SONETOS EM
HARMONIA
Marco Aurelio Vieira
Belo Horizonte, setembro de 2015.
APRESENTAÇÃO
Nasci em 1969, na cidade do Rio de Janeiro, mas mudei-
me para Belo Horizonte ainda bem criança. Desde muito cedo, a
literatura me arrebatou, graças à influência de minha avó, uma leitora
voraz, que me contava as histórias que desnudava em seus livros de
maneira tão apaixonada, que me proporcionou viagens mágicas
inesquecíveis.
Quando resolvi aventurar-me nas escritas, pretendia
escrever romances e contos. Mas ao ler artistas consagrados da poesia
brasileira e portuguesa, eu me encantei definitivamente. Nos poemas de
forma fixa, em especial os sonetos, construí minha morada, por ser
também apaixonado por música. Sim, pois compondo versos sob os
rigores da métrica e do ritmo, eu me sinto muito próximo da melodia.
Desenvolver toda uma ideia dentro de quatorze versos com o mesmo
número de sílabas poéticas e compassos coincidentes me seduz
sobremaneira.
Neste trabalho, apresento alguns sonetos que cantam vivas
à poesia, singelezas, branduras e suavidades, mostrando que viver
também pode ser um ato de harmonia.
O Autor
***** M A N I N *****
Manhãs que renascem tão belas
Vestidas de flores viçosas
São lírios, calêndulas, rosas,
E os raios de sol nas janelas...
Pressinto que, em Minas Gerais,
As manhãs são belas assim,
Na terra do amigo, manin,
Poeta que brilha demais!
Aqui, nesta ilha tão linda,
Olhando ao longe o mar,
Eu faço estes versos, irmão!...
Um ano a mais em tua vida;
Que seja assim bem vivida
Com Amor, muita Paz, Emoção!!!
Presente que recebi em novembro de 2012, do iluminado
poeta maranhense e meu amigo-manin ARÃO FILHO.
SUMÁRIO
O MENINO …..................................................................................... 09
VERSEJAR …..................................................................................... 10
TÃO LEVE ......................................................................................................... 11
A FLORESTA ENCANTADA ..................................................................... 12
FLORESCÊNCIAS .......................................................................................... 13
PRENDA …....................................................................................... 14
O POEMA E O POETA ................................................................................. 15
CRIANÇA …..................................................................................................... 16
ESPERANÇA ….............................................................................................. 17
SONETO SINGELO ...... ..........................................................................…. 18
RESPLENDOR …............................................................................................. 19
FLORES, MUITAS FLORES ....................................................................... 20
SONETILHO DA LUA ................................................................................... 21
A ÁRVORE ....................................................................................................... 22
VERSOS LIBERTOS .................................................................................. 23
BEM-VINDO …................................................................................................. 24
MERO SER ...........................................................................................…......... 25
A MOCINHA .................................................................................................... 26
LÍRICA VISÃO DE MARAVILHA …...................................................... 27
FELIZ ................................................................................................................... 28
A MÃE ................................................................................................................... 29
DOIS PÁSSAROS .............................................................................................. 30
VIDA EM ARTE ............................................................................................... 31
DELÍCIAS VERMELHAS.............................................................................. 32
MUNDO AO AVESSO…............................................................................... 33
INSTANTE ENCANTO …......................................... ............................ 34
VOO SEM ASAS ...........................................................................................…. 35
ENCANTO INFÂNCIA …...............…......................................................... 36
EM PLENA PRIMAVERA ............................................................................ 37
BOM DIA ….......................................................................................................... 38
AO ACASO ......................................................................................................... 39
BRAÇOS ABERTOS ....................................................................................... 40
UM CANTIL DERRAMADO ....................................................................... 41
CHÃO E SOL ...........................................................................................…...... 42
A VITÓRIA.......................................................................................................... 43
VINHAS DE EMOÇÕES ............................................................................... 44
DESENHOS CORTADOS .............................................................................. 45
MUNDO CÉU ...............................................................................................…. 46
PEDRA FLORIDA ….................................................................................... 47
CAPRICHOS …........................................................................................... …. 48
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
O MENINO
Encanta, brinca, gira, bom menino,
na mágica, na pássara ciranda
que, leve, embala a flor de seu destino
ornado em natalina luz, guirlanda.
Menino solto, livre na varanda
do ameno toca o mundo cristalino
e acorda o lindo vida de aura branda
em tom de encanto sonho pequenino.
Amansa minha sanha e desatino
menino artista que ora me comanda,
assim maestro angélico de um hino...
O cravo que me atava à cruz nefanda
não mais penetrará meu corpo e tino;
menino esparge amor por onde ele anda.
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
VERSEJAR
Um mergulhar com palavras nos mares
lindos, infindos das almas crianças...
A desenhá-las, poli-las aos pares...
A convertê-las em ricas alianças...
Um flutuar com palavras nos ares
a conduzi-las em passos de dança...
Um derramar das delícias dos lares
na teia torpe em que a vida se entrança...
E conceder numa valsa aos amares
que a natureza ofertou em heranças
banhos fulgentes na paz dos luares.
Mas caso lágrimas vertam chorares,
molhando a face, secando esperança,
fazer as cores dos raios solares.
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
TÃO LEVE
Aquele que semeia gentileza
ao longo do percurso, do caminho,
converte o que é bramido de aspereza
em plácido cantar de passarinho.
Naquele que derrama seu sorriso
a adocicar semblantes de branduras,
um anjo faz afago tão preciso,
envolto em ternurinhas nuas, puras.
E a todo o que se faz guardião e parte
a defender dos males – baluarte –
o bom frescor e a cor do bem de amar...
Orquídeas, rosas para perfumar
os seus canteiros lindos, plenos de arte!
Há um deste ramalhete para dar-te...
11
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
A FLORESTA ENCANTADA
Paira nos ares, suave, um corcel,
leva nas asas a fada acrobata
que pinga pândega gotas de mel
na terra farta e fecunda da mata.
Junto à lagoa de líquida prata
que acolhe o sol em diáfano véu,
duas sereias deliram o céu,
cantando lindo no som da cascata.
Bem lentamente, levitam as cores
do belo arco-íris, solvido às carícias
doces, faceiras de alguns beija-flores.
Posso sonhar com magias, delícias,
plantando em dias temíveis, candores,
pois guardo em mim a criança, blandícias!
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
FLORESCÊNCIAS
Então penetro o amor em sua íntima essência
e encontro a liberdade, a calma e a tolerância
erguendo faustos lares na grandiosa estância,
colhendo toda cor do mundo em florescências.
O nobre sentimento, o senhor da coerência,
alterna tom ameno e intensa rutilância
conforme o exclamar do instante, a circunstância,
para salvar quem seca, exaurido em carências.
Por vezes esse amor germina em complacência
e, airoso, ele se emprega à assídua vigilância,
cuidando maternal, solvendo a dissonância
dos atos dos humanos que inspiram violências.
Ele acalanta, manso, mananciais de ânsias
e em paz eu adormeço, num campo de hortênsias...
13
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
PRENDA
Bem devagar, cai do céu um poema,
vem mansamente, um anjinho, tão lento,
paira embalado ao carinho do vento
e traz consigo, nas asas, seu lema:
“Sorver do amor e emanar paz suprema!”
Vem a bailar, em sutil movimento,
colhe na brisa, em frescor, o alimento
para cuidar de uma flor, do meu tema.
Esse poema que vaga nos ares
e se aproxima, a sagrar meus altares,
tem, dentro em si, a mais doce encomenda.
Devo ampará-lo, suave, no colo,
para impedir queda brusca no solo,
pois ele traz o meu bem, minha prenda.
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
O POEMA E O POETA
O poema germina no em vão do poeta,
se liberta ligeiro, despido e sutil,
encantado, desperta o luar, sua meta
e reinventa-se em águas, infindo cantil.
Rodopia o poema em redor do poeta,
a marcar, bailarino, seu próprio compasso
com mesuras e graças à flor predileta,
desenhando no vento a magia do passo.
O poema converte em alado o poeta
emprestando-lhe as asas a mais de seu dorso
e brincando de ornar com desvios a reta,
pairam juntos no céu, sem o mínimo esforço.
Finalmente, o poema, com sono, se aquieta
e concede sua autocriação ao poeta.
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
CRIANÇA
Em mim, explodem mil estrelas cintilantes
a me cobrirem de pinguinhos coloridos
com tantos brilhos – Oh, fulgores fascinantes! –
E muitas pétalas tingindo ares floridos...
E dobram sinos dos meus dons, os mais benditos,
tocando tons angelicais, tão sorridentes,
a propagarem, com balões e sons de apitos,
a paz nos mares, pelos lares bons das mentes!
E de repente... O que vejo?! Aladas fadas
que saem rindo, aqui de mim, às revoadas,
e vão soprando, à minha volta, puro encanto!
E acolho os beijos da esperança, em canto santo!
Assim me sinto, com as forças renovadas,
sempre que fito uma criança às gargalhadas!
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
ESPERANÇA
Da janela, eu a vejo chegar
com seu cesto de flores na mão,
ela vem saltitando, a dançar,
lança beijo a premir coração.
Ela vem, se aproxima do lar
dessa minha chorosa emoção
a cobrir-lhe as paredes, pintar
suas cores e brilhos, condão.
Ela insiste, ela quer o meu bem,
quer que eu veja o arco-íris além
do horizonte nublado, a chover.
E sorri, linda e dócil assim,
e me conta que nunca tem fim...
Ah, esperança em constante nascer.
17
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
SONETO SINGELO
Quero compor um soneto singelo,
leve cadência, com versos pueris,
sem o requinte, bem simples, mas belo
a revoar corações colibris.
Sem pretensões, ser afago de anelo,
doce, a tocar as alminhas gentis
entre emoções e candor, sendo um elo,
colhendo flores aos sóis pastoris.
Cada palavra, encantado castelo,
ninho de letras, morada feliz,
cena em que um sonho, no heroico duelo,
ceifa as cruezas reais na raiz.
Para findar a criação na harmonia,
brincar com anjos no céu da poesia.
18
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
RESPLENDOR
Ah, quantas cores, quantas glórias, quantos brilhos...
Beijos dos ares e de orvalhos sobre rosas...
Plenos verdores e vitórias, paz dos filhos...
E nos pomares, méis em galhos, mãos gulosas...
Novas nascenças, quantas luzes, dias claros...
Lindas lembranças bem felizes de branduras...
E benquerenças, fim das cruzes, só amparos...
Das esperanças, as raízes fortes, puras...
Em florescências, as notícias positivas...
Ledas infâncias, eficácias dos prazeres...
Luminescências de delícias, brisas vivas...
As tolerâncias, pertinácias, seus poderes...
A vida agora me oferece o resplendor,
depois que tu me declaraste o teu amor!
19
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
FLORES, MUITAS FLORES
Eu colho flores, lindas flores, ledo encanto,
de teus jardins florindo em mim, florais aromas
e as refloresço na paixão com que me domas
e em ti me aninho, em teu florido me acalanto.
Ah! Tantas flores florem nossos pensamentos...
Deitado em flores, muitas flores, nossa cama,
flóreo desejo, sem ferir as flores, clama
por florescências de prazer, salazes ventos.
Flores de cores vivas, flores tão viçosas
que se florescem, flora em nós, maravilhosas,
flores se espalham nos caminhos de nós dois.
E assim vivemos entre as flores, ao acaso,
florada em noites, flore o dia, flore ocaso,
só vemos flores, nada mais, além, depois...
20
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
SONETILHO DA LUA
O meu olhar humano
encontra o olhar lunar...
E assim pequeno e lhano
se lança ao seu brilhar.
E nós nos envolvemos,
eu-lua e lua em mim;
em um nos dissolvemos,
lua-anjo e eu-querubim.
A noite ri no escuro,
estrelas troçam tanto
da nossa doida união...
Que mofem! Guardo, eu juro,
o olhar da lua em canto
aqui, do coração.
21
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
A ÁRVORE
Acolhendo os afagos do sol matutino,
ressuscito-me inteiro no puro da vida...
À delícia do dia eu me entrego menino
e me amparo no colo da paz renascida...
E desperto de mim o sonhar peregrino
que adormece por vezes na trilha perdida,
nos desvios sombrios, ardis do destino,
mas perante este mimo retorna à guarida...
Eu me pego fitando meneios ao vento
de uma árvore bela, robusta, viçosa
e celebro o viver, aprendendo a lição:
Ela, sendo tão forte, que gera alimento,
aos anseios do vento se dá, dadivosa,
mas mantém as raízes bem firmes no chão.
22
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
VERSOS LIBERTOS
Eu quero a poesia flutuando
por entre versos meus despidamente,
soprando sentimento sem comando,
sem rumo, por acaso e displicente...
E não determinar sentido exato,
multiplicando infindos coloridos
que possam ser sentidos pelo tato,
olfato, enfim, por todos os sentidos...
Eu quero a poesia que transcenda
vocábulos, vernáculos, se ascenda
e leve os versos meus a aconchegá-los...
E contemplar, libertos da autoria,
meus versos revoando na poesia,
até ser impossível alcançá-los...
23
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
BEM-VINDO
O sol clareia a trilha estreita, toda, adiante,
ladeada por floresta vasta e muito densa...
O bando de aves cruza o céu voejando errante...
E canta ao longe, em farra, a queda d'água intensa...
Farfalham folhas, galho ao vento em show dançante...
Feliz, a terra prenhe emana ardor, mantença...
O resplendor da vida inteira num instante
que se prolonga pela estrada longa, imensa...
Em meio a cheiros de éter, frio, sondas, frascos,
invade tudo o mundo em nova alvissareira
e a realidade seca, austera faz-se idílio...
Pode pular do prédio, altíssimos penhascos,
tornou-se alado, quando ouviu, à vez primeira,
o lindo choro de nascer do amado filho.
24
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
MERO SER
Na ardência doce de paixão recente...
Apenas vale a vida assim sentida.
Alçar mergulho aos ares permanente
sorvendo beijo brisa incandescida...
Na abóbada do nada ao céu pendente,
traçar a direção toda invertida...
Cabeça para baixo, displicente,
vertendo em brincadeira a austera lida...
O mundo abriga os anjos tão peraltas,
também diabinhos meigos, suas flautas...
É tudo a edificar-se ao bem de infância...
Talvez alcance um dia tal verdade,
ao reinventar-me, a salvo da vaidade,
um mero ser, despido de importância.
25
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
A MOCINHA
Cerejinhas pintadas na saia
tremelicam à ginga faceira
da bonita mocinha trigueira
que flutua na areia da praia.
Céu e sol fascinados, atentos
ao molejo de sua cintura...
Irmanadas malícia e candura
alterando o destino dos ventos...
Libertada do chumbo do mundo,
haure o lindo de cada segundo
sem quaisquer presunção e ufania...
Não se culpa a mocinha inocente
de sentir, sem motivo aparente,
alegria, alegria, alegria!
26
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
LÍRICA VISÃO DE MARAVILHA
Dourado sol manhã desperta pleno,
espalha luz ao lago mansidão,
alados insetinhos no ar sereno
celebram por instinto o alvor condão...
O arbusto bailarino entregue ao vento
sombreia a terra vívida, nutriz,
enquanto cede ao pássaro alimento
minado de seu corpo, da raiz...
Ah, lírica visão de maravilha...
Virgíneo encantamento da existência...
Mordida em doce fruta carmesim...
Do urbano aglomerado de armadilha,
realizo a amena cena acima, a essência,
se tenho tua mão pousada em mim.
27
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
FELIZ
Reluzo a pedra que era fosca em mim
no dia em que aconteço ensolarado;
etéreo me esvoaço querubim,
levito pelo céu de humano amado...
A pedra que refulge na manhã
manente do momento que ora cito
clareia minha essência folgazã,
reflete mundo plácido e bonito...
Estou contente canto, estou brinquedo!
Estou chovendo estrelas de risonho!
Singelo entusiasmo de aprendiz...
Despido me esparramo no folguedo
que tinge a realidade em cor de sonho!
Que leve santidade, estar feliz!
28
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
A MÃE
Chegou recolhendo resquícios, cansado,
depois de uma inglória jornada, labuta;
os últimos dias bateram pesado
no cerne oprimido, impelido à disputa.
A simples casinha sem luxos, o escudo,
guardava do frio que bruto maltrata,
o frio do frívolo olhar surdo e mudo
do mundo que fere com vida-chibata...
A mãe pequenina o acolheu em carinho,
calmou em um beijo a fadiga do rosto...
Que doce mergulho no ameno do lar...
Servido o alimento cheiroso, quentinho,
sentiu, bem maior que a delícia do gosto
daquela comida, o sabor de se amar.
29
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
DOIS PÁSSAROS
E se misturam, suor e sangue, tudo amor
numa partilha de moléculas famintas
que fazem únicas as células distintas
a se nutrirem do bailado de calor.
Eles se alastram como as heras sobre muros
sorvendo as almas, corpo inteiro, tons iguais
e multiplicam frutos doces, tão maduros
manados, fartos, pelas seivas corporais.
Ao bem das sedes incuráveis de seus sonhos,
dissolvem cerne noutro cerne, sóis risonhos,
ganhando os altos céus vermelhos da atração.
Os seus instintos lá no início torvelinhos
são depurados por instintos passarinhos
que irmanam asas, vidas e ar, respiração.
30
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
VIDA EM ARTE
Brincando em verso, espalha ao mundo bom
pincéis e guaches, doces, sol, sorvetes
e oferta amenos, beijo em ramalhetes
a derramar leveza em todo tom.
Chorando em verso, abranda amarga dor,
porque em poesia até canhões são belos;
o pranto e o alento enlaçam-se, dois elos,
enquanto a rima adula algum rigor.
Sonhando em verso, pinta o pensamento,
derrete o bruto em suave sentimento,
o acolhe e guarda impávido, baluarte.
Estando verso, inventa o inexistente
acende-se o condão reflorescente
da realidade à luz de vida em arte.
31
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
DELÍCIAS VERMELHAS
A viçosa florzinha beijada
por gentis borboletas e abelhas
insinua delícias vermelhas
a sorrir de contente, assanhada.
Suas pétalas tão atrativas,
exalando suave perfume,
desnorteiam o sol que abre o lume
de vontades, ardências lascivas.
A excitada campina recebe,
toda aberta, o tal astro que bebe
gota a gota, sua água e frescor.
A girar indecente intenção,
sol e terra libertam paixão
e se agarram em bom despudor.
32
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
MUNDO AO AVESSO
No mundo de dentro de mim, de inversões,
de espelhos moventes e focos torcidos,
os bravos e enormes gigantes vilões
abraçam meninos davis aguerridos.
Ah, neste meu mundo endoidado, ao avesso,
enlaçam-se, unidas, mentira e verdade;
a fada serena e bonita é adereço,
disfarce à confusa bruxinha maldade.
E unindo contrários em sãos desvarios,
acendo a fulgência do sonho profuso
na dura e brutal realidade sombria.
Bagunço a incerteza dos anjos vadios,
enquanto cavalgo meu verso inconcluso
de vida refeita no mundo poesia.
33
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
INSTANTE ENCANTO
Instante encanto aclarando o mundo...
Um passarinho no adejo ameno
semeia vida no céu fecundo,
que acolhe a terra no abraço pleno...
A paz festeja o momento lindo,
espalha cores no torto plano
da realidade e a refaz sorrindo...
A flor brandura reinventa o humano...
O sol banhando a manhã lá fora
suspira bambo, de tão contente,
enquanto mima o jardim que flora...
Ele penetra no nosso lar
e invade o quarto a adorar, saliente,
o instante encanto, teu despertar.
34
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
VOO SEM ASAS
Inecessárias são as asas ao meu voo...
Eu não preciso de enxergar a fada à sala,
nela acredito sem que tenha de tocá-la...
De que me serve bela voz ao som que entoo?
Tenho, nos dedos, coelho azul nascido no ovo,
que pula, brinca de enfeitar a mente alada
com fantasias de existência ameninada,
fazendo, assim, meu coração sorrir de novo.
Algumas gotas de esperança, mansamente,
vicejam tudo em meu espírito descrente,
quando contemplo inspiração luzir magia.
Ah, quem me dera nunca mais o austero e reto
que acinza o mundo, o espreme em fatos de concreto...
E só viver se alucinado de poesia.
35
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
ENCANTO INFÂNCIA
Da pedra em si lançada faz brinquedos,
cavalo, passarinho, caminhão;
dá vida ao paladino com dois dedos
andando heroicamente pelo chão.
Olhando à frente o dia, engole os medos
que sente quando acorda à escuridão,
respira a valentia em ventos ledos
do mundo tão levinho, em flor, condão.
No prato de comida bem pouquinha
engana a fome, brinca, inventa gente
em forma assim, de arroz, feijão, tomate.
Eu quero em minha história tal criancinha,
constante, seu sorriso persistente,
pra converter em beijo todo embate.
36
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
EM PLENA PRIMAVERA
Assim, alento meu, queria nosso amor:
que despertasse para o mundo em plena aurora,
pela manhã primaveril que à brisa flora,
na profusão maravilhosa do esplendor.
Um carrossel de cheiros, gostos, luz e cor...
Adejos pássaros em mágica sonora...
O sol beijando a terra farta, enquanto a adora...
O tempo oferta, à natureza, seu louvor...
E que se abrisse, nosso amor, dentre alvas rosas,
a propagar delícias lindas, perfumosas
por todo o céu, na mais vivaz fertilidade.
E se acabasse, já que tudo acaba, encanto,
antes do fim da primavera, sem, portanto,
saber, jamais, que existem frio e tempestade.
37
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
BOM DIA
Saudade do tempo sem armas na feira,
do aroma da fruta manhã despertando,
encontros libertos de empáfia ceifeira,
entrega despida a momento sol brando.
Pessoas se olhando indefesas, sem medo,
trocando vontades nutrizes de vida:
do tenro alimento ao alheio segredo;
a sempre fofoca na inócua medida...
Das flores regadas, prateados respingos...
Maçã, cata-vento, pulseira de penas...
Sabor colorido, balões, harmonia...
De posse de seus sortimentos domingos,
enfim, despedidas amigas, amenas,
em plena vivência do que era um bom dia.
38
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
AO ACASO
Sem planos e intenções além daqui,
abraço lerdas horas mansamente,
depois me deito em vão que construí
assim, de forma lenta e displicente.
Não quero ouvir a voz do pensamento,
os seus ruídos ríspidos me afligem;
inteiro, me dissolvo no momento,
o meu futuro é livro em branco, virgem.
Livrei-me do embornal de grosso couro
em que escondia falso e vil tesouro
acumulado à parva austeridade.
E agora me espreguiço no descaso,
brinquedo de caprichos nus do acaso,
ao brando compassar da liberdade.
39
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
BRAÇOS ABERTOS
Avencas vívidas na varanda
se alegram tudo à chegada tua,
faceiras, bailam na brisa branda
paqueram vento que se insinua.
Na sala, essência de olor lavanda
afaga o olfato encantado e atua
no pensamento que o bem comanda,
lembrança linda de beijo à lua.
Bagagem posta na cadeirinha
antiga, de alvos momentos idos,
sorriso livre a sentir os laços.
Deixaste atada a existência minha
e os dias todos tais livros lidos,
mas se retornas, te acolho aos braços.
40
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
UM CANTIL DERRAMADO
Meu coração é cantil virado
a derramar incessantemente
branduras fluidas num descampado,
em gotas finas e lentamente.
Teimoso, tenta, desesperado,
erguer-se firme do chão ardente,
mas tomba, cai para o outro lado,
pois não suporta seu peso ingente.
Assim cantil derramado, encerra,
meu coração, a virtude ao vão,
perdendo, em águas, toda a energia.
Mas essas águas vicejam terra
e o seco em volta do coração,
com florescências do bem poesia.
41
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
CHÃO E SOL
Desperta-se o sol espalhado à florada,
entrando na terra intimissimamente
e bebe do orvalho que a noite inspirada
pingou no vivaz paraíso olorente.
Nos verdes vermelhos do chão que convida
o sol a adentrar-se em seu todo vibrante,
pululam sementes famintas de vida
que anseiam brotar no gramado ondulante.
Assim, chão e sol se entrelaçam, se unindo,
pintando o prenúncio do dia mais lindo
e eclodem sementes na terra prazer.
O amor que nos toma se faz desse jeito,
o sol sobre o chão aquecendo no peito
e o mundo, tudinho em constante nascer.
42
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
A VITÓRIA
Às vezes penso estrelas saltitantes
no céu infindo, lindo de vitórias
e esparjo gotas doces nos instantes
que bailam ao redor de nobres glórias.
No agora que desfruta os frutos de antes,
celebro a mais contente das histórias,
contada com sorrisos nos semblantes,
regando brincadeiras nas memórias.
Fartura de esperança nasce à terra,
espalham-se perdões à gente que erra
e tudo entoa alvor de eterno sim...
Assim, em luz refaço a vida quando
consigo dominar meu tom nefando
e saro o afeto enfermo dentro em mim.
43
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
VINHAS DE EMOÇÕES
Da centelha soprada em mistério,
se propagam estrelas luzindo
pensamentos vestidos no etéreo
que revoam no pássaro lindo.
Uma lágrima deita-se às penas
do tal pássaro, enleia-se ao vento
e um sorriso a prateia em serenas
gotas leves de bom sentimento.
E com lágrima feita em sorriso,
passarinho no vento e gotinhas,
se respira vital resplendor...
Eis o estar suavemente impreciso
que se enlaça à delícia das vinhas
de emoções, num abraço de amor.
44
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
DESENHOS CORTADOS
Em tiras cortadas, jogadas no chão
da casa em que mora o mais fundo de mim,
desenhos singelos do meu coração
se entregam à edaz ventania sem fim.
É a vil ventania faminta do não
que empurra, que suga pozinhos de sim
buscados em cantos, da laje ao porão
e os lança ao quintal, no mortiço jardim.
Os ledos desenhos cortados do bem,
levados com pós positivos ao léu,
no morto jardim são lançados também.
Então, os desenhos replenos em cor
se soltam das tiras de opaco papel
e cobrem a terra inteirinha de flor.
45
Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
MUNDO CÉU
Um vento afoito ouriça a flamboyant
e o mar de suas flores toma os ares,
vermelhos esvoaçados em olhares
e essências no aconchego da manhã.
Repousam passarinhos verdes lindos
nos ombros dos que sentem vida encanto
e causam aos comuns enorme espanto,
cantando ternamente aos dons bem-vindos.
Assopra seu dourado o sol carinho
e aquece ameno o rúbido caminho
daqueles que por cores são levados.
Exibe nos semblantes a beleza
que inspira mesmo a própria natureza
o mundo céu de dois apaixonados.
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
PEDRA FLORIDA
Enfim, quebrou-se a pedra em tantas partes
e orquídeas floresceram dentro delas;
sentiu-se mais brilhante a luz das artes,
enquanto o sol abria mil janelas.
Orquídeas realizaram danças lindas,
vibrando folhas, pétalas no vento,
em majestoso brinde às graças vindas
das britas onde achavam seu sustento.
E agora, a rocha bruta e fria de antes,
partida, abriga pássaros cantantes
em cada orquídea rara que alta medra.
O teu amor laçou-me em paz de fadas
ao vicejar de orquídeas delicadas
meu ser endurecido todo em pedra.
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Sonetos em Harmonia - Marco A Vieira
CAPRICHOS
De repente me encontro distante
recortando na folha de seda
corações vermelhinhos, em leda
sensação que asserena-me o instante.
A embalagem da bala de menta
faz lembrar de teu beijo e a saudade
volta afoita de doida vontade
que a certeza de ter-te acalenta.
Lambuzados do mesmo sorvete...
Bibelôs de biscuit, ramalhete...
Realidade vertida em canção...
E teu cheiro entranhado às gavetas
me esvoaçando febris borboletas...
São caprichos do bem da paixão.
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Belo Horizonte, setembro de 2015
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