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SISTEMA FAESA DE EDUCAÇÃO FACULDADES INTEGRADAS SÃO PEDRO
UNIDADE DE CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS MÉDICAS E SAÚDE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
REGIANE KIEPER DO NASCIMENTO
EDUCAÇÃO: INSTRUMENTO DE REINSERÇÃO SOCIAL
PARA OS PRIVADOS DE LIBERDADE
VITÓRIA, 2011
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REGIANE KIEPER DO NASCIMENTO
EDUCAÇÃO: INSTRUMENTO DE REINSERÇÃO SOCIAL PARA OS PRIVADOS DE LIBERDADE
Trabalho de Conclusão de Curso
de Graduação em Psicologia
apresentado às Faculdades
Integradas São Pedro, como
requisito parcial para obtenção do
título de Psicólogo, sob orientação
da professora: MS. Andréia da
Silva Ferreira.
VITÓRIA, 2011
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REGIANE KIEPER DO NASCIMENTO
EDUCAÇÃO: INSTRUMENTOS DE REINSERÇÃO SOCIAL PARA OS PRIVADOS DE LIBERDADE.
BANCA EXAMINADORA MS. Andréia da Silva Ferreira Orientadora MS. Mônica Trindade – AEV/FAESA MS. Maria do Rosário Camacho– AEV/FAESA
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado
em ____ / ____/ ____.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pelo amor incondicional e pelo sustento, me possibilitou traçar
objetivos e me fortaleceu para alcança-los;
Aos sujeitos da intervenção, alunos privados de liberdade, que compartilharam sua
experiências, emoções e informações importantíssima para produção e conclusão
desse trabalho, possibilitando meu crescimento profissional;
A Dr. Ângelo Roncalli de Ramos Barros e Quésia da Cunha com os quais aprendi
tudo sobre tratamento penal humanizado e ampliar minha crença na mudança do ser
humano;
À minha orientadora, mestre Andréia da Silva Ferreira, que sempre esteve me
inspirando com seu amor à Educação, a você todo meu carinho e respeito;
À minha banca: Maria do Rosário e Monica Trindade, professoras que foram
importantes para o meu processo de aprendizagem profissional;
Às minhas grandes amigas e futura psicólogas: Josinês Loiola e Lorena Gomes,
com quem dividi alegrias e tristezas, frustrações e vitórias durante o estágio.
Por fim, agradeço à minha família, pela paciência e compreensão com minha
ausência durante o período de graduação e elaboração deste: minha filha amada
Amanda e meu esposo Adair, pelo apoio e escuta permanente; a minha mãe e irmã
que completam minha vida.
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“ A EDUCAÇÃO SOZINHA NÃO TRANSFORMA
A SOCIEDADE, SEM ELA TÃO POUCO A
SOCIEDADE MUDA”.
Paulo Freire.
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RESUMO
O presente trabalho relata a experiência no ambiente escolar do sistema prisional capixaba, no período de agosto/2010 a maio/2011, como experiência prática desenvolvida no Estágio supervisionado da Ênfase em Educação do Curso de Psicologia da FAESA. O trabalho tem por objetivo delinear o cenário da educação dentro do ambiente carcerário capixaba, tratado como instrumento de reinserção social que a educação desempenha na política da Execução Penal. A partir da coleta de dados em fontes oficiais e bibliográficas, foi proposta uma intervenção em Psicologia com um grupo de 20 alunos matriculados na modalidade de Educação para Jovens e Adultos (EJA), participantes de cursos de qualificação profissional; e em três grupos de mulheres selecionadas para serem matriculadas no programa educacional da unidade. O trabalho teve como instrumento de intervenção entrevistas e questionários, seguidas de trabalho em grupo, projeção e discussão de filmes. Em análise de dados estatísticos foi possível constatar que a grau de escolaridade da população privada de liberdade no Brasil é baixa, assinalada pela interrupção ainda no ensino fundamental e incipiente profissionalização.Essa realidade não é diferente no Espírito Santo. Os sujeitos desse trabalho, em sua maioria, são jovens e tiveram pouco mais de cinco anos de estudos e permanecem em média seis anos presos. As intervenções, em grupo, objetivaram oportunizar aos presos/alunos momentos de discussões e reflexões sobre o papel da educação em sua vida e na sociedade, educação e profissionalização como instrumento de reinserção social após o cumprimento da pena, sempre na perspectiva de que o sujeito encarcerado são agentes efetivos no processo de reintegração. O trabalho aponta para a necessidade de implementar uma política educacional na prisão que possa ampliar a capacidade critica do apenado e servir como instrumento que irá auxiliar na reconstrução de um futuro longe do crime após o cumprimento da pena. Neste contexto, a Psicologia tem papel fundamental e um grande desafio ao trabalhar com sentimentos, sonhos, miséria social, abandono, dentre outras especificidades do ambiente carcerário. Os resultados do trabalho indicam que é possível promover reinserção social através da educação formal e qualificação profissional em sujeitos privados de liberdade, embora saibamos que é um assunto que precisa ser muito discutido e melhorado não apenas pelos profissionais que estão dentro das penitenciárias, mas pelo mundo acadêmico e pelos operadores do direito. Palavras chaves: Sistema Prisional – Educação – Intervenção em Psicologia
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LISTA DE SIGLAS CFP - Conselho Federal de Psicologia.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça.
CTC - Comissão Técnica de Classificação.
DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional.
DIRESP – Diretoria de Ressocialização do Sistema Penal.
DPJ – Departamento de Policia Judiciária.
EJA – Educação de Jovens e Adultos.
FIC – Formação Inicial Continuada.
INFOPEN – Informações Penitenciárias.
LEP – Lei de Execução Penal.
MEC – Ministério da Educação e Cultura.
ONU - Organização das Nações Unidas.
PROEJA – programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
PNE – Plano Nacional de Educação.
SEDU – Secretaria de Educação.
SEJUS - Secretaria de Estado da Justiça.
UNECO – Organização das Nações Unidas para Educação e ciência e a Cultura.
IFES – Instituto Federal do Espirito Santo.
SENAC – Serviço Nacional do Comércio.
SENAI – Serviço Nacional da Industria.
SESI - Serviço Social da Industria.
SETEC - Secretaria de Educação Profissional e tecnologia.
FEBEM – Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor.
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LISTA DE GRAFICOS.
GRÁFICO 1 - CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO PRISIONAL DO ES ...........................20
GRÁFICO 2 - FAIXA ETÁRIA DA POPULAÇÃO ENCARCERADA DO ES.....................22
GRÁFICO 3 - CRIMES COMETIDOS PELOS HOMENS ...............................................22
GRÁFICO 4 - CRIMES COMETIDOS PELAS MULHERES............................................23
GRÁFICO 5 - TEMPO DE PENA A CUMPRIR DOS SENTENCIADOS DO ES................23
GRÁFICO 6 – GRAU DE ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO ENCARCERADA DO ES..24
GRÁFICO 7 - EVOLUÇÃO DO Nº DE MATRICULA DO PROGRAMA EDUCACIONAL...36
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LISTA DE TABELAS.
TABELA 1 – ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NA PRIMEIRA ESTAPA DO TRABALHO..32
TABELA 2 – ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NA SEGUNDA ESTAPA DO TRABALHO..32
TABELA 3 – ATIVIDADES NO PRESIDIO MASCULINO.....................................................33
TABELA 4 – QUANTITATIVO DE ALUNO DO PROGRAMA EDUCACIONAL..................35
TABELA 5 – NUMERO DE MULHERES ESTUDANDO NOS ANOS DE 2010 E 2011......39
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................10
1.1 EDUCAÇÃO NAS PRISÕES................................................................................14
1.1.1 Um direito Negado por Décadas...................................................................... 14
1.1.2 Educação Profissionalizante nos Presídios..................................................... 18
1.2 DADOS DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA CAPIXABA...................................... 21
1.3 O PAPEL DA PSICOLOGIA E A INTERVENÇÃO DO PSICOLOGO NAS
PRISÕES................................................................................................................. 26
2. OBJETIVOS...........................................................................................................29
2.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................................29
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS............................................................................... 29
3. METODOLOGIA................................................................................................... 30
3.1 CONTEXTO........................................................................................................ 31
3.2 SUJEITOS.......................................................................................................... 32
3.3 PROCEDIMENTOS............................................................................................ 32
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................................35
4.1 ENTENDENDO A EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS CAPIXABAS .......................35
4.2 AMPLIAÇÃO DA OFERTA EDUCACIONAL E DA PERSPECTIVA DE FUTURO
PARA AS MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE............................................... 39
4.3 REGIME SEMIABERTO: UM PASSO PARA O RETORNO À SOCIEDADE......42
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 47
6. REFERENCIAS.................................................................................................... 49
ANEXOS................................................................................................................... 51
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1. INTRODUÇÃO
Faz parte do processo de graduação de Psicologia a escolha de uma ênfase
curricular para nortear a prática de estágio. No curso de psicologia da FAESA, a
ênfase em educação traz como ementa, o diagnóstico das necessidades,
planejamento e realização de procedimentos que envolvam o processo de educação
e de ensino-aprendizagem através do desenvolvimento de conhecimento,
habilidades, atitudes e valores de indivíduos e grupos em distintos contextos
institucionais em que tais necessidades sejam detectadas. A partir da escolha desta
ênfase, o presente trabalho tem como foco central de investigação do papel que a
educação/profissionalização cumpre na vida do sujeito preso, buscando delinear,
avaliar e compreender as relações entre educação e inserção social.
Não se pode negar o colapso da segurança pública no país, demonstrado pelos
crescentes índices de violência. A violência trata-se de um fenômeno tão complicado
e preocupante, que vem se infiltrando na vida contemporânea e diante da qual não
pode haver neutralidade.
Minayo (1998) diz que a violência é um termo complexo, controverso e polissêmico.
Não há como escapar da violência, ela se faz presente a qualquer hora e em
qualquer lugar, seja nos espaços públicos ou privados. A violência traz uma relação
desigual, onde um tenta dominar, agredir física ou emocionalmente, ou ainda se
omite de seu papel em relação ao outro. É fácil encontrarmos pessoas que
defendem a teoria de que a favela e a periferia são grandes produtores de violência.
[...] Essa corrente despreza os componentes microestruturais da subjetividade na escolha dos possíveis sociais. A lógica estrutural-funcionalista, que sustenta o modelo, supõe uma sociedade homogênea e estável com normas, padrões e valores dados, eternos, esquecendo a natureza sócio-histórica e a de mudanças exercesse uma força de atração sobre os atores sociais, arrastando-os para condutas criminosas e violentas. Migração interna, favelização, condições precárias de vida, desemprego, acesso reduzido à escolaridade seriam geradores de comportamentos desviantes. Ao reduzir violência a crime e delinqüência, e ao encarar como "criminosa potencial" a população imigrante e pobre das classes trabalhadoras, os seguidores da corrente que enxerga a transição como portadora de violência não levam em conta a violência estrutural, a violência do Estado e a cultural, que quase sempre aparecem naturalizadas. (MINAYO, 1998, p.518)
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Nesse contexto vale ressaltar que a violência não pode ser considerada de maneira
simplista e não basta responsabilizar setores exclusivos, nem se basear em critérios
tradicionais que se contentam em criminalizar a pobreza, atribuir a violência ao
usuário de drogas ilícitas, responsabilizando o tráfico de armas e de drogas.
O que não podemos negar que um dos resultados de toda essa violência está
refletido no sistema prisional, onde está grande parte daqueles que de alguma forma
foram causadores de algum tipo de violência contra a sociedade. E é nesse espaço,
de privação de liberdade, que o Estado tem a missão de cumprir a sentença dada
pelo juiz, ou seja, manter o sujeito preso sem que esse fuja e realizar o tratamento
penal garantindo a reinserção social do apenado após cumprimento da pena,
obedecendo assim o que preceitua a Lei de Execução Penal (LEP) nº 7210/84, em
seu artigo 1: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença
ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado”.
Essa missão não é simples de ser executada, até porque, está no senso comum a
idéia de que os homens e mulheres encarcerados estão pagando pelo mal que
cometeram à sociedade, por isso, precisam passar por períodos de sofrimentos.
Impera neste contexto o sentimento de vingança e para isso os presídios precisam
parecer com um inferno. É necessário anular o sujeito temporariamente, forçando-o
a refletir sobre o ato praticado, reconhecendo-o como errado, para então voltar à
“sociedade”.
Assim o sistema prisional apresenta um paradoxo. Espera-se que os presídios
transformem os corpos transgressores em corpos dóceis em meio a um grande
sofrimento. Sobre o assunto Foucault diz:
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento das suas habilidades, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais útil é. Forma-se então, uma política de coerções que consiste num trabalho sobre o corpo, numa manipulação calculada dos seus elementos, dos seus gestos, dos seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, os chamados "corpos dóceis". A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças ela dissocia o poder do corpo faz dele por um lado uma "aptidão",
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uma "capacidade" que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potencia que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de
sujeição estrita. (FOUCAULT, 2008, p. 119)
Com essa visão de aprisionamento, nos deparamos com unidades prisionais com
pouca ou sem nenhuma estrutura para realização de um tratamento penal digno,
conforme prescreve a lei, que proporcione efetivas condições ao preso para o não
retorno ao crime. De acordo com Foucault (2008), a prisão não dispõe de meios
para recuperar o sujeito não havendo nenhuma garantia de alcance dos objetivos:
[ ]...a idéia de uma reclusão penal é explicitamente criticada por muitos reformadores. Porque é incapaz de responder à especificidade dos crimes. Porque é desprovida de efeitos sobre o público. Porque é inútil à sociedade, até nociva e cara. Mantém os condenados na ociosidade, multiplica-lhe os vícios... [ ] (FOUCAULT, 2008, p. 95).
Essa problemática nos traz o desafio de encarar e repensar nossa atual situação
com a população carcerária brasileira, hoje ultrapassando mais 470.000
(quatrocentos e setenta mil) indivíduos privados de liberdade, segundo dados do
INFOPEN1, em quadro de superlotação e carentes de mecanismos que promovam a
reinserção na sociedade. O Conselho Nacional de Justiça- CNJ- (set/2010) divulgou
que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, o pais só fica atrás
dos Estados Unidos, que têm mais de 2 milhões e da China, com mais de 1 milhão e
meio de encarcerados
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN – a população
privada de liberdade brasileira, em sua maioria são jovens entre 18 a 30 anos,
sujeitos economicamente produtivos, 94% são do sexo masculino e com uma baixa
escolaridade. Os presos estão distribuídos em 1857 estabelecimentos penais
Brasileiros. O déficit atual é de 164.185 vagas nas penitenciárias brasileiras. A
superlotação dificulta um tratamento penal digno e as atividades educacionais e
laborativas ficam comprometidas. O processo de marginalização é agravado
gradativamente no período da execução da pena, quando apresenta uma relação de
exclusão entre a prisão e a sociedade.
1 O INFOPEN é um programa de computador (software) de coleta de Dados do Sistema Penitenciário no Brasil,
para a integração dos órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, possibilitando a criação dos bancos de dados federal e estaduais sobre os estabelecimentos penais e populações penitenciárias. É um mecanismo de comunicação entre os órgãos de administração penitenciária, criando “pontes estratégicas” para os órgãos da execução penal, possibilitando a execução de ações articuladas dos agentes na proposição de políticas públicas. (DEPEN, 2011)
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A Lei de Execução Penal (LEP) em seu artigo 10 e 11 garante que:
“A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.”
De acordo com o artigo, podemos perceber uma dupla intenção da execução penal:
responsabilizar o Estado por efetivar a decisão judicial, além de dar ao preso,
condições reais para que ao retornar à sociedade, possa ter uma vida digna e não
volte a cometer crimes.
Sozinha, a pena não consegue reintegrar o indivíduo preso. É necessária a inserção
de outros meios, como a participação da própria família para que se consiga
caminhar para resultados mais favoráveis a essa reintegração do preso à sociedade.
É preciso ainda, ações que auxiliem em suas escolhas após o cumprimento da
pena, em sua educação e em sua capacitação profissional.
Acreditamos que entre tantas ações, com educação e qualificação profissional,
podemos resgatar a auto-estima, o respeito à lei, a promoção do desenvolvimento
humano, o valor da cidadania; o respeito mútuo e os fortalecimentos dos vínculos
familiares, proporcionando aos privados de liberdade uma estrutura sólida para o
momento da volta ao convívio familiar, após o cumprimento da sentença judicial.
Sendo assim, a educação em suas variadas formas possibilita maiores chances de
inclusão no mundo do trabalho, uma auto-referência para resignificar a vida do
sujeito privado de liberdade e ampliar suas escolhas.
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1.1. EDUCAÇÃO NAS PRISÕES
1.1.1. Um Direito Negado por Décadas
Após ser condenado, o preso perde direitos fundamentais: o direito de liberdade e os
direitos políticos. Todos os demais direitos da vida civil permanecem garantidos aos
sentenciados: direito à vida, integridade física e moral, liberdade de consciência e de
convicção religiosa, instrução e à cultura, dentre outros. A Lei de Execução Penal Nº
7210/84 (LEP) ainda destaca vários direitos do preso em seu art. 41.
Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - previdência social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
A LEP ainda garante em sua seção V, do art. 17 aos 21, a assistência educacional:
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição. Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos
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A Constituição Federal anuncia em seu art. 205 que a “educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. As pessoas privadas de liberdade,
assim como qualquer outro ser humano, têm o direito à educação.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito humano à
educação em seu art. 26, e estabelece que o objetivo da educação é o pleno
desenvolvimento da pessoa humana.
Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao menos no concernente à instrução elementar e fundamental. A instrução fundamental será obrigatória. A instrução técnica e profissional deverá ser generalizada; o acesso ao Ensino Superior será igual para todos (as), em função dos méritos respectivos. A educação terá por objeto o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos; e promoverá o desenvolvimento. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)
Em esfera internacional, foram estabelecidas, no 1º Congresso das Nações Unidas
sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinqüentes, realizado em Genebra,
em 1955, as regras mínimas para o tratamento dos presos:
Regra n.º 77.1: Serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os presos em condições de aproveitá-la, incluindo instrução religiosa nos países em que isso for possível. A educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-lhe a administração especial atenção.
O Conselho Econômico e Social das Organizações das Nações Unidas (ONU)
aprovou em maio de 1990 a resolução 1990/24 que trata da educação em espaços
de privação de liberdade. Em meio às indicações mais importantes dos documentos
para os Estados Membros, destacam-se: oferta de variados tipos de educação que
colaborem para a prevenção do crime, a reintegração social dos reclusos e a
diminuição da reincidência; que as políticas de educação em espaços de privação
de liberdade norteiem-se no desenvolvimento de toda a pessoa, levando em
consideração a história de vida do sujeito; que todos os privados de liberdade
tenham o direito à educação, sendo incluídos em programas de alfabetização,
educação básica, formação profissional, atividades recreativas, religiosas, culturais,
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educação física e desporto, educação social, ensino superior e serviços de
biblioteca. A partir daí, a educação deve atuar como um elemento fundamental do
sistema penitenciário, não devendo existir empecilhos aos internos para que
participem de programas educacionais.
A educação de pessoas presas integra a chamada educação de jovens e adultos
(EJA), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), que define
a educação de jovens e adultos voltada para as pessoas “que não tiveram acesso
ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na própria idade” (art.
37).
O Plano Nacional de Educação (PNE), lei aprovada pelo congresso em 2001,
estabelece que até 2011, o Brasil deve implantar em todas as unidades prisionais e
nos estabelecimento que atendem adolescentes e jovens infratores, programas de
educação de jovens e adultos, de nível fundamental e médio, assim como formação
profissional, contemplando para esta clientela, as metas nº 4, nº 5 e nº 14.
Meta 4. Estabelecer programa nacional, para assegurar que as escolas públicas de ensino fundamental e médio localizadas em áreas caracterizadas por analfabetismo e baixa escolaridade ofereçam programas de alfabetização e de ensino e exames para jovens e adultos, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais.
Meta 5: Estabelecer programa nacional de fornecimento, pelo Ministério da Educação, de material didático-pedagógico, adequado à clientela, para os cursos em nível de ensino fundamental para jovens e adultos de forma a incentivar a generalização das iniciativas mencionadas na meta anterior. Meta 14. Expandir a oferta de programas de educação a distância na modalidade de educação de jovens e adultos, incentivando seu aproveitamento nos cursos presenciais. (Brasil, 2001, p.14)
Em setembro de 2005, foi assinado entre o Ministério da Educação e Ministério da
Justiça, o protocolo de intenções onde ambos os Ministérios se comprometeram em
promover e acompanhar as ações educativas realizadas no sistema penitenciário
em regime de colaboração com as Secretarias de Educação e de Justiça e/ou
Administração Penitenciária dos Estados. A partir dessa iniciativa, vários estados
começaram a discutir a educação prisional para fornecer subsídios para a atuação
da União, dos Estados e da Sociedade Civil, com vistas à formulação, execução e
monitoramento de políticas públicas para a Educação nas Prisões.
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Após vários debates regionais, em julho de 2006, em Brasília, foi realizado o “I
Seminário Nacional pela Educação nas Prisões” como singular demonstração dos
esforços que os Ministérios da Educação e da Justiça, e a Representação das
Organizações das Nações Unidas para Educação e Ciência e a Cultura (UNESCO),
têm empenhado no sentido de criar condições e possibilidades para o enfrentamento
dos graves problemas que perpassam a inclusão social de apenados e egressos do
sistema penitenciário. O Seminário Nacional propôs três grandes “eixos” para
nortear os trabalhos educacionais nas prisões: 1) Gestão, Articulação e Mobilização,
2) Formação e Valorização dos Profissionais Envolvidos na Oferta; 3) Aspectos
Pedagógicos.
Em 11 de março de 2009, o Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, no uso de suas atribuições legais, previstas no Art. 64, I, Lei nº
7.210/84, bem como no art. 39, I e II, do Anexo I do Decreto nº 6.061, de 15 de
março de 2007, Decreta a Resolução nº 3, a qual dispõe sobre as Diretrizes
Nacionais para a oferta de Educação nos estabelecimentos penais.
O mais novo documento que trata de educação nas prisões é a resolução nº 2, de
19 de maio de 2010, do Conselho Nacional de Educação, a qual “dispõe sobre as
diretrizes nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de
privação de liberdade nos estabelecimentos penais” (publicada no D.O.U em 19 de
maio de 2010 - RESOLUÇÃO CNE/CEB 2/2010). Este documento simboliza um
avanço para o tema educação nas prisões, pois norteia a construção de políticas
estaduais de educação no sistema prisional.
Está comprovado que a garantia do direito à educação nas prisões é condição
indispensável para atingir o objetivo internacionalmente reconhecido, que é a
educação para todos. Em todo o Brasil, são milhares as pessoas que estão
encarceradas nos estabelecimentos penitenciários e entre essa população, uma
importante parcela é formada por analfabetos ou apenas alfabetizados, pessoas que
têm problemas com leitura, escrita e cálculos, cuja formação profissional é nula, e
pouco qualificada.
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Embora tenhamos um arcabouço de leis e resoluções que garantem a educação nos
espaços de privação de liberdade, que defende a educação como principal
instrumento para a reinserção social, não podemos deixar de ressaltar certa
restrição às oportunidades educacionais nos presídios. Menos de 20% dos presos
estão inseridos em atividades educacionais nos presídios brasileiros. Muitos estados
avançaram no reconhecimento do direito à educação dos presos, porém possuem
estruturas físicas arcaicas, não havendo espaços para a oferta de educação para
aqueles que abandaram seus estudos antes da prisão. Historicamente, a educação
prisional tem sido desenvolvida a partir de práticas pouco sistematizadas, que em
geral, dependem da iniciativa de cada direção de estabelecimento prisional, embora
sejam várias as leis e resoluções que garantem a educação nos espaços de
privação de liberdade.
1.1.2. Educação Profissionalizante nos Presídios
Como já apresentamos anteriormente, a massa carcerária deriva das camadas mais
pobres da sociedade, com baixa escolaridade e desqualificada para o mercado de
trabalho, cada vez mais exigente. Tais fatores resultam em exclusão do processo
produtivo e para agravar, a grande maioria da população das prisões é usuária de
drogas ilícitas, o que a torna mais vulnerável ao tráfico de drogas e às ações da
polícia. Sendo assim, está posto o desafio de encarcerar esse sujeito por um
determinado período e depois retornar-lo para a sociedade, “transformado” em um
cidadão. O desafio é: como efetivar políticas que dêem conta de tal demanda?
O preso ao sair do sistema prisional, após cumprimento da penas, carrega uma
grande angústia e ansiedade, pois se sente fragilizado frente a esse “novo mundo”,
pois passa a carregar o estigma de “ex-presidiário”. Essa situação é mais agravante
quando o preso já entrou para a prisão, com baixa escolaridade e sem uma
profissão. Ao ser posto em liberdade, toda a dificuldade de “encontrar um lugar no
mundo” dificulta o direito ao exercício da cidadania. São muitas as dificuldades dos
egressos em integrar-se ao convívio social, ao mercado de trabalho e
conseqüentemente, às atividades que contribuem para mantê-lo ajustado à
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sociedade, a qual o excluiu anteriormente com seus sistemas selecionadores e
punitivos.
A profissionalização, quando vinculada às atividades educacionais, adquire caráter
estruturante, aumentando as chances de empregabilidade do egresso e sua
conseqüente reintegração social. Sobre qualificação profissional, a LEP diz em seu
Art.17: ” A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação
profissional do preso e do internado; e no Art. 19:”O ensino profissional será
ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico”. A lei preceitua a
qualificação profissional para os presos visando a melhorar as condições para
empregabilidade do sujeito após cumprimento da pena.
Porém, se encontramos dificuldades em garantir a educação formal de um modo
mais amplo, o que dizer das dificuldades para efetivar a qualificação profissional
dentro dos presídios? Para qualificação profissional faz-se necessário maiores
espaços, uma maior segurança, pois os materiais para aulas práticas geralmente
são ferramentas que colocam em risco a segurança; uma seleção dos profissionais
que leve em conta a aptidão do sujeito para aquele curso; estudo das profissões que
o mercado de trabalho está absorvendo; dentre outros diversos obstáculos que
devem ser superados para que a qualificação profissional realmente resignifique o
ser/estar preso.
Atualmente nas prisões capixaba, há duas experiências de qualificação profissional
para os presos. A primeira são cursos de qualificação profissional ministrados por
diversas instituições especializadas no assunto (tais como, IFES, SENAI, SESI e
SENAC), onde os alunos fazem cursos com carga horária de 160 h
aproximadamente e recebem certificados como se estivessem cursado na sede da
instituição, ou seja, não há registro que o aluno tenha se qualificado dentro de uma
unidade prisional. Tal procedimento visa não estigmatizar o sujeito após sua
liberdade, pois ele pode apresentar seu certificado como se estivesse feito nas
dependências das instituições acima citadas. Os cursos ministrados são
basicamente na área da construção civil, uma vez que esta mão de obra no Estado
está escassa. Facilitando assim, a inserção do preso ou egresso no mercado de
trabalho.
20
A segunda experiência trata-se de uma política do Governo Federal chamada
PROEJA2 FIC APENADO, na qual o Ministério da Educação, por intermédio da
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC), acolhe propostas
para implantação de cursos no âmbito do Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos, na formação inicial e continuada, integrada com o ensino
fundamental. O projeto teve a parceria da Secretaria de Educação Estadual (SEDU)
e o Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). O objetivo do PROEJA-FIC APENADO
era que, em um ano, o aluno concluísse o ensino fundamental e fosse qualificado
em quatro profissões (Pintor, Gesseiro, Bombeiro Hidráulico e Eletricista). O projeto
esteve presente em cinco unidades prisionais no estado do Espírito Santo (duas em
Viana, uma em Colatina, uma em Linhares e outra em Cachoeiro de Itapemirim). Em
cada presídio iniciou-se uma turma com vinte e cinco alunos. O projeto teve duração
de 12 meses e encerrou no mês de maio/2010.
O projeto iniciou com 125 alunos, desses, 90 foram certificados. Os motivos da
evasão foram: alvará de soltura, benefício para o semi aberto obrigando os alunos
serem transferidos para um presídio de regime semi aberto, menos de 5% foi por
motivo de desistência ou por motivo de segurança. Com o final do projeto, a SEJUS
aguarda novo convênio para ampliação do PROEJA.
Na prisão, a educação formal quando vinculada a profissionalização, adquire caráter
estruturante, aumentando as chances de empregabilidade do detento e sua
2 O PROEJA pretende contribuir para a superação do quadro da educação brasileira explicitado pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgados em 2003. A pesquisa revelou que 68 milhões de Jovens e Adultos trabalhadores brasileiros com 15 anos e mais não concluíram o ensino fundamental e, apenas 6 milhões (8,8%) estão matriculados em EJA. A partir desses dados e tendo em vista a urgência de ações para ampliação das vagas no sistema público de ensino ao sujeito jovem e adulto, o Governo Federal instituiu em 2005, no âmbito federal, o primeiro Decreto do PROEJA nº 5.478, de 24 de junho de 2005, em seguida substituído pelo Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006, que introduz novas diretrizes que ampliam a abrangência do primeiro com a inclusão da oferta de cursos PROEJA para o público do ensino fundamental da EJA. A partir deste contexto, o PROEJA tem como perspectiva a proposta de integração da educação profissional à educação básica buscando a superação da dualidade trabalho manual e intelectual, assumindo o trabalho na sua perspectiva criadora e não alienante. Isto impõe a construção de respostas para diversos desafios, tais como: o da formação do profissional, da organização curricular integrada, da utilização de metodologias e mecanismos de assistência que favoreçam a permanência e a aprendizagem do estudante, da falta de infra-estrutura para oferta dos cursos dentre outros. (Fonte: MEC )
21
conseqüente reintegração social. Foucault, (2008, p.224) diz: “A educação do
detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma preocupação
indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação por parte do detento”.
Nesse processo, o indivíduo aprende a auto gerenciar-se, refletir e verbalizar de
forma mais intelectualizada e menos alienada, contribuindo para o seu
desenvolvimento integral. Essa aprendizagem possibilita ao individuo perceber
novas relações e novas escolhas de vida, bem como resignificar as experiências
anteriores. O processo educacional resulta em novas atitudes, com impacto positivo
nos campos emocionais, cognitivos e neurológicos, pela nova forma de ver o mundo
como parte dele.
1.2 - DADOS DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA CAPIXABA.
O Brasil, embora tenha demonstrado uma pequena melhora quanto à desigualdade
social e a pobreza, continua sofrendo pressões sociais internas e externas. A
existência de bolsões de pobreza e os altos índices de desigualdades sociais,
chamam a atenção para o agravamento da violência urbana e o aumento de prisões.
Encontramos o reflexo desse contexto no sistema prisional capixaba, o qual abriga
uma população de mais de onze mil presos, conforme dados da SEJUS indicados
no gráfico 1.
Gráfico 1 - CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO PRISIONAL DO ES- Fonte: INFOPEN/SEJUS - MAIO/2011
304 316 389 481 637 752 910 1.126
3778 4182 4706 45875214 5702
745510.255
40824688
5095 50865851 6454
8365
11.381
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Total
Homem
Mulher
22
Em conformidade com a realidade nacional, o problema da criminalidade no Estado
do Espírito Santo tem crescido assustadoramente. Em 2003 o Sistema Prisional
Capixaba abrigava pouco mais de quatro mil presos. Em 2007, quatro anos depois,
essa população tinha sido crescido de mais de mil apenados. Nos últimos três anos
a população encarcerada cresceu demasiadamente. Atualmente temos mais de
onze mil presos.
Para analisar o crescimento da população carcerária no Espírito Santo é necessário
estudar vários fatores: o próprio crescimento populacional do estado; o crescimento
econômico que, por vez, aumenta a desigualdade social; aumento do consumo de
drogas; a transferência dos presos, que estavam em Delegacias de Policia Judiciária
(DPJ), consequência da estruturação física do sistema prisional capixaba, que
possibilitou aumento do número de vagas nos presídios. Enfim, vários são os fatores
que podem ter contribuído para o aumento da população carcerária e a análise
desse fenômeno é muito complexa.
Junto ao aumento da população carcerária, cresce também o desafio da garantia
dos direitos dos presos. É preciso a todo o momento, construir e reconstruir formas
de atendimento eficaz, seja na área da Educação, Saúde, familiar, jurídica,
psicossocial, dentre outros. É preciso ainda, capacitação constante para os
profissionais envolvidos no processo de reintegração dos condenados. Outro fator
que precisa ser pensado são ações dêem conta da prevenção, o que fazer para
conter esse aumento gradativo que estamos enfrentando? Quais as alternativas de
prevenção a criminalidade?
Sabemos que esses temas merecem grandes reflexões e atitudes, pois a população
encarcerada capixaba é em sua maioria, uma população jovem. Esses dados podem
ser visualizados no gráfico 2, onde demonstra que 37% dos presos estão entre 18 a
24 anos, 29% estão entre 25 a 29 anos e 14% estão entre 30 a 34 anos, fazendo
um total de 80% de jovens em plena fase produtiva.
23
Gráfico 2 – Faixa Etária da população encarcerada do ES -Fonte: INFOPEN/DEPEN/2010
Em contato com a população carcerária, percebemos que em sua maioria, a
necessidade de manter o vício do álcool e das drogas, a falta de perspectivas
profissionais, o abandono da escola e a falta de uma referência ou de uma meta de
vida, contribuíram para o inicio da vida de crimes. Podemos confirmar o pressuposto
acima nos dados referentes aos delitos cometidos pelos homens presos que estão
nas prisões capixabas: 35% estavam envolvidos com o tráfico de droga (artigos 12,
18 e 33), em torno de 17% cometeram homicídios (art. 121), 10% praticaram roubo
(art. 155), 13% furtaram (art. 157) e 5% praticaram crime contra os costumes, como
estupro e atentado ao pudor (art. 213 e 214), conforme gráfico 3.
Gráfico 3 - Crimes cometidos pelos homens - Fonte: INFOPEN/DEPEN/2010
24
Quanto aos delitos praticados pelo público feminino, são basicamente crimes ligados
ao tráfico de drogas em torno de 80% (art. 12 e 18).
Gráfico 4 - Crimes cometidos pelas mulheres - Fonte: INFOPEN/DEPEN/2010
Mesmo quando o delito não é o de tráfico (homicídio, roubo e furto), percebemos
que a motivação para matar ou roubar foi para a grande maioria, a droga. A
sociedade, o Poder Público e a família precisam pensar, em caráter de urgência,
qual papel a droga tem assumido nas vidas dos jovens.
O tempo de prisão da maioria dos presos do Espírito Santo é de 4 até 8 anos (37%),
seguido por aqueles que permanecem de 8 anos até 15 anos (25%).
Gráfico 5 - Tempo de pena a cumprir dos sentenciados do ES - Fonte: INFOPEN/DEPEN/2010
25
Se agruparmos os grupos que têm pena de até 4 anos aos de 4 a15 anos de prisão,
teremos um total de 84% dos presos capixabas retornando à sociedade nos
próximos 15 anos, conforme dados do DEPEN demonstrado no gráfico 05. Isso nos
faz refletir, que se não houver políticas públicas que garantam o retorno desses
sujeitos de forma que eles possam reconstruir suas vidas sem depender do crime,
eles estarão fadados a retornar para a vida criminosa. Assim, não perde somente o
egresso do sistema prisional, mas perde também o Estado, que foi inoperante em
suas funções e a sociedade que estará propensa a um mundo mais violento a cada
dia.
Vários estudiosos alertam para o fato de que a criminalidade em todo Brasil, está
intimamente ligada à baixa escolaridade e baixa qualificação profissional. Ambas
situações são remetidas à questão econômica e social do país como um todo. Na
realidade, os encarcerados tiveram uma experiência escolar que foi marcada pela
interrupção nos estudos. É relevante o número daqueles que iniciaram as atividades
escolares, mas em função de diversos fatores como necessidade de trabalhar, início
na vida criminosa, dentre outras situações, abandonaram a vida escolar muito cedo.
O gráfico 6 nos mostra que 7% dos que estão presos no Espírito Santo são
analfabetos, 14% são alfabetizados e 51% dos não concluíram o ensino
fundamental, perfazendo um total de 72% de homens e mulheres que não chegaram
ao ensino médio.
Gráfico 6 – Grau de escolaridade da população encarcerada do ES - Fonte: INFOPEN/DEPEN/2010
26
Na busca da melhoria dos índices acima demonstrados, a Diretoria de
Ressocialização do Sistema Prisional (DIRESP) buscou parcerias para ampliação da
oferta de educação nos presídios capixaba, para assim atender as diversas leis e
acordos nacionais e internacionais que garantem educação para os privados de
liberdade (SEJUS, 2011).
1.3 - O PAPEL DA PSICOLOGIA E A INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO NAS PRISÕES
A história da psicologia brasileira mostra que a função e a atuação do profissional de
psicologia vêm sendo repensada e questionada continuamente, possibilitando a
construção de novos posicionamentos frente ao compromisso social, que se volta
para as necessidades da maioria de nossa população, superando uma tradição de
exclusividade com as elites. Esse repensar, tem motivado os profissionais a
ingressarem em campos ainda poucos explorados pela prática psicológica, como por
exemplo, o sistema prisional.
Após a implantação da Lei de Execução Penal em 1984 (LEP), os psicólogos foram
inseridos nos presídios, tornando-se membros da Comissão Técnica de
Classificação (CTC), ficando com a atribuição de emitir pareceres psicológicos, que
juntamente com o relatório social e o exame psiquiátrico, compõem o Exame
Criminológico, solicitado pelo juiz de execução da pena, com a finalidade de
conceder benefícios como progressão de regime, liberdade condicional, indulto e
visita, aos que tem direito. (BRASIL, DEPEN e CFP, 2007)
A prática do psicólogo na área da execução penal é um tema ainda pouco discutido
nos meios acadêmicos, resultando em uma construção do saber muito mais
empírica do que científica propriamente dita. Cada profissional vai buscando sua
forma de atuar, dependendo das demandas de cada região ou até mesmo de cada
presídio. Os presídios são carentes de idéias inovadoras, de profissionais que
executam projetos e que trabalhem em interdisciplinaridade.
27
A psicologia dentro dos presídios não tem seu trabalho voltado apenas para
avaliações e pareceres, como tradicionalmente vem sendo colocado e muito
questionado. A atuação do psicólogo vai muito, além disso, têm um papel importante
no resgate de valores, atividades terapêuticas, em grupo de sujeitos que passaram
pela vida do crime e tem dificuldades em deixá-la por diversos fatores como drogas,
álcool, abandono familiar, dentre outros.
O manual de diretrizes e procedimentos da Psicologia no Sistema Penitenciário do
Estado do Espírito Santo traz por missão do psicólogo:
A missão da psicologia no sistema prisional é trabalhar através de uma escuta, a problemática da subjetividade implicada na lógica do aprisionamento, colaborando no âmbito da justiça através da elaboração de relatórios e pareceres na avaliação das condições psicológicas dos presos(as)/internos(as), assim como promover através da observação e do desenvolvimento intelectual, projetos que contemplem efetividade nos contextos individuais e coletivos, visando sempre a reintegração social.(SEJUS, 2010, p. 07)
O manual deixa bem claro que atuação do psicólogo é muito ampla dentro do
sistema prisional, o ele tem participação ativa na CTC, trabalha com os efeitos do
aprisionamento na vida do sujeito, com as angustias provenientes da privação de
liberdade, entre os outros efeitos deletérios que a prisão traz para o indivíduo. O
psicólogo deve atuar em projetos que buscam a reintegração social do sujeito. O
profissional de psicologia precisa fortalecer os laços que une o sujeito privado de
liberdade a seu mundo extramuros, fortalecendo os vínculos familiares e sociais, de
modo a contribuir para que o preso incorpore seus direitos e deveres de cidadão.
Todas essas atribuições da Psicologia nos presídios são discutidas no âmbito da
Psicologia Jurídica. Com os avanços das políticas públicas no que se refere a
educação dentro dos presídios, podemos pensar que o psicólogo que atua no
sistema prisional precisa articular a Psicologia Jurídica com a Psicologia Escolar,
pois segundo o Manual de Psicologia Escolar/educacional, do Conselho Regional
de psicologia do Paraná, 2007, “o psicólogo escolar desenvolve, apóia e promove a
utilização adequada para o melhor aproveitamento acadêmico do aluno a fim que se
torne um cidadão que contribua produtivamente para a sociedade.” (CASSIS, 2007.
p. 17). Sendo assim, o ambiente escolar dentro dos presídios é um campo
28
inesgotável para atuação do psicólogo, o qual pode contribuir na construção de um
caminho para a efetivação de direitos e reintegração social dos privados de
liberdade.
A partir dessa breve revisão bibliográfica acerca da educação nas prisões e da
exposição de dados quantitativos sobre a população carcerária em âmbito nacional
e estadual, este relatório apresenta a experiência vivida no Estágio Supervisionado
da Ênfase em Educação I e II, nos períodos de 2010/02 e 2011/1. Trata-se de uma
pesquisa ação junto a um grupo de alunos privados de liberdade, no sistema
prisional Capixaba, que estão inseridos no Programa Educacional “Portas Abertas
Para Educação”. O trabalho demonstra que o caminho da pesquisa e intervenção
pode buscar um novo olhar sobre a educação nas prisões
Nesse contexto a Psicologia pode atuar na percepção e escuta atenta das falas dos
alunos que, como cidadãos, reivindicam reconhecimento social e abertura de
oportunidades para se descobrirem, para contribuírem criticamente em relação à
cultura educacional do presídio e, assim, alterarem o modo como a sociedade trata a
realidade do encarceramento, que muitas das vezes é posta como normal e
imutável.
Esperamos que, ao final do trabalho, possamos contribuir para uma reflexão do
tema, Educação como instrumento de reinserção social, e refletir ainda sobre a
necessidade de fazer uma educação a qual busca promover nos sujeitos que ali
estão um sentimento de capacidade de reconstruir sua própria história após o
cumprimento da pena.
29
2. OBJETIVOS
2.1. Geral
Promover a inserção da psicologia no contexto educacional do sistema prisional
capixaba, possibilitando aos alunos privados de liberdade, a ampliação e
resignificação do conceito de educação.
2.2. Específicos
• Fazer um levantamento dos dados sobre a educação nos presídios capixaba;
• Discutir as experiências de educação formal/qualificação profissional,
desenvolvidas nos presídios capixaba;
• Pesquisar entre os alunos o conceito de educação;
• Realizar intervenções em grupo junto a alunos que estejam inseridos no
processo educacional das unidades prisionais.
30
3. METODOLOGIA
Inicialmente o presente trabalho baseou-se pelos princípios da pesquisa ação. A
pesquisa-ação enquanto abordagem qualitativa permite uma relação ativa com os
sujeitos pesquisados, que possibilitando construir, investigar e formular ações
coletivas, a fim de encontrar possíveis soluções para os problemas apresentados
(THIOLLENT, 1997).
[...] o procedimento consiste essencialmente em deixar os participantes detectar os problemas e procurar as soluções que lhes são mais apropriadas. Tais soluções e as decorrentes ações são encontradas pelas pessoas e grupos envolvidos no processo de pesquisa-ação e elas são formuladas de acordo com as expressões de sua própria cultura. Se não encontrar soluções, os participantes aceitam reconhecer o fato. Conscientizam-se a cerca da complexidade ou dificuldade dos problemas e, se for possível, planejam novos esforços em matéria de estudo e investigação (THIOLLENT, 1997, p. 29).
Vale ressaltar que, durante o desenvolvimento do trabalho a pesquisa tornou-se de
caráter exploratório, pois pouco material cientifico foi encontrado para discutir o
tema. Sendo assim, houve a necessidade de buscar investigar sobre a educação
nas prisões capixaba para nortear a atuação da Psicologia nesse contexto. Sobre
pesquisa exploratória como recurso metodológico Piovesan e Temporini (1995, p.
29) “Define pesquisa exploratória, na qualidade de parte integrante da pesquisa
principal, como o estudo preliminar realizado com a finalidade de melhor adequar o
instrumento de medida à realidade que se pretende conhecer.”
As informações geradas são baseadas em pesquisa e questionamento, de modo a
produzir novos conhecimentos. Perante isso, é possível firmar novas convicções
entre os sujeitos envolvidos. Aplicando este conhecimento, procedeu-se à
observação, realização de entrevistas e técnicas para grupos com os sujeitos
envolvidos. Todos os dados foram registrados em diário de campo e discutidos em
supervisões semanais, onde foi discutido como a Psicologia pode atuar no campo da
educação prisional.
31
3.1 Contexto
Pelo fato da estagiária, autora do trabalho, exercer atividades profissionais no
Sistema Prisional Capixaba, houve a oportunidade de coletar dados em diversas
unidades prisionais, possibilitando uma atuação mais ampla, entrando em contato
com vários alunos e projetos desenvolvidos pelo Programa Educacional da
Secretaria de Justiça.
Para preservar a identidade das instituições, foram dados nomes fictícios, em
consonância com o que prescreve o código de ética do psicólogo no Art. 9º “ É dever
do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da
confidencialidade, a intimidade da pessoas, grupos ou organizações, a que tenha
acesso no exercício profissional”. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005)
Sendo assim, foram pesquisados um presídio masculino e dois presídios femininos.
Em alguns só havia a educação na modalidade de Jovens e Adultos (EJA) e outros
havia a inserção de alunos em cursos de qualificação profissional. Para manter em
sigilo a identidade dos presídios usaremos as cores rosa, lilás e azul para
identificação das unidades prisionais
O primeiro presídio, que chamaremos de rosa, é uma unidade feminina que fica na
grande Vitória. Sua capacidade é para 96 internas do regime semi aberto e 224 para
o regime fechado. Possui cinco salas de aulas com capacidade de atender 120
alunas em cada turno, 01 espaço amplo para biblioteca e uma sala para professores
com banheiro.
O presídio Lilás é uma unidade feminina no interior do estado, com capacidade para
aproximadamente 280 mulheres. O presídio é destinado para internas do regime
provisório, fechado e semi-aberto. O espaço educacional é composto por quatro
salas que comporta 100 alunas em cada turno escolar, um espaço para biblioteca e
uma sala professores.
O terceiro presídio, aqui chamado de Azul, foi inaugurado em fevereiro de 2011.
Trata-se de um presídio masculino que abriga apenados que estão cumprindo a fase
32
final de sua pena. Com 650 vagas, abrigava até o ultimo dia de intervenção, 580
presos. Esta penitenciária possui um espaço para atividades escolares, conforme
Anexo A, contendo seis salas de aula; duas salas amplas, com depósito, para
execução de cursos profissionalizantes; um auditório para duzentas pessoas, para
palestras e atividades extraclasses; um espaço para laboratório de informática, que
ainda não foi equipado; um espaço para biblioteca, que está em fase de organização
do acervo; uma sala para professores com banheiro; seis banheiros para os alunos
e dois bebedouros. O espaço escolar possibilita a inserção de 150 alunos por turno.
3.2 Sujeitos
Nos presídios femininos, rosa e Lilás, procuramos estar presente no momento em
que a equipe do programa educacional esteve fazendo o cadastramento de todas as
internas, para seleção dos nomes que iriam compor as turmas do ensino
fundamental e ensino médio. Na oportunidade obtivemos os dados das 320
mulheres do presídio rosa e das 280 internas do presídio lilás. Intervimos em duas
turmas de vinte cinco alunas do ensino fundamental de cada unidade prisional.
No presídio azul, foi possível intervir em um grupo de vinte alunos que estavam
estudando no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) no tuno vespertino e foram
selecionados para participar de um curso de qualificação profissional para Pintor e
Gesseiro. Os sujeitos desse projeto foram alunos envolvidos no programa Portas
abertas para Educação.
3.3 Procedimentos
Foram realizadas atividades em três unidades prisionais do Espírito Santo no
período de setembro de 2010 a maio de 2011. Podemos dividir o estágio em duas
etapas. Em 2010/2 foram realizadas as intervenção nas unidades femininas. Durante
as visitas buscamos conhecer as novas unidades, os espaços educacionais das
mesmas e participamos dos atendimentos às internas para levantamento de dados
educacionais. Ainda em 2010/2, participamos no Presídio Rosa, de uma intervenção
psicológica realizada por outro grupo de estagiárias de psicologia da FAESA. Tal
intervenção consistiu em encontros terapêuticos com grupos de presas.
33
Abaixo segue quadros especificando as atividades realizadas na primeira etapa,
tabela 1.
ENCONTRO UNIDADE
PRISIONAL
ATIVIDADE OBJETIVO PARTICIPANTES
1º ROSA
Visita à unidade Prisional feminina da grande vitória
Conhecer o Campo de Estágio
Estagiárias e Supervisora de
Estágio 2º
ROSA Levantamento de dados
educacionais das presas do presídio feminino da grande
Vitória
Conhecer a realidade
Educacional das presas.
Estagiárias e Equipe técnica do grupo
educacional (Sejus)
3° ROSA
Levantamento de dados educacionais das presas do presídio feminino da grande
Vitória
Conhecer a realidade
Educacional das presas.
Estagiárias e Equipe técnica do grupo
educacional (Sejus)
4º ROSA
Tabulação de Dados
Conhecer a realidade Educacional das presas
Estagiárias e Equipe técnica do grupo
educacional (Sejus) 5º
ROSA
Tabulação de Dados
Conhecer a realidade Educacional das presas
Estagiárias e Equipe técnica do grupo
educacional (Sejus) 6º
ROSA
Oficina de modelagem com argila
Trabalhar expressão de
conflitos na esfera afetiva
Estagiária Grupo de mulheres
presas
7º ROSA
Oficina de Pintura em tela
Analisar questões
relacionadas a identidade
Estagiária Grupo de mulheres
presas
8º
LILÁS
Levantamento de dados educacionais das presas do presídio feminino do interior
do estado
Conhecer a realidade
Educacional das presas.
Estagiárias e Equipe técnica do grupo
educacional (Sejus)
9°
LILÁS
Tabulação de Dados
Conhecer a realidade Educacional das presas
Estagiárias e Equipe técnica do grupo
educacional (Sejus) Tabela 1 - Demonstrativo das atividades desenvolvidas na primeira etapa do trabalho.
Na segunda etapa em 2011/1, com o inicio das aulas e com a seleção de alunas
feita nas duas unidades femininas, foi possível atuar em quatro turmas expondo o
programa educacional da SEJUS, tirando dúvidas e refletindo sobre a importância
da educação na vida do ser humano, conforme o tabela 2:
ENCONTRO UNIDADE
PRISIONAL ATIVIDADE OBJETIVO PARTICIPANTES
10º
ROSA
Conhecendo e refletindo o projeto
educacional da Sejus
Apresentar o Núcleo Educacional e refletir sobre a importância da educação na
vida do sujeito
Estagiária Turma A
11º
ROSA
Conhecendo e refletindo o projeto
educacional da Sejus
Apresentar o Núcleo Educacional e refletir sobre a importância da educação na
vida do sujeito
Estagiária Turma B
34
12º
LILÁS
Conhecendo e refletindo o projeto
educacional da Sejus
Apresentar o Núcleo Educacional e refletir sobre a importância da educação na
vida do sujeito
Estagiária Turma A
13º
LILÁS
Conhecendo e refletindo o projeto
educacional da Sejus
Apresentar o Núcleo Educacional e refletir sobre a importância da educação na
vida do sujeito
Estagiária Turma B
Tabela 2 - Demonstrativo das atividades desenvolvidas na segunda etapa do trabalho.
Ainda em 2011/1, tivemos a oportunidade de realizar intervenções no presídio
masculino de regime semi aberto (Azul), com um grupo de 20 alunos que estavam
inseridos em um curso profissionalizante. Os encontros com este grupo seguiu a
seguinte programação:
ENCONTRO UNIDADE
PRISIONAL ATIVIDADE OBJETIVO PARTICIPANTES
14º
AZUL
Conhecendo e refletindo o projeto educacional da
Sejus
Apresentar a curso profissionalizante e o professor. Conhecer a
turma
Estagiária Turma do curso profissionalizante
pintor e gesseiro
15º
AZUL
Levantamento de dados
Pesquisar dados do aluno e sua percepção sobre o
tema Educação
Estagiária Turma do curso profissionalizante
pintor e gesseiro
16º
AZUL
Cine Reflexivo
Exibição do filme; “o Contador de História”
Estagiária Turma do curso profissionalizante
pintor e gesseiro
17º
AZUL
Discussão sobre o
filme
Refletir sobre a importância da educação e escolhas
pessoais
Estagiária Turma do curso profissionalizante
pintor e gesseiro
18º
AZUL
Discussão sobre o
filme
Refletir sobre a importância da educação e escolhas
pessoais
Estagiária Turma do curso profissionalizante
pintor e gesseiro
Tabela 3 - Demonstrativo das atividades no presídio masculino (Azul).
Os encontros com o grupo serão encerrados em junho de 2011, quando se encerra
o estágio. Porém, para efeito deste trabalho de conclusão de curso, estarão
descritos e analisados os resultados alcançados até o mês de maio/11.
35
4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
A seguir apresentaremos os dados levantados no decorrer das intervenções,
ressaltando que dada à complexidade do campo em questão, as análises são
preliminares e exigem ainda um maior aprofundamento, uma vez que tratamos de
um projeto educacional em construção no Estado do Espírito Santo.
4.1 Entendendo a educação nos presídios capixaba
O Programa Educacional da Secretaria de Justiça/SEJUS, foi criado através da
parceria com a Secretaria de Educação/SEDU. O documento que norteia tal parceria
é a portaria 042.R de 21/06/05 que garante a criação de salas de aula nos presídios
capixabas. O Programa Educacional “Portas Abertas para a Educação” em sua
missão atende o que preceitua a lei de Execução Penal 7210/84 na seção V e nos
seus respectivos artigos. Nesse sentido, foram criadas turmas especiais nos níveis
escolares, fundamental e médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(EJA).
O programa “Portas Abertas para Educação” nasceu em 2005 com apenas 80
alunos divididos em dois presídios: Penitenciaria Estadual Feminina em Cariacica e
Penitenciária de Segurança Média II em Viana. Anualmente o projeto foi sendo
ampliado para outras unidades. Segundo os dados da Secretaria de Estado da
Justiça, em 2009 o programa tinha atingindo todas as unidades onde havia estrutura
física que comportasse as ações educacionais, espaços esses que muitas vezes
eram improvisados para que minimamente pudesse ser oferecida a alfabetização, ou
seja, a educação de Jovens e Adultos, primeiro segmento, até quarta série do
ensino fundamental.
Ainda em 2009, segundo a Diretora de Ressocialização da SEJUS (2011), o Estado
iniciou a reestruturação do sistema prisional, entrando na pauta de discussões as
questões de segurança e espaços adequados para o tratamento penal. Em 2010
começaram a ser inaugurados os primeiro presídios que apresentam espaços
36
voltados para a Educação compostos minimamente de quatro salas de aula, sala
para professores, espaço para biblioteca e laboratório de informática (Anexo A –
planta baixa do espaço educacional do presídio azul).
Na tabela 1, podemos observar o processo de implantação do Programa Portas
Abertas para Educação nas unidades prisionais adaptadas e construídas e o
respectivo aumento de matrículas de alunos/presos.
UNIDADE PRISIONAL 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
01 PEF - Penitenciaria Estadual Feminina - Cariacica 20 20 36 42 23 27 34
02 PSME II - Penitenciária de Segurança Média II - Viana 60 80 115 220 230 173 176
03 HCTP - Hospital de Custódia e Trat. Psiquiátrico-Cariacica 13 15 16 11 15
04 PRBSF- Penitenciária Regional de Barra de S. Francisco 44 50 38 40 30
05 PRL - Penitenciária Regional de Linhares - Linhares 89 105 115 125 146
06 PSME I - Penitenciária de Segurança Média I - Viana 90 95 108 96
07 PSMA I - Penitenciária de Segurança Máxima I - Viana 155 156 160 171
08 PSMA II - Penitenciária de Segurança Máxima II - Viana 30 30 28 30
09 PSMECOL - Penitenciária de Segurança Média de Colatina 190 200 210 214
10 PAES - Penitenciária Agrícola do ES - Viana 40 45 40 38
11 CPFCI - Centro Prisional Feminino Cachoeiro do Itapemirim 53 130 102
12 PRCI - Penitenciária Regional de Cachoeiro do Itapemirim 53 210 207
13 CDPA - Centro de Detenção Provisória de Aracruz - 40 45 50
14 CDPSDN - Centro de Detenção Provisória de São Domingos do Norte
20 12 40
15 CDPM - Centro de Detenção Provisória de Marataízes 50 38 39
16 PSVV – Penitenciária Semiaberto Vila Velha (até 2010 era IRS)
49 29 197 203 206 167
17 PEVV I – Penitenciária Estadual Vila Velha I 361
18 CPFCOL – Centro Prisional de Cariacica 200
19 CDPCOL – Centro Detenção Provisório de Cariacica 50
20 CDPV II – Centro Detenção Provisório de Viana II 84
21 PFC – Penitenciária Feminina de Cariacica 186
TOTAL 80 149 326 1094 1367 1563 2537
Tabela 4 - Demonstrativo do quantitativo de alunos inseridos no programa educacional da SEJUS -
Fonte: Secretaria de Estado da Justiça do Espírito Santo – SEJUS/2011
37
A iniciativa possibilitou o aumento de 3.171% de alunos, conforme podemos
observar no gráfico 7. Em 2011, no primeiro semestre havia um número de 2.537 de
alunos matriculados.
Gráfico 7 – evolução de matricula do programa educacional - Fonte: SEJUS/2011
O crescimento no número de alunos e o investimento que se deu nos últimos seis
anos são reflexos de uma discussão tanto a nível estadual como nacional, da
importância de oferecer educação nos sistema prisional. Embora a LEP já instituísse
a garantia dos espaços educacionais desde 1984, poucos estados respeitava tal
direito, inclusive o Espírito Santo.
Após a construção dos espaços educacionais surgiu outro problema para que as
vagas disponibilizadas fossem preenchidas: o interesse do aluno em retomar seus
estudos e a significação da educação na vida do sujeito privado de liberdade, para
que os espaços educacionais não sejam apenas lugares para “fugir da tranca” ou
lugares onde a segurança pode apresentar-se mais vulnerável.
Segundo a Secretaria de Justiça do Espírito Santo, o primeiro passo para adesão
dos alunos foi fazer com os estudos fossem passivos de remição de pena.
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
2006 2007 2008 2009 2010 2011
Alunos
Alunos
149
326
1094
1367
1563
2.537
38
Diferentemente do trabalho, a participação em atividades educacionais, legalmente
não proporciona ao interno o direito à remição da pena. A Lei de execução Penal só
determina que só por meio da ocupação pelo trabalho, o detento terá direito ao
benefício, não o estendendo à educação. Porém, o Espírito Santo instituiu um
acordo entre os órgãos responsáveis pela execução penal, permitindo a remição por
meio da educação, a cada 18h de estudo será remido um dia na pena,
proporcionando assim uma maior adesão aos estudos por parte dos presos.
O segundo passo, talvez o mais difícil, é fazer com que o ensino seja atrativo, para
que o preso veja na educação um instrumento para saída do mundo do crime, que
possa ampliar seus conhecimento e sentir-se sujeito de direitos e deveres. O
parecer do Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação, homologado
em 7/5/2010, diz que:
Para alcançar essa mudança, tornam-se relevante programa de formação para educadores, gestores, técnicos e agentes penitenciários que auxiliem na compreensão das especificidades e da importância das ações de educação nos estabelecimentos penais (p. 07).
Muitos dos alunos quando estavam em liberdade, passaram por sucessivos
fracassos escolares e a escola acabou excluindo-os da escolarização formal.
Educação nos presídios precisa vencer esse paradigma. Os professores precisam
ser criativos, audaciosos e que conhecerem as dinâmicas do sistema prisional e dos
alunos. Ao pensarmos sobre proposição pedagógica e os métodos da escola nas
prisões, não podemos deixar de proporcionar a estes sujeitos uma tomada de
consciência de seus processos não somente cognitivos, mas principalmente de seu
processo social, em uma reflexão de si mesmo e de seu mundo real, proporcionando
assim a construção de um mundo possível. A educação não pode alienadora, ela
tem que ser libertadora.
(...) o que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens, não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica na ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo (FREIRE. 1983, p. 77).
A Educação nas prisões precisa ainda, de recursos metodológicos e didáticos
diferenciados, que atenda a demanda de uma população que está privada de muitas
coisas (família, informações, vontades,...). O Espírito Santo ainda não alcançou essa
39
meta de forma satisfatória. Urge ampliar a capacitação dos professores, o material
pedagógico precisa está em constante avaliação para que não seja elemento de
vulnerabilidade para a segurança, os alunos precisam internalizar que os espaços
educacionais são ambientes deles e para eles. Todos esses fatores são empecilhos
para que a educação seja atrativa para o aluno e que assim possa buscar através da
educação, novas formas de vida.
4.2 - Ampliação da oferta educacional e da perspectiva de futuro para as
mulheres privadas de liberdade
Segundo a Secretaria de Estado da Justiça do Espírito Santo, a maioria das
mulheres, aproximadamente 80%, foi condenada por envolvimento no tráfico de
drogas e/ou em função de relações afetivas. Há aquelas ainda que, quando seus
companheiros são presos, terminam assumindo a responsabilidade do sustento da
casa e acabam por tomar o lugar de seu companheiro no tráfico. O Espírito Santo é
um dos estados que tem maior índice de encarceramento feminino. (DEPEN, 2010)
Até 2009, o Espírito Santo contava com apenas dois presídios femininos: um no sul
do estado com pouco mais de cento e sessenta mulheres e outro na grande Vitória
com mais setecentas mulheres. Havia ainda nos presídios do norte do estado, alas
para mulheres nos presídios masculinos, com aproximadamente duzentas mulheres
encarceradas. Sendo assim, o estado contava com mais de mil mulheres e o
percentual de mulheres estudando era inferior a 15%, segundo dados da SEJUS/ES.
No primeiro semestre de intervenção (2010/2), o trabalho aconteceu nos presídios
Rosa e Lilás. O objetivo naquele momento era conhecer a realidade educacional das
mulheres privadas de liberdade. Nessa ocasião, o Estado estava inaugurando dois
novos presídios femininos: um na grande Vitória para dividir a população do já
existente, que apresentava superlotação; e outro no norte do Estado, uma vez que a
ala feminina que estava em um presídio masculino foi desativada.
O novo presídio da Grande Vitória comporta trezentas e vinte mulheres e possui 05
salas de aula onde se realiza do ensino fundamental ao médio, tendo a possibilidade
de inserção de aproximadamente 220 alunas. Vale ressaltar que o presídio antigo
40
contava apenas com espaço para duas turmas com 15 alunas cada, na primeira
etapa do ensino fundamental. No presídio inaugurado no norte do estado, há vagas
para 280 mulheres, possuindo cinco salas com capacidade para inserir 250
mulheres no processo educacional.
Sendo assim, após inauguração dos novos presídios houve um aumento
considerável de vagas escolares para o público feminino, conforme tabela 2 abaixo:
REGIÃO NÚMERO DE ALUNAS
ESTUDANDO EM 2010
NÚMERO DE ALUNAS
ESTUDANDO EM 2011
Grande vitória 30 210
Sul 58 98
Norte 60 208
TOTAL 148 506
Tabela 5 - Fonte: Número de mulheres estudando nos anos 2010 e 2011 - SEJUS/2011
A intervenção possibilitou a pesquisa dos dados educacionais das duas unidades
prisionais femininas. Utilizamos o questionário (Anexo B) para apurarmos os
seguintes dados: a maioria das presas (70%) possui idade inferior a 35 anos, 80%
indicaram ser pardas ou negras, 85% são mães, mas apenas 26% são casadas ou
viviam com os parceiros antes do encarceramento. Quanto à educação formal, 8%
são analfabetas, 45% não completaram o ensino fundamental, 35 % pararam seus
estudos no ensino médio e havia ainda 12% que concluíram o ensino médio ou
estavam com ensino superior incompleto. Um dado que nos chama atenção é que
no número de 600 mulheres, apenas duas tinham ensino superior. Segundo dados
da SEJUS, 85% das presas foram indiciadas por tráfico de drogas e o envolvimento
com o crime, se devia aos relacionamentos amorosos e à facilidade de obtenção de
dinheiro.
Nos encontros que apresentamos o projeto educacional destinado às internas,
tivemos a oportunidade de discutimos com as alunas o tema “o retorno para sala de
aula”. Como técnica, exibimos um vídeo que apresentava sujeitos que eram
desafiados a superar suas dificuldades. Após a exibição do vídeo buscamos refletir
com as alunas quais foram às dificuldades que as levaram a interromper seus
41
estudos, e suas expectativas ao retorno escolar. Muitas mulheres puderam expor
que abandonaram os estudos na adolescência por causa de gravidez, início do vício
nas drogas e do crime. Apresentaram-se bastante ansiosas para o início das aulas.
Alegavam querer recuperar o tempo perdido ou apenas para sair da cela, onde
ficavam por aproximadamente 22 horas por dia.
As respostas dos presos, em relação à busca pela escola e ao valor que dão a ela, diferem entre si. Em algumas respostas, o significado da escola restringe à ocupação do tempo e da mente com “coisas boas”; em outras, a escola é vista como possibilidade de melhorias de vida quando em liberdade; e há, ainda, aqueles que não acreditam no valor da instituição escolar. Existe entre os aprisionados um sentimento de tempo perdido, destruído ou tirado de suas vidas, e que pode se configurar como motivo que os leva à escola. A volta à sala de aula oferecer a muito deles a possibilidade de poder sair da cela, distrai a mente e ocupar seu tempo com coisas úteis. (ONOFRE, 2007. p.19)
Durante o encontro podemos perceber que a escola para as mulheres em privação
de liberdade é mais do que um espaço de escolarização é um lugar essencial para a
construção do sentido de existência, de novas perspectivas, de esperança de se
tornarem melhores. Espaço onde podem sonhar em ser professora, ser assistente
social, ser advogada, enfim, alguém que possa receber uma nova oportunidade e ter
um futuro melhor.
4.3. Regime semiaberto: um passo para o retorno à sociedade
O Trabalho de intervenção com os alunos do semi aberto aconteceu no presídio
Azul e foi executado em um grupo de 20 alunos que estão matriculados na
Educação para Jovens e Adulto (EJA), os quais estavam inseridos em um curso de
Pintor/Gesseiro, no período de abril/2011 a maio/2011.
O Curso Profissionalizante de Pintor/Gesseiro é ministrado pelo IFES/SENAI graças
ao convênio celebrado entre as instituições de ensino mencionadas com a
Secretaria de Estado de Justiça (SEJUS). O programa previa aulas diariamente no
horário vespertino com duração de 4 horas, perfazendo um total de 120 horas de
curso divididas em aulas de cidadania, aulas de teorias para exercício da profissão e
aulas práticas de pintor/gesseiro.
42
No primeiro encontro, no dia 05 de abril foi a aula inaugural. Na oportunidade, os
alunos foram orientados quanto a proposta do curso, foi apresentada a instituição
executora, bem como o professor.
No encontro seguinte em 12 de abril, fizemos uma pesquisa através de um
questionário (Anexo C). Os alunos relataram sua idade, profissão, tempo em que
estão presos, tempo estão fora da escola e se tiveram oportunidade de estudar
antes em outros presídios por onde passaram. No final da pesquisa eles relatam
sobre o tema: “o que significa educação para você?”
Ao analisar os dados, constamos que dos vinte alunos, quatorze têm idade entre 19
anos a 25 anos e apenas seis possuem idades superiores aos 26 anos, sendo que o
aluno de maior idade tem 35 anos. Cinco alunos declararam não possuir nenhuma
profissão e sete alunos são auxiliares de serviços gerais. Os outros oito assinalaram
profissões de nível técnico ou ocupações setoriais como: Borracheiro, comerciante,
porteiro e motorista.
Quanto ao grau de escolaridade, treze alunos evadiram da escola quando ainda
estavam fazendo o ensino fundamental e sete, quando cursavam o ensino médio; e
a maioria, dezesseis alunos, parou de estudar antes de completar 18 anos.
Treze alunos estão presos a menos de dois anos. Os outros sete alunos não
ultrapassam os 5 anos de cumprimento de pena.
Ao descrever sobre o que significa educação, grande parte dos alunos trouxe a
educação como representação do relacionamento interpessoal que temos com o
próximo. Abaixo, transcrevemos literalmente algumas respostas dos alunos:
Eu acho que educação é não dá esporro nas outras pessoas e também que trata as pessoas bem. (sic)
Educação para mim é tudo é fundamental é uma forma de respeitar o procimo enfim educação é tudo. (sic)
Educação significa uma pessoa respeita todo mundo por exemplo. Saiba conversar com vários tipo de pessoas sem desvalorizar os outros. Eu sou um cara que respeita todo mundo para ser respeitado. (sic)
43
Apenas dois alunos apresentaram uma visão mais ampliada sobre educação:
Educação significa formar novas experiências ser valorizado no que se faz, e apezar de tudo ser e se sentir cidadão responsável e reconhecido onde quer que seja que nos estivermos. E muito importante aprender a ler a escrever e assim aprendemos como podemos educar nossos filhos corretamente, e preparalos para novos disafios na vida ou seja ser cidadão e ter educação.(sic)
Educação para mim significa aprendizado esta se aperfeiçoando na quilo que a pessoa deseja alcansa ou seja como se comporta em devidos lugares através de um gesto, no modo de falar demostrando tudo aquilo que você aprendeu e está aprendendo a cada dia.(sic)
O relato dos alunos aponta que a representação social da Educação é uma
demonstração da realidade que os indivíduos estabelecem ao decorrer de sua vida,
é enxergada conforme as vivências e as experiências próprias de cada sujeito.
“As Representações Sociais são “teorias” sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas, levam os individuo a produzir comportamento e interações com o meio, ações que, sem dúvidas, modificam os dois.” (OLIVEIRA, 1988, p. 105)
As representações trazidas pelos alunos vêm confirmar os dados de que, a maioria
dos presos teve uma educação que foi significativa para ele, mas que não encontrou
na educação formal uma forma de ser respeitado, de conquistar seus sonhos, de ter
seu sustento de forma digna, dentre outros benefícios que a escolarização traz.
Neste sentido, a educação no sistema prisional não pode repetir os mesmo erros.
Não pode uma educação onde os conteúdos são passados sem ser significado na
vida do sujeito. A escola na prisão, apontada como local de comunicação, de
interações pessoais, onde o aprisionado pode se mostrar sem reservas, na qual
oferece oportunidade de socialização, na medida em que aponta ao aluno outras
probabilidades referenciais de construção da sua identidade e de resgate da
cidadania perdida.
Portanto, é preciso que o educador busque idealizar um tratamento metodológico,
epistemológico e ideológico das suas atividades, isso é um processo primordial para
o desenvolvimento desses alunos, que geralmente são alunos que precisam de uma
atenção diferenciada, pois em sua maioria vivem sem perspectiva de vida. Não dá
44
para usar as mesmas metodologias educacionais que fracassaram, metodologia que
muita das vezes, não levou em conta o contexto social e familiar desses sujeitos. É
preciso ainda, que o educador busque dar um tratamento epistemológico, ou seja,
questionar como se dará esse conhecimento? Qual o conhecimento necessário para
os privados de liberdade? Quais os meios eficazes de produzi-lo? Enfim, buscar
idealizar uma educação que de fato será diferente e fará diferença na vida do aluno
que está preso. Para alcançar tais objetivos é preciso que o educador e os
envolvidos em educação nas prisões estejam imbuídos do desejo pela busca do
conhecimento sobre o tema, precisa estar em constantes capacitações fornecidas
pelas instituições responsáveis por garantir a educação nas prisões.
No terceiro encontro em 19 abril, exibimos o filme “O Contador de História”, para que
após a exibição do filme, pudéssemos debater sobre perspectiva de futuro e discutir
o tema Educação como Instrumento de Reinserção Social. O filme foi projetado em
um telão no auditório. Era visível o entusiasmo que os alunos apresentavam por
poderem sair da cela para assistir um filme. O filme teve duração de
aproximadamente duas horas e contou a história real de um menino egresso da
antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor - FEBEM, o qual recebeu um
laudo de “irrecuperável”, porém, ele conseguiu através da educação, mudar toda sua
trajetória e se tornar um dos maiores contadores de histórias.
Nos dois encontros seguintes, discutimos os temas centrais do filme, trazidos pelos
próprios alunos. De uma forma geral, eles escolheram cenas que eles tinham
passado por situações parecidas, por exemplo: a cena que o ator principal pede
para entrar para uma turma de meninos que praticavam assaltos. Na visão dos
alunos ele entra “para ser respeitado”, “para suprir suas necessidades, porque na
rua é loucura”, dentre outras colocações.
Discutimos sobre escolhas. O personagem principal teve que escolher em continuar
no crime ou agarrar a oportunidade que a pedagoga no filme estava lhe oferecendo:
ser alfabetizado aos treze anos e buscar um novo caminho através da educação. O
ator principal escolheu ser alfabetizado e hoje é um nome reconhecido no cenário
Educacional.
45
Correlacionando à realidade dos sujeitos que estavam fazendo um curso
profissionalizante e estavam bem próximo da liberdade, pudemos discutir o que
significava o retorno à sociedade com uma profissão, pintor/gesseiro. O resultado da
discussão foi muito rico. Teve um aluno que declarou estar muito esperançoso, pois
queria reconstruir sua vida, uma vez que tinha família esperando por ele; outros
disseram que o mundo do crime “as vezes não tem volta”, “muitos estão vivos por
que estão aqui dentro, quando chegarem lá fora estão jurados de morte”. Para os
sem esperança tivemos a oportunidade de refletir se não há como mudar essa
sentença, buscar um recomeço. Em outro lugar não seria uma opção?
O trabalho, com essa turma, teve de ser paralisado, pois o professor ao começar a
parte prática do curso, ficou inseguro diante das ferramentas na mão dos
alunos/presos. O curso teve de ser adiado até a contratação de outro profissional.
Realmente não é fácil para o educador se despi do medo e enfrentar uma turma de
presidiário para ministrar um curso no qual será usado várias ferramentas,
principalmente para aqueles que nunca tiveram contato com o tratamento penal, no
primeiro momento é um mundo desconhecido para o educador.
Sobre o assunto Gadotti (1993) diz que, a característica fundamental da pedagogia
do educador em presídios é a contradição, é saber lidar com conflitos, com riscos.
Cabe a ele questionar de que maneira a educação escolar pode contribuir para
modificar a prisão e o preso, tornar a vida melhor e contribuir para o processo de
desprisionalização e de formação do homem preso.
A contratação de um novo professor só aconteceu no final do mês de maio, isso
dificultou nossa volta ao projeto uma vez que o curso já estava muito atrasado e o
professor não poderia nos ceder uma manhã. Mesmo assim, durante as aulas
práticas estivemos visitando a unidade e percebemos o entusiasmo dos alunos nas
atividades.
O contato com os alunos nos possibilitou perceber que a educação
profissionalizante dentro dos presídios precisa ser uma educação que leve o
indivíduo a reconhecer um novo lugar no mundo, proporcionando-lhe o sentimento
de que é capaz de intervir em sua situação de vida. Precisa ser uma educação que
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reconheça a possibilidade de mudança do sujeito. Se não acreditarmos que o
homem tem autonomia sobre sua vida, reproduziremos uma visão preconceituosa
de que o preso será eternamente um criminoso. Sendo assim, precisam-se
desenvolver dentro das prisões processos educacionais que trabalhem para a
tomada de consciência dos educandos, fazendo-os perceber a realidade e
conseqüentemente seu lugar na história. Não somente trabalhar conteúdo, mas
refletir com o aluno sua condição de sujeito capaz de mudanças.
Nesse contexto, o psicólogo pode atuar de forma a proporcionar espaços para
discussões e reflexões. Precisam ter um olhar e uma escuta que possa contribuir
tanto para educadores, como para os alunos e servidores a efetividade da
Educação. Buscar refletir sobre sua contribuição para a vida dos encarcerados e da
sociedade em geral, por meio da aprendizagem participativa e da convivência
baseada na valorização e desenvolvimento do outro e de si mesmo.
47
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática educativa deve ser percebida nos espaços de privação de liberdade, como
um resultante do processo histórico-social. Desenvolve-se de forma diferenciada nos
vários contextos que estas abrangem e para que possamos compreender o
processo de construção e produção do conhecimento do indivíduo é preciso
considerá-lo inserido no seu contexto social.
Efetivar a educação básica e profissionalizante dentro das unidades prisionais é
buscar mudar um cenário onde os apenados estão em absoluto ócio e diminuir as
conseqüências causadas pela privação de liberdade. O tempo de permanência nas
prisões deve obrigatoriamente transformar-se em tempo de resgate do processo de
aprendizagem rompido, assim como de reparação social como mecanismo, inclusive
de enfrentamento da reincidência criminal.
O encarceramento além de levar a uma ruptura social, provoca também, inegáveis
malefícios a esses sujeitos. O apenado perde ou vê fragilizados os papéis que
representa no mundo social e sua identidade sofre uma despersonalização por
efeitos do aprisionamento. Por esses e outros motivos é que se faz necessário
pensar em um conceito de reinserção social de detentos, lastreado pela elevação do
nível de escolaridade e pela qualificação profissional com o propósito de se adotar
políticas mais eficientes de combate a estes déficits.
A educação possibilita a reabilitação, que transforma em resgate social e educação
libertadora, numa dimensão de autonomia, sustentabilidade e minimização da
discriminação social.
A importância da intervenção foi possibilitar na prática o exercício dos
conhecimentos adquiridos na faculdade, colaborando com o desenvolvimento e o
crescimento pessoal/profissional dos alunos/presos. Buscamos desenvolver o senso
crítico, autonomia, maturidade e uma reflexão da vida após cumprimento de pena.
As relações estabelecidas permitiram aos sujeitos acreditar ser possível haver
transformações através da educação.
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O enfoque da intervenção pretendeu investigar se educação/profissionalização é
preponderante para a reinserção social e pode evitar possíveis reincidências,
segundo os sujeitos. Mas o que ficou claro é que os desafios são imensos. O Estado
vem buscando ampliar e melhorar as condições estruturais das unidades prisionais,
porém, mesmo diante dos esforços ainda não é possível atender mais que 30% da
população prisional estudando.
Pudemos perceber que os privados de liberdade estão em situação de extrema
vulnerabilidade social, não só pelo perfil individual de cada um, mas também pela
estigmatização que a prisão produz. A função social da pena é a de recuperação,
mas isso só será possível mediante um novo modelo de inserção social que
responda aos anseios da sociedade e que também leve em consideração as
necessidades e complexidades do sujeito que cometeu delito.
A importância da educação nas prisões como instrumento de desconstrução/
reconstrução e de ampliação da capacidade crítica dos sujeitos, pode auxiliar estes
a reconstruírem um futuro melhor durante e após o cumprimento da sentença. Os
objetivos da prisão ultrapassam as idéias de punição e de isolamento que a
detenção carrega.
No decorrer do estágio, as intervenções e as supervisões foram muito significativas,
pois foram momentos para discutir teoria, fazer experimentos, trocar experiências,
entrar em contato com uma realidade tão pouco conhecida. Isso tudo contribuiu
bastante também para meu crescimento, pois intervir em grupos e conhecer suas
realidades, me fez senti a responsabilidade que é ser Psicólogo, o cuidado que
temos que ter ao trabalhar com os sentimentos, sonhos, realidades sociais, dentre
outras coisas.
Sinto que o término da graduação não é o fim da formação em Psicologia. Sei que
para cada novo desafio, terei que estar sempre aberta para aprimorar meus
conhecimentos. Cada novo grupo será uma nova construção e uma nova
experiência.
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6. REFERÊNCIAS. BRASIL, Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro. Brasília: DEPEN e CFP, 2007.
CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica. 4 ed. São Paulo : Makron Books, 1996.
CONSELHO NASCIONAL DE EDUCAÇÃO (Brasil). Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010 – Diário Oficial da União, Brasília, 20 de maio de 2010. Seção 1, p.20. CONSELHO NASCIONAL DE POLITICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA (Brasil). Resolução nº 3, de 11 de março de 2009 – Diário Oficial da União, Brasília, 25 de março de 2009. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (Brasil). Codigo de ética profissional do Psicólogo. Brasília: CFP, 2005. ESPÍRITO SANTO, Diário Oficial. Portaria 042 R de 21 de junho de 2005. ESPIRITO SANTO, Manual de diretrizes e procedimentos da Psicologia no Sistema Penitenciário do Estado do Espírito Santo. Espírito Santo: SEJUS, 2010. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.1983 GADOTTI, M. Palestra de encerramento. In: MAIDA, M. J. D. (Org.). Presídios e Educação. São Paulo: FUNAP, 1993, p. 121-148. INFOPEN; http://www.infopen.gov.br/ Acesso em: 20/02/2010 MANUAL DE PSICOLOGIA ESCOLAR - Educacional/ Ana Maria Cassis... [ET al.], - Curitiba: Grafica e EditoraUnificado, 2007 MINAYO, M. C. de S. e SOUZA, E. R. de: 'Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva'. História, Ciências, Saúde— Manguinhos, IV(3): 513-531, nov. 1997-fev. 1998. OLIVEIRA, Fátima. Representações Sociais. IN: Jacques Maria Corrêa (org.) Psicologia Social contemporânea. Petrópolis, 1998. ONOFRE, E.M.C; Educação escolar entre as grades. 1. ed. São Paulo: Edufscar, 2007.
50
PIOVESAN, Armando; TEMPORINI, Edméa Rita. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo de saúde pública. Revista Saúde Pública, São Paulo, abril, 1995. Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública – Universidade de São Paulo: Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v29n4/10.pdf>. Acessado em 30 junho de 2011 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA: Programa Educacional “portas Abertas para Educação”, 2010/2011. THIOLLENT, M. Pesquisa-Ação nas Organizações. Ed. Atlas. São Paulo, 1997. UNESCO. Educando para Liberdade: trajetória, debates e proposições de um projeto para a educação nas prisões brasileiras. – Brasília:,Governo Japonês, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, 2006.
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