SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
MEMÓRIA E ICONOGRAFIA NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDA DE COLETIVA PARANAENSE
PROFESSOR PDE: SANDRA REGINA FRANCHI RUBIM
MARINGÁ 2008
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MEMÓRIA E ICONOGRAFIA NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDA DE COLETIVA PARANAENSE
Sandra Regina Franchi Rubim - (PDE/PPE /UEM) Ms Rosana Steinke – ( UEM)
A sociedade atual convive, de forma cada vez mais intensa, com um
cenário pelo qual circulam pessoas, produtos, informações e principalmente
imagens. E, se temos que conviver diariamente com essa produção infinita,
melhor será aprendermos a avaliar essa cultura visual, sua função, sua forma e
seu conteúdo, o que exige o uso de nossa sensibilidade estética e uma formação
capaz de perceber o que essas imagens representam. Só assim poderemos
deixar de ser observadores passivos para nos tornarmos expectadores críticos,
participantes e exigentes, diante da leitura de textos, imagens, cidades, rostos,
gestos, cenas, pinturas, etc.
Esta economia da informação e da imagem integra diferentes universos
simbólicos num sistema discursivo global que coloniza existências e identidades
políticas e culturais. Numa interpretação, valores culturais são disseminados e
estruturas sociais ganham vida a partir de espaços, movimentos, olhares,
silêncios e vozes que interagem (MARTINS, 2007). O mundo contemporâneo
coloca o homem perante múltiplas informações, por isso, é necessário um olhar
crítico sobre essas novas linguagens e, também, é indispensável uma reflexão em
relação a sua importância para o ensino e a pesquisa.
Estabelecer contato com diferentes produções de épocas passadas e
presente, mergulhando no universo da ciência, observando e identificando
informações nas mais diversas formas de linguagem, que nos é apresentado pelo
avanço tecnológico e pela indústria cultural (imagens, textos, mapas, fotografias,
objeto, jornais, etc.), amplia o olhar do historiador, questiona as fronteiras
disciplinares, articulando os saberes e buscando a inteligibilidade dos fatos
(FONSECA, 2003).
Durante muito tempo debateu-se na História, em diversas escolas teóricas,
principalmente a Escola de Annales, a preocupação com o que se pode aceitar
como documento histórico, quais suas interligações com a realidade e com o
conhecimento histórico que ele proporciona.
Atualmente, os historiadores têm ampliado seus interesses para incluir
eventos políticos, tendências econômicas e estruturas sociais, história das
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mentalidades, história da vida cotidiana, história da cultura material, etc.; nesta
gama de evidências as imagens têm o seu lugar ao lado de textos literários e
testemunhos orais. Em 1985 os historiadores americanos realizaram uma
conferência voltada para “a arte como evidência”, comprovando que os anos 80
significaram uma virada neste assunto. Entretanto, no Brasil, já na década de 30,
o sociólogo-historiador, Gilberto Freire, sugeria que as imagens, tradições orais e
anúncio de jornal fossem considerados fontes históricas. A “iconografia” ou
“iconologia” que interpreta imagens através de uma análise de detalhes, foram
lançadas no mundo da arte durante as décadas de l920 e1930 (BURKE, 2004).
Outra antiga discussão é o fato de que somos herdeiros de uma tradição
textual e partidários do entendimento de que, em Ciências Humanas, a pesquisa
“se faz com textos”. Não obstante, a imagem é um documento portador de
autonomia, textos informativos com significação social; é um sistema simbólico,
desvendado pelo indivíduo, que em função de sua cultura e de sua história
pessoal, incorporou modos de representação e potencialidades de leitura que lhes
são próprios (PELEGRINI; ZANIRATO, 2005).
Aristóteles, em sua obra Política, afirma que somente os seres humanos,
dentre os animais são seres políticos, porque só eles são dotados da linguagem.
Os outros animais possuem voz (phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas o
homem possui a palavra (logos) e, com ela exprime o bom e o mau, o justo e o
injusto. Exprimir e possuir em comum esse valores é o que torna possível a vida
social e política e, desta, somente os homens são capazes (CHAUÍ, 1996).
A linguagem não é conceituada simplesmente como um sistema articulado
de signos, construídos socialmente ao longo da História. Ela dá significados às
coisas, através das palavras nos relacionamos com os outros e também ela
exprime conhecimento. Dependendo do sujeito que a utilize ou das condições e
contexto em que foi usada, uma mesma palavra pode exprimir sentido ou
significados diferentes.
Como toda linguagem, a Arte tem códigos, pertencendo a um sistema
estruturado de signos. Assim, o artista, em seu fazer artístico, opera com
elementos da gramática da linguagem da arte, mesmo mantendo a liberdade de
criação.
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A palavra Arte, na Antigüidade, estava vinculada à técnica significando tudo
o que está submetido às regras. Com o Renascimento, a palavra Arte se
desdobra em dois sentidos: o da utilidade, ou seja, as artes mecânicas (medicina,
artesanato); e do belo, isto é, a sensibilidade e a fantasia do artista (belas artes,
arquitetura, escultura, música, dança, teatro, poesia e pintura).
Após a Segunda Revolução Industrial, a Arte foi submetida às regras do
capital, tornam-se mercadorias, assim como tudo que existe no capitalismo. A
Arte massificou-se para o consumo rápido no mercado capitalista, transformando-
se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestígio político e
controle cultural; um evento para esconder ou omitir a realidade, servindo a um
propósito (CHAUÍ, 1996).
Para os historiadores, a Arte oferece evidências fundamentais da realidade
social de uma civilização. Contudo, sua representação pode ser menos realista do
que aparece e distorcer a realidade social mais do que a refletir, levando a
interpretações equivocadas. Tais distorções podem se tornar o objeto de estudo
dos historiadores, sendo boa evidência da “imagem mental” do eu ou dos outros.
As imagens podem testemunhar o que não pode ser colocado em palavras. Para
interpretá-las é preciso familiarizar-se com os códigos culturais (BURKE, 2004).
Podem a Arte, a Literatura e a Política se misturar numa poderosa arma de
manipulação e controle? É próprio da imaginação histórica edificar mitos. Ao
longo da História, as imagens têm sido utilizadas, freqüentemente, como um
veículo de doutrinação, como objetos de cultos, como estímulos à meditação e
como armas de contestação.
Podemos afirmar que o instrumento clássico de legitimação de regimes
políticos na história são, naturalmente, as ideologias que circulam num meio
específico: das “elites educadas”. No entanto, a legitimação de um novo regime
ou de uma ideologia não pode ficar restrita ao mundo da elite, deve extravasar
para o mundo popular. Neste caso, a ideologia não pode virar simplesmente um
discurso, inacessível a um público com baixo nível de educação formal. O
discurso deve ser feito de um modo menos formal, mediante sinais mais
universais, como imagens, alegorias, símbolos e mitos. Criar um imaginário
popular, que é parte integrante de legitimação de uma idéia e, através dele que se
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atinge o coração e a emoção das massas, seus sentimentos e esperanças
(CARVALHO, 1990).
Os símbolos e mitos, pela sua linguagem menos codificada, tornam-se
elementos significativos na construção de justificativas, na projeção de interesses
e objetivos coletivos, na criação de necessidades e na modelagem de valores e
condutas. Nas grandes transformações políticas e sociais da História, a
manipulação do imaginário social é importante para afirmar um novo regime ou
redefinir a identidade de um país.
Segundo Martins (2007), as imagens, como produto social e histórico,
traduzem noções, crenças e valores, registram informações culturais e práticas de
diferentes períodos. Elas influenciam a formação -identidade- do sujeito
articulando representações visuais derivadas de visões e versões de mundo que
estão presentes em modelos sociais vigentes em numa determinada época ou
cultura. Desta forma, subjetividade e identidade caminham juntas e constituem a
consciência de ser sujeito, com um processo dinâmico e múltiplo. As imagens são
tratadas como espaço de interação com os indivíduos, criando possibilidades de
diálogo e interpretação.
Assim, a cultura visual busca compreender o papel social da imagem na
vida da cultura, colocando em perspectiva diferentes contextos culturais como
espaços povoados pelas silhuetas de nossas presenças e identidades. Elas nos
constroem como sujeitos num labirinto de teias de significado que se
interconectam nas dimensões sociais e simbólicas da cultura. Por tudo isso, é
possível dizer que o conteúdo das imagens é a cultura:
...a arte em geral e a obra em particular jamais serão neutras, porque sua própria constituição está comprometida com a realidade social e histórica; estão implicados nela um conhecimento relativo e uma tomada de posição do autor frente a esse determinado contexto concreto de vida, ou seja, uma atitude ética e um posicionamento político do indivíduo criador em face das lutas históricas do presente no qual vive, como aprovação ou negação, que são as formas de ele se relacionar com o mundo. Sem esse conjunto de determinações, a obra de arte não terá sostanza para existir... (PEIXOTO, 2001, p.137).
Assim, também, relativizar a busca pelo autêntico significado, pela verdade
das significações ou a intenção do autor. O signo sempre terá algo que nos
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escapa, que é a riqueza do olhar do outro, que tem a possibilidade de constituir
um signo diferente.
A leitura de uma imagem é uma aventura em que cognição e sensibilidade
se interpenetram na busca de significados, lançando múltiplos olhares sobre um
mesmo objeto. Diante de tal concepção se faz necessário verificar as condições e
os processos que sustentam as operações de produção de sentido. Segundo
Chartier (1990), a leitura da imagem é resultante das representações através das
quais indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo, da leitura que fazem deste,
de modo como se operam os processos de produção de sentido. Esses sentidos
podem ser diversamente apreendidos, manipulados e compreendidos, pois as
representações se fazem em luta e, nesse processo, a questão central reside na
manutenção do ordenamento social, na hierarquização da estrutura social.
O imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e utopias,
mas também por símbolos, alegorias, rituais, mitos; que constituem elementos
poderosos de projeção de interesses, aspirações e medos coletivos, assim como,
também em momentos de redefinição de identidades coletivas, onde é necessário
manipular sentimentos coletivos no esforço de criar um novo sistema político, uma
nova sociedade, um homem. Na medida em que encontrem um terreno social e
cultural no qual se alimentam, este imaginário cria raízes, se solidifica. E quando
este imaginário é alcançado com êxito, pelos símbolos e mitos, podem também,
plasmar visões de mundo e modelar condutas neste social. É por meio do
imaginário que se pode atingir não só a cabeça, mas, de modo especial, o
coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nesse
imaginário que as sociedades definem suas identidades e objetivos, organizam
seu passado, presente e futuro (CARVALHO, 1990).
A produção de imagens e idéias, valendo-se da Arte e da Literatura, inverte
a realidade, forma um imaginário social, um conjunto de representações sobre os
seres humanos, sobre as coisas. Os ideólogos desse processo, membros da
classe dominante trabalham na produção de uma representação aparente da
realidade, sob a sua ótica, servindo a um interesse claro: manutenção do poder
ou a sua justificação perante as massas.
A partir desses pressupostos as elites dirigentes estaduais do Paraná, num
processo de modernização e integração à espaços econômicos mais
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abrangentes, interessados em criar um centro de poder, buscam a construção de
uma identificação micro-patriótica entre uma Unidade de Federação em
determinado espaço mais essencial, mais autêntico: o pertencimento à uma
Unidade da Federação bem específica. Uma visão otimista de integração de
várias áreas e a formação do “homo paranaensis” (ROLLO GONÇALVES, 1998).
Nas décadas de 1920 e 1930 consolidou-se o Movimento Paranista, no
qual se buscava a construção de uma identidade que se identificasse com o novo
regime, a República; idéia de um Estado, com identidade própria, além de um
caminho de passagem entre São Paulo e Rio Grande do Sul. Esse Movimento
valorizava alguns elementos constituintes da identidade paranaense: o clima, a
terra e o homem do Paraná. Neste momento poetas e artistas plásticos e,
principalmente o escritor e historiador Romário Martins, produziram idéias
coletivas de identidade regional, impregnadas de imagens de progresso e de
desenvolvimento social, criando padrões de comportamento para a sociedade da
época, estruturando princípios para a formação do bom paranista, o paranaense
do futuro, sensibilizando assim, os corações dos paranaenses à causa paranista.
Representações de grupos étnicos, o pinheiro, a pinha, a mate, a paisagem, eram
as temáticas das manifestações artísticas, que ganhavam as ruas de Curitiba, que
também construía sua imagem como uma cidade especial, se misturando com o
imaginário popular por meio de comemorações cívicas, regional ou nacional
(PEREIRA, 1998).
O Paranismo, a partir da década de 40 perdeu forças, pois o governo
centralizador de Getúlio Vargas, não via com bons olhos o regionalismo. Com a
propagação cultural, com o interesse pelo conhecimento científico e artístico, com
o aumento de publicações em revistas, jornais, almanaques, etc., nas primeiras
décadas do século XX, foi se configurando um novo Paraná, um novo perfil do
homem paranaense, uma nova forma de identidade, dentro do discurso da
Modernidade (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001).
Os anos 1930 e a presença de Vargas na presidência da República
inauguraram, para todo o Brasil, um período de centralização e nacionalização
que tentava controlar a influência das forças regionais. Economicamente, a
industrialização era o alvo a ser perseguido para se chegar ao desenvolvimento,
opondo-se a atividade agro-exportadora, como base da economia brasileira.
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Nesse período o Paraná, em contraste com o resto do país, com sua
economia que ainda se baseava na extração da erva-mate, que estava em baixa
e no madeireiro, com crescente comércio interno e externo e em marcha para o
oeste, como um grande desbravador, apontava o café. Segundo Wachowicz
(1972) o crescimento da cafeicultura transformou essa região, em centro de
atração de pessoas: brasileiros e estrangeiros, em direção ao Paraná,
transformando-o em ponto de encontro de todas as gentes, atraídos pela riqueza
do ouro verde, o qual comandava o desenvolvimento do Estado, criando cidades,
abrindo estradas, expandindo ferrovias.
Essa prosperidade, com raízes na economia paulista, organizou-se a partir
dos excedentes de um sistema de produção adaptável aos férteis terrenos
paranaenses, da construção de uma rede de estradas de ferro que ampliou as
fronteiras de ocupação e da organização das companhias particulares que
exploraram a colonização da região (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001).
Motivado pelo surto de progresso e pelo novo papel que o estado do
Paraná estava conquistando na economia nacional, o discurso de modernidade
se materializava nas ações do governo, a partir de l940. Neste período, Manoel
Ribas, interventor (l932-35 e 1937-45) e governador (1935-37), ficou conhecido
como “o formulador de uma política econômica e social de modernização do
Paraná”. Sua política teve continuidade nos governos de seus sucessores Moysés
Lupion e Bento Munhoz da Rocha Netto. Neste momento as políticas públicas do
Estado voltaram-se, cada vez mais, para a “noção de um governo científico e
racional, quer na construção de uma praça, quer na manutenção de um espaço
de poder” (IPARDES, l989).
Bento Munhoz da Rocha Netto (1950-55) e Moysés Lupion (1956-60),
ainda que opositores, regeram o espetáculo do progresso nos anos 50. Ambos se
encontram na certeza de que o Paraná, nesta década, contribuiu decisivamente
para a civilização brasileira. Sociólogos e historiadores reconheceram o papel
fundamental de Bento Munhoz, no processo de modernização e a integração
física e psicológica do Paraná.
A ampliação do mosaico cultural, em função da expansão do sistema de
comunicação, deslocando camponeses imigrantes, mineiros, paulistas em direção
ao Norte do Paraná, levou ao projeto dos governos estaduais na primeira metade
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do século XX, a construção de uma identidade paranaense: o Estado clama a
necessidade de criar a consciência da unidade, da organização dos meios de
produção e transformação, adquirindo maturidade política necessária nas
relações com o resto do país. Para que o Paraná conquiste respeito que lhe é
devido no contexto nacional, a “integração” deve ser a palavra de ordem (ROLLO
GONÇALVES, l998).
Munhoz da Rocha sempre acreditou no futuro do Paraná, principalmente
com o avanço do café, o nosso “ouro verde”. Era necessário divulgar e promover
o Paraná como “terra das oportunidades presentes e futuras”, para atrair
investimentos de capital privado e técnicas das nações industrializadas. A
propaganda romperia o imobilismo, anunciando o “alvorecer de um Paraná
Moderno”. As riquezas naturais e o potencial econômico das cidades
paranaenses eram enaltecidos. O progresso, também dependia de uma política
voltada à construção de estradas para escoamento agrícola e produzir energia
elétrica para atrair indústrias. Munhoz da Rocha acreditava que por meio de
rodovias, ocorreria a integração física, psicológica e cultural dos três paranás:
Paraná Tradicional, o Paraná do Norte e o Paraná do Oeste/Sudoeste.
Preocupava-se em consolidar a imagem de um governo realizador (REBELO,
2005).
Cabia ao Estado assegurar a prosperidade moral, cultural e política. Para
garantir o cumprimento dessa função, durante o governo de Bento Munhoz, foi
implementado e, 1953, uma política chamada de Código de Posturas e Obras do
Município, apresentando um conjunto de normas morais e éticas voltadas ao
projeto modernizante e para a construção de um espírito de urbanidade, com o
intuito de levar a população a padrões de comportamento inspirado na “civilidade
norte-americana” (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001).
Várias medidas foram tomadas para melhorar a saúde e saneamento
públicos, assim como, para melhorar a estética urbana. Foi desenvolvido um
programa de educação sanitária, objetivando a conquista de um padrão ideal de
saúde pública. Era preciso erradicar a influência da medicina popular,
substituindo-a pela científica: multiplicaram-se hospitais, ampliação dos serviços
de saneamento básico, lançamento de grandes campanhas de vacinação e
dedetização etc. (IPARDES, l989).
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O fluxo migratório trouxe consigo elementos e efeitos indesejáveis:
desajustados sociais, mendigos, criminosos comuns, jogadores, prostitutas. Por
isso, cabia ao Estado controlar os desajustados física ou moralmente e eliminar
as infrações que comprometiam a ordem social e o surto do progresso. Essas
preocupações levaram o governo a investir numa segurança planejada, racional e
científica (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001).
O desenvolvimento econômico, a rápida urbanização e a ocupação de
novas áreas são evidências apontadas pelo discurso da indiscutível “nova era” do
Paraná, que se faz acompanhar de uma política de integração territorial, voltando-
o ao centro administrativo.
Durante o governo de Bento Munhoz Netto, foi lançado um programa
sintetizado no slogan “O Brasil marcou encontro no Paraná”. Parte da dotação
orçamentária destinada à construção de estradas foi orientada à construção de
obras comemorativas ao Centenário de Emancipação Política do Paraná, sendo
que, as principais obras foram a criação do Centro Cívico Estadual, as
construções de um grande teatro, uma ampla biblioteca pública e a Praça
Dezenove de dezembro, ícone do Centenário. Tais obras se colocavam como
marcos das potencialidades locais, das ações modernizadoras do governo, que
investe sobre a construção de um lugar “lugar de poder”, no qual se tenta ratificar
Curitiba como Capital política, econômica, militar, estudantil e cultural do Estado.
Os monumentos apresentavam-se como um dos aparatos mais eficientes para
conservar na memória da coletividade, os cem anos do Paraná. Paralelamente a
estas obras, foram programados muitos eventos técnicos e científicos, tais como,
jornadas, congressos e encontros nacionais e internacionais (IPARDES, l989).
Neste contexto, de realização dos eventos comemorativos do Centenário
do Paraná, em 1953, o Governo Federal voltou-se para a realização de algumas
obras contidas no Plano Agache, formando, assim, um cenário apropriado para
que novas versões do Paraná e do homem paranaense fossem veiculados.
Também as comemorações fortaleceram Curitiba como centro político-
administrativo do Estado, onde a arquitetura moderna será a linguagem escolhida
pelo poder público, para materializar sua imagem de Estado moderno a partir da
década de 30. Munhoz da Rocha via, neste evento, a oportunidade de consolidar
a unidade paranaense. A preocupação do governo do Estado era associar as
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obras do centenário de emancipação do Paraná a um benefício para toda a
população. Como afirma Jacques Le Goff: “Tornar-se senhor da memória e do
esquecimento é uma das grandes preocupações das classes que dominaram e
dominam as sociedades históricas”.
Dentro deste cenário nacional, que define Curitiba como palco privilegiado
para a instalação dos símbolos do progresso, da modernidade e da identidade da
sociedade paranaense, criou-se um imaginário social, por meio de figuras
imagéticas, como instrumento de legitimação dos interesses políticos da elite
dominante, tais como a produção paranista de Napoleon Potyguara Lazzarotto, o
Poty, um dos líderes da Integração Nacional do Paraná, os escultores Erbo
Stenzel e Humberto Cozzo e, também, a arquitetura moderna representada por
Rubens Meister e outros (GONÇALVES, 2001).
Para administrar as obras a serem inauguradas em 19 de dezembro de
1953, o governo criou, em 1951, a Comissão Especial de Obras do Centenário
(CEOC). Foram previstas edições festivas de diversas publicações enfatizando
estudos históricos, etnológicos, biográficos e geográficos sobre o Paraná. Em
maio de 1952, a imprensa de Curitiba divulgou o empréstimo de vinte milhões de
cruzeiros, do governo federal, para serem investidos nas festividades do
centenário (BAHLS, 2006).
No Centro Cívico, seriam erguidas, as sedes dos três poderes e os prédios
dos tribunais de contas e do Júri, idealizados por vários arquitetos, tais como,
David Xavier Azambuja, Olavo Redig de campos, Sérgio Roberto Rodrigues, entre
outros. O projeto da Praça Dezenove de Dezembro foi assinado pelos escultores
Erbo Stenzel e Humberto Cozzo. A praça é dominada por um obelisco de 40
metros de altura, ao centro da praça, foi instalado um painel de granito de baixo-
relevo, executado por Stenzel e Cozzo, cujo tema era, de um lado, a evolução
social e industrial do Paraná, dividido em quatro partes que representavam os
sucessivos ciclos econômicos: índios, bandeirantes, tropeiros, trabalhadores da
erva-mate e pinho, ouro, café etc. Na outra face, estão os vultos políticos
paranaenses, pintados em azulejos, por Poty, com um pequeno lago a sua frente,
para completar foi erguida, ao lado do obelisco, a estátua do homem nu, com 8
metros de altura, concebido por Stenzel e executada por Cozzo, representando o
trabalhador paranaense, sendo este alvo de muitas críticas pelos curitibanos, de
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ordem morais e estéticas. No entanto, a polêmica maior ficou para o monumento
da Mulher Nua, de 4 metros de altura, idealizada por Stenzel, como
representação da Justiça, a qual foi escondida num pátio nos fundos do Palácio
Iguaçu (REBELO, 2005).
No dia 19 de dezembro, a praça foi inaugurada pelo presidente Getúlio
Vargas, onde apenas o obelisco estava concluído. Os monumentos da Praça 19
de Dezembro, instalados entre 1953 e 1955, representam um passado histórico, e
ainda hoje atuam na memória da população, contribuindo para eternizar as
comemorações do centenário do Paraná. Os monumentos necessitam ser
ritualizados, contribuindo assim, para sua permanência na memória coletiva,
mesmo que o indivíduo não tenha vivenciado o acontecimento, advém daí, a
importância das comemorações nacionais e seu valor simbólico. Percebemos
uma relação de temporalidade entre o passado da história e o presente da
memória (BAHLS, 2006).
O Teatro Guairá (figura abaixo), também, não foi concluído para os festejos
do centenário. Essa obra arquitetônica foi projetada pelo engenheiro Rubens
Meister, considerado como um dos precursores da arquitetura moderna no
Paraná. O painel foi idealizado por Poty Lazzarotto. Constitui uma representação
pictográfica da História do teatro, desde os gregos até os autores
contemporâneos, incluindo a mímica. Em dezembro de1954, Munhoz da Rocha e
o presidente Café Filho inauguraram o Guairinha, que abriga o auditório menor.
Somente em 19 de dezembro de 1974, no governo de Emílio Gomes, o teatro foi
finalmente inaugurado, com um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira.
(foto: minha autoria)
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A Biblioteca Pública do Estado, projetada pelo engenheiro curitibano
Romeu Paulo Costa, também, inaugurada em dezembro de 1954, pelo presidente
Café Filho, tornando-se ponto de referência intelectual para todo o Estado
(GONÇALVES, 2001)
A administração pública do Paraná comemorava os esforços
modernizantes, representados por suntuosos edifícios. Essa verticalização
chegou às cidades, por todo o Paraná, como sinal incontestável do progresso.
Simultaneamente a essas inaugurações e honrarias dedicadas às
personalidades da história política paranaense, ocorreram, por sete dias, diversas
comemorações populares, tais como: apresentação, na Praça Tiradentes, de
artistas de rádio de São Paulo e do Rio de Janeiro, orquestras, corais, grupos
folclóricos e teatrais, banda da Polícia Militar; desfile de municípios, pela Rua 15
de Novembro; desfile militar, do Exército Nacional e da Aeronáutica; apresentação
da Banda Marcial e de Música do Corpo de Fuzileiros; danças de grupos étnicos
etc. Paralelamente aos banquetes oficiais ocorriam os bailes populares (BAHLS,
2006).
Na série de festividades do Centenário, destacou-se a Exposição
Internacional do Café e Feira de Curitiba, inaugurada em l9 de dezembro de l953,
funcionando mate 29 de março de 1954. O I Congresso Mundial de Café realizou-
se de 14 a 21 de janeiro de 1954.
O evento teve a participação de 35 países, entre produtores, vendedores,
compradores e operadores.
O ano de 1953 ficou registrado na memória dos indivíduos que
participaram das festividades do centenário, mesmo Munhoz da Rocha sendo
alvo de muitas críticas, devido aos gastos excessivos na construção das obras
culturais e arquitetônicas para marcar o presente e a posteridade, o centenário do
Paraná.
O cenário da comemoração do Centenário de Emancipação Política do
Paraná representou um momento propício para salientar a auto-afirmação
paranaense, projetando assim, a imagem do espetáculo do progresso do Paraná,
uma nova era, acompanhada de uma política de integração territorial. O
governador Bento da Rocha Munhoz Netto, preocupou-se, também, em definir
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Curitiba como centro de instalação dos símbolos do progresso, da modernidade e
da identidade da sociedade paranaense.
Vejamos, abaixo, as peças memorativas que transformaram a Praça 19 de
Dezembro na “Praça do Centenário”:
ZTENZEL, Erbo. Obelisco de 40 m de altura, em granito com o escudo do Paraná em baixo-relevo, esculpido no alto do monumento. O Estado do Paraná Sem Medo do Futuro. (fotos: minha autoria)
LAZZAROTTO, Poty. O Painel representa a evolução política do Estado descrevendo os ciclos históricos e econômicos do Paraná. “Descoberta do ouro; evangelização; bandeirantes desmatando florestas; povoamento de cidades; comércio dos tropeiros; índios descendo o rio em suas embarcações; lavradores e ação de líderes que iriam promover a emancipação política do estado”. (foto: minha autoria)
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Painel de granito de baixo-relevo, executado por Stenzel e Cozzo, cujo tema é a evolução social e industrial do Paraná, dividido em quatro partes que representam os sucessivos ciclos econômicos: índios, bandeirantes, tropeiros, trabalhadores da erva-mate e pinho, ouro, café etc. (foto: minha autoria)
ATIVIDADES:
1. “Em cinco anos de governo realizou o Presidente Eurico Gaspar Dutra
nada menos que quatro visitas ao Paraná (...). É um record no que se refere ao
interesse do Governo Federal por um Estado brasileiro que, só agora adquire
evidência nacional deve-a pura e simplesmente, ao silencioso labor de seu povo e
à operosidade de seus atuais administradores”. (REVISTA GUAIRA, nº 14.
Curitiba, Abril de 1950, p. 38-47).
Neste discurso político e intelectual, o Paraná é reconhecido e saudado
como símbolo de prosperidade econômica rumo à modernização.
Aponte três ações da gestão de Munhoz da Rocha com o propósito de
modernizar o Paraná.
2. O Governador Bento Munhoz da Rocha Neto definiu Curitiba como o
palco privilegiado para a instalação dos símbolos do progresso, da modernidade e
da identidade da sociedade paranaense. Curitiba deveria ser a capital cultural do
Estado.
Descreva as medidas tomadas na sua administração, objetivando tornar
Curitiba a capital de todos os paranaenses, como acontecimentos centrais das
comemorações do centenário.
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3. Em 1953 foi apresentado pelo Governo Munhoz, um conjunto de normas
morais e éticas voltadas à modernização da cidade e à construção da urbanidade,
expresso no Código de Posturas e Obras do Município. Pesquise o artigo 897,
descreva-o e opine sobre a viabilidade do mesmo.
4. A Praça 19 de Dezembro, também conhecida como Praça do Homem
Nu é um logradouro localizado no centro da cidade de Curitiba, idealiza pelos
escultores Erbo Stenzel e Humberto Cozzo. Pretendiam, os escultores, retratar o
homem paranaense, tendo um passo para frente e voltada para o oeste do
Paraná.
Qual era o significado desse passo para frente para os escultores e,
também, para Munhoz da Rocha? Por que essa estátua gerou tanta polêmica na
época?
5. Junto aos demais monumentos, inaugurados em 15 de junho de 1955,
estavam um painel na forma de biombo, voltado para a praça, em baixo-relevo,
em granito, idealizado por Erbo Stenzel, representando o desenvolvimento sócio-
econômico do Paraná, tendo no verso, outro painel, feito pelo jovem artista Poty
Lazzarotto, em azulejo, representando a evolução política do Paraná.
Pesquise e descreva, detalhadamente, suas representações.
6. “... aqueles que visam empreender a leitura das obras de arte que se
ocuparam do registro de diferentes lugares da cidade, certamente deparar-se-ão
com fontes riquíssimas de representação da memória e da história de seu
tempo... compreendidas como sinais das experiências vividas pelos habitantes da
cidade, num dado espaço de tempo”. (SANDRA PELEGRINI, 2005).
Faça um levantamento, em grupos, dos monumentos existentes na sua
cidade e fotografe-os. Pesquise: Quem idealizou? Quando foi inaugurado?
Como? Qual o significado simbólico?
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7. Pesquisar na Biblioteca Municipal, as notícias jornalísticas referente às
comemorações dos aniversários de sua cidade. Descreva as festividades: Quais
símbolos enaltecem a cidade? Qual é a essência política e intelectual dos
discursos? Quais são as idéias transmitidas nas manchetes? Etc.
8. “Assim é o Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico,
acrescentou ao Brasil uma nova civilização original, construída com pedaços de
todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem portugueses, e sem índio, dir-
se-ia que a sua definição humana não é brasileira”. “... o imigrante teria construído
uma nova civilização, burguesa e comerciante...”. (WILSON MARTINS, 1955).
Pesquise e argumente a veracidade ou não da afirmativa do autor.
9. Como é constituído o povo paranaense? Indígenas? Afro-descendentes?
Europeus? Orientais?
A diversidade étnica resultou em uma riqueza cultural que se expressa por
intermédio das artes. Observe a obra “Operária”, de Tarsila do Amaral, 1993 e,
responda os questionamentos acima.
10. Tire fotos e pesquise as representações dos painéis de Poty no Teatro
Calil Haddad, na entrada principal do Hipermercado Big e na parte externa do
Colégio Santa Cruz, da cidade de Maringá.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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