MARCELA NOLASCO
SOBRECARGA DOS FAMILIARES CUIDADORES EM FUNO DO
DIAGNSTICO DOS PACIENTES PSIQUITRICOS
So Joo del-Rei
PPGPSI-UFSJ
2013
MARCELA NOLASCO
SOBRECARGA DOS FAMILIARES CUIDADORES EM FUNO DO
DIAGNSTICO DOS PACIENTES PSIQUITRICOS
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Psicologia da Universidade Federal de So
Joo del-Rei como requisito parcial para a obteno do ttulo
de Mestre em Psicologia.
rea de concentrao: Psicologia
Linha de pesquisa: Sade Mental
Orientadora: Professora Dra. Marina Bandeira PhD
So Joo del-Rei
PPGPSI-UFSJ
2013
Dedico este trabalho minha me Vera Lcia (in
memorian), a maior incentivadora dos meus estudo,
pelo amor, pelo exemplo de bondade, carter,
coragem, e tantas outras qualidades que me fazem
orgulhar de ser sua filha. Por ter se dedicado minha
formao pessoal e profissional.
Muita saudade!
AGRADECIMENTOS
Deus, pela fora, inspirao e motivao que me foram dadas para a concretizao deste
trabalho. Sem a graa divina, eu no estaria aqui.
Aos meus pais, Vera (in memoriam) e Joo, pelo amor, confiana e apoio oferecidos durante
toda minha vida. Sem eles, esta vitria no seria possvel. Ao meu irmo Daniel pelo
companheirismo e apoio durante todos estes anos.
Ao meu namorado Ricardo, pela pacincia, companherismo e compreenso. Agradeo pelos
conselhos e pelas palavras de incentivo e encorajamento. Obrigada por estar sempre ao meu
lado.
professora Marina Bandeira, pelo apoio e confiana depositados em mim. Muito obrigada
por suas orientaes e por todo o crescimento profissional que me proporcionou. Com certeza,
seu empenho, dedicao, responsabilidade, tica e profissionalismo sero um exemplo para
mim durante toda minha vida profissional. Serei eternamente grata.
Aos professores Paulo Anglico e Maria Amlia, por participarem da minha formao
acadmica, compartilhando seus conhecimentos.
professora Daniela e, em especial, ao professor Marcos Oliveira, que me orientou na anlise
dos dados estatsticos deste estudo. Obrigada pela confiana e pelo suporte.
Ao psiquiatra Carlos Eduardo Vidal pela confiana e apoio prestados. Muito obrigado pelo
seu apoio e exemplo de profissionalismo.
Aos membros da Banca Examinadora, pelos comentrios e sugestes apresentadas com o
objetivo de valorizar o trabalho.
Aos amigos e colegas do LAPSAM e da UFSJ, com quem convivi em algum momento do
meu mestrado: Ins, Isabella, Lvia, Arthur, Diego, Mnia, Cynthia, Mrio, Juliana, Flvio,
Cleucimara e tantos outros. Compartilhamos muitas experincias e momentos agradveis.
Agradeo tambm s estagirias Danielle, Paola e, em especial, a Tatiana, que me ajudaram
de forma importante na primeira fase da pesquisa.
Agradeo aos Servios de Sade Mental de Barbacena (FHEMIG e CAPS), por acolherem
esta pesquisa, tornando possvel a realizao da mesma.
Agradeo aos familiares dos pacientes psiquitricos, que participaram das entrevistas.
Entrevistar esses familiares proporcionou-me um crescimento profissional e tambm pessoal,
pois so exemplos de fora e superao.
RESUMO
A desinstitucionalizao psiquitrica colocou em destaque a participao das famlias nos
cuidados ao paciente psiquitrico. As dificuldades enfrentadas no desempenho do papel de
cuidador contriburam para um sentimento de sobrecarga desses familiares, que afeta vrias
dimenses em suas vidas. Diversos estudos investigaram as dimenses da sobrecarga desses
familiares e seus fatores associados. Entretanto, algumas variveis ainda foram pouco
estudadas, em particular a influncia do tipo de transtorno do paciente na sobrecarga sentida
pelo familiar cuidador. H tambm uma contradio de resultados, acerca da relao entre
essas duas variveis, o que demanda esclarecimento. Esta pesquisa visou comparar os graus
das sobrecargas objetiva e subjetiva sentidas por familiares cuidadores de pacientes com
esquizofrenia e por familiares cuidadores de pacientes com depresso maior, como tambm os
fatores associados e as dimenses mais afetadas em cada grupo. Participaram desta pesquisa
50 cuidadores de pacientes com esquizofrenia e 50 cuidadores de pacientes com depresso
maior. Esses familiares participaram de uma entrevista estruturada, na qual foram aplicados a
escala de sobrecarga FBIS-BR e um questionrio sociodemogrfico e clnico. Os resultados
indicaram que os grupos no apresentavam diferenas significativas nos escores globais de
sobrecarga objetiva e subjetiva. No entanto, foram encontradas diferenas na anlise
detalhada dos itens da escala. Os familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia
apresentaram sobrecarga objetiva significativamente mais elevada na subescala Assistncia
na Vida Cotidiana, particularmente nas tarefas relacionadas com a tomada de medicamentos
e com a administrao do dinheiro, e apresentaram tambm maior sentimento de peso
financeiro resultante do papel de cuidador. Os cuidadores de pacientes com depresso maior
apresentaram maior frequncia de superviso de comportamentos autoagressivos, mais
preocupao com a vida social dos pacientes e maior sentimento de incmodo nas tarefas
relacionadas ao asseio corporal, s compras de alimentos ou outros objetos, administrao
do dinheiro e ao acompanhamento em consultas mdicas. Diferentes fatores estiveram
associados sobrecarga subjetiva em cada grupo de cuidadores. As diferenas encontradas,
nesta pesquisa, apontam para a necessidade de os servios de sade mental planejarem
intervenes especficas para cada grupo de cuidadores.
Palavras-chave: Sobrecarga dos familiares cuidadores, pacientes psiquitricos, diagnstico
dos pacientes, esquizofrenia e depresso maior.
ABSTRACT
Psychiatric deinstitutionalization has lead to a greater participation of family caregivers in
patients daily care. The difficulties faced by family caregivers in this role contributed to a
sense of burden that affects multiple dimensions of their lives. Several studies have
investigated the life dimensions more affected by caregiving role and the most important
burden associated factors. However, some variables still demand more investigation, such as
the influence of patients type of disorder in family caregiver burden, since researches have
pointed out a contradiction in results relating these two variables. This study aimed to
compare the degree of objective and subjective burden felt by family caregivers of patients
with schizophrenia and by family caregivers of patients with major depression, as well as
associated factors and life dimensions most affected in each group. Participated in this study
50 family caregivers of patients with schizophrenia and 50 family caregivers of patients with
major depression. These subjects participated in a structured interview for the application of
the FBIS-BR burden scale and a sociodemographic and clinical questionnaire. The results
indicated that the two groups did not differ significantly in global scores of objective and
subjective burden. However, significant differences were found in the analysis of subscales
and specific items. The family caregivers of patients with schizophrenia showed significantly
higher objective burden in the subscale Assistance in Everyday Life, particularly in the
tasks related to medication administration and financial management, and they also had more
feeling of financial burden. Family caregivers of patients with major depression had higher
frequency of supervising patients self aggressive behaviors, more worries about their social
life and more feeling of discomfort regarding assistance in personal care, shopping, financial
management and transportation needs. Different factors were associated with subjective
burden in each group of family caregivers. The differences found in this study pointed out the
need for mental health services to plan specific interventions for each group of family
caregivers.
Keywords: Family caregivers, family cargivers burden, psychiatric patients, patients
diagnostics, schizophrenia and major depression
SUMRIO
INTRODUO........................................................................................................................13
REVISO BIBLIOGRFICA.................................................................................................18
Desinstitucionalizao psiquitrica...............................................................................18
As dificuldades da desinstitucionalizao.....................................................................22
Avaliao dos servios de sade mental.......................................................................25
Conceituao e tipos de avaliao.....................................................................25
Recomendaes para a avaliao dos servios..................................................28
Avaliao dos servios de sade mental no Brasil........................................................31
Sobrecarga dos familiares de pacientes psiquitricos...................................................34
Transtornos psiquitricos estudados: esquizofrenia e depresso..................................41
Conceituao e caractersticas da Depresso....................................................41
Conceituao e caractersticas da Esquizofrenia...............................................44
Sobrecarga familiar e diagnstico dos pacientes..........................................................49
OBJETIVOS.............................................................................................................................56
Objetivo geral................................................................................................................56
Objetivos especficos.....................................................................................................56
HIPTESE................................................................................................................................57
METDO..................................................................................................................................58
Delineamento................................................................................................................58
Local de estudo.............................................................................................................59
Populao-alvo..............................................................................................................60
Amostra.........................................................................................................................61
Instrumentos de medida................................................................................................62
Escala de avaliao da sobrecarga dos familiares (FBIS-BR)......................... 62
Questionrio Sociodemogrfico e Clnico.........................................................65
Procedimento de coleta de dados..................................................................................65
Anlise dos dados..........................................................................................................66
Consideraes ticas.....................................................................................................68
RESULTADOS.........................................................................................................................69
Normalidade da amostra................................................................................................69
Descrio da amostra....................................................................................................69
Caractersticas sociodemogrficas dos familiares.............................................70
Caractersticas das condies de vida dos familiares........................................72
Caractersticas sociodemogrficas dos pacientes..............................................73
Caractersticas clnicas dos pacientes................................................................78
Sobrecarga dos familiares cuidadores: anlises intergrupos e intragrupos...................78
Equivalncia dos grupos de comparao...........................................................78
Anlises intergrupos da sobrecarga dos familiares...........................................81
Sobrecarga global e por subescalas.......................................................81
Sobrecarga por itens de cada subescala.................................................82
Anlise intragrupos da sobrecarga dos familiares: comparao da sobrecarga
entre subescalas.................................................................................................88
Anlises univariadas da sobrecarga subjetiva: variveis sociodemogrficas, clnicas
e de condies de vida...................................................................................................90
Grupo de familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia......................90
Grupo de familiares cuidadores de pacientes com depresso maior.................95
Anlises multivariadas: Fatores preditores da sobrecarga subjetiva...........................100
Grupo de familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia....................102
Grupo de familiares cuidadores de pacientes com depresso maior.................95
DISCUSSO..........................................................................................................................109
CONCLUSO........................................................................................................................118
REFERNCIAS......................................................................................................................121
ANEXOS................................................................................................................................138
ANEXO I. Protocolo da Comisso de tica em Pesquisa com Seres Humanos ........139
ANEXO II. Aprovao do Comit de tica em Pesquisa (CEP/FHEMIG)................140
ANEXO III. Autorizao do CAPS Municipal da cidade de Barbacena....................143
ANEXO IV. Escala de Avaliao da Sobrecarga dos Familiares (FBIS-BR)............144
ANEXO V. Questionrio Sociodemogrfico e Clnico..............................................153
ANEXO VI.Termo de Consentimento Livre e Esclarecido........................................160
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Caractersticas sociodemogrficas dos familiares, em termos de porcentagens (%), mdias e
desvios-padro (DP), para cada grupo de cuidador ............................................................................... 76
Tabela 2. Caractersticas das condies de vida dos familiares, em termos de porcentagens (%),
mdias e desvio-padro (DP), para cada grupo de cuidador ................................................................. 77
Tabela 3. Caractersticas sociodemogrficas dos pacientes em termos de porcentagens (%), mdias e
desvios-padro (DP), para cada grupo de cuidador ............................................................................... 79
Tabela 4. Caractersticas do quadro clnico dos pacientes, em termos de porcentagens (%), mdias e
desvios-padro (DP), para cada grupo de cuidador ............................................................................... 81
Tabela 5. Porcentagens dos comportamentos problemticos apresentados pelos pacientes para cada
grupo de cuidadores .............................................................................................................................. 82
Tabela 6. Anlise da equivalncia dos grupos qunato s variveis dos familiares ............................... 84
Tabela 7. Anlise da equivalncia dos grupos quanto s variveis do paciente .................................... 84
Tabela 8. Mdias dos escores globais das sobrecargas objetiva e subjetiva, desvios-padro (DP) e valor
de p para cada grupo de cuidadores ...................................................................................................... 86
Tabela 9. Mdias dos escores por subescalas, das sobrecargas objetiva e subjetiva, desvios- padro
(DP) e valor de p para cada grupo de cuidadores .................................................................................. 86
Tabela 10. Mdias dos escores das sobrecargas objetiva (a) e subjetiva (b) para cada questo da
subescala de "Assistncia na Vida Cotidiana", desvios-padro e valor de p para cada grupo de
cuidador ................................................................................................................................................. 87
Tabela 11. Mdias dos escores das sobrecargas objetiva (a) e subjetiva (b) para cada questo da
subescala de "Superviso dos Comportamentos Problemticos", desvios-padro e valor de p para cada
grupo de cuidador .................................................................................................................................. 89
Tabela 12. Mdias dos escores das sobrecargas objetiva e subjetiva (C5) para cada questo da
subescala "Impacto Financeiro", desvios-padro (DP) e valor de p para cada grupo de cuidador ....... 91
Tabela 13. Mdias dos escores de sobrecarga objetiva e subjetiva (D2) para cada questo da subescala
"Impacto na Rotina Diria do Familiar", desvios-padro (DP) e valor de p para cada grupo de cuidador
............................................................................................................................................................... 91
Tabela 14. Mdias dos escores das sobrecarga subjetiva para cada questo da subescala de
"Preocupaes com o paciente", desvios- padro e valor de p para cada grupo de cuidador ............... 92
Tabela 15. Mdias dos escores da sobrecarga objetiva e subjetiva das subescalas e valor de p para o
grupo de familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia ........................................................... 94
Tabela 16. Mdias dos escores das sobrecargas objetiva e subjetiva das subescalas e valor de p para o
grupo de familiares cuidadores de pacientes com depresso maior ...................................................... 95
Tabela 17. Anlises univariadas das variveis categricas sociodemogrficas dos familiares em relao
sobrecarga global subjetiva dos cuidadores de pacientes com esquizofrenia ..................................... 96
Tabela 18. Correlao de Pearson entre os escores de sobrecarga subjetiva e as variveis contnuas
referentes s condies de vida dos familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia ................ 97
Tabela 19. Anlises univariadas das variveis categricas referentes s condies de vida dos
familiares em relao sobrecarga global subjetiva dos cuidadores de pacientes com esquizofrenia . 97
Tabela 20. Anlises univariadas das variveis categricas sociodemogrficas dos pacientes em relao
sobrecarga global subjetiva dos familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia .................... 98
Tabela 21. Correlao de Pearson entre as variveis clnicas dos pacientes e os escores de sobrecarga
subjetiva dos familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia .................................................. 99
Tabela 22. Anlises univariadas das variveis categricas referentes s caractersticas clnicas dos
pacientes em relao aos escores de sobrecarga subjetiva dos familiares cuidadores de pacientes com
esquizofrenia ....................................................................................................................................... 100
Tabela 23. Anlises univariadas das variveis categricas referentes s caractersticas
sociodemogrficas dos familiares em relao sobrecarga global subjetiva dos cuidadores de
pacientes com depresso maior...................................................................................................101
Tabela 24. Correlao de Pearson entre os escores de sobrecarga subjetiva e as variveis contnuas
referentes s condies de vida dos familiares cuidadores de pacientes com depresso maior ......... .102
Tabela 25. Anlises univariadas das variveis categricas referentes s condies de vida dos
familiares em relao sobrecarga global subjetiva no grupo de cuidadores de pacientes com
depresso maior ................................................................................................................................... 102
Tabela 26. Anlises univariadas das variveis categricas referentes s caractersticas
sociodemogrficas dos pacientes em relao sobrecarga global subjetiva dos familiares cuidadores
de pacientes com depresso maior...................................................................................................98
Tabela 27. Correlao de Pearson entre entre as variveis clnicas dos pacientes e a sobrecarga
subjetiva dos cuidadores de pacientes com depresso maior. ............................................................. 104
Tabela 28. Anlises univariadas das variveis categricas referentes s caractersticas clnicas dos
pacientes em relao aos escores de sobrecarga subjetiva no grupo de familiares cuidadores de
pacientes com depresso maior ........................................................................................................... 105
Tabela 29. Anlises de Regresso Mltipla das caractersticas dos familiares e pacientes associadas
sobrecarga global subjetiva no grupo de familiares cuidadores de pacientes com esquizofrenia ....... 107
Tabela 30. Anlises de Regresso Mltipla das caractersticas dos familiares e pacientes associadas
sobrecarga global subjetiva no grupo de familiares cuidadores de pacientes com depresso maior .. 110
Tabela 31. Fatores preditores da sobrecarga subjetiva dos dois grupos de familiares cuidadores,
segundo o diagnstico do paciente ...................................................................................................... 113
13
INTRODUO
Os transtornos psiquitricos tm importante impacto na vida dos pacientes, resultando
em anos perdidos com incapacidade (Rebouas, Legay, & Abelha, 2007), caracterizada pelas
limitaes do ponto de vista do rendimento funcional e do desempenho das atividades e
papis sociais (Buuales, Diego, & Moreno, 2002). Estimativas do Relatrio sobre a Sade no
Mundo, da Organizao Mundial de Sade (OMS), realizado em 2001, indicaram que seis
afeces neuropsiquitricas situaram-se entre as 20 principais causas de incapacidades no
mundo: transtornos depressivos unipolares, esquizofrenia, transtornos afetivos bipolares,
transtornos devido ao uso de lcool, doena de Alzheimer e outras demncias e epilepsia. Os
dados do levantamento da OMS (2001) mostraram que 450 milhes de pessoas sofriam de
transtornos psiquitricos e que esses transtornos representavam 12% da carga mundial das
doenas. Estima-se que, em 2020, esse ndice atinja 15% de incapacitao. Dados de 2002, no
Brasil, indicaram que os transtornos neuropsiquitricos representavam 1% de mortes por
doenas, porm esses transtornos foram responsveis por 13% do nus gerado por todas as
doenas de forma geral (Kohn, Mello, & Mello, 2007). Entretanto, Andreoli (2007) apontou
que os gastos do poder pblico, destinados sade, em 2003, foram maiores do que 17
bilhes, sendo que apenas 3,1% desse total foram dedicados s aes e servios de sade
mental.
O tratamento dos transtornos psiquitricos pelos servios de sade mental passou por
modificaes importantes, a partir da dcada de 1950, com a desinstitucionalizao, que se
iniciou na Inglaterra, tendo se desenvolvido, desde ento, em diversos pases. Esse processo
se caracterizou pela reduo progressiva dos leitos psiquitricos e pela nfase nos servios
comunitrios.
A desinstitucionalizao colocou em destaque a reinsero social dos pacientes na
comunidade, a promoo da sua qualidade de vida e o envolvimento das famlias (Koga,
Fugoreto, & Santos, 2006; Bandeira et al., 2000; Morgado & Lima, 1994). As famlias se
tornaram as principais provedoras de cuidados e apoio aos pacientes. Como resultado, ocorreu
a sobrecarga dos familiares, definida como o sentimento de peso a carregar em funo do
papel de cuidador dos pacientes e das dificuldades que encontraram no desempenho desse
papel em seu dia a dia (Tessler & Gamache, 2000). Essas dificuldades tornaram-se mais
acentuadas devido falta de apoio satisfatrio por parte dos servios de sade mental junto a
14
esses familiares (Andreoli, 2007; Andreoli, Almeida-Filho, Martin, Mateus, & Mari, 2007;
Bandeira & Barroso, 2005).
Segundo o relatrio da OMS (2001), os custos com os transtornos psiquitricos
deveriam ser considerados em relao aos aspectos monetrios e no-monetrios. Os custos
monetrios so aqueles relacionados ao desemprego, reduo de produtividade e gastos com
prestao de servios sociais e de sade, dentre outros. Os custos no-monetrios resultam do
estresse e sobrecarga apresentados pelo cuidador advindos do processo de cuidar. Awad e
Voruganti (2000) relataram que no h estimativas reais dos custos relacionados sobrecarga
dos familiares cuidadores dos pacientes psiquitricos.
Na literatura internacional, a sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes
psiquitricos tem sido amplamente discutida. Alguns autores chamaram a ateno para a
necessidade de desenvolver estudos investigando os fatores associados sobrecarga desses
cuidadores (Hanson & Rapp, 1992; Loukissa, 1995; Maurin & Boyd, 1990; Rose, 1996). No
contexto brasileiro, Bandeira e Barroso (2005) tambm apontaram a necessidade de
desenvolver mais estudos sobre a sobrecarga dos familiares, em particular sobre a influncia
dos diferentes diagnsticos dos pacientes.
Alguns estudos apontaram que o quadro clnico do paciente destaca-se pode estar
associado sobrecarga sentida pelos familiares, segundo as revises de literatura da rea
(Maurin & Boyd, 1990; Loukissa, 1995; Rose, 1996). As diferentes patologias apresentam
caractersticas e desafios particulares, podendo resultar em diferentes formas de impacto nos
membros de cada famlia e nas suas formas de enfrentamento (Soares & Munari, 2007). Para
Cavalheri (2002), quando um familiar apresenta um transtorno psiquitrico, a famlia acaba
mobilizando-se inteiramente. O desgaste da famlia agravado quando se trata de uma doena
de longa durao, com frequentes perodos de crises, com sintomas agudos e quando
considerada incapacitante e estigmatizadora. A sobrecarga dos familiares afeta diversos
aspectos de suas vidas, tais como as dimenses sociais e profissionais, as atividades
cotidianas, as preocupaes e as despesas com o paciente, podendo prejudicar a sade mental
dos cuidadores, com manifestaes de ansiedade e depresso (Bulger, Wandersman, &
Goldman, 1993; Koga & Fugareto, 1998; Magliano, Fadden, & Madianos, 1997; Martnez,
Nadal, Beperet, & Mendiroz, 2000; Waidman, Jouclas, & Stefanelli, 1999).
Na reviso de literatura de Maurin e Boyd (1990), foi apontada a excessiva
homogeneidade dos diagnsticos dos pacientes nos estudos sobre a sobrecarga dos
15
cuidadores, que tem sido quase sempre de esquizofrenia, o que dificulta a identificao da real
influncia dos diferentes tipos de diagnstico na sobrecarga dos familiares. Essa
homogeneidade de diagnstico dos pacientes impede a comparao dos resultados da
sobrecarga dos cuidadores de pacientes com diferentes diagnsticos (Rose, 1996). Ogilviea,
Goodwin e Morantb (2005), em outra reviso de literatura, chamaram a ateno para a
carncia de pesquisas sobre a temtica da sobrecarga dos cuidadores de pacientes com
diagnsticos de transtornos afetivos, depresso unipolar e transtornos bipolares. No Brasil, h
carncia de estudos com o objetivo de avaliar a influncia do diagnstico dos pacientes sobre
os nveis ou formas de sobrecarga dos familiares que cuidam desses pacientes (Koga &
Furegato, 1998; Soares & Munari, 2007; Luzardo & Waidman, 2004; Nasi, Stumm,
Konageski, & Hildebrandt, 2004).
Foi realizada uma busca sistemtica, nas bases indexadas de peridicos cientficos
Medline, Lilacs, SciELO, Psycinfo e ISI Web of Knowledge, utilizando os descritores:
diagnstico e sobrecarga, sobrecarga familiar, sobrecarga do cuidador, overload in
accordance with the diagnosis, burden and diagnostic, burden and diagnostic and health and
mental, family burden e carga de la familia relacionados con el diagnstico. Foram
encontrados seis estudos internacionais, que investigaram a sobrecarga de familiares
cuidadores de pacientes com diferentes transtornos psiquitricos (Jenkins & Schumacher,
1999; Mller-Leimkhler, 2005; Martnez et al., 2000; Wijngaarden, Schene, & Koeter, 2004;
Hadrys, Adamowski, & Kiejna, 2011; Hasui et al., 2002). No Brasil, foi encontrado apenas
um estudo, realizado por Westpthal et al. (2005), mas que no foi includo no conjunto dos
seis estudos j citados, uma vez que comparou cuidadores de pacientes com transtornos
neurolgicos (dois tipos de epilepsia), e no transtornos psiquitricos, como proposto nesta
investigao.
Nem todas as pesquisas encontradas na literatura constataram que a sobrecarga variava
em funo do diagnstico do paciente. Trs pesquisas, que compararam cuidadores de
pacientes com diagnsticos de esquizofrenia e depresso, encontraram sobrecarga objetiva
mais elevada em cuidadores de pacientes com esquizofrenia e tambm maior sobrecarga
subjetiva em dois desses estudos (Jenkins & Schumacher,1999; Mller-Leimkhler, 2005;
Wijngaarden et al., 2004). No estudo de Hadrys et al. (2011), no houve diferena
significativa na sobrecarga familiar em funo do tipo de diagnstico do paciente
(esquizofrenia, depresso e transtornos de ansiedade e personalidade). No estudo de Hasui et
16
al. (2002), a sobrecarga subjetiva foi significativamente mais elevada para os familiares de
pacientes psicticos do que nos outros dois grupos, sendo um grupo com diagnstico de
depresso e outro com diagnsticos variados: uso abusivo de lcool, transtornos alimentares,
dependncia de anfetaminas e transtorno de ajustamento ou adaptao.
Alm disso, nenhuma pesquisa foi publicada em peridicos cientficos, no Brasil, at
o momento, visando a avaliar o grau de sobrecarga dos familiares cuidadores em funo de
diferentes diagnsticos dos pacientes. No contexto internacional, foram encontradas apenas
seis pesquisas. Observa-se, ento, uma carncia de estudos sobe essa temtica.
Portanto, os problemas de pesquisa encontrados na literatura consultada consistem em
uma contradio dos resultados das pesquisas publicadas em peridicos cientficos e de uma
carncia de estudos sobre a relao entre a sobrecarga dos familiares cuidadores e o
diagnstico dos pacientes, o que demanda esclarecimento mediante novas pesquisas sobre
essa temtica. A questo de pesquisa que se coloca no presente trabalho se a sobrecarga dos
familiares cuidadores difere ou no em funo do tipo de transtorno do paciente.
17
REVISO BIBLIOGRFICA
Ser apresentado, inicialmente, um subtpico sobre o processo de
desintitucionalizao psiquitrica na Europa, na Amrica do Norte e no Brasil, bem como as
dificuldades encontradas para o atendimento dos pacientes na comunidade. Em seguida, ser
descrita a experincia dos familiares cuidadores de pacientes psiquitricos dentro desse
processo, destacando-se as dificuldades enfrentadas por eles e a sobrecarga resultante do
papel de cuidador. Sero apresentadas, em seguida, as caractersticas dos transtornos de
esquizofrenia e depresso, tendo em vista que sero comparados os graus de sobrecarga de
familiares cuidadores de pacientes com esses dois diagnsticos. Por ltimo, sero
apresentados os estudos que investigaram a sobrecarga dos familiares em funo do
diagnstico.
Desinstitucionalizao psiquitrica
O processo de desinstitucionalizao psiquitrica se iniciou em 1950, na Inglaterra e
depois se desenvolveu em outros pases da Europa e da Amrica do Norte (Bandeira, 1991;
Lougon, 2006). Alm do momento histrico favorvel s transformaes da prestao de
servios em sade mental, as principais razes que propiciaram o surgimento da
desinstitucionalizao foram: a) as precrias condies em que se encontravam os hospitais
psiquitricos, b) o movimento pelos direitos humanos, c) o surgimento e evoluo dos
medicamentos antipsicticos e d) o interesse em reduzir custos com a sade mental por meio
do tratamento na comunidade (Bandeira, 1991; Morgado & Lima, 1994). O tratamento ao
paciente psiquitrico se deslocou do hospital psiquitrico para os servios na comunidade, tais
como ambulatrios, postos de sade mental, consultrios individuais e centros comunitrios
(Morgado & Lima, 1994). A Inglaterra foi pioneira nesse processo, pois a psiquiatria social
j vinha acontecendo quando se implantou a desinstitucionalizao e a legislao em 1959,
com a instituio da nova lei de Sade mental, baseada em uma ao comunitria.
O momento histrico e o contexto socioeconmico vivenciados, em cada pas
influenciaram de maneira diferente a forma como ocorreu o processo de
desinstitucionalizao. Pode-se destacar a psiquiatria preventiva realizada nos Estados Unidos
18
(EUA), a psiquiatria de setor e a psiquiatria institucional na Frana, a psiquiatria democrtica
na Itlia e a Reforma Psiquitrica no Brasil. A desinstitucionalizao apresentou algumas
caractersticas diferentes nestes pases, mas todos esses movimentos tinham como objetivo
desativar gradualmente os hospitais psiquitricos, visando a integrao da pessoa que sofre de
transtornos psiquitricos comunidade (Amarante, 1995; Lougon, 2006; Vidal, Bandeira, &
Gontijo, 2008).
A desinstitucionalizao foi marcada por mudanas significativas nos atendimentos
aos pacientes psiquitricos, baseadas em intervenes na comunidade, reduo de leitos nos
hospitais psiquitricos e em preveno de internaes. Na Inglaterra, em 1950, o nmero de
pacientes hospitalizados diminuiu de quatro para 1,5 pacientes por 1.000 habitantes (Bandeira
et al., 1998). Segundo a Associao Brasileira de Psiquiatria (2006), o pas contava com 0,58
leitos psiquitricos por mil habitantes, considerados insuficientes para a demanda. Nos
Estados Unidos, essa reduo foi de 80% entre 1955 e 1983. Em 2006, o pas contava com
0,95 leitos psiquitricos por mil habitantes. No Canad, houve uma reduo de 78% dos leitos
entre 1962 e 1977, enquanto na Itlia, a diminuio foi de 53,2% no perodo de 1978 a 1987.
O Canad contava, em 2006, com um ndice de de 1,93 leitos psiquitricos para cada mil
habitantes (Bandeira et al., 1998, Associao Brasileira de Psiquiatria, 2006).
Entretanto, o processo de desinstitucionalizao apresentou uma srie de problemas
(Bandeira, 1991; Lougon, 2006). Paralelamente reduo dos leitos psiquitricos, deveriam
ter sido desenvolvidos servios comunitrios suficientes para que os pacientes obtivessem um
tratamento amplo, que atendesse s suas necessidades de forma integral, garantindo o sucesso
de sua reinsero social (Bandeira et al., 1998). Porm, o que ocorreu inicialmente foi uma
simples desospitalizao, sem a criao simultnea de um nmero suficiente de servios que
oferecessem suporte adequado para os pacientes (Bandeira, 1991; Morgado & Lima, 1994).
Alm disso, a maioria dos servios criados privilegiava, em geral, o tratamento no modelo
ambulatorial, no-intensivo e mais adequado para pacientes com transtornos leves e menos
disfuncionais. Isso fez com que os pacientes mais graves ficassem sem um tratamento
adequado que suprisse todas as suas necessidades (Lougon, 2006).
Outro problema a ser destacado foi a diminuio de verbas para a sade mental e a
falta de preparao dos profissionais para trabalhar na comunidade. Segundo a Associao
Brasileira de Psiquiatria (2006), a Inglaterra destinava cerca de 10% do total do oramento da
rea da sade em sade mental, os Estados Unidos da Amrica destinava cerca de 6% de todo
19
o oramento da rea de Sade e o Canad gastava em mdia 11% do oramento. Entretanto, o
Brasil destinou, em 2006, apenas 2,3% do oramento em sade para aes e servios de sade
mental (Associao Brasileira de Psiquiatria, 2006). No processo de desinstitucionalizao,
alm dos problemas de moradia, dificuldades financeiras, consumo de drogas e lcool
observa-se tambm um aumento na taxa de rehospitalizaes dos pacientes psiquitricos. Esse
fenmeno ficou conhecido como porta giratria (Bandeira & Dorvil, 1996).
Devido aos diversos problemas apresentados no processo de desinstitucionalizao,
foram desenvolvidos os Programas de Acompanhamento Intensivo na Comunidade, com o
objetivo de diminuir as re-hospitalizaes e possibilitar a melhor integrao do paciente na
comunidade. Segundo Bandeira et al. (1998), trata-se de programas complexos, intensivos e
globais. So considerados complexos, por atuarem com uma grande diversidade de
profissionais em equipes multidisciplinares; intensivos, por envolverem o trabalho desses
profissionais 24 horas, com a busca ativa dos pacientes na comunidade; e globais, por
pretenderem satisfazer s mltiplas necessidades clnicas e tambm sociais dos pacientes.
Dentre esses programas, destacam-se o modelo Case Management (gerenciamento de casos),
o Program for Assertive Community Treatment (Programa PACT) e o programa Bridge, todos
desenvolvidos nos Estados Unidos (Bandeira et al., 1998; Machado, Dahl, Carvalho &
Cavalcanti, 2007).
O case management consistiu em um sistema de coordenao e integrao dos
servios, onde um agente responsvel ficava responsvel por cada paciente em sua reinsero
social. As funes do agente so coordenar e integrar os servios comunitrios de que o
paciente necessita, garantir que ele faa uso dos mesmos e avaliar se os servios atenderam s
necessidades do paciente. O case manager no oferece os servios ao paciente, mas o coloca
em contato com os servios j existentes na comunidade, garantindo que ele receba os
cuidados necessrios. No entanto, esse programa no atingiu completamente os objetivos
iniciais devido a algumas limitaes identificadas na comunidade. A maior dificuldade desse
modelo foi encontrar todos os servios necessrios na comunidade, uma vez que muitos deles
ainda eram inexistentes. Esse programa se expandiu para diversos lugares nos Estados Unidos
e acrescentaram-se funes adicionais ao agente responsvel, tais como: oferecer alguns
servios ao paciente quando eles no existem na comunidade, intervir em momentos de crises,
fazer treinamento dos pacientes em habilidades sociais e de vida cotidiana e representar o
paciente junto a agncias sociais(Bandeira et al., 1998; Machado, Dahl, Carvalho, &
20
Cavalcanti, 2007). Com o decorrer do tempo, o conceito de Case Management se modificou
com o objetivo de resolver esse problema, e o prprio case manager passou a fornecer, ele
mesmo, os servios que no estavam presentes na comunidade. Porm, ele no conseguia
fornecer a diversidade de servios necessrios, uma vez que ele no tinha formao em
diferentes reas. O conceito de Case Management no foi, ento, suficiente para o complexo
trabalho de reinsero dos pacientes na comunidade. Dessa forma, era necessrio um modelo
mais eficaz para a realizao do acompanhamento intensivo dos pacientes na comunidade,
que seria possvel apenas se fosse realizado por uma equipe multidisciplinar.
O Program for Assertive Community Treatment (PACT) foi originalmente
denominado de Modelo de Madison por ter se desenvolvido inicialmente nessa cidade. Trata-
se de um modelo muito mais intensivo e abrangente do que o Case Management, no qual o
paciente recebe um acompanhamento individualizado e dirio por uma equipe
multiprofissional de sade mental, continuamente e sem limitao de tempo. Essa equipe
busca ativamente o paciente na comunidade para que ele receba o tratamento onde seja
necessrio. Trs quartos do tempo de trabalho das equipes so feitos diretamente na
comunidade. Geralmente, a equipe formada por dez profissionais: enfermeiros, assistentes
sociais, psiquiatra, psiclogo, educadores e especialistas em orientao profissional. A
continuidade do acompanhamento assegurada seguindo seis etapas. Inicialmente, so
realizadas avaliaes individuais em todas as dimenses da vida do paciente, para analisar
suas necessidades. Em seguida, so elaborados planos individualizados de servios e tambm
so desenvolvidos novos servios, quando necessrio. A execuo dos planos de servios
incluem intervenes especficas. So desenvolvidas ainda intervenes direcionadas aos
momentos de crise at estabilizao do paciente. Por fim, os planos so revistos e
reformulados frequentemente, de acordo com as mudanas das necessidades dos pacientes.
Quando o paciente alcana um pouco de autonomia e autoconfiana, uma equipe
multidisciplinar de carter menos intensivo assume a responsabilidade de atend-lo, visando
uma independncia cada vez maior (Bandeira et al., 1998; Machado et al., 2007).
O programa Bridge, desenvolvido em Chicago, tem as mesmas caractersticas
essenciais do programa PACT, mas com algumas caractersticas particulares. Esse programa
especializou-se na populao psiquitrica considerada de alto risco, sendo direcionado a
pacientes psiquitricos itinerantes e com elevadas taxas de re-hospitalizaes. O objetivo do
programa a diminuio das re-hospitalizaes e da itinerncia dos pacientes, assim como
21
aumentar a qualidade da vida dos mesmos, realizando acompanhamento das necessidades
bsicas de sobrevivncia, tais como alimentao e alojamento, dentre outras. A equipe desse
programa encaminha os pacientes para utilizarem servios j presentes na comunidade, como
no programa Case Management, ao invs de oferecer todos os servios, como no programa
PACT (Bandeira et al., 1998).
A avaliao desses programas de acompanhamento intensivo demonstrou que eles
apresentavam bons resultados na preveno das re-hospitalizaes e na reinsero social dos
pacientes. Foram realizados estudos cuidadosos, com delineamento experimental e grupo
controle, que confirmaram a eficcia clnica e a superioridade dos programas descritos,
comparativamente a programas tradicionais de acompanhamento na comunidade (Bandeira et
al., 1998). Entretanto, a avaliao desses programas revelou tambm custos relativamente
altos, tanto em termos monetrios quanto no monetrios (Bandeira et al., 1998; Machado et
al., 2007).
Portanto, torna-se difcil a disseminao em larga escala desses programas de
acompanhamento intensivo, principalmente para os pases em desenvolvimento. No Brasil,
por exemplo, esse tipo de acompanhamento ainda no foi desenvolvido e, mesmo nos EUA,
de acordo com Bandeira et al. (1998), o PACT tinha se desenvolvido, principalmente, nos
Estados do Leste e Meio-oeste do pas. Segundo Andreoli (2007), a implantao de servios
comunitrios de sade mental, mesmo no sendo de carter intensivo, exige um aumento
substancial das verbas direcionadas pelos governos sade mental, principalmente no incio
do processo de desinstitucionalizao. O quadro a seguir mostra a situao de alguns pases,
em 2006, que j passaram por reformas em seus Modelos Assistenciais em Sade Mental e
ainda os esto aprimorando.
22
Quadro 1
Resumo comparativo da Associao Brasileira de Psiquiatria (2006) de alguns pases em
relao desinstitucionalizao psiquitrica
Nveis de
ateno
Canad Inglaterra Estados Unidos Brasil
Ateno
Primria
Muito bem
estruturada,
eficiente e
eficaz.
Suficiente.
Bem
estruturada,
eficiente e
sobrecarregada.
Estruturada e
sobrecarregada.
Praticamente
inexistente.
Ateno
Secundria
Muito bem
estruturada,
eficiente e
eficaz.
Suficiente
Muito bem
estruturada,
eficiente e
sobrecarregada.
Estruturada e
sobrecarregada.
Mal
estruturada,
insuficiente e
sobrecarregada.
Ateno
terciria
Muito bem
estruturada,
eficiente e
eficaz.
Suficiente:
(1,92 leitos
psiquitricos
por mil
habitantes).
Bem
estruturada,
insuficiente e
sobrecarregada:
(0,58 leitos
psiquitricos
por mil
habitantes).
Estruturada,
insuficiente e
sobrecarregada:
(0,95 leitos
por mil
habitantes).
Mal estruturada,
insuficiente e
sobrecarregada:
(0,23 leitos por
mil habitantes).
Segundo a Associao Brasileira de Psiquiatria (2006), o Canad tem uma rede de
ateno integral em Sade Mental, onde os mais diversos servios no concorrem entre si,
mas trabalham de forma harmnica e integrada, estando entre os melhores do mundo. A
Inglaterra e os Estados Unidos, apesar de terem seus servios sobrecarregados, contam com
uma rede de ateno integral em Sade Mental em todos os nveis de complexidade. No
Brasil, existe uma m distribuio dos leitos psiquitricos entre os diversos estados da
federao, o que obriga o paciente a deslocar-se de longas distncias para receber assistncia,
dificultando o acompanhamento aps a alta. Alm disso, h um despreparo dos trabalhadores
da ateno primria em relao ao tratamento dos pacientes psiquitricos, o que impede o
sucesso da insero da sade mental na ateno bsica (Associao Brasileira de Psiquiatria
2006; Secretaria de Estado de Sade de Minas Gerais, 2007).
23
Reforma Psiquitrica no Brasil
No Brasil, a desinstitucionalizao se iniciou mais tarde, entre as dcadas de 1970 e
1980, simultaneamente Reforma Sanitria, seguindo os moldes adotados no modelo
internacional, tendo sido denominado Reforma Psiquitrica (Lougon, 2006). Com a
desinstitucionalizao, o tratamento comunitrio permitiu ao paciente receber o
acompanhamento mdico de que necessitava, em regime ambulatorial, podendo, assim,
permanecer com seus familiares (Bandeira & Barroso, 2005).
A partir de 1983, o governo de So Paulo, por intermdio da Coordenadoria de Sade
Mental (CSM), assumiu uma poltica cujo objetivo era diminuir o nmero de internaes
psiquitricas, resultando em um grande investimento para a ampliao do nmero de
ambulatrios. Entre os anos de 1984 e 1986, a Diviso de Ambulatrios de Sade Mental da
CSM publicou e divulgou as diretrizes e orientaes tcnicas para a organizao dos novos
servios. Nesse perodo, foi criado o Programa de Intensidade Mxima (PIM), desenvolvido
nos ambulatrios para o atendimento de egressos de hospitais psiquitricos.
Apesar desse grande investimento nas unidades extra-hospitalares, em especial nos PIMs, foi
avaliada a necessidade de estruturas de servio intermedirio entre o hospital e o ambulatrio,
que pudessem oferecer um grau de acolhimento maior e respostas teraputicas mais eficazes
para pessoas com transtornos psiquitricos graves. Com isso, foi criado o primeiro Centro de
Ateno Psicossocial (CAPS) do Brasil em maro de 1987. Nesse perodo, em Santos, foram
implantados os Ncleos de Ateno Psicossocial (NAPS), que funcionavam 24 horas, alm da
criao de cooperativas, residncias para os egressos dos hospitais e associaes de
familiares. Essa experincia tornou o municpio de Santos um marco para a Reforma
Psiquitrica no Brasil (Delgado et al., 2007).
Na dcada de 1990, com o compromisso firmado pelo Brasil com a assinatura da
Declarao de Caracas e pela realizao da Segunda Conferncia Nacional de Sade Mental,
entraram em vigor as primeiras normas federais de regulamentao e implantao de servios
de ateno diria. Essa implementao foi feita com base na experincia dos primeiros CAPS,
NAPS e Hospitais-dia e com as primeiras normas de fiscalizao e classificao de hospitais
psiquitricos (Delgado et al., 2007). A partir de ento, os servios de sade deveriam
24
promover a interao entre profissionais de sade mental, prestadores de cuidados e
organismos da comunidade (OMS, 2001).
No Brasil, a reforma psiquitrica foi oficializada em 2001, quando foi sancionada a
Lei 10.216, que disps sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
psiquitricos e redirecionou o modelo assistencial em sade mental. Essa lei privilegiou a
oferta de tratamento em servios de base comunitria, em substituio internao em
hospitais psiquitricos, bem como a regulamentao das internaes voluntrias e
involuntrias (Lei 10.216; Lougon, 2006; Delgado et al., 2007). Entre 1991 e 1995, o governo
brasileiro fechou 30 hospitais psiquitricos particulares, sem que novos leitos psiquitricos
fossem abertos na rede pblica (Amarante, 1995).
A rede de ateno sade mental foi implantada, no Brasil, como parte integrante do
Sistema nico de Sade (SUS), rede organizada de aes e servios pblicos de sade,
instituda por Lei Federal na dcada de 1990. Desde ento, o SUS regulamenta e organiza, em
todo o territrio nacional, as aes e os servios de sade de forma regionalizada e
hierarquizada, em nveis de complexidade crescente, tendo direo nica em cada esfera de
governo: federal, municipal e estadual. Os princpios do SUS so: a) acesso universal pblico
e gratuito s aes e aos servios de sade; b) integralidade das aes, em um conjunto
articulado e contnuo, em todos os nveis de complexidade do sistema; c) equidade da oferta
de servios, sem preconceitos ou privilgios de qualquer espcie; d) descentralizao poltico-
administrativa, em cada esfera de governo e e) controle social das aes, exercidos por
Conselhos Municipais, Estaduais e Federal de servios, das organizaes da sociedade civil e
das instituies formadoras (Delgado et al., 2007).
A rede de ateno sade mental composta por Servios Residenciais Teraputicos
(SRT), Centros de Convivncia, Alas Psiquitricas em Hospitais Gerais, Ambulatrios de
Sade Mental e CAPS. Essa rede de ateno pblica, de base municipal e tem um controle
fiscalizador e de gesto que consolida a Reforma Psiquitrica. As residncias teraputicas so
constitudas por casas localizadas no ambiente urbano, que tm por finalidade responder s
necessidades de moradia de pacientes psiquitricos que no possuem famlia. (Andreoli,
Almeida-Filho, Martin, Mateus, & Mari, 2007). As alas psiquitricas em hospitais gerais
disponibilizam assistncia ao paciente em momentos de crise, para os casos onde a internao
necessria, aps esgotadas todas as possibilidades de atendimento em unidades extra
hospitalares e de urgncia. Os ambulatrios de sade mental prestam assistncia s pessoas
25
com transtornos psiquitricos, de todas as faixas etrias, que esto estabilizados. Os
ambulatrios so necessrios em municpios maiores que possuem uma maior demanda de
ateno aos transtornos em geral. Nestes municpios, os ambulatrios que trabalham junto ao
CAPS podem servir de suporte para o atendimento dos pacientes buscando a articulao com
as equipes da ateno bsica em cada territrio (Ministrio da Sade, 2007). O CAPS deve ser
um servio substitutivo ao hospital psiquitrico e tem como funo o acolhimento e ateno
s pessoas com transtornos psiquitricos graves e persistentes (Delgado et al., 2007). Dentre
todos os dispositivos de ateno sade mental, os CAPS se destacam, pois possuem um
valor estratgico para a Reforma Psiquitrica no Brasil. funo dos CAPS prestar
atendimento clnico aos pacientes em regime de ateno diria, visando promover sua
reinsero social a partir de aes intersetoriais e buscando diminuir as suas internaes em
hospitais psiquitricos. Esses servios procuram regular a porta de entrada da rede de
assistncia em sade mental na sua rea de atuao e dar suporte ateno sade mental na
rede bsica (Delgado et al., 2007).
A Portaria n. 36/GM/2002 definiu os diversos tipos de CAPS, que oferecem
atendimentos a crianas, adolescentes e adultos, com transtornos psiquitricos graves e
persistentes, ou atendimento a pessoas com transtornos devido ao uso de substncias
psicoativas (Ministrio da Sade, 2004a, Portaria n. 336/GM, 2002). Os CAPS se diferenciam
pelo porte, pela capacidade de atendimento e pelo tipo de paciente a que atendem. Os CAPS I,
II e III atendem a pessoas com transtornos psiquitricos graves e persistentes, maiores de 18
anos. Os CAPS I tm capacidade para atender a municpios com populao entre 20 mil e 70
mil habitantes e os CAPS II atendem a municpios com populao entre 70 mil e 200 mil
habitantes. Alm disso, os CAPS II funcionam durante cinco dias na semana, em perodo
integral, com capacidade para atender a 360 pacientes por ms. Os CAPS III so os servios
que apresentam o maior porte, cobrindo municpios com mais de 200 mil habitantes. Esses
servios funcionam 24 horas, durante todos os dias da semana, inclusive nos feriados, e
possui leitos para internaes curtas de pacientes com quadros agudos. Os Centros de Ateno
Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi) atendem s crianas e adolescentes com transtornos
psiquitricos e os Centros de Ateno Psicossocial a Usurios de Substncias Psicoativas
(CAPSad) atendem populao com transtornos decorrentes do uso e dependncia de
substncias psicoativas. Tanto o CAPSi como o CAPSad so previstos para dar cobertura a
26
municpios com populao acima de 200 mil habitantes (Amarante, 2008; Delgado et al.
2007; Ministrio da Sade, 2004b).
A partir de 2002, houve uma expanso dos servios comunitrios, produzindo uma
mudana radical no cenrio inicial da assistncia em sade mental no Brasil (Delgado et al.,
2007). A cobertura dos CAPS no pas passou de 22% em 2002 para 68% em 2011. O Tribunal
de Contas da Unio (TCU) constatou que at o final de 2010 existiam 1620 CAPS no Brasil,
divididos em 1.118 municpios. A recomendao do Ministrio da Sade para a implantao
de CAPS que o municpio possua populao mnima de 20 mil habitantes. Segundo o Censo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), realizado em 2010, havia, no Brasil,
1.650 municpios com mais de 20 mil habitantes. Destes, 971 possuam ao menos um CAPS.
Estimou-se, ao considerar o percentual mdio de expanso do nmero de municpios com
CAPS implantado no perodo de 2002 a 2010, de que apenas em 2015 todos os 1650
municpios tero pelo menos um CAPS implantado (TCU, 2012). Os gastos federais com
aes extra hospitalares ultrapassaram o investimento nas aes hospitalares. Ao final de
2010, mais de 70% dos recursos federais para a sade mental foram gastos com aes
comunitrias (Ministrio da Sade, 2011). Em 2011, a rede de sade mental contava com
1650 CAPS, 596 Residncias Teraputicas, 3832 beneficirios do Programa de Volta para
Casa.
Com o aumento dos servios comunitrios, houve ampliao do nmero de
profissionais e diminuio do nmero de leitos, porm no houve repasse de toda a verba
economizada pelo SUS para os servios comunitrios (Andreoli, 2007; Andreolli et al., 2007;
Morgado & Lima, 1994). A experincia internacional mostrou que a mudana para um
sistema de cuidados comunitrios poderia aumentar os custos no incio do processo devido
coexistncia de ambos os sistemas. Por isso, fundamental que, na fase transitria, os custos
fossem mais elevados. A Reforma Psiquitrica no deveria ser tomada como uma estratgia
para reduzir os custos. Para que ela resultasse em melhoria para os pacientes, seria
imprescindvel que houvesse um investimento crescente nos servios de sade mental
(Andreoli et al., 2007).
27
As dificuldades da desinstitucionalizao
A ausncia de uma infra estrutura adequada de servios comunitrios revela apenas
uma mera desospitalizao. Morgado e Lima (1994) destacaram cinco consequncias graves
que ocorreram, em diversos pases, como resultado da desospitalizao. A primeira delas
referiu-se ao desamparo aos pacientes com transtornos graves e aos pacientes refratrios ao
tratamento. Esses pacientes no conseguiam realizar as atividades mnimas necessrias
sobrevivncia, vivendo na pobreza e ficando em desvantagem na ressocializao. A segunda
consequncia foi a alta rotatividade dos pacientes, definida como porta giratria e
caracterizada pelas frequentes reinternaes dos pacientes em diversos hospitais. Essas
reinternaes acontecem quando o paciente desospitalizado, que vive na comunidade, tem
dificuldade em aderir ao tratamento medicamentoso e acaba sendo rehospitalizado
repetidamente. A terceira consequncia foi o custo no-monetrio do transtorno psiquitrico,
tais como a sobrecarga dos familiares cuidadores e a exposio frequente do paciente a riscos
e situaes constrangedoras e a embates constantes com a comunidade e com a famlia,
resultantes da falta de preparo dos servios e da comunidade em lidar com o paciente
psiquitrico. A quarta consequncia se referiu aos problemas com a polcia e com a justia,
uma vez que os pacientes desospitalizados acabam cometendo delitos e sendo enquadrados
como criminosos comuns. Por fim, a quinta consequncia consistiu na politizao do
movimento de desinstitucionalizao, que acontece quando as difceis conquistas alcanadas
por ativistas dos movimentos de reivindicao, em sade mental, so apresentadas como
realizaes poltico-partidrias (Morgado & Lima, 1994).
Diversos problemas ocorreram em vrios pases, em relao reinsero social dos
pacientes, tais como a falta de moradia adequada, as dificuldades financeiras, o uso de
substncias psicoativas e a itinerncia. Um dos problemas da desinstitucionalizao, que
chamou mais ateno, foi a alta frequncia das rehospitalizaes dos pacientes que eram
retirados dos hospitais, em torno de 55 a 75% (Dorvil, 1987). Para compreender melhor o
fenmeno da porta giratria, Bandeira e Dorvil (1996) realizaram um estudo descritivo, no
qual os autores compararam as caractersticas dos pacientes que frequentavam a urgncia
psiquitrica de um hospital em Montreal e a de um hospital psiquitrico pblico no Brasil. Os
resultados mostraram que essas rehospitalizaes ocorreram mais frequentemente com
pacientes com diagnsticos graves, tais como esquizofrenia, psicoses e distrbios graves de
28
personalidade. Dois principais fatores foram associados s readmisses: a falta de adeso aos
medicamentos e a falta de continuidade dos atendimentos oferecidos pelos servios de sade
mental. Da amostra estudada, quase metade dos pacientes no tinha tido um acompanhamento
mdico nos ltimos seis meses (Bandeira, 1993; Bandeira & Dorvil, 1996).
Outro problema citado na literatura o fato de que muitas famlias foram afetadas pela
falta de apoio profissional e de informaes sobre os servios oferecidos e o diagnstico do
paciente. Com isso, sentiram-se insatisfeitas com os servios, apesar de maior envolvimento
no cuidado e melhor aceitao das intervenes psicossociais (Tessler & Gamache, 2000;
Soares & Munari, 2007). Tem sido destacado que a famlia precisa receber mais informao a
respeito do transtorno do paciente e do tratamento medicamentoso prescrito, do plano de
intervenes desenvolvido para o paciente e do plano de alta previsto no tratamento (Bandeira
& Barroso, 2005).
Morgado e Lima (1994) chamaram a ateno para os custos no-monetrios
decorrentes da desinstitucionalizao, que seriam at mais importantes do que os custos
monetrios. Segundo esses autores, h uma preocupao constante com as consequncias
decorrentes da presena do paciente psiquitrico na comunidade, mas dada pouca ateno ao
fato de que esses pacientes e seus familiares ficam sujeitos a uma srie de problemas e
preocupaes que os fazem sofrer. A OMS (2001) tambm chamou a ateno para os aspectos
humanos do custo do transtorno psiquitrico, ressaltando a sua importncia e a dificuldade de
mensurao. Esses custos no-monetrios esto diretamente ligados ao estado do paciente e
oferta de servios de apoio. Com a sada do paciente do hospital, o transtorno se torna
pblico, expondo a famlia e o prprio paciente ao julgamento da sociedade. A relao
familiar tambm se torna difcil e o papel de cuidador passa a ser um fardo para as famlias
(Morgado & Lima, 1994).
Tanto os pases em desenvolvimento quanto os desenvolvidos possuem uma
caracterstica em comum: a m utilizao dos servios psiquitricos disponveis. Isso acontece
devido ao estigma ligado aos indivduos com transtornos psiquitricos, falta de informao
sobre os transtornos e seus tratamentos e insuficincia dos servios prestados (OMS, 2001).
De acordo com Kohn et al. (2007), h uma percepo da populao quanto ineficcia dos
tratamentos psiquitricos. Alm disso, os autores apontaram que as maiores barreiras para o
tratamento consistem na crena errnea de que o problema do paciente teria uma resoluo
espontnea, nas limitaes financeiras das pessoas e na pouca disponibilidade de servios
29
especializados para atender os pacientes, bem como na falta de conhecimento dos familiares e
dos pacientes a respeito dos transtornos psiquitricos e do estigma. Os autores relataram,
ainda, uma pesquisa realizada no Brasil, na qual foi observado que quase dois teros dos
pacientes psiquitricos no tinham consultado um clnico geral no ms anterior pesquisa.
Dados de um estudo realizado por Kohn, Saxena, Levav e Saraceno (2004) indicaram que
58% dos brasileiros com transtornos psicticos no-afetivos, da cidade de So Paulo, no
estavam recebendo tratamento. De acordo com os autores, esse nmero um dos maiores no
mundo.
Andreoli et al. (2007) ressaltaram que os problemas do atendimento em sade mental
no Brasil podero se agravar se no houver maior investimento e ampliao dos servios em
todo o pas. Esses problemas impedem os servios de satisfazer adequadamente as
necessidades do paciente na comunidade, resultando em dificuldades na sua reinsero social
e em sobrecarga dos familiares, que precisam suprir essas necessidades (Andreoli, 2007;
Andreoli et al., 2007; Bandeira & Barroso, 2005; Morgado & Lima, 1994). O sucesso da
reinsero social depende diretamente da qualidade dos servios, que inclui a preparao do
paciente para a vida na comunidade e o seu acompanhamento contnuo aps a alta, assim
como a qualidade do ambiente residencial do paciente (Soares & Munari, 2007).
Nesse processo de reinsero, de fundamental importncia contar com a famlia, bem
como ajud-la a encontrar caminhos para a resoluo dos seus problemas e esclarecer suas
dvidas (Waidman, Jouclas, & Stefanelli, 2002). Macedo (1996) observou que as famlias dos
pacientes psiquitricos, no Brasil, no recebiam nenhum tipo de apoio para enfrentar a
sobrecarga emocional e financeira decorrente do convvio dirio com o paciente.
Na Reforma Psiquitrica brasileira, um fator que deve ser destacado a carncia de
atendimento e a subutilizao dos servios de sade mental. Esses problemas podem ser
diminudos com a realizao de avaliaes sistemticas dos servios. Essas avaliaes devem
investigar se as necessidades dos pacientes e seus familiares esto sendo supridas e se todos
os que necessitam de cuidado esto sendo tratados, visando garantir a qualidade do
atendimento aos usurios, incluindo a avaliao da sobrecarga dos familiares, que so os
principais cuidadores dos pacientes psiquitricos (Kohn et al., 2007; OMS, 2011).
30
Avaliao dos servios de sade mental
Conceituao e tipos de avaliao
A avaliao dos servios de sade mental est relacionada com a avaliao dos
servios de sade em geral. Nas ltimas dcadas, a prtica de avaliao em sade tem
crescido consideravelmente devido nfase na qualidade de produtos e servios oferecidos,
ao desenvolvimento de novas tecnologias em sade e ao incremento da assistncia sanitria
em vrios pases (Contandriopoulos, Champagne, Denis, & Pineault, 1997).
Com a nova concepo em sade mental e o declnio do modelo hospitalocntrico,
surgiu a necessidade de se criarem metodologias de avaliao dos servios comunitrios
implantados. Inicialmente, essa implantao no veio acompanhada de uma avaliao
sistemtica, dificultando a anlise dos processos e dos resultados. Com o advento da Reforma
Psiquitrica, a qualidade dos servios vem ganhando mais destaque (Lougon, 2006). No incio
da desinstitucionalizao, as experincias no foram avaliadas, o que dificultou a anlise dos
resultados da implantao dos servios. Com o desenvolvimento desse processo, os servios
de sade mental passaram a receber ateno crescente em funo do incentivo da OMS em
aumentar a qualidade desses servios (Bandeira, Pitta, & Mercier, 2000; Marco, Ctero,
Moraes, & Nogueira-Martins, 2008). Em 2001, a OMS recomendou que essa avaliao fosse
realizada a partir da perspectiva dos trs atores envolvidos nos servios: pacientes, familiares
e profissionais. A avaliao dos servios de sade mental deve ser realizada de forma
sistemtica, pois possibilita aos seus gestores a obteno de informaes que podero
direcionar as estratgias de interveno. Silva e Formigli (1994) apontaram para a necessidade
de se desenvolverem estratgias metodolgicas adequadas para a avaliao sistemtica desses
servios.
Os estudos de avaliao aumentaram lentamente, de forma fragmentada, j que no
eram considerados essenciais ao funcionamento dos servios (Reis et al., 1990; Gonalves et
al., 1991; Leff & Trieman, 2000; Trieman & Leff, 2002; Heckert et al., 2006). Atualmente,
percebe-se que a avaliao em sade mental pode ser til aos processos de gesto, podendo-se
repensar as aes polticas e programticas por meio dos indicadores de resultado dos
servios, pois est estreitamente vinculada ao financiamento, atribuio de recursos e
garantia da qualidade (Contandriopoulos, Champagne, Denis, & Pineault, 1997; Almeida,
31
2002). As avaliaes de servios permitem aferir a eficcia das intervenes teraputicas
utilizadas no tratamento dos pacientes ou comparar os resultados de diferentes servios
(Gonalves, 2001).
Nos ltimos anos, a OMS passou a recomendar que a avaliao dos servios de sade
mental seja realizada a partir da perspectiva dos trs atores envolvidos nesses servios, ou
seja, pacientes, familiares e profissionais. Os novos servios oferecidos aps a Reforma
Psiquitrica colocaram em destaque a reinsero social dos pacientes na comunidade, a
promoo da qualidade de vida e o envolvimento das famlias (Koga et al., 2006; Barroso,
Bandeira, e Nascimento, 2007; Morgado & Lima, 1994). A avaliao desses novos servios
torna-se indispensvel, pois possibilita a anlise dos processos e resultados obtidos e visa a
garantir a qualidade do atendimento aos usurios desses servios. A avaliao da qualidade
dos servios de sade produz informaes sobre a adequao, os efeitos e os custos,
possibilitando, assim, a tomada de decises em relao s prticas de sade e ao
estabelecimento de novas polticas (Portela, 2005).
Segundo a OMS (2001), os servios de sade mental necessitam ser avaliados
continuamente, proporcionando o melhor tratamento e ateno disponveis. Entretanto, alguns
indicadores clssicos tradicionalmente utilizados na avaliao dos servios, como a alta, a
remisso de sintomas e a gravidade da patologia, tm-se mostrado insuficientes diante da
mudana do foco do tratamento para a reabilitao social. H necessidade de buscar novos
instrumentos complementares avaliao dos servios (Almeida & Escorel, 2001). Esses
novos indicadores devem ser mais amplos e expressar a variedade de fatores que influenciam
o tratamento, tais como a qualidade de vida, as mudanas percebidas pelos familiares em
funo do tratamento, a satisfao de pacientes, de familiares e de profissionais, bem como a
sobrecarga de familiares cuidadores e de profissionais. Essa avaliao deve ser realizada por
meio de escalas de medida, preferencialmente multidimensionais, tendo em vista que os
objetivos dos servios abrangem vrias dimenses (Ruggeri, 1994; Mercier et al., 2004).
Esses novos instrumentos estariam voltados ao acompanhamento dos resultados atingidos,
complementando os indicadores clssicos e visando a melhoria da qualidade da assistncia
prestada (Almeida, 2002).
O projeto WHO-SATIS (1996), desenvolvido para ser implantado em 19 pases, criou
cinco escalas de medida de satisfao e sobrecarga, visando a avaliar a qualidade dos servios
de sade mental, incluindo a avaliao da sobrecarga sentida pelos familiares cuidadores dos
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pacientes psiquitricos. Destacam-se, neste projeto, no qual foram elaboradas e adaptadas,
para vrios pases, escalas de satisfao e de sobrecarga em relao aos servios. A satisfao
se refere s expectativas e percepes que as pessoas tm em relao ao servio (Silva &
Formigli, 1994). A sobrecarga se refere percepo de demandas excessivas para as pessoas
(Maurin & Boyd, 1990). Outros instrumentos tm sido desenvolvidos para avaliar, tambm,
algumas caractersticas dos pacientes, como suas necessidades e sua qualidade de vida,
podendo servir, ainda, como indicadores da qualidade dos servios. Hansson (2001) tambm
recomendou que as avaliaes de resultados do tratamento nos servios de sade mental
inclussem medidas de sobrecarga dos cuidadores e de suas situaes de vida. Esse autor
recomendou ainda a incluso de observadores independentes, que no fizessem parte dos
servios.
O conceito de qualidade em sade, segundo Portela (2005), abordado em termos de
um conjunto de atributos desejveis. Contandriopoulos et al. (1997) consideram que avaliar
consiste em fazer um julgamento a respeito de uma interveno ou sobre qualquer um de seus
componentes, tendo como objetivo a possibilidade de auxlio na tomada de decises. Esses
ltimos autores descrevem dois tipos de avaliao: normativa e avaliativa. A avaliao
normativa consiste em um julgamento a respeito de uma interveno ou servio a partir da
comparao das caractersticas desses servios com as normas do Ministrio da Sade. A
pesquisa avaliativa produz um julgamento aps a interveno, com base em mtodos
cientficos, analisando a sua pertinncia, as bases tericas subjacentes, a produtividade, os
seus efeitos e rendimento, bem como as relaes existentes entre a interveno e o contexto
em que ela se situa.
Em relao pesquisa avaliativa, Selltiz, Wrightsman e Cook (1976) e Smith (2004)
descreveram dois tipos de avaliao: a formativa e a somativa. A pesquisa formativa, ou de
processo, realizada desde o momento da implantao de um servio. Essa pesquisa prope
avaliar as atividades e as intervenes desenvolvidas pela equipe de um servio por meio de
vrias fontes de dados, tais como relatos informais dos envolvidos no servio e observao
participante. Ela bem aceita pelos administradores, pois ajuda a melhorar a qualidade dos
servios a partir de feedbacks imediatos para a correo de eventuais erros. Geralmente, so
avaliaes qualitativas visando a compreender como os servios funcionam. Por outro lado,
na pesquisa avaliativa somativa, ou de resultados, busca-se avaliar os efeitos de um programa
ou de um servio, para verificar se o tratamento foi eficaz em termos dos seus efeitos na sade
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do paciente. Geralmente, a pesquisa somativa utiliza anlises estatsticas de dados
quantitativos e realizada aps um perodo de funcionamento do servio (Selltiz,
Wrightsman, & Cook, 1987; Contandriopoulos et al., 1994).
Recomendaes para a avaliao dos servios
Donabedian (1966) props que a avaliao dos servios de sade seja feita a partir de
trs dimenses: estrutura, processo e resultado. A estrutura se refere s caractersticas
relativamente estveis dos servios, seus recursos, condies fsicas e organizacionais. O
processo se refere s atividades desenvolvidas no servio, tais como as intervenes
teraputicas oferecidas, as oficinas, as atividades ocupacionais com os pacientes e as
consultas feitas aos pacientes, dentre outras. E os resultados referem-se aos efeitos das
intervenes realizadas no servio sobre a sade fsica e mental dos pacientes. Isoladas, cada
uma dessas trs dimenses insuficiente para dar conta da complexidade das prticas de
sade, tornando-se necessrio utilizar maneiras diferentes de investigao, que contemplem
uma seleo de indicadores representativos das trs dimenses.
A abordagem de resultado certamente a mais antiga tentativa de avaliar a qualidade
do atendimento. Segundo Portela (2005), a avaliao de resultados de grande importncia na
aferio da qualidade dos servios. Na medida em que o objetivo da ateno a uma populao
a melhoria de sua condio de sade, a avaliao de resultados fundamenta-se no propsito
de medir o cumprimento desse objetivo.
A qualidade de um servio no pode ser avaliada exclusivamente em termos tcnicos.
A avaliao de um sistema de sade est relacionada figura do paciente, incluindo sua
acessibilidade ao sistema de sade, os resultados obtidos, a satisfao do paciente e a natureza
da relao do paciente com o profissional. Mesmo que o paciente no possa avaliar
tecnicamente o cuidado recebido, ele vai julgar a qualidade do servio pelos atributos
relacionados ao interesse do profissional, tais como a empatia, a responsabilidade e a
confiana. Alm disso, o paciente avalia se os resultados do tratamento corresponderam s
suas expectativas (Donabedian, 1988).
Hansson (2001) apresentou sete recomendaes, levando em considerao que o alvo
da avaliao dos servios deveria se aproximar dessas propostas. A primeira recomendao
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estabelece que as avaliaes devem ser realizadas em mltiplos nveis, que envolvam
variveis tanto em nvel do servio quanto dos pacientes. Alm disso, as avaliaes da relao
entre os dois nveis no tm sido realizadas com muita frequncia, evidenciando escassez de
estudos. As avaliaes que consideram esses dois nveis alcanam resultado mais completo e
esclarecedor. A segunda recomendao prope que as avaliaes devem envolver mltiplas
dimenses de resultado, tais como medidas clnicas de psicopatologia e medidas mais amplas
de resultado, que envolvem a satisfao do paciente, sua autonomia e qualidade de vida,
devido complexidade das intervenes utilizadas. De acordo com a terceira recomendao, a
avaliao de resultados deve englobar as perspectivas dos principais envolvidos nos servios
de sade mental: pacientes, familiares e profissionais. A quarta recomendao prope que se
investigue a relao entre medidas de resultado e medidas de entrada e processo, que
constituem os recursos, a qualidade do tratamento e variveis, como o uso dos servios.
Avaliaes dessa relao possibilitam uma maneira de compreender melhor os servios e
identificar quais componentes do tratamento esto mais relacionados aos resultados. A quinta
recomendao prope o uso de medidas padronizadas, validadas e fidedignas na avaliao dos
resultados e do processo, sendo importante para a comparao de diferentes servios. A sexta
recomendao evidencia a necessidade de se avaliarem a eficincia e a efetividade de partes
especficas dos servios em relao s caractersticas dos clientes e dos procedimentos
adotados. A ltima recomendao prope que a avaliao custo/efetividade deve ser feita para
possibilitar a comparao de resultados de diferentes servios, servindo de referncia para a
deciso clnica.
Smith et al. (1997) argumentaram sobre a importncia de se implantarem sistemas de
gesto de resultados em servios de sade mental. De acordo com os autores, esto
disponveis poucas informaes sobre a execuo de um sistema de gesto de resultados. A
gerncia de resultados um processo utilizado para melhorar a eficcia dos servios de sade
mental, podendo esse sistema ser usado para alcanar vrios objetivos, tais como a
monitorao dos processos de cuidado, a melhoria da qualidade dos cuidados oferecidos e a
determinao dos custos dos servios. Esses autores apresentaram 12 princpios a serem
seguidos no desenvolvimento de sistemas de avaliao dos resultados dos tratamentos em
servios de sade mental, especificamente para a avaliao dos resultados no nvel dos
pacientes. Esses princpios foram elaborados a partir de grupos focais, compostos por
pacientes profissionais de sade mental. De acordo com Smith et al. (1997), esse tipo de
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avaliao seria uma forma de melhorar a qualidade do tratamento oferecido e de destacar o
paciente com transtorno psiquitrico, que deve ser o foco das intervenes.
No primeiro princpio, Smith et al. (1997) recomendaram que os instrumentos
utilizados nas avaliaes de resultados devem ser adequados s questes investigadas, bem
como s informaes que se pretende obter. Quando o objetivo da avaliao saber a relao
entre o estado de sade do paciente, a gravidade de seu problema e os componentes do
tratamento oferecido, os instrumentos especficos psicopatologia do paciente so os mais
recomendados. Por outro lado, se o objetivo buscar informaes sobre o estado de sade
geral, os sintomas, o estado de sade mental ou o bem-estar global de grupos de pacientes,
indicado o uso de instrumentos de avaliao mais globais, como aqueles que avaliam a
qualidade de vida dos pacientes.
No segundo princpio, foi proposto que a avaliao de resultados seja realizada
utilizando instrumentos vlidos, fidedignos e sensveis a mudanas clnicas ao longo do
tempo, corroborando as recomendaes de Hansson (2001). No terceiro princpio, Smith et al.
(1997) sugerem que a avaliao de resultados seja realizada com instrumentos breves, sem
exigir muito esforo dos respondentes. Alm disso, foi proposto que os instrumentos de
medida sejam flexveis e adaptveis a diferentes servios, possibilitando a comparao entre
eles. O quarto princpio denota que as avaliaes de resultados devem incluir tanto medidas
do estado geral de sade do paciente como medidas de sade mental. De acordo com Smith et
al. (1997), a sade geral e a sade mental so aspectos interdependentes, sendo necessrio
utilizar medidas, tais como o sono, a alimentao, a sexualidade, as dores e os tremores, alm
de medidas psicolgicas, como o humor, o bem-estar e os relacionamentos interpessoais. Em
quinto lugar, foi sugerido que sejam includas avaliaes dos prprios pacientes sobre o
tratamento e seus efeitos.
Com relao ao sexto princpio, Smith et al. (1997) sugeriram que os instrumentos de
avaliao incluam informaes sociodemogrficas e clnicas dos pacientes, pois essas
variveis podem predizer melhores ou piores resultados do tratamento. Alm disso, o
levantamento dessas informaes permite aos avaliadores verificar as diferenas entre
subgrupos de pacientes. O stimo princpio prope que as avaliaes de resultado devem
levantar informaes sobre dimenses da vida do paciente afetadas especificamente por sua
condio ou diagnstico, como as habilidades de vida independente em pessoas com
diagnstico de esquizofrenia e as restries de espao em pessoas com sndrome do pnico.
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Dessa forma, reconhecido que condies e transtornos psiquitricos diferentes acarretam
efeitos diversos no funcionamento dos pacientes. O oitavo princpio recomenda que os
resultados do tratamento devem ser avaliados em diferentes momentos, ao longo do tempo,
para que eventos importantes, tais como remisso de sintomas, recadas e outras mudanas
clnicas, sejam acompanhados pelo servio.
No nono princpio, Smith et al. (1997) recomendaram a utilizao de uma seleo
adequada dos pacientes a serem avaliados e de amostras representativas nas avaliaes de
resultado, para que os dados gerados possam ser generalizados. Em dcimo lugar, apontada
a necessidade de que as avaliaes de resultado incluam aqueles pacientes que abandonaram o
tratamento prematuramente, para que se tenha uma viso clara de como o tratamento est
afetando todos os pacientes do servio. Por ltimo, os dois outros princpios propostos pelos
autores coincidiram com a terceira e a quarta recomendaes apresentadas por Hansson
(2001).
Avaliao dos servios de sade mental no Brasil
No Brasil, uma primeira pesquisa de avaliao de servio surgiu em 1982; porm, esse
campo s se desenvolveu em meados da dcada de 1980, com estudos predominantes na
regio Sudeste. Na dcada de 1990, ocorreu aumento das anlises de relatos de experincias e
avaliaes de servios. Essas pesquisas avaliaram aspectos como cobertura dos servios
populao, ndices de reinternaes, abandono do tratamento, pesquisas epidemiolgicas
avaliando os perfis de demanda da clientela psiquitrica e prevalncia de transtornos
psiquitricos (Passos, 2003).
A avaliao sistemtica de servios de sade mental no pas recente, estando
inicialmente relacionada com a Reforma Psiquitrica e com a reduo progressiva de leitos
em hospitais psiquitricos (Delgado et al., 2007). Essa reduo tem ocorrido a partir do
Programa Anual de Reestruturao da Assistncia Hospitalar (PRH) no SUS. No perodo
entre 2004 e 2009, o PRH reduziu, no SUS, o nmero de leitos psiquitricos de 51.393 para
35.426, representando diminuio de 31% dos leitos. Juntamente reduo de leitos, foi
institudo o primeiro processo avaliativo anual em sade mental no Brasil, denominado
Programa Nacional de Avaliao Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria). Esse Programa
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permitiu fazer um diagnstico da assistncia nos hospitais psiquitricos, descredenciando
aqueles que no ofereciam as condies mnimas de qualidade no atendimento. Ele avalia a
estrutura fsica hospitalar, o fluxo hospitalar, os processos e recursos teraputicos, a
adequao e insero dos hospitais na rede de sade mental de seu territrio, assim como a
sua adequao s normas gerais para o funcionamento. Alm disso, est inserida no Programa
a realizao de entrevistas de avaliao da satisfao dos pacientes internados por um longo
perodo e daqueles prestes a terem alta. Em 2004, o PNASH foi incorporado ao Programa
Nacional de Avaliao dos Servios de Sade (PNASS).
O tema da avaliao de servios de Sade Mental ganhou maior destaque no pas,
principalmente, a partir de meados da dcada de 1990, aps um momento inicial de
implantao dos primeiros servios substitutivos. O ponto de partida que norteou esses
estudos foi a percepo da ineficincia dos indicadores tradicionais da assistncia psiquitrica
hospitalocntrica para avaliar os novos servios, que se mostravam incapazes de estabelecer a
relao entre a implementao de determinadas polticas ou programas e os seus resultados
(Silva & Costa, 2000).
No Brasil, com o advento da Reforma Psiquitrica, a avaliao dos servios de Sade
Mental passou dificuldades tericas em definir o que bem-estar, os limites entre a sade e a
doena, bem como as formas de reinsero social que geraram grande diversidade de
opinies. pertinente ressaltar que no havia a tradio de participao dos diversos atores
dos servios de sade mental em sua avaliao. Esse fato imps ao avaliador a tarefa de
promover o interesse desses grupos em participar da avaliao, valorizando a importncia e
legitimidade de suas questes para o servio ou programa (Almeida, 2002).
Em 2004, teve incio a avaliao dos servios substitutivos, com o Programa Nacional
de Avaliao dos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS), denominado AVALIAR CAPS
(Ministrio da Sade, 2008). O Programa realizou trs avaliaes, em 2004/2005, 2006 e em
2008/2009 (Ministrio da Sade, 2011). Esse Programa tem como objetivo o
acompanhamento, a estimativa da qualidade da assistncia prestada e a avaliao de
indicadores sobre o funcionamento dos servios por meio do preenchimento de formulrios
eletrnicos destinados a cada servio. O AVALIAR CAPS engloba a avaliao da estrutura,
dos processos e dos resultados dos servios, incluindo questionrios de avaliao da
satisfao dos usurios. A avaliao do processo inclui as atividades e procedimentos
utilizados pelos trabalhadores de sade mental nos servios. Relaciona-se a todas as
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atividades desenvolvidas no servio, englobando o perfil dos usurios e as suas condies de
vida (Donabedian, 1992). Os resultados do AVALIAR CAPS 2008/2009 mostraram que a
maioria dos servios busca acompanhar o usurio em suas diversas situaes de vida e esto
atendendo a uma clientela mais grave da sade mental, assim como esto funcionando como
referncia de servio em seu territrio. Em relao aos encaminhamentos realizados pelo
CAPS, os dados apontaram que muit
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