Entre as mensalistas sem carteira assinada, as jornadas semanais alcançavam
52 e 45 horas para as mesmas cidades. Contraditoriamente, as jornadas de trabalho eram
maiores para aquelas que tinham a carteira assinada: em torno de 57 e 51 horas por semana
(Ávila, 2009).
Entre as décadas de 70 e 90, por exemplo, houve um crescente aumento no número de
trabalhadoras domésticas, que chegou a mais de 200% (Bruschini & Lombardi, 2000).
Contrário a isso, outros estudos apontam que, nesse mesmo período, o avanço da
industrialização explica a queda na importância do emprego doméstico para mulheres
brasileiras: na década de 70, as trabalhadoras representavam cerca de 27%, enquanto que, na
década de 80, decresceu para 20% (Melo, 1998).
No ano de 1995, as empregadas domésticas totalizavam quase 5 milhões de mulheres,
representando 19% da População Economicamente Ativa (PEA). Uma década depois, a
categoria das empregadas domésticas chegou a equivaler a 6,9% da PEA, o que corresponde a
6,65 milhões de brasileiros (Bernardino-Costa, 2007). Todavia, segundo dados da OIT, pela
primeira vez, no ano de 2011, foi registrada uma diminuição no número absoluto de
empregados domésticos (Carelli, 2011). Enquanto, em 2009, havia 6,7 milhões de
empregadas domésticas no Brasil, em 2011 foi registrada a tendência de diminuição dessa
categoria em 6,160 milhões (Macedo, 2013).
31
O que se sabe é que, em 1992, havia 19,2% de trabalhadoras residentes, no Brasil;
porém, em 2008, a proporção caiu para 6,4%. Nesse mesmo período, o número de diaristas
aumentou de 16,5% para 26,5% (Brites, 2013). Para Melo (1998), as mensalistas estão
fadadas a desaparecer. Na verdade, tem crescido o número de pessoas prestando serviço para
mais de um empregador.
Em 2001, 74,1% das empregadas domésticas, distribuídas no setor de serviços, não
possuíam carteira assinada (IBGE, 2000). No ano de 2006, dados indicavam que 94% das
pessoas empregadas no trabalho doméstico não eram contribuintes da Previdência Social
(IBGE, 2006).
Conforme alguns levantamentos estatísticos sobre economia informal no Brasil, 74%
das empregadas domésticas não têm carteira assinada e, em sua grande maioria, não
pretendem estabelecer vínculo formal, uma vez que junto a regulamentação do trabalho os
deveres são talvez mais severos (Brites, 2003). Segundo o IBGE (2011), o número de
trabalhadoras domésticas remuneradas com carteira assinada é de apenas 29,3% entre as seis
milhões pertencentes à categoria, o que indica escassa formalização desse tipo de trabalho,
além do ínfimo impacto das conquistas no campo legislativo (Monticelli, 2013), apesar das
conquistas recentes, no ano de 2015.
1.4.2. O trabalho doméstico no contexto de gênero
A partir da segunda metade do século XX, em decorrência da reestruturação produtiva
e da globalização, mulheres que antes não exerciam atividades remuneradas passaram a
exercê-las (Bruschini, 2007). Todavia, esse trabalho era marcado por más condições, como,
por exemplo, extensivas horas de trabalho e piores remunerações (Daniel, 2011).
32
Até a década de 80, as atividades de trabalho realizadas pelas mulheres apresentavam
caráter complementar em relação ao trabalho masculino no sustento da família. Nesse
momento, o trabalho das mulheres caracterizava-se pela intermitência, baixa escolaridade e
reduzida remuneração. Ainda nesse período, começam a haver modificações sobre esse
caráter complementar atribuído ao trabalho feminino, pois, em decorrência do fraco
desempenho da economia nacional nas décadas de 80 e 90, as mulheres brasileiras iniciaram a
procura por emprego como uma forma de garantir a renda familiar (Cirino & Lima, 2012).
Atualmente, as famílias brasileiras são caracterizadas pela presença de dois membros
provedores (Bartholo, 2009; Wajnman, 2012). A divisão sexual do trabalho (DST), ao mesmo
passo em que possibilita que as mulheres tenham uma renda própria, constrange a maneira
como elas se inserem, ou seja, facilitam a sua entrada em algumas áreas e dificultam em
outras (Young, 1996). Dessa forma, no mundo do trabalho remunerado há uma distinção entre
as atividades que podem ser desenvolvidas pelas mulheres e aquelas que podem ser
desenvolvidas por homens, e isso gera influência tanto na escolha profissional das mulheres
quanto na sua circulação nos espaços de trabalho.
A inserção da mulher no mercado de trabalho é marcada pela feminização de algumas
atividades (Cirino & Lima, 2012). O trabalho doméstico é definidor de feminilidade, assim
como é um possível lócus de desigualdade (Macedo, 2013), por isso, tem um peso
significativo quando se trata da inserção da mulher no mercado de trabalho. O trabalho
doméstico como trabalho das mulheres é elemento de sustentação da DST e da sua
reprodução (Ávila, 2009). A feminilização não se trata apenas de um quantitativo
representativo de mulheres em um setor de trabalho, mas sim da qualidade ligada a uma
forma específica de trabalho (Gutierrez-Rodriguez, 2010).
Nas últimas décadas do século XX, as mulheres ampliaram o seu acesso à educação
formal (Bruschini & Puppin, 2004) e, como decorrência do aumento da escolaridade, foi
33
possibilitado o seu ingresso em atividades que antes eram restritas aos homens, tais como
engenharia e medicina. Mas, apesar das transformações, algumas permanências insistem em
ser conservadas, como é o caso do emprego doméstico e a dinâmica dessa atividade de
trabalho (Daniel, 2011).
Entre 2011 e 2012, nas regiões metropolitanas, a participação feminina na força de
trabalho apresentou crescimento superior a dos homens. Enquanto a taxa de crescimento de
participação dos homens foi de 1,6%, a taxa de participação das mulheres foi de 2,5%
(Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados [Seade] & DIEESE, 2016). Em geral, 16%
das mulheres atuam no setor agrícola, 16% no comércio, 16% na saúde, serviços sociais e
educação e 17% no trabalho doméstico (Bruschini, 2007).
Apesar do aumento da participação das mulheres no mercado, essas ainda são as
maiores vítimas do desemprego (Batista & Cacciamali, 2009). Quando conseguem se incluir,
geralmente são em trabalhos mais precarizados e de pouca valorização social, como a
responsabilidade pelos afazeres domésticos e o trabalho doméstico assalariado (Cirino &
Lima, 2012). Há clara desvantagem em relação aos indivíduos do sexo oposto, haja vista os
resquícios do patriarcalismo, que colocou a mulher em posição de submissão ao homem, já
que o patriarca era quem detinha o poder diante da sociedade (Silva, 2014). “Na maioria dos
casos, aquilo que a mulher faz ou deveria fazer não recebe o nome de trabalho” (Rodrigues,
2005, p. 31). Isso acontece devido ao espaço social que a mulher ocupa, notadamente
reforçado pela DST, a qual atribui o trabalho produtivo aos homens e o trabalho reprodutivo
às mulheres (Ávila, 2009).
O termo divisão sexual do trabalho trata da distribuição diferencial de homens e
mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e nas profissões, além das variações no tempo e
no espaço dessa distribuição (Hirata & Kergoat, 2007).
Refletindo sobre isso, Fontoura e Gonzalez (2009) descrevem:
34
Em 2008, enquanto o trabalhador brasileiro do sexo masculino recebia em média R$
1.070,00, as trabalhadoras ganhavam R$ 700,00, ou seja, 65% do rendimento dos
homens. Esta diferença se amplia: I) na área rural, onde as mulheres recebem somente
38% do que recebem os homens; II) nas faixas de idade mais avançada, nas quais as
mulheres com 60 anos ou mais de idade recebiam 42% do que recebiam os homens na
mesma faixa; e III) nas camadas mais pobres, nas quais as mulheres das famílias com
renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo recebiam 51% do rendimento
masculino nas mesmas famílias (p. 23).
Bruschini (2007) completa:
Em 2005, nada menos que 33% da força de trabalho feminina ou 12 milhões de
mulheres situavam-se em nichos precários, ou de menos qualidade, no mercado de
trabalho, seja como trabalhadoras domésticas (mais de 6,2 milhões), seja realizando
atividades não remuneradas (3,3 milhões) ou trabalhos na produção para consumo
próprio ou do grupo familiar (2,7 milhões) (p. 22).
É válido ressaltar que, ao longo do tempo, o perfil das mulheres inseridas no mercado
de trabalho também foi se modificando. Enquanto, na década de 70, as mulheres eram em sua
maioria jovens, solteiras e pouco escolarizadas, atualmente, as mulheres possuem faixa etária
mais elevada e têm níveis mais elevados de escolarização (Jatobá, 1994; Leone, 2000).
A participação de mulheres mais velhas na força de trabalho é inferior a dos homens
idosos. Em geral, as mulheres mais velhas trabalham em empregos irregulares, no trabalho
doméstico, sofrem invisibilidade e não necessariamente constam em estatísticas laborais. À
medida que as mulheres envelhecem mais, a discriminação tende a aumentar e, por isso, essas
mulheres são vulneráveis em virtude de sua participação em trabalhos mal remunerados,
irregulares ou de economia informal (OIT, 2008).
Em 2006, 18% das mulheres ocupadas eram trabalhadoras domésticas. No contexto
metropolitano, esse percentual chega a ser 20%. Nesse setor, a maioria são mulheres e as
empregadas domésticas constituem uma das maiores categorias de trabalhadoras, seu total
sendo de 6.782.111, ou seja, 7,6% da população ocupada (DIEESE, 2006). Dentre 53 milhões
de trabalhadores domésticos no mundo, 43 milhões são do sexo feminino (Maia, 2014).
35
1.4.3. O trabalho doméstico no contexto do envelhecimento populacional
Tendo em vista a baixa taxa de natalidade e o aumento da longevidade, as mudanças
na transição sociodemográfica percebidas nos últimos anos acarretaram um aumento no
número de idosos. A menos que a natalidade volte a crescer, as próximas décadas serão
marcadas por um crescimento ainda maior desse número. Em um período de 18 anos, dobrará
o número de pessoas idosas no Brasil (Costa & Soares, 2009).
Isso posto, diversos temas passaram a ser atravessados pelo processo de
envelhecimento populacional. O aumento da expectativa de vida dos brasileiros ocasionou
impactos nas diversas dimensões da vida social. A suposta nova era do envelhecimento é
capaz de evocar imagens de vitalidade, atividade e empreendedorismo, recolocando, por
exemplo, esses indivíduos em arenas sociais significativas, tal como o trabalho (Laranjeira,
2010).
A relação entre envelhecimento e trabalho vem sendo discutida de diversas formas. A
força de trabalho tem envelhecido na sociedade moderna (Padula et al., 2013). Do mesmo
modo, o processo de transição demográfica ocasiona o envelhecimento da população em
idade produtiva e da força de trabalho.
Segundo dados do IBGE, no Brasil, em 2006, cerca de 54% dos trabalhadores tinham
60 anos ou mais e, em 2009, cerca de 70% de pessoas idosas tinham alguma atividade
profissional. É esperado que em 2020 cerca de 11% da PEA seja constituída por trabalhadores
idosos (França & Soares, 2009). Entretanto, como apontam Queiroz e Ramalho (2009),
existem poucos estudos que se detêm ao trabalho do idoso no mercado de trabalho.
Em pesquisa recente, no ano de 2016, via Sistema IBGE de Recuperação Automática
(SIDRA), foi possível constatar que, nos anos de 2012 e 2013, houve um aumento, no Brasil,
na região Nordeste e no RN, no número de pessoas economicamente ativas nos grupos de
36
idades de 40-49 anos, 50-59 anos e 60 anos ou mais. No país, cerca de 3,1 milhões de idosos
com 65 anos ou mais continuam trabalhando, muito embora 74,4% sejam aposentados
(Cockell, 2014).
O processo de envelhecimento ocorreu de forma tão rápida que, como consequência
disso, há uma participação mais elevada de trabalhadores mais velhos na dinâmica
ocupacional. Conforme prevê o Estatuto do Idoso: “o idoso tem direito ao exercício de
atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas” (lei nº
10.741, 2003). Por isso, hoje se tem encorajado o exercício de atividades de trabalho flexíveis
para a população mais velha, como uma forma de prolongamento da vida ativa, mas isso
difere quanto ao gênero.
Conforme é possível destacar no estudo realizado por Loretto e Vickerstaff (2015),
existe uma relação entre gênero, idade e trabalho flexível. A idade intensifica algumas das
desigualdades de gênero em experiências desse tipo de trabalho. As formas de trabalho
flexível realizadas por homens mais velhos tem um nível mais elevado de escolha e de
autonomia do que aquelas normalmente realizadas por mulheres mais velhas. Quando essas
conseguem o trabalho formal, o trabalho não é flexível. No Brasil, muitas das mulheres idosas
que estavam trabalhando em regime flexível e produtivo estavam em trabalhos invisíveis, de
caráter informal (OIT, 2008).
Além da feminilização do envelhecimento, ou seja, um elevado número de mulheres
idosas em comparação ao número de pessoas do sexo oposto em processo de envelhecimento,
há o aumento no número de mulheres em idades intermediárias e elevadas realizando algum
tipo de atividade, formal ou informal (Nascimento & Rabelo, 2008). No ano de 1995, foram
entre mulheres de 30 a 39 anos, e 40 a 49 anos, que foram encontradas as mais altas taxas de
atividade. O padrão feminino de participação econômica por idade apresenta um significativo
processo de envelhecimento, ou seja, as projeções indicam que a participação feminina no
37
mercado de trabalho atingirá idades bem elevadas: 50 anos, o que já vem sendo observado
(Bruschini & Lombardi 2000; Wajnman & Rios-Neto, 2000).
Foi nesse sentido que a Declaração dos membros do Conselho Europeu apontou uma
missão a União Europeia: “deve ser prestada especial atenção à difícil situação de mulheres
desempregadas e dos trabalhadores mais velhos” (1994, como citado em Walker, 2005).
Segundo uma Comissão Europeia, o mercado deve se tornar mais flexível para aqueles
maiores de 60 anos, haja vista o aumento substancial de idosos em relação aos mais jovens
(D’Alencar & Campos, 2006).
Dentre as atividades de maior predominância de trabalhadores mais velhos, destacam-
se: atividades da construção civil, atividades que requerem maior qualificação e serviços
domésticos (Guimarães, 2012), este último que, não à toa, é composto, em sua maioria, por
mulheres. Tem havido o envelhecimento do perfil das trabalhadoras domésticas, algo
associado ao fato de que aos 40 anos mulheres já são consideradas mão de obra indesejada ao
mercado e acima dos 50 anos de idade isso apenas se agrava. A inserção no emprego
doméstico é considerada a única alternativa, haja vista as dificuldades de se absorver uma
mão de obra mais velha, principalmente quando se está em jogo outra variável: o baixo nível
de escolaridade (IBGE, 2012).
a) Concepções de desenvolvimento humano
A institucionalização do curso de vida baseado na idade cronológica é consequência
da modernização da sociedade (Debert, 1998). A velhice, por exemplo, é tida como uma fase
que se inicia notadamente aos 60 anos, entretanto, tem-se percebido o fenômeno do
“envelhecimento precoce” no âmbito do trabalho.
38
Nesse contexto, a velhice, enquanto sinônimo de perda, desvalorização e abandono, se
inicia aos 40 anos (Peres, 2002). Para Neri (1996), no mundo do trabalho, a média de idade do
início da velhice é fixada em 50, 45, e 40 anos de idade.
A construção da velhice aos 40 anos, no mundo do trabalho, carrega muitos dos
estereótipos negativos que caracterizam a velhice (Neri, 1991; Palmore, 1999). À medida que
os profissionais atingem a faixa etária dos 40 ou 50 anos, eles sofrem com os estereótipos
dessa fase de vida (Palmore, 1999) e, por isso, há certa dificuldade desses profissionais em se
reintegrarem ao mercado ou continuarem nele (Peres, 2002).
A construção da categoria “idade”, no sentido biológico, é semelhante em diversos
países. Porém, sobre a categoria social dos idosos, que leva em consideração o relógio social,
há forte diversidade, uma vez que cada indivíduo constrói sua história do envelhecer e, por
isso, chega à velhice de diferentes formas. A velhice é, portanto, uma categoria histórica e
social (Lopes, 2006).
É importante mencionar que não há uma definição clara sobre quem seria o
trabalhador “mais velho”. Na Europa, entende-se que trabalhadores que possuem 45 anos são
trabalhadores mais velhos; noutra perspectiva, nos EUA, a idade atribuída ao trabalhador mais
velho é de 60 anos ou mais (Mendes, Bogéa, & Sobral, 2012). Isso porque é difícil estabelecer
um padrão do envelhecimento nas sociedades (Papaléo, 2006). “Um jogador de futebol com
40 anos pode ser considerado velho e um advogado com a mesma idade ainda não atingiu o
clímax necessário para obter credibilidade da sua clientela” (França, 1999, p. 13).
Fula, Amaral e Abraão (2012), ao tentarem contribuir com a definição do conceito,
constataram que a idade do trabalhador mais velho varia de 53 a 65 anos, idades transitórias,
que indicam que o sujeito está no final da sua vida ativa, ao passo que se prepara para a
aposentadoria.
39
Outros estudiosos também se preocuparam em definir a idade do trabalhador mais velho,
como McCarthy, Heraty, Cross e Cleveland (2014); as análises estatísticas tendem a definir
essa idade a partir dos 45 anos (Tikkanen & Nyhan, 2006). Já a OECD (2006) define o termo
para trabalhadores a partir dos 50 anos. Entretanto, a depender do objeto de estudo, essa
idade pode variar (Kooij, Lange, Jansen, & Dikkers, 2008).
Apesar disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu, no ano de 1991, como
trabalhador em processo de envelhecimento aquele com idade igual ou superior a 45 anos,
haja vista que é nesse momento que as pessoas começam a perder suas capacidades
funcionais, caso medidas preventivas não sejam adotadas, bem como se as condições de
trabalho não forem adequadas (Camarano & Pasinato, 2008; Gonçalves, et al., 2012; Hébert,
1997)
1.5. Em síntese...
Com base no que foi discutido, no Brasil, a relação do emprego doméstico é marcada
pela manutenção de um sistema estratificado de gênero, classe e cor, o que ajuda a reforçar
desigualdades. A esses elementos tem-se agregado, ainda, outra dimensão: a idade.
Entendemos que a questão do trabalhador mais velho não toma como parâmetro
apenas os aspectos biológicos ou a faixa etária, mas também a perspectiva de que a categoria
envelhecimento se processa de maneira diferente para todos os sujeitos. Uma vez que não
necessariamente estamos inseridos no mesmo contexto sociocultural, tampouco as
necessidades subjetivas de inserção e retorno ao trabalho devem ser compreendidas de
maneira homogênea. Por isso, é possível declarar que a velhice não é apenas uma: o que
40
existe são velhices, no plural. Somado a isso, as atividades exercidas pelos diferentes idosos
no campo do trabalho apresentam impactos nos seus desenvolvimentos físico, psíquico e
social, o que torna a terminologia “trabalhadores mais velhos” incapaz de ser reduzida apenas
a aspectos biológicos e funcionais.
Vale ressaltar outras particularidades desse tipo de trabalho, que reiteram a
necessidade de aprofundar o tema e reafirmam a precarização desta atividade. Em geral, as
diaristas possuem baixa escolaridade, baixos rendimentos, desenvolvem atividades que
requerem esforço físico, estão expostas a riscos químicos, além de se inserirem precocemente
no mercado de trabalho, quando ainda crianças.
2. Processo de significação
2.1.Estudos sobre sentido e significado do trabalho
Os temas sentido e significado do trabalho têm sido estudados por diferentes áreas do
conhecimento, notadamente a Psicologia e a Sociologia do Trabalho. Desde a década de 1950,
vem sendo realizadas pesquisas visando compreender o que dá sentido ao trabalho para as
pessoas (Morin, Tonelli, & Pliopas, 2007), principalmente em decorrência das mudanças no
mundo do trabalho, a saber: a reestruturação produtiva.
41
Para tanto, ora os estudos apontam diferenças entre sentido e significado, ora usam
esses termos indistintamente (Tolfo, Coutinho, Almeida, Baasch, & Cugnier, 2005). Para
Tolfo e Piccinini (2007), significado consiste no entendimento social do que seria o trabalho,
enquanto que o sentido remete a uma dimensão pessoal. Porém, por se tratar de um constructo
multidimensional, há uma interdependência entre esses dois conceitos. Assim, para Borges
(1998), sentido e significado são elementos do mesmo constructo, apresentando caráter de
complementaridade.
Os estudos realizados pelos pesquisadores do grupo Meaning Of Work (MOW, 1987)
usam apenas o termo significado, enquanto Morin (2001) utiliza o termo sentido do trabalho.
Aqueles realizaram um estudo, durante o período de 1978 e 1984, em oito países (Bélgica,
Alemanha, Inglaterra, Japão, Israel, Estados Unidos, Holanda e a antiga Iugoslávia), que
contou com a participação de mais de 14 mil pessoas. A grande contribuição desse estudo foi
definir um conceito e um modelo para a investigação sobre o significado do trabalho. Como
resultado, foi verificado que o significado do trabalho para o indivíduo é influenciado pelo
contexto organizacional e pelo ambiente familiar e social em que se vive. A partir disso,
foram definidas variáveis condicionantes compostas por três aspectos: 1) situação familiar e
pessoal; 2) características do trabalho atual e histórico de carreira; e 3) ambiente
socioeconômico (MOW, 1987).
Essas variáveis condicionantes ou antecedentes ajudaram a explicar o modelo central,
composto por três dimensões: 1) centralidade do trabalho; 2) normas sociais do trabalho; e 3)
resultados valorizados no trabalho. A primeira, refere-se ao grau de importância que o
trabalho tem na vida de um sujeito; a segunda, representa as normas e expectativas
relacionadas ao trabalho; por fim, a terceira, detalha os motivos que levaram o indivíduo a
trabalhar e a satisfação decorrente durante a realização do trabalho ou depois (MOW, 1987).
42
Enquanto isso, Morin (2001) realizou uma pesquisa que apontou as principais
características para que o trabalho tenha sentido: ser eficiente, satisfatório, moralmente aceito,
permitir relações humanas, garantir segurança e autonomia, além de manter as pessoas
ocupadas.
2.2.A teoria da atividade como subsídio para compreender o processo de significação no
trabalho
O processo de significação se constitui por três componentes e a combinação deles: os
significados produzidos, os sentidos e a atividade (Bendassolli & Coelho-Lima, 2015). A
concepção adotada nesta produção é de que sentido e significado são uma unidade indivisível
mediada pela atividade (Bendassolli & Coelho-Lima, 2015). Desse modo, essa dissertação
está voltada às tradições da teoria da atividade, cujo objeto de análise é o processo dialético de
transformação entre o sujeito e o meio (Piccolo, 2012).
A atividade é o modo de mediação entre o sujeito e a realidade externa, é o modo
como nos enraizamos no mundo. O conceito de atividade deriva do tratamento sociológico
dado a categoria de trabalho por Marx (Piccolo, 2012). Para esse autor, por meio da ação
humana, o homem é capaz de transformar a matéria e atribuir utilidade a ela (Marx, 1987). Ao
longo do tempo, o processo de produção de sentido e significado é aprofundado nas teorias da
atividade, por meio da mediação pelas relações sociais implicadas ao trabalho, assim como a
mediação por ferramentas, equipamentos, tecnologia e cultura (Cole, Engeström, & Vasquez,
1997; Valsiner, 2007).
A categoria trabalho tem uma posição central nessa teoria, uma vez que ela humaniza
o homem, na mesma medida em que potencializa o seu desenvolvimento. Ao agir
43
intencionalmente sobre a natureza, na busca de atender suas necessidades e produzir o que
deseja, o homem deixa suas marcas e também transforma a si próprio, produzindo sentidos e
significados. Como resultado disso, o homem torna-se parte do gênero humano (Moretti,
Asbahr, & Rigon, 2011; Molon, 2008).
Ao longo da história, surgiram diversas críticas a teoria da atividade, da qual existiram
três gerações. A primeira geração é representada por Vygotsky e Leontiev, os quais
sistematizaram o conceito da atividade e a hierarquia desse sistema.
2.2.1. Sentido, significado e atividade em Vygotsky
Para Vygotsky, tudo é resultado da atividade humana quando em relações sociais
(Zanella, 2004). Para tanto, há três aspectos fundamentais que caracterizam a atividade
humana:
a) ser orientada por um objetivo, b) fazer uso dos instrumentos de mediação, e c)
produzir algo que podemos caracterizar como elemento da cultura – seja por sua
existência física seja por sua existência simbólica - e que consiste na objetivação do
ser humano. (Zanella, 2004, p. 130).
Figura 1. Modelo de Atividade de Vygotsky.
Fonte: Vygotsky, 1978, p. 40.
44
Na Figura 1, o sujeito é o agente cujo comportamento se pretende analisar;
artefato/ferramenta são objetos que auxiliem na obtenção do resultado; e o objeto é o material
bruto sobre o qual o sujeito vai agir. Desse modo, pressupõe-se que toda atividade é orientada
a um objetivo (Zanella, 2004), o que supõe que essa seja, portanto, consciente. A capacidade
de planejar as ações torna a consciência inseparável da atividade, o que constitui uma
dialogicidade.
É a partir disso que consciência e atividade se constituem mutuamente por meio do
uso da linguagem como artefato mediador. A atividade é o que mediatiza a relação do homem
com a realidade objetiva; e a consciência, a forma humana de reflexo psíquico da realidade,
ou melhor, produto das relações sociais instituídas pela vida social (Bernardes, 2010; Moretti
et al., 2011).
“A atividade mais geral e fundamental do ser humano, a que diferencia em primeiro
lugar o homem dos animais desde o ponto de vista psicológico é a significação, quer dizer, a
criação e emprego de signos” (Vygotsky, 1998, p. 84). Vygotsky (2001) introduziu uma
diferenciação entre sentidos e significados. As investigações psicológicas que abordam as
práticas sociais e seus processos de significação apresentam diversas implicações. Primeiro,
os sentidos, nos quais há relações de recursividade e de constituição dialética entre as relações
sociais e os processos psicológicos, são necessariamente contextuais; segundo, o que o sujeito
diz no curso de uma investigação psicológica não contém sentido em si mesmo, é uma criação
resultante da interação face a face; por fim, terceiro, as articulações entre sentido e significado
constituem um jogo de forças entre semelhanças e diferenças com estabilidades distintas
(Barros, Paula, Pascual, Colaço, & Ximenes, 2009).
O termo sentido aparece em Pensamento e Palavra (Vygotsky, 2001) como
fundamental na investigação da relação entre pensamento e linguagem, e esse mesmo termo é
apresentado em sua obra como central à dinâmica dos significados da linguagem verbal
45
(Asbahr, 2014). Para tanto, reitera as particularidades da linguagem interior, dirigida ao
sujeito, em relação ao exterior. Nesse caso, o sentido é mais amplo que o significado e propõe
ressaltar aquilo que é especificamente humano do homem, o que o faz avançar numa
investigação acerca da constituição da consciência humana e estabelecer a unidade entre
cognição e emoção (Asbahr, 2014; Barros et al., 2009).
o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em
nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida,
complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma
dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e,
ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata (Vygotsky, 2001, p. 465).
Contudo, o termo sentido ainda aparece com pouca notoriedade (Barros et al., 2009).
A emergência do conceito de sentido se deve ao esforço de Vygotsky em explicar a
especificidade da condição humana, tendo como foco a historicidade e o caráter semiótico dos
processos psicológicos humanos (Barros, 2012).
Pensando nisso, atribui-se a importância de dar maior visibilidade a esse termo como
uma forma de compreender os constructos que dele se originam. Principalmente as
possibilidades que o termo sentido oferece ao se fazer investigações que enfoquem na
centralidade dos processos de significação como constituinte social das funções psicológicas
propriamente humanas (Barros et al., 2009).
O sentido, portanto, é um acontecimento semântico particular, dinâmico, complexo e
instável da significação, constituído pelas relações sociais, haja vista o princípio da
historicidade dos processos humanos, legado do materialismo histórico dialético. Por isso, o
sentido se produz nas práticas sociais, por meio da articulação dialética (interno e externo)
para a construção do mundo psicológico. Desse modo, há múltiplas construções de sentido, ou
seja, a dimensão dos sentidos é integrada por aspectos cognitivos e afetivos, bem como por
processos individuais e coletivos (Barros et al., 2009).
46
Assim, sentidos e significados são produzidos na relação entre os sujeitos, por meio da
atividade, que é marcada pelas trajetórias e experiências, bem como pelas condições e
características do contexto histórico de cada um e de todos do gênero humano (Zanella et al.,
2007).
2.2.2. Sentido, significado e atividade em Leontiev
Já para Leontiev, o trabalho é a atividade principal, e a estrutura da atividade apresenta
duas características centrais: 1) a de orientação, que compreende as necessidades, os motivos
e as tarefas; e 2) a de execução, constituída pelas ações e suas operações, conforme é possível
observar na Figura 2. Para entender a ação é preciso compreender o motivo por trás da
atividade em que está inserida, ou seja, a atividade que a direciona. Por isso, as ações se
transformam em atividade; e as atividades, ao perderem seus motivos, transformam-se em
ações. Enquanto isso, as ações, ao se tornarem procedimentos para alcançarem objetivos,
configuram-se em operações (Moretti et al., 2011).
Quando o ser humano passou a viver em sociedade, e com a consequente divisão do
trabalho, foi que apareceu o que Leontiev denomina atividade. A associação entre uma
necessidade e sua satisfação deixou de ser direta, mas fracionada em decorrência da atividade
coletiva, com o uso de diferentes ferramentas. Isto é, as necessidades passaram a ser
satisfeitas através de ações coletivas de um grupo em interação social (Damiani, 2006).
Desse modo, a atividade existe por meio de ações ou conjuntos de ações. Leontiev
(1978a) descreve: “por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados
por aquilo que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o
objetivo que estimula o sujeito a executar essa atividade, isto é motivo” (p. 68). A atividade é
47
abstrata, ela não pode ser diretamente percebida, o que se percebe são as ações que a
compõem.
Nesse sentido, a ação é um processo parcelar da atividade em unidades menores e não
possui relação direta com o motivo da atividade, mas, sim, guarda relação com o todo. Enfim,
no contexto da teoria da atividade, a ação é um processo subordinado a um objetivo
anteriormente estabelecido e consciente, orientado pelo motivo da atividade, uma vez que
existe como integrante de um conjunto maior que é o da atividade. A atividade só coincide
com a ação quando é composta por uma única ação (Piccolo, 2012). Cada tipo de ação
compõe diferentes tipos de atividade e cada atividade pode acontecer por meio de diferentes
ações.
Figura 2. Estrutura hierárquica da atividade em Leontiev.
Na Figura 2, é possível observar que as operações são acionadas por condições e
ferramentas disponíveis para a ação; já o objeto em mudança e em desenvolvimento de uma
atividade está relacionado ao motivo que o impulsiona. A ação individual é impulsionada por
uma meta consciente (Daniels, 2003). “Embora ações sejam despertadas pelo motivo da
atividade, parecem ser dirigidas para uma meta (...) e uma mesma ação pode servir a
diferentes atividades” (Leontiev, 1978a, p. 64).
48
Ainda assim, conforme exposto na Figura 2, as operações remetem aos métodos para
realizar diferentes ações; a ação está para os objetivos, de como pode ser realizada, individual
ou coletivamente; e, por fim, a atividade responde à necessidade, ou seja, ao porquê de tal
ação.
O fenômeno mais desenvolvido explica o menos desenvolvido, porém o contrário não
é verdadeiro (...) A atividade é composta de uma cadeia de ações cujos fins respondem
indiretamente ao motivo da atividade. As ações, por sua vez, são constituídas por
operações (Martins & Eidt, 2010, p. 679).
Leontiev, ao se apropriar do termo sentido, o denomina de sentido pessoal e o
relaciona com atividade e consciência humana; e, ainda, alerta que o sentido é “antes de mais
nada uma relação que se cria na vida, na actividade do sujeito” (Leontiev, 1978b, p. 97). “(...)
o sentido se exprime nas significações (como o motivo nos fins) e não a significação no
sentido” (Leontiev, 1978a, p. 104).
Quanto ao significado, Basso (1998) evidencia, com base nos estudos de Leontiev
(1978b), que significado é a generalização e a fixação da prática social humana representada
por instrumentos, técnicas, linguagem e relações sociais; e sentido é a razão, o motivo que
incita a pessoa a realizar seu trabalho (Andrade, Tolfo, & Dellagnelo, 2012).
2.2.3. Sentido, significado e atividade em Engeström
A primeira geração apresentou limitações, pois Vygotsky utilizou, como unidade de
análise, os processos básicos superiores. A segunda geração da teoria da atividade foi
desenvolvida com base nos estudos de Engeström, que expandiu o modelo de Leontiev
adicionando o nível macro a estrutura da atividade, com os seguintes elementos: artefatos,
49
sujeitos, objetos, divisão do trabalho, regras e comunidade (Piccolo, 2012). Segundo esse
autor, o estudo de ferramentas ou artefatos deve ser visto “como componentes do
funcionamento humano, integrais e inseparáveis” (Engeström, 1999), por isso, o foco do
estudo da mediação deveria ser na sua relação com os outros componentes de um sistema de
atividade (Daniels, 2003).
Enquanto isso, a terceira geração é de autores que investigam a teoria da atividade
como uma rede de atividades (Piccolo, 2012). Esses autores buscam desenvolver ferramentas
conceituais para a compreensão de diálogos, de múltiplas perspectivas e de redes de sistemas
de atividade em interação (Daniels, 2003).
Como é possível perceber, Vygotsky deu ênfase ao conceito de mediação e do estudo
de ferramentas e artefatos como partes do funcionamento humano, integrais e inseparáveis. Já
Leontiev deu ênfase à estrutura hierárquica da atividade. Por sua vez, Engeström, ao se
apropriar dessas concepções, propõe estudar a mediação na relação com outros componentes
de um sistema de atividade; ou seja, ele propõe ir além do sistema de atividade singular
(Bulgacov, Camargo, Canopf, Matos, & Zdepski, 2014). É com Engeström que o sistema de
atividade servirá de referência nessa produção, pois, com base em suas concepções,
encontramos caminhos para entender a realidade, haja vista o foco por estudar os motivos que
dão sentidos e significados a atividade.
Para Engeström (1987), a atividade é uma formação coletiva, sistêmica, que possui
uma estrutura mediadora complexa. O sistema de atividade produz ações e, também, é
realizado por meio de ações (Daniels, 2003). Na estrutura do sistema de atividade proposto
por Engeström, há uma relação de interdependência entre os elementos sociais/coletivos –
representados pela comunidade, regras e divisão do trabalho – e as ações orientadas por
objetos são sempre caracterizadas por ambiguidade, interpretação e produção de sentidos
(Daniels, 2003; Engeström, 1999), conforme é possível observar na Figura 3.
50
Figura 3. Estrutura de um sistema de atividade humana.
Fonte: Engeström (1987).
Os elementos do sistema serão descritos abaixo, conforme é apresentado em Beffa
(2016):
Sujeito: representa a natureza individual, mas também coletiva, da atividade humana,
indivíduo e subgrupo de pessoas;
Objeto: é o significado, o motivo e a finalidade de um sistema de atividade coletiva:
É considerado como matéria-prima para os sujeitos envolvidos em uma atividade,
estando aberto a inúmeras e parciais interpretações. Essa matéria-prima, que contém
um determinado conflito ou problema a ser resolvido, é vista como decorrente de
constantes interpretações, reconstruções e modificações impelidas pela ação dos
sujeitos, interessando revelar, portanto, o caráter contraditório e historicamente
mutável dos sistemas envolvidos na produção da atividade (Beffa, 2016, p. 7).
Ferramentas: envolvem os instrumentos da ação dos sujeitos, de forma física ou
simbólica, interna ou externa;
Comunidade: onde a atividade está situada dentro do contexto sociocultural daqueles
sujeitos que compartilham o mesmo objeto da atividade;
Regras: relacionamento entre os sujeitos e a comunidade. Tem a ver com regulamentos,
normas, práticas e convenções relacionadas à prática das atividades. Pode aparecer de
forma explícita (leis) e implícita (relações de amizade e poder);
51
Divisão do Trabalho: distribuição de responsabilidades e a variação de papeis dos sujeitos
envolvidos na execução de uma atividade dentro de uma comunidade; implica em relações
hierárquicas, submissões, conflitos;
Com base nessa abordagem, é possível estudar diferentes formas das práticas
humanas, ou seja, as atividades como processo de desenvolvimento (Engeström, 1987). A
análise da atividade humana e das práticas humanas como processo de desenvolvimento,
interligando o individual e o social, ajuda na compreensão do fazer humano, da consciência,
do pensamento e da ação voltada para a mudança (Beffa, 2016).
Nesse sentido, as ações humanas são voltadas para um objeto ou objetivo e esse
direcionamento é intermediado por um contexto social mais amplo, a saber: os artefatos
culturais, as regras sociais, a comunidade e a divisão do trabalho. Do mesmo modo, o sujeito
se direciona a um objetivo ou objeto, estando também sob mediação dos artefatos culturais ou
simbólicos (ferramentas). Esse modo de pensamento altera o foco para as interrelações
complexas entre o sujeito individual e sua comunidade.
As ações orientadas por objeto são sempre caracterizadas por ambiguidade,
interpretação e produção de sentidos, já que a atividade é um fenômeno dinâmico e construído
historicamente, e tendo em vista os cinco princípios que regem a teoria: 1) o sistema de
atividade é coletivo e deve ser visto em sua relação de redes com outros sistemas de atividade;
2) no sistema de atividade há uma multiplicidade de vozes, uma vez que há múltiplos pontos
de vista, tradições e interesses; 3) os sistemas de atividade humana tomam forma e são
transformados ao longo do tempo; 4) as contradições são fontes de mudança e
desenvolvimento; por fim, 5) no sistema de atividade humana é possível a existência de
transformações expansivas, isto é, quando o objeto e o motivo da atividade são conceituados
novamente (Daniels, 2003).
52
É por meio das regras do seu ofício, dos valores e saberes compartilhados por sua
comunidade de pertencimento ou seus pares, que o sujeito tem acesso aos significados. Esses
significados se desenvolvem como recursos para a ação. Porém, para que haja ação, é exigido
do sujeito planejamento da ação. Em sendo consciente, o sujeito pode falar sobre a atividade.
Assim, a atividade possui duas dimensões: 1) objetiva, em que há a produção de objetos e
serviços; e 2) subjetiva, quando há a apropriação de vários significados envolvidos na
produção de novos sentidos (Bendassolli & Coelho-Lima, 2015).
Todavia, a passagem do mundo real para o mundo interno não é reflexo do mundo
social. Para isso, faz-se necessário os artefatos mediadores, como, por exemplo, a linguagem e
a atividade coletiva laboral (Moretti et al., 2011). A relação entre linguagem e consciência
também tem sua importância, porém,
não é a palavra por si mesma o que constitui o eixo da consciência, mas os
conhecimentos socialmente acumulados e objetivados na palavra. A palavra é
essencial para a consciência precisamente porque nela se sedimentam, se objetivam, e
através dela se atualizam os conhecimentos graças aos quais o homem adquire
consciência da realidade (Rubinstein, 1965, p. 372).
A linguagem, por sua vez, denota importância, por conter elementos pessoais e
transpessoais vinculados a narrativas compartilhadas, o que auxilia na denominação de
determinados contextos, formas de vida, e compõe o processo de socialização; assim,
também, é por meio da linguagem que o sujeito se singulariza, por meio do movimento e
processo de interiorização e exteriorização (Bendassolli & Coelho-Lima, 2015).
Ao se relacionar com o gênero humano, sob mediação, o homem consegue fazer
apropriações (interiorização) e objetivações do contexto em que vive (Moretti et al., 2011).
Portanto, nesse movimento, há o processo de subjetivação, decorrente dos significados
internalizados, e o processo de objetivação (externalização), por meio do compartilhamento
de sentidos (Bendassolli & Coelho-Lima, 2015).
53
Para o processo de apropriação da realidade, importância se dá aos signos
(instrumento de significação) e instrumentos como mediadores, pois a atividade do indivíduo
sobre o objeto não é direta (Hila, 2009). Os signos são instrumentos psicológicos produzidos
socialmente e são utilizados pelo gênero humano na comunicação consigo e com os outros.
Caracterizam-se pela reversibilidade, ou seja, são capazes de representar algo tanto para quem
recebe quanto para quem emite, embora essa representação não seja coincidente (Zanella,
2004). São, portanto, os instrumentos que orientam a transformação da atividade externa ao
homem e, por outro lado, o signo que orienta a transformação da atividade interna. Eis as
significações (Bernardes, 2010).
2.3. Em síntese...
O sentido é resultado da interação real existente entre o homem e o mundo, ele é
inconstante e dinâmico, e mais: é o processo de produção singular dos significados. Enquanto
isso, o significado é a narrativa socialmente disponível sobre determinado tema, é resultante
das apropriações efetivadas pelo homem ao longo da história, isto é, produto do movimento
histórico de apropriação da realidade. É imutável e estável.
Os significados são o modo como sintetizamos as práticas sociais, a forma ideal de
existência no mundo objetal; porém, esses significados possuem uma relação de
interdependência com os sentidos, pois a forma como o indivíduo se apropria do significado
depende do sentido pessoal, cuja criação se dá pela relação entre o que incita a ação no sujeito
54
e aquilo para o qual a sua ação se orienta, ou seja, a relação entre motivo e fim da atividade
(Asbahr, 2014).
Embora haja diferença entre sentidos e significados, estes compõem uma unidade
indivisível, medida pela atividade. Desse modo, ambos são parte do mesmo fenômeno e a
compreensão de ambos, mediados pela atividade, constitui o processo de significação
(Bendassolli & Coelho-Lima, 2015), como é possível observar na Figura 4.
Figura 4. Sistema de atividade proposto por Engeström (adaptado).
Fonte: Bendassolli & Coelho-Lima, 2015.
A significação, apropriação da atividade pelo sujeito (Kahhale & Rosa, 2009), é um
processo, pois implica no movimento de produção e transformação coletiva de significados e
sentidos, além da apropriação privada (Zanella, 2004). O sujeito atribui significados a
realidade objetiva, tornando-a subjetiva, por meio da atribuição de sentidos próprios
(Maheirie, 2002). Assim, as significações se referem àquilo que alguma coisa significa, pois
as coisas não significam por si só, tampouco significam a mesma coisa para indivíduos
diferentes (Zanella, 2001). Por significação do trabalho se entende a forma como o individuo
apreende, compreende e define o trabalho, assim como a importância e o valor que atribui ao
trabalho (Andrade et al., 2012).
55
3. Delineamento da pesquisa e aspectos metodológicos
A concepção de homem adotada nesta dissertação resulta em um conjunto de aspectos
individuais e sociais (Moretti et al., 2011). Desse modo, a realidade do fenômeno humano
deve ser compreendida por meio da historicidade da condição humana, o que pressupõe que
estudar algo historicamente significa estudá-lo em processo de mudança (Vygotsky, 1995).
Diante dessa perspectiva, no presente estudo, assumimos uma compreensão dialética e
histórica da realidade social em que o objeto de análise da teoria da atividade é o duplo
processo dialético de transformação entre o meio e o sujeito (Piccolo, 2012). Isso subsidia o
método que orienta esta produção, bem como os objetivos e o modo de proceder na realização
da pesquisa empírica.
A seguir, será apresentado o delineamento da pesquisa, a descrição do plano de
execução da mesma, local e participantes do estudo, instrumento e técnica de pesquisa,
procedimentos de acesso e de análise das informações.
3.1. Delineamento geral da pesquisa
O presente estudo apresenta delineamento transversal, exploratório e descritivo, de
abordagem qualitativa, uma vez que responde a questões particulares que não podem ou não
devem ser quantificadas pelo fato de trabalharem com o universo de significados, crenças,
valores e atitudes (Minayo, 2013). Somado a isso, a abordagem qualitativa é mais adequada
na resolução da problemática aqui descrita, bem como para responder aos objetivos aqui
apresentados.
56
A pesquisa qualitativa, ora descrita, busca realizar uma leitura interpretativa do texto,
das situações e registros, de modo que utiliza as representações das construções sociais, assim
como as significações dos sujeitos pesquisados inseridos num contexto histórico igualmente
importante para a construção dessas representações e significados. Ainda assim, propõe o
caráter construtivo interpretativo do conhecimento, o que implica dizer que o conhecimento é
uma construção, uma produção humana, bem como não é uma apropriação linear de uma
realidade ou que está pronto para conhecer (Rey, 2012).
Para tanto, esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de significação
do trabalho para diaristas que atuam em Natal, RN. Especificamente, investigar os sentidos
associados ao trabalho a partir da compreensão da atividade concreta realizada pela diarista e
identificar as estratégias utilizadas pelas participantes para realizar sua atividade laboral e nela
encontrar sentido.
3.2. Local e perfil dos participantes
Esta pesquisa foi realizada com diaristas que possuíam cadastro ativo pelo Sistema
Nacional de Empregos do RN (SINE), e aconteceu no próprio estabelecimento do SINE. No
momento do estudo, no Espaço Profissional Autônomo (EPA), havia cerca de 110 candidatos
cadastrados como profissionais autônomos diaristas, sendo 3 do sexo masculino e 107 do sexo
feminino. Entretanto, apenas 60 pessoas, dentre as 110, estavam com cadastro ativo e eram
agenciadas pela instituição; nenhuma dessas do sexo masculino. A função predominante das
pessoas cadastradas eram as seguintes: faxineira, lavadeira, passadeira e ajudante geral.
A seleção das diaristas ocorreu via livre consentimento, totalizando 12 participantes,
das quais 6 eram cadastradas para a função de lavadeira e passadeira e outras 6 para a função
57
de faxina e ajuda geral. A Tabela 1 expõe algumas características sociodemográficas das
participantes:
Tabela 1
Caracterização sociodemográfica das participantes diaristas
Diarista Idade Escolaridade Onde
reside
Tempo como
diarista
Horas
trabalhadas
Dias da
semana
D 1 52 anos até o 1º ano Macaíba 19 anos 9 horas 5 dias
D 2 44 anos até o 5º ano Ceará
Mirim 21 anos 9 horas 3 dias
D 3 57 anos até o 4º ano Natal 34 anos 8 horas 2 dias
D 4 64 anos até o 3º ano
Natal 15 anos
8 horas 4 dias
D 5 59 anos até o 3º ano
Natal 14 anos 8 horas 4 dias
D 6 58 anos até o 3º ano
Natal 19 anos 8 horas 3 dias
D 7 53 anos até o 6º ano
Natal 24 anos 9 horas 4 dias
D 8 66 anos até o 9º ano
Natal 39 anos 8 horas 3 dias
D 9 44 anos até o 9º ano
Natal 22 anos 11 horas 2 dias
D 10 55 anos até o 2º ano
Natal 20 anos 8 horas 5 dias
D 11
50 anos
2º grau
incompleto
Natal
40 anos
8 horas
2 dias
D 12
43 anos até o 8º ano
Natal
20 anos
10 horas
3 dias
Como é possível observar, as diaristas entrevistadas encontravam-se numa faixa etária
que variava dos 43 aos 66 anos. Apenas uma delas ingressou no ensino médio, porém
inconcluso. Duas delas moravam na região metropolitana de Natal e as que residem na própria
58
capital moravam, predominantemente, nas regiões administrativas da zona oeste e zona norte,
nos bairros de Felipe Camarão e Guarapes, e Potengi e Igapó, respectivamente.1
Apesar do SINE informar na carta de encaminhamento que o profissional deve
permanecer 9 horas na residência, sendo 8 horas de trabalho e uma hora de almoço, é possível
perceber que algumas delas excediam o tempo de trabalho previsto, reflexo da ausência de
direitos e deveres da atividade de trabalho.
3.3. Instrumento, técnica e acesso às informações dos participantes
O instrumento foi construído levando em consideração quatro dimensões e módulos
temáticos que têm influência sobre a atividade de trabalho das diaristas: 1) a história de vida e
características sociodemográficas; 2) caracterização da atividade de trabalho; 3) influência do
envelhecimento na atividade de trabalho; e 4) os sentidos e significados do trabalho.
A técnica de investigação utilizada foi a entrevista individual semiestruturada, com
auxílio de um roteiro (Apêndice A), que permitia ao entrevistado responder sobre o tema sem
se prender a indagação formulada (Minayo, 2013). As entrevistas foram gravadas e
transcritas. Tiveram duração entre uma hora e duas horas e vinte minutos.
O uso da entrevista individual é um processo social ou uma interação. Não consiste
num processo de informação única, na verdade é uma interação, uma troca de ideias e de
significados, em que as diversas realidades são exploradas e desenvolvidas. Desse modo, essa
técnica nos permitiu explorar em profundidade a história de vida dos indivíduos, as
1 Na zona oeste: no bairro do Guarapes, 34,94% dos rendimentos estão entre ¼ a ½ salário mínimo; em Felipe
camarão, 35,15% estão entre mais da metade de um salário a um salário mínimo. Na zona norte, ambos os
bairros estão com rendimentos entre mais da metade de um salário a um salário mínimo, sendo 34,77% no
Potengi e 37,38% em Igapó (Hora, Medeiros, & Capistrano, 2013).
59
experiências individuais detalhadas e suas escolhas (Gaskell, 2002). São fontes que retratam a
reflexão do próprio sujeito sobre a realidade vivenciada. Do mesmo modo, “as entrevistas
geram compreensões ricas das biografias, experiências, opiniões, valores, aspirações, atitudes
e sentimentos das pessoas” (May, 2004, p. 145).
A apreensão da atividade se deu por meio do autorrelato, haja vista que não há
experiência humana que não possa ser narrada exatamente porque não há experiência humana
que não possa ser significada (Aguiar & Ozella, 2006; 2013). A fala, tomada na situação de
pesquisa, passa por um momento de reelaboração e serve como instrumento ou recurso
simbólico para a atividade (Bendassolli & Coelho-Lima, no prelo).
A etapa de realização das entrevistas foi finalizada quando foi observado o ponto de
saturação, por motivos teóricos e empíricos, com as 12 entrevistas. Nesse momento, temas
comuns começaram a aparecer, ou seja, não apareceram novas surpresas ou percepções nas
narrativas das pessoas, foi perceptível que já havia informações suficientes para responder a
problemática e os objetivos, considerando o aporte teórico (Guba & Lincoln, 1994).
3.4. Procedimento de acesso às informações e cuidados éticos
A pesquisa foi realizada com diaristas que possuíam cadastro ativo junto ao SINE do
RN, regional Natal/RN, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UFRN),
conforme o parecer 1.379.614, de 22 de dezembro de 2015.
Inicialmente, entramos em contato com o SINE/RN. O SINE consiste em uma
instituição vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), instituída pelo Decreto nº
76.403, de 08 outubro de 1975, que opera no estado desde 1977. Essa instituição visa
implementar políticas públicas de emprego e de combate ao desemprego; oferecer
60
atendimento e orientação ao trabalhador através da participação nos Programas e Projetos de
Qualificação e Requalificação Profissional, Geração de Renda e Intermediação de Mão-de-
Obra, proporcionando ao empregador uma oferta de mão-de-obra mais qualificada para
atender às suas necessidades. No mais, o SINE/RN cadastra, seleciona e prepara os candidatos
para as necessidades do mercado.
Mediante apresentação do projeto, foi solicitada a anuência da instituição para a
execução da pesquisa, bem como autorização para o manuseio do banco de dados dos
profissionais autônomos, na modalidade de diarista, cadastrados na instituição para
identificação e delineamento da investigação.
A abordagem às participantes, inicialmente, se deu de forma presencial, quando a
pesquisadora começou a dar plantões no SINE, haja vista que algumas delas compareciam a
instituição para pegar a carta de encaminhamento, ou até mesmo em busca de oportunidades
de agenciamentos. Desse modo, a pesquisadora responsável poderia convidá-las para
participar da pesquisa. Porém, essa iniciativa não teve sucesso, o que nos fez recorrer ao
contato via telefone, quando, então, eram agendados o dia para a participação das diaristas na
referida pesquisa. Mesmo com os agendamentos e confirmação das entrevistas no dia anterior,
houve diversos episódios de não comparecimento.
Após os devidos esclarecimentos sobre a pesquisa e anuência das participantes
através da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE,
disponível no Apêndice B) e do Termo de Autorização para Gravação de Voz (Apêndice C), a
coleta de dados ocorreu em entrevista individual, tendo início em abril de 2016 e se
estendendo até agosto do mesmo ano.
Para participar das entrevistas, as trabalhadoras deveriam apresentar os seguintes
critérios de inclusão: (a) realizar trabalhos domésticos na modalidade de diarista, (b) aceitar o
61
convite para contribuir com a pesquisa de forma voluntária, (c) realizar suas atividades
laborais na cidade de Natal/ RN.
Torna-se válido esclarecer que foram encontradas dificuldades no acesso às
participantes no campo da pesquisa. O recurso utilizado para acessar e convidar as
participantes foi o contato telefônico, no entanto, por dificuldades financeiras de acesso ao
SINE e indisponibilidade de tempo, muitas das diaristas convidadas optaram por não
participar do estudo.
3.5. Procedimento de análise das entrevistas
“A atividade humana é sempre significada: o homem, no agir humano, realiza uma
atividade externa e uma interna, e ambas as situações operam com os significados” (Aguiar &
Ozella, 2006, p. 226). Pensando nisso, apostamos nos núcleos de significação como proposta
coerente para a análise das narrativas das diaristas. Nesse sentido, as palavras não são
suficientes para entender o discurso dos indivíduos investigados, é necessária a apreensão de
suas zonas de sentido, uma vez que o foco é apreender os significados das palavras que
expressam partes do pensamento e, ao mesmo passo, os sentidos que expressam os fatos
psicológicos vividos. Desse modo é possível compreender a maneira de pensar, sentir e agir
(Araújo, 2015).
A proposta de análise e de interpretação dos dados adotada nesse trabalho valoriza a
narrativa da diarista como instrumento de mediação que nos possibilita ter acesso aos
significados e aos sentidos que a mesma produz e reconstrói sobre a atividade. Entender a
diarista implica aproximar-se das zonas de sentido, isto é, os sentidos da sua atividade no
mundo (Aguiar & Ozella, 2013). As múltiplas determinações, aqui, no caso das diaristas, que
62
incluem seus motivos, necessidades e interesses, tornaram-se alvo de nosso olhar cada vez
mais atento à medida que avançamos nas etapas de análise do material produzido (Araújo,
2015).
A proposta dos núcleos de significação visa dar respostas à “necessidade de uma teoria
que fizesse a mediação entre o método materialista histórico e os fenômenos psíquicos”
(Aguiar & Ozella, 2013, p. 300). Assim, com tal proposta encontramos a possibilidade de
penetrar no real por meio da aproximação do concreto, que é síntese de múltiplas
determinações. Por isso, no tratamento dos dados, a pergunta principal deixa de ser “o que é”
e passa a ser “como surgiu, se movimentou e se transformou” (Aguiar & Ozella, 2013, p.303).
A análise dos dados realizada por meio do núcleo de significação prevê três momentos.
Primeiramente, são feitas leituras recorrentes, que permitem a familiarização e a apropriação
dos conteúdos temáticos presentes no conjunto dos dados. É realizada uma leitura flutuante do
material transcrito, destacando conteúdos ou temas que se apresentem com maior frequência,
levando-se em consideração a importância dada pelo entrevistado, seja por apresentar carga
emocional, ambivalências ou contradições, e até mesmo por insinuações não concretizadas
(Aguiar, Soares, & Machado, 2015).
Nesse momento, é a palavra com significado que se destaca, sendo a intenção fazer
uma análise do sujeito, levando em consideração a sua narrativa, mas também as condições
históricas e sociais que o constituem. As palavras articuladas que compõem o significado são
denominadas de pré-indicadores. Esses, por sua vez, expressam a totalidade do sujeito e
constituem a unidade pensamento e linguagem, tendo como foco o objeto de investigação
(Aguiar & Ozella, 2013). Em geral, os pré-indicadores aparecem em grande número e com
vasta diversidade, até que sejam aglutinados por condições de similaridade,
complementariedade e contraposição.
63
Em um segundo momento, é feita a articulação dos pré-indicadores em indicadores, os
quais só adquirem significados quando inseridos e articulados aos conteúdos temáticos
contidos nas expressões do sujeito. Por isso, é necessário selecionar trechos que ilustram e
esclarecem os indicadores (Aguiar & Ozella, 2006). Por fim, em um terceiro momento, é feita
a aglutinação dos indicadores em núcleos de significação, por meio da articulação de
conteúdos semelhantes, complementares e/ou contraditórios. Nesse momento, é possível
identificar as transformações e contradições que ocorrem no processo de construção dos
sentidos e significados, o que infere conhecer as condições subjetivas, contextuais e históricas
(Aguiar & Ozella, 2006).
Os núcleos de significação devem superar os pré-indicadores e os indicadores a fim de
avançar em direção ao concreto pensado, ou seja, as zonas de sentido. Por isso, deverá haver
um número reduzido de núcleos, de modo a expressar os pontos centrais e fundamentais que
tragam implicações para o sujeito, envolvam-no emocionalmente e tragam as determinações
constitutivas do sujeito (Aguiar & Ozella, 2013).
Para tanto, cada entrevista foi lida separadamente, seguida do destaque de possíveis
pré-indicadores. Os pré-indicadores e indicadores foram organizados no Software Excel 2010
(Apêndice D). Para cada entrevista havia a coluna pré-indicadores e a página onde se
localizava tal pré-indicador. Na segunda leitura, em atenção ao contexto da fala, foram feitas
as primeiras tentativas de identificar indicadores, adicionando-os a uma nova coluna. Desse
modo, cada pré-indicador era selecionado para integrar determinado grupo de indicadores.
Por conseguinte, é dado início a um processo de análise intranúcleo, que mostra as
semelhanças, ambivalências e contradições revelando o movimento do sujeito. Posteriormente
avançamos para uma análise internúcleo (Aguiar & Ozella, 2013). Essa última se trata de um
exercício de articular alguns temas que, ao terem sido abordados de modo peculiar pelos
sujeitos, atravessam diversos núcleos de significação deste trabalho. O processo de articulação
64
internúcleos pode trazer a tona semelhanças e/ou contradições dos modos de ser dos sujeitos.
Essas contradições não exatamente estão manifestas nos discursos, são apreendidas a partir da
análise do pesquisador. Esse procedimento ajuda a constatar a totalidade do sujeito no
movimento da produção de sentidos (Aguiar & Ozella, 2006).
A proposta não é construir novos sentidos, mas reavaliar o modo de construção desses
sentidos, construindo uma trama interpretativa que liga todos os núcleos entre si, desvendando
os aspectos centrais dos sujeitos e expandindo, por meio da teoria, o conhecimento alcançado.
Isto quer dizer que o objetivo da pesquisa é explicar o concreto, ou seja, a realidade.
Para isto é preciso transpor, pela faculdade de abstração, o concreto dado para nossa
mente, produzindo assim o concreto-pensado, que é na realidade o concreto dado
transposto para mente humana. Após, feita esta transposição, deve se voltar novamente
o concreto pensado para o concreto dado, pois os dois devem estar em íntima relação.
Afinal, se fosse de outra forma, a pesquisa não teria sentido, na medida em que não
conseguiria explicar a realidade, fim último de qualquer pesquisa realmente
compromissada e livre. (Santos, 2004, p. 8).
A análise internúcleo não deve ser a repetição dos aspectos já tratados nas análises
anteriores. A proposta é identificar e apresentar analiticamente a relação dos aspectos que
estão presentes em todos os núcleos de maneira direta e indireta, com vistas a unicidade da
análise. Essa análise deve trazer algo novo ao revelar a relação entre os mais diversos
elementos (Silva & Davis, 2016).
A análise por núcleos de significação auxilia o pesquisador no processo de apreensão e
desvelamento da subjetividade do indivíduo analisado, isto é, seus modos de pensar, sentir e
agir ao discutir as zonas de significado e sentido que estão sendo produzidas (Aguiar &
Ozella, 2013). Esse modo de análise é considerado construtivo-interpretativo, uma vez que é
atravessado pela compreensão crítica do pesquisador em relação à realidade, ou seja, parte do
empírico ou do que é abstrato, mas o supera e concretiza (Aguiar & Ozella, 2013).
65
Acreditamos na possibilidade de potencializar a abertura de novos caminhos, ou seja, a
constituição de elementos de sentido que possam contribuir com a mudança qualitativa da
forma como lidar com sua atividade de trabalho e com as circunstâncias que as rodeia.
66
4. Resultados e discussão
4.1. Núcleos de significação inferidos e sistematizados a partir das entrevistas
Os pré-indicadores apareceram em grande número, como era de se esperar, mas, a
partir do processo de aglutinação, somaram-se 33 indicadores. Nem todos apareceram em
todas as entrevistas, conforme é possível observar na Tabela 2.
Tabela 2
Número de pré-indicadores e indicadores por entrevista
Entrevistada Número de pré-indicadores Número de indicadores
D 1 200 pré-indicadores 28 indicadores
D 2 279 pré-indicadores 32 indicadores
D 3 158 pré-indicadores 28 indicadores
D 4 118 pré-indicadores 27 indicadores
D 5 148 pré-indicadores 30 indicadores
D 6 155 pré-indicadores 28 indicadores
D 7 210 pré-indicadores 28 indicadores
D 8 205 pré-indicadores 30 indicadores
D 9 187 pré-indicadores 27 indicadores
D 10 140 pré-indicadores 29 indicadores
D 11 154 pré-indicadores 28 indicadores
D 12 134 pré-indicadores 29 indicadores
67
Os indicadores criados se articularam conforme os critérios de complementaridade,
similaridade e contraposição, resultando na aglutinação de núcleos de significação, nomeados
com base na fala das participantes. Os indicadores e sua divisão entre os núcleos podem ser
observados no Apêndice E. Da análise das 12 entrevistas, inferimos e sistematizamos seis
núcleos de significação, cujos conteúdos temáticos se articulam dialeticamente. São eles:
1. “Minha vida é essa; eu vivo só para trabalhar”: reflexões sobre a trajetória ocupacional
das diaristas;
2. “Tem que se virar com o que tem”: ferramentas, impedimentos e estratégias de
enfrentamento para execução da atividade de trabalho;
3. “Nem todos os lugares são iguais e nem todas as patroas são iguais”: relações sociais
no processo de trabalho;
4. “Eu não sobrevivo daquilo ali?”: a percepção da atividade de trabalho das diaristas;
5. “Não queria ser aquela diarista solta e irreconhecível”: repercussões das mudanças no
mundo do trabalho sobre a atividade da diarista;
6. “A gente vai trabalhar pensando em fazer as coisas bem feitas”: a constatação do
trabalho final.
Como resultado da aglutinação realizada, a seguir será apresentada a interpretação de
cada núcleo (intranúcleo), com vistas a evidenciar as singularidades das diaristas, mas
também aproximá-las em suas semelhanças. Em sequência, articulamos essas aproximações e
distanciamentos a um contexto mais amplo, isto é, de que modo os achados nessa pesquisa,
junto a essas participantes, se relacionam a realidade brasileira. São tomados como parâmetro
a revisão de literatura, que auxilia a compreender os significados produzidos historicamente
68
acerca do trabalho da diarista, bem como a perspectiva teórica adotada, como forma de
apreender o movimento de constituição das significações produzidas pelas diaristas.
4.2. Análise intranúcleo
4.2.1. Núcleo de significação 1 – “Minha vida é essa; eu vivo só para trabalhar”: reflexões
sobre a trajetória ocupacional das diaristas
A construção desse núcleo de significação é fruto da organização e articulação de pré-
indicadores e indicadores. No total, foram articulados 13 indicadores, que desvelam a
trajetória ocupacional das diaristas entrevistadas. Nesse primeiro núcleo, as informações
versam sobre as histórias de vida das diaristas, com o intuito de explorar os principais
momentos da trajetória; as funções desempenhadas ao longo da vida; as ações realizadas da
condição de diarista; as principais influências para o exercício de sua atividade; e outros
aspectos que tangenciam a opção por essa atividade de trabalho, já que atuar como diarista
corresponde a uma opção de ocupação, com vantagens e desvantagens, mas não exatamente
uma escolha profissional (Coutinho et al., 2013). Somado a isso, serão apresentadas as
projeções do futuro.
As participantes dessa pesquisa revelaram ter tido uma vida de muito sofrimento, pois,
ao nascerem em famílias humildes, de classe social baixa, tiveram poucas oportunidades e
perspectivas de futuro. Esse mesmo discurso aparece no estudo realizado por Coutinho et al.
(2013), quando as autoras destacam a predominância de mulheres oriundas de famílias
pobres.
Desde muito jovens, as diaristas investigadas tiveram que lidar com pais alcoolistas e
presenciaram a violência doméstica e maus tratos familiares. As diaristas, em sua maioria,
69
moravam em cidades do interior e disseram que lá não havia condições materiais e financeiras
das quais se viver. Apesar disso, adentraram em atividades de caráter informal e autônomo,
com o intuito de ajudar os pais no custeio das despesas. Dentre as atividades, é possível
destacar o trabalho no roçado e na produção de farinha. Em Ribeiro (2014), essas informações
se reiteram, quando os dados apontam que as diaristas começaram a trabalhar para ajudar a
família na luta pelo sustento e sobrevivência.
Nesta pesquisa, quase todas as diaristas foram absorvidas pelo exercício de alguma
atividade de trabalho quando crianças ou adolescentes, por volta dos 8 aos 13 anos, outras aos
16 anos. A atividade predominante foi a de babá, semelhante ao que é descrito na dissertação
de Monticelli (2013). No contexto de casa ou da rua, estavam expostas a riscos relacionados
ao seu desenvolvimento físico, psíquico e cognitivo; a remuneração era simbólica (Ribeiro,
2014), todavia, foi com o dinheiro fruto desse trabalho ou prestação de favor que muitas
conseguiram pagar os estudos, além de se alimentar e comprar artigos de vestuário.
Tabela 3
Trecho do indicador 1h
Entrevistada Trecho Indicador
D 4
“Desde os 10 anos de idade que trabalho
nesse ramo. Fui moça... e continuo na
mesma luta (...). Aos 10 anos, eu trabalhava
com minha mãe. Ela lavava e eu passava”.
Trabalho durante a
infância e adolescência
Esses dados também são encontrados no estudo realizado por Iriart et al. (2008), no
qual constataram que os participantes se inseriram no mundo do trabalho quando ainda
crianças, todos com vínculo informal. O mesmo é descrito em Teixeira et al. (2015).
70
As diaristas pesquisadas apresentavam escolaridade até o ensino fundamental
completo e o exercício dessa atividade de trabalho doméstico era associado ao fato de não
terem tido condições ou oportunidades de ter uma educação formal, motivo de
arrependimento. Faltaram-lhes ritmo e paciência, em decorrência das preocupações e outras
condições adversas. As que tentaram retomar os estudos logo renunciaram, pois tinham
dificuldades de conciliar o trabalho com a maternidade precoce, quando ainda adolescentes.
Sem qualificação suficiente para o mercado de trabalho, essas mulheres passaram a se
ocupar do trabalho doméstico (Ribeiro, 2014). A baixa escolaridade é apresentada como um
elemento limitador de oportunidades ocupacionais (Coutinho et al., 2013) e, por isso, a
dificuldade das diaristas de se inserirem em outros campos profissionais (Prisco et al., 2013).
Tabela 4
Trecho do indicador 1e
Entrevistada Trecho Indicador
D 1
“Eu passo o dia todo pensando: meu Deus,
se eu soubesse, eu tinha estudado, ralado
para não estar aqui hoje. Mas, fazer o quê?
Meus pais não tinham condições de me
educar”.
Escolarização como
prerrogativa de melhores
condições e oportunidades
de trabalho
Desse modo, o que conseguimos depreender desses resultados e exemplos é que os
aspectos da escolaridade, renda e opção pelo trabalho diarista estão mutuamente relacionados
e implicados um ao outro. A escolaridade influencia a opção pelo trabalho de diarista, e a
opção pelo trabalho de diarista se sustenta na falta de recursos e renda para financiar uma
melhor escolarização, que suprisse a busca por outras oportunidades de trabalho.
71
As trabalhadoras domésticas da região Norte possuem melhor escolaridade que as do
Nordeste (Pinheiro, Fontoura, & Pedrosa, 2011). Para as trabalhadoras domésticas, assim
como os trabalhadores da construção civil, a falta de escolaridade, o medo do desemprego e a
falta de opção levam à aceitação de suas atividades de trabalho, ao mesmo passo que são
fatores que impossibilitam a mudança da ocupação (Iriart et al., 2008).
Por outro lado, a constituição de uma vida familiar foi o que mais as impulsionou na
busca de emprego, e a se tornarem diaristas, já que a renda individual ou familiar não era
suficiente para criar e sustentar os filhos em suas necessidades básicas. Há relatos daquelas
que não tinham, inclusive, onde morar, tampouco alimentação, apenas “água no pote” (D 3).
Tabela 5
Trecho do indicador 1d
Entrevistada Trecho Indicador
D 2
“Eu fui mãe muito cedo, então não tinha
opção, ou eu optava para criar meu filho ou
dava ele. (...) então, eu já trabalhava com
algumas pessoas, já direto; mas aí, como eu
não tinha quem tomasse conta do meu filho,
porque eu não tinha pai e não tinha mãe,
meus pais tinham falecido, eu tinha que estar
em casa à noite... aí eu fiquei trabalhando
como diarista... criei meus filhos assim,
trabalhando como diarista. Trabalhava
durante o dia e a noite estava em casa”.
Influência da vida familiar
na condição de diarista
“...meu rapaz, como foi criado com
sofrimento, que eu dormia em calçada, eu
morei em baixo de pé de pau, cheguei a
pedir esmola para criar meu filho que era
muito doente. Antes de chegar até aqui, até
eu arranjar esse trabalho de diarista, e depois
desse trabalho tudo na minha vida mudou”.
72
Antes de se identificarem como diaristas, exerceram outras atividades, como:
merendeira, faxineira, babá, arrumadeiras, ambulantes, pintora letrista, auxiliar de serviços
gerais, cuidadora de idosos, auxiliar de cozinha, jardineira, catadora de lixo e empregadas
domésticas, que, mesmo sem registro formal, dormiam na casa dos patrões e só retornavam
para suas residências quinzenalmente, ou de mês em mês. Algumas também exerceram
atividades em empresas privadas, em funções de copeira e costureira, mas por pouco tempo.
Ademais, possuem um histórico de atividades de trabalhos invisíveis, de pouca valorização
social.
Em Coutinho et. al. (2013), aparecem outras atividades exercidas pelos sujeitos
pesquisados, tais quais: camareira, auxiliar de enfermagem e costureira. Em ambos estudos, as
diaristas já desempenharam funções variadas.
Tabela 6
Trecho do indicador 1b
Entrevistada Trecho Indicador
“Eu trabalhei como pintora letrista (...) mas
de tudo eu tentava um pouco, para não dizer
que só tem uma coisa pra fazer. Se mandar
pra outra área, vai e faz”. Funções desempenhadas D 7
ao longo da vida
“... que eu cuidei das filhas dele, que eu fui
babá das duas meninas (...). Nessa casa eu
fui geral, babá, cozinheira e arrumadeira”.
Mas, é válido salientar, a influência da mãe foi preponderante para o atual exercício de
atividades domésticas como ocupação. Em comum, muitas das diaristas entrevistadas
relataram que a inserção no mercado de trabalho doméstico se deu quando acompanhavam as
mães em seus trabalhos (como empregadas domésticas) e as auxiliavam nas tarefas; ou
73
quando permaneciam em casa, responsáveis pelos serviços domésticos, enquanto a mãe
trabalhava.
O ritmo da sociedade atual implica em diversas mudanças na estrutura familiar e na
conciliação entre trabalho e família. A mulher passou a estar mais presente no mundo do
trabalho e isso exigiu uma reorganização de papéis do homem e da mulher dentro do cenário
doméstico. Isso trouxe implicações, inclusive, para os filhos, os quais têm tido mais
participação nos afazeres domésticos. No entanto, a geração atual não tem sido influenciada a
tornar o serviço doméstico como opção de atividade de trabalho. Na verdade, por terem tido
melhores oportunidades de escolarização, as mulheres jovens têm buscado mais qualificação
e, consequentemente, pouco têm optado pelo trabalho doméstico. Enfim, as diaristas que são
mães pouco têm influenciado seus filhos ao exercício dessa atividade, ou seja, os filhos ou
filhas não têm perpetuado a atuação como trabalhador doméstico ou trabalhadora doméstica.
As diaristas alegam, como vantagens de seu trabalho, poder dormir em casa ao final de
suas obrigações e, por isso, cuidar de sua vida pessoal e familiar. Isto é, a ocupação permite as
trabalhadoras conciliarem as exigências laborais com as do âmbito doméstico e familiar
(Coutinho et al., 2013). Uma das participantes do estudo de Teixeira et al. (2015) declarou
que no trabalho de diarista não há compromisso integral com o patrão, além de que se
consegue uma renda melhor. Por outro lado, essas mulheres desempenham dupla jornada de
trabalho doméstico, ora na casa do tomador de serviço, ora na sua própria residência (Prisco et
al., 2013).
Além disso, as diaristas transitam em realidades sociais, econômicas e simbólicas
particulares. No cenário da pesquisa, elas compreendem que a vida para pessoas de classe
social baixa está mais difícil, haja vista os parcos recursos financeiros. Por outro lado, é por
meio desse trabalho que suprem suas necessidades básicas.
74
Tabela 7
Trecho do indicador 1c
Entrevistada Trecho Indicador
D 11
(...) Já que eu tenho meus dois filhos, eu já
trabalhei em forno de lixo... pra não chegar
na casa de papai e mamãe e dizer assim:
‘compre uma bolsa de leite, me ajude aqui
nesse aluguel’”.
Condicionantes sociais e
condição da vida material
No cotidiano, o trabalho de diarista envolve uma rotina com horários que afetam a
vida privada das mulheres, uma vez que precisam acordar muito cedo, por causa do
deslocamento para a cidade onde trabalham, considerando que, não raramente, tais
trabalhadoras residem nas regiões metropolitanas ou periféricas das cidades, neste contexto da
capital do Rio Grande do Norte, Natal.
Tabela 8
Trecho do indicador 1j
Entrevistada Trecho Indicador
D 4
“Então, eu saio mais cedo, as 6h30 (...), aí às
vezes quando eu chego é em cima da hora”.
Dia de trabalho
Em geral, dedicam cerca de 8 ou 9 horas ao trabalho, seja como faxineira, lavadeira,
passadeira ou ajudante geral. Além disso, as diaristas pesquisadas dizem que o trabalho
75
permite fazer “freguesias” (D 8). Porém, diferente do que acontece em Natal/RN, em Porto
Alegre/RS as diaristas mantêm uma jornada estável de 26 horas (Seade & DIEESE, 2016).
Tabela 9
Trecho do indicador 1g
Entrevistada Trecho Indicador
“Você acredita que faz oito anos que ainda
tenho as duas primeiras lavanderias que
peguei aqui?”
“Aí lavei na terça-feira e ela já reservou dois
dias para ela, aí na quinta-feira era para mim
passar”.
D 5
“Aí, quando passou minhas oito horas, eu
disse: ‘meu horário passou’... aí ela disse:
‘termine minha roupa que eu pago’”.
Tempo de dedicação ao
trabalho
“Minha vida toda foi trabalhando (...), já
trabalhava de diarista desde 82”.
“Eu lavei roupa dela faz 20 anos (...). Aí
dona... faz 14 anos que eu lavo a roupa
dela”.
O aspecto da jornada de trabalho é um fator que chama atenção, que pode estar
associado às recentes modificações trabalhistas para o público das trabalhadoras domésticas.
A lei complementar nº 150 (2015), que garante direitos às empregadas domésticas, inclusive
jornada de trabalho definida, pode não ter sido regularizada, o que faz com que muitas
diaristas tenham de dar conta de muitos serviços do âmbito doméstico, responsabilidades de
uma empregada doméstica que são transferidas para elas, que, como forma de agradar os
patrões ou usuários, acabam por exceder a carga horária, inclusive aquela imposta pelo SINE.
As diaristas falam da necessidade de exercerem atividades de trabalho extra, ou
“bicos”. Trabalham como feirante ou em colheita de grãos, alternativas para complementar a
76
renda, isso porque têm de arcar com muitas despesas: aluguel, água, luz, gás, alimentação,
IPTU, empréstimos consignados. Trabalham em feriados e finais de semana, tal como
também é apresentado por Coutinho et al. (2013).
Tabela 10
Trecho do indicador 1k
Entrevistada Trecho Indicador
D 3
“Eu fazia faxina de manhã, aí quando
terminava pegava um extra... aí enchi aquela
caçamba, quando foi quatro horas estava
cheia”.
Atividade de trabalho
extra
Nesta pesquisa, enquanto faxineiras, realizam ações como: vasculhar, tirar os móveis
do lugar para limpar, lavar banheiros, limpar porta, aspirar sofá, limpar a cozinha, limpar
fogão, geladeira, armário, lavar varanda, limpar enfeites, limpar cadeiras, limpar portas, lavar
tapetes de banheiro, lavar pano de chão, lavar louça e enxugar, passar o aspirador, passar o
pano. Na ajuda geral, fazem de tudo um pouco: varrer, passar o pano, espanar, fazer almoço,
lavar blusas. Caso seja apenas uma arrumação, passam o pano nos móveis, varrem e passam o
pano no chão. As que se dedicam a outras funções, lavam roupas e as engomam e fazem
congelamento.
77
Tabela 11
Trecho do indicador 1a
Entrevistada Trecho Indicador
“Você tem que vasculhar, limpar os
móveis... você varre, passa o pano, aspira o
tapete, limpa vidros, limpa portas”. Ações realizadas da
D 12
“O básico é isso: lavar banheiros, pia,
espelho, a limpeza dos vidros e banheiros,
janelas dos banheiros...”
condição de diarista
Esta dissertação aponta que, em geral e quando possível, as doze diaristas obedeciam a
uma sequência e organização particular das atividades: “toda roupa que vai lavar eu vou
verificar os bolsos... é isso que eu faço, a sequência é minha... antes de engomar eu separo
tudo quanto é roupa” (D 3).
Tabela 12
Trecho do indicador 1l
Entrevistada Trecho Indicador
“A roupa já está toda lá, toda colecionada,
aqui é malha, aqui é roupa fina, essa é de
cabide, esse é de dobrar...”
D 4 “Se você passar uma camisa, você primeiro
passa a gola do lado esquerdo, direito, passa
os dois lados, a frente da gola e as costas
(...). E camisa é tudo pelo avesso, engoma
primeiro a parte, aquelas de cor, não tem
aqueles desenhos? É mesmo que manteiga
em venta de gato”.
Organização e sequência
da atividade de trabalho
78
Em Ribeiro (2014), as diaristas organizam o seu cotidiano de trabalho tendo como
reflexo os costumes e hábitos desenvolvidos. Do mesmo modo, em Coutinho et al. (2013), as
diaristas possuem suas particularidades quanto a organização para efetuar a limpeza das
residências: algumas seguem padrões, outras limpam cada dia e lugar de forma diferente, isso
porque as ações das diaristas estão articuladas com as necessidades dos tomadores de serviço.
Desse modo, há clara diversidade entre o trabalho prescrito e real (Ribeiro, 2014).
Levando em consideração todo o histórico de vida das diaristas aqui apresentado, há
outro fator importante a se mencionar e discutir: a questão de gênero. Ainda quando crianças,
a divisão sexual e social do trabalho era notadamente percebida e foi constitutiva do processo
de socialização. Isso porque o pai não deixava as filhas mulheres sem trabalhar e as colocava
em atividades de cunho doméstico, como babá ou “desde mais jovens, as mulheres plantavam
e os homens ficavam aguando” (D 5).
Tabela 13
Trecho do indicador 1m
Entrevistada Trecho Indicador
D 12
“Eu comparo a faxina. No ramo de trabalho
da mulher, a faxina é o trabalho de peão... se
fosse falar do trabalho de peão da mulher: é
a faxineira”.
Condições de gênero
Um dos fatores que faz as famílias colocarem as filhas para trabalhar em residências é
ficarem em espaço privado, evitando as ruas. Para adultos e crianças, as atividades de cunho
doméstico são atribuídas às mulheres (Bernardes, 1992). A divisão sexual do trabalho é
herança do período colonial: sempre houve a separação do que é trabalho de mulher e do que
79
é trabalho de homem. Enquanto à primeira é destinado o trabalho reprodutivo, invisível,
dentro do lar, no espaço privado; ao segundo é destinado o trabalho produtivo, remunerado e
na esfera pública; motivo da desvalorização do trabalho doméstico (Ribeiro, 2014).
A atividade da diarista é feita predominantemente por mulheres. As mulheres
pesquisadas têm um percurso profissional demarcado por atividades reprodutivas, de cunho
doméstico e de higienização, porém, há que se destacar a ínfima ruptura de pensamentos
tradicionais quanto à divisão sexual do trabalho, ou seja, quanto ao local do homem e da
mulher no âmbito do trabalho.
Senão, veja-se: “fazer trabalho de homem, vou ter que fazer. Aí fiquei pensando: não
tem mulher que é caminhoneira?! Não tem mulher motorista?! Não tem mulher pedreira?!
Então pode ter mulher pintora também” (D 6). Outra diarista, ao realizar uma atividade extra
de encher uma caçamba de entulho, revelou a surpresa de muitos que passavam na rua. As
pessoas se perguntavam como ela estava fazendo um “trabalho de homem” e ficavam olhando
se ela era mesmo uma mulher.
Embora neste estudo as diaristas tenham uma representação positiva do seu trabalho,
não desejam que seus filhos exerçam essa atividade, pois sua responsabilidade de mãe foi dar-
lhes estudo, o que pode lhes “garantir” melhores condições e oportunidades de trabalho. Em
Iriart et al. (2008), trabalhadores, tanto da construção civil como trabalhadoras domésticas,
declaram que não querem que seus filhos sigam a sua ocupação profissional e apresentam a
importância da educação formal, como prerrogativa para conseguirem melhores perspectivas
de futuro.
Esse aspecto nos remete a questão da generatividade, quando o indivíduo tem
preocupação com o que pode ser gerado, desde produtos, até ideias e filhos. Desse modo, há
certo cuidado com o que se gerou por meio da transmissão de valores de pai para filho. As
80
necessidades de transmitir e ensinar são um aspecto de sobrevivência, de fazer valer todo o
esforço de sua vida e saber que tem um pouco de si no outro (Rabello & Passos, 2002).
Ao mesmo passo que acham o futuro imprevisível, não se prepararam para tal,
tampouco fizeram o “pé de meia” (D 11). Não se prepararam para envelhecer e acham que o
futuro está associado à morte. As participantes diaristas têm medo de ficarem sozinhas (medo
da solidão) e esperam ter saúde para continuar trabalhando como diaristas, ou não: vender
água mineral, trabalhar com carro de lanche e de frutas, embora se vejam velhas e cansadas.
Tabela 14
Trecho do indicador 1f
Entrevistada Trecho Indicador
“E eu gosto de trabalhar, mesmo se eu me
aposentar e tiver dois dias, três dias, eu vou
porque eu gosto da minha profissão”.
D 6
“Me aposentar e trabalhar só três dias,
continuar trabalhando. (...) se eu tivesse
aproveitado, hoje eu estava, tinha um
carrinho pra trabalhar na rua, vendendo
fruta, mesmo trabalhando de diarista, que
meu sonho era esse: comprar um carrinho e
botar na rua pra vender fruta”.
Projetos da vida
profissional e perspectiva
de futuro
Na mesma medida, projetam um futuro com direito a aposentadoria. Porém, essa
perspectiva chama atenção, já que não pagam a previdência social. As empregadas domésticas
conseguiram formalizar sua atividade de trabalho, porém as diaristas ainda seguem à margem
do emprego formal e, nesse sentido, sequer compõem um grupo profissional reconhecido pelo
próprio INSS.
81
Tabela 15
Trecho do indicador 1i
Entrevistada Trecho Indicador
“No início, eu fazia o cadastro no INSS
como autônoma, pra pagar o
comprovantezinho do INSS, aí, no início
tinha colocado como diarista, mas o rapaz lá
falou que, perguntou o que eu fazia, aí eu
disse: ‘faxina’, aí ele disse que não era
diarista, era faxineira, porque diarista é só
um nome bonito que inventaram...”
D 9 Aposentadoria
“...já está com dois meses que eu não pago
por causa dessa bendita crise...”
“...o que eu pago só dá direito a idade. Vou
procurar outra profissão porque ficar em
casa parada não dá”.
Recentemente, temos assistido a proposta de significativas mudanças na legislação
previdenciária e trabalhista. Apesar disso, por estarem no setor de serviço informal e por não
terem direitos efetivos, as mudanças legislativas não irão gerar forte impacto para as diaristas.
No entanto, a reforma parece distanciar, cada vez mais, as diaristas da conquista de qualquer
direito trabalhista.
As mulheres participantes deste estudo descreveram o sacrifício de pagar as parcelas
do INSS, além de terem muitas dúvidas sobre a garantia de seus direitos enquanto
contribuinte. Conforme é apresentado em Iriart et al. (2008), a redução do salário devido ao
desconto do INSS é uma razão para preferirem o trabalho informal. Esse mesmo estudo
constatou que a falta de informação sobre os direitos trabalhistas foi levantada como fator
82
preponderante para que as garantias asseguradas pelo trabalho formal não fossem vistas como
uma questão importante (Iriart et al., 2008).
O trabalho, na verdade, é uma fuga da realidade, ou seja, fuga do histórico de
sofrimento que para algumas das diaristas se perpetua até o momento presente, “eu meti a
cara no trabalho mesmo” (D 2); “minha vida é essa, eu vivo só para trabalhar” (D 4); “procuro
ocupar a mente com o trabalho” (D7).
Em geral, não apresentam planos bem estruturados quanto a sua vida laboral futura
(Coutinho et al., 2013). Assim, restaram-lhes os sonhos. De ser professora, psicóloga,
advogada, chef de cozinha, pintora industrial e agrônoma.
4.2.2. Núcleo de significação 2 – “Tem que se virar com o que tem”: ferramentas,
impedimentos e estratégias de enfrentamento para execução da atividade de trabalho
Este núcleo resulta da articulação de 10 indicadores. Esses indicadores revelam os
instrumentos físicos e psicológicos que são utilizados pelas diaristas para a concretização de
suas atividades de trabalho. Ao longo do percurso, são encontradas muitas barreiras e
dificuldades, ou catalizadores que implicam no sucesso das ações a serem executadas e,
portanto, no resultado.
As diaristas pesquisadas revelaram que aprenderam a realizar as ações e executar sua
atividade sob influência da mãe e dos contratantes do serviço (patroas ou ex-patroas), ou,
ainda, que a condição de dona de casa lhes permitiu obter o conhecimento tácito, aquele que é
adquirido ao longo da vida e pela experiência. Acrescenta-se a isso o desejo, a iniciativa, a
facilidade e a necessidade de aprendizagem. Para tanto, as diaristas podem optar por seguir as
orientações ou normas deixadas pelos tomadores de serviço, ou fazer de acordo com suas
experiências, como parte da vivência.
83
O SINE também tem um papel importante a ser considerado, no oferecimento de
cursos, o que lhes garantiu qualificação para o trabalho, a saber: cursos de engomado,
congelamento, e de faxina.
Tabela 16
Trecho do indicador 2d
Entrevistada Trecho Indicador
“...tudo eu aprendi muito, na casa de muita
gente. Tem muita gente que me ensinava e
eu agradeço até hoje por ter aprendido. E
aqui também, o SINE, pra mim, foi uma
coisa que me ensinou muito”. D 8 Educação para o trabalho
“Porque eu fiz o curso pelo SINE, lá em Candelária. O curso foi um curso de
congelamento, foram três meses, foi pouco
tempo, mas as coisas que eu aprendi no
curso serviu muito pra mim”.
Levando em consideração suas histórias de vida, algumas diaristas revelaram ter
histórico de problemas psiquiátricos e psicológicos, como, por exemplo, depressão e estresse.
A doença é algo que repercute em suas atividades de trabalho, haja vista o uso de
medicamentos psicotrópicos que, segundo elas, é o que lhes faz “se manter de pé para
trabalhar”.
Para além das heranças genéticas e outros determinantes da saúde, as diaristas revelam
comportamentos que sugerem sofrimento psíquico em virtude da falta de reconhecimento e
consideração pela sua atividade de trabalho. “Isso mexe muito com a cabeça”(D 1). Algumas
revelam que sua atividade é muito solitária e que às vezes ficam tristes por não ter com quem
compartilhar assuntos do trabalho. Do mesmo modo, Tamanini (2000) exemplifica que os
84
sentimentos mais comuns de pessoas que trabalham com serviços domésticos são o cansaço
físico e emocional, a solidão e a tristeza, agravados pela consciência do preconceito.
Tabela 17
Trecho do indicador 2a
Entrevistada Trecho
Indicador “Ainda tem gente que não reconhece o que
você faz... e tem que aguentar (...). Então,
mexe muito, mexe muito com a cabeça da gente”. Saúde mental e sofrimento
D 1
“Já aconteceu de eu chorar, já chorei muito
no trabalho”.
psíquico
Chama a atenção os vários relatos, ao longo desta pesquisa, de diaristas acometidas
pela depressão. Aqui, é possível desmistificar que a depressão é uma doença que atinge
apenas pessoas de melhor poder aquisitivo. Na verdade, esse transtorno não escolhe raça,
escolaridade, nem mesmo a classe social, ou seja, o transtorno pode afetar pessoas de
qualquer idade e em qualquer etapa da vida.
Apesar disso, as exigências da atualidade talvez sejam os melhores indicadores
diagnósticos quando estamos falando dessa doença. Consequência disso, podemos relatar as
dificuldades das diaristas em ir ao trabalho e executar suas funções. Estimativas indicam que,
na América, há cerca de 300 milhões de pessoas vivendo com a depressão. Diante disso, a
depressão é tema do Dia Mundial de Saúde, celebrado no último dia 7 de abril deste ano
(OMS, 2017).
Ainda assim, a atividade de diarista é caracterizada pela sobrecarga e o excessivo uso
do corpo. “É uma carga muito pesada pra dar conta todos os dias... você sai esgotada e chega
85
morta em casa” (D 1). O uso do corpo é central no desempenho das tarefas, pois é uma
atividade manual, que exige utilização de força física. A fadiga do corpo e a utilização de
produtos químicos fazem parte da condição de trabalho (Ribeiro, 2014).
Geralmente, é uma atividade propensa a riscos e acidentes no trabalho, durante a qual
eventualmente acontecem quedas, queimaduras e choques elétricos. Porém, as trabalhadoras
domésticas, assim como trabalhadores da construção civil, não estabelecem relação entre o
trabalho informal e o maior risco de acidente ou adoecimento no trabalho (Iriart et al., 2008).
Tabela 18
Trecho do indicador 2c
Entrevistada Trecho Indicador
D 8
“Aí fui e me queimei numa grade, grade do
fogão, quando puxei me queimei...”
Acidentes no trabalho
Os riscos de acidente no trabalho doméstico são vistos como irrisórios, já que exercem
atividades desenvolvidas em ambientes residenciais, sendo a casa vista como um ambiente
seguro, diferente das empresas e indústrias. As que percebem o risco citam quedas devido ao
piso úmido e a limpeza interna e externa de janelas, seguido do risco de cortes e queimaduras.
Quando acontecem, apesar da gravidade e da dor, são vistos como normais, uma vez que
poderiam acontecer em suas próprias casas, ou seja, o ambiente de trabalho é visto como
extensão de sua própria casa (Iriart et al., 2008).
Muitas delas são acometidas por doenças decorrentes ou não da atividade de trabalho:
dores de cabeça, artrite, artrose, problema de coluna, problemas no joelho, acidente vascular
86
cerebral (AVC), erisipele, alergia a produtos de limpeza e até mesmo relatos de esgotamento
físico.
No estudo realizado por Iriart et al. (2008), as trabalhadoras domésticas declararam
problemas de coluna, dor nas pernas, bursite, inchaço no joelho e alergias a produtos de
limpeza, conforme também encontramos nesta pesquisa. Porém, é difícil para as trabalhadoras
perceberem o tipo de trabalho como a possível causa de adoecimento, ou seja, o
reconhecimento de que ficaram doentes no trabalho não as faz acreditar que a causa de sua
doença tem a ver com a sua atividade de trabalho, consideram-se responsáveis pelo acidente
(Iriart et al., 2008).
Por recomendação médica, são orientadas a diminuírem o ritmo. Porém, nem sempre
as recomendações são acatadas e ficam a disposição para a atividade mesmo quando doentes,
pois se disserem que estão doentes os usuários as descartam.
O corpo é contabilizado como mercadoria, vale dinheiro e, possuindo valor monetário,
tende-se a desconsiderar o seu valor qualitativo. A vida, em sua concreta riqueza de
qualidades, é colocada em segundo plano, é protelada em nome do salário, riqueza
abstrata (Ribeiro, 2014, p. 184).
Tabela 19
Trecho do indicador 2j
Entrevistada Trecho Indicador
“Eu tenho alergia a um sabão azul... que
estoura minha mão todinha...”
D 12 “A limpeza me cansa muito por causa da
minha coluna, depois que fiz duas
cirurgias... então, eu percebi que fiquei com
a coluna bem ruinzinha...”
Problemas de saúde
87
Com isso, atualmente se sentem mais cansadas para o exercício da atividade, haja vista
passarem o dia todo em pé e as pernas ficam “latejando e bambas”, “parece que levou uma
surra” (D 7). Isso desestimula a disposição para o trabalho, pois não sabem se terão condições
de continuar no outro dia.
Tabela 20
Trecho do indicador 2b
Entrevistada Trecho Indicador
D 2
“Porque o povo quer uma ligeira, quer
alguém que faça bem feito, mas seja ligeira
(...). Aí já vai uma pessoa depois dos 40, aí
chega lá e não quer se trepar numa escada
porque tem medo de cair, chega lá e não
quer limpar as luzes porque não tem mais a
resistência que tinha de fazer tudo, de subir
escada e descer, subir e descer... você não
tem mais aquela resistência. (...) Quando a
gente vai chegando à velhice a gente vai
começando a ficar com artrite, artrose,
problema de coluna...”
Capacidade física para o
trabalho
Sendo assim, revelam não fazer o serviço no mesmo ritmo que antes, não mais se
sentem rápidas e ágeis, “não tem mais o braço forte, aquela força” (D 3), e há limitações
físicas para o desempenho do ofício. Por exemplo: não sobem mais escadas, evitam a função
de faxineira, não se abaixam.
Diante disso, é possível afirmar que as diaristas entrevistadas estão com a saúde
fragilizada. Isso porque percebemos uma série de problemas da ordem biopsicossocial.
Destaque merecem os problemas de saúde decorrentes de sua ocupação, muito embora não
atribuam apenas ao trabalho a causa da artrite, artrose, o problema de coluna e as
88
enfermidades no joelho. Nas entrelinhas dos discursos, percebemos dores físicas e
psicológicas veladas. Isso nos mostra uma negação de suas próprias doenças como uma forma
de não demostrarem a fragilidade e indisponibilidade para o trabalho, pois precisam do
trabalho a qualquer custo.
A faixa etária das participantes do presente estudo variou dos 43 aos 66 anos, ou seja,
entre a meia idade e a velhice. Segundo Ribeiro (2014), a categoria diarista está
envelhecendo, algo já constatado por Pinheiro et al. (2011). As trabalhadoras domésticas, que
antes eram mais jovens, hoje passaram a ser mais velhas não apenas pela mudança do perfil
da população brasileira, como descreve Fraga (2010), mas isso está diretamente associado ao
aspecto da escolarização, já discutido no núcleo de significação 1.
Para as diaristas deste estudo, o trabalho é diferente de quando se é jovem. Até os 40
anos, espera-se que uma pessoa esteja apta a ser ágil, mas, após essa idade, começa a faltar
resistência e capacidade física para o trabalho. Algumas têm medo da velhice, se recusam a
envelhecer, e por isso não se acham velhas. O envelhecimento ainda é sinônimo de problemas
de saúde. “A velhice muda muita coisa... o velho é criança duas vezes” (D 6). As piores
consequências do envelhecimento são físicas: “não vê a mão mais lisinha, o rosto mudou,
engordou, a idade muda” (D 2).
No entanto, o processo de envelhecimento permite que as pessoas adquiram
maturidade e experiência. Mesmo assim, a maioria não se acha velha e se esforça o bastante
para fazer um trabalho bem feito, “é mais disposta que muitas jovens por aí” (D 2). As que se
acham envelhecidas declaram já ter trabalhado muito, e o trabalho intensifica os problemas de
saúde, além de que a idade intensifica o cansaço, assim como o trabalho intensifica o
envelhecimento. Para outras, a concepção de velhice é de que as pessoas mais velhas são
aquelas que têm pensamentos muito negativos, reclamam muito da vida, não saem e nem se
divertem.
89
Tabela 21
Trecho do indicador 2f
Entrevistada Trecho Indicador
“Não me acho tão velha, mas me acho uma
mulher bem madura (...). O corpo da gente,
em si, ele envelhece. E, quando ele
envelhece, ele dá os primeiros sinais... a
velhice vai chegar para todos nós”.
D 7 “Acho que a pessoa nos seus 66 anos já é
uma pessoa bem idosa”.
Concepções de
envelhecimento humano
“...o trabalho pesado, você vai envelhecer
rapidamente, porque você vai ficar com a
pele mais desgastada”.
A temática do envelhecimento aparece ainda no início das entrevistas com as diaristas,
quando nos detemos às suas trajetórias profissionais. Apesar de terem consciência de suas
idades e das consequências desse fator em suas vidas, o processo de envelhecimento é
relativo. Ou seja, está bem mais associado a uma categoria social do que mesmo aos aspectos
normativos do desenvolvimento humano.
Outro problema vivenciado pelas diaristas é a discriminação pela idade, também
conhecida como ageísmo, velhismo ou idadismo. “Quando era jovem nunca tive sorte de
arrumar um emprego, agora que não arrumo mesmo” (D 2). Em Ribeiro (2014), fica evidente
a escolha pelo trabalho em função da idade avançada. Quando os usuários dos serviços
percebem que elas estão envelhecendo, rejeitam seu trabalho, há clara preferência por mão de
obra jovem, e por isso o medo das trabalhadoras de envelhecer. Os próprios anúncios de
emprego selecionam pela idade, pois há uma crença de que as pessoas mais velhas têm a
90
saúde mais fragilizada, o que prejudica a quantidade e qualidade do trabalho. A idade dos 40
anos já é mão de obra indesejada para o trabalho doméstico.
Tabela 22
Trecho do indicador 2i
Entrevistada Trecho Indicador
“Se hoje em dia ainda aparecesse, mas da
minha idade não pega mais, de ASG não
pega”.
D 10
“Porque hoje em dia passou dos 30 anos e já
está velho. Já está velho... passou dos 30
anos tem que juntar tudo e jogar fora”.
Discriminação pela idade
“...não consegui mais nada, aí desisti,
porque sei que não pega mesmo, passou dos
40 é velha mesmo, diz que já está velha...”
Apesar disso, a temática de discriminação pela idade ainda tem sido pouco discutida,
ao mesmo passo que se trata de um tema atual. Lidar com assuntos como esses é lidar com o
nosso próprio futuro, haja vista a tendência de aumento de pessoas com idade igual ou maior a
60 anos, em virtude da transição demográfica. Além da desvalorização da ocupação da
diarista, faz-se necessário diminuir impedimentos para a execução de suas tarefas, não
acentuá-los.
Para que a atividade em si se realize, há a necessidade não só do corpo, mas de outros
tipos de ferramentas, artefatos ou instrumentos de mediação, materiais e utensílios de limpeza,
como vassoura, pano de chão, vaporeto, aspirador, escova, água, sabão, amaciante, passe bem,
bomba, ferro, pano, tábua de engomar, bucha, pá, água sanitária, etc. Em Iriart et al. (2008),
91
umas das trabalhadoras pesquisadas alega a necessidade de melhores instrumentos de
trabalho, semelhante ao que encontramos no presente estudo.
Tabela 23
Trecho do indicador 2e
Entrevistada Trecho Indicador
D 3
“Aí eu disse: ‘quero os pertences para
começar a engomar’. Ela: ‘tem uma tábua
ali’. Arrumei a tábua, quando arrumei a
tábua, a tábua ‘tin, tin, tin, tin’... eu: ‘eu
quero uns paninhos pra colocar aqui’. Ela:
‘ali em cima!’ Eu: ‘eu quero o ferro, a
bomba’; aí o ferro que ela veio me deixar
era daquele tupi, bem pesado, tempo do
ronca. Aí coloquei o ferro para esquentar, aí
lá vem ela, eu disse: ‘está faltando a
bomba’; ela: ‘ali, procure ali no armário’”.
Instrumentos da atividade
de trabalho
Para além dos instrumentos de trabalho, as diaristas alegam enfrentar dificuldades e
impedimentos para e na sua ocupação. Muitas delas residem distante do local de trabalho e
precisam utilizar o transporte público, às vezes pegam mais de um ônibus, sofrem com o
trânsito nas grandes cidades e estendem suas horas dedicadas ao trabalho, quando se
considera o percurso percorrido entre suas residências e o local de trabalho. Monticelli (2013)
também traz relatos sobre o trajeto a se percorrer para o trabalho:
As narrativas eram marcadas por um intenso desgaste físico e emocional em relação
ao transporte público, pois não havia ônibus em horários regulares que passassem
perto de suas casas, normalmente o encontravam muito cheio e quando precisavam
ficar mais de duas horas no trânsito (p. 142).
92
Outro fator que foi bastante comentado foi a violência urbana, como roubos e assaltos.
Esses eventos geram repercussão negativa para execução do seu trabalho e até mesmo geram
traumas.
Tabela 24
Trecho do indicador 2g
Entrevistada Trecho Indicador
D 11
“Se marcar de 7h, eu não vou chegar de 7,
vou chegar de 7h20, porque por onde eu
moro é um bairro perigoso. Lá no... eu não
tenho aquela coragem de 5h30, 6h ir pra
parada de ônibus, porque eu já fui vítima, já
vi gente sendo vítima, eu não tenho aquele
pique que eu tinha há um tempo atrás, hoje
não”.
Dificuldades para a
realização da atividade de
trabalho
“Sinto dificuldade porque tem canto que não
tem os materiais pra gente fazer...”
Isso resulta em trabalhos mal feitos. Porém, como estratégias de enfrentamento,
tentam “se virar com o que tem” (D 9) e improvisam, ou tentam dialogar com as patroas,
usuárias ou clientes. As características de seu trabalho permitem autonomia e liberdade para
trabalhar para quem quiserem e, por isso, podem evitar as residências desagradáveis, em que
haja os impedimentos já descritos. Além disso, usam da espiritualidade, como o apego a
Deus, e oram para que os problemas e impedimentos sejam superados.
93
Tabela 25
Trecho do indicador 2h
Entrevistada Trecho Indicador
D 9
“Hoje em dia, por eu acreditar muito em
Deus, sempre segui minha religião católica,
eu tenho minha vida como uma provação,
foi só provações... que se você não tivesse
Deus pra você se socorrer, hoje você não
teria aquele equilíbrio, nenhum... hoje, eu
tenho um filho com 24 anos, aquele filho
que tinha 2 anos, que eu criei só eu e Deus,
já trabalha, já me ajuda. e então, com Deus
eu venci, com ele, porque sem ele eu não
tinha chegado a lugar nenhum”.
Espiritualidade
Ademais, as diaristas se sentem cansadas para o exercício de suas atividades, ao
mesmo passo em que dizem que o cansaço é intensificado pela idade, isto é, à medida que a
idade aumenta, assim, também, aumenta a fragilidade da saúde. As diaristas, então, estariam
mesmo envelhecidas, embora algumas não se sintam velhas? O que se sabe é que os
impedimentos e as dificuldades para a realização de suas atividades de trabalho são reais: têm
dificuldades para aprender as ações de sua atividade de trabalho; têm problemas de saúde
física e mental; estão em processo de envelhecimento; sofrem discriminação pela idade; a ida
ao trabalho e a volta para casa é contextualizada pela violência urbana; e faltam materiais e
utensílios de limpeza para que deem conta do objetivo e resultado de sua atividade; restando-
lhes buscar estratégias, já descritas, para enfrentar essas demandas.
94
4.2.3. Núcleo de significação 3 – “Nem todos os lugares são iguais e nem todas as patroas
são iguais”: relações sociais no processo de trabalho
Para a constituição deste núcleo de análise, foram aglutinados três indicadores:
relações sociais entre as diaristas e seus patrões, usuários, clientes e outros funcionários da
limpeza; comparação da atividade de trabalho com outras diaristas ou outros profissionais;
condições dos locais de realização das atividades de trabalho das diaristas. As diaristas foram
indagadas a respeito da execução da atividade de trabalho delas, notadamente quem delegava
as atividades a serem realizadas e o que os donos das residências dizem do trabalho delas.
A relação das diaristas, precisamente com seus patrões, usuários, ou clientes – termos
designados pelas participantes do estudo – é acompanhada de controvérsias. Ora o
reconhecimento dessa atividade de trabalho lhes proporciona conforto, ora é atestada de
desencontros, discriminação e humilhação. “Uma dedicação nem sempre é suficiente para o
humilhado – a trabalhadora diarista não é humilhada porque sente ou supõe sê-lo: o
sentimento e a suposição estão cravados numa situação real de depreciação, de humilhação e
desprezo” (Ribeiro, 2014, p. 189).
“É difícil chegar num lar desconhecido, que não conhece ninguém, e você se sente
perdida de ter que lidar com pessoas diferentes... o modo de se expressar é diferente” (D 9).
As diaristas relatam que a primeira vez numa residência é um momento em que há
preocupação de saber como chegar, como se apresentar; e é quando as diaristas perguntam aos
clientes por onde devem começar, como querem o serviço e onde estão os materiais e
utensílios para a realização da atividade. Após a segunda ou terceira vez, as diaristas já se
apropriam da concepção da atividade naquele local: têm usuárias (os) que gostam que
comecem pelos quartos, outras (os) pelo terraço. Porém, nem todos os locais são iguais, assim
como as “patroas” e “patrões” têm suas particularidades.
95
Algumas das diaristas entrevistadas dizem que poucos são os tomadores de serviço
que têm consideração pela sua ocupação e valorizam seu trabalho, bem como as incentivam.
Há, portanto, residências agradáveis, em que elas se sentem em casa, mesmo reconhecendo
certas exigências. Santos (2010) afirma que sentir-se em casa ou como se fossem da família
revela o reflexo do clientelismo, da cordialidade e do patriarcado brasileiro.
Há diaristas que revelam nunca ter ouvido reclamações, que são tratadas como se
fossem da família, como se fossem de casa, são chamadas para conversar e desabafar, são
vistas como amigas das donas da casa e comem na mesma mesa. As avaliações positivas que
as donas da casa fazem de seus trabalhos oferecem oportunidade de trabalho na casa de outras
pessoas da mesma família, até mesmo em casas de pessoas públicas.
Algumas relações entre as diaristas e seus usuários também são marcadaa por certa
fidelidade. Quando estão doentes, os tomadores de serviço aguardam a diarista melhorar, ou
dão medicamentos, ou deixam fazer só o básico e mais urgente. Há lugares em que existe
estreita relação de confiança, exemplificada pelo fato das diaristas terem a chave da casa de
alguns patrões.
Tabela 26
Trecho do indicador 3a
Entrevistada Trecho Indicador
D 4
“(...) Porque às vezes tem cliente que está de
mau humor, aí eu percebo e fico na minha.
Mas me tratam bem, tudinho, muito bem
mesmo. As secretárias que trabalham lá,
tudinho gostam de mim, tudinho, tudinho”.
Relações sociais entre as
diaristas e seus patrões,
usuários, clientes e outros
funcionários da limpeza
96
As participantes deste estudo fazem referência a atitudes caritativas dos usuários.
Algumas patroas fazem caridade e doam diversos artefatos; outra, comprava feira e dava para
o filho da diarista, enquanto ela estava hospitalizada, e essa mesma foi quem ajudou a diarista
D 4 a pagar o INSS; dão roupa, comida. “Cativam muito” (D 2). Em Ribeiro (2014), isso é
visto como complemento ou substituição de uma parte da remuneração, ou é reconhecido
pelas diaristas como um ganho adicional. Já em Saffioti (1978), isso é compreendido como
uma tentativa de agradar a empregada, com intuito de criar um clima afetivo no local de
trabalho, o que pode permitir a solicitação de favores fora das atividades que foram acordadas
e do horário de trabalho estabelecido. Quem ocupa a posição inferior, mantém-se fiel e de
confiança (Coelho, 2006).
Pensando nisso, as diaristas relatam que fazem questão de agradar as patroas, fazem
serviços que não eram previstos e, se necessário, estendem seu horário de trabalho para
concluir alguma solicitação da cliente. Para Teixeira et al. (2015), as diaristas desenvolvem
táticas para serem bem aceitas no trabalho.
Nem todo dia as diaristas pesquisadas afirmam estar num lugar bom. Têm lugares que
as escravizam, o que lhes dá vontade de ir embora: “tem cantos que é perverso” (D 3). Há
aquelas usuárias que não reconhecem o exercício da atividade e excedem em reclamações e
comportamentos desconcertantes: “eu limpo essa mesa, a patroa passa o dedo e tem que
limpar de novo, eu vendo que tinha limpado” (D 1); ou “ela queria me fazer de escrava, tempo
de escravo já passou” (D 3). Do mesmo modo, tem casa em que a patroa faz averiguação,
remove o móvel para ver se limpou. Algumas das diaristas, inclusive, já receberam ameaças
das patroas por não terem executado o serviço como elas queriam.
Diante disso, quando as diaristas foram indagadas se mudariam alguma coisa em sua
atividade de trabalho, responderam que gostariam de mais respeito e exigências mais sensatas.
“Todo trabalho é trabalho, até um varredor de rua precisa de respeito” (D 1). Em um dia de
97
chuva, a cliente queria que a diarista enxugasse a roupa toda no ferro; outras, tampouco se
preocupam com aspectos de segurança no trabalho; reclamam dos minutos em atraso e ainda
que a faxina não ficou bem feita. Isso é reflexo da cultura patriarcal e da instabilidade
ocupacional que as diaristas são vítimas. A precarização de sua atividade de trabalho é
claramente percebida nos discursos desse núcleo de significação.
Outro fenômeno que emerge nos seus contextos de trabalho é a comparação com
outras diaristas. As patroas dizem que outras que fizeram o serviço para elas não fizeram o
serviço bem feito, que eram preguiçosas. Porém, há um desafio no exercício das ações das
diaristas. Como já foi descrito, nenhuma casa é igual e, por isso, o tamanho e a quantidade de
cômodos são variáveis, além de que, em geral, há serviços acumulados de meses, o que pode
indicar a necessidade de mais um dia para a conclusão da atividade. É o momento de avaliar
junto à usuária as demandas mais urgentes, embora isso incomode as “patroas” e intensifique
a comparação entre outras diaristas.
Tabela 27
Trecho do indicador 3b
Entrevistada Trecho Indicador
D 1
“...sendo uma casa pequena, eu faço, mas
uma casa grande, eu digo logo: ‘não tem
condições’. Aí às vezes elas dizem assim:
‘porque Fulano veio e fez e você não faz’;
isso aí cada um é cada um”.
Comparação da atividade
de trabalho com outras
diaristas ou outros
profissionais
As diaristas também comparam sua atividade com outras diaristas ou outros
profissionais. “Eu acho que nem tem muita diferença entre doméstica e diarista, porque a
gente vive em função da casa todinha” (D 1). Para elas, a empregada doméstica cada dia faz
98
uma coisa, tem mais tempo, enquanto que elas em um único dia têm que dar conta de tudo.
“Há um diferença entre as diaristas e domésticas: hoje se exige mais da diarista do que da
doméstica. A doméstica faz todo dia um pouquinho” (D 9).
Algumas diaristas não têm nem contato com a dona da casa, pois essas saem bem cedo
para trabalhar. Na pesquisa de Monticelli (2013), as diaristas dizem que em alguns casos
preferem não ter que conviver com os tomadores de serviço, pois eles podiam atrapalhar na
faxina, por exemplo. Nesse sentido, é aí que muitas vezes elas se relacionam mais diretamente
com as empregadas domésticas, as quais delegam tarefas para as diaristas ou ensinam a fazer
a atividade. Parte das diaristas acha essa experiência agradável, mas com ressalvas, pois
algumas chegam na residência e as empregadas se aproveitam delas. “As próprias empregadas
querem ser mais que as patroas” (D 2). Em geral, segundo as entrevistadas, os trabalhadores
formais da residência ficam especulando e fazendo fofocas dos patrões.
O trabalho com outras pessoas requer muitas precauções, pois, de vez em quando, a
responsabilidade de certos atos pode recair para a pessoa errada. Eis o medo de trabalhar em
equipe: assumir responsabilidade depois de ter comido o que não devia, queimar ou manchar
uma roupa e roubar objetos.
Há que se destacar que as diaristas pesquisadas são agenciadas pelo SINE, onde para
cada agenciamento é emitida uma carta de encaminhamento de profissionais autônomos.
Nessa carta, há informações ao usuário, indicando o tempo de permanência da diarista na casa
e que ao valor da diária deve ser acrescido a alimentação e o valor de passagens de ônibus
locais. Porém, de acordo com as narrativas das entrevistadas, muitas casas oferecem a
alimentação – café da manhã e almoço – entretanto, outras chegam a oferecer comidas
estragadas ou de vários dias, e em horários incompatíveis.
99
Tabela 28
Trecho do indicador 3c
Entrevistada Trecho Indicador
D 3
“Chega eu estava tremendo de fome... e
nada dela chamar para eu tomar café...
quando deu três e meia foi que ela deu um
grito (...). Quando olhei, aqueles pratos
fundos, tinha feijão, duas colheres de arroz e
a salsicha, quando eu mexi com a colher o
feijão borbulhou...”
Condições dos locais de
realização das atividades
de trabalho das diaristas
Outra particularidade desse modo de agenciamento é que o profissional solicitado
deverá apresentar a bolsa ao usuário na entrada e na saída do serviço. Para muitas diaristas,
isso é desconfortável e até humilhante, porém, para outras, isso lhes resguarda, é uma
segurança pessoal, caso alguma coisa desapareça da casa após o serviço prestado.
Ao final de cada agenciamento, o usuário deve preencher um campo de avaliação dos
serviços prestados pelo profissional: “muito bom”, “bom”, “regular” e “ruim”. Muitas vezes
as patroas elogiam, embora avaliem como “bom”, o que não é suficiente para as diaristas e,
por isso, antes de concluírem o serviço pedem para as usuárias averiguarem o trabalho
realizado, identificando a necessidade de mais algum serviço ou solicitando o
aperfeiçoamento em outros. Uma das diaristas declarou: “o pedreiro, ele é mais bem visto
porque ganha bem e tem que trabalhar bem, não fica sem trabalho; que nem as diaristas, tem
que trabalhar bem, que não fica sem trabalho” (D 7).
100
4.2.4. Núcleo de significação 4 – “Eu não sobrevivo daquilo ali?”: a percepção da atividade
de trabalho da diarista
Indicadores como posicionamento das diaristas e modos de ser no trabalho; e
representação do trabalho para as diaristas compõem este núcleo. O trabalho da diarista é
caracterizado por não ser uma atividade fácil, é um trabalho “puxado” (D 1, D 8, D 11) árduo
e que exige muita responsabilidade. Por vezes é tido como obrigação, como sinônimo de
remuneração, porém, muitas entrevistadas associaram o seu trabalho a rotina – “todo dia eu
faço a mesma coisa...” (D 2). Por outras vezes, está associado a sustento e sobrevivência: “É
um trabalho bondoso, pois todo dia você ganha um dinheirinho para comprar o pão pra o seu
filho” (D 2); “Eu não sobrevivo daquilo ali? Meu ganha pão não é aquilo ali?” (D 1).
Destarte, ele é apresentado pelas diaristas “como outro qualquer” (D 11), tendo como
fundamento de que se trata de um trabalho honesto e digno; mas, também é uma troca de
serviços: “vai ajudar a patroa e a patroa vai ajudar” (D 3). Porém, a literatura designa que o
trabalho da diarista não é reconhecido como algo produtivo, já que as residências são espaços
privados, muito embora sua ocupação seja pública e não privada, uma vez que as mulheres
vendem sua força de trabalho nesse mercado de trabalho (Ribeiro, 2014).
Tabela 29
Trecho do indicador 4b
Entrevistada Trecho
Indicador “... já era um meio de sobrevivência... aí eu
comecei a trabalhar para sobreviver...” Representação do trabalho
D 9
“... é um serviço pesado”. para as diaristas
101
As percepções que o público em geral tem delas são sentidas ao longo de conversas
sobre seus trabalhos e nos trajetos de volta para casa; quando não são nos locais que
trabalham. As diaristas deram a entender que ainda há uma visão estereotipada, o que ainda
demarca certa desvalorização dessa atividade de trabalho.
Isso está muito enraizado no baixo poder aquisitivo, nos modos como se vestem e se
transformam durante a realização do trabalho. Muitas vezes chegam arrumadas, “não é porque
é diarista que vai de qualquer jeito” (D 6), mas mudam de aparência, “você vem arrumada e
se desarruma, daqui a pouco você está toda arrepiada, até no canto dos olhos tem poeira” (D
2).
Ao se compararem a outras atividades de trabalho que ainda estão na celeuma das
legalizações e execuções trabalhistas, as participantes percebem que exercem um trabalho
invisível, como é possível destacar nas narrativas a seguir: “rico nunca enxergou empregada
doméstica e diarista... diarista e empregada nunca são umas pessoas vistas... depois que a
gente não trabalha pra aquele povo não enxergam” (D 8) ela acrescenta:
Algumas reconhecem a vida de uma diarista e a vida da empregada doméstica, mas
têm muitos que não reconhecem não, principalmente as pessoas de alto nível. É difícil
reconhecer a vida de uma diarista e uma empregada doméstica... o trabalho da diarista
não é visto ainda (D 8).
Inclusive pelo INSS, cujo órgão não reconhece a atividade de diarista, “disseram que
diarista é só um nome bonito que colocaram” (D 9).
Parcela da sociedade realiza atividades invisíveis, que representa um trabalho do qual
dependem as classes mais privilegiadas economicamente. A invisibilidade se traduz na forma
como algumas atividades de trabalho não são percebidas, nem consideradas (Ribeiro, 2014).
Também há outros modos de se compreender o trabalho das diaristas: como trabalho sujo,
dirty work, ocupações que estão relacionadas às atividades físicas, moral ou socialmente
humilhantes (Hughes, 1996).
102
Ao refletirem sobre seus lugares no mundo do trabalho, as participantes desconfiam
que exercem um trabalho autônomo e que a atividade que exercem não se configura como
uma profissão, já que não estudaram para tal, diferente daquelas que declaram que todo
trabalho é profissão. Ainda assim, dizem: “diarista não é emprego fixo porque um emprego
fixo você ganha salário fixo, tem segurança” (D 2), “mas é profissão” (D 1).
Aspectos como esse foram evidenciados em estudo realizado por Dalmaso e Coutinho
(2010), e confirmado em estudo de Coutinho et al. (2013), cujos resultados apontaram que os
cobradores de ônibus, assim como as diaristas faxineiras, não consideram sua atuação como
profissão. A forte estigmatização da atividade de trabalho, assim como a natureza das relações
profissionais, contribuem para a precariedade do trabalho e, com base nesse fundamento,
levam à sensação de que o trabalho doméstico não é profissão (Iriart et al., 2008). A noção de
profissão foi conferida àqueles que têm posse de conhecimentos científicos e técnicos,
especializados e complexos, obtidos após formação universitária. Desse modo, diarista trata-
se de ocupação e não profissão (Gonçalves, 2008).
Para tanto, há que se destacar o aspecto do conhecimento tácito e do próprio
conhecimento técnico. As diaristas entrevistadas tiveram a oportunidade de falar sobre os
cursos que realizaram no SINE, tais quais: de congelamento, de lavadeira e de passadeira.
Diante disso, há aspectos que lhes conferem o título de profissionais, não apenas pela
certificação, mas pelo modo como organizam e dão sequência àss suas ações, pelas relações
com as usuárias, que não necessariamente estão baseados na troca de afetos. Além disso, há
uma relação mercadológica no ato de pagamento pelo serviço, embora injusta.
Diante dessas percepções, cada diarista entrevistada tem um modo de ser no trabalho.
Porém, o que mais chama atenção em seus discursos é que cientes ou não das suas condições
de trabalho, ora elas demonstram submissão quando afirmam que “ou aguenta ou não
103
trabalha” (D 1), ora demonstram autonomia e liberdade quanto a sua prestação de serviço,
conforme também é declarado na tese de Ribeiro (2014).
Apesar de trabalharem como diaristas por necessidade financeira, ou por falta de
opção e de outras oportunidades, ou porque não estudaram, elas se dizem na condição e
privilégio de escolher para quem vai trabalhar, pois “todo dia é um desafio, uma casa
diferente” (D 9). “Nem sou obrigada a trabalhar pra senhora, nem a senhora a me querer” (D
1). A possibilidade de dizer “não” faz com que as diaristas permaneçam nessa atividade de
trabalho, o que torna o trabalho mais leve e menos injusto (Monticelli, 2013).
Desse modo, algumas entrevistadas manifestam o desejo de ir embora quando não
estão gostando das residências, como no exemplo: “tem locais muito ruins de trabalhar, que as
patroas são chatas, mas você evita discussões e espera a hora de ir embora e não volta nunca
mais” (D 12). Outra diarista reitera: “não somos obrigadas a ir aquela casa quando não gosta...
Você vai o dia que você quiser” (D 7).
Tabela 30
Trecho do indicador 4a
Entrevistada Trecho Indicador
D 7
“...setor de diarista é um trabalho, é um setor
honesto, é digno, não é um concursado, um
formado, mas você dá seu melhor pra fazer
uma limpeza numa casa. Aquilo que você
não pode fazer... então eu vou fazer do jeito
dela, se ela mandar eu limpar essa mesa, eu
limpo. É o meu trabalho”.
Posicionamento das
diaristas e modos de ser
no trabalho
“Não somos obrigadas a ir para aquela casa
quando não gosta...”
104
Com isso, é possível perceber controle e autonomia das trabalhadoras quanto às suas
escolhas. Elas escolhem para quem trabalharão (Coutinho et al., 2013), conforme é possível
ler nos trechos destacados anteriormente, embora, para alguns autores, se trate de uma
autonomia relativa, uma vez que desenvolvem afeto e apego a alguns patrões (Teixeira et al.,
2015). Para outros, o discurso de autonomia e independência é uma personificação do
capitalismo, que confirma o retrocesso da proteção da legislação trabalhista, que legitima os
aspectos legais nas formas de trabalho precário através de trabalhos vulneráveis e
desprotegidos (Ribeiro, 2014).
Contudo, posicionam-se como mulheres felizes, dedicadas, satisfeitas e orgulhosas.
“Eu trabalho de diarista por prazer, por gostar, me sentir bem, é tudo” (D 6); “Me dedico
naquela coisa que vou fazer, de amor, não vou com cara feia” (D 11); “posso ver ouro em pó,
não é meu, deixo aí” (D 7). Na pesquisa de Monticelli (2013), as mulheres diziam se sentir
mais realizadas trabalhando enquanto diaristas.
4.2.5. Núcleo de significação 5 – “Não queria ser aquela diarista solta e irreconhecível”:
repercussões das mudanças no mundo do trabalho sobre a atividade da diarista
Este núcleo apresenta um aspecto contextual da atividade de trabalho das diaristas, a
partir da articulação de três indicadores, a saber: critérios e recrutamento de mão de obra;
conjuntura do mercado de trabalho; e aspectos relativos a atividade de trabalho informal.
A mudança no mundo do trabalho decorrente da reestruturação produtiva vem
redefinindo os locais de trabalho e fortalecendo o mercado de trabalho informal (Prisco et al.,
2013); além disso, a estagnação econômica e a crise político econômica dos últimos anos
tiveram reflexos em diversas áreas no Brasil. Isso gerou mudanças, inclusive, para o setor dos
profissionais autônomos, como é o caso das diaristas. Durante as entrevistas, muitas citaram a
105
crise como o motivo da diminuição das demandas de trabalho. “Agora está uma crise, tem
semana que eu só trabalho dois dias... está difícil aparecer diárias, muito, muito difícil” (D 9).
Tabela 31
Trecho do indicador 5b
Entrevistada Trecho Indicador
“Mas aí agora parece que está meio fraco
nessa crise...”
D 2
“... nessa crise, está na dificuldade, de muita
gente ter dispensado os trabalhadores, ou
outras pessoas terem dispensado as diaristas
e ter ficado só com as empregadas...”
Conjuntura do mercado de
trabalho
Além da má gestão, a corrupção do Brasil foi alvo de críticas pelas diaristas. Para uma
delas, “nas décadas de 70, 80, até 89, 90, a vida financeira era melhor” (D 6). Para elas, nunca
faltaram diárias pelo SINE, por exemplo.
Apesar de reconhecerem os novos direitos para as empregadas domésticas, elas
alegam que se trata de manobras governamentais na área do trabalho, “enquanto melhora para
uns, piora para outros” (D 6). Uma delas revela que uma patroa para quem trabalhava teve de
escolher entre ficar com a empregada doméstica ou com as duas diaristas, e optou pela
empregada doméstica. Isso gera uma via de mão dupla: para Fraga (2010), quando a
empregada doméstica fica sem emprego, começa a trabalhar de diarista, aumentando a
concorrência de trabalho nessa área.
É notório o aumento do número de diaristas e, consequentemente, o aumento da
demanda por serviços de diária. Há possíveis causas para isso: (a) o empobrecimento da
classe média, enquanto maior empregadora; (b) a diminuição do tamanho das famílias; (c) o
106
crescimento do número de domicílios de pessoas morando sozinhas; e (d) o aumento da
participação feminina no mercado de trabalho, além de mulheres com menor poder aquisitivo
e com mais dificuldade de contratar uma mensalista (Fraga, 2010).
As diaristas entrevistadas reconhecem, ainda, que têm muitas pessoas precisando de
uma pessoa para trabalhar na sua casa, porém, o dinheiro tem encurtado cada vez mais. Sendo
assim, “está um pouco difícil, pela crise no país... diminuiu muito” (D 7). Isso se deve,
notadamente, a falta do principal instrumento de trabalho no SINE: os telefones. Vez ou outra
as linhas estão indisponíveis. “O SINE aqui está muito fraco, não tem mais pedido como
antigamente... o telefone nem toca porque a crise está tudo muito difícil” (D 8).
Se já está difícil trabalhar por conta própria, quiçá os trabalhadores mais velhos e de
carteira assinada. Veja o relato de uma das diaristas: “quando era jovem, nunca tive sorte de
arrumar um emprego, agora que não arrumo mesmo” (D 2). O trabalho da diarista é
considerado informal e essa forma de trabalho ainda continua sendo uma alternativa a essa
crise e a crescente diminuição de emprego. A atividade de trabalho informal surge como um
elemento crucial para a sobrevivência dos trabalhadores (Ribeiro, 2014). Porém, vivenciar a
informalidade de maneira indesejável pode acentuar a perda da qualidade de vida (Lira, 2006;
Schwartz, 2004).
O trabalhador não entra no mercado informal por uma questão de escolha, mas por
necessidade, principalmente em se tratando de trabalhadores com baixa escolaridade e pouca
qualificação profissional (Leone, 2004). Essa modalidade de inserção no mundo laboral vem
ganhando força, pois tem sido acionada como produção preferencial do capital e não como
escolha dos sujeitos (Ribeiro, 2014).
Nesse sentido, as diaristas não relegam as oportunidades que o SINE ainda pode
oferecer, pois muitas delas mudaram suas vidas em decorrência da existência dessa
organização e, por isso, são muito gratas, inclusive às profissionais que lidam com elas
107
diretamente: “pra mim o SINE é tudo! Por que, depois do SINE, acabou meu sofrimento” (D
2).
O ingresso das diaristas pesquisadas no SINE foi principalmente por indicação e
referência de alguém, o que facilitou o cadastro e agenciamento de muitas delas. Isso
corrobora com o estudo desenvolvido por Coutinho et al. (2013), que revela que o início das
atividades das diaristas se deu por diversas contingências e razões, como, por exemplo, a
indicação de parentes ou amigos. Houve uma delas que falou: “não queria ser aquela diarista
solta e irreconhecível” (D 7), o que implica a necessidade de gozar de reconhecimento social,
mas evitam a formalização, uma vez que isso implica em permanecer mais horas no serviço
(Prisco et al., 2013).
Porém, algumas vezes se veem em condições criteriosas para a escolha da mão de
obra. Existem usuários que solicitam diaristas pela idade e, inclusive, aqueles que solicitavam
que enviassem uma diarista que não fumasse. Com isso, uma diarista mencionou: “eu fui
obrigada a parar de fumar porque eles não queriam que a gente fumasse” (D 2).
Tabela 32
Trecho do indicador 5a
Entrevistada Trecho Indicador
D 1
“Procurei uma ex-patroa minha e ela me deu
referência, me indicou, aí eu entrei e, de lá
pra cá, desde 97, que trabalho como
diarista”.
Critérios e recrutamento
de mão de obra
O agenciamento pelo SINE gera outras repercussões: a indicação e referência “boca a
boca”. Elas relatam que já foram indicadas para muitos outros lugares, inclusive para pessoas
108
da mesma família, e a intenção é essa: “é pra aquela usuária continuar com a gente, e
espalhar, espalhar a gente pra outras pessoas” (D 8), ou como declarou outra: “Natal todinha
tem meu telefone” (D 1).
A atividade de trabalho autônomo e informal tem suas vantagens e desvantagens. As
diaristas têm o benefício de trabalhar de dia e à noite dormirem em casa; trabalham no fim de
semana se quiserem. As que evitam criar vínculos, gostam da rotatividade de um dia estar em
uma residência e, no outro dia, estar em outra. “Eu prefiro diarista, porque todo dia é uma
casa diferente. Não tem elo pra nenhum dos dois, nem um lado, nem outro” (D 9). Assim
como os trabalhadores da construção civil, há alta rotatividade da atividade de diarista, o que
dificulta a identificação desses trabalhadores como uma categoria (Iriart et al., 2008).
Outras já veem isso com certo desconforto: “ela ali me chamou, se quiser me chamar
uma vez, chama, mas se não quiser chamar, chama outra, e vai pra outra e chama outra” (D
7). O cotidiano laboral é instável, haja vista a inexistência de vínculo empregatício e,
consequentemente, remuneração irregular e ausência de benefícios sociais (Coutinho et al.,
2013).
Tabela 33
Trecho do indicador 5c
Entrevistada Trecho
Indicador “... com o tempo, ela enjoa da sua cara, ela se acostuma com aquela pessoa, mas alguém poderia fazer melhor, então eles trocam...” Aspectos relativos à
D 12 “A diarista, nós trabalhamos sem carteira
assinada”.
atividade de trabalho informal
109
No presente estudo, as diaristas afirmaram que não têm nenhum direito formal. Têm
horários de trabalho indefinidos e, quando não, sentem que tiveram seus horários violados;
além de não conseguirem descansar na hora do almoço. Diferente do que é apresentado em
Coutinho et al. (2013), em que as diaristas pesquisadas conseguem manter sua jornada de
trabalho dentro de limites razoáveis.
Por isso, é uma atividade com carência de direitos.
Não é um emprego fixo, porque um emprego fixo você tem um salário fixo, não tem
segurança. Você não trabalha de carteira assinada, então você não tem direito a nada...
pronto, se eu cair doente, eu não tenho direito de receber... Hoje, eu posso ir lá e,
amanhã, posso ser dispensada... Não é como ter um emprego fixo que você tem
carteira assinada, tem direito a auxílio doença, perícia, abono familiar, você tem
direito ao atestado, você tem todos os direitos (D 2).
A exclusão de direitos trabalhistas caracteriza a forma de trabalho precário (Ribeiro,
2014). A falta de direitos implica, de certo modo, na falta e indefinição de deveres. As
diaristas alegam que muitas vezes tem de dar conta de ações e serviços que não são de suas
competências, pois “faxina é faxina, lavado é lavado e engomado é engomado” (D 11). Mas
as usuárias sempre excedem em pedir a realização de outras ações, “Hoje eu quero que você
faça mais isso” (D 5). Isso gera uma demanda de ações intermináveis, maior do que uma
diarista poderia dar conta.
Essa função de limpar cozinha, eu acho que residência que tem empregada a gente não
tem direito de limpar cozinha, não... eu acho que diarista não tem o direito de lavar
louça, nem limpar fogão, nem geladeira, acho que isso aí precisa mudar (D 1).
110
4.2.6. Núcleo de significação 6 – “A gente vai trabalhar pensando em fazer as coisas bem
feitas”: a constatação do trabalho final
Por fim, o presente núcleo foi constituído da aglutinação de dois indicadores: objetivo
e resultado da atividade de trabalho da diarista; e pagamento da diária como retorno
financeiro.
A lida das diaristas com a sua atividade de trabalho começa bem cedo, com rotinas
longas, trabalhos imprevisíveis e exercícios extenuantes. Carregam consigo, marcas da
violência, daquelas palavras que não precisavam ser ditas, do preconceito com seu ofício.
Como sinal de resistência, continuam desempenhando suas funções, “quando é de manhã, eu
coloco meu pé direito na frente e vou embora” (D 4).
Já saem com seus destinos, prevendo desenvolver suas ações, com objetivos e
antevendo resultados, porém, todos os dias estão em casas diferentes, acompanhadas de suas
particularidades. Doutro modo, “a gente vai trabalhar pensando em fazer as coisas bem feitas”
(D 8). Para as diaristas, o objetivo de seu trabalho é “chegar na hora do serviço, não faltar,
saber os detalhes, como começar, como terminar, deixar tudo organizado” (D 10). E a noção
de um trabalho bem feito, aquele que gera resultado, não é tão particular. O trabalho final é
quando elas percebem que, ao sair das residências, deixaram tudo “impecável” (D 1), ou seja,
deixaram os usuários satisfeitos, com as coisas em seus devidos lugares e conseguiram
administrar bem os materiais e utensílios necessários ao trabalho. O resultado é sempre fazer
um serviço de qualidade, que lhes gerem a sensação de dever cumprido. De outro modo, as
diaristas compreendem que realizaram um bom trabalho quando são agenciadas para os
mesmos tomadores de serviço.
111
Tabela 34
Trecho do indicador 6a
Entrevistada Trecho Indicador
D 1
“Eu gosto de sair e deixar o patrão satisfeito.
Eu não gosto de sair e deixar ninguém
insatisfeito com meu trabalho”.
Objetivo e resultado da
atividade de trabalho
Uma das diaristas relata:
Um trabalho bem feito... eu não gosto de deixar a faxina sem terminar, por isso eu
tenho tanto que equilibrar o tempo e falar isso pra elas, explicar o trabalho, porque é
muito chato sair da casa sem terminar a faxina. Pra mim é chato, eu não saio satisfeita,
é como se tivesse falhado (D 12).
Dessa forma, o resultado de sua atividade de trabalho tem um pouco da realização
pessoal de cada diarista: “quando eu deixo ela satisfeita, eu saio satisfeita. Pra mim ficou
perfeito” (D 1).
Muitas se admiram pela capacidade do que fizeram, ao mesmo passo em que o
resultado do trabalho é uma “obra feita” (D 9), ver as coisas limpas é uma recompensa, e lhes
dá a sensação de “limpeza na alma” (D 11). Ao admirar-se pela atividade desenvolvida e
serem elogiadas pelo serviço, é possível suspeitar a ausência de cisão entre o trabalhador, sua
atividade e o produto do seu trabalho, reconhecendo-se como produtor do objeto que
produziu. Alguns relatos atestam a alienação como elemento característico da sociedade
capitalista. Por isso, as práticas alienantes na atividade da diarista pode ser o trabalho restrito
a um meio de existência física, ou seja, o trabalho não é uma atividade que desenvolve as
faculdades humanas, mas apenas uma forma de obter sobrevivência física.
112
Ao final de sua atividade, as diaristas pesquisadas atestaram que há outro tipo de
recompensa: o pagamento da diária. Atualmente, o valor da diária do SINE, de segunda à
sexta-feira, é de R$ 70,00 (setenta reais), acrescido de alimentação e passagem. Domingo e
feriados, o valor é de R$ 80,00 (oitenta reais). A hora extra é 10% sobre o valor da diária. A
renda média por dia de trabalho, em Curitiba/Paraná, no ano de 2013, era de R$ 80,00 (oitenta
reais) (Monticelli, 2013).
Parte das diaristas pesquisadas revela que trabalhar de diarista é rentável, pois os
ganhos financeiros são maiores, “a gente ganha quase o salário todo por semana. As que se
tornaram freguesas de muito tempo, não paga diária do SINE, paga mais um pouco” (D 8).
Se eu trabalhar de carteira assinada de doméstica, eu vou ganhar setecentos e alguma
coisa. e então, o aluguel mais barato... que eu consegui foi de 400, aí eu vou pagar,
tenho um filho em casa... tem vale transporte, alimentação, roupa, calçado... (D 12).
Essa é, também, uma das vantagens elencadas pelas diaristas entrevistadas por
Coutinho et al. (2013), quando elas desvelam um maior retorno financeiro decorrente da
atividade quando comparado a rendimentos de outras atividades desenvolvidas, inclusive com
registro formal em carteira. No estudo desenvolvido por Prisco et al. (2013), as diaristas
argumentaram que, mesmo com a falta de regulamentação, continuavam nessa atividade
devido a obtenção de maiores rendimentos.
Para tanto, a recompensa financeira exige de muitas delas um planejamento e
economia, pois nem sempre tem agenciamento ou fregueses disponíveis a solicitar serviço:
“se eu trabalhar 5 dias todo, eu deposito dois dias” (D 6). Apesar disso, as diaristas encontram
incoerência no exercício da atividade realizada com o valor da diária “quando pega uma casa
grande você tem que terminar no mesmo horário da casa pequena e o dinheiro não compensa”
(D 7).
Algumas diaristas sabem que o seu trabalho chegou ao fim quando têm o retorno
financeiro. Receber o dinheiro é a atividade fim: “você chega, trabalha, recebe seu dinheiro”
113
(D 9). Em consonância umas com as outras, declaram: “vou trabalhar, faço minha diária
direitinho, recebo meu dinheiro e vou embora pra casa” (D 4); “eu sou de fazer meu trabalho,
receber e ir pra casa” (D 2); “eu gosto de trabalhar e receber meu dinheiro” (D 8); “quando
terminar, receber meu dinheiro e ir pra casa” (D 2); “é bom, porque você termina, recebe seu
dinheirinho” (D 7).
Tabela 35
Trecho do indicador 6b
Entrevistada Trecho Indicador
D 7
“...se você gosta e quer trabalhar, é bom,
porque você termina e recebe seu
dinheirinho...”
Pagamento da diária como
retorno financeiro
4.3. Análise internúcleo
Com o propósito de aprofundar o objetivo geral dessa dissertação, a seguir será
apresentado o procedimento de interpretação internúcleos, conforme prevê Aguiar e Ozella
(2013). A análise internúcleo vincula os seis núcleos, procurando articular as significações,
bem como as mediações que permeiam os núcleos, conforme ilustrado na Figura 5.
114
Figura 5. Articulação dos núcleos de significação para análise internúcleos
A atividade é direcionada a um objetivo, e a transformação desse objetivo em um
resultado ou produto é a motivação da existência da atividade. Na atividade humana da
diarista, assim como outra atividade humana, há a prescrição de objetivos, regras e
procedimentos relacionados aos resultados desejados e como fazer para alcançá-los. A
prescrição é fornecida pela sociedade, pelos tomadores de serviço e pelo trabalhador. Quando
em atividade, há a produção de sentidos e significados; a existência das necessidades,
motivos, apropriação e desvelamento da subjetividade, considerando as múltiplas
possibilidades de vir a ser sujeito.
Este é o momento de evidenciar semelhanças e contradições presentes nas
significações das diaristas, a fim de continuar revelando zonas de sentido, que se relacionam
com o movimento de constituição de sua identidade (Aguiar, Soares, & Machado, 2015). Para
nos aproximarmos do modo de ser do sujeito, precisamos considerar a totalidade das zonas de
sentido apreendidas nos núcleos (Araújo, 2015). As contradições, por sua vez, não
necessariamente devem ser evitadas, pois são força motriz dentro da atividade. Podem
115
representar o tipo de desenvolvimento que está ocorrendo dentro do sistema de atividade
(Engeström, 1987).
No sistema de atividade, os elementos interagem uns com os outros e estão sujeitos a
funcionarem por meio de mudança. A mudança em uma ferramenta, por exemplo, pode
mudar a orientação do sujeito em relação ao objeto. É possível que o próprio objeto e motivo
também sofram mudanças durante o processo da atividade (Araújo, 2015).
As diaristas são os sujeitos da atividade estudada. Essa atividade deve ser analisada
dentro do contexto de desenvolvimento e os elementos de uma atividade, por serem
dinâmicos e construídos historicamente, se transformam ao longo do seu desenvolvimento. A
função da faxina, da lavagem, do engomado, ou da ajuda geral são os objetos, que os
distingue de outras atividades. Para tanto, toda atividade é orientada a objetivos e, portanto,
incorpora o motivo da atividade.
O objeto é o espaço problema e as ações orientadas ao objeto se caracterizam por
incertezas, interpretação, surpresa, ambiguidades, criação de significados e potencial para
mudanças (Engeström, 2012). A primeira condição de qualquer atividade é a necessidade.
Para tanto, a necessidade não determina a orientação real da atividade, é apenas no objetivo da
atividade que ela encontra sua determinação. A necessidade encontra sua determinação no
objeto, se objetivando nele, e esse objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o estimula
(Heemann, 2010).
Do mesmo modo, no trabalho doméstico, o objeto é de extrema complexidade e há
certa dificuldade em se padronizar o cotidiano de trabalho, isso porque o processo de
organização e cuidado engloba uma união singular entre os sujeitos (Ribeiro, 2014). Ao
buscar compreender como as diaristas significam sua atividade de trabalho, revelamos zonas
de sentidos acerca da trajetória ocupacional (núcleo 1). A apreensão de como as diaristas
significam a trajetória ocupacional revelou que esses sentidos foram produzidos pela
116
mediação de ferramentas psíquicas e físicas ao longo da sua vida pessoal. Isso produziu
reflexos no âmbito profissional, cujas tarefas são influenciadas pela história da vida familiar.
Essas histórias se relacionam, se entrelaçam e, muitas vezes, se confundem, haja vista
as relações sociais que as diaristas têm com seus patrões, clientes e usuários. Ao mesmo
passo, são essas relações que estruturam a sua atividade de trabalho (núcleo 3) e mediam a sua
atividade (núcleo 2). “Os vínculos afetivos que possui com esse empregador são
demasiadamente fortes, que interferem até mesmo nas suas noções de ‘'lar’, de história
pessoal e em sua própria concepção de sujeito” (Monticelli, 2013, p. 150).
As doze diaristas, aqui estudadas, compreendem que o seu trabalho se desenvolve ora
em um espaço profissional, ora em um espaço familiar (núcleo 1). A condição de dona de
casa lhes permite conhecer o exercício das atividades a serem realizadas na casa de seus
patrões. Para tanto, há uma contradição ao dizerem que arrumam a casa das patroas como se
fossem suas casas, já que em suas residências não necessariamente buscam um ideal de
limpeza (Teixeira et al., 2015). Quando se veem em espaço familiar, é perceptível certa
flexibilidade na sua atuação (núcleo 5). Quando em espaço profissional, as diaristas dizem
quão difícil é estar todos os dias em casas diferentes (núcleo 2), ao mesmo passo que têm de
ser relacionar com usuários e clientes, cada qual com suas particularidades (núcleo 3).
As dimensões profissional e familiar mediam uma interação sob constante tensão, pois
não se estabelecem por completo: há uma relação familiar que não perde o elemento da
subordinação. Desse modo, as relações não são construídas apenas pela afetividade, mas pelo
aspecto da hierarquização. De outro modo, a casa, se tornando esfera produtiva, faz com que,
em seu cotidiano, não haja uma delimitação precisa do que é público e privado (Teixeira et
al., 2015). Por isso, há uma certa ambiguidade na posição da diarista: se ela está integrada ou
excluída da família (Ribeiro, 2014).
117
Muitas se sentem felizes por não serem tratadas como empregadas, mas como alguém
da família ou como amiga dos patrões. Para tanto, essa felicidade pode ter a ver com a recusa
de identidade de trabalhadora doméstica, e por isso assumem que os lugares que trabalham
são seus, lugares esses em que há um misto de sofrimento com pertencimento (Teixeira et al.,
2015).
Entre os princípios básicos da teoria da atividade, está a mediação por meio de
ferramentas, que moldam a maneira como se interage com a realidade. Por um lado, as
ferramentas podem expandir as habilidades para manipular ou transformar objetos diferentes
e, por outro, podem limitar ou restringir a percepção e manipulação do objeto em si
(Quevedo, 2005).
As ferramentas propostas neste estudo variam entre aquelas físicas e psicológicas, que
vão desde o uso do corpo e da mente, até o uso de instrumentos como a vassoura, a pá, o rodo,
etc. A ausência desses artefatos impede a consumação da atividade. Essas ferramentas podem
catalisar habilidades para manipular e transformar objetos diferentes, mas também podem
limitar a percepção e manipulação do objeto (Heemann, 2010).
Por isso, as mudanças no mundo do trabalho, que conferem variações nas modalidades
de trabalho (núcleo 5), trazem às diaristas diferentes modo de se relacionarem com os
tomadores de seus serviços e outros grupos profissionais (núcleo 3). Quando não há condições
favoráveis à realização de suas atividades, isto é, quando há impedimentos (núcleo 2), elas
usam a flexibilidade do trabalho (núcleo 5), ou melhor, a partir da percepção que têm da sua
atividade: usam a sua autonomia e liberdade (núcleo 4) como um recurso para enfrentar as
dificuldades (núcleo 2).
Essas relações conferem uma percepção desafiadora de suas atividades de trabalho
(núcleo 4), pois a atividade fim indica que casas diferentes resultam em sentidos e
significados diferentes (núcleo 6), haja vista que os artefatos mediadores acabam se tornando,
118
também, particulares (núcleo 2). Outro aspecto a se pensar é que, enquanto no núcleo 4 o
retorno financeiro é uma das representações da atividade que realizam, no núcleo 6, ele
aparece como atividade fim, evidenciando outras necessidades e motivos que as impulsionam
para tal atividade.
Seus modos de pensar, sentir e agir como diaristas são reconfigurados a partir de sua
experiência prática. Enquanto nos núcleos 1 e 2 as diaristas apresentaram que as mães tiveram
papeis preponderantes na execução das atividades que exercem hoje, a herança materna têm
sido rompida aos poucos, pois seus filhos já tiveram melhores oportunidades de acesso à
escola. Do mesmo modo, as diaristas conseguem apreender que as mudanças decorrentes da
reestruturação produtiva merecem uma melhor reflexão sobre as trajetórias profissionais de
seus filhos, de atividades que lhes garantam melhor retorno no aspecto do valor humano, ou
melhor, da ascensão social.
O motivo que as impulsionaram a trabalhar (núcleo 1), mesmo quando ainda criança,
hoje se apresenta como a forma que compreendem sua atividade de trabalho, isto é, como
meio de sobrevivência e sustento (núcleo 4). Outra zona de sentido produzida é que o trabalho
é representado como uma atividade que é sobrecarregada e que exige força (núcleo 4), porém,
ter força e ritmo para o trabalho é algo que se traduz em dificuldade para a realização da
atividade (núcleo 2), haja vista as condições físicas discriminadas e outros fatores já descritos.
O ageísmo, por exemplo, também se configura como um impedimento para a realização da
atividade (núcleo 2, ao mesmo passo que também é parte do núcleo 5, requisitos para o
recrutamento de mão de obra).
As regras permitem certo nível de estabilidade para a atividade humana. Para tanto, na
atividade da diarista não há normas, regras ou diretrizes explicitas, haja vista a condição
invisível jurídico e social de sua atividade. Porém, é possível levar em consideração as
normas impostas pelo SINE, o qual é responsável pelo agenciamento das diaristas aqui
119
representadas. As diaristas devem ter cadastros ativos e atualizados e quando agenciadas
devem permanecer na residência por um período de 9 horas. Por outro lado, as normas
implícitas implicam, notadamente, que as diaristas são indicadas ou referenciadas ao SINE
por meio de amizades e outros tipos de relações, seja com conhecidos ou ex-patrões.
No que diz respeito ao elemento social, comunidade, as diaristas circulam em um meio
sociocultural indefinido pela própria literatura, pouco se fala sobre esse gênero profissional,
sobre aquilo que as torna diferente de outras atividades ocupacionais. As relações com seus
pares, de mobilização e organização, ainda são muito frágeis. O SINE tem iniciativas
incipientes, com reuniões que estimulam o aprendizado e a capacitação contínua, indicam
formas de agir, apontando o que é verdadeiro e correto e prevendo formas de trabalhar. O
SINE, muitas vezes, se responsabiliza pelo que as diaristas aprendem e executam nas
residências, porém as regras são muitas vezes prescritas pelas patroas, ou pessoas em outras
condições hierárquicas.
Diante disso, a divisão do trabalho pode ser observada no modo como as participantes
da comunidade dividem a responsabilidade na influência e definição do objeto. A divisão
social diz do lugar das patroas, clientes e usuários na concepção da atividade, mas também de
outras atividades profissionais que apresentam objetos semelhantes, como as mensalistas. A
distribuição das responsabilidades é, em geral, das patroas, clientes e usuários. Porém, há
certa volatilidade nisso, a depender do relacionamento entre a diarista e seus tomadores de
serviço, ou com outras diaristas e mensalistas.
A atividade da diarista parte de sua necessidade de fazer a faxina, a lavagem,
engomado ou ajuda geral. Entretanto, sua necessidade em si não caracteriza uma atividade.
Como toda atividade tem um caráter objetal, a atividade só se realiza quando a necessidade
encontra o espaço problema, ou seja, o objeto – a casa para limpar, a roupa para lavar ou para
engomar – que são as patroas, usuários, clientes, ou mensalistas demandando o serviço,
120
motivo da atividade. Os instrumentos, tais como: vassoura, pá, rodo, ferro e etc., mediam a
relação sujeito-objeto, influenciada pela aprendizagem tácita, ou da indicação e referência de
algumas pessoas conhecidas e a opção da diarista ser agenciada pelo SINE. As regras, na
condição do SINE, e a divisão do trabalho reforçam a estrutura do sistema de atividade.
Exemplificamos esse modelo na figura a seguir:
Figura 6. Estrutura do sistema de atividade da diarista.
No entanto, o sistema de atividade é dinâmico e não necessariamente a organização da
atividade da diarista é essa, o que pode contradizer o sistema de atividade. A diarista pode não
encontrar utensílios e materiais de limpeza necessários à execução de suas ações; pode não
querer realizar determinadas ações naquela residência, tendo em vista a relação que
estabeleceu com a usuária ou com a mensalista, reordenando uma nova divisão do trabalho.
Além de que a nova divisão do trabalho pode implicar na dissolução de regras impostas pelo
SINE. Isso implica em uma nova organização do tempo de permanência nas residências, por
conseguinte, novas regras. Por isso, reiteramos que as contradições no sistema de atividade
121
não devem ser evitadas, são elas que dinamizam a atividade, ao mesmo passo em que
representam o desenvolvimento que está ocorrendo dentro do sistema de atividade e do
próprio sujeito.
122
5. Considerações finais
A presente dissertação foi realizada com doze diaristas, com o objetivo de
compreender o processo de significação do trabalho para um conjunto de diaristas atuando na
cidade de Natal, RN. Para atingir o objetivo geral, delineamos um estudo qualitativo, com uso
da técnica da entrevista semiestruturada.
Como parte dos resultados, percebemos que as diaristas significavam seu trabalho de
diversas formas, a saber pela construção dos núcleos de significação aqui apresentados. Para
tanto, conhecer os sentidos e significados foi possível em virtude de considerarmos que a
atividade não está estritamente relacionada a um objeto, mas a um contexto mais amplo, pela
existência de elementos sociais e da interdependência desses.
A vida das diaristas é marcada pela migração e pelo trabalho infantil, motivado pela
necessidade de melhores condições de vida que pudessem suprir as necessidades básicas de
seus familiares. Essas mulheres têm um histórico de vida profissional influenciado
preponderantemente pelo contexto familiar e vivenciam o exercício de uma atividade
sobrecarregada, de relacionamentos instáveis e marcados pela rotatividade.
Os depoimentos apresentados nessa dissertação revelam a necessidade das diaristas de
gerirem a própria vida e, por isso, se permitirem estar numa ocupação que lhes confere mais
liberdade e autonomia. Todas elas começaram a trabalhar como diarista por meio de
indicações e referências por outras pessoas. A atividade de trabalho é semanal e em
residências diferentes, por meio da execução de ações num único dia de trabalho, o que as
difere da empregada doméstica.
No entanto, a liberdade e autonomia não se dão a qualquer custo; os sentidos
associados ao trabalho a partir da realização da atividade concreta são permeados por dúvidas,
123
dificuldades e incertezas, decorrentes de suas histórias passadas, seus sentimentos e aspectos
da desvalorização pessoal e ocupacional. As diaristas têm problemas de saúde física e mental,
estão em processo de envelhecimento, além de sofrerem preconceito em virtude da idade.
Muito embora o processo de envelhecimento seja relativo, em aspectos conceituais e do
próprio discurso das diaristas.
Por isso, elas têm de buscar estratégias para realizar sua atividade e nela encontrar
sentido. Desse modo, ao mesmo passo que a autonomia e liberdade se constituem como
sentido do trabalho, também são usadas como estratégias de enfrentamento às dificuldades.
Além disso, usam da espiritualidade como mobilização para enfrentar as dificuldades. Aos
aspectos da maturidade e experiência também merece destaque, como uma forma de lutar e
resistir aos preconceitos e a desvalorização.
Como contribuições à área da Psicologia Social do Trabalho, reiteramos a importância
de estudar ocupações que estão à margem do emprego formal. Além disso, esta produção
propiciou compreender o trabalho a partir do olhar de quem o vivencia, o trabalhador. Isso
posto, a pesquisa permitiu a aproximação teórica e conceitual sobre um fenômeno ainda
pouco discutido. Conseguimos confirmar os resultados com boa parte da literatura,
principalmente nos quesitos que desvelam a precarização do trabalho. Ademais, essa
ocupação ainda carrega muitas das estruturas das desigualdades brasileiras.
Uma das limitações desse estudo foi a realização da pesquisa com diaristas que são
agenciadas pelo SINE. Talvez fosse necessário investigar o trabalho de diaristas que não tem
vínculos com agências de emprego. Isso possibilitaria a realização de um estudo comparativo
e a averiguação de se a construção de sentidos e significados se situam nos mesmos núcleos
de significação.
Essa dissertação possibilitou refletir sobre outras possibilidades de estudo, como, por
exemplo: aspectos que relevam ruptura de heranças maternas no exercício da atividade
124
profissional e busca por ascensão social; aposentadoria para trabalhadores da economia
informal; e também sugerimos outra dimensão que poderá ser melhor investigada: a
transversalidade das temáticas trabalho e envelhecimento, já que os estudos são pontuais ao
revelarem que os trabalhadores domésticos estão envelhecendo. O próprio IBGE não
discrimina, em suas pesquisas, aqueles que são empregados domésticos e os que são diaristas.
Ambos se resumem a trabalhador doméstico. Além disso, o aumento da idade e o
envelhecimento populacional têm influenciado diretamente o perfil dos trabalhadores em
geral.
Esperamos que esta dissertação possibilite a abertura de novos caminhos para essa
atividade de trabalho. E, como contribuição prática, pretendemos socializar os resultados
junto ao SINE, auxiliando os profissionais na orientação de suas atividades e dúvidas
decorrentes do lugar da diarista no mundo do trabalho.
125
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137
Apêndices
Apêndice A
Roteiro de entrevista semiestruturada
Momento Tópicos norteadores
Aspectos
sóciodemográficos
Entrevistado/ Identificação
Idade
Sexo
Etnia/ Raça
Escolaridade
Estado Civil
Com quem mora?
Reside em Natal/RN? Quanto tempo trabalha como Diarista?
Trabalha quantas horas?
Quantos dias durante a semana?
Contextualização 1) Conte-me um pouco da sua história; como se tornou Diarista? Ou como
você chegou a ocupação atual?
Atividade 1) Como definiria o trabalho da Diarista? - Escolha um dia bastante representativo do que você faz e me conte
como é.
Explorar: quais as principais ações realizadas, como são realizadas,
(fazeres concretos), com quem e ainda para quem (sujeito > objeto)
2) Como é feita a concepção da atividade?
Onde e como aprendeu o que sabe para fazer o que faz? Quem delega as
atividades a serem realizadas, você ou a dona da casa para quem trabalha?
Você acha que atinge os objetivos quando finaliza a atividade de trabalho;
e os donos da casa, o que dizem do seu trabalho, ao finalizá-lo? Enfim,
como é feita a divisão e organização do trabalho?
3) O que você acha que as pessoas pensam o que é o trabalho da Diarista? 4) Se pudesse (se tivesse o poder para tanto), o que mudaria na atividade?
Por quê?
Envelhecimento 1) Como é ser uma diarista aos (idade da participante)?
Proc. Significação 1) Você acha que o que você faz é trabalho? Explique por quê. 2) Quando se fala em trabalho, o que lhe vem à cabeça? Qual imagem? Qual
palavra?
3) Você percebe que ao longo do tempo tem sido mais fácil, mais difícil o
trabalho? Quais as facilidades e dificuldades encontra no seu trabalho? o
que mais gosta? e o que mais lhes frustra? o que sente quando fala do seu
trabalho? e o que espera do futuro?
4) O que seria um trabalho bem feito? Essa concepção mudou ao longo da
sua vida? Em que momento?
5) Caso seus filhos (as) quisessem seguir essa mesma ocupação, o que você
pensaria?
Fechamento O que achou dessa entrevista? Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
138
Apêndice B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa: “Processos de significação do trabalho
para Diaristas mais velhas em Natal/Rio Grande do Norte”, que tem como pesquisadora
responsável Kamilla Sthefany Andrade de Oliveira, sob orientação do Professor Doutor Pedro
Fernando Bendassolli e co-orientação da professora Doutora Tatiana de Lucena Torres.
Esta pesquisa pretende investigar o processo de significação do trabalho para um conjunto
de diaristas mais velhas atuando na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte (RN).
O motivo que nos leva a fazer esse estudo é contribuir com o tema e, especificamente,
compreender os sentidos associados ao trabalho a partir da compreensão da atividade concreta
realizada pela diarista; compreender, no contexto da realização da atividade, aspectos
relacionados à circunstância de se ser um trabalhador mais velho; e identificar as estratégias ou
mobilizações utilizadas pelas diaristas para realizar sua atividade e nela encontrar sentido, bem
como as estratégias de mobilização referentes à circunstância de se ser um trabalhador mais velho.
Caso você decida participar, você deverá responder uma entrevista, que será composta por
algumas questões, relacionadas a sua opinião e também por situações vivenciadas por você. O
tempo da entrevista dependerá do que você tem a nos dizer. Responda de acordo com o que você
realmente pensa, não há resposta certa ou errada. Sua participação é muito importante para nós!
Lembre-se que você não será identificado em nenhum momento da pesquisa e apenas a
entrevistadora e coordenadores do estudo terão acesso às suas respostas.
Para tanto, iremos solicitar, também, a assinatura do termo de autorização para gravação
da sua voz.
Durante a realização, o pesquisador fará uma pergunta, com a qual se baseará sua resposta,
ou seja, você será convidado a falar livremente sobre o determinado tema, enquanto isso, o
pesquisador poderá fazer outras perguntas, que buscam dar mais profundidade as reflexões. A
previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que você corre é semelhante àquele sentido num
exame físico ou psicológico de rotina.
Os riscos envolvidos ao responder a entrevista são psicológicos, uma vez que a temática
poderá suscitar reflexões e questionamentos, sendo assim, caso perceba que a entrevista lhe
sensibilizou, você poderá conversar conosco e poderemos lhe encaminhar para um serviço de
apoio psicológico da universidade.
Durante todo o período da pesquisa, você poderá tirar suas dúvidas ligando para Kamilla
Sthefany Andrade de Oliveira, email: [email protected] ou com Pedro Fenando
Bendassolli, email: [email protected].
139
A participação nesse estudo é voluntária e, caso decida não participar ou desista de
continuar, você tem absoluta liberdade para fazê-lo, podendo retirar seu consentimento em
qualquer fase da pesquisa, sem que isso acarrete nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em
congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar. Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local
seguro e por um período de 5 anos.
Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo
pesquisador e reembolsado para você.
Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será
indenizado.
Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 3215- 3135.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o
pesquisador responsável, Kamilla Sthefany Andrade de Oliveira.
Consentimento Livre e Esclarecido
Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão coletados
nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará para mim e ter
ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa “Processos de
significação do trabalho para Diaristas mais velhas em Natal/ Rio Grande do Norte”, e autorizo a
divulgação das informações por mim fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde
que nenhum dado possa me identificar.
Natal/RN, / / .
Assinatura do participante da pesquisa Impressão Datiloscópica do participante
Declaração do pesquisador responsável
Como pesquisador responsável pelo estudo “Processos de significação do trabalho para Diaristas
mais velhas em Natal/ Rio Grande do Norte”, declaro que assumo a inteira responsabilidade de
cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e
assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo e confidencialidade sobre a
identidade do mesmo. Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora
assumido estarei infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho
Nacional de Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.
Natal/RN, / / .
Assinatura da pesquisadora responsável
140
Apêndice C
TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ
Eu, , depois de
entender os riscos e benefícios que a pesquisa intitulada “Processos de significação do
trabalho para Diaristas mais velhas em Natal, Rio Grande do Norte” poderá trazer e
entender especialmente os métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como,
estar ciente da necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste
termo, a pesquisadora Kamilla Sthefany Andrade de Oliveira a realizar a gravação de minha
entrevista sem custos financeiros a nenhuma parte. Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida
mediante o compromisso dos pesquisadores acima citados em garantir-me os seguintes
direitos:
1. Poderei ler a transcrição de minha gravação;
2. Os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações
para a pesquisa aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam:
revistas científicas, congressos e jornais;
3. Minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação
das informações geradas;
4. Qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser
feita mediante minha autorização;
5. Os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade da
pesquisadora coordenadora da pesquisa, Kamilla Sthefany Andrade de Oliveira, e após
esse período, serão destruídos e,
6. Serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer
momento e/ou solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.
Natal/ RN, / / .
Assinatura do participante da pesquisa Impressão Datiloscópica do participante
Assinatura e carimbo do pesquisador responsável
141
Apêndice D
Organização dos pré-indicadores e indicadores pelo Software Excel 2010
142
Apêndice E
Indicadores e núcleos de significação inferidos a partir das entrevistas
Indicadores Núcleos de significação
a) Ações realizadas da condição de diarista;
b) Funções desempenhadas ao longo da
vida;
c) Condicionantes sociais e condição da
vida material;
d) Influência da vida familiar na condição
de diarista;
e) Escolarização como prerrogativa de
melhores condições e oportunidades de
trabalho;
f) Projetos da vida profissional e
perspectiva de futuro;
g) Tempo de dedicação ao trabalho; h) Trabalho durante a infância e
adolescência;
i) Aposentadoria;
j) Dia de trabalho;
k) Atividade de trabalho extra; l) Organização e sequência da atividade de
trabalho;
m) Condições de gênero.
1. “Minha vida é essa; eu vivo só para
trabalhar”: reflexões sobre a trajetória
ocupacional das diaristas.
a) Saúde mental e sofrimento psíquico;
b) Capacidade física para o trabalho;
c) Acidentes no trabalho;
d) Educação para o trabalho;
e) Instrumentos da atividade de trabalho;
f) Concepção de desenvolvimento humano;
g) Dificuldades para a realização da
atividade de trabalho;
h) Espiritualidade;
i) Discriminação pela idade;
j) Problema de saúde.
2. “Tem que se virar com o que tem”:
ferramentas, impedimentos e
estratégias de enfrentamento para
execução da atividade de trabalho.
a) Relações sociais entre as diaristas e seus
patrões, usuários, clientes e outros
funcionários da limpeza;
b) Comparação da atividade de trabalho
com outras diaristas ou outros
profissionais;
c) Condições dos locais de realização das
atividades de trabalho das diaristas.
3. “Nem todos os lugares são iguais e
nem todas as patroas são iguais”:
relações sociais no processo de
trabalho.
143
a) Posicionamento das diaristas e modos de
ser no trabalho;
b) Representação do trabalho para as
diaristas.
4. “Eu não sobrevivo daquilo ali?”: a
percepção da atividade de trabalho da
diarista.
a) Critérios e recrutamento de mão de obra;
b) Conjuntura do mercado de trabalho;
c) Aspectos relativos à atividade de
trabalho informal.
5. “Não queria ser aquela diarista solta e
irreconhecível”: repercussões das
mudanças no mundo do trabalho
sobre a atividade da diarista.
a) Objetivo e resultado da atividade de
trabalho da diarista;
b) Pagamento da diária como retorno
financeiro.
6. “A gente vai trabalhar pensando em
fazer as coisas bem feitas”: a
constatação do trabalho final.
144
Anexos
145
146
147
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