UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAO
DEPARTAMENTO DE EDUCAO, POLTICA E SOCIEDADE
ISIS DA ROCHA NUNES
JANINE SILVA DA PENHA
WLIANE DA SILVA
AS CATEGORIAS GEOGRFICAS DE PAISAGEM E LUGAR NAS
SRIES INICIAIS: A percepo das crianas da comunidade quilombola
de Araatiba (Viana - ES)
VITRIA - ES
2014
ISIS DA ROCHA NUNES
JANINE SILVA DA PENHA
WLIANE DA SILVA
AS CATEGORIAS GEOGRFICAS DE PAISAGEM E LUGAR NAS
SRIES INICIAIS: A percepo das crianas da comunidade quilombola
de Araatiba (Viana - ES)
Trabalho de Concluso de Curso, apresentado ao
Departamento de Educao, Poltica e Sociedade, do Centro de Educao, da Universidade Federal do
Esprito Santo, como requisito para a obteno do
grau de licenciado em Geografia, sob orientao do Prof. Dr. Vilmar Jos Borges.
VITRIA - ES
2014
ISIS DA ROCHA NUNES
JANINE SILVA DA PENHA
WLIANE DA SILVA
AS CATEGORIAS GEOGRFICAS DE PAISAGEM E LUGAR NAS
SRIES INICIAIS: A percepo das crianas da comunidade quilombola
de Araatiba (Viana - ES)
Trabalho de Concluso de Curso, apresentado ao Departamento de Educao, Poltica e Sociedade, do
Centro de Educao, da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para a obteno do
grau de licenciado em Geografia, sob orientao do Prof. Dr. Vilmar Jos Borges.
Aprovado em 20 de fevereiro de 2014.
COMISSO EXAMINADORA
Prof. Dr. Vilmar Jos Borges
Universidade Federal do Esprito Santo
Orientador
Prof. Dr. Patrcia Gomes Rufino Andrade
Universidade Federal do Esprito Santo
Prof. Mestre Miquelina Aparecida Deina
Universidade Federal do Esprito Santo
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradecemos a Deus pelas oportunidades ns concedidas, tornando
possvel as realizaes conquistadas. As nossas famlias e amigos que se mantiveram torcendo
pelo nosso xito nessa jornada. Ao nosso professor orientador Vilmar Jos Borges que no
mediu esforos para nos motivar a escrever e com muita dedicao esteve acompanhando
nossos passos no decorrer desta pesquisa. E sem dvida, nosso muito obrigado equipe
pedaggica da EMEF de Araatiba que nos recebeu com muito carinho. Finalmente,
agradecemos a Dona Nini da comunidade de Araatiba que sempre nos acolheu todas as vezes
que se fez necessrio.
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................................. 8
AS CATEGORIAS GEOGRFICAS DE PAISAGEM E LUGAR PELAS CRIANAS DA
COMUNIDADE QUILOMBOLA DE ARAATIBA (VIANA ES) ...............................................10
1.1 Paisagem .................................................................................................................................13
1.2 Lugar ......................................................................................................................................16
1.3 O ensino da Geografia nas sries iniciais .................................................................................18
1.4 A construo e a importncia dos conceitos geogrficos nas sries iniciais: Paisagem e Lugar .22
1.5 Quilombolas no Brasil .............................................................................................................26
NOSSO CAMPO DE PESQUISA: ESPECIFICIDADES ..................................................................29
2.1 Histria da Comunidade de Araatiba ......................................................................................29
2.2As razes de Araatiba ..............................................................................................................32
2.3 A Escola e seus sujeitos ...........................................................................................................38
2.4 Vozes da professora regente e da pedagoga..............................................................................39
2.5 Oficina de desenho: desvelando saberes... ................................................................................41
2.6 Anlise dos desenhos: quando o desenho vira texto... ...............................................................43
TRILHANDO UM CAMINHO: ALTERNATIVAS DE ENSINO.....................................................51
3.1 O Planejamento Escolar: algumas reflexes... ..........................................................................51
3.2 Propostas metodolgicas: sugestes... ......................................................................................53
3.2.1. Cartaz Interativo .............................................................................................................54
3.2.2. Pesquisa de campo ...........................................................................................................56
3.2.3 TV de Bolso .....................................................................................................................58
3.2.4 De Histria em histria... ..................................................................................................59
3.2.5 Teatro de mscaras ...........................................................................................................60
3.2.6 Musicalizando a paisagem de Araatiba ............................................................................62
3.2.7 Meu lugar no futebol ........................................................................................................63
3.2.8 Amarelinha de Araatiba ..................................................................................................64
3.2.9 As paisagens do futebol ....................................................................................................66
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................68
REFERNCIAS ...............................................................................................................................70
ANEXOS..........................................................................................................................................73
RESUMO
A alfabetizao um processo fundamental na vida de cada criana. Para tanto, importante se
faz proporcionar a elas, nesse percurso, uma ponte com a realidade na qual se insere.
Ressalta-se que antes mesmo de ingressar escola, a criana j alfabetizada socialmente,
onde aprende com as brincadeiras do cotidiano novas lies, muitas das quais, relacionadas
com as categorias de ensino da Geografia. Nesse sentido, o estudo das categorias geogrficas
nas sries iniciais de extrema relevncia, para que a criana compreenda o espao no qual
est inserida. Assim, inteno da presente pesquisa, sugerir e subsidiar aos professores das
sries iniciais, no seu trabalho com a disciplina de Geografia, atividades pedaggicas ldicas e
de fcil elaborao, que possibilitem o resgate do saber dos prprios discentes, concernentes,
principalmente, s categorias de paisagem e lugar. Foi foco de ateno, na elaborao da
referida proposta, o cuidado para no ocorrer o equvoco da imposio de saberes, tendo em
vista que a proposta se direciona a uma comunidade tradicional: a Comunidade de
Remanescentes Quilombolas de Araatiba. Neste sentido, baseados na necessidade de estudar
as categorias geogrficas nas sries iniciais, deu-se voz s crianas da comunidade de
Araatiba, por meio de atividades em sala e fora de sala, permitindo que a partir das noes
que trazem consigo, pudessem ento construir um conhecimento em concomitncia com as
propostas curriculares. Assim, observou-se que a criana tem muito a contribuir quando se
trata de experincias cotidianas.
Palavras-chave: Sries iniciais. Remanescentes de quilombo. Paisagem. Lugar. Razes.
ABSTRACT
Literacy is a fundamental process in the life of every child. So, it is important to provide
them, in this way, a bridge with the reality in which it operates. It is noteworthy that even
before joining the school, the child is already socially literate, where you learn the tricks with
everyday new lessons, many of which related to the categories of teaching Geography. In this
sense, the study of geographical categories in the early grades is extremely important for
children to understand the space in which it operates. Thus, it is the intention of this research,
suggest and support to teachers in early grades, in their work with the discipline of
Geography, playful and easy to prepare educational activities that enable the recovery of
knowledge of students, concerning themselves mainly to categories landscape and place. Was
the focus of attention in drafting the proposal, care for the erroneous imposition of knowledge
does not occur, given that the proposal is directed to a traditional community: Community
Maroons Remaining Araatiba. In this sense, based on the need to study the geographical
categories in the early grades, gave voice to children if the Araatiba community through
activities in the classroom and outside the classroom, allowing the notions they bring with
them, they could then build knowledge in tandem with the proposed curriculum. Thus, it was
observed that the child has much to contribute when it comes to everyday experiences.
Keywords: Initial Series. Maroons Remaining. Landscape. Place. Roots.
8
INTRODUO
Este trabalho tem como objetivo central buscar caminhos alternativos que possam sugerir
mecanismos/recursos pedaggicos, frente s dificuldades do ensino infantil, especificamente
no tocante abordagem de assuntos, contedos e categorias pertinentes Geografia,
propiciando assim, minimizar a abstrao a respeito do ensino da Geografia no imaginrio
infantil, contribuindo para a melhoria da prtica pedaggica.
Dessa forma, visa proporcionar aos professores das sries iniciais do Ensino Fundamental
alternativas de alfabetizao geogrfica, tendo por ponto de partida os saberes inerentes do
prprio cotidiano dos alunos, para trabalhar os conceitos de Paisagem e Lugar. Escolhemos a
comunidade de Araatiba, que se localiza no municpio de Viana/ES, para realizar este
estudo.
A opo por desenvolver o presente estudo nesta comunidade, no se prendeu somente ao fato
de se tratar de mais uma proposta prtica de ensino para a educao infantil, mas tambm, por
se tratar de uma comunidade tradicional onde residem remanescentes de quilombo. Teve-se
aqui a finalidade de desvendar um pouco da histria da comunidade, das caractersticas e
identidade tnica presente na vida das crianas e entender como a escola se comporta diante
disso, se exerce ou no algum mecanismo mediador para interligar os traos culturais da
comunidade ao processo de ensino/aprendizagem.
Alm disso, escolhemos trabalhar com turmas do ensino infantil, j que muitas vezes a
disciplina de geografia pouco trabalhada neste incio do processo da educao, em
detrimento a outras disciplinas. Considerou-se, ainda, os relatos informais de dificuldades que
os professores das sries iniciais apontam para trabalhar com os conceitos geogrficos.
Assim, no captulo I, buscamos enfatizar os conceitos das categorias geogrficas trabalhados
na pesquisa: paisagem e lugar. Para tanto, pautados em uma pesquisa bibliogrfica a respeito
do ensino de Geografia nas sries iniciais, bem como sua importncia, enfatizamos,
principalmente, a importncia de se trabalhar com as crianas partindo dos conhecimentos
inerentes que as mesmas j possuem.
No captulo II definimos o nosso campo de pesquisa, traando primeiramente um breve relato
da histria da comunidade, buscando identificar sua localizao, aspectos sociais, tnicos e
9
culturais desde o perodo escravocrata. Aps este breve relato sobre a comunidade, partimos
para a definio do nosso campo de pesquisa emprica direta, que a escola da comunidade.
Neste aspecto, caracterizamos o espao fsico, docente e discente para depois, no intuito de
captar as percepes, conceitos e saberes dos discentes acerca das categorias geogrficas de
lugar e de paisagem, descrevemos uma atividade didtico-pedaggica, especificamente
elaborada e implementada com as crianas: a oficina de desenho. Essa oficina teve como foco
principal analisar o conhecimento que os alunos j possuem sobre as categorias geogrficas
em estudo (lugar e paisagem), utilizando de caminhos alternativos e didticos, nesse caso, o
desenho.
Finalizando, no captulo III, apresentamos propostas didtico-pedaggicas alternativas de
algumas metodologias de ensino e/ou recursos pedaggicos, no intuito de contribuir,
beneficiar e auxiliar os professores das sries iniciais ao trabalhar os conceitos de Paisagem e
Lugar, tendo por ponto de partida os saberes inerentes de seus alunos.
10
CAPTULO I
AS CATEGORIAS GEOGRFICAS DE PAISAGEM E LUGAR PELAS
CRIANAS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE ARAATIBA
(VIANA ES)
Em consonncia com o que defende Prado Jnior (1972, p.19) para entendermos as demandas
que permeiam o tempo presente necessrio recorrer a tempos remotos, aos possveis
acontecimentos responsveis por situaes atuais observadas. Essa percepo no pode ser
desprezada pelos professores e educadores, principalmente ao trabalharem com comunidades
que possuem hbitos culturais bastante especficos, como o caso das comunidades
quilombolas.
Especificamente no que se refere ao ensino de Geografia, vale aqui destacar a constatao
apontada por Fontanella (2007), ao afirmar que ... as maiorias dos alunos ao engressarem
(sic) na 5 srie do ensino fundamental apresentam averso disciplina de geografia (p.6).
Dessa forma, a fim de conhecermos provveis motivos, que em alguns casos, provocam
repulsa dos alunos disciplina de Geografia, precisamos buscar respostas na base da estrutura
do sistema educacional brasileiro.
comum, em encontros de formao continuada de professores que atuam nas sries finais do
Ensino Fundamental, as reclamaes de que a geografia que tem sido, via de regra, ensinada
nas sries iniciais, pouco, ou nada, aproxima a realidade dos alunos aos contedos ensinados.
Associar as categorias de ensino ao cotidiano dos alunos possibilita ou facilita que eles
possam construir e entender os conceitos geogrficos fundamentais. Essa prtica, conforme
pode-se frequentemente ouvir nos encontros de professores atuantes nas sries finais do
Ensino Fundamental, contribui, enormemente, para o trabalho daqueles professores de
geografia, que se deparam, conforme constantes queixas, com alunos resistentes ao ensino-
aprendizagem da geografia, desinteressados e desestimulados desde o 6 ano do ensino
fundamental, antiga 5 srie.
fato que, a maioria dos professores que trabalham com as sries iniciais do Ensino
Fundamental, possui habilitao em Pedagogia e, portanto, no so profissionais da
Geografia. Sabe-se que a Pedagogia no abarca apenas contedos de geografia, mas tambm
11
de todas as outras disciplinas, limitando a capacidade desse professor em trabalhar conceitos
geogrficos, se comparados aos professores de Geografia. Da a importncia de desenvolver
trabalhos e pesquisas na rea, visando subsidiar o exerccio de tais profissionais.
No entanto, acreditamos que o ensino multidisciplinar pode se tornar muito mais
enriquecedor. No se trata, portanto, de proposta em favor de engessar a educao aos
profissionais com habilitaes especficas, para atuar nas respectivas reas de formao, sob
alegao de serem considerados mais capacitados. Nosso objetivo buscar caminhos
alternativos que possam sugerir mecanismos/recursos pedaggicos, frente s dificuldades
apresentadas pelos professores do ensino infantil, especificamente no tocante abordagem de
assuntos, contedos e categorias pertinentes Geografia, propiciando, assim, minimizar a
abstrao a respeito do ensino da geografia no imaginrio infantil, contribuindo para a
melhoria da prtica pedaggica.
Explicita-se aqui, nosso objetivo central, que visa possibilitar aos professores das sries
iniciais do Ensino Fundamental, alternativas de alfabetizao geogrfica, propiciando aos
alunos subsdios para perceberem, interpretarem e compreenderem o lugar e a paisagem em
que esto inseridos, tornando-se crticos de sua realidade.
Segundo Fontanella (2007):
...cabe ao professor encontrar novas alternativas que iro mudar suas prticas em sala de aula, buscando analisar os conceitos que so estudados nas sries
inicias, juntamente com os contedos que podem ser abordados, tentando
sempre levar o que est sendo estudado para a realidade fora da sala de aula.
(p. 8).
Conforme defende Callai (2005), a leitura do mundo de extrema importncia para que ns,
que vivemos em sociedade, possamos exercitar a nossa cidadania.
Fazer a leitura do mundo no apenas fazer uma leitura do mapa, ou pelo
mapa, embora ele seja muito importante. fazer a leitura do mundo da vida,
construdo cotidianamente e que expressa tanto as nossas utopias, como os limites que nos so postos, sejam eles do mbito da natureza, sejam do
mbito da sociedade (culturais, polticos e econmicos). (p. 228).
Para dar suporte aos alunos nesse constante aprendizado que a leitura do mundo, torna-se
necessrio que os conceitos fundamentais da geografia sejam bem trabalhados desde as sries
12
iniciais. A criana ao chegar escola aprende a ler e a escrever, mas essa atividade na maioria
das vezes trabalhada de maneira desconectada da vivncia dessas crianas. Alm de
aprender a ler e escrever, poderamos acrescentar o que Callai (2005) chama de compreender
o significado social da palavra.
A criana desde muito cedo est em constante interao com o meio. Iniciando o processo de
compreender a complexidade do mundo muito antes de ingressar escola.
Desde que a criana nasce, os seus contatos com o mundo, seja por
intermdio da me, seja pelo esforo da prpria criana, buscam a conquista de um espao. Um espao que no mais o ventre materno onde ela est
protegida, mas um espao amplo, cheio de desafios e variados obstculos, e
que, para ser conquistado, precisa ser conhecido e compreendido (CALLAI,
2005, p. 233).
Destaca-se, de imediato, a relevncia da Geografia e de seu papel social neste aspecto, visto
que a cincia geogrfica tem por finalidade compreender as relaes entre o espao e a
sociedade. Nessa mesma direo, encontramos em Corra (1995), citado por Fontanella
(2007), a afirmao de que a Geografia, como cincia social, tem como objeto de estudo a
sociedade que, no entanto, objetivada via cinco conceitos-chave que guardam entre si forte
grau de parentesco, pois todos se referem ao humana modelando a superfcie terrestre:
paisagem, regio, espao, lugar e territrio. Esses conceitos, por serem chaves, tornaram-se
categorias de anlise e estudo da Geografia.
So cinco as categorias de anlise geogrficas. No entanto, por questes de delimitao do
nosso universo de pesquisa e limitados por questes de espao-tempo para desenvolvimento
do presente estudo, nos propomos, a abordar neste estudo, as categorias de paisagem e lugar.
Nossa opo por enfatizar tais categorias de anlise geogrfica se prende, principalmente, ao
fato de que so categorias que se aproximam mais facilmente do processo de alfabetizao
geogrfica, instrumentalizando o educando para compreenso das demais categorias. Essa
concepo compartilhada com os pressupostos do Referencial Curricular Nacional para a
Educao Infantil, que ressalta
...a percepo dos elementos que compem a paisagem do lugar onde vive uma aprendizagem fundamental para que a criana possa desenvolver uma
compreenso cada vez mais ampla da realidade social e natural e das formas
de nela intervir (BRASIL, 1998, p. 182).
13
Assim, buscando fundamentar a anlise dos dados empricos, apresentamos, algumas
reflexes acerca de tais categorias geogrficas.
1.1 Paisagem
Dos cinco sentidos tradicionais, o homem depende mais
conscientemente da viso do que dos demais sentidos para
progredir no mundo.
(Yi Fu Tuan)
Paisagem tudo o que podemos ver, conforme bem explicita Santos (1988):
Tudo aquilo que ns vemos, o que nossa viso alcana, a paisagem. Esta pode ser definida como o domnio do visvel, aquilo que a vista abarca. No
formada apenas de volumes, mas tambm de cores, movimentos, odores,
sons, etc (p. 21).
Nesse sentido, pertinente se faz a posio de Tuan (1980), ao afirmar que para realizar a
leitura do mundo, a viso o sentido que responde as nossas expectativas com maior
confiabilidade, pois costumamos desacreditar de informaes que procedem de outra parte do
sistema sensorial.
Segundo o referido autor, a resposta atravs da vista, para o mundo, diferente, em vrios
aspectos importantes, da resposta atravs dos outros sentidos. Por exemplo, ver objetivo;
ver como diz o ditado crer, mas tendemos a desconfiar da informao obtida atravs dos
ouvidos; um boato... (TUAN, 1980, p. 12).
Nessa mesma direo, encontramos em Santos (1988), a advertncia de que
Nossa viso depende da localizao em que est [...] A paisagem toma
escalas diferentes e assoma diversamente aos nossos olhos, segundo onde
estejamos, ampliando-se quanto mais se sobe em altura, porque desse modo desaparecem ou se atenuam os obstculos viso, e o horizonte vislumbrado
no se rompe. (SANTOS, 1988, p. 22).
No entanto, no obstante a relevncia da viso apropriado ressaltar, conforme bem explicita
Tuan (1980), que utilizamos e precisamos utilizar de todos os nossos sentidos
concomitantemente para obter uma compreenso mais completa da paisagem em que estamos
inseridos. O mundo percebido atravs dos olhos mais abstrato do que o conhecido por ns
14
atravs dos outros sentidos. Os olhos exploram o campo visual e dele abstraem alguns
objetos, pontos de interesse, perspectivas (TUAN, 1980, p. 12).
De acordo com Tuan (1980), um ser humano percebe o mundo simultaneamente atravs de
todos os seus sentidos, sendo essa percepo, uma maneira de entender o mundo. E, nessa
perspectiva, Santos (1988, p. 22), nos afirma que a dimenso da paisagem a dimenso da
percepo, o que chega aos sentidos. Depreende-se da que a compreenso singular de cada
sujeito. Pessoas diferentes possuem formas diferenciadas de perceber a mesma realidade. Isso
porque, ainda que sejamos influenciados socialmente, ns ao observarmos uma paisagem,
selecionamos aquilo que julgamos mais interessante, importante e atrativo para ns em um
dado momento, sendo assim, uma anlise individual. Reside a, talvez, a relevncia de se
buscar compreender quais as percepes de paisagem que nossos estudantes trazem consigo.
Isso se acentua ainda mais quando tratamos de comunidades que trazem enraizados em si,
fortes traos culturais bastante especficos, como o caso de comunidades Quilombolas.
Para Santos (1988)
A percepo sempre um processo seletivo de apreenso. Se a realidade
apenas uma, cada pessoa a v de forma diferenciada; dessa forma, a viso pelo homem das coisas materiais sempre deformada. Nossa tarefa a de
ultrapassar a paisagem como aspecto, para chegar ao seu significado. A
percepo no ainda o conhecimento, que depende de sua interpretao e
esta ser tanto mais vlida quanto mais limitarmos o risco de tomar por
verdadeiro o que s aparncia (SANTOS, 1988, p. 22).
Vale aqui tambm ressaltar, que quando falamos em influncia social, acabamos por
explicitar o fato de que percebemos a paisagem, ou deixamos de percebe-la, mediante as
experincias que estabelecemos em sociedade num determinado espao. Nesse sentido, Tuan
(1980) afirma que as crianas vivem no meio ambiente; possuem apenas um mundo e no
uma viso do mundo. Portanto, o referido autor enfatiza que a viso do mundo a experincia
conceitualizada, sendo parcialmente pessoal e em grande parte social.
A produo em sociedade o que produz o espao geogrfico. Apesar da evoluo das
tcnicas de produo, a ao humana que produz o espao geogrfico. A paisagem o
retrato do espao, mas no o espao. As alteraes realizadas no espao geogrfico tornam-
se possveis apenas com a atuao humana sobre o meio.
15
As transformaes que possibilitam a vivncia em um espao de natureza secundria1, s so
possveis por meio da produo humana sobre o espao.
O espao trata das relaes atuais entre sociedade e natureza, que esto acontecendo no
presente momento, enquanto que a paisagem a juno de tempos diferentes, imprimindo as
consecutivas relaes entre sociedade e natureza que existiram, em formas materializadas.
A paisagem se d como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse
sentido a paisagem transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construo transversal. O espao sempre um presente, uma construo
horizontal, uma situao nica. [...] A paisagem existe atravs de suas
formas, criadas em momentos histricos diferentes, porm coexistindo no momento atual. No espao, as formas de que se compe a paisagem
preenchem, no momento atual, uma funo atual, como resposta as
necessidades atuais da sociedade (SANTOS, 2006, p. 67, grifos do autor).
Segundo Santos (1988), a paisagem se constitui por acrscimos e substituies, pois os
objetos feitos no passado eram necessidades de produo daquele momento. Para esse mesmo
autor, uma paisagem uma escrita sobre a outra, um conjunto de objetos que tem idades
diferentes, uma herana de muitos diferentes momentos. A paisagem no homognea, uma
vez que, em uma paisagem, observamos formas naturais e artificiais. Conforme mudam os
tempos histricos, mudam tambm as tcnicas de produo mediante as inovaes que
ocorrem. As inovaes contribuem para as alteraes da paisagem. Em tempos presentes,
muitos elementos dos tempos passados permanecem, e, alm disso, surgem novos elementos.
Com a finalidade dos estudantes compreenderem o Espao, enquanto objeto de estudo da
Geografia, considerando todas as suas relaes de espacialidade, se faz necessria
compreenso da categoria Paisagem. E, ainda, um caminho alternativo para a compreenso da
categoria de Paisagem, nas aulas de geografia voltadas para as sries iniciais do Ensino
Fundamental, seria a partir de outra categoria geogrfica: o Lugar.
1 Similar definio de paisagem artificial, entende-se como natureza secundria, o espao de vivncia e atuao
do ser humano. Portanto um espao de constante transformao efetivada apenas com a presena humana, que
reflete na paisagem atravs das formas produzidas, diferentes tempos histricos. o esforo e trabalho do homem que constri o que chamamos de natureza secundria. Pode-se dizer que a natureza primria e/ou
paisagem natural, se que ainda existe, aquela que no sofreu esforo humano ou no conheceu alteraes em
sua essncia. Santos (2006, p. 66), afirma que a paisagem o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranas que representam as sucessivas relaes localizadas entre homem e natureza. O espao so
essas formas mais a vida que as anima.
16
1.2 Lugar
A conscincia do passado um elemento importante no amor
pelo lugar.
(Yi Fu Tuan)
Lugar o espao no qual o homem se identifica, onde o homem situa sua identidade. De
acordo com Tuan (1983), os lugares so centros aos quais atribumos valor... (p. 4). O valor
que atribumos ao lugar advm das relaes que constitumos em determinado espao. Ao
longo do tempo, essas relaes so responsveis por construir a nossa histria
concomitantemente com a histria desse lugar. As heranas transtemporais e culturais se
caracterizam como elementos relevantes na efetividade do vnculo com o espao,
desencadeando elos afetivos entre a pessoa e o lugar. Conforme Tuan (1980, p.5), topofilia o
elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente fsico.
Para Tuan (1983), A cultura desenvolvida unicamente pelos seres humanos. Ela influencia
intensamente o comportamento e os valores humanos (p. 5-6). Nessa direo, vale ressaltar
aqui a contribuio de Moreira (2011, p. 9) a respeito da relao espao-sociedade, em que ele
afirma que se tornou uma verdade acadmica dizer que, a sociedade o reflexo do seu espao
e o espao o reflexo da sua sociedade. Acredita-se que cada lugar tem suas singularidades,
devido, tambm, existncia de diferentes culturas ao redor do mundo. Bem como os
diferentes espaos influenciam o desenvolvimento de diversas culturas. De acordo com o que
afirma Tuan (1980, p. 4) inclusive a forma de perceber os espaos/lugares so processos
influenciados pelas razes culturais. Retomando assim, a ideia acima exposta de que a
percepo imbuda de interesses pessoais, mas tambm responde a intervenes do coletivo,
portanto interferncias culturais de cada sociedade.
O lugar antes de se constituir, espao. Como bem explicita Tuan (1983), o que comea
como espao indiferenciado transforma-se em lugar medida que o conhecemos melhor e o
dotamos de valor. De acordo com o mesmo autor, espao e lugar so conceitos geogrficos
que precisam ser analisados em conjunto, pois a ideia de espao d sentido de lugar. O autor
afirma que
A partir da segurana e estabilidade do lugar estamos cientes da amplido, da liberdade e da ameaa do espao, e vice versa. Alm disso, se pensamos
no espao como algo que permite movimento, ento lugar pausa; cada
17
pausa no movimento torna possvel que localizao se transforme em lugar.
(TUAN, 1983, p. 6).
Os seres humanos modificam o espao geogrfico constantemente, e para tanto tambm
alteram seu lugar de existncia. O entendimento e pertencimento a um lugar, bem como o
sentimento de identidade com o lugar so mais explcitos para o adulto, pois ao longo da
histria, desenvolve afeio pelo espao de convivncia. No entanto, a ideia de lugar para a
criana, como ressalta Tuan (1983), torna-se mais especfica e geogrfica medida que ela
cresce.
O horizonte geogrfico de uma criana expande medida que ela cresce,
mas no necessariamente passo passo a escala maior. Seu interesse e conhecimento se fixam primeiro na primeira comunidade local, depois na
cidade, saltando o bairro; e na cidade seu interesse pode pular para a nao e
para lugares estrangeiros, saltando a regio. (TUAN, 1983, p. 35).
J se mostra comum curiosidade da criana, o que normal, ao que de fora, ao que de
longe. Deslocando seu olhar para um lugar que nem sempre o seu, porventura deixando de
perceber as peculiaridades existentes no lugar em que vive. Talvez, resida a tambm, a
relevncia de nossa pesquisa, em que se pretende aproximar o cotidiano, o lugar e a paisagem
em que nossos alunos esto inseridos aos contedos estudados na disciplina de geografia para,
quem sabe, ampliar o entendimento desses estudantes sobre as categorias geogrficas aqui
abordadas.
Com as alteraes nas tcnicas de produo e a evoluo tecnolgica advinda da globalizao,
os lugares esto cada vez mais prximos e possvel conhecer lugares distantes sem se quer
sair do lugar. Santos (1988) afirma que, como a produo se mundializa, as possibilidades de
cada lugar se afirmam e se diferenciam em nvel mundial (p.11). E por meio das tecnologias
da informao possvel se aproximar e ter admirao por lugares distantes. Mas os lugares
no perdem suas singularidades ou funes, caractersticas de um dado momento da histria,
por se tornarem globais. Nesse sentido Santos assegura que
Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e
especficos, isto , nicos. O lugar um ponto do mundo onde se realizam algumas das possibilidades deste ltimo. O lugar parte do mundo e
desempenha um papel em sua histria. (SANTOS, 1988, p. 13).
18
Cada lugar tem um papel, uma funo em determinado momento histrico. Para tanto Santos
(1988) argumenta que, se os lugares podem, esquematicamente, permanecer os mesmos, as
situaes mudam. A histria atribui funes diferentes ao lugar.
O lugar um conjunto de objetos que tm autonomia de existncia pelas coisas que o formam ruas, edifcios, canalizaes, indstrias, empresas, restaurantes, eletrificao, calamentos, mas que no tm autonomia de
significao, pois todos os dias novas funes substituem antigas, novas funes se opem e se exercem. (SANTOS, 1988, p. 18-19).
Mediante as reflexes acerca das categorias de Paisagem e Lugar e suas potencialidades
enquanto caminho a ser percorrido para a alfabetizao geogrfica, acredita-se necessrio o
desenvolvimento de novas reflexes acerca do ensino da Geografia nas sries iniciais,
buscando enfatizar as formas como tem sido proposto e desenvolvido o trabalho e abordagem
de tais categorias geogrficas, com nfase nas prticas pedaggicas. Esse o nosso desafio a
seguir.
1.3 O ensino da Geografia nas sries iniciais
O estudo da Geografia nas sries iniciais do Ensino Fundamental de extrema importncia
para formao do aluno, assim como as demais disciplinas. No entanto, nota-se que muitas
vezes os professores das sries iniciais da educao bsica tm priorizado outras disciplinas,
como por exemplo Portugus e Matemtica. Com essas prticas, no raro, verificarmos que,
conforme bem salienta Straforini (2002), conceitos fundamentais da disciplina geogrfica
ficam, muitas vezes, esquecidos e relegados segundo plano, ao afirmar que
Sabemos que nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental as aulas de
Geografia, assim como as outras disciplinas que no sejam Portugus e
Matemtica, ocupam um papel secundrio, muitas vezes irrelevantes no cotidiano escolar. (apud MARQUES, 2008, p. 208).
Em decorrncia e reforando constataes indicadas por Straforini (2002), bastante comum,
nos discursos de professores de Geografia, atuantes nas sries finais do Ensino Fundamental,
as constantes reclamaes no sentido de que muitos alunos ao chegarem segunda etapa do
ensino fundamental, demonstram enorme dificuldade de aprendizagem, inclusive com notvel
desinteresse quanto Geografia.
19
Uma hiptese que pode explicar essa, no rara, prtica de priorizar determinados contedos
em detrimento de outros, to importantes e relevantes para a formao discente, nas sries
iniciais, se refere ao fato dos docentes atuantes naquelas sries iniciais no possurem
formao nas reas especficas do saber. Essa hiptese refora a importncia e relevncia de
estudos com nfase em tal abordagem, visando subsidiar a prtica docente.
Assim, conforme a hiptese acima aventada, a Geografia fica relegada, muitas vezes, a um
segundo plano, no raro sendo transmitida de forma defasada, pouco atrativa e at mesmo
descontextualizada da realidade do aluno, gerando deficincia no aprendizado. Como afirma
Fontanella (2007 p.6):
[...] tenho analisado que a geografia que ensinada por profissionais das
sries iniciais mostra-se tradicional, pouco atrativa e descontextualizada da realidade dos alunos. Essa prtica gera uma grande deficincia no
aprendizado desta disciplina, na maioria dos alunos das sries iniciais.
Vale destacar, de imediato, que no nossa pretenso aqui culpar os professores das sries
iniciais. Mesmo porque muitos deles, por no terem formao especfica na rea, acabam por
apenas reproduzirem o ensino que tiveram enquanto estudantes que no fazia sentido ou
ligao alguma com o cotidiano. Um modelo de geografia extremamente descritivo, que
baseava-se em contedos repetitivos e de memorizao.
No Brasil, conforme bem salienta Cavalcanti (1988), esse modelo de Geografia foi
reproduzido at o final do sculo XX, ficando conhecido como Geografia Tradicional.
[...] a geografia at o final do sculo XX era essencialmente tradicional,
baseava-se no positivismo, era um ensino voltado s idias nacionalistas, utilizava uma metodologia descritiva e pouco questionadora. Esse modelo de
geografia, no Brasil, foi presente nas escolas at por volta do final da dcada
de oitenta (CAVALCANTI, 1998, apud FONTANELLA, 2007, p.9).
No entanto, ainda segundo Cavalcanti (1998), a Geografia Tradicional sofreu fortes
questionamentos, passando, em decorrncia, por novas reformulaes, que acabaram por
refletirem-se no mbito escolar.
As reformulaes do ensino da Geografia se deram atravs de crticas sobre
duas correntes utilizadas na poca: a Geografia Tradicional e a Geografia
Quantitativa. Diante das crticas levantadas sobre as correntes do ensino da geografia surge uma nova viso dessa disciplina conhecida como Geografia
20
Crtica e difundida no Brasil pelo gegrafo Milton Santos. (CAVALCANTI,
1998, apud FONTANELA, 2007, p.10).
A partir de ento, a Geografia passou a observar os interesses das classes populares e a ter um
papel mais questionador e poltico na formao dos alunos. Nessa perspectiva, no mbito do
ensino de Geografia, torna-se necessrio levar em considerao as vivncias e a realidade do
aluno para o estudo do espao geogrfico. Sendo assim, a simples descrio dos lugares e os
dados numricos j no atendem a esta nova viso de ensino.
importante considerarmos que a transio de uma corrente epistemolgica de determinada
rea do saber, como foi o caso da Geografia Tradicional para a corrente epistemolgica da
Geografia Crtica no se deu de forma tranquila e instantnea. Essa transio gerou uma certa
crise paradigmtica, conforme aponta Guimares (1995), visto que
Enquanto essas transformaes se davam no meio acadmico, as escolas e os
profissionais de Geografia viviam uma profunda crise implementada pela
reformulao das bases tericas que fundamentavam o conhecimento geogrfico. Os temas, o enfoque e a metodologia eram reformulados de uma
s vez (1995, p. 62).
Essa crise repercutiu e influenciou enormemente a/na prtica de professores de Geografia que,
por possurem formao especfica, pressupe-se estarem conectados com a produo do
saber na rea. Se transpormos tais fatos para as prticas dos profissionais atuantes nas sries
iniciais do Ensino Fundamental, com formao em Pedagogia, pode-se deduzir que tais
profissionais por no estarem diretamente ligados rea especfica, tiveram mais dificuldades
em compreenderem e aceitarem as mudanas. Portanto, muitos de tais profissionais
continuaram praticando a Geografia Tradicional, que foi a base de sua formao inicial,
enquanto estudantes do Ensino Fundamental e Mdio.
vlido lembrar que, conforme nos aponta Marques (2008), a introduo da Geografia nas
sries iniciais como disciplina legal do currculo escolar, no Brasil, ocorreu somente na
dcada de 1990 com a publicao dos Parmetros Curriculares Nacionais. Antes disso, ela era
vista de forma indireta, em conjunto com a disciplina de Histria, ento denominado de
Estudos Sociais. Ou seja, a introduo, de fato, da disciplina geogrfica no Ensino
Fundamental I bastante recente, mas no menos importante na construo intelectual da
criana em fase de alfabetizao. A partir de todas essas mudanas paradigmticas pelo qual
21
passou o ensino de geografia, e outras que aqui no caberia falar, hoje acreditamos que esta
disciplina deve ser trabalhada explorando ao mximo a realidade vivida do aluno e o seu
cotidiano, pois, nele que a criana est inserida e realiza suas atividades, brincadeiras e
constri seus relacionamentos.
Para tanto, a figura do professor se mantm fundamental, pois ele ser o mediador que
interligar as vivncias e conhecimentos dos alunos adquiridos fora da escola, sendo ele o
responsvel por propiciar aos seus alunos as condies de interligar esses saberes empricos
aos contedos de geografia, resignificando a aprendizagem. Mediante o desenvolvimento e
domnio de tais habilidades, o aluno se sente mais prximo dos contedos e temas trabalhados
em sala de aula, e o contedo faz sentido para sua vida, construindo o aprendizado.
Conforme diz Lampert (2013)
[...] a formao do conhecimento se d quando um conhecimento cotidiano,
que muitas vezes emprico e que pode ser chamado de senso comum, o
qual o aluno j detm, entra em contato com o conhecimento cientfico, o qual o professor detm, resultando em uma reestruturao destes saberes, ou
em outras palavras, aprendizado. (2013, p. 134-135).
Para que esta reestruturao dos saberes acontea, e ocorra, de fato a aprendizagem,
defendemos a formao continuada dos professores, pois acreditamos ser esta, uma das
formas de aprimoramento das prticas pedaggicas dos docentes, pois ainda conforme
Lampert (2013), ...o conhecimento acumulado nos anos de graduao (...) no garantem que
a prtica docente seja significativa aos alunos (p.133). Evidencia-se, portanto, como de
fundamental relevncia, no exerccio da sua prtica de ensino, que o professor traga a
realidade do aluno para a sala de aula, utilizando exemplos que fazem parte de suas vivncias,
enfatizando o lugar onde moram e a paisagem caracterstica daquela regio. Ao compreender
e identificar esses elementos, as crianas passam a construir uma relao de identidade e
pertencimento com seu espao. No caso especfico da comunidade de remanescentes
quilombolas, essa percepo ganha ainda mais relevncia, visto ser de extrema importncia
para promover a valorizao da comunidade em questo estudada, que desde o incio da
colonizao brasileira vem tendo sua cultura desvalorizada e agredida pela imposio da
prtica eurocntrica.
22
Nesse sentido, justifica-se, a seguir, envidar esforos no sentido de enfatizar a construo e
importncia de se trabalhar os conceitos de paisagem e lugar com as sries iniciais do Ensino
Fundamental, principalmente como forma de manter e valorizar as razes da comunidade de
remanescentes quilombolas de Araatiba.
1.4 A construo e a importncia dos conceitos geogrficos nas sries iniciais: Paisagem
e Lugar
Conforme discutido anteriormente, o ensino da cincia geogrfica, enquanto componente
curricular tradicional nas sries de ensino infantil passou por profundas transformaes de
acordo com a evoluo e descoberta das cincias e das foras polticas, sendo, atualmente, os
Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o fio condutor de seu desenvolvimento.
Nesse sentido, os conceitos de paisagem e lugar, que so foco da presente investigao,
aparecem includos de forma bastante significativa na parte dos referidos Parmetros
Curriculares Nacionais, voltados para o Ensino Infantil, quando se trata de natureza e
sociedade. De acordo com os referidos Parmetros,
Nos primeiros anos de vida, o contato com o mundo permite criana
construir conhecimentos prticos sobre seu entorno, relacionados sua
capacidade de perceber a existncia de objetos, seres, formas, cores, sons,
odores, de movimentar-se nos espaos e de manipular os objetos.
Experimenta expressar e comunicar seus desejos e emoes, atribuindo as
primeiras significaes para os elementos do mundo e realizando aes cada
vez mais coordenadas e intencionais, em constante interao com outras
pessoas com quem compartilha novos conhecimentos. (BRASIL, 1998, p.
169).
a partir do cotidiano da prpria vivncia da criana que vo se formando e transformando
medida que elas amadurecem, os conceitos e as suas concepes a respeito do espao. Neste
contato com o mundo que inicia o reconhecimento e identificao do que existe em sua
volta, dos lugares, e suas respectivas paisagens e histrias. Esta caracterstica possibilita, mais
do que tudo, construir no s os conceitos de Paisagem e de Lugar, como tambm de
vrios outros conceitos geogrficos primordiais, como espao, territrio, territorialidade,
elementos naturais, sociais e culturais.
23
Nesse processo de construo e interpretao do mundo, a criana no s ir desenvolver e
sistematizar os seus conhecimentos como tambm, favorecer sua insero no contexto social e
no seu papel e exerccio de cidadania.
Portanto, pertinente se faz a contribuio de Callai (1999), ao afirmar que:
[...] a geografia que o aluno estuda deve permitir que este se perceba como participante do espao em que estuda, onde os fenmenos que ali ocorrem
sejam resultados da vida e do trabalho dos homens e estejam inseridos num
processo de desenvolvimento. (p. 58).
Aes simples do seu dia-a-dia, como brincar, ir para escola, para igreja, se relacionar com
outras crianas e adultos, entre outras, permitem com que a criana interaja com o espao,
despertando sua curiosidade e imaginao com o meio em que vive. Este exerccio pode
auxiliar no processo de busca e interpretao do significado e funcionalidade dos objetos e de
sua prpria histria, oferecendo um maior contato afetivo com sua identidade. Esse exerccio
possibilita
[...] uma articulao entre o ambiente fsico e social e o processo de
construo das mltiplas identidades que nos constituem ao longo da
trajetria de vida (pessoal, social, cultural). Significa refletir sobre a
possibilidade de se proporcionar s crianas oportunidades de interao com
outros indivduos, que as levem independncia, cooperao e
colaborao voluntria e no competitividade, concorrncia e
individualismo, ao perceberem que os outros, com os quais convivem,
tambm tm sentimentos, opinies e direitos (HICKMANN, 2002, p. 910).
Porm, este processo de construo do conhecimento a partir da observao que as crianas j
trazem do seu dia-a-dia, depender de como ela se relaciona com o meio e como apreende e
absorve sua realidade. Pois este processo depende antes de tudo de como o desenvolvimento
do processo de ensino/aprendizagem de cada criana.
Para Vygotsky (2000), o conceito:
24
[...] em sua forma natural e desenvolvida, pressupe no s a combinao e a
generalizao de determinados elementos concretos da experincia mas
tambm a discriminao, a abstrao e o isolamento de determinados elementos e, ainda, a habilidade de examinar esses elementos discriminados
e abstrados fora do vnculo concreto e fatual em que so dados na
experincia (p.220).
Bogo (2010), apoiado nos estudos desenvolvidos por Vygotsky (2000), nos aponta que a
aprendizagem obtida pelo sujeito, quando em contato com os signos encontrados na esfera
social, propicia a construo de dois grupos de conceitos: os designados de conceitos
cotidianos e aqueles denominados conceitos cientficos. O primeiro grupo se desenvolve por
intermdio das diversas interaes que a criana realiza diariamente no contato com outras
pessoas, objetos e fenmenos. Assim, conforme nos aponta Vygotsky (2000), nesse momento
(a partir dos dois anos), os conceitos, aqui considerados cotidianos, que so tomados dos
adultos e utilizados pela criana, por meio de sua linguagem, se voltam somente para nomear
objetos e episdios presentes em sua vivncia imediata. J os conceitos cientficos envolvem
conhecimentos sistematizados e inter-relacionados a partir de um processo orientado, presente
no cotidiano escolar. Essa definio, por si, justifica, enfatiza e avaliza a necessidade de se
trabalhar a geografia a partir da realidade imediata e prxima dos alunos.
Sendo assim, o papel do professor ganha relevncia e torna-se imprescindvel neste momento,
pois estes conceitos cientficos nada mais so, do que as propostas curriculares, e como tal,
podem se apresentar desinteressante e distante dos alunos. Dessa forma, o papel do professor
entrecruzar as experincias da vivncia da criana com os conceitos cientficos. Neste
contexto, o trabalho docente prxis, fundamentando-se de teoria e prtica para realizar a
transformao social conjugada ao humana, sobre a realidade vivida que ocorre atravs da
reciprocidade entre teoria e prtica (PIMENTA, 2001).
O professor tem que criar maneiras e linhas de estudo que propicie este processo de
ensino/aprendizagem. Para tanto, um caminho possvel e vivel a adoo de um bom
planejamento, ter uma ampla viso de mundo, e estar sempre atualizado quanto s questes
polticas, sociais, econmicas, ambientais e culturais, para democratizar os saberes
estimulando o carter crtico e analtico dos alunos, tornando-os sujeitos ativos neste processo
de ensino/aprendizagem. Tudo sem desconsiderar o que nos adverte Bruner (1991), no sentido
de estar atentos para se ...aproveitar o potencial que o indivduo traz e valorizar a curiosidade
natural da criana. Esses cuidados se tornam extremamente necessrios, principalmente ao
25
considerarmos que, conforme enfatiza o referido autor, so princpios que devem ser
observados pelo educador (p.122).
Nessa direo, observa-se que o processo de construo dos conceitos de Lugar e Paisagem
nas sries iniciais toma grande importncia, pois possibilita conhecer a histria do seu espao
vivido, se identificando, e compreendendo as relaes que ali aconteceram e acontecem. Uma
alternativa vivel e possvel, para tanto, seria a utilizao de fotos antigas, dos monumentos
histricos e de relatos de pessoas mais velhas. Essas prticas podem possibilitar criana
notar o que modificou com o passar do tempo dentro do lugar e da paisagem e, assim,
despertar a curiosidade dos alunos com algumas questes, por exemplo: Como foi o processo
de ocupao do lugar em que vivem? Como era a paisagem antigamente? Como foi o
processo de mudana da paisagem? O que ocorreu de significativo? Como eu (aluno) estou
inserido neste processo?
Ao possibilitar a construo destes conceitos e compreenso destas categorias geogrficas,
partindo da experincia vivida pelos prprios alunos, que basicamente a proposta deste
estudo, possibilitar-se-, tambm, que o processo de ensino/aprendizagem ganhe mais sentido.
Ao relacionar o conceito (teoria) com a prtica, os jovens estudantes estaro lendo sua prpria
vida, a dos seus familiares e antepassados, se identificando, caracterizando e valorizando suas
relaes de afetividade pelo o meio, tornando um instrumento potencializador na construo
da cidadania, conforme salienta Callai
Ao ler o espao, desencadeia-se o processo de conhecimento da realidade
que vivida cotidianamente. Constri-se o conceito, que uma abstrao da
realidade, formado a partir da realidade em si, a partir da compreenso do
lugar concreto, de onde se extraem elementos para pensar o mundo (ao
construir a nossa histria e o nosso espao). (2005, p.241).
Salienta-se que a opo por realizar este estudo em uma comunidade quilombola, no se
prendeu somente ao fato de se tratar de mais uma proposta prtica de ensino. Mas tambm,
por ser um meio de conhecer um pouco da histria, das caractersticas e identidade tnica da
comunidade, presente na vida das crianas e como a escola se comporta diante disso, se
exerce algum mecanismo mediador para interligar seus traos culturais com o processo de
ensino/aprendizagem.
26
Na tentativa de compreendermos, ainda que superficialmente, os traos culturais e a
identidade tnica que permanecem na comunidade de Araatiba, que mesmo com um grande
processo de miscigenao e globalizao ainda se mostra resistente e autnoma aos moldes
europeus, abordaremos a seguir um resgate histrico das comunidades quilombolas no Brasil.
1.5 Quilombolas no Brasil
Para compreendermos o processo de surgimento dos quilombos no Brasil, torna-se
imprescindvel fazer um breve relato sobre a presena dos africanos no pas. O trfico
africano foi a maior fonte de mo de obra ao Brasil e se constituiu a fora de trabalho
principal nos sculos XVII, XVIII e XIX, primeiro no litoral e depois no interior. Os
negociantes brasileiros foram, na poca, considerados os mais perseverantes no trfico
negreiro e na utilizao de africanos como mo de obra escrava.
Os traficantes portugueses e, posteriormente, os brasileiros, foram os mais
perseverantes e entusiastas negociantes de seres humanos da poca moderna, sendo os primeiros a iniciar esse comrcio na frica para o Atlntico, e os
ltimos a abandon-lo. (LEWKOWICS, GUTIRREZ e FLORENTINO,
2008, p. 20).
Durante os trs sculos, o fluxo de escravos provenientes da frica para o Brasil foi
heterognio, chegando mdia anual de 30.100 no perodo auge, ocasio em que, por
presses internacionais, sobretudo inglesas, se aboliu definitivamente o trfico negreiro para o
Brasil. Os escravos eram trazidos de diferentes partes do continente africano.
Conforme salientam Lewkowics, Gutirrez e Florentino (2008), os homens, assim como as
mulheres negras, eram capturados inicialmente em territrios localizados na extensa costa da
frica Ocidental e Congo-Angolana, e somente no sculo XIX comearam chegar tambm ao
Brasil, de maneira mais intensa, cativos procedentes de Moambique. J nos sculos XVI e
XVII, a maior parte dos escravos era oriunda da chamada Costa da Mina, havendo, nos
sculos XVIII e XIX, um deslocamento gradual das zonas de fornecimento para o Sul, com
destaque para a Angola.
Ainda segundo os referidos autores, os negros do noroeste africano eram conhecidos por
nomes como minas, nags (iorubs), jejes ou hausss, estes de religio muulmana, e era
27
bastante comum encontr-los em portos da Bahia, de Pernambuco e, em geral, em regies
mais ao norte, de colonizao mais antiga. Em contrapartida, os negros chamados congos,
angolas, bengueles ou moambiques, originrios da regio central e austral da frica, foram
enviados com mais frequncia ao Rio de Janeiro, a So Paulo e a regies sulinas, reas com
demanda mais intensa de cativos nos sculos XVIII e XIX.
A viagem da frica ao Brasil nos navios negreiros, conhecidos como tumbeiros, era das
piores condies higinicas. Por vezes ocorria superlotao, maus tratos, m alimentao,
doenas, castigos e muitos escravos no completavam a viagem, pois morriam no decorrer do
percurso. Os que chegavam aos portos brasileiros passavam um perodo em quarentena para
evitar perdas de escravos devido ao novo ambiente epidemiolgico. Os escravos vendidos
eram direcionados para trabalhar na grande lavoura, em que o funcionamento da Plantation2
demandava constante abastecimento de escravos.
O funcionamento da plantation requeria o abastecimento contnuo de escravos oriundos do trfico. Nos sculos XVI e XVII, o principal destino
dos escravos no Brasil era o Nordeste, comprados pelos senhores de engenho
para sua insero na produo de cana-de-acar. (LEWKOWICS,
GUTIRREZ e FLORENTINO, 2008, p. 24, grifo dos autores).
Ainda segundo os mesmos autores, a base do engenho foi o trabalho do escravo negro. O
ndio aparece esporadicamente, sobretudo nos engenhos administrados por jesutas, mas
desenvolvendo atividades externas ao engenho, como a de capito-do-mato, na captura de
escravos fugitivos. Bem como os engenhos nordestinos, a atividade de minerao tambm
demandou vasta mo de obra escrava desde a descoberta de minas de ouro no final do sculo
XVII, em Minas Gerais. Em contrapartida, a pecuria foi um exemplo de atividade que era
realizada com menor nmero de escravos e condies de vida e de trabalho melhores. Assim
como as cidades ofereciam aos escravos oportunidades mais favorveis.
2 Termo ingls para designar um tipo de organizao da produo que tem a escravido como relao de trabalho
principal. Suas unidades caracterizavam-se por produzir para o mercado, conjugar no mesmo estabelecimento o
cultivo agrcola e o beneficiamento do produto, inserir os escravos em um trabalho por equipes sob comando
unificado e executar as tarefas obedecendo a uma diviso especfica de trabalho. (Lewkowics, 2008, p. 134). Isso
porque a plantation, de acordo com Gorender (1978), citado por Moreira (2011, p. 46), o objeto dos
financiamentos de capital e do trfico de fora de trabalho escrava e da implantao do perfil de ocupao, que
da se difunde para o todo da colnia.
28
Os escravos eram explorados, castigados e torturados independente do setor que trabalhavam
e os constantes maus tratos desencadeava nos escravos o desejo e a busca pela liberdade. De
acordo com Lewkowics (2008) independentemente da funo produtiva ocupada pelo
escravo, os protestos, as fugas e as rebelies foram uma constante durante a vigncia da
economia escravista, emergindo modalidades diferentes conforme as possibilidades que os
escravos encontravam, mas tendo em geral o trao comum de brotarem em decorrncia da
explorao ou da imposio de condies inaceitveis de trabalho. Os escravos que se
negavam a viver nas condies determinadas por seus senhores fugiam e constituam os
quilombos, uma das expresses mais conhecidas de resistncia escrava.
Encontra-se em Lewkowics (2008) a seguinte definio para quilombo e quilombolas:
Quilombo/quilombola local onde se escondiam os escravos que fugiam. Quilombolas eram
os escravos que habitavam o quilombo (p.134). Dessa definio, depreende-se que uma forte
e quase que natural caracterstica do cidado quilombola a sua liberdade, a forte resistncia
imposio de outra cultura.
Conforme Lewkowics (2008) formaram-se vrios quilombos no Brasil. Minas Gerais
caracterizou-se pela formao de inmeros quilombos, mais de cem no sculo XVIII. No
entanto, o maior e mais conhecido quilombo do Brasil formou-se em Alagoas, o Quilombo
dos Palmares, que reuniu cerca de dez milhares de pessoas e perdurou ao longo de todo o
sculo XVII, resistindo a vrias expedies punitivas e conseguindo um grau de
desenvolvimento interno bem mais sofisticado que qualquer outro.
Os quilombos no Brasil surgem ento, a partir da resistncia escrava s pssimas condies de
vida e trabalho oferecidas na poca. Uma pausa dos constantes castigos. O quilombo talvez
significasse para os escravos um lugar de refgio, quem sabe de recomeo, esperana e justia
em meio a tantas desigualdades vividas no perodo escravocrata.
Feito esse breve relato sobre o surgimento de quilombos no Brasil, no prximo captulo
adentraremos em nossa comunidade de estudo. Araatiba um lugar muito especial, que
possui suas singularidades por ser uma comunidade de remanescentes de quilombo.
29
CAPTULO II
NOSSO CAMPO DE PESQUISA: ESPECIFICIDADES
Nosso campo de pesquisa constitudo por uma comunidade remanescente quilombola, que
traz em sua rotina e em seus hbitos dirios, muitas caractersticas e traos culturais
especficos das comunidades quilombolas. Nesse sentido, muitos desses hbitos e traos
culturais esto, tambm, enraizados nos seus jovens estudantes e, portanto, merecem ateno
especial dos educadores de uma maneira geral e, de forma bastante especfica, dos professores
de Geografia, ao se proporem estudar o espao e as relaes de espacialidades nele/dele
inerentes.
Assim, justifica-se, em um primeiro momento, traar um breve histrico da referida
comunidade.
2.1 Histria da Comunidade de Araatiba
Araatiba, atualmente uma comunidade pequena que abriga remanescentes quilombolas e
tambm imigrantes que para l se mudaram em ocasies posteriores, era no passado uma
grande fazenda produtora de cana de acar. A fazenda Araatiba possua importncia
superior ao municpio de Viana, de onde faz parte atualmente. A mesma era responsvel
tambm, por manter o Colgio de Santiago, atual Palcio Anchieta. Os jesutas tiveram papel
importante no desenvolvimento da fazenda. Foram eles quem construram um canal artificial,
que hoje o rio Marinho, ligando a baa de Vitria ao rio Jucu, para fazer o escoamento da
produo da fazenda baa de Vitria. Esse fato confirmado por Fernandes Filho (2000), o
qual relata que
Vrias obras foram executadas pelos padres da companhia nesta Capitania, suas grandes fazendas careciam de infraestrutura para que pudessem
funcionar a pleno vapor e mpor (sic) sua presena e fora, tanto ao gentio
quanto aos colonos. Sero construdos uma srie de canais, dos quais o mais famoso e nico que pode ser localizado, devido a perda de informaes
sobre a localizao exata dos outros, que pode ter sido ocasionado por um
incndio no colgio dos jesutas em Vitria no ano de 1749, canal dos
jesutas, que conhecido hoje como rio Marinho. Este canal tem seu incio
30
no rio Juc, que cortava a fazenda de Araatiba, possuidora de engenhos e
conhecida como uma das maiores pertencentes aos padres nessa Capitania, e
tinha como seu destino a baia (sic) de Vitria. Possua aproximadamente duas lguas de exleno (sic) (12 Kms) e tinha como principal finalidade o
escoamento da produo dessa fazenda at a ilha de Vitria. Por este canal
era possvel escapar aos desconfortes c (sic) perigos proporcionados pelo
trajeto terrestre. (FERNADES FILHO, 2000, p. 17).
Conforme Oliveira (2008), a fazenda Araatiba foi citada pelo prncipe Maximiliano como a
maior encontrada em sua viagem Capitania do Esprito Santo. Ainda segundo o referido
autor, a fazenda Araatiba era uma grande propriedade rural, de duas lguas quadradas,
margem do rio Jucu.
Coerentemente com aspectos culturais das comunidades quilombolas, a histria da
comunidade , predominantemente, contada pelos seus moradores mais antigos e moradores
de arredores. A matriarca de Araatiba, Emiliana Coutinho da Silva, mais conhecida como
Dona Nini, referncia viva da histria da antiga fazenda Araatiba e das fugas para o
quilombo.
Dona Nini no vivenciou a escravido, nasceu no incio do sculo XX. No entanto, conhece a
histria da comunidade devido aos relatos dos seus antepassados. A construo da igreja de
nossa Senhora Da Ajuda foi um marco importante para a histria do lugar. Segundo relatam, a
construo da igreja, sob superviso de jesutas, foi iniciada atravs do trabalho indgena por
volta do sculo XVII e XVIII. A presena indgena foi relevante para a denominao do lugar.
At porque foi juno do nome Tiba (filha do cacique) e da fruta ara (muito comum na
poca) que deu origem ao nome comunidade de Araatiba.
O principal objetivo dos jesutas era desenvolver a agricultura e dar prosseguimento a
catequese indgena. No entanto, tempos depois os jesutas foram expulsos de Portugal e de
seus domnios. De acordo com Oliveira
Ao despontar o ano de 1760, o Esprito Santo perdeu a poderosa fora que, havia mais de dois sculos, vinha colaborando no seu desenvolvimento: os
jesutas. [...] Era a execuo do alvar de D. Jos, que expulsava de Portugal
e domnios todos os membros da Companhia de Jesus. (2008, p. 217).
Aps a expulso dos missionrios jesutas, Araatiba passou a pertencer ao Coronel de
Ordenana Bernardino Falco Gouveia Vieira Machado. Foi dado prosseguimento a
31
construo da igreja, bem como o trabalho na lavoura de cana de acar, por meio do trabalho
escravo de negros africanos. Na histria contada pelos moradores consta que a fazenda, j sob
o comando de Sebastio Vieira Machado, descendente de Bernardino, recebeu 800 negros
para o trabalho escravo na lavoura de cana de acar j entre os sculos XVIII e XIX. Nessa
mesma direo, encontramos em Fernandes Filho (2000) o seguinte
Araatiba era a responsvel pela a produo de acar. Esta locatzava-se
(sic) onde hoje o municpio de Viana e ainda podem ser vistas suas runas. Alm de engenho possua tambm olaria e produzia tambm aguardente,
melado e mel. Tinha essa fazenda um nmero de 852 servos entre escravos e
livres. Esta fazenda ainda possua sete datas de terra que eram Araatiba, juc que se dividia em duas, jucuna, Camboapina, Palmeiras e Ponta da
Fruta. (FERNANDES FILHO, 2000, p. 20).
Prximo comunidade de Araatiba, localiza-se um morro de mesmo nome, que no perodo
da escravatura era utilizado como abrigo aos escravos fugitivos. Escravos no somente de
Araatiba, mas tambm de fazendas adjacentes, que fugiam dos castigos impostos por seus
senhores. De acordo com a histria da comunidade, estes preferiam se refugiar na fazenda de
Araatiba, pois Sebastio Vieira Machado era considerado um bom senhor porque tratava
melhor seus escravos.
Em 1849 a igreja submetida a sua ltima reforma. Mesmo depois da escravatura, os
escravos de Araatiba continuaram no local. De acordo com a histria, os filhos de Sebastio
Vieira Machado doaram 21 hectares das terras para a Igreja Catlica para que os negros
pudessem permanecer ali. Dessa forma, os negros tornaram-se ento, herdeiros de nossa
Senhora Da Ajuda. Desses 21 hectares doados a igreja, atualmente os remanescentes
quilombolas ocupam aproximadamente 5 hectares.
Araatiba, atualmente tornou-se uma comunidade urbana que abriga remanescentes
quilombolas, portanto, ainda possui traos do seu passado. Apesar das intervenes de outras
culturas e a uniformizao eurocntrica imposta sociedade brasileira, sua identidade
preservada e suas manifestaes artsticas, razes da cultura africana, permanecem vivas at os
dias atuais.
Assim, na perseguio dos objetivos iniciais da presente investigao, nosso desafio,
doravante, ser o de relatar, mesmo que de maneira superficial, como se revela a identidade
32
de Araatiba. E na medida do possvel, identificar quais so as singularidades da comunidade,
as razes que permanecem intactas e resistentes ao eurocentrismo.
2.2As razes de Araatiba
Araatiba localiza-se no municpio de Viana, que por sua vez, faz parte da regio
Metropolitana de Vitria, Esprito Santo. Visualiza-se abaixo no Mapa 1 a localizao de
Araatiba.
Mapa 1: Localizao de Araatiba, no municpio de Viana - ES
Fonte: Geobases 2010. Elaborado por Helena Amanda Faller Tagarro.
A tabela a seguir expressa os dados mais atualizados referentes ao municpio de Viana e
bairro Araatiba, de acordo com o Censo de 2010 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica). No entanto gostaramos de fazer uma ressalva quanto nomenclatura
utilizada pelo IBGE para designar o bairro e comunidade de Araatiba. Onde est escrito
Distrito Araatiba substitui-se por Bairro Araatiba, enquanto que onde est escrito Bairro
Araatiba substitui-se por Comunidade Araatiba. Justifica-se essa alterao pautada em
nosso conhecimento emprico das dimenses geogrficas da comunidade em questo.
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Tabela 01: Dados censitrios do Municpio de Viana e de Araatiba
Fonte: Censo 2010/Sinopse por Setores IBGE.
O bairro Araatiba, embora considerado como urbano, ainda configura-se em rea rural, como
podemos observar abaixo na Figura 1. De acordo com a Prefeitura Municipal de Viana o
bairro abrange os loteamentos de Mamoeiro, Seringal e Araatiba. O mesmo possua,
conforme Tabela 01, em 2010 uma populao total de 1659 habitantes. Enquanto que a
populao total da comunidade de Araatiba era de 493 habitantes.
Reafirmamos que, embora a comunidade Araatiba faa parte de uma rea
predominantemente rural, pode-se consider-la uma comunidade urbanizada, baseado nos
servios oferecidos pela Prefeitura de Viana, como por exemplo, coleta regular de resduos
slidos e lquidos, rede de gua potvel, energia eltrica, escola de primeiro grau, posto de
sade, ruas caladas, transporte coletivo pblico e campo de futebol.
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Figura 01: Localizao do Bairro Araatiba -Viana-ES
Fonte: Geobases 2010. Elaborado por Helena Amanda Faller Tagarro.
Como mencionado anteriormente, a comunidade de Araatiba abriga nos dias atuais
quilombolas e tambm imigrantes que para l se direcionaram em diferentes momentos e
movidos por diversas circunstncias. O interessante em Araatiba, alm de sua magnfica
histria, que mesmo com o passar do tempo, apesar da homogeneidade europeia e embora
ocorra a presena de distintas culturas que foram agregando cultura local, Araatiba ainda
mantm os traos do seu passado.
As razes de Araatiba esto manifestas em seu patrimnio material e imaterial, que no
necessariamente esto tombados3. O patrimnio material de Araatiba constitudo por um
3Segundo o IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, o tombamento um ato
administrativo realizado pelo Poder Pblico, nos nveis federal, estadual ou municipal. O objetivo do
tombamento preservar bens de valor histrico, cultural, arquitetnico, ambiental e tambm de valor afetivo
para a populao, impedindo a destruio e/ou descaracterizao de tais bens. Pode ser aplicado aos bens mveis e imveis, de interesse cultural ou ambiental. o caso de fotografias, livros, mobilirios, utenslios, obras de
arte, edifcios, ruas, praas, cidades, regies, florestas, cascatas etc. Somente aplicado aos bens materiais de
interesse para a preservao da memria coletiva.
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stio arqueolgico composto pela Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, construda no sculo
XVII, que , atualmente, o nico patrimnio histrico e cultural de Araatiba tombado pelo
IPHAN. Aos arredores da igreja existe um cemitrio que data da construo da igreja. Ao lado
da igreja as runas do Casaro e um pouco mais distante da igreja, j na parte baixa de
Araatiba, encontra-se as runas do Entreposto Comercial.
Foto 01: Igreja de Nossa Senhora da Ajuda Foto 02: Runas do Antigo Casaro
Fonte: arquivo das pesquisadoras, 2013.
Foto 03: Cemitrio de Araatiba Foto 04: Runas do Antigo Entreposto
Comercial
Fonte: arquivo das pesquisadoras, 2013.
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Ainda nos domnios do que foi a Grande Fazenda Araatiba possvel encontrar outras runas
de edifcios que compunham o cenrio no perodo colonial. Em meio ao patrimnio material e
imaterial de Araatiba, existe uma banda de congo chamada Me Petronilha que fora fundada
entre os sculos XIX e XX e permanece em atividade at hoje.
Segundo o Diagnstico de Araatiba (2006), realizado pelo Ibase - Instituto Brasileiro de
Anlises Sociais e Econmicas,
Petronilha era a parteira de Araatiba. As crianas a chamavam de Me
Teot. Ela fez o parto de muitas crianas inclusive dos congueiros; Alm deste fato, ela era a guardadora dos instrumentos e tambm uma
incentivadora e continuadora do congo para que no viesse a acabar.
(IBASE, 2006, p. 16).
Consta no Diagnstico de Araatiba (2006, p. 16) que as atividades de congada existiam em
Araatiba desde a escravido, na ocasio em que os senhores tomavam o vinho e jogavam
fora os barris. Ento, os negros pegavam os barris, colocavam couro e tocavam para festejar.
Atualmente o mestre de congo mais antigo da comunidade o senhor Alcio Machado, que
era neto de Me Petronilha.
Segundo o Diagnstico de Araatiba4 (2006)
O congo realizado para So Benedito. Os (as) moradores (as) realizam sua festa no primeiro domingo aps o natal onde danam o congo e realizam a
fincada do mastro de So Benedito. Festejam tambm o dia de Nossa
Senhora DAjuda que padroeira da comunidade. (IBASE, 2006, p. 11).
4 O Documento Diagnstico Social da comunidade Araatiba remanescente de um Quilombo, situada no municpio de Viana, no estado do Esprito Santo - se insere como etapa inicial da criao de um ncleo de
integrao comunitria, que se constitui a partir da implantao de um projeto de referncia, construdo e
estabelecido em conjunto com essa comunidade. O IBASE (Instituto Brasileiro de Anlises Econmicas e
Sociais), em parceria com FURNAS Centrais Eltricas S. A. e COEP (Comit de Entidades no Combate fome
e pela Vida) o responsvel pela facilitao da implementao da proposta.
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Foto 05: Fincada do mastro de So Benedito em Araatiba
Fonte: Rubens Teixeira da Silva, 2013.
Alm da banda de congo e das festas que permeiam a congada, tambm merece destaque a
existncia de um prato tradicional de Araatiba: o sotco. Trata-se de um prato tpico feito
com banana cozida e outros ingredientes no revelados pela comunidade a terceiros, cuja
receita repassada de gerao a gerao atravs das moradoras mais antigas, como Dona
Nini. Outra caracterstica marcante em Araatiba so os penteados afros, que atravs de
tranas embelezam os cabelos das jovens e ancis da comunidade.
Por ltimo, mas de grande relevncia para a histria da comunidade, vale destacar que
Araatiba tem time de futebol prprio. O Guarani Futebol Clube que foi fundado em meados
da dcada de 1950. A histria contada pelo presidente do time, Lauro Ribeiro, mostra como o
time importante para a comunidade. O Guarani Futebol Clube de Araatiba possui campo
prprio. Segundo relatos de Lauro, o local do atual campo de futebol era um porto que
escoava para Vila Velha o caf produzido na regio em meados de 1960. importante
destacar que o campo j esteve em cinco locais diferentes da comunidade, mediante a
dinmica que ocorreu na paisagem de Araatiba.
Lauro conta que proveniente de Iconha, mas migrou para Araatiba em 1958 com a
finalidade de trabalhar na fazenda. Ele ressalta que nesse momento o clube j existia, mas
estava fora de atividade, pois no tinha quem o assumisse. Nesse contexto histrico, o ento
fazendeiro Francisco Palassi convida Lauro, que era seu cunhado, para dirigir o time. Em
1960 o Guarani Futebol Clube de Araatiba retomou suas atividades, e permanece ativo at os
dias atuais. O time participa de torneios e campeonatos da regio e j possui vrios ttulos,
como o de campeo do "I Torneio Circular Quilombola de Futebol", que ocorreu em 2009,
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com a participao de times de outras comunidades de remanescentes quilombolas, como:
Roda D`gua (Cariacica), So Mateus (Anchieta) e Retiro (Santa Leopoldina).
Depois de conhecer um pouco da comunidade de Araatiba de uma maneira geral, voltamos
nossos olhares para o nosso campo de pesquisa direta, propriamente dito, que foi a Escola
Municipal de Ensino Fundamental de Araatiba. Para tanto, ser exposto a seguir informaes
que foram coletadas na escola por meio de entrevistas e observaes de campo.
2.3 A Escola e seus sujeitos
As informaes referentes caracterizao da escola foram coletadas atravs de observao a
campo e por meio de entrevista pessoal com a pedagoga regente, Deislaine Mandato Morais,
no primeiro contato com a EMEF Araatiba. vlido lembrar que a equipe pedaggica nos
recebeu muito gentilmente, o que facilitou a realizao da presente pesquisa. Inclusive,
conforme j mencionado anteriormente, a referida equipe e instituio escolar autorizou a sua
identificao na presente pesquisa, no necessitando recorrer aos critrios de invisibilidade.
Assim, ancorados nas orientaes e pressupostos defendidos por Ribeiro (2004) julgamos
importante caracterizar o espao escolar por ser neste ambiente que se desenvolve a prtica
pedaggica, constituindo-se num espao de possibilidades ou de limites, que deve propiciar
condies mnimas quanto ao bem-estar docente e discente. Partimos, pois, do pressuposto de
que, conforme nos afirma o referido autor:
Analisar o ambiente escolar uma necessidade premente, uma vez que esse tem sido negligenciado, [...] na maioria das vezes, no completam sequer as
condies bsicas de conforto ambiental e de segurana. A inobservncia
dessa unidade [...] tem reflexos muito negativos para os alunos. Estudos
revelam que o ambiente fsico, a sua estrutura e as significaes simblicas determinam, em grande parte, as experincias da criana, seu aprendizado e
desenvolvimento. (RIBEIRO, 2004, p. 108).
a) Quanto ao espao fsico da escola
A Escola Municipal de Ensino Fundamental de Araatiba atende o primeiro segmento do
Ensino Fundamental (do 1 ao 5 ano). Esta possui trs salas de aula, uma sala de msica
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improvisada, um espao para livro inapropriado junto ao refeitrio, dois banheiros que esto
em reforma, uma secretaria, uma cozinha, um laboratrio de informtica que no funciona por
falta de tcnico e uma quadra de esportes.
Devido escola estar passando por reforma, no momento de realizao da presente pesquisa,
notamos que algumas paredes esto sem reboco, o cho da sala de msica est no concreto
grosso e a quadra de esportes no possui alambrados para impedir que a bola saia do espao
da escola. Tambm no h muros em volta da instituio e os rudos da obra de reforma so
constantes.
b) Quanto equipe de professores
O corpo docente da escola constitudo por um total de dez professores no seu todo, sendo
seis regentes, todos formados em Pedagogia, dois professores de Educao Fsica, um
professor de Artes e um professor de Musicalidade que ensina flauta e congo aos alunos. Dos
funcionrios da escola, apenas um professor, uma faxineira e uma cozinheira moram na
comunidade.
c) Quanto quantidade de alunos
A escola possui um total de 83 (oitenta e trs) alunos regularmente matriculados e frequentes,
sendo que 40 destes alunos esto matriculados no turno matutino e os demais 43 no turno
vespertino. O turno matutino atende as turmas do 1 e 2 ano infantil. J o turno vespertino
atende o 3, 4 e 5 ano. Segundo a pedagoga, cada turma, de ambos os turnos, possui em
mdia 14 alunos, todos moradores da prpria comunidade.
O Projeto Poltico Pedaggico da escola no foi finalizado devido troca da administrao na
instituio, conforme informaes verbais da pedagoga.
2.4 Vozes da professora regente e da pedagoga
A professora regente da turma em que realizamos a oficina possui graduao de Pedagogia,
cursada na modalidade distncia. Reside no municpio de Viana e conhece a comunidade de
Araatiba desde pequena.
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Conforme a mesma nos informou, ela no tem o hbito de elaborar planos de aulas todos os
dia, utilizando-se de uma sequncia didtica, que segundo a mesma de carter
interdisciplinar. Nos informou, ainda, que busca sempre seguir a Proposta Curricular
Pedaggica adotada pela rede de ensino do municpio de Viana.
Embora os Parmetros Curriculares Nacionais apresentem as cincias naturais como
fundamentais para o educao infantil, a professora regente enfatiza que trabalha mais com as
disciplinas de Portugus e Matemtica, que segundo ela o que prevalece no ensino Infantil.
Apesar desta afirmao, quando perguntamos se trabalha com o ensino de Geografia, ela
afirmou que trabalha, porm muito superficialmente, pois no teve uma formao mais
aprofundada acerca da disciplina, e que, portanto, tem buscado outros meios de estudos para
sua prtica pedaggica, tais como a internet.
Quando perguntamos sobre qual assunto geogrfico a mesma considera mais difcil para se
trabalhar em sala de aula, ela respondeu que referente Localizao e Escala. Estes dois
assuntos esto relacionados com a alfabetizao cartogrfica, que acima de tudo
indispensvel para o ensino da Geografia, pois, possibilita inicialmente a construo das
noes bsicas de representao e compreenso da realidade, do espao vivido.
A dificuldade relatada pela professora para ministrar as aulas desses contedos do ensino
geogrfico no surpresa. Isso refora ainda mais o nosso objetivo de envidar esforos no
sentido de subsidiar tais professores, propondo atividades que possam oferecer prticas
pedaggicas e instrumentos eficazes para o processo de ensino/aprendizagem da criana. No
caso especfico da presente investigao, h que se ponderar, ainda, a busca por considerar o
prprio cotidiano de vivncia da criana, tanto no mbito da escola, como tambm as
especificidades da comunidade de remanescentes quilombolas onde a mesma se insere.
Ressalta-se, de imediato, que o fato de a comunidade ser remanescente quilombola interfere
muito na aprendizagem, no modo de vida e de cultura das crianas. Segundo a professora e a
pedagoga da escola, os alunos conhecem e admiram a histria da comunidade. A maioria dos
estudantes, conforme relata a professora, j conhecia a histria da comunidade e seus traos
culturais, antes mesmo de chegar escola. Aprenderam com os familiares, com os amigos,
pessoas mais antigas e em outras instituies sociais presentes na comunidade, como igreja e
o centro comunitrio.
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A escola busca trabalhar a histria e a cultura da comunidade principalmente na semana da
conscincia negra, resgatando as culturas negras afro brasileiras do Esprito Santo. Porm, de
acordo com a professora e a prpria pedagoga da escola, esta questo da comunidade ser
quilombola no devidamente explorada nas atividades educacionais, durante o ano letivo. A
escola segue o padro curricular oferecido pelo municpio, ou seja, no proporciona um plano
de ensino particular trabalhando os conhecimentos cientficos com a identidade tnica das
crianas.
Segundo a pedagoga da escola, so principalmente nas aulas de msica que se buscam
trabalhar com a cultura da comunidade, utilizando de instrumentos, ritmos e danas tpicas da
cultura escravocrata, ou seja, da comunidade de remanescentes de quilombo. As crianas,
segundo ela, adoram participar, e a maioria, j traz consigo, o molejo e o rebolado que
aprendem com os familiares. Elas fazem apresentaes em outros locais alm da escola, e isso
acaba despertando ainda mais a vontade de participar das aulas.
Diante do exposto e, no intuito de captar as percepes, conceitos e saberes dos discentes
acerca, principalmente das categorias geogrficas de lugar e de paisagem, buscando propor
atividades didtico-pedaggicas que possam contribuir para o ensino da Geografia,
considerando a realidade desses estudantes, houve uma delimitao do/no nosso campo de
pesquisa emprica. Para tanto, a coleta de dados, via Oficina de desenho, teve como foco
principal a turma do segundo ano do Ensino Fundamental 1, no turno matutino, ou seja,
trabalhamos diretamente com crianas que esto ingressando ao ensino fundamental, ainda na
fase inicial de alfabetizao.
2.5 Oficina de desenho: desvelando saberes...
A oficina foi realizada no dia 24 de outubro de 2013. Inicialmente, buscando subsidiar as
atividades a serem desenvolvidas, foi realizada uma pesquisa de campo, percorrendo os
principais pontos da comunidade de Araatiba, retirando fotos e conversando com os
moradores, sobre os aspectos principais da histria e da cultura da comunidade.
Aps esta breve pesquisa de campo, para entender um pouco da histria e formao da
comunidade, partindo de dados empricos e das entrevistas, fomos para o nosso local de
aplicao da oficina, que a escola da comunidade. Nossa recepo foi muito amistosa e
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agradvel. Realizamos, na oportunidade, entrevistas com a pedagoga e com a professora
regente da turma em que foi aplicada a oficina, alm de retirar fotos no interior da escola.
Ao entrar na sala de aula, abordamos as crianas nos apresentando e destacando o carter
principal da nossa oficina que seria o processo de ensino/aprendizagem partindo do
conhecimento que elas trazem do seu dia-a-dia. Para isso, explicamos que cada uma deveria
desenhar o que elas acham que significa ou representa paisagem e o lugar no seu dia-a-dia.
Conforme explicitado anteriormente, utilizamos a metodologia de desenho, por julgar ser esta
uma atividade ldica e recreativa que as crianas gostam de fazer e que ao mesmo tempo,
pode constituir-se em uma forma/atividade eficaz para se trabalhar os conceitos de paisagem e
lugar propostos nesta pesquisa.
Disponibilizados os materiais necessrios para as atividades prticas, tais como lpis de
escrever, papel A4 e lpis de cor, procuramos deixar as crianas bem vontade para
realizao da tarefa: representar por meio de desenho o que elas entendem ser paisagem e
lugar. O empenho para realizao da atividade foi notrio, conforme pode-se observar pelas
fotos 06 e 07. Ressalta-se que, aparentemente, as crianas no demonstraram dvidas ou
dificuldades para a representao do que seriam estes conceitos.
Fotos 06 e 07: Alunos A e B participando da oficina de desenhos
Fonte: arquivo das pesquisadoras, 2013.
Espontaneamente, durante a realizao da atividade, os alunos conversavam entre si, quando
era possvel ouvir comentrios do tipo: a paisagem daqui muito bonita; Aqui h muitas
rvores, pssaros, montanhas; Eu gosto daqui, do lugar onde eu moro; Paisagem o que
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bonito e lugar onde eu moro; Eu gosto daqui porque aqui no tem muito barulho como na
cidade. A partir de tais comentrios, nota-se que os aspectos naturais da paisagem, a
princpio, foram os mais assinalados pelos alunos. E aos poucos, podemos perceber em seus
desenhos outros traos caractersticos da regio de Araatiba, como por exemplo, a igreja de
Nossa Senhora da Ajuda, construda pelos negros, e o morro de Araatiba, onde os escravos
se refugiavam de seus exatores, elementos estes correlatos cultura e histria da comunidade.
Os desenhos tambm revelam a importncia e o valor do espao vivido pelos alunos, pois,
atravs deles expressam o sentimento de pertencimento e iden
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