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SEGUNDA GUERRA
MUNDIALUma Antologia Potica
Poetas contemporneos ao conflito
LIVRO GRATUITO
No pode ser vendido
Organizao, seleo, edio e notas de
Sammis Reachers
2014
Foto de capa: Soldados americanos agachados num bote de assalto cruzam o rio Reno, na Alemanha,sob fogo inimigo (Maro 1945). The U.S. National Archives and Records Administration
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Bellum dulce inexpertis
Pindaro
*A guerra doce para quem no a experimentou.
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ndice
Prefcio .................................................................................................................. 08
Bertolt Brecht (ALE)Cartilha de Guerra Alem ................................................................................. 11Cartilha de Guerra Alem II ........................................................................... 14Regresso .................................................................................................................. 16
Abgar Renault (BRA)Transporte de Guerra ........................................................................................ 17UBI TROJA EST ..................................................................................................... 18
Carlos Drummond de Andrade (BRA)Carta a Stalingrado ............................................................................................. 19Viso 1944 .............................................................................................................. 21
Ceclia Meireles (BRA)Guerra ....................................................................................................................... 24Pistia - Cemitrio Militar Brasileiro .......................................................... 25
Murilo Mendes (BRA)Poema Presente ................................................................................................... 27Tempos Duros ...................................................................................................... 28
Vincius de Moraes (BRA)A Rosa de Hiroshima .......................................................................................... 29Balada dos mortos dos campos de concentrao .................................. 30
Pablo Neruda (CHI)Novo Canto de Amor a Stalingrado .......................................................... 32
Ivan Goran Kovacic (CRO)Fosso ......................................................................................................................... 36
Vladimir Nazor (CRO)Me Ortodoxa ........................................................................................................ 38
Archibald MacLeish (EUA)
Colquio Entre os Estados ............................................................................... 40Dudley Randall (EUA)Epitfios do Pacfico ........................................................................................... 44
John Ciardi (EUA)O Dom ....................................................................................................................... 46
Karl Shapiro (EUA)Trem de Tropas .................................................................................................... 47
Randall Jarell (EUA)
A Morte do Artilheiro da Torre Giratria .................................................. 49
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Stanley Kunitz (EUA)Consideraes Junto a Uma Caixa de Correio ......................................... 50
T. S. Eliot (EUA/ING)Little Gidding ..52
Louis Aragon (FRA)Os lilases e as rosas ............................................................................................. 55
Paul Elurd (FRA)Liberdade ................................................................................................................ 57Coragem ................................................................................................................... 60A Aurora Dissolve os Monstros ..................................................................... 61
Pierre Emmanuel (FRA)Dia de Clera ......................................................................................................... 62
Ren Char (FRA)Carta do 8 de Novembro .................................................................................. 63Pobreza e Privilgio II .................................................................................... 64O Verdelho ........................................................................................................... 65
Giorgos Seferis (GRE)O ltimo dia ............................................................................................................ 66
Odissas Eltis (GRE)Canto Heroico e Funeral para o Segundo-Tenente Desaparecidona Campanha da Albnia .................................................................................. 67
Tasos Leivaditis (GRE)Esta estrela para todos ns .......................................................................... 69
GerritKouwenaar (HOL)Terceiro Canto Heroico ..................................................................................... 72
Jan Campert (HOL)Os Dezoito Mortos ............................................................................................... 74
Gyula Illys (HUN)O Vizinho ................................................................................................................. 76
Istvn Vas (HUN)Mais do que a morte ........................................................................................... 77
Jnos Pilinszky (HUN)Paixo de Ravensbrck ..................................................................................... 78
Mikls Radnti (HUN)Cu espumante ..................................................................................................... 79Razglednice ............................................................................................................ 80
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Dylan Thomas (ING)Cerimnia Aps um Bombardeio ................................................................. 81Entre os mortos num bombardeio ao amanhecerhavia um homem de cem anos ...................................................................... 84
Edith Sitwell (ING)Ainda Cai a Chuva ................................................................................................ 85
Keith Douglas (ING)Como Matar ............................................................................................................ 87VERGISSMEINNICHT ......................................................................................... 88
W.H. Auden (ING/EUA)1. de setembro de 1939 .................................................................................. 89
Giuseppe Ungareti (ITA)Meu Rio Tu Tambm .......................................................................................... 92
Nas Veias ................................................................................................................. 94
Primo Levi (ITA)Vs que viveis tranquilos ................................................................................. 95
Salvatore Quasmodo (ITA)Milo, Agosto de 1943 ....................................................................................... 96Cnticos ................................................................................................................... 97Auschwitz ............................................................................................................... 98
Sadako Kurihara (JAP)Dizendo Hiroshima....................................................................................... 100Deixemos vir a nova vida .............................................................................. 101
Tamiki Hara (JAP)Isto um Ser Humano .................................................................................... 102
Hirsh Glick (LIT)A Balada do teatro pardo: Espetculo no crcere de Lubick ......... 103
Czeslaw Milosz (POL)Campo di Fiori .................................................................................................... 105
Zbigniew Herbert (POL)17 de Setembro .................................................................................................. 107Abandonado ........................................................................................................ 108Cinco Homens ..................................................................................................... 111
Paul Celan (ROM)Fuga da Morte .................................................................................................... 113
Jaroslav Seifert (TCH)Os mortos de Ldice ......................................................................................... 115
Margarita Aliguer (URSS)
De Primavera em Leningrado ...................................................................... 117
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Marina Tzvietieva (URSS)Tomaram... .......................................................................................................... 118
Mikhal Ddine (URSS)Rouxinis .............................................................................................................. 119
Olga Fidorovna Biergglts (URSS)A Guerra em Leningrado ............................................................................... 122Conversa com uma vizinha ........................................................................... 124
Pvel Antoklski (URSS)Filho ........................................................................................................................ 126
Siemin Gudzenko (URSS)Antes do ataque ................................................................................................. 129A minha gerao ................................................................................................ 130
Bibliografia........................................................................................................ 131Sobre o organizador..................................................................................... 134
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Prefcio
Sofro da estranha mania de organizar antologias. J so mais dedez. A maioria de temtica religiosa, duas delas, creio, de interesse
geral: aAntologia de Poesia Crist em Lngua Portuguesa(2008), bemintencionada mas com lacunas e alguma injustia, e a Breve Antologiada Poesia Crist Universal,publicada em 2012. Um de meus propsitose humilde prazer tentar fechar ou suprir determinadas lacunasbibliogrficas lacunas que sempre me parecem imperdoveis. Nocaso da poesia crist, simplesmente no havia algo no gnero(reunindo uma coleo de textos quantitativa e qualitativamentesignificativos) nas bibliografias de Brasil e Portugal.
Some-se aqui a esse furor antologista meu fascnio pela SegundaGuerra Mundial, fixao de infncia, sendo mesmo anterior ao meuinteresse pela literatura, e que ao longo dos anos nunca arrefeceu(sintomtico que em meu livro Poemas da Guerra de Inverno(2012/1014), mais da metade dos poemas versa sobre a SGM).
Eis esboado ento o cenrio para que eu volte carga em minhamaltrapilha sina de tapa-buracos das mal a(r)madas estantes depoesia: a esta altura do ano da graa de 2014, decorridos 69 anos do
fim do maior conflito blico e da maior exibio de atrocidades que ahumanidade j vivenciou, no lhe parece, amigo leitor, de espantar queno exista uma antologia de poetas ou poemas da Segunda Guerra emnossa bibliografia lusfona, neste caso mais culposa e especificamentena brasileira (pois afinal Portugal manteve-se neutro no conflito)? OBrasil enviou tropas em boa quantidade para a guerra no teatroeuropeu - foi mesmo o nico pas latino-americano a faz-lo , eempenhou grandes foras no apoio logstico e de suprimento dematrias-primas para o esforo de guerra dos Aliados enfim, o Brasil
vivenciou quase aquilo que se chama em teoria militar de guerra total pois se nosso territrio no chegou a ser diretamente atacado, osnavios de nossa costa (civis e militares) eram fustigados pelotorpedeamento constante por parte dos submarinos U-Boatalemes, ea populao das maiores metrpoles fazia exerccios preventivoscontra ataques areos, com direito a blackouts, sirenes e tudo o mais.Tal lacuna sempre pareceu-me digna de nota, ainda mais quandovemos tanta irrelevncia sendo impressa. Nos EUA tais antologias deguerra so comuns voc poder contar com umas duas dezenas delas,
de variados alcances e focalizaes editoriais (embora se julgue, entreos pases anglfonos, e a meu ver injustamente, que a Segunda Guerra
http://pt.scribd.com/doc/9547883/Antologia-de-Poesia-Crista-em-Lingua-Portuguesahttp://pt.scribd.com/doc/9547883/Antologia-de-Poesia-Crista-em-Lingua-Portuguesahttp://pt.scribd.com/doc/9547883/Antologia-de-Poesia-Crista-em-Lingua-Portuguesahttp://pt.scribd.com/doc/102011895/Poesia-Crista-Universal-Breve-Antologiahttp://pt.scribd.com/doc/102011895/Poesia-Crista-Universal-Breve-Antologiahttp://pt.scribd.com/doc/102011895/Poesia-Crista-Universal-Breve-Antologiahttps://clubedeautores.com.br/book/158015--Poemas_da_Guerra_de_Inverno?topic=poesia#.VBCZf8JdWqghttps://clubedeautores.com.br/book/158015--Poemas_da_Guerra_de_Inverno?topic=poesia#.VBCZf8JdWqghttps://clubedeautores.com.br/book/158015--Poemas_da_Guerra_de_Inverno?topic=poesia#.VBCZf8JdWqghttp://pt.scribd.com/doc/102011895/Poesia-Crista-Universal-Breve-Antologiahttp://pt.scribd.com/doc/102011895/Poesia-Crista-Universal-Breve-Antologiahttp://pt.scribd.com/doc/9547883/Antologia-de-Poesia-Crista-em-Lingua-Portuguesa7/27/2019 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL - Uma Antologia Potica
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no produziu war poets da qualidade de um Siegfried Sassoon ouRupert Brooke, como a Primeira Guerra).
Busquei coligir para esta seleta apenas poemas de autores
contemporneos ao conflito, e de pases diretamente envolvidos naguerra. Sejam war poetsclssicos (soldados-poetas que participaramem algum momento da guerra, engajados em exrcitos regulares),sejam vtimas (populao de pases subjugados, judeus e minoriastnicas, crticos e inimigos ideolgicos do regime), sejam partisans ecombatentes das resistncias que pululavam nas mais diversas frentesdo conflito. E tambm o que se poderia chamar de poetas expectadores,que, embora nativos de pases envolvidos na guerra, apenas aacompanharam pelos canais noticiosos, caso de alguns poetas dos EUA
e de outros pases americanos, como o chileno Pablo Neruda ebrasileiros como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes eoutros.
Neste quesito, dou especial destaque produo de nossos poetasque se mostraram mais impactados pelo conflito, publicando alm deCDA e Murilo Mendes, Vincius de Moraes, Ceclia Meireles e AbgarRenault. Outros contemporneos escreveram sobre o conflito, comoMrio Barreto Frana, condoreiro tardio e talvez o principal poeta
evanglico do Brasil, e ainda Oswald de Andrade, cujo poemaCanto dopracinha s,que lhe rendeu algumas (eventualmente acertadas) vaiasda crtica, achamos por bem deixar de fora desta antologia, a fim desalvaguard-la...
Esta uma antologia breve so apenas 134 pginas, e comperceptveis e lamentveis lacunas, pois mesmo alguns poetas defranco renome que escreveram sobre a guerra, tm essa parte de suaobra fragorosamente ignorada pelos seus eventuais tradutores
lusfonos. Isso nos obrigou a traduzir textos dos war poets KarlShapiro e John Ciardi (EUA), sem os quais estaria em situao aindamais imperdovel esta antologia. Mas espero que o precedente abertopor esta seleta venha a despertar o interesse de nossos muitoscompanheiros que dedicam-se rdua-delicada (seria traduzir poesiaigualmentepadecer no paraso, como no proverbial dito maternalista?)tarefa de traduzir poesia. Ousaria dizer que, mais que a prpriaHistria, a Poesia est intimamente ligada ao de compilar,compartilhar e refletir a dor humana, dor essa que numa guerra, e
melhor, na me de todas as guerras, atingiu seu pice. Ignorar essapoesia escrita ao som dos combates essa poderosa poesia do extremo
http://marocidental.blogspot.com.br/2012/08/o-brasil-na-segunda-guerra-mundial-3.htmlhttp://marocidental.blogspot.com.br/2012/08/o-brasil-na-segunda-guerra-mundial-3.htmlhttp://leaoramos.blogspot.com.br/2011/08/oswald-de-andrade-escreveu-um-poema.htmlhttp://leaoramos.blogspot.com.br/2011/08/oswald-de-andrade-escreveu-um-poema.htmlhttp://leaoramos.blogspot.com.br/2011/08/oswald-de-andrade-escreveu-um-poema.htmlhttp://leaoramos.blogspot.com.br/2011/08/oswald-de-andrade-escreveu-um-poema.htmlhttp://leaoramos.blogspot.com.br/2011/08/oswald-de-andrade-escreveu-um-poema.htmlhttp://leaoramos.blogspot.com.br/2011/08/oswald-de-andrade-escreveu-um-poema.htmlhttp://marocidental.blogspot.com.br/2012/08/o-brasil-na-segunda-guerra-mundial-3.html7/27/2019 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL - Uma Antologia Potica
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- mais que simplesmente ignorar a Histria, na figura e na pena deto especializadas testemunhas: ignorar a prpria Poesia no que elatem de mais verdadeiro e humano.
SOBRE A EDIO DESTE LIVRO
Meu propsito inicial era propor a edio deste livro para algumaeditora. Mas sondagens preliminares me desestimularam. Somaram-sea isso as dificuldades de edio de uma antologia envolvendo mltiplosautores e tradutores: presente na questo o mesmerizante fel quemove o mundo ($$$), so mares de autorizaes e correspondncias,
fabulrio de burrocraciasque a cultura construiu em torno de si, e queao invs de servirem de filtros ou, qui, capacitores, quase semprealcanam apenas o status de muros. E a seleta estava aqui, h quasedois anos amadurecendo na gaveta, o que para mim um perodo detempo muito dilatado, pois meu ritmo de trabalho, nas demaisantologias que organizei, alcanou em mdia at (O.K., apenas) quatromeses (de trabalho o mais ferrenho, entenda-se). Essa espera, essalatncia de gaveta era para mim um renitente incmodo: Oconhecimento precisa sair da gaveta, sair das cabeas, para tornar-se
cultura; na gaveta, apenas cabala, coletnea de hierglifos enfeitandoas paredes seladas em breu dum sarcfago.Por tudo isso, com prazer, com muito prazer que atropelo uma vez
mais o status quo enrijecido, e ofereo este trabalho gratuitamente atodos os interessados. Sem editoras, sem bolsas de pesquisa, edio epublicao, sem patrocnios culturais, sem contar com o brao ativo,mas um tanto afetado e corporativista da academia, sem licenas almda potica e a do Conhecimento, esse intimorato arrombador e chodaquilo que Homem enfim, eis (a) informao num canal direto
como deve ser, sem atravessadores, linha reta da poesia ao leitor depoesia.
Sammis Reachers
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Bertolt Brecht (Alemanha 1898 1956)
Militante de esquerda e opositor do regime nazista desde seu incio, o dramaturgoe poeta alemo Bertolt Brecht foi perseguido, tendo a partir de 1933, com aascenso de Hitler ao poder, se refugiado em diversos pases europeus eposteriormente nos EUA. Homem de seu tempo como poucos lograram ser, apoesia de Brecht riqussima em textos sobre o conflito. Optamos por publicaraqui trs poemas singulares, os j clssicos Manual de Guerra Alem 1e 2, onde opoeta, nos anos imediatamente anteriores Guerra, desvela irnica e mesmoprofeticamente todo o esforo de guerra alemo, com sua hipocrisia e seusnefastos resultados; e o poema Regresso, sobre seu retorno ptria (para ondevoltou em 1947), agora derrotada e destruda - como ele mesmo previra, em tantose tantos de seus textos.
Tradues de Paulo Csar de Souza
Cartilha de Guerra Alem
O PINTOR FALA DA GRANDE POCA POR VIRAs florestas ainda crescem.Os campos ainda produzem.As cidades ainda existem.Os homens ainda respiram.
QUANDO O PINTOR FALA SOBRE A PAZATRAVS DOS ALTOS-FALANTESOs trabalhadores de construo olham paraAs autoestradas e veemCimento espesso, prprioPara tanques pesados.
O pintor fala de paz.Aprumando as costas doloridasAs mos grossas em tubos de canhesOs fundidores o escutam.
Os pilotos dos bombardeirosDesaceleram os motores e ouvemO pintor falar de paz.
Os madeireiros param no silncio dos bosquesOs camponeses deixam de lado o arado e colocam a mo atrs do ouvidoAs mulheres que levam a comida para o campo se detm:No terreno revolvido h um carro com amplificador. De l se ouveO pintor pedir paz.
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OS DE CIMA DIZEM: GUERRA E PAZSo de substncia diferenteMas a sua guerra e a sua pazSo como tempestade e vento.
A guerra nasce da sua pazComo a criana da meEla temOs mesmo traos terrveis.
A sua guerra mataO que a sua pazDeixou de resto.
NO MURO ESTAVA ESCRITO COM GIZ:Eles querem a guerra.Quem escreveuJ caiu.
OS DE CIMAJuntaram-se em uma reunio.Homem da ruaDeixa de esperana.
Os governosAssinam pactos de no-agresso.
Homem da ruaAssina teu testamento.
Quando os de cima falam de pazA gente pequenaSabe que haver guerra.
Quando os de cima amaldioam a guerraAs ordens de alistamento j esto preenchidas.
A GUERRA QUE VIRNo a primeira. Antes delaHouve outras guerras.Quando a ltima terminouHavia vencedores e vencidos.Entre os vencidos o povo midoSofria fome. Entre os vencedoresSofria fome o povo mido.
OS DE CIMA DIZEM QUE NO EXRCITOReina fraternidade.
A verdade disso se percebeNa cozinha.
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Nos coraes deve haverO mesmo nimo.Mas nos pratosH dois tipos de comida.
NO MOMENTO DE MARCHAR, MUITOS NO SABEMQue seu inimigo marcha sua frente.A voz que comanda a voz de seu inimigo.Aquele que fala do inimigo ele mesmo o inimigo.
GENERAL, TEU TANQUE UM CARRO PODEROSOEle derruba uma floresta e esmaga cem homens.Mas tem um defeito:Precisa de um motorista.
General, teu bombardeiro poderoso.Ele voa mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante.Mas tem um defeito:Precisa de um engenheiro.
General, o homem muito til.Ele pode voar e pode matar.Mas tem um defeito:Pode pensar.
QUANDO A GUERRA COMEARSeus irmos se transformaro talvezDe modo que seus rostos no sero reconhecveis.Mas vocs devem permanecer os mesmos.
Eles iro guerra, masNo como a uma matana, e simComo a um trabalho srio. TudoTero esquecido. Mas vocsNada devero ter esquecido.
Vocs recebero aguardente na gargantaComo todos os outros.Mas devero permanecer sbrios.
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Cartilha de Guerra Alem II
O PINTOR DIZ:Quanto mais canhes forem fabricados
Mais longa ser a paz.
Assim seria certo dizer:Quando mais gros forem semeadosMenos cereal crescer.Quanto mais vitelas forem mortasMenos carne haver.Quanto mais neve se dissolver na montanhaMais secos sero os rios.
NA GUERRA MUITAS COISAS CRESCEROFicaro maioresAs propriedades dos que possuemE a misria dos que no possuemAs falas do GuiaE o silncio dos guiados.
SE OS CAMPOS DOS JUNKER FOREM DIVIDIDOSNo ser preciso conquistar os campos dos camponeses ucranianos.Se os campos dos camponeses ucranianos forem conquistados
Os Junker apenas tero mais campos.
AQUELES QUE LUTAVAM CONTRA SEU PRPRIO POVOLutam agora contra outros povos.Novos escravosSe juntaro aos velhos.
NOITEOs casaisDeitam-se nos leitos. As mulheresPariro rfos.
OS VELHOSLevam dinheiro caixa econmicaDiante da caixa econmica esto carros.Eles levam o dinheiroPara as fbricas de munio.
OS ANNCIOS DO GOVERNO
Acompanham os boatosComo sombras.
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Os governantes rugemO povo sussurra.
PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS
Que os trabalhadores fabricam?Os trabalhadoresFicariam de bom grado com eles.
O FHRER LHES DIR: A GUERRADura quatro semanas. Quando chegar o outonoVocs estaro de volta. MasO outono vir e passarE tornar a vir e passar muitas vezesE vocs no voltaro.
O pintor lhes dir: as mquinasFaro tudo por ns. Bem poucosPrecisaro morrer. MasVocs morrero s centenas de milhares, tantosComo nunca se viu morrer.Quando eu ouvir que vocs esto no Polo NorteOu na ndia ou no Transvaal, apenas sabereiOnde um dia se encontraro seus tmulos.
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Regresso
A cidade natal, como a encontrarei ainda?Seguindo os enxames de bombardeirosVolto para casa.
Mas onde est ela? L onde sobemImensos montes de fumaa.Aquilo no meio do fogo ela.
A cidade natal, como me receber? minha frente vo os bombardeiros. Enxames mortaisVos anunciam meu regresso. IncndiosPrecedem o filho.
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Abgar Renault (Brasil 1901 - 1995)
O poeta e educador Abgar Renault, em seus poemas, deixa claro seu fascnio pelaInglaterra, predileo que levou-o a traduzir, durante a Segunda Guerra, poemasdos war poets ingleses da Primeira Guerra Mundial. Esses poemas forampublicados em jornais do Brasil e do exterior, de 1941 a 1945, vindo tambm a serenfeixados em livro (primeira edio j em 1942). Renault era alto funcionrio dogoverno Getlio Vargas, e a prpria publicao desses textos traduzidos j deixaentrever um consciente esforo de mobilizao da opinio pblica nacional para aguerra que estava prestes, e acabou por efetivamente arrolar tambm o Brasil emseu turbilho.
Transporte de Guerra
Eu vi os teus soldados, Inglaterra,dentro do teu audaz navio escuro,da cor das guas em que lanara ferros.Eram serenos, fortes e joviais,olhavam do convs, dos mastros, das vigias,e suas mos sorriam acenandopara as lanchas que passavam, ao largo, rumo terra.
Sorriam. E, enquanto sorriam, seus coraestalvez acariciassem coisas da distncia:o porto sem nome de que misteriosamente partiram,sem adeuses, numa hora mal-assombrada;as velhas colinas de verdes condados;campos de golf, de cricket, de football;contemplativos campos cheios do sonho de rebanhos;os nevoeiros, mais densos sob as luzes apagadas;talvez a esteira saudosa que a quilha agudafoi abrindo nas guas e deixando para trs...Eram serenos e fortes, e esperavam, e sorriam.
Que nvios mares ir sulcar esse navio escuro,
eriado de canhes e de metralhadoras antiareas,carregado de sonhos, armas, munies e tanta vida?Para onde largaro esses soldados do mundo?Quando que descero desse navio escuro,de que olham as luzes da cidade, prisioneiros?Que terras negras ou que grossas guas acolhero, e quando,o sono de seus corpos moos prodigiosamente adormecidos?
1942
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UBI TROJA EST
Aqui Londres London Londinium, a velha, a cinzenta, a misteriosa.Aqui Londres, que Adolf Hitler ia reduzir.Onde est Adolf Hitler? Aqui Londres.
Compreendo os teus olhos cheios de mar,a tua poesia de um reflexivo silncio de velas,a tristeza seca dos teus poetas,quando vejo o teu cu sempre noturno, teus jardins de bruma,tua umidade espessa a subir das guas antigas,a correr sob pontes intemporais e andando pelas ruas;as tuas luzes (ye lights of London town)embaadas de suor, de fumaa e restos de bombardeio,e o tempo sem memria que escorre dos telhados e das paredese se espalha pelos bancos das praas e pelas mesas dos hotis.Sei o que o teu gnio, a tua fora, a tua alegria cativa,e a tua melancolia que no chora, e entendo o orgulho dos teus homens e das tuasmulheresde pouca fala e olhos cheios de branda, misteriosa luz;amos os porqus da tua lngua viajeira, mltipla e uma,carregada de praias alvas, de remotas msicas,feita de gua salgada, de verde relva,de luar e sol ocultos, de ouro, carvo e nvoas frias.
Compreendo-te, Tria indestruda, e amo-te,
e longe de ti, sobre o mar que te criou e dominaste,sinto vultos vagando pelas ruas do meu pensamento:Chaucer, Shakespeare, Dr. Johnson, Donne, Berkeley, Keats...Tuas rvores graves, teus demnios, teus anjos, teu corao de aoos rostos de distncias do sonho e da realidade que criaste.
Londres, 1945
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Carlos Drummond de Andrade (Brasil 1902-1987)
Maior poeta brasileiro e um dos maiores de nossa lngua ao lado de Cames ePessoa, a II Guerra Mundial exerceu forte impacto sobre o ainda militantecomunista CDA, notadamente nos versos de seu livro A Rosa do Povo. O livro umaobra prima que conta com vrios poemas inspirados pela guerra, tendo especialdestaque o tema da resistncia sovitica, que comeava a vencer as forasinvasoras do Reich, prenunciando a derrota de Hitler.
Carta a Stalingrado
Stalingrado...Depois de Madri e de Londres, ainda h grandes cidades!O mundo no acabou, pois que entre as runas
outros homens surgem, a face negra de p e de plvora,e o hlito selvagem da liberdadedilata os seus peitos, Stalingrado,seus peitos que estalam e caem,enquanto outros, vingadores, se elevam.
A poesia fugiu dos livros, agora est nos jornais.Os telegramas de Moscou repetem Homero.Mas Homero velho. Os telegramas cantam um mundo novoque ns, na escurido, ignorvamos.
Fomos encontr-lo em ti, cidade destruda,na paz de tuas ruas mortas mas no conformadas,no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,na tua fria vontade de resistir.
Saber que resistes.Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.Que quando abrimos o jornal pela manh teu nome (em ouro oculto) estar firmeno alto da pgina.Ter custado milhares de homens, tanques e avies, mas valeu a pena.Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeas, nossas prevenes e nossos confusos pensamentos distantesd um enorme alento alma desesperadae ao corao que duvida.
Stalingrado, miservel monte de escombros, entretanto resplandecente!As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silncio.Dbeis em face do teu pavoroso poder,mesquinhas no seu esplendor de mrmores salvos e rios no profanados,as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,aprendem contigo o gesto de fogo.Tambm elas podem esperar.
Stalingrado, quantas esperanas!
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Que flores, que cristais e msicas o teu nome nos derrama!Que felicidade brota de tuas casas!De umas apenas resta a escada cheia de corpos;de outras o cano de gs, a torneira, uma bacia de criana.No h mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fbricas,
todos morreram, estropiaram-se, os ltimos defendem pedaos negros de parede,mas a vida em ti prodigiosa e pulula como insetos ao sol, minha louca Stalingrado!
A tamanha distncia procuro, indago, cheiro destroos sangrentos,apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,caminho solitariamente em tuas ruas onde h mos soltas e relgios partidos,sinto-te como uma criatura humana, e que s tu, Stalingrado, seno isto?Uma criatura que no quer morrer e combate,contra o cu, a gua, o metal, a criatura combate,contra milhes de braos e engenhos mecnicos a criatura combate,contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,e vence.
As cidades podem vencer, Stalingrado!Penso na vitria das cidades, que por enquanto apenas uma fumaa subindo doVolga.Penso no colar de cidades, que se amaro e se defendero contra tudo.Em teu cho calcinado onde apodrecem cadveres,a grande Cidade de amanh erguer a sua Ordem.
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Viso 1944
Meus olhos so pequenos para vera massa de silncio concentradapor sobre a onda severa, piso ocenico
esperando a passagem dos soldados.
Meus olhos so pequenos para verluzir na sombra a foice da invasoe os olhos no relgio, fascinados,ou as unhas brotando em dedos frios.
Meus olhos so pequenos para vero general com seu capote cinzaescolhendo no mapa uma cidade
que amanh ser p e pus no arame.Meus olhos so pequenos para vera bateria de rdio prevenindovultos a rastejar na praia obscuraaonde chegam pedaos de navios.
Meus olhos so pequenos para vero transporte de caixas de comida,de roupas, de remdios, de bandagenspara um porto da Itlia onde se morre.
Meus olhos so pequenos para vero corpo pegajento das mulheresque foram lindas, beijo canceladona produo de tanques e granadas.
Meus olhos so pequenos para vera distncia da casa na Alemanhaa uma ponte na Rssia,onde retratos, cartas, dedos de p boiam em sangue.
Meus olhos so pequenos para veruma casa sem fogo e sem janelasem meninos em roda, sem talher,sem cadeira, lampio, catre, assoalho.
Meus olhos so pequenos para veros milhares de casas invisveisna plancie de neve onde se erguiauma cidade, o amor e uma cano.
Meus olhos so pequenos para veras fbricas tiradas do lugar,
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levadas para longe, num tapete,funcionando com fria e com carinho.
Meus olhos so pequenos para verna blusa do aviador esse boto
que balana no corpo, fita o espelhoe se desfolhar no cu de outono.
Meus olhos so pequenos para vero deslizar do peixe sob as minas,e sua convivncia silenciosacom os que afundam, corpos repartidos.
Meus olhos so pequenos para veros coqueiros rasgados e tombadosentre latas, na areia, entre formigasincompreensivas, feias e vorazes.
Meus olhos so pequenos para vera fila de judeus de roupa negra,de barba negra, prontos a seguirpara perto do muro - e o muro branco.
Meus olhos so pequenos para veressa fila de carne em qualquer parte,de querosene, sal ou de esperana
que fugiu dos mercados deste tempo.
Meus olhos so pequenos para vera gente do Par e de Quebecsem notcias dos seus e perguntandoao sonho, aos passarinhos, s ciganas.
Meus olhos so pequenos para vertodos os mortos, todos os feridos,e este sinal no queixo de uma velhaque no pde esperar a voz dos sinos.
Meus olhos so pequenos para verpases mutilados como troncos,proibidos de viver, mas em que a vidalateja subterrnea e vingadora.
Meus olhos so pequenos para veras mos que se ho de erguer, os gritos roucos,os rios desatados, e os poderesilimitados mais que todo exrcito.
Meus olhos so pequenos para ver
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toda essa fora aguda e martelante,a rebentar do cho e das vidraas,ou do ar, das ruas cheias e dos becos.
Meus olhos so pequenos para ver
tudo que uma hora tem, quando madura,tudo que cabe em ti, na tua palma, povo! que no mundo te dispersas.
Meus olhos so pequenos para veratrs da guerra, atrs de outras derrotas,esta imagem calada, que se aviva,que ganha em cor, em forma e profuso.
Meus olhos so pequenos para vertuas sonhadas ruas, teus objetos,e uma ordem consentida (puro canto,vai pastoreando sonos e trabalhos).
Meus olhos so pequenos para veresta mensagem franca pelos mares,entre coisas outroras envilecidase agora a todos, todas ofertadas.
Meus olhos so pequenos para vero mundo que se esvai em sujo e sangue,
outro mundo que brota, qual nelumbo- mas veem, pasmam, baixam deslumbrados.
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Ceclia Meireles (1901 1964)
Uma das principais poetas da lngua portuguesa, a carioca da Tijuca CecliaMeireles era filha de aorianos. Tambm professora, pintora e jornalista, oseventos da Segunda Guerra no passaram despercebidos diante de Ceclia. Opoema Guerra(1945) e o livro Pistia Cemitrio Militar Brasileiro,embora tardio(1955) so provas cabais disto.
Guerra
Tanto o sangueque os rios desistem de seu ritmo,e o oceano delirae rejeita as espumas vermelhas.
Tanto o sangueque at a lua se levanta horrvel,e erra nos lugares serenos,sonmbula de aurolas rubras,com o fogo do inferno em suas madeixas.
Tanta a morteque nem os rostos se conhecem, lado a lado,e os pedaos de corpo esto por ali como tbuas sem uso.
Oh, os dedos com alianas perdidos na lama...Os olhos que j no pestanejam com a poeira...As bocas de recados perdidos...O corao dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...
Tanta a morteque s as almas formariam colunas,as almas desprendidas... e alcanariam as estrelas.
E as mquinas de entranhas abertas,
e os cadveres ainda armados,e a terra com suas flores ardendo,e os rios espavoridos como tigres, com suas mculas,e este mar desvairado de incndios e nufragos,e a lua alucinada de seu testemunho,e ns e vs, imunes,chorando, apenas, sobre fotografias,tudo um natural armar e desarmar de andaimesentre tempos vagarosos,sonhando arquiteturas.
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Pistia - Cemitrio Militar Brasileiro
Eles vieram felizes, comopara grandes jogos atlticos,com um largo sorriso no rosto,
com forte esperana no peito,- porque eram jovens e eram belos.
Marte, porm soprava fogopor estes campos e estes ares.E agora esto na calma terra,sob estas cruzes e estas flores,cercados por montanhas suaves.
So como um grupo de meninosnum dormitrio sossegado,
com lenis de nuvens imensas,e um longo sono sem suspiros,de profundssimo cansao.
Suas armas foram partidasao mesmo tempo que seu corpo.E, se acaso sua alma existe,com melancolia recordao entusiasmo de cada morto.
Este cemitrio to puro
um dormitrio de meninos:e as mes de muito longe chamam,entre as mil cortinas do tempocheias de lgrimas, seus filhos.
Chamam por seus nomes, escritosnas placas destas cruzes brancas.Mas, com seus ouvidos quebrados,com seus lbios gastos de morte,que ho de responder estas crianas?
E as mes esperam que ainda acordem,como foram, fortes e belos,depois deste rude exerccio,desta metralha e deste sangue,destes falsos jogos atlticos.
Entretanto, cu, terra, flores, tudo horizontal silncio.O que foi chaga, seiva e aroma,- do que foi sonho no se sabee a dor vai longe, no vento...
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Murilo Mendes (Brasil 1901 1975)
O mineiro Murilo Mendes um dos ilustres cavalheiros da segunda gerao doModernismo brasileiro, gerao de ouro que legou poesia brasileira nomes donaipe de Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidte outros. Seu livro Poesia Liberdade (1947) rene trabalhos escritos durante operodo da Segunda Guerra, onde o autor d azo a seu lirismo que, mesmo tendobebido da fonte surrealista, desdobra-se em sua preocupao social diante dasmazelas e incertezas do perodo.
Poema Presente
O cu pbere e profundoAjunta nuvens de fogo
tendncia dos homens, inquietante:E um pensamento de guerraAnula o que poderia virDa gua, da rosa, da borboleta.
Vergis tranquilosDisfaram espadas.
Sombras pedindo corposEsperam desde o dilvioO sopro de um puro esprito.Separam a luz da luz.
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Tempos Duros
A aurora desce a viseira:O monumento ao deserdado desconhecidoAcorda coberto de sangue.
O mar furioso devolve praiaAlianas de casamento dos torpedeadosE a fotografia de um assassino,Aos cinco anos inocente num velocpede.
Algum parte o po dos pssaros.O ar espesso entre os sinosEmpurra o espanto das rvores.
Longas filas de homens e crianasCaminham pelas mornas avenidasEm busca de rao de sal, azeite e dio.
E a morte vem recolherA parte de lucidezQue durante tanto tempoEscondera sob os vus.
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Vincius de Moraes (Brasil 1913 1980)
O carioca Vincius de Moraes, arqutipo do bomio, construiu sua carreira literriaatravs da poesia, teatro e prosa, destacando-se como um de nossos maioressonetistas. O poema A Rosa de Hiroshima, que virou cano musicada por GersonConrad em 1974, foi publicado em 1954 no livro Antologia Potica, livro quetambm trazia os poemas Balada dos mortos dos campos de concentrao e Abomba atmica, de temticas relacionadas Guerra.
A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianasMudas telepticasPensem nas meninas
Cegas inexatasPensem nas mulheresRotas alteradasPensem nas feridasComo rosas clidasMas oh no se esqueamDa rosa da rosaDa rosa de HiroshimaA rosa hereditriaA rosa radioativa
Estpida e invlidaA rosa com cirroseA anti-rosa atmicaSem cor sem perfumeSem rosa sem nada
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Balada dos mortos dos campos de concentrao
Cadveres de NordhausenErla, Belsen e Buchenwald!Ocos, flcidos cadveres
Como espantalhos, largadosNa sementeira espectralDos ermos campos estreisDe Buchenwald e Dachau.Cadveres necrosadosAmontoados no choEsqulidos enlaadosEm beijos estupefatosComo ascetas sideradosEm presena da viso.Cadveres putrefatosOs magros braos em cruzEm vossas faces hediondasH sorrisos de giocondasE em vossos corpos, a luzQue da treva cria a aurora.Cadveres fluorescentesDesenraizados do pQue emoo no d-me o ver-vosEm vosso xtase sem nervosEm vossa prece to-s
Grandes, gticos cadveres!Ah, doces mortos atnitosQuebrados a torniqueteVossas louras manicurasArrancaram-vos as unhasNo requinte de torturaDa ltima toalete...A vs vos tiraram a casaA vs vos tiraram o nomeFostes marcados a brasaDepois vos mataram de fome!Vossas peles afrouxadasSobre os esqueletos do-meA impresso que reis tambores -Os instrumentos do Monstro -Desfibrados a pancada: mortos de percusso!Cadveres de NordhausenErla, Belsen e Buchenwald!Vs sois o hmus da terraDe onde a rvore do castigo
Dar madeira ao patbulo
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E de onde os frutos da pazTombaro no cho da guerra!
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Pablo Neruda (Chile 1904 1973)
O chileno e Nobel de Literatura (1971) Neftal Ricardo Reyes Basoalto, conhecidouniversalmente como Pablo Neruda, um daqueles poetas que dispensamapresentaes. Homem de esquerda e eterno engajado, Neruda somou foras naGuerra Civil Espanhola ao lado dos republicanos, sendo por isso destitudo de seucargo de cnsul chileno em Madrid. Em 1943 Neruda retorna ao Chile. O livroTerceira Residncia (1947) rene algumas de suas impresses poticas acerca daSegunda Guerra Mundial, como este Novo Canto de Amor a Stalingrado.
Novo Canto de Amor a Stalingrado
Escrevi sobre a gua e sobre o tempo,descrevi o luto e seu metal acobreado,
escrevi sobre o cu e a ma,agora escrevo sobre Stalingrado.
As noivas j guardam no seu lenoraios de meu amor enamorado,meu corao agora est no solo,na fumaa e na luz de Stalingrado.
J toquei com as mos a camisado crepsculo azul e derrotado:agora toco a prpria luz da vidanascendo com o sol de Stalingrado.
Sinto que o velho-jovem transitriode pluma, como os cisnes adornado,despe a roupagem de seu mal notriopor meu grito de amor a Stalingrado.
Ponho minhalma onde quero.E no me nutro de papel cansadotemperado de tinta e de tinteiro.
Nasci para cantar a Stalingrado.
Minha voz esteve com teus inmeros mortoscontra teus prprios muros esmagados,minha voz soou como o sino e o ventovendo-te morrer, Stalingrado.
Agora americanos combatentesbrancos e escuros como a rom,matam no deserto a serpente.J no ests a ss, Stalingrado.
Frana volta s velhas barricadas
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com pavilho de fria hasteadosobre as lgrimas recm derramadas.J no ests a ss, Stalingrado.
E os grandes lees da Inglaterra
voando sobre o mar de furacescravam as garras na parda terra.J no ests a ss, Stalingrado.
Hoje abaixo de suas montanhas de escarmentono esto apenas os teus enterrados:tremendo est a carne de teus mortosque tocaram tua frente, Stalingrado.
Teu ao azul de orgulho construdo,seu cabelo de planetas coroados,teu baluarte de pes divididos,tua fronteira sombria, Stalingrado.
Tua Ptria de louros e martrios,o sangue no teu esplendor nevado,o olhar de Stalin sobre a nevetingida com teu sangue, Stalingrado.
As condecoraes que teus mortoscolocaram sobre o peito transpassado
da terra, o estremecimentoda morte e da vida, Stalingrado.
O sal profundo que de novo trazao corao do homem estremecidocom a rama de vermelhos capitessados de teu sangue, Stalingrado.
A esperana que se rompe em seus jardinscomo a flor da rvore esperada,a pgina gravada de fuzis,as letras de sua luz, Stalingrado.
A torre que concebes nas alturas,os altares de pedra ensanguentados,os defensores de tua idade madura,os filhos de tua pele, Stalingrado.
As guias ardentes de tuas pedras,os metais por tua alma amamentados,os adeus de lgrimas imensas
e as ondas de amor, Stalingrado.
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Os ossos dos assassinos feridos,os invasores de plpebras fechadase os conquistadores fugitivosatrs de sua centelha, Stalingrado.
Os que humilharam a curva do Arcoe as guas do Sena transpuseramcom o consentimento do escravo,se detiveram em Stalingrado.
Os que a bela Praga sobre lgrimas,sobre o emudecido e o trado,passaram pisoteando suas feridas,morreram em Stalingrado.
Os que na gruta grega esculpirama estalactite de cristal quebradoem seu clssico azul escasso,agora onde esto, Stalingrado?
Os que a Espanha incediaram e dividiramdeixando o corao encarceradodessa me de ensinos e guerreiros,se puseram a seus ps, Stalingrado.
Os que na Holanda, gua e tulipas
salpicaram no lodo ensanguentadoe derramaram o aoite e a espada,agora dormem em Stalingrado.
Os que na branca noite da NoruegaUm uivo de chacal soltaramincendiando esta gelada primavera,emudeceram em Stalingrado.
Horror a ti pelo que o ar traz,o que se h de cantar e o cantado,horror por tuas mes e teus filhose teus netos, Stalingrado.Horror ao combatente da nvoa,horror ao comissrio e ao soldado,horror ao cu por traz da tua lua,horror ao sol de Stalingrado.
Guarda-me um pedao de violenta espuma,guarda-me um rifle, guarda-me um arado,e que o coloquem em minha sepultura
com uma espiga vermelha de teu estado,para que saibam, se h alguma dvida,
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que morri amando-te e que me tens amado,e se no estive combatendo em tua cinturadeixo em tua honra esta granada escura,este canto de amor a Stalingrado.
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Ivan Goran Kovacic (Crocia 1913 1943)
O poeta e escritor croata Ivan Goran Kovacic foi morto durante a Segunda Guerra,quando da ocupao nazista de seu pas (ento parte da Iugoslvia), ocupao estaque estabeleceu o estado-ttere da Crocia Independente (1941-1944). Deixou umtestamento: o poema pico Fosso(Jama, publicado em 1944), em dez cantos, ondeo poeta narra o extermnio sistemtico de judeus, srvios e outras minoriasdurante o perodo de ocupao.
Fosso
Traduo de Aleksandar Jovanocic
Canto VII (fragmento)
Calo-me S entre gelados corposGelidez mortal sobre as costas membrosSe enrola Ardentes no frio dos mortosSedentos lnguas faringes lbiosGelo de morte calado O infernoQueima Nenhum grito se externa
E essa terrvel carga que em mim pesaNem ao frio da morte causa invejaNas gargantas frias e se retesaQuase eu gritei gua aqui rumorejaOuo que acima dos corpos me invadeUm jato frio que arde arde arde
Sobre a pele nua sobre o meu dorsoSobre o tronco o peito as coxas o abdomeRio de gelo chama viva no cursoDeixa e afunda na carne com ardumeQuando na boca o jato frio respingaCal virgem escorre-me sobre a lngua
O fosso est cheio Banham os mortosCom cal vivos defendem do cheiroSou-lhes grato Com perdo os inertesNos aquecem em sua chama... severosDefuntos e eu calo saltam nus algoComo peixes que o cozinheiro salga
Esse ltimo tremor do morto nervoNele que eu nado na estranha tremuraEsses meus assassinos eu absolvoVejam o corpo que me cerca estertora
Uma velha me afaga com mos friasPois sabe que no me deixa a penria
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Canto X (fragmento)
O cheiro de incndio trouxe at mim o ventoAssim de um s golpe de minha aldeia em chamasCheiro de que brotam todos os meus mementos
Bodas e colheitas festanas e carroasOs sepultamentos lamentos e bebedeirasO que planta a vida o que a morte ceifa
Onde est a sorte o brilho das vidraasNinhos de andorinhas o hlito do pomarOnde est o bater do bero que balanaDa casa a dourada soleira luz do sol
Onde est o aroma de po e o ranger da mVida domstica que ressoa em fainaOnde est a janela com um recorte do cuSagrada soleira porta que soa mansa
Onde esto os sinos das reses no estbuloQue atravs do velho cho da lonjura penetramNos sonhos enquanto as estrelas num puloAcendem sculos de paz sobre a aldeia e a terra
No se ouve choro algum Riso Maldio CanoA lua que viaja sobre a fogueira brilha
As fontes nos vales distantes j se calamO cadver de um co enegrece na trilha
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Vladimir Nazor (Crocia 1876 1949)
Escritor e poeta, Nazor foi figura relevante do Modernismo iugoslavo. Mesmo com67 anos durante a Segunda Guerra, o escritor engajou-se na resistncia contra aocupao nazista e o estado-ttere da Crocia Independente. Em 1944 publicou olivro Canes dos Partizani.
Me Ortodoxa
Traduo de Aleksandar Jovanocic
Com as mos e os olhos escavas esta terraEm busca do bero, do cone de So Jorge,Choras junto cova coberta de fuligem,
Queres o bordado que a fumaa soterra- lar enlutado -
Tu, galho quebrado, pobre entre as mulheres,me ortodoxa.
Com os ps cansados, hirtos, que no se aguentam,Saste procura de tua vaca leiteira,Nutriz das crianas e velhos. Mas sem eiraNem beira lobos ou selva negra retinta
- ps doloridos -Escondem. No sofre, ningum quer queijo ou leite,
me ortodoxa.
Choraste o destino de teu fiel companheiro,Surrado como um co, alvejado nas costas,Torturado ou ento atirado em masmorras.Corao ardente, firme, duro e altaneiro
- viajor amigo -Voltou mutilado, morreu em teu regao,
me ortodoxa.
Junto s cinzas de tua casa jazem os filhos,Garganta cortada, chamam pela me, choramJunto de seus avs e na vala estertoramCom medo da cova mida. E teus lbios
- cova maldita -O silncio cerra com trevas e umidade,
me ortodoxa.
No afoga tua dor, infeliz, retesada,Sombria. Deixa que tua mgoa pelo mundoDurante sculos ecoe, antiga, funda.
Que ouam tuas lembranas. Silenciosa, plida,- que dor profunda -
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Agora coberta de aurola de martrio,me ortodoxa.
(Numa aldeia srvia incendiada junto a Vrginmost, janeiro de 1943)
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Archibald MacLeish (EUA 1892 1982)
Durante a Primeira Guerra Mundial foi motorista de ambulncia, como seu amigoHemingway e outros escritores norte-americanos, passando depois para aartilharia, aonde chegou a capito. Durante a II Guerra trabalhava como diretor daBiblioteca do Congresso Americano, e ocupou cargos tambm no Departamento deGuerra. Ajudou a formar a clula de pesquisa e informao do que viria a ser a CIA(Central Inteligence Service). Macleish ganhou trs prmios Pulitzer por sua obra. Opoema aqui publicado saiu em livro em 1943.
Colquio Entre os Estados
Traduo de Emlio Carrera Guerra
H falatrio por a diz Illinois.H mesmo diz Iowa.Falatrio no vento leste diz Illinois.Falatrio sobre o que? diz Dakota diz Kansas diz Arkansas.No consigo atinar: longe muito ao leste diz Michigan.
A leste dos galos diz Indiana.A leste dos
Cantos matinais dos galos diz Ohio.A leste diz York.
Mais a leste diz Connecticut: a leste.
Ainda a leste daqui diz Massachussetts. a leste do Quoddy diz Maine mas estou ouvindo.
Ouveso que? diz Texas.
O que que ouves? diz Virgnia.No estou bem certo diz Maine. H ressaca nos recifes.O gelo se acumulou nos caldeires de Penobscot.Presta ateno diz Oregon.
Limpa os ouvidos diz Kentucky.
No percebo bem diz Maine. H muita cerrao.Sinos em Old Orchard. Trompas em Ogunquit.Presta ateno diz Mississipi.
Tenta ouvir diz Texas.Inclina o ouvido a sotavento diz Massachussetts.Falam alto diz Maine. uma falao Grande como um bezerro na cerrao.
Explica isso diz Arkansas. fala suja diz Maine. pura prosa.Falam mal de que? diz Nebraska.
Mal de ns.O que falam de ns? diz Kentucky diz Texas diz Idaho.
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Acho que no gostam de ns diz Maine.Vamos
conta diz Connecticut.Peo-te diz New Hampshire.
Falam que temos maus costumes diz Maine.
Isso mesmodiz Kansas.
Passa pro meu lugar diz Michigan. de nossa maneira de casar diz Maine. No escolhemos.Mal nos topamos j nos misturamos. Casamo-nosCom as irlandesas atraentes e sapecas.Casamo-nos com as espanholas de olhos noturnos.Casamo-nos com as inglesas de ar sarapantado.Casamo-nos com as louras suecas; com as italianas trigueiras;Com as alems de joelhos grossos; com as mexicanasMagras ao sol com seus penduricalhos sonoros;Com as chilenas para ter sorte; com as judias por lembrana; com as escocesasAltas como um homem prateadas como um salmo;Com as francesas de habilidosos dedos e longos amores.Falam que nos casamos com muita gente diz Maine; muito variada.Dizem que temos sangue ruim; que somos mestios.
isso que dizem diz Texas.
isso que esto dizendo.
O que pem eles na sopa diz Arkansas; o que costumam comer?O que que tanto os apoquenta? diz Maryland.
Ser que no so homens?No podem fazer a coisa com estrangeiros? diz Alabama.
Sero tmidos? diz Missouri.
Ou o que? diz Montana.
Ouo falaremque so raa pura diz Maine; que so um povo superior.
J viram eles nossos filhos? diz York; nossas mocetonasDe peito elegante e pequeno como o das egpciasDe pernas longas e canelas delicadasDe pulsos flexveis e finos, da grossura de trs dedos O jeito como elas andam mundo afora com seus delgados calcanhares?Pode-se distingui-las em qualquer parte; mostr-las em qualquer pasPelo porte da cabea e pelo torneio dos calcanhares quando andam;A cabea, a mais erecta: a mo, menor de todas.
J disputaram corrida com os nossos rapazes, diz Michigan ligeiros como cobras?No gatilho, rpidos como a codorniz; incansveis andarilhos;
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Latages vigilantes no comando; comandados audazes;Bom flego na reta de chegada. J os derrotaram?
Ouo que no diz Maine. Dizem que somosMestios; eles no vo conosco.
no ? diz Kansas.J viram eles nossas cidades? diz Kansas; nosso trigo;Nossos trens de carga nas Montanhas Rochosas;Nossas estradas de quatro pistas; nossos aviesPrateando sobre os Alleghenys, sobre os LagosSobre a floresta enorme, as altas espigas, os cavalos Prateando sobre o lenol de neve; sobre a ressaca?J viram eles nossas fazendas, diz Kansas, e quem as lavra?J viram nossas cidades, diz Kansas, e quem as planeja?J viram nossos homens? diz Kansas.
No ouo bem:Ouo que temos sangue ruim diz Maine. o que esto dizendo.
Quem diz, diz Missouri: quem est dizendo isso?
Donde vem, diz Montana: donde ?
Donde? quem? diz Georgia.
No consigo atinar.Direo leste: leste do Reno talvez.O vento est virando diz Maine. No posso atinar.
Leste do Reno: isso mesmo diz Montana.
Os puros-sangues da margem do Reno diz Carolina.O sangue que deixamos para trs diz Wisconsin.O sangue que deixamos para trs quando partimos;O sangue temeroso de viagens diz Nevada.O sangue temeroso de mudanas diz Kentucky.O sangue temeroso de estrangeiros diz Vermont: -Sejam estrelas ou mulheres; das duas coisas.O sangue que nunca suspirou por outro estranho: -Por um escuro, diz Dakota, de estranhos cabelos.
Ficou em casa e casou-se com parentes diz Missouri.Casou-se com primos que se pareciam com a me dele diz Michigan.E tudo; leste do Reno diz Wisconsin.Sim tudo diz Arkansas; isso tudo Tudo, para os rapazes de puro sangue temerosos de estrangeiros.
Ressaca nos recifes diz Maine; gelo em Penobscot...
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H falatrio diz Iowa.Falatrio diz Illinois.
Sinos em Old Orchard; sinos em Ogunquit...Rumor de espigas ao vento diz Illinois.
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Dudley Randall (EUA 1914 2000)
O afro-americano Dudley Randall foi poeta e importante editor, pautando sua obrapotica pela causa negra e publicando diversos grandes autores afro-americanos.Durante a Segunda Guerra, serviu no Exrcito, experincia que o inspirou aescrever poemas tais como esses Epitfios do Pacfico.
Epitfios do Pacfico
Traduo de Matheus Mavericco"
RABAUL.
Em Rabaul morri
Pela democracia.Melhor era cairNo Mississipi.
**
PALAWAN.
Sempre pacfico,Me enfiei entreO amiguinho de revlverE o de metralhadora.
**
NEW GEORGIA.
Eu amo meu lar.O jeito me calar.
**
NEW GUINEA.
A linguinha do mosquitoLeu uma historinha pra mim.
**
TARAWA.
Diga a eles que esta praia
Guarda parte do Brooklyn.**
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IWO JIMA.
Como leo texano, meu sangue jorrando.
**
ESPIRITU SANTU.
Odiei armas,Vendedor de armasQue no se armava.
**
LUZON.
Esplndidos contra a noiteOs holofotes, pegadas,O fogo rubro das bombasEnchendo o olharE os miolos.
**
BOUGAINVILLE.
ProjtilNa cavidade abdominal.ngulo: trinta e cinco graus.Penetrou apars pyrolica.Desviada, pelo sternum.Perfurou a auricula dextra.Ferrou minha carreira mdica.
**
VELLA VELLA.
Esta corda estrupiadaE essa da, estuprada.
**
BORNEO.
Kil-
RoyAqui.
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John Ciardi (EUA 1916 1986)
Natural de Boston, o descendente de italianos John Ciardi foi poeta, escritor,crtico, editor e tradutor. Durante a guerra serviu na fora area, tornando-seartilheiro em um avio B-29. Suas experincias no conflito geraram o livro depoemas de guerra Other Skies(1947). O tema da guerra continuou a repercutir emtoda a sua obra, como se v neste poema aqui publicado. Em 1988 publicou-sepostumamente seu dirio de guerra, Saipan.
O Dom
Traduo de Sammis Reachers
Em 1945, quando os guardas gritaram kaput
Josef Stein, poeta, saiu de Dachaumetade como numa ressurreio, embora sua outra metadee 80 libras ainda continuem na sua sepultura invisvel.
Ento, lentamente, abriu a boca e primeiroum caldo, e depois uma medicao, e depoisuma dieta, e com o tempo e a entrelaada compaixoossos expostos foram enterrados de novo em carne,
e o milagre foi concludo. Josef Stein,homem e poeta, levantou-se, caminhou, e at poderiagerar, e o fez, e mais tarde morreu de outras causasapenas parcialmente tributveis sua primeira morte.
Ele observou - com alguma surpresa no incio -que estranhos no poderiam dizer que ele havia morrido uma vez.Ele voltou ao seu posto na biblioteca, bebeu sua cerveja,publicou trs poemas em uma revista francesa,
e foi muito gentil para o filho que finalmente era dele.No decorrer de uma noite escreveu trs proposies:
Que o inferno a negao do comum. Que nada dura.Que papel branco e limpo esperando debaixo de uma caneta
um dom alm da histria e da mgoa e do cu.
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Karl Shapiro (EUA 1913 2000)
Karl Shapiro teve seu livro V-Letter e outros poemaspublicado nos EUA enquantoainda servia como soldado no teatro do Pacfico. O livro ganhou o Prmio Pulitzerde Poesia em 1945. Ao retornar da Guerra, foi eleito Poeta Laureado pelaBiblioteca do Congresso em 46 e 47. Desenvolveu slida carreira como poeta,professor e editor de poesia.
Trem de Tropas
Traduo de Sammis Reachers e Jorge Pinheiro
nossa passagem a cidade se detm. Os trabalhadoresLevantam seus braos untados e nos sadam e sorriem.
As crianas gritam como no circo. Os homens de negciosObservam-nos esperanosos e prosseguem seu caminho medido.E h mulheres de p na porta estupefata de suas casasQue se movem mais suavemente e parecem pedir nosso regresso,como se uma lgrima que cegara o curso da guerraPudesse dissolver de uma vez nosso ao em seu doce desejo.
Fruto do mundo, ai, todos agrupadospendurados como de uma cornucpiaem total camaradagem, com as caras amontoadasPara pulverizar a cidade com assobios e olhares lascivos.
Uma garrafa se rompe nos postese uns olhos se fixam na rosa sorridente de uma dama,Esticados como um elstico e estalam e beliscama boca desejosa do sabor de um beijo.
E atravs de horrveis continentes e dias,nos arrastamos decididos, sujos e ligeiramente bbados,os bons maus rapazes de circunstncia e azar,cujos capacetes como cubos golpeiam a parede nuade onde se retorcem os cadveres de nossas mochilas
ao lado dos fuzis que s se parecem consigo mesmos.E a distncia se encolhe como um cinto apertado aperta o ombro e o mantm firme.
Eis um baralho de cartas; voc que reparte,d-me sorte, um par de touros,a sorte do novato, o valete zarolhoOuros e copas so vermelhos, mas as espadas so negras e espadas so espadase paus so trevos-negrosMas saque-me trunfos, recordaes de paz. Isso exige razo e aritmtica,a sorte tambm viaja e nem todos regressam
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Os trens levam aos barcos e os barcos morte ou aos trens, e os trens morte ouaos caminhes, e os caminhes morte, ou os caminhes conduzem marcha, amarcha morte ou a sobrevivncia que nossa nica esperana;e a morte nos devolve aos caminhes e aos trens e aos barcos, porm a vida leva marcha, oh bandeira!, finalmente
o lugar da vida encontrado depois dos trens e da morte -Brilhante anoitecer das naes depois da guerra.
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Randall Jarell (EUA 1914 1965)
O poeta, escritor e crtico literrio Randall Jarell nasceu em Nashville, Tennessee.Em 1942 deixou a faculdade para juntar-se Fora Area. Jarell tornou-se
operador de torres de artilharia em avies como o B-17 e o B-24, funo que eleconsiderava profundamente potica. O pequeno poema abaixo faz referncia aesse fato, e possivelmente o mais famoso poema de guerra americano do perododa SGM. Suas experincias de guerra redundaram em dois livros: Little Friend,Little Friend(1945) e Losses(1948).
A Morte do Artilheiro da Torre Giratria
Traduo de Pedro Mexia
Do sono de minha me aterrei no Estadoe agachei-me no seu ventre at que o meu casaco molhado congelou.Seis milhas acima da terra, desprendido do seu sonho de vida,acordei com a tenebrosa artilharia e com os caas de pesadelo.Quando morri, os meus pedaos foram lavados da torre com uma mangueira.
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Stanley Kunitz (EUA 1905 2006)
Stanley Kunitz nasceu em Worcester, Massachussetts, descendente de judeuslituanos. Em 1943 foi convocado pelo Exrcito Americano. Objetor de conscincia,serviu como no-combatente em Washington. Em 1944 publica seu livroPassaporte para a Guerra. Vencedor do Pulitzer em 1959, o poeta foi duas vezeseleito Poeta Laureado pela Biblioteca do Congresso Americano.
Consideraes Junto a Uma Caixa de Correio
Traduo de Zulmira Ribeiro Tavares
Quando eu me coloco no centroda loucura daquele homem,
Profundamente em seu trauma, como no fossode uma chaga,
Meus ancestrais afastam-se de meus ossosAmericanos.
L est minha me num xale tranado, el,
Sem dvida, meu pai apanhando o seu fardoPara a viagem de volta atravs daqueles
terrveis anosRumo ao inverno do olhar em clera.Nossa gerao se foi, h dois dias
por avio,Minha casa esbulhada, meus amigos
dispersos,Meus dentes e orgulho golpeados, meu
povo jogueteDos caadores da humana pele nas
pocilgas da Europa,As incrveis criaturas de um
histrico sonhoAvanando com machadinhas enterradas
em seus crniosPara arrancarem o deus s mquinas.
Sero estes os cidados do novoestado
Ao qual os escolhos do continenteaspiram;
Ou a poderosa linhagem de uma gerao morte, corrupta
e untada de flama, com fluido em seuslbios,
como se houvesse sido uma almaentregue ao petrleo?
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Como iremos ns no criar estaenergia ilegtima?
Agora espero sob a cicuta beira
da estradaPelo carteiro ruivo com a
sorridente moQue me ir trazer o passaporte para a guerra.Com familiaridade seu carro muda a marchaNa altura da curva; ele encosta no passeio
ao meu lado; o dia.Faz soar a sua metade; penso em Pavlov e nos seus
cesE na inscrio gravada na ampla
moldura do seu crebro:Sequncia, consequncia, e uma outra vez
consequncia.
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T. S. Eliot (EUA/Ingaterra 1888 1965)
Um dos maiores e mais influentes poetas do sculo XX, o modernista norte-americano (naturalizado ingls) Thomas Stearns Eliot recebeu o Prmio Nobel em1948. O trecho aqui publicado pertencente a quarta e ltima parte (LittleGidding) do poema Quatro Quartetos (que o prprio Eliot considerava sua obra-prima), e foi escrito em 1942. Nele, o poeta imagina um encontro com Dante nasruas e runas de uma cidade bombardeada. Eliot serviu como voluntrio civil numabrigada de antiataque areo, durante a Guerra. Little Gidding o nome de umaigreja anglicana localizada no distrito de Huntingdonshire, na Inglaterra.
Quatro Quartetos
Traduo de Ivan Junqueira
Little Gidding
II
A cinza sobre um velho toda a cinzaQue nos deixaram as rosas incendidas,A poeira no ar suspensa determinaO stio onde uma histria teve fim.A poeira aspirada era uma casa,
- A parede, o lambril e o rato escasso.A morte do esperar e do desesperar,Esta a morte do ar.
Inundao e seca desabrochamDentro da boca, sobre os olhos.gua morta e morta areia tentamLevar vantagem na contenda.O ressequido solo desventradoBoquiabre-se ante o vo trabalhoE ri sem alegria dessa guerra.
Esta a morte da terra.
A gua e o fogo sucederam vila, ao pasto, urze annima.A gua e o fogo escarneceramDo sacrifcio que repudiamos.A gua e o fogo escarvaroOs podres fundamentos que olvidamosDo santurio e de seu coro.
Esta a morte da gua e do fogo.
A uma hora incerta que antecede a aurora
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Vizinha ao trmino da noite interminvelNo recorrente fim do que jamais se findaAps o negro pombo de flamante lnguaPerder-se no horizonte de sua fugaEnquanto as folhas mortas se moviam
Vibrando ainda como lminas de zincoSobre o asfalto onde outro som nenhum se ouviaEntre trs bairros de onde a fumaa emergia,Algum notei que andava, trpego e apressado,Como se vindo a mim tal as folhas metlicasQue a brisa urbana da alvorada embala.E ao mergulhar naquele rosto cabisbaixoEsse pontiagudo olhar inquisidorCom que desafiamos o primeiro estranhoSurgido na penumbra agonizanteCaptei o olhar fugaz de algum extinto mestreA quem outrora houvesse conhecido,Esquecido, lembrado aps sem nitidez,Como a um s e a muitos de uma vez;Sob o castanho sazonado das feiesOs olhos de um complexo e familiar espectroA um tempo s distinto e incognoscvel.Gritei, cumprindo assim duplo papel,E uma outra voz ouvi bradar: O qu!Tu por aqui? Conquanto ali no estivssemos.Contudo eu era o mesmo, embora um outro fosse
- E ele um rosto ainda em formao;Mas bastaram as palavras para que aceitssemosO que j precedido elas haviam.E assim, obedientes ao vento comum,Demais estranhos para no nos entendermos,Concordes nesse instante de erma interseo,De em parte alguma estarmos, antes e depois,Em ronda morta o calamento percorremos.Disse-lhe ento: natural o espantoQue sinto, embora a naturalidadeSeja causa de espanto. Fala, pois: talvezEu no possa entender, ou recordar sequer.E ele: Noquero repetir o que esquecesteSobre meus pensamentos e doutrinas.Tais coisas j cumpriram seu destino: deixa-as.Faze o mesmo com as tuas, e roga aos outrosQue as perdoem, como te rogo que perdoesA maus e bons. Comido foi o frutoDa ltima estao, e a besta empanzinadaH-de atirar seus coices contra o cocho.Pois as palavras do ano findo s pertencem
linguagem do ano findo, e as palavrasDo ano prximo outra voz aguardam.
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Mas, assim como agora a estrada se abre limpaAo intranquilo e peregrino espritoEntre dois mundos que chegaram a parecerDemasiado iguais, assim descubro agoraPalavras que jamais pensei dizer
Em ruas que jamais pensei revisseQuando meu corpo abandonei sobre uma praia.Posto que nosso fim era a linguagem,E a linguagem desde sempre nos levaraA purificar o dialeto da triboE a instigar a mente para a antevisoE a ps-viso, deixa-me revelar as ddivas velhice reservadas, para que sejaCoroado o esforo de tua vida inteira.Primeiro, o enregelado atrito dos sentidosQue expiram sem magia e nada prometer,Seno a amarga insipidez de um fruto umbrosoQuando alma e corpo, espedaados, principiamA tombar cada qual para o seu lado.Segundo, a lcida impotncia do dioAnte a loucura humana, e a lacerao do risoPerante aquilo que cessou de divertir-nos.Enfim, a lacerante dor de reviverO que j concluste, e o que foste; a vergonhaDe motivos tarde apenas reveladosE a conscincia de todas as coisas mal feitas
Ou feitas simplesmente em prejuzo alheioQue antes tomaste por virtuosas prticas.Nesse momento que se arranca o aplausoDos tolos, e a honra se macula.Erro aps erro, o exasperado espritoProsseguir, se revigorado no forPor este fogo purificadorOnde mover-te deves como um bailarino.Raiava o dia. Na desfigurada ruaEle deixou-me, com uma esquiva despedida,E evaporou-se ao brnzeo som das trompas.
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Louis Aragon (Frana 1897 1982)
Poeta e romancista, Aragon destacou-se como membro do movimento surrealista,ao lado de Breton e luard. Durante a Guerra foi um ativo poeta da resistnciafrancesa, sendo membro do Partido Comunista. O poema aqui transcrito foipublicado originalmente em 1941, ano da invaso (e derrota) da Frana pelastropas de Hitler.
Os lilases e as rosas
Traduo de Marcela Vieira
Oh ms das floraes e das metamorfosesMaio que se foi sem nuvens e Junho apunhalado
Nunca esquecerei os lilases nem as rosasNem os que a primavera em suas copas guardou
Nunca esquecerei a iluso trgicaO cortejo os brados a multido e o solOs tanques de paixo as doaes da BlgicaO ar tremente e o rumo ao enxame de abelhasO triunfo imprudente que preza o conflitoO sangue que em carmim prefigura o beijoE os que envoltos de lilases por um povo brioDe p morrero nos torrees
Nunca esquecerei os jardins da FranaParecidos aos missais dos findados sculosNem a agitao das noites o enigma do silncioAs rosas ao longo do caminho percorridoA resistncia das flores ao vento do pnicoAos soldados que passavam numa onda de medos bicicletas delirantes aos irnicos canhes
deplorvel vestimenta dos falsos acampados
Mas no compreendo como esse turbilho de imagensConduzem-me sempre ao mesmo fadrio Santa Marta Um general Negras ramagensUma cidade normanda beira da mataTudo se cala O inimigo na sombra descansaNesta noite anunciaram a rendio de ParisNunca esquecerei os lilases nem as rosasE nem aqueles dois amores perdidos
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Buqus do primeiro dia lils lilases de FlandresBrandura da sombra cuja morte os rostos disfaraE vossos buqus da retirada suaves rosasCores de incndio distantes rosas de Anjou
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Paul luard (Frana 1895 1952)
Grande nome da poesia francesa do sculo XX, luard foi inicialmente dadasta, eposteriormente o poeta maior do surrealismo. Engajado na Resistncia Francesa
durante a Guerra, foi dos seus mais destacados poetas, ao lado de Louis Aragn,tendo escrito poemas como Liberdade aqui publicado, poema que circulavaclandestinamente entre os insurgentes e teve at mesmo cpias lanadas de aviesingleses, por toda a Frana.
Liberdade
Traduo de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade
Nos meus cadernos de escolaNesta carteira nas rvoresNas areias e na neveEscrevo teu nome
Em toda pgina lidaEm toda pgina brancaPedra sangue papel cinzaEscrevo teu nome
Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreirosE na coroa dos reisEscrevo teu nome
Nasjunglese no desertoNos ninhos e nas giestasNo cu da minha infnciaEscrevo teu nome
Nas maravilhas das noites
No po branco de cada diaNas estaes enlaadasEscrevo teu nome
Nos meus farrapos de azulNo tanque sol que mofouNo lago lua vivendoEscrevo teu nome
Nas campinas do horizonteNas asas dos passarinhos
E no moinho das sombrasEscrevo teu nome
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Em cada sopro de auroraNa gua do mar nos naviosNa serrania dementeEscrevo teu nome
At na espuma das nuvensNo suor das tempestadesNa chuva inspida e espessaEscrevo teu nome
Nas formas resplandecentesNos sinos das sete coresE na fsica verdadeEscrevo teu nome
Nas veredas acordadasE nos caminhos abertosNas praas que regurgitamEscrevo teu nome
Na lmpada que se acendeNa lmpada que se apagaEm minhas casas reunidasEscrevo teu nome
No fruto partido em doisde meu espelho e meu quartoNa cama concha vaziaEscrevo teu nome
Em meu co guloso e meigoEm suas orelhas fitasEm sua pata canhestraEscrevo teu nome
No trampolim desta portaNos objetos familiaresNa lngua do fogo puroEscrevo teu nome
Em toda carne possudaNa fronte de meus amigosEm cada mo que se estendeEscrevo teu nome
Na vidraa das surpresas
Nos lbios que esto atentosBem acima do silncio
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Escrevo teu nome
Em meus refgios destrudosEm meus faris desabadosNas paredes do meu tdio
Escrevo teu nome
Na ausncia sem mais desejosNa solido despojadaE nas escadas da morteEscrevo teu nome
Na sade recobradaNo perigo dissipadoNa esperana sem memriasEscrevo teu nome
E ao poder de uma palavraRecomeo minha vidaNasci pra te conhecerE te chamar
Liberdade
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Coragem
Traduo de Antnio Ramos Rosa
Paris tem frio Paris tem fomeParis j no come castanhas na ruaParis anda vestido de velhaParis dorme de p sem ar no metropolitanoAinda mais sofrimento imposto aos pobresE a sabedoria e a loucuraDe Paris infeliz o ar puro o fogo a beleza a bondadeDos seus trabalhadores famintosNo peas socorro Paris
Ests vivo com uma vida sem igualE por detrs da nudezDa tua palidez da tua magrezaTudo o que humano se revela nos teus olhosParis minha bela cidadeFina como uma agulha forte como uma espadaIngnua e sbiaTu no suportas a injustiaPara ti s existe a desordemVais liberta-te Paris
Paris bruxuleante como uma estrelaNossa esperana sobreviventeVais liberta-te da fadiga e da lamaIrmos tenhamos coragemNs que no usamos capacetesNem botas nem luvas nem somos bem educadosUm raio se acende em nossas veiasOs melhores de ns morreram por nsE eis que o sangue dos que morreram nos volta ao corao
E de novo a manh uma manh de ParisO extremo da libertaoO espao da Primavera que nasceA fora idiota est na m de baixoEstes escravos nossos inimigosSe compreenderemSe forem capazes de compreenderErguer-se-o.
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A Aurora Dissolve os Monstros
Traduo de Antnio Ramos Rosa
Ignoravam
que a beleza do homem maior do que o homem
Viviam para pensar pensavam para se calaremViviam para morrer eram inteisOcultavam a sua inocncia na morte
Tinham posto em ordemsob o nome de riquezasua misria sua bem-amada
Mastigavam flores e sorrisosS encontravam um corao na ponta das carabinas
No percebiam a injria dos pobresDos pobres amanh sem problemas
Sonhos sem sol tornavam-nos eternosMas para que a nuvem se transformasse em lamaDesciam deixavam de fazer frente ao cu
A noite do seu reino a sua morte a sua bela sombra misria
Misria para os outros
Esqueceremos estes inimigos indiferentesEm breve uma multidoRepetir baixinho a chama claraA chama para ns dois unicamente pacinciaPara ns dois em toda a parte o beijo dos vivos.
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Pierre Emmanuel (Frana 1916 1984)
Nol Mathieu, poeta e jornalista francs de inclinao crist, fez-se mais conhecidopelo seu pseudnimo, Pierre Emmanuel. Membro da Resistncia Francesa, durante
todo o perodo de Guerra publicou diversos trabalhos, sendo, ao lado de Char,Aragon e luard, uma das principais vozes poticas da Resistncia. No ps-guerraocupou diversos cargos de importncia, e veio a ocupar a cadeira nmero 4 daAcademia Francesa.
Dia de Clera
meus irmos nas prises vs estais livreslivres de olhos queimados de corpos acorrentadosde rosto esfacelado de lbios mutilados
sois aquelas rvores fortes e torturadasque crescem com mais fora depois que as podarame sobre todo o territrio do humano destinoo vosso olhar de homens verdadeiros ilimitadoo vosso silncio a terrvel paz do ter.
Mais alto que os tiranos enrouquecidos de mutismoest a nave silenciosa das vossas mosmais alto que a ordem irrisria dos tiranosest a ordem das nuvens e a vastido dos cusest a respirao dos montes to azuisesto os livres horizontes da oraoesto as vastas frontes que no vergamesto as rvores na liberdade da sua essnciaesto as messes infindveis do devire nos tiranos est uma angstia fatalque a tremenda liberdade de Deus.
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Ren Char (Frana 1907 1988)
O jovem Ren Char inicialmente foi um filiado ao surrealismo, ao lado de Breton eluard, tendo logo se afastado do movimento. Durante a Guerra, o poeta engaja-sena Resistncia, onde foi figura de destaque, adotando o codinome de CapitoAlexandre. Sua obra ento sofre um hiato, pois o autor recusa-se a publicardurante a Ocupao alem. Publicao que retomada ao fim do conflito, j entotendo sua obra profundamente marcada pelo mesmo.
Carta do 8 de Novembro*
Traduo de Margarida Vale de Gato
Os pregos no nosso peito, a cegueira transindo os nossos ossos, quem se oferece
para os subjugar? Pioneiros da velha igreja, afluncia do Cristo, ocupais menosespao na priso da nossa dor do que o rasto de um pssaro na cornija do ar. A f!O seu beijo afastou-se horrorizado deste novo calvrio. Como poderia o seu braoconservar desobstruda a nossa cabea, ele que vive, cerceado dos frutos do seuprximo, da caridade de uma fechadura inexata? O nojo supremo, aquele a quem aprpria morte recusa a sua ltima baforada, retira-se, disfarado de mestre.
A nossa casa h-de envelhecer apartada de ns, poupando a memria do nossoamor deitado intacto na trincheira da sua nica gratido.
Tribunal implcito, ciclone vulnerrio, to tarde nos entregas o alvo e a mesaonde a fome foi a primeira a entrar! Sou hoje semelhante a um co raivoso
acorrentado a uma rvore cheia de gargalhadas e de folhas.
*8 de Novembro de 1942, data do desembarque dos Aliados no Norte da frica,marcando a grande virada na histria da Resistncia Francesa (N.T.).
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Pobreza e Privilgio
Traduo de Y. K. Centeno
II
... No quero esquecer nunca que me obrigaram a ser por quanto tempo? ummonstro de justia e de intolerncia, um simplificador emparedado, umpersonagem rtico que se desinteressa do destino de todos aqueles que no se lheunem para abater os ces do inferno. As prises em massa de israelitas, as sessesde escalpe no comissariado, os raids terroristas dos polcias hitlerianos sobre asaldeias estarrecidas, levantam-me do cho, do ao cieiro do meu rosto umabofetada de ferro fundido vermelho. Que inverno! Paciento, quando durmo, numtmulo que os demnios enfeitam com punhais e tumores.
O humor j no me salva. O que me deprime, e a seguir me arranca a mimmesmo, que no interior da nao a que se cortou a crista por meio de correntesdiscordantes, seguidas de poderes grotescos e relativamente complacentes excetuando a represso da agitao operria e as cruis expedies coloniais,adaga que o dio de classes e a eterna cupidez enterram a espaos nalguma carnepreviamente excomungada possam ser to numerosos os indivduos pensantesque se entregam com galhardia esparrela do torcionrio e se alistam nas suaslegies. Nenhuma obra de exterminao dissimulou to mal os seus objetivos comoesta. No compreendo, e se compreendo, aquilo que descubro aterrador. Nestamedida o nosso globo no seria, hoje noite, mais do que a bola de um gritoimenso na garganta do infinito esquartejado. possvel e impossvel.
1943
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O Verdelho
Traduo de Y. K. Centeno
3 de Setembro de 1939*
O Verdelho entrou na capital da aurora.A espada do seu cntico trancou o triste leito.Tudo terminou para sempre.
De Ss Permanecem
*Neste dia, Frana, Inglaterra, Austrlia e Nova Zelndia declaram guerra Alemanha, quedois dias antes invadira a Polnia, dando incio Segunda Guerra (N.O.).
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Giorgos Seferis (Grcia 1900 1971)
Poeta grego vencedor do Prmio Nobel de 1963. O poema aqui publicado (datadode 1939) um prenuncio do que estava por vir, sobre a sua ptria e sobre toda aEuropa, nos anos imediatamente seguintes. Com a deflagrao da Segunda Guerra,ele acompanhou o governo grego no exlio por diversos pases, num tour quecomeou na ilha de Creta e terminou na Itlia. Ao fim da guerra tornou-sediplomata.
O LTIMO DIA
Traduo de Jos Paulo Paes
Era um dia nublado. Ningum decidia.
Soprava uma brisa leve. "No o vento leste, o siroco" disse algum.Alguns magros ciprestes espetados na encosta e o marcinzento com lagoas de luz um pouco adiante.Os soldados apresentavam armas quando comeou a chuviscar."No o vento leste, o siroco" foi a nica deciso que se escutou.E no entanto sabamos que na manh seguinte no nos restariamais nada, nem a mulher que ao nosso lado bebe o sono,nem a lembrana de que um dia fomos homens,mais nada na manh seguinte.
"Este vento traz mente a primavera", dizia a amigaque passeava comigo a olhar para longe "a primaveraque de repente fez baixar o inverno sobre o mar fechado.To inesperado. Tantos anos se passaram. Como morreremos?"
Uma marcha fnebre zanzava pela chuva fina.Como morre um homem? Estranho que ningum pensasse nisso.E para os que pensaram era como recordaes de velhas crnicasdo tempo dos cruzados e da batalha naval de Salamina.E no entanto a morte coisa que acontece; como morre um homem?E no entanto cada um recebe a sua morte, a sua prpria morte, que no pertence a
mais ningume a vida esse jogo.Baixava a luz sobre o dia nublado, ningum decidia.Na manh seguinte no nos restaria nada: rendio total; sequer as nossas mos;e nossas mulheres servindo aos estrangeiros, nossos filhos nas pedreiras.Passeando comigo minha amiga cantava uma cano estropiada:"A primavera, o vero, rais..."Vinham lembrana velhos mestres que nos deixaram rfos.Passou um casal a conversar:"Eu me cansei da tarde, vamos para casavamos acender a luz de casa."
Atenas, fevereiro de 39
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Odissas Eltis (Grcia 1911 1996)
Um dos maiores nomes da grande poesia grega moderna, Eltis, Prmio Nobel de1979, foi desde jovem impactado pela corrente surrealista, notadamente atravsde Paul luard. Durante a guerra, serviu na resistncia albanesa, experincia que olevou a escrever o livro Canto Heroico e Funeral para o Segundo-TenenteDesaparecido na Campanha da Albnia, do qual publicamos aqui alguns trechos.
DoCanto Heroico e Funeral para o Segundo-Tenente Desaparecido naCampanha da Albnia
Traduo de Jos Paulo Paes
III
Agora ele jaz sobre o capote chamuscadoCom uma brisa detida no cabelo imvelCom um raminho de olvido em seu ouvido esquerdoParece um jardim abandonado de repente pelos pssarosParece uma cano amordaada nas trevasParece o relgio de um anjo que parasseQuando os clios diziam at logo rapazesE a perplexidade fez-se pedra
Ele jaz sobre o capote chamuscado sua volta negros sculosLatem com esqueletos de ces contra o silncio horrvelE as horas que se tornaram ptreos pombos outra vezOuvem com ateno:Mas o riso foi queimado, a terra ensurdecidaMas ningum ouviu o derradeiro gritoO mundo todo esvaziou-se ao derradeiro grito
Debaixo dos cinco cedrosSem quaisquer outros criosEle jaz sobre o capote chamuscado;
Vazio o capacete, sangue e lamaJunto ao brao semiconcludoE entre as sobrancelhasO pequeno amargo poo, impresso digital do fadoO pequeno amargo poo rubro-negroO poo onde a memria esfria!Oh no olhem oh no olhem para onde lhepara onde lhe fugiu a vida Nem digam comoNem digam como subiu alto a fumaa do sonhoAssim ento um momento Assim ento um momentoAssim ento um momento deixou o outro
E o sol eterno assim de sbito o mundo.
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IVOh sol no eras sempiterno?Pssaro no eras o instante de alegria que no cessa?Relmpago no eras destemor de nuvem?
E tu jardim odeo das floresE tu crespa raiz da magnliaAssim enquanto a rvore sacode-se na chuvaE o corpo vazio enegrece o destinoE um doido se flagela com a neveE os dois olhos esto prestes a chorar Por que, pergunta a guia, onde est o bravo moo?E as aguiazinhas espantadas, onde est?Por que, pergunta, a suspirar, a me, onde est o meu filho?E as mes todas, surpresas, onde est o menino?Por que, pergunta o homem, onde est o teu irmo?E os companheiros todos, estranhando, onde est o pequenino?Pegam a neve, a febre queimaPegam a mo, est geladaVo morder o po, goteja sanguePor que por que por que a morte no se aquentaPara que um po assim to mpioPor que um cu como este onde outrora o sol morava?
XI
Ao longe tocam sinos de cristal Soa o momento mais exato deste mundo:Liberdade,Em meio s trevas os gregos mostram o caminho:LIBERDADEPor ti e de alegria h de chorar o solSoa o momento mais exato deste mundo!
Com passo matinal sobre a relva a crescerVai ele subindo o tempo todo;Brilham agora sua volta os anseios que outroraNa solido do pecado se perdiam;Em torno do seu corao flamejam os anseios;Pssaros sadam-no e lhe mostram irmozinhosHomens o chamam e lhe mostram companheirosPssaros, meus pssaros, aqui termina a morte!Companheiros, companheiros meus, aqui que a vida comea!O orvalho da beleza do cu cintila em seus cabelos.
Ao longe tocam sinos de cristalAmanh, amanh, amanh: a Pscoa do Senhor!
7/27/2019 SEGUNDA
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