SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED SUPERINTENDENCIA DA EDUCAÇÃO – SUED
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS - DPPE
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE Av. Água Verde, 2140 – CEP 80240-900 – Curitiba - Paraná
FICHA PARA CATÁLOGO
PRODUÇÃO DIDÁTICO PEDAGÓGICA
Título: O INICIO DA OCUPAÇÃO DE ESCRAVOS NEGROS EM GUARAPUAVA
Autor LUCIA MARIA COIMBRA MAIA CAMPOS
Escola de Atuação COLÉGIO ESTADUAL D. PEDRO I
Município da escola GUARAPUAVA
Núcleo Regional de Educação GUARAPUAVA
Orientador PROF. MS. UILSON NUNES DE OLIVEIRA
Instituição de Ensino Superior UNIVERSIDADE DO CENTRO OESTE - UNICENTRO
Disciplina/Área (entrada no PDE) HISTÓRIA
Produção Didático-pedagógica UNIDADE TEMÁTICA
Relação Interdisciplinar
(indicar, caso haja, as diferentes
disciplinas compreendidas no
trabalho)
Público Alvo
(indicar o grupo com o qual o
professor PDE desenvolveu o
trabalho: professores, alunos,
comunidade...)
ALUNOS DA SEXTA SÉRIE “A”
Localização
(identificar nome e endereço da
escola de implementação)
COLÉGIO ESTADUAL D.PEDRO I - RUA EMÍLIO LACK, Nº
459 – COLÔNIA VITÓRIA – GUARAPUAVA – CEP 85.139-
400
Apresentação:
(descrever a justificativa, objetivos
e metodologia utilizada. A
informação deverá conter no
máximo 1300 caracteres, ou 200
palavras, fonte Arial ou Times
A reflexão sobre esta temática se justifica pela importância de
se descontruir socialmente, o preconceito e a descriminação
racial que sofre a população negra. A escola tem papel
fundamental de construção e reconstrução de valores sociais,
por isso se faz necessário um novo olhar sobre a questão
2
New Roman, tamanho 12 e
espaçamento simples)
racial no contexto escolar.
A unidade temática tem como objetivos relatar o cotidiano do
escravo negro em Guarapuava e também sobre a diversidade
cultural dos afrodescendentes do Quilombo Paiol de Telha,
reforçando sua importância e promovendo uma reflexão sobre
os personagens até então negligenciados pela História, e a
partir dos relatos dos moradores do Paiol, compreender os
aspectos históricos relacionados a vida de pessoas desta
etnia, com vistas de entender sua manifestações culturais.
Assim, este estudo visa contribuir para eliminar preconceitos e
distorções racistas acumuladas durante séculos em nossa
nação.
Os recursos metodológicos utilizados contemplarão várias
fontes: textos, documentos da época, música, revista,
fotografias, jornais, imagens, relatos de entrevistas, poesias.
Palavras-chave (3 a 5 palavras) Escravo, Trabalho, Paiol de Telha
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SUMÁRIO
1) Dados de Identificação 4
2) Tema de Estudo do Professor PDE 4
3) Título 4
4) Apresentação 4
5) Procedimentos Metodológicos/Material Didático 5
6) Conteúdos 5
7) Recursos Materiais 15
8) Avaliação 15
9) Orientações/Recomendações ao professor 15
10) Proposta de avaliação do material 16
11) Cronograma 17
12) Referências bibliográficas 18
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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED SUPERINTENDENCIA DA EDUCAÇÃO – SUED
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS - DPPE PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
Av. Água Verde, 2140 – CEP 80240-900 – Curitiba - Paraná
1) Dados de Identificação
Professora PDE: LUCIA MARIA COIMBRA MAIA CAMPOS
Área PDE: História
Secretaria de Estado de Educação: SEED
Núcleo: Guarapuava - PR
Professor Orientador IES: Prof. Ms. UILSON NUNES DE OLIVEIRA
IES Unicentro: Universidade Estadual do Centro Oeste
Escola de Implementação: Colégio Estadual D. Pedro I - EFM
Público objeto de Intervenção: 6ª Série “A” do Ensino Fundamental
2) Tema de Estudo do Professor PDE
História e Cultura afro-brasileira.
3) Título
O início da ocupação de escravos negros em Guarapuava
4) Apresentação
Este projeto será desenvolvido com a 6ª Série “A” do Ensino Fundamental do
Colégio Estadual D. Pedro I em contra turno.
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Objetivando atender a Lei Nº 10.639/03 que inclui no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira e
Africana, seguida das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das
relações étnicos raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana, esta pesquisa pretende propiciar subsídios históricos aos alunos para
que conheçam a história dos afro descendentes do Paiol de Telha e seu legado
cultural.
Assim será possível promover uma prática pedagógica de igualdade racial na
escola. Os alunos passarão a conhecer a história de vida dos próprios colegas
que moram no Paiol de Telha, respeitando a sua diversidade cultural acabando
com a descriminação racial, tão presente na nossa sociedade.
Esta pesquisa tem como base os estudos de Franco Neto (2007), Marcondes e
Abreu (1991), e Miriam Hartung.
5) Procedimentos Metodológicos/Material
Didático
O desenvolvimento do Projeto será feito em duas partes:
1ª Parte
Será feita em sala de aula, utilizando diversas fontes históricas: documentos da
época, música, revistas, fotografias, textos, que estarão relacionados com o
tema da unidade (escravidão negra e Paiol de Telha).
2ª Parte
Entrevistas e Oficinas.
Os alunos farão visitas ao Quilombo Paiol de Telha, aonde entrarão em contato
com a cultura afro-brasileira. Na primeira visita serão feitas entrevistas com os
moradores da comunidade para saberem do cotidiano dessas pessoas.
Na outras visitas, os alunos irão aprender um pouco da cultura dos
afrodescendentes (dança, música, alimentação, uso das ervas-medicinais,
produção de pulseiras e colares, elaboração de penteados, e ritos religiosos).
6) Conteúdos
a. A Lei 10.639/03, e a literatura brasileira “Continente Mãe”; b. Compreendendo os termos Preto e Negro;
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c. O Quilombo de Palmares; d. A Escravidão Negra em Guarapuava; e. Invernada Paiol de Telha; f. Elaboração de questionário em conjunto para entrevista dos moradores
do Paiol; g. Trabalhando com documentos – o testamento de Dona Balbina; h. Trabalhando a autoestima ética, cidadania e etnia. Música “Anjo da
Guarda”, e a poesia “Felicidade Guerreira”;
O início da ocupação de escravos negros em Guarapuava
Fernando Franco Neto relata em seu livro População, escravidão e
família em Guarapuava, que o processo de ocupação e povoamento de
Guarapuava, pelo não índio, não foi espontâneo, mas oficial e determinado
pelo governo português. O processo de ocupação teve fundamento na
concessão de sesmarias, e para tal era necessário possuir escravos para se
obter uma gleba de terra. Em função de ameaças de espanhóis, a defesa da
fronteira sul do país, a partir da segunda metade do século XVIII, foi a principal
preocupação do governo. Fixar uma população estável nessa área
relativamente vazia seria fundamental para a exploração territorial e a
conquista de novas áreas, expandindo assim os domínios portugueses, sendo
adotada pelo governo a política da expansão de fronteira, baseada em
expedições militares de defesa.
Por determinação do ministro português Marques de Pombal, foram
organizadas bandeiras de reconhecimento e defesa das terras que ficavam a
oeste da Linha de Tordesilhas, entre elas a do Tenente Cândido Xavier de
Almeida e Souza, que “descobriu” Guarapuava, em 09 de setembro de 1770.
Mas somente com a chegada do Príncipe Regente, D. João ao Brasil, é que os
campos guarapuavanos passaram a ser ocupados definitivamente com a
doação de sesmarias para aqueles que possuíam escravos, gado e condições
de defender o território.
As primeiras expedições colonizadoras que chegaram em 1810, na
região de Guarapuava, eram compostas por homens jovens, casados e alguns
já possuíam filhos e escravos. Por ser região de fronteira, o fluxo populacional
era intenso, pois a maioria dos migrantes estava chegando para ocupar suas
7
propriedades (iniciando o povoamento da região), estando envolvidos
principalmente com atividades da pecuária e agricultura de alimentos.
Outro fato que com certeza motivou os proprietários a migrarem com
seus escravos para Guarapuava, foi para defender a região dos ataques
indígenas que eram numerosos, sendo que moradores da região vinham
sofrendo com a violência desses ataques principalmente a partir de 1810 com a
efetiva ocupação dessa região.
Outros escravos vieram para a região de Guarapuava, quando muitos
políticos paulistas foram transferidos para a 5° Comarca do Paraná, por serem
criadores de gado, necessitavam de grandes extensões de terras, requereram
também sesmarias na região de Guarapuava, para onde mandavam seus
escravos de confiança para garantir a posse das novas terras. Com o passar
dos anos e pressionados pelas leis, os proprietários tiveram que assumir a
administração dos negócios, transformando suas propriedades em invernadas,
adquirindo gado no sul do Brasil para invernarem em Guarapuava e depois
venderem na feira de Sorocaba, contando sempre com o auxílio de seus
escravos.
Na época da ocupação e povoamento da região de Guarapuava, o
regime social de produção do Brasil era baseado no trabalho escravo que era
uma realidade em todo o país e a formação da sociedade guarapuavana
também não teve que fugir de tal situação: o escravo foi responsável por todo o
trabalho feito nas propriedades. Mas como o escravo era um bem que custava
dinheiro, a maioria dos povoadores trouxe um número reduzido de escravos, só
a quantidade exigida para a doação das sesmarias, pois era permitida a
escravidão dos índios na quantidade que quisessem sem ter que gastar com
essa aquisição.
A expedição de Diogo Pinto de Azevedo Portugal, a primeira a chegar à
região, era formada por 300 pessoas, entre estes 09 escravos adultos e 02
crianças.
A presença de escravos foi uma característica das regiões paranaenses,
onde a economia era voltada para o mercado interno. Outra explicação é de
que o Paraná não possuía um entreposto de desembarque de escravos
africanos, reduzindo o acesso a esses indivíduos, e que os proprietários que
possuíam terras em Guarapuava não tinham dinheiro para competir com os
8
proprietários mais ricos no comércio negreiro e também não possuíam
condições de negociar com os comerciantes de escravos, isso porque o
africano jovem e saudável tinha um preço mais elevado.
A maioria dos escravos que veio para Guarapuava era crioulos, jovens e
do sexo masculino e foram destinados para trabalharem na lavoura e proteger
a fronteira. A presença dos escravos jovens se explica pela necessidade de
pessoas em plena atividade produtiva que tivessem força suficiente para
trabalhar nos diversos setores da plantação. A utilização do escravo crioulo
tinha suas vantagens, devido a seus costumes e modo de falar, já que esses
indivíduos nasceram no Brasil, foi mais fácil sua inserção na sociedade local.
Muitos escravos vieram de localidades paulistas como Itu, Santos e
Sorocaba. Outros vieram de regiões paranaenses como Curitiba, São José dos
Pinhais, Castro e Ponta Grossa. Alguns desses escravos chegaram à região
em 1810, acompanhando a Real Expedição Colonizadora de Guarapuava;
outros com a distribuição de lotes de terra para pessoas mais pobres a partir de
1818.
Durante o século XIX, o crescimento da população escrava em
Guarapuava foi contínuo e nesse momento se efetivava as estruturas:
econômica, social e política da região, tendo como características básicas a
presença de escravos jovens, população predominante masculina e um
processo migratório intenso, em função da defesa da fronteira, que explica o
crescimento da população escrava em Guarapuava.
O negro escravo representou a força produtiva em todo o Brasil e em
Guarapuava não foi diferente: todo o trabalho nas propriedades era realizado
pelos escravos, desde os mais rudes e pesados, como a derrubada das
árvores para dar início a produção da roça, aos considerados mais leves, como
varrer o quintal. Foi ele que produziu os alimentos, abasteceu as moradias com
lenha e água, tratou de engordar os animais, domar o potro selvagem e depois
levá-los para serem vendidos, carregar as pedras para a construção das
moradias, conduziu a boiada pelo mato e pelos rios até chegarem aos
compradores na região de Sorocaba, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Era tarefa do escravo fazer a ordenha das vacas, a manufatura da
manteiga, queijo e depois do abate das reses, transformar a carne em charque
e preparar o couro para ser curtido. Nas fazendas onde havia plantação de
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cana-de-açúcar, era reponsabilidade do negro, desde o seu plantio, derrubada,
a queimada, a fabricação da aguardente, açúcar, rapaduras, melado, que
abasteceram a vila de Guarapuava por muito tempo. A produção agrícola era
também obrigação do escravo: preparava a terra para o plantio, cuidava da
plantação e depois fazia a colheita. Aos domingos e nos dias considerados
santos, os escravos faziam os serviços mais leves, como a construção ou
conserto de estradas, cercas e utensílios domésticos, varrer terreiros, cuidar
dos pomares e hortas, cortar lenhar, e se fosse necessário conduziam os
senhores aos passeios pelas fazendas vizinhas.
A jornada de trabalho do escravo era longa, chegando até 18 horas por
dia: começava por volta das 4h da manhã, sem ter uma hora fixa pra terminar.
As 18h da noite era o momento de rezar o terço e quase todas as fazendas
possuíam um local destinado ao santo de devoção. Ao término da oração
iniciava a jornada noturna, na qual o escravo era obrigado a realizar serviços
caseiros como debulhar o milho, fazer os doces e os pães, escolher o feijão e
ainda encher os barris de água, amassar o barro com os pés para a construção
das taipas. Era durante a jornada noturna que aconteciam os acidentes com
muitos escravos, pois cansados dormiam em pé e se queimavam, prendiam as
mãos na moenda e cortavam os dedos, e às vezes viravam os tachos de doces
ou sabão fervente sobre o corpo.
Nos primeiros anos de vida de Guarapuava, foram os negros
responsáveis pelos artesanatos feitos de couro: eles produziam os calçados,
estrados de cama e os artefatos para montaria. Depois de cortar as árvores,
transformavam a madeira em camas, mesas, armários, bancos e diversos
utensílios para cozinha, como gamelas que eram utilizadas para a preparação
(lavagem) dos alimentos e lavar louças, pilões para pilar o café torrado e a
canjica, e as colheres.
A vida do escravo urbano, apesar de tudo, foi um pouco melhor que
aqueles que viviam na zona rural, que quase não tinham oportunidade de sair
da fazenda, a não ser durante a Festa da Padroeira.
Em Guarapuava quase todas as famílias possuíam escravos, tanto as
mais ricas como as mais pobres, visto que eram eles que faziam todo o
trabalho necessário para a sobrevivência da sociedade. Trabalhavam na
cozinha, na arrumação e limpeza da casa, como porteiro, pajem, lavando
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roupa, aguadeiro, cocheiro, e os “tigres”, que transportavam os barris com
dejetos até os córregos, onde eram esvaziados. Foi a escrava negra que
amamentou, embalou e ensinou as primeiras palavras aos filhos (as) de seus
senhores, passando noites inteiras cuidando das crianças doentes, fazendo
chás com ervas medicinais que só elas conheciam, na tentativa de curar essas
crianças que já tinham se tornado os seus “filhos adotivos”, mesmo porque elas
não sabiam onde andavam os seus próprios filhos.
Muitos escravos urbanos tornaram-se escravos de ganho e aluguel,
prestando seus serviços à comunidade, trabalhando como barbeiros,
cocheiros, fabricantes e vendedores de cestos, carregadores (baús, sacas de
café, caixotes, barris de água) moços de recados, vendedores de milho, leite,
galinhas; as mulheres negras trabalhavam como parteiras, doceiras,
lavadeiras, eram vendedoras de angu, sonho, refresco. Ao término de seu
trabalho deveriam entregar aos seus senhores o dinheiro recebido. Algumas
vezes recebiam como recompensa um pouco da quantia referente ao seu
trabalho, que guardavam para garantir com o passar do tempo a sua alforria.
Os escravos guarapuavanos, assim como os outros existentes em todo
o território brasileiro, sofreram diversos castigos por parte dos seus senhores,
que procuravam demonstrar que eram donos de suas vidas. Para ter o controle
e obediência do escravo, era lhe aplicado diversos castigos como palmatórias,
surras no tronco, queimaduras com tição, chibatadas, enforcamento, banhos de
água salgada, orelhas cortadas, facadas, uso de ferro nos pés e no pescoço.
Também dormiam amontoados e trancados a cadeados na senzala, vestiam-se
mal e enfrentavam os rigores do inverno descalços. Os que não eram
batizados eram enterrados fora do muro do cemitério juntos com os leprosos.
Com o passar do tempo e não aguentando mais sofrer tanto, os
escravos tentaram criar mecanismos de defesas: abortos, suicídios, às vezes
se fingiam de doentes para não ir trabalhar, e através do conhecimento das
ervas mortíferas ministravam veneno na comida dos patrões, provocando
invalidez ou morte lenta dos mesmos. Outros viam na fuga e na criação dos
quilombos a salvação de suas vidas. Alguns negros conseguiram com muito
jeito conquistar a afeição dos seus senhores tornando a vida no cativeiro “mais
suave”: através de negociações conseguiam um pedacinho de terra para
plantar e o direito de ter uma companheira escolhida pelo seu senhor.
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A sociedade escravista começou sua decadência através das Cartas de
Alforria, que podiam ser de quatro modalidades: auto compra (o escravo
pagava o valor no ato ou condicionalmente em trabalhos por determinado
período); fazendo companhia aos familiares e antigos donos pelo resto da vida;
recebimento da alforria, como reconhecimento dos serviços prestados e ainda
através de compra justificada pelo Fundo de Emancipação que libertava
anualmente os escravos. Em Guarapuava alguns escravos foram alforriados
gratuitamente e tornaram herdeiros de terras, é o que consta em uma cláusula
de testamento de Dona Balbina Francisca de Siqueira, que diz o seguinte:
“Os escravos, que meu finado marido deixou como libertos com condição somente de me servirem durante minha existência, são os seguintes: Heleodoro e sua mulher Feliciana, Manoel, José Velho, Joaquina, Libania e Rita, os quaes todos tendo-me prestado bons serviços, ficam por isso gozando da liberdade. Declaro, que depois do falecimento de meu esposo, possui mais dois escravos, sendo estes: José Marcos, meu afilhado e Generosa, dos quais fica liberto, sem mais condição alguma, o dito José Marcos, e fica também liberta a mesma Generosa, com a condição porém de servir por espaço de quinze anos as duas orfans que estou creando, de nomes: Maria Antônia dos Santos e Porfiria Pedra, das quaes se alguma casar ficará ella servindo a que ficar solteira, e dela não poderia retirar-se, sem completar os quinze anos, contados do dia de meu falecimento. Declaro, que a invernada denominada Paiol de Telha, que possuo na Fazenda do Capão Grande, e que principia desde o portão até o rio da reserva com as terras de cultura nella existentes, ficão pertencendo por meu falecimento a todos os escravos acima mencionados, e sua famílias, para nella morarem sem nunca poderem dispor, visto como fica como patrimônio dos mesmos.” NETTO (2007: p.244-45)
INVERNADA PAIOL DE TELHA
Localizada no atual município de Pinhão, também conhecida como
“Fundão”, com uma área de mais ou menos 8.712 hectares, a invernada Paiol
de Telha teve a sua origem no século XVIII, quando migrantes paulistas vieram
tomar posse de suas terras na região de Guarapuava.
Manoel Ferreira dos Santos veio tomar posse de uma sesmaria que
havia recebido do governo imperial, que ficou denominada Fazenda Capão
Grande em 1872. De família tradicional e proprietário de gado vacum, Manoel
recebeu essa sesmaria para a instalação de uma fazenda de criação. Era
casado com Dona Balbina Francisca de Siqueira e não possuíam filhos.
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Capão Grande era uma fazenda de médio porte voltada para a criação
de gado, mulas e agricultura. A documentação consultada pela autora Miriam
Hartung não deixa muito claro quais eram as ocupações dos escravos e
libertos na fazenda, mas alguns estudos históricos sobre a pecuária no Paraná
mostram que os cativos eram responsáveis pela produção de subsistência do
grupo que ali residiam. Apesar da maior parte dos escravos se concentrarem
na pecuária e serviços domésticos, existiam aqueles que além de se ocuparem
com a agricultura, desempenhavam as funções de cozinheiro, carpinteiro,
campeiro, alfaiate, sapateiro, arrieiro. Mas se tratando da organização dos
mesmos na referida fazenda, os registros de casamento, batismo, óbito e
testamentos permitem verificar a boa relação entre escravos e seus
proprietários.
Referindo sobre a relação entre escravo e proprietário, Hartung relata
que Manoel Ferreira dos Santos em seu testamento liberta Eduardo, um jovem
escravo designado “rapazinho”, recebido como herança materna. Neste
testamento Manoel Ferreira dos Santos se mostra preocupado com o futuro do
rapaz, e pede para que a esposa providencie a instrução e o aprendizado de
um ofício a este cativo, mesmo que o escravo liberto continuasse a conviver
naquele espaço com outros de condição diferente da sua.
Ao se referir especialmente aos escravos, fica demonstrado pela
documentação, que eles já estavam organizados na vida familiar. Do total de
escravos declarados em 1860, no mínimo 06 integravam famílias, conjugais ou
formadas por mães e filhos. Pelo menos 02 famílias se formaram na própria
fazenda, Heleodoro e Feliciana, que se uniram em 1858, e Libânia (escrava
liberta de D. Balbina) e um escravo de uma fazenda adjacente. Esse fato revela
que as relações de parentesco se ampliavam para as propriedades vizinhas.
Outra característica marcante entre os escravos da Fazenda Capão
Grande foi a relação de compadrio: dos 17 escravos, 06 eram afilhados, outros
compadres, quer de escravos daquele ou de outras fazendas, quer de seus
senhores ou de senhores de fazendas vizinhas, como consta na
documentação.
Fernando Franco Neto debate em seu livro as estratégias de compadrio
desenvolvido pelos negros na região de Guarapuava. Nos batizados de seus
filhos, os negros geralmente chamavam para padrinhos pessoas livres e até
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mesmo proprietários de escravos de outras fazendas. Com isso, procuravam
aumentar o leque de relacionamento com pessoas livres, convidando para
padrinhos muitas vezes parentes do senhor de escravos. Isso poderia
representar uma estratégia dos negros escravizados para garantir aos seus
filhos um melhor tratamento dentro da sociedade branca e livre, pois o
compadrio era uma forma do negro escravizado estar se sentindo mais perto
da liberdade, quando passa a criar laços com pessoas livres, demonstrando
claramente uma insatisfação com a condição de escravizado e de mesclar a
sua identidade com a sociedade branca para lhe garantir a tão sonhada
liberdade.
Em 1860, Dona Balbina Francisca de Siqueira, proprietária da Fazenda
Capão Grande, deixou de herança para seus escravos e ex-escravos as terras
do campo denominado Invernada Paiol de Telha. Livres 28 anos antes da
abolição da escravidão, esse grupo de escravos passaram a ser proprietários
de uma área de terras de aproximadamente 08 mil hectares.
Agora proprietários da terra e organizados em grupos e famílias, os
escravos e os ex-escravos passaram a produzir seus alimentos em pequenas
roças, onde cultivavam feijão, milho, batatinha e cana-de-açúcar. Seguindo um
calendário estipulado pela família, o cultivo de terra estava dividido em inverno
e verão. Os produtos não eram comercializados, pois não possuíam excedente.
Cada terreno da casa tinha uma horta, que era da responsabilidade das
mulheres. Além da produção agrícola existia a criação de animais: um pequeno
rebanho foi deixado de herança pela Dona Balbina; com o passar do tempo,
quando esse foi diminuindo, passaram a criação de galinhas e porcos. O porco
era comercializado para obtenção de bens necessários aos familiares que não
eram produzidos por eles, principalmente o vestuário.
Em alguns momentos, grupos de parentes se reuniram para auxiliar
familiares na realização de determinadas tarefas agrícolas. Essa troca de
favores era conhecida como “puxirão”, que às vezes era organizado sem o
conhecimento do dono da roça, chamando-se então “surpresa”. Os grupos se
reuniram e combinavam com um dos membros da família como seria o trabalho
e a alimentação por aquele dia. Este fato apontado mantinha o grupo unido e
organizado em defesa dos seus valores.
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Com relação à religiosidade dos moradores da Invernada, ela era
expressa sob duas formas: a familiar e a outra que reunia o grupo como um
todo. A primeira era em homenagem ao santo da casa. Cada família tinha seu
local de oração, seu santo de devoção e ali se reunia para rezar; e em cada
morada havia um mastro em que se expunha a imagem deste santo. Para
reverenciar São Sebastião e Santo Antônio, que eram os padroeiros da
comunidade, o grupo organizava uma grande festa com churrasco, pão e
diversas prendas. Também fazia festa para reverenciar Nossa Senhora
Aparecida e Santo Antônio. Esse fato vem reforçar a organização e união entre
o grupo.
Pedro Lustosa de Siqueira, afilhado e sobrinho de Dona Balbina e
também herdeiro do restante da fazenda Capão Grande, aproveitou da
confiança dos herdeiros para requerer parte da fazenda Capão Grande. Depois
da desapropriação, restou aos herdeiros da Invernada apenas 3.000 hectares.
Nos anos 40, os herdeiros entraram com ação judicial solicitando reintegração
de posse, no entanto o processo foi arquivado.
Em 1967, os descendentes dos ex-escravos sofreram uma segunda
expropriação quando tentavam regularizar a sua propriedade: foram
enganados por pessoas que diziam ajudá-los a dividir as terras que eram
utilizadas comunitariamente. Através de uma escritura, suas terras foram
transferidas para Alvy Baptista Vitorassi e João Pinto Ribeiro. Quando estes
perceberam que estavam sendo expropriados, contestaram a legitimidade do
processo, mas foram obrigados a assinar as escrituras da sessão dos últimos
direitos de herança, cujo dono passou a ser delegado Oscar Pacheco dos
Santos.
Em 1975, todos os descendentes dos herdeiros foram finalmente
expulsos das terras da Invernada, então foram morar nas favelas da periferia
de Guarapuava. Mas não se conformaram com a situação e buscaram ajuda de
instituições sociais, como a Comissão Pastoral da Terra de Guarapuava, com o
objetivo de manter a unidade do grupo e reivindicaram a posse de suas terras,
criando a “Associação Pró-Reintegração da Invernada Paiol de Telha”.
Em agosto de 1998, alguns descendentes dos herdeiros da Invernada,
foram levados para uma área prevista para a reforma agrária, que ficou
conhecido como Quilombo Paiol de Telha. O Quilombo Paiol de Telha está
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localizado na Colônia Socorro, Entre Rios, no município de Guarapuava. A
grande maioria dos moradores mantém ainda traços da cultura afro, como por
exemplo, a culinária típica, rituais religiosos, crenças, festividades
comemorativas, danças e um modo de vida muito específico, que se
constituem em objeto de pesquisa muito importante para organização e
valorização do grupo.
No dia 28 de setembro de 2006, aconteceu um ato solene na
Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), reconhecendo a
comunidade quilombola como “Invernada Comunidade Paiol de Telha”, com o
aval da Fundação Cultural Palmares. Dessa forma os negros garantiriam a
remarcação de suas terras.
7) Recursos Materiais
Na aplicação desta Unidade Temática serão utilizados os seguintes recursos
materiais: sala de aula, laboratório de informática, biblioteca, transporte para
visita ao Paiol de Telha, documentos de época, lousa, revistas, imagens,
cadernos, e textos que serão pertinentes ao tema.
8) Avaliação
Os alunos serão avaliados durante a apresentação de seus trabalhos na
semana da Consciência Negra (* desfile, dança, produção de objetos, comidas
típicas, chá de ervas medicinais, música, cartazes, textos e poesias), para toda
a comunidade escolar como resultado do projeto.
9) Orientações/Recomendações ao
professor
Se ocorrer interesse de professores na implantação deste projeto, fora do
contexto da Colônia Vitória, o professor deve primeiramente averiguar a
existência de “comunidades” com características aproximadas, das estudadas
e destacadas neste projeto. Após esta identificação, verificar os pontos
comuns, e realizar as adaptações necessárias, utilizando a metodologia
constante no item anterior (8 *).
16
10) Proposta de avaliação do material
Espera-se que através deste trabalho os aluno(a)s reflitam sobre a contribuição
do negro na formação da cultura brasileira, e sinta orgulho de pertencer a esta
etnia acabando com o preconceito e o racismo da sociedade atual valorizando
a herança cultural dos seus ancestrais.
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11) Cronograma
ATIVIDADES AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO Apresentação da proposta aos alunos
3ª semana
Apresentação da proposta aos pais dos alunos
3ª semana
A Lei 10.639/03, e a literatura brasileira “Continente Mãe”
4ª semana
Compreendendo os termos Preto e Negro
5ª semana
O Quilombo de Palmares
1ª semana
A Escravidão Negra em Guarapuava
2ª e 3ª semana
Invernada Paiol de Telha
4ª semana
Elaboração de questionário em conjunto para entrevista dos moradores do Paiol
1ª semana
Visita a Comunidade do Paiol de Telha
2ª e 3ª semana
Trabalhando com documentos – o testamento de Dona Balbina
4ª semana
Trabalhando a autoestima ética, cidadania e etnia. Música “Anjo da Guarda”, e a poesia “Felicidade Guerreira”
1ª semana
Elaboração de Enfeites
2ª semana
Oficinas de Dança Afro
3ª semana
Semana da Consciência Negra
4ª semana
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12) Referências Bibliográficas
ARRUDA, Jorge – Educando pela diversidade afro-brasileira e africana – João
Pessoa, PB – Dinâmica, 2006.
ARRUDA, Jorge – Livro Temático 1: Africanidades e Brasilidades: saberes,
sabores e fazeres. 1ª Edição – João Pessoa : Editora Dinâmica, 2007.
Cadernos Temáticos: Inserção dos conteúdos de história e cultura afro-
brasileira e africana nos currículos escolares / Paraná. Secretaria de Estado da
Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino
Fundamental – Curitiba: SEED-PR, 2005.
FRANCO NETO, Fernando. População, Escravidão e Família em Guarapuava
no Século XIX. Guarapuava: Unicentro, 2007.
HARTUNG, Miriam Furtado – O Sangue e o Espírito dos Antepassados –
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