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RELAÇÕES SOCIAIS NAS VACARIAS SULINAS DE MATO GROSSO:
Considerações sobre a Guerra do Paraguai (1864-1870)
Drª Maria Teresa Garritano Dourado
Resultado de uma soma de fatores, entre eles, políticos, territoriais e econômicos a
eclosão da Guerra do Paraguai até hoje gera acirradas polêmicas e controvérsias entre os
quatro países envolvidos, quais sejam, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, como, entre
outros, se pode observar em um artigo paraguaio:
"...na Villa Real de Concepcion salieron las tropas del coronel Vicente Barrios y
Dias de Bedoya, el mayor Francisco Isidoro Resquín y el capitán Martín Urbieta,
para emprender, por río e por tierra, respectivamente, la recuperación del antiguo
Jerez Ñu paraguayo, en donde los portugueses y brasileños habian levantado las
poblaciones, puertos y fuertes de Coimbra, Albuquerque, Cuyabá, Corumbá, Cojín
(o Coxim), Ñuay (o Nioay), Aquidavana, Dourados, Miranda (sobre nuestro
Mbotetey, en donde estuvo la ciudad paraguaya de Santiago de Jeréz). Toda esta
inmensa región regada por sangre paraguaya, era llamada por los brasileños como el
Mato Grosso y por ello la campaña con que se iniciaba la guerra con el Brasil, luego
descubierta con su fatal dimensión de Triple Alianza, fue llamada en la
historiografia como campaña de Mato Grosso" (CABALLERO, 1999, p. 50-51).
Todos os governantes paraguaios, após o bandeirantismo paulista, aspiraram à
ocupação do sul do antigo estado de Mato Grosso; para os paraguaios o Brasil era imperialista
e usurpador. De governo a governo, o velho sonho e desejo de expansão para o norte era
bastante disseminada onde a versão das riquezas encontradas na Serra de Maracajú, nas
vizinhanças da antiga Santiago de Xerez tomavam vulto com as notícias do descobrimento
dos ricos garimpos de Cuiabá e do Guaporé. De fato, o governo paraguaio questionava a
ocupação e instalação ilegal de redutos militares imperiais e povoamento em área em disputa,
mas não é objeto desse artigo desenvolver argumentos elaborados pela historiografia que se
ocupa do tema. A tarefa proposta é revelar as ações bélicas da coluna paraguaia por ocasião
da sua penetração e ocupação do sul de Mato Grosso, mais precisamente no cenário do espaço
geográfico que englobava as vilas de Miranda, Nioaque (antigamente Santa Rita de
Levergeria) e das famílias moradoras das cercanias, as afazendadas que ocupavam uma
extensa região ao redor das vilas, conhecida naquela época como Campos da Vacaria.
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Existiam por parte do governo paraguaio, indícios evidentes de preparo para uma guerra,
devido ao quadro de tensão na região da bacia do Rio de la Prata.1
Essa ocupação foi bem preparada, precedida do levantamento de informações por
espiões, indivíduos escolhidos e escalados que desde o ano de 1862 percorriam o vasto
território, em busca de dados, organização, pontos fracos e fortes da região fronteiriça. O
General Raul Silveira de Mello alertava que “os governos paraguaios procediam, como
quaisquer outros governantes, à espionagem e à busca de informações além das fronteiras”
(MELLO, 2014, p. 98-104). Em um antigo tratado militar, um estrategista militar chinês
aconselhava que "manterás espiões por toda parte. Deves supor que o inimigo fará o mesmo.
Se chegas a descobri-los, evita condená-los a morte. Seus dias devem ser-te infinitamente
preciosos " (SUN, 2006, p. 12). De fato, a preparação paraguaia para a guerra se iniciou com
bastante antecedência, informantes paraguaios, entre eles, desertores, índios andarilhos,
refugiados ou em incursões circulavam livremente por toda a província mato-grossense que
era muito extensa, não existindo naquela época mapas confiáveis de todo o território. Uns
diziam estarem a passeio, outros, comerciantes de animais cavalares, interessados em
fazendas para criação de gado. Buscaram e obtiveram informações preciosas e precisas sobre
o número de soldados em cada localidade, como e por quem era exercido o comando, vários
pormenores da situação econômica e militar. Em alguns casos os relatórios apresentados ao
dirigente paraguaio Solano Lopez eram bastante detalhados e fundamental para a ocupação
que se seguiu e principalmente se motivaram nos problemas de limites entre a República
paraguaia e o Império do Brasil, que se arrastavam havia muitos anos e que nunca se
resolviam. Dentre eles estavam os paraguaios: Germano Serrano, Francisco Isidoro Resquin,
André Herreros e Pedro Pereyra que levaram para Solano Lopez valiosas informações que
possibilitaram ao governante paraguaio organizar a ocupação que se seguiu.
Em dezembro de 1864 duas expedições militares paraguaias penetraram e ocuparam o
sul da província do Mato Grosso, segundo dois decretos de nomeação dos comandantes de
divisão que deveriam agir na frente norte e na frente sul contra o Brasil. A primeira,
denominada Divisão de operações do Alto Paraguai, fluvial, comandada pelo coronel Vicente
Drª Maria Teresa Garritano Dourado. Bolsista DCR/FUNDECT/SEPROTUR/CNPQ/UFGD (Universidade
Federal da Grande Dourados) Mato Grosso do Sul. 1 Estuário atlântico da América do Sul, formado pelos rios Paraná e Uruguai, que separa a Argentina do Uruguai
e em cujas margens ficam Buenos Aires e Montevidéu.
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Barrios e segundada pelo tenente-coronel Francisco Gonzalez tendo como objetivo inicial
tomar o Forte de Coimbra. A segunda expedição, terrestre, se subdividiu em duas colunas,
constituídas principalmente por cavalarianos, sendo a principal, Coluna de operações sobre a
Vila de Miranda e Rio Mbotetey ou Miranda, e comandada pelo coronel Francisco Isidoro
Resquín, tendo como segundo capitão Blas Rojas e a secundária, Dourados e Rio Brilhante
pelo capitão Martín Urbieta, que devastou as vizinhanças dos rios Dourados, Brilhante e
Vacaria, (MELLO, 2014, p. 110).
Por ocasião do início da guerra, o Exército Brasileiro estava em estado deplorável, mal
armado, mal equipado e com efetivos insignificantes para enfrentar um ataque surpresa e que
se tornou o maior conflito bélico da história da América do Sul: a Guerra da Tríplice Aliança
contra o Paraguai. O Império do Brasil foi envolvido por uma guerra inesperada, apesar de
vozes isoladas alertarem para uma possível agressão do lado paraguaio, dos constantes alertas
enviados pela correspondência diplomática em Assunção e pelo Palácio do Governo da
Província de Mato Grosso ao Governo Imperial (CARVALHO, 1864, p. 6). Nessa época, a
distante província de Mato Grosso, a mais isolada e esquecida pelo governo monárquico, foi
abandonada a própria sorte devido, entre outros motivos, a impossibilitada de socorro
imediato. Contava apenas com um efetivo de 875 homens, distribuídos em pequenos
destacamentos divididos em quatro Distritos Militares: Distrito Militar da Cidade de Mato
Grosso, Distrito Militar de Vila Maria, Distrito Militar do Baixo Paraguai e Distrito Militar de
Vila de Miranda. Desses homens apenas 600 poderiam ser considerados prontos para o
combate, portanto, não houve condições para uma atuação marcante já que era uma força
combativa muito pequena para a extensão da província e pequena em relação a tropa inimiga.
Não havia elementos de defesa para enfrentar um contingente tão grande de soldados
preparados e armados, que efetuaram um ataque surpresa, avançando em diversas frentes com
pequenos pelotões, deixando um rastro arrasador de destruição e sangue por onde passaram.
Sem nenhuma autoridade militar que os defendessem, morando em um sertão desguarnecido,
só restaram aos fazendeiros e moradores dessa região a fuga precipitada para o norte, nas
encostas da Serra de Maracajú, ainda não alcançada pelo conflito, deixando para trás todos
pertences incluindo propriedades, moradias, gado e lavoura que foram sistematicamente
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saqueadas e destruídas pelos paraguaios que tinham interesse principalmente no gado para
atender suas necessidades alimentares.
Escrever sobre uma guerra é tratar dos medos, dos traumas, é lembrar as atrocidades,
estupros, misérias, mortes, doenças, epidemias e fome que matam, das rupturas, das
separações de famílias e da orfandade. “Um pesadelo na história da América do Sul que
indelevelmente marcou a vida do ponto de vista material e emocional de várias gerações: das
que dela participaram e das gerações futuras” (PERARO, 2006, p.106-107). É preocupante
que, a despeito da farta documentação existente sobre Mato Grosso do século XIX, parte dela
inédita, ainda existam graves problemas na realização da investigação histórica, sobretudo na
área da História Social, sendo que os mais graves são: a descontinuidade de informações e a
falta de disposição para a pesquisa em arquivos que, para muitos, são entediantes,
empoeirados, vazios, alguns escuros e distantes de casa. Contudo, a História precisa, muitas
vezes, penetrar nesse mundo e dar vozes ao passado. Estudiosos, brasileiros e estrangeiros, no
exercício da pesquisa, dedicaram-se em enumerar fatos ocorridos durante os sete anos que a
guerra durou. O percurso escolhido para esta pesquisa abandonará os caminhos tradicionais
que privilegiaram a história militar, política, econômica e diplomática tão comuns nos séculos
passados, para descobrir e trazer à luz fatos ainda desconhecidos do grande público e até do
contingente militar da atualidade. De fato, durante as últimas décadas, vários historiadores em
uma ampla variedade de períodos, países e tipos de história, conscientizaram-se do potencial
para explorar novas perspectivas do passado proporcionadas por fontes como os relatórios
militares de viagens e diários, do ponto de vista do soldado e não do grande comandante2.
As fontes principais utilizadas são relatos encontrados no Memorial do Tribunal de
Justiça em Campo Grande (MS), que revelam material privilegiado na tarefa de fazer vir a
tona uma parte importante do cotidiano dos afazendados. Os inventários post-mortem são
testemunhos da cultura material, dos costumes, crenças e valores da sociedade. A produção de
escritos estão organizadas em dezenas de caixas, que contém Documentos Históricos, como
processos de Inventários e Partilhas (civis e criminais) relacionados principalmente no que diz
respeito as Comarcas de Nioaque e Miranda, entre os anos de 1873 a 1899, e concentrados em
famílias pioneiras da região recortada. É preciso ressaltar que documentos cartorários e
2Ver a esse respeito, entre outros, o Diário da Campanha do Paraguai, de Francisco Pereira da Silva Barbosa.
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particulares foram destruídos em 1865 durante a ocupação paraguaia, que arrasaram as vilas
de Miranda e Nioaque, ficando uma grave lacuna na história de Mato Grosso do Sul. Esse
trabalho é bastante dificultado pelas fontes disponíveis em que constatamos, com
pouquíssimas exceções, que apenas os mais ricos deixaram registrados e dividiam os seus
bens. Portanto, a maioria de homens livres e pobres não deixaram registros e pistas para uma
análise da história social, mas uma das possibilidades é tentar cruzar os dados disponíveis, e
que em alguns casos se tornam bastante promissores.
Fonte: Acyr Vaz Guimarães
Pesquisando e analisando documentos, observa-se a importância da História Social da
guerra que traz à luz episódios desconhecidos da maioria dos brasileiros. Nas fontes
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analisadas, entre elas, listas de famílias brasileiras prisioneiras que foram levadas de Miranda
e região para o Paraguai, processos, inventários e partilhas, cartas de liberdade, hipotecas,
escrituras de compras e venda de escravos, bem como nos relatos memorialistas há elementos
suficientes que permitem compreender como a guerra contra o Paraguai influenciou
despovoando e desarticulando totalmente o cotidiano dos habitantes do sul de Mato Grosso.
Nos arquivos estrangeiros, nacionais e regionais vão surgindo proprietários de terra, donos de
gado, trabalhadores escravizados, vaqueiros e camaradas, índios, instrumentos de trabalho
usados na lavoura (enxó, formão, foice, machado, serra, enxada, cavadeira, etc.)
medicamentos usados nos animais (glicerina, ácido fênico, mercúrio doce, etc.), culturas de
subsistência, como pomares (café, cana, laranja, jabuticaba, etc,) meios de transporte
(batelões, carros e carretões de boi) engenhos, alambiques, paiol, moinhos e monjolos. A
existência de alambiques, de engenhos e tachos indicam a prática de moagem de cana-de-
açúcar e a preparação de seus subprodutos como aguardente e rapadura, entre outros. Revelam
detalhes preciosos para a história regional e permitem uma visão do sistema agrário, do uso
do solo, das técnicas de cultivo, dos produtos cultivados que ajudam a entender a região e o
modo de viver das famílias vacarianas dos oitocentos.
OS BARBOSAS. VACARIA
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Fonte: Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso
O mundo rural mato-grossense no século XIX era um ambiente envolto pelas florestas,
animais bravios, peçonhentos e entrecortado por vários cursos de água. O cotidiano dos
afazendados era enfrentar pestes, doenças, ferimentos de guerra utilizando elementos da flora,
fauna e alguns produtos químicos, saberes práticos como benzedeiras e superstições religiosas
que evidenciam a aproximação entre fé, medicina e conhecimento popular. Na maioria das
vezes não eram saberes científicos mas conhecimentos de alguma forma popularizados sobre
possibilidades de cura para moléstias físicas. Desprovidos dos recursos da medicina, o sertão
mato-grossense se valia de táticas e estratégicas desenvolvidas cotidianamente pelos
habitantes como por exemplo o curandeirismo, um mal provocado pela necessidade, um tipo
de medicina praticada na base de conhecimentos vulgarizados, popularizados, adquiridos
através do empirismo. De fato, a medicina praticada pelos brancos, índios e negros da região
estudada era uma mistura de crendices, orações católicas e hábitos de cura provenientes em
sua maior parte, da convivência com as populações indígenas. Diante da penetração
paraguaias e dos conseqüentes ferimentos provocados por ela o sofrimento da população
indefesa se torna muito maior contando apenas com recursos próprios.
Naquela época muitas doenças eram desconhecidas e encontramos várias vezes fontes
indicando "moléstia incurável", outras apesar de conhecidas não tinham tratamento adequado
como relata Paulo Coelho Machado:
Firmino contraiu a tísica, nome que se preferia dar a tuberculose, e foi levado a
Conceição, em busca de recursos médicos. Todavia, a moléstia mostrava-se
avançada demais para ceder aos efeitos do processo de cura da época, que consistia
especialmente em dolorosas aplicações de ferro incandescente nos pulmões. Uma
terapêutica terrível e crudelíssima, a que raros pacientes sobreviviam. Quem não
morria da doença sucumbia ao tratamento. Foi o que aconteceu com Firmino Novais
na triste viagem de volta. Faleceu a um solavanco mais forte da carreta que o
transportava." (MACHADO, 1990:148/149).
Nas Derrotas de Joaquim Francisco Lopes encontramos profusas informações sobre as
formas de tratamento, de saúde e de alimentação daquela época, como por exemplo, "...
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crescia a criança quatro meses a mingau de raspa de mandioca, farinha de milho e mel " "...em
fins do dito outubro fiz um banguê para a doente..." (LOPES, 1943).
No Arquivo Nacional de Assunção, no Paraguai, por meio da análise da documentação
elaborada pela Guardia en la Excolonia de Miranda Marzo 15 de 1865 durante a ocupação
paraguaia e assinada por Jose Alvarenga, é possível cruzar os dados e verificar através de
outros documentos as famílias de Miranda, no Mato Grosso, que foram aprisionadas e levadas
para a Vila de Conceição, no Paraguai. Esses documentos, permitem esclarecer muitas
dúvidas a respeito dos moradores da fronteira mato-grossense. São listas, em número de duas,
contendo cada uma 6 e 4 páginas, com 137 e 130 nomes, respectivamente, que mencionam os
brasileiros prisioneiros, suas idades, estado civil, filhos (muitos deles menores de idade),
escravos e suas origens. Importante ressaltar que nessa documentação consta a presença de
trabalhadores escravizados, que no cruel mundo da escravidão eram levados junto aos seus
senhores.
Na medida que as forças paraguaias iam avançando de forma inesperada, rápida,
avassaladora:
nas fazendas de Antonio Candido de Oliveira, sua esposa Maria Rosa de Jesus Barbosa, os
filhos, 4 genros, e 4 escravos entre eles o criolo de nome Luiz. Francisco Félix, Francelino
Rodrigues Soares, Nicolau Tolentino dos Santos, Hipólito José Machado, Inácio Gonçalves
Barbosa Sobrinho, Manoel Francisco Machado, Gabriel Antonio Ferreira, Joaquim
Felizardo Correa, João Ferreira Ribeiro ((fazenda localizada em Areias e naqueles vales ao
sul da vila de Nioaque), entre muitos outros, foram assaltadas, as casas queimadas,
aprisionadas as famílias e remarcado o gado com a marca "La Patria" (LP) que era levado
para suprir as tropas invasoras. (ALMEIDA, 1951, p. 342).
Isabel Camilo de Camargo, em sua dissertação de Mestrado em História O Sertão de
Paranaíba: um perfil da sociedade pastoril-escravista do sul do antigo Mato Grosso (1838-
1888) coloca que conforme observação de Francisco Antonio Pimenta Bueno (1879)": “No
distrito de Miranda há nos campos da Vacaria excelentes pastagens para a criação de gado.
Com a Guerra do Paraguai foram devastadas as fazendas de criar, que aí existiam as quais
agora vão se restabelecendo”. (CAMARGO, 2010, p. 134).
A vila de Nioaque, era constituída, ao tempo da invasão paraguaia, de 130 casas
compondo um quadrado irregular, edificadas aos lados de uma praça ampla. Dessas casas,
cerca de 30 eram menos imperfeitamente construídas, e muito poucas, entre estas, cobertas de
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telhas. Em sua generalidade, eram ranchos de palhas. Havia um quartel e uma modesta capela.
Na vila, o comandante paraguaio Francisco Isidoro Resquin ainda conseguiu aprisionar o
negociante Ladislau Marcondes de Oliveira Campos, genro de João Ferreira Ribeiro com a
respectiva família, esta era composta, então de 46 pessoas, todas as quais foram levadas ao
interior do Paraguai, conforme a lista de famílias aprisionadas (ANA). Apenas uma fazenda
respeitaram, deixando-a intacta, a de João Barbosa Bronzique, em Bonito, o que gerou
suspeita entre os brasileiros. Resquin pôs-se em marcha para Miranda, palmilhando a estrada
aberta, entre as duas vilas. Essa ofensiva planejada contava com o elemento surpresa e
permitiram aos paraguaios tomar todos os pontos importantes daquela região fronteiriça.
Mesmo depois do final da guerra, a população dessa região continuou sofrendo suas
conseqüências, assim é que, em 28 de junho de 1898, na vila de Miranda, Francisco Ferreira
Ribeiro, filho de João Ferreira Ribeiro e Anna Zeferina de Souza e combatente na Guerra do
Paraguai entrou com um pedido na justiça requerendo como herdeiro na herança de seus pais
já falecidos, uma parte da Fazenda Santa Gertrudes, prática comum na documentação
estudada. Em geral, é impossível pelos processos mapear o tamanho das propriedades, sempre
constando termos genéricos como uma parte da fazenda, tudo leva a crer que eram grandes
propriedades. No inventário feito em 1874, constou que "ausente desde 1866, época da
invasão paraguaia, desapareceu sem nunca mais do mesmo haver notícia e sem se saber que é
morto" sendo considerado desaparecido devido a sua prolongada ausência. Os tramites na
justiça perduraram até 1914, ou seja, atravessaram o século constando a documentação em
duas vilas Miranda e Nioaque. Não foi possível conhecer a conclusão desse processo devido a
ausência das folhas finais (MTJ/MS 170/14).
Outro processo, em que se pede indenização ao governo brasileiro, foi o de João José
Monteiro, que relatou, com dramaticidade, os pormenores de seus padecimentos e perdas com
a ocupação paraguaia, o aprisionamento de sua família e prisão no Paraguai, com informações
detalhadas:
Illmo. Sr. Cônsul
Dis João José Monteiro, natural de Cuiabá, commerciante e proprietaário em
Corumbá, que tendo a desgraça de cahir prisioneiro em poder do inimigo que
invadio sua Província, bem como, sua mulher, dous filhos e duas escravas, foram
todas conduzidas com o supllicante para esta Cidade. Aqui lhe forão tomadas as
escravas para darem as famílias dos invasores (em cujo poder ellas ainda se achão) e
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sendo o supllicante enviado com sua família para diversos pontos do interior, foi
depois mandado para Peribebuy, onde foi resgatado depois do combate do dia 12,
cheio de miséria e gravemente enfermo, como V. Il. Não ignora, nem o Exmo. Sr.
Conselheiro Paranhos, pois que ambos, por effeito de bondade, já tem honrado o
supllicante com suas [ilegível] no leito da dor em que se acha com sua família.
Em tal estado, recorre o Supllicante a V. Sª para pedir-lhe o abono de trinta libras
esterlinas por conta do Estado.
Assumpção, 4 de outubro de 1869. (Arquivo Histórico do Itamarati)
No inventário de José Francisco Lopes, o famoso Guia Lopes, da Retirada da Laguna,
aberto na Comarca de Santa Cruz de Corumbá, composto de 102 páginas, tendo como
inventariante sua esposa, Senhorinha Maria da Conceição Barbosa Lopes demorou longos
anos para ser finalizado porque muitos herdeiros estavam ausentes, morreram durante a guerra
ou tinham destino ignorado (MTJ/MS 156/04). A família do Guia Lopes, entre muitas outras,
desarticulada totalmente durante a guerra, presa e resgatada pelo Exército Brasileiro em
Conceição, no Paraguai, após 5 anos, encontravam-se doentes, desnudas e descalças. É um
exemplo, de como a guerra afetou drasticamente o cotidiano da população daquela região,
(DOURADO, 2005, p. 63-64).
Como consequência o sul ficou devastado, com um grande vazio populacional, com os
destacamentos militares da Colônia Militar dos Dourados, Miranda e Nioaque queimados e
arrasados, defensores mortos, sua frágil economia desarticulada, essencialmente apoiada em
uma agricultura rudimentar, pequeno extrativismo e com uma pecuária em estado inicial.
Formas de solidariedade desenvolveram-se entre as famílias, principalmente os Barbosas e
Lopes na difícil reconstrução do pós guerra, onde era necessário uma nova ocupação e
fixação. A desestruturação da região, em vários aspectos, continuou em muitos anos mesmo
depois de concluída a luta, mas dois novos grupos influíram de modo fundamental para a
fixação na região devastada: a dos brasileiros desmobilizados e a dos paraguaios guaranis
também desmobilizados. Tudo leva a crer que os nomes de militares que aparecem
freqüentemente na documentação analisada são de ex combatentes que se fixaram na região,
como, por exemplo, entre outros, o Capitão Feliciano Ramos Nazareth (MTJ/MS).
Terminada a guerra as famílias lentamente puderam retornar para suas posses e retomar o
árduo trabalho, mas sem nenhuma ajuda governamental, somente as famílias se apoiando,
novamente se fixaram e plantaram. As fontes analisadas permitiram descobrir, através de um
novo olhar, questões como a história social agrária retomando estudos realizados pela
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historiografia regional e entrever agentes anônimos, ou não, práticas costumeiras. Oferece,
enfim, visibilidade aos indivíduos não privilegiados no discurso historiográfico tradicional,
como nativos, mulheres e crianças escravizadas ou não, pobres livres, especialmente
camaradas, guias e roceiros.
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DOURADO, Maria Teresa Garritano. Mulheres Comuns, Senhoras Respeitáveis: A
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