UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO "LATO SENSU" EM CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA EM
PEQUENOS ANIMAIS
ÚLCERA DE CÓRNEA EM CÃES
Helen Cristina de Jesus Porral Calvino
Campo Grande, nov. 2006
HELEN CRISTINA DE JESUS PORRAL CALVINO
Aluna do Curso de Especialização “Lato sensu” em
Clínica Médica e Cirúrgica em Pequenos Animais
ÚLCERA DE CÓRNEA EM CÃES
Trabalho monográfico do curso de pós-graduação
"Lato Sensu" em Clínica Médica e Cirúrgica de
Pequenos Animais apresentado à UCB como
requisito parcial para a obtenção de
título de Especialista em Clínica Médica e Cirúrgica
em Pequenos animais, sob a orientação da
Prof.a Dr.a Fabiana Bérgamo.
Campo Grande, nov. 2006
ÚLCERA DE CÓRNEA EM CÃES
Elaborado por Helen Cristina de Jesus Porral Calvino
Aluna do Curso de Pós-Graduação
Foi analisado e aprovado com
Grau: _____________________
Campo Grande, _____ de _________________ de _________
_______________________________
Membro
_______________________________
Membro
_______________________________
Professor Orientador
Presidente
Campo Grande, nov. 2006
ii
Dedico este trabalho aos meus amigos
familiares, principalmente minha mãe e
meu marido, pelo apoio recebido.
iii
Resumo: A úlcera de córnea ainda é um grande problema na clínica de pequenos animais, produzindo perdas oculares e cicatrizes que interferem na qualidade visual. Esta enfermidade é caracterizada por processos erosivos superficiais ou profundos na córnea, com perda de epitélio e exposição do estroma. Há diversas causas para úlceras de córnea nos cães. Geralmente resultam de infecções bacterianas, infecções virais, produção diminuída de lágrima, produtos químicos e trauma, e podem ser secundárias a outras enfermidades como entrópio, distrofia corneal, ceratoconjuntivite seca, doenças do sistema endócrino tais como o diabetes mellitus, hipotireoidismo entre outros. Os sinais clínicos são geralmente caracterizados por desconforto e dor ocular, blefaroespasmo, descarga ocular purulenta, epífora, perda da transparência da córnea e fotofobia. O diagnóstico é baseado nos sinais clínicos, nos resultados obtidos no exame ocular completo e na avaliação da integridade da córnea com o teste de fluoresceína. Outras técnicas podem ser úteis para um diagnóstico diferencial. O tratamento depende da causa subjacente e da severidade da doença corneal. O objetivo principal no tratamento de úlcera de córnea é de identificar e tratar a sua causa, para impedir a infecção secundária e para incentivar a sua cura. A partir de um diagnóstico inicial é que vai conhecer o melhor procedimento a ser usado, sendo este, tratamento medicamentoso ou cirúrgico. Abstract: Cornea ulcer is still a big problem in small animals veterinary practice, producing ocular losses and scars that interfere in the visual quality. This disease is characterized by superficial or deep erosive process in the cornea, with loss of epithelium and exposition of stroma. There are several causes for corneal ulcers in dogs. Usually results from bacterial infections, viral infections, Decreased tear production, chemicals and trauma, and they can be secondary to other diseases as entropion, dystrophy corneal, keratoconjunctivitis sicca, diseases of the endocrine system such as diabetes mellitus, hypothyroidism, between others. Clinical signs generally are characterized by discomfort and ocular pain, blepharospasm, purulent ocular discharge, epiphora, loss of the transparency of the cornea and photophobia. The diagnosis is based at the check marks clinical and at the effects obtained at the complete ocular examination and at the appraisal integrity from the cornea with the tests of fluorescein. Others techniques can be useful for a differential diagnosis. The treatment depends on the underlying cause and the severity of the corneal disease. The principal goals in the treatment of corneal ulceration are to identify and treat its cause, to prevent secondary infection, and to encourage healing. From an initial diagnosis it is that it goes to know the best procedure to be used, being this, medicinal or surgical treatment.
iv
SUMÁRIO
Resumo Página ................................................................................................ iv
Índice de figuras................................................................................................ vi
Parte
1. Introdução...................................................................................................... 1
2. Anatomia e fisiologia do globo ocular ............................................................ 2
3. Anatomia e fisiologia da córnea .................................................................... 4
3.1. Reconstituição normal da córnea ............................................... 10
4. Etiologia .....................................................................................................12
5. Sinais Clínicos ........................................................................................... 14
6. Diagnóstico ............................................................................................... 17
7. Tratamento ................................................................................................ 21
7.1. Terapêutica clinica ......................................................................21
7.2. Terapêutica cirúrgica ..................................................................29
8. Conclusão .................................................................................................. 37
9. Referências bibliográficas .......................................................................... 38
v
LISTA DE FIGURAS
1. Esquematização simplificada da anatomia do olho canino.......................... 4
2. Representação das camadas da Córnea .................................................... 6
3. Olho de cão apresentando ulceração corneana. Notar depressão e edema
perilasional ................................................................................................ 15
4. Úlcera de córnea em olho canino ............................................................. 15
5. Olho de cão após o teste com fluoresceína. A córnea
encontra-se íntegra .................................................................................... 18
6. Úlcera de córnea superficial após teste de fluoresceína ........................... 18
7. Exame do segmento anterior, em olho de cão, com lâmpada de fenda .... 20
vi
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, a oftalmologia constitui um importante ramo da
Medicina Veterinária, sendo comum e freqüente a ocorrência de afecções
oculares nas espécies domésticas (LAUS & ORIÁ, 1999).
A úlcera de córnea ou ceratite ulcerativa é uma das doenças
oculares mais comuns em cães, levando freqüentemente à perda da visão
(BRAGA, et. al., 2004; RICCIARDI, 2004).
Esta enfermidade é caracterizada por processos erosivos
superficiais ou profundos na córnea, com perda de epitélio e exposição do
estroma (BOEVÉ, et. al., 1999; ANDRADE, et. al., 2000; BRANDÃO, et. al., 2003;
CREMONINI, et. al., 2004; RICCIARDI, 2004).
2. ANATOMIA DO GLOBO OCULAR
O olho canino é composto por estruturas diversas, as quais se
encarregam da proteção, nutrição, acomodamento e percepção da luz para poder
enfocar a imagem de algum ser visual (SLATTER, 2001).
O olho é um conjunto, chamado globo ocular, é uma estrutura
quase esférica, medindo entre 20 mm e 25 mm de diâmetro, dividido em três
camadas: externa, intermediária e interna. A camada externa é composta pela
córnea transparente, esclera opaca e sua junção – o limbo, onde se encontra a
trama trabecular por onde escoa o humor aquoso. A camada intermediária é a
camada vascular ou úvea que é formada pela íris, pelo corpo ciliar e pela coróide,
providenciando a nutrição do olho. A íris possui uma abertura central (pupila) para
a passagem da luz e funciona como um diafragma regulando esta entrada. A
camada mais interna ou nervosa que é a retina. A porção intraocular do nervo
óptico forma o disco óptico, que freqüentemente é deprimido na sua parte central
(INPA, 2006; GUERRA, 2006).
3
O humor aquoso é produzido pelas células do epitélio do corpo
ciliar, situada atrás da íris, que preenche o espaço entre a córnea e a íris. Sua
principal função é a nutrição da córnea e do cristalino, além de regular a pressão
interna do olho. A pressão intraocular (PIO) é determinada pelo equilíbrio entre a
taxa de produção do humor aquoso e sua drenagem, em cães considera-se que a
PIO é normal quando varia de 15 a 25mmHg (SLATTER, 1998; GALLO &
RANZANNI, 2002).
A drenagem do humor aquoso ocorre pelo ângulo írido-corneal,
sendo filtrado pela malha trabecular uveal e córneo-escleral, atingindo a
circulação venosa. Essa via é responsável por cerca de 85% a 90% da drenagem
do humor aquoso em cães. Uma segunda via responsável por 10 a 15% da
drenagem é formada pela íris, corpo ciliar, coróide e humor vítreo, sendo
denominada via úveo-escleral (SLATTER, 1998; GALLO & RANZANNI, 2002).
O humor aquoso é um líquido incolor, constituído por água (98%)
e sais dissolvidos (2%) predominantemente cloreto de sódio (WIKIPÈDIA, 2006).
O humor vítreo é tecido conjuntivo hidratado, viscoso e
transparente que consiste de colágeno e muco-polissacarídeos, principalmente o
ácido hialurônico. Este se encontra entre a retina e o cristalino, preenchendo a
câmara vítrea do olho. O vítreo definitivo tem origem neurodérmica. Sua pressão
mantém o globo ocular esférico (Figura 1). O cristalino é uma lente biconvexa,
4
transparente, flexível (pode modificar a sua forma) localizada atrás da íris. Sua
função é focar os raios de luz para um ponto certo na retina (SLATTER, 1998).
FIGURA 1: Esquematização simplificada da anatomia do olho canino (NANO,
2006)
3. ANATOMIA E FISIOLOGIA DA CÓRNEA
A córnea é a porção óptica mais resistente do olho em virtude de
possuir uma interface ar-tecido. A potência ocular é reduzida na água no
momento em que esta contacta a córnea (REECE & SWENSON, 1996).
A córnea coberta pelo filme lacrimal forma uma janela através da
qual a luz penetra o globo. A córnea tem cerca de 0,6 a 0,8 mm de espessura
5
(BOEVÉ, et. al., 1999). Nos cães, a córnea é transparente, avascular, incolor e de
contorno circular. A face posterior é côncava e encontra-se em contato com o
humor aquoso. O ponto de união entre a córnea e a esclerótica chama-se limbo
(BARRETO, 1996).
A película lacrimal pré-corneana reveste a córnea e conjuntiva a
uma profundidade de 7µm. Suas três camadas diferem, tanto em composição
quanto em função. A camada superficial externa se compõe de materiais oleosos
e fosfolipídios provenientes das glândulas tarsianas e desempenha duas funções:
aumenta a tensão superficial e liga a película pré-corneana à superfície da córnea
limitando a evaporação da camada aquosa inferior. A camada média ou aquosa
se constitui principalmente de água, derivada das glândulas lacrimais e nictantes.
Esta camada tem as seguintes funções: elimina o material estranho do saco
conjuntival, lubrifica a passagem das pálpebras e da terceira pálpebra sobre o
epitélio, serve como meio de passagem do oxigênio, células inflamatórias e
imunoglobulinas A e G até a córnea e fornece superfície corneana regular para
maior eficiência óptica. A camada interna ou mucóide consiste de mucoproteínas
derivadas das células caliciformes conjuntivais, que ligam a camada aquosa
hidrofílica/lipofóbica ao epitélio corneana hidrofóbico/lipofílico por meio de
moléculas mucoprotéicas bipolares (SLATTER, 1998).
A esclerótica de animais de espécie canina tem espessura de 1
mm na região ciliar, 0,3 mm na região mediana e 0,55 mm nas proximidades do
6
disco óptico. Em cães, o proeminente plexo venoso intraescleral está localizado 2
mm por detrás do limbo, sua função é a de proteção ocular (SLATTER, 1998).
No cão, a córnea é dividida em quatro camadas: o epitélio,
estroma, membrana de descemet e endotélio (Figura 2). O epitélio é do tipo
pavimentoso estratificado não queratinizado e representa uma continuação do
epitélio conjuntival. Compreende várias camadas de células poliédricas
ancoradas sobre uma membrana basal, que promove a adesão do epitélio ao
estroma adjacente (BARRETO, 1996; BOEVÉ, et. al., 1999; CREMONINI, et. al.,
2004; RICCIARDI, 2004; AMICINET, 2006).
FIGURA 2: Representação das camadas da
Córnea (CACECI, 2006).
7
O estroma constitui cerca de 90% da espessura da córnea. É
uma estrutura constituída por ceratócitos, feixes de fibras de colágeno e
substância fundamental (BARRETO, 1996; BOEVÉ, et. al., 1999; CREMONINI,
et. al., 2004), além de linfócitos, em pequeno número polimorfonucleares,
neutrófilos e macrófagos (BARRETO, 1996). As fibras ficam precisamente
paralelas dentro dos feixes, enquanto que os próprios feixes se cruzam entre si
(BOEVÉ, et. al., 1999). O espaçamento regular das fibrilas colágenas do estroma
mantém a transparência da córnea e diferencia o estroma do colágeno existente
no tecido cicatricial e na esclerótica (SLATTER, 1998).
A matriz extracelular é composta por glicosaminoglicanos (sulfato
de condroitina/dermatana, queratossulfato, ácido hialurônico) e proteoglicanos,
essenciais para a manutenção da adequada hidratação da córnea. Similarmente
à função dos condrócitos no tecido cartilaginoso, os queratócitos são
responsáveis pela manutenção e renovação da matriz extracelular, secretando o
colágeno e os glicosaminoglicanos (CREMONINI, et. al., 2004).
Posterior ao estroma fica a membrana de descemet, com
propriedades elásticas bastante discerníveis, portanto sujeita a protusões, caso
isto ocorra suas extremidades se enrolam. A membrana de descemet esta
constituída fundamentalmente de fibras delgadas de colágeno (BARRETO, 1996;
SLATTER, 1998).
8
O endotélio tem espessura unicelular e situa-se posterior e
adjacentemente à membrana de descemet. O endotélio tem capacidade limitada
de replicação/multiplicação, dependendo da idade e espécie e quando o endotélio
desaparece, o defeito é reparado pela migração de células existentes nas
adjacências (SLATTER, 1998). É composto por células achatadas e dispostas em
uma única camada, revestindo internamente a membrana de descemet
(BARRETO, 1996). O endotélio é importante para o cirurgião; esta camada é
extremamente susceptível à lesão osmótica e traumática durante uma cirurgia
(SLATTER, 1998).
A córnea contém 81% de água, 18% de colágeno e 0,04% de
lipídios. A irrigação é feita através dos capilares do limbo e a inervação provém
do nervo trigêmeo, ramo oftálmico (BARRETO, 1996). A forma do limbo na
maioria dos animais é circular à ovalada horizontal, como observada nos
ungulados (BOEVÉ, et. al., 1999).
A córnea é provida com uma rede de nervos (ramos sensitivos
não mielinizados do nervo ciliar longo, que é um ramo da divisão oftálmica do
nervo trigêmeo, quinto par) que passam para o estroma da esclera. Pequenos
ramos, não tendo nem bainha de mielina, nem células de Schwann, penetram
entre as células epiteliais (REECE & SWENSON, 1996; BOEVÉ, et. al., 1999).
9
O epitélio e o endotélio permitem a passagem de substâncias
lipossolúveis. Portanto uma droga, para penetrar na córnea, precisa possuir
radicais lipo e hidrossolúveis em suspensão (BARRETO, 1996).
A transparência da córnea é devido à perfeita organização
lamelar de suas fibras colágenas, ao grau de hidratação e por ser avascular
(BARRETO, 1996; BOEVÉ, et. al., 1999 e CREMONINI, et. al., 2004). Sua
transparência pode ser verificada com a utilização de uma luz dirigida como a de
uma pequena lanterna (BARRETO, 1996).
Outras características que tornam a córnea transparente são a
ausência de pigmentação, superfície lisa, proporcionada pela película lacrimal
pré-corneana e elevado conteúdo de mucopolissacarídeos (SLATTER, 1998).
Uma hidratação estável da córnea é determinada principalmente
por mecanismo de bomba no endotélio. A córnea é relativamente “desidratada”.
Quando o endotélio é lesado, a córnea absorve uma grande quantidade de água,
que aumenta sua espessura 3 a 4 vezes. Quando há lesão epitelial, a espessura
pode dobrar e o edema é restrito a essa área. A absorção de água também
distorce a regularidade das fibrilas, resultando em uma córnea opacificada.
Algumas partes absorvem mais água que outras, resultando em opacidade
irregular e uma superfície ondulada. Em razão da ausência de vasos na córnea, a
entrega de nutrientes e a retirada de impurezas ocorrem no limbo e via filme
lacrimal e fluido aquoso (BOEVÉ, et. al., 1999).
3.1. Reconstituição normal da córnea
A fisiologia da renovação da célula epitelial corneal constitui área
de ativa investigação. O epitélio da córnea mantém sua população celular em
equilíbrio dinâmico entre perda e renovação, tem capacidade de auto-renovação
rápida e possui um reservatório de células conhecidas como células germinativas,
semelhante a outros órgãos que possuem esse tipo de equilíbrio (SLATTER,
1998; ALVES, et. al., 2004).
Nas situações em que há necessidade de regeneração tecidual,
as células germinativas, entram em mitose, originando uma célula-filha, que
permanece como célula germinativa, garantindo a manutenção das mesmas, e
outra destinada a dividir-se e diferenciar-se na célula epitelial da córnea. Quando
o epitélio da córnea é lesado por trauma ou toxicidade medicamentosa, a
reparação desenvolve-se rapidamente para restabelecer a sua continuidade. Na
deficiência de células germinativas podem ocorrer dificuldades de epitelização,
defeitos epiteliais persistentes, ou erosão recorrente (ALVES, et. al., 2004).
Dentro de curto lapso de tempo, as células da camada basal do
epitélio começam a se aplainar, estas, por deslizamento, cobrem o defeito
11
corneano. Uma córnea inteiramente desnudada pode ser reepitelizada dentro de
4 a 7 dias (SLATTER, 1998; LAUS & ORIÁ, 1999).
Defeitos envolvendo o epitélio e o estroma anterior também
cicatrizam pelo deslizamento epitelial e mitose. Por seu relativo estado metabólico
inativo, o estroma evolui para reparação do tipo cicatricial de maneira mais lenta
em face da complexidade que envolve o processo reparatório (LAUS & ORIÁ,
1999).
Defeitos mais profundos são inicialmente revestidos por epitélio,
ocorrendo a regeneração do estroma inferiormente. Freqüentemente a
regeneração é incompleta, o que causa redução na espessura da córnea. A
regeneração ocorre de forma avascular e vascular. A forma avascular ocorre
devido a transformação de ceratócitos em fibroblastos migrando-se para a área
lesionada produzindo colágeno e mucopolissacarídeos da substância
fundamental da córnea (SLATTER, 1998).
Na forma vascular a infiltração celular é mais extensa que na
avascular. Os vasos sanguíneos se tornam mais constantes, estes, são
originados do plexo vascular límbico que invadem a área (SLATTER, 1998; LAUS
& ORIÁ, 1999). O tecido de granulação é depositado e forma cicatriz mais densa
que nos casos de cicatrização avascular. A membrana de descemet é elástica e
retrai-se e enrola-se ao sofrer alguma lesão, o que expõe o estroma corneano.
12
Células endoteliais vizinhas deslizam até cobrir a área, e uma nova membrana de
descemet é depositada (SLATTER, 1998).
4. ETIOLOGIA
As úlceras corneanas possuem diversas etiologias, e antes de se
iniciar o tratamento, deve-se tentar identificar a causa primária (BOLSON, et. al.,
2004; CARNEIRO FILHO, 2006).
A ulceração da córnea exibe ampla variedade de causas, mas o
trauma é, provavelmente, o mais comum entre os agentes envolvidos (LAUS,
1999; BRANDÂO, et. al., 2003).
Temos nas causas mecânicas as abrasões, os corpos estranhos,
queratites de exposição, os entrópios, anormalidades dos cílios como as
triquíases, as distiquíases e os cílios ectópicos (LAUS, 1999; BOLSON, et. al.,
2004; AMICINET, 2006; CARNEIRO FILHO, 2006), arranhadura por gato,
traumas químicos (ácidos e álcales), anormalidades palpebrais (entrópio,
ectrópio, lagoftalmia ou exoftalmia e buftalmia). Há ainda causas relacionadas à
paralisia do nervo facial e doenças do filme lacrimal (LAUS, 1999; BRANDÂO, et.
al., 2003).
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Nas causas infecciosas temos as infecções bacterianas
(possivelmente precedidas por um trauma inicial) causadas pelo Pseudomonas
sp. causando ulcerações corneanas com lise do estroma e pelo Staphilococcus
sp., infecções micóticas como aspergilose e a candidíase e infecções virais pelo
herpesvírus felino tipo I (LAUS, 1999; BRANDÃO, et. al., 2003; BOLSON, et. al.,
2004; AMICINET, 2006; CARNEIRO FILHO, 2006).
As úlceras podem ser secundárias a outras enfermidades como
ceratoconjuntivite seca, degeneração celular endotelial corneal, ceratopatias
bolhosas e ceratopatias neurotróficas (paralisia de um ramo do nervo trigeminal)
(LAUS, 1999; BOLSON, et. al., 2004; AMICINET, 2006; CARNEIRO FILHO,
2006).
Há uma categoria que ocorre em determinadas raças (como
exemplo Boxer) que são chamadas úlceras indolentes ou erosões epiteliais
idiopáticas. Estas lesões são devidas à separação entre o epitélio corneano e o
estroma, provavelmente por defeitos em hemidesmossomos juncionais entre as
células basais do epitélio e suas membrana basal. As úlceras ocorrem
espontaneamente sem nenhuma história de trauma prévio são caracterizadas por
seu curso crônico, natureza superficial, fala de vascularização e de outros sinais
inflamatórios. Estas úlceras não cicatrizam sem intervenção cirúrgica
(Debridamento do epitélio) (LAUS & ORIÁ, 1999; VAZ, 2006).
14
Para WOUK et. a., (1998) uma hipótese se sugere que nas úlceras indolentes
ocorre um ciclo contínuo de debridamento proteolítico, via casacata de ativação
do complexo plasminogênio-plasmina. Esta plasmina (protease) desfaz a adesão
de células epiteliais à fibronectina (glicoproteína importante no processo de
reparação da córnea, e a fibrina (pela clivagem de segmentos de fibronectina)
destruindo assim, a membrana basal da córnea, o que dificulta a cicatrização. A
plasmina encontrada em grandes concentrações em córneas lesadas, destrói a
fibronectina, e esse processo pode ser importante na patogênese de úlceras
indolentes.
5. SINAIS CLÍNICOS
As úlceras corneanas (Figura 3) freqüentemente exibem sinais
clássicos traduzidos por dor, blefaroespasmo, epífora, descarga ocular purulenta,
fotofobia, miose, edema corneal e perda da transparência da córnea pela invasão
de vasos, migração de células inflamatórias pelo edema, desarranjo das lamelas
de colágeno, resultante da reparação cicatricial, deposição de pigmentos e de
outras substâncias como lipídios e cálcio (LAUS, 1999; BRANDÃO, et. al., 2003).
15
FIGURA 3: Olho de cão apresentando ulceração corneana. Notar depressão e
edema perilasional (LAUS & ORIÁ, 1999).
Podemos classificar as úlceras pela profundidade da lesão:
úlceras superficiais, úlceras profundas, descemetocele e ruptura ou perfuração
corneal (Figura 4) (RICCIARDI, 2004; CARNEIRO FILHO, 2006).
FIGURA 4: Úlcera de córnea em olho canino (CARNEIRO FILHO, 2006)
As úlceras superficiais ou refratária são aquelas em que ocorre o
envolvimento somente do epitélio corneal (BOEVÉ, et. al., 1999 e CARNEIRO
FILHO, 2006). Usualmente são pequenas e resultantes de injúria mecânica
16
(LAUS, 1999). Os sinais clínicos apresentados são blefarospasmos, aumento da
produção da lágrima (exceto em ceratoconjuntivite seca), secreção mucosa mais
ou menos clara, hiperemia conjuntival e edema corneano (BOEVÉ, et. al., 1999;
CARNEIRO FILHO, 2006).
As úlceras profundas ocorrem pelo envolvimento da camada
estromal (CARNEIRO FILHO, 2006). As úlceras são geralmente de formas
ovuladas ou arredondadas, de margem abrupta e circundadas por edema e
infiltração vascular. A borda da úlcera amolece e incha consideravelmente e
adquire uma aparência amarela de xarope. Outros sinais de inflamação, como
hiperemia conjuntival e edema, dor, produção de exsudato purulento e sinais de
uveíte anterior, aumentam a gravidade. Sem intervenção muito rápida, essas
úlceras agressivas podem progredir em um ou alguns dias para perfuração,
panoftalmite e freqüentemente para perda do olho (BOEVÉ, et. al., 1999).
Se o epitélio corneano e o estroma são destruídos em razão de
trauma ou ulceração, a membrana de descemet transparente será então exposta
e dependendo do tamanho do defeito, irá abaular. A íris escura é, com
freqüência, claramente visível sob a hérnia transparente. A descemetocele pode
ser resultado de trauma ou de úlcera corneana que rapidamente aprofundou,
geralmente em conseqüência de derretimento do estroma. É uma ocorrência rara,
entretanto, muito freqüente em raças braquicefálicas como Pequinês, Pug e
Bulldog francês. O risco de perfuração é grande (BOEVÉ, et. al., 1999).
17
A ruptura ou perfuração corneal é geralmente resultado de
ferimentos pontiagudos ou laminados e não freqüentemente, o resultado de uma
úlcera de córnea em derretimento que sofreu perfuração. Quando o defeito é
pequeno, uma quantidade de humor aquoso escapa, coagula e tampona a
perfuração. Quando o defeito é maior, há prolapso de íris que aparece como uma
protuberância negra em forma de bexiga. Se a íris for lesada, haverá hemorragia.
A dor neste estágio é grande, causando blefaroespasmo. Vemos ainda outras
estruturas intra-oculares se apresentando e subseqüente desenvolvimento de
endoftalmite (BOEVÉ, et. al., 1999).
6. DIAGNÓSTICO
As úlceras de córnea podem não ser visíveis claramente, mesmo
com uma boa iluminação; por esta razão, todos os olhos suspeitos devem
receber o teste da fluoresceína (Figura 5). O tingimento externo é útil no
diagnóstico de lesões corneanas, porquanto o epitélio intacto, por seu alto
conteúdo lipídico, obsta a penetração do corante hidrofílico não sendo por ele
tingido (Figura 6). Qualquer ruptura na barreira epitelial permitirá a rápida
penetração da fluoresceína no estroma e sua fixação (LAUS & ORIÁ, 1999).
18
Todos os olhos avermelhados e doloridos devem ser corados
com fluoresceína, e devem ser mensuradas as pressões intra-oculares (BOLSON
et. al., 2004).
FIGURA 5: Olho de cão após o teste com fluoresceína. A córnea encontra-se
íntegra (CANSI, et. al., 2006).
FIGURA 6: Úlcera de córnea superficial após teste de fluoresceína. A área
ulcerada retem a mancha verde da fluoresceína permitindo a demonstração de
seu tamanho e profundidade (MORGAN, 2006).
19
A prova do teste lacrimal de Schirmer para avaliar a secreção
lacrimal é útil para um diagnóstico diferencial com a ceratoconjuntivite seca
(BOLSON, et. al., 2004).
Segundo CARVALHO e SILVA (1989), os valores de referência
para a produção de lágrima ao Teste de Schirmer seriam: valores maiores que 25
mm, epífora; valores entre 10 e 25 mm, secreção normal; valores entre 5 e 10
mm, suspeita de CCS; valores entre 5 e 1 mm, CCS grave e produção igual a 0
mm, CCS absoluta.
Em gatos os valores médios de produção lacrimal com o uso de
papel Mellita variam entre 11 e 28 mm/minuto, com média geral de 19,54 mm e
como o papel Whatman 40, tais valores variam entre 5 e 19 mm/minuto, com
média geral de 11,01 mm/minuto (ANDRADE, et. al., 2005).
Também têm utilidade os exames diagnósticos auxiliares, como a
cultura bacteriana e os raspados de córnea, para a coloração pelos métodos de
Gram e Giemsa (SLATTER, 1998).
O bom exame da córnea obriga empregar o biomicrocópio em
lâmpada de fenda (Figura 7), todavia tal equipamento, face o seu custo, não se
encontra ao alcance da maioria dos profissionais. Alternativamente, o exame
poderá ser conduzido com lupa Pala e uma fonte de luz artificial, como o
transiluminador de Finoff (LAUS & ORIÁ, 1999).
20
Este exame tem como finalidade a inspeção das estruturas
perioculares, na tentativa de identificar a causa da ceratite ulcerativa (SLATTER,
1998; BOLSON, et. al., 2004).
FIGURA 7: Exame do segmento anterior, em olho de cão, com lâmpada de fenda
(LAUS & ORIÁ, 1999).
O emprego do corante Rosa de Bengala é menos admitido,
porém é útil no diagnóstico da ceratoconjuntivite seca. Este teste permite aferir o
grau de deterioração das células epiteliais e detectar erosões intra-epiteliais
dendríticas causadas por herpesvírus, que são de difícil detecção pela
fluoresceína (LAUS & ORIÁ, 1999).
Trata-se de um corante vital que cora áreas de descontinuidade
do filme lacrimal, ou seja, células mortas, degeneradas, filamentos mucosos e
também células sadias não protegidas pelo filme lacrimal (CARDOSO, et. al.,
2006).
7. TRATAMENTO
7.1. Terapêutica clínica
O objetivo do tratamento é potencializar e estimular a
regeneração corneana espontânea, prevenir infecções e suprimir espasmo ciliar
(BOEVÉ, et. al., 1999).
As condutas terapêuticas neste caso fundamentam-se no alívio
dos sinais clínicos e sobretudo na profilaxia de descemetoceles, que requerem,
quase sempre, terapias específicas emergenciais para prevenir as perfurações
totais da córnea (ANDRADE, et. al., 2000).
Para se evitar as infecções secundárias com ativação da
colagenase e eventuais riscos de perfurações corneanas devem-se utilizar um
procedimento inicial de limpeza da ferida, com aplicação tópica de agentes
antibacterianos, além de uma terapia complementar, de acordo com o caso, em
geral usando midriáticos como a atropina (BARROS, 1993; WILKIE &
WHITTAKER, 1997; BOLSON, et. al., 2004).
22
Quanto ao agente antibiótico a ser usado, alguns dados sugerem
que a gentamicina reduz a capacidade de cicatrização das células epiteliais, mas
em muitas outras preparações oftálmicas esse efeito também pode ser verificado
(BOLSON, et. al., 2004).
A realização de antibiograma, após a cultura de amostras
colhidas da ferida é necessária para especificar a natureza das bactérias
presentes e para que se possa adotar uma antibioticoterapia eficiente. É indicada
a utilização de antibióticos de amplo espectro, que sejam efetivos principalmente
contra Pseudomonas sp. em um primeiro momento e quando possível, um
antibiótico específico para os agentes determinados pela cultura e antibiograma,
posteriormente (BOLSON, et. al., 2004).
BOEVÉ, et. al., (1999) sugere a utilização de pomada antibiótica
de largo espectro, de quatro a seis vezes ao dia, óleo de vitamina A de quatro
vezes ao dia e atropina 1% (se sinais de uveíte anterior são manifestos) duas a
quatro vezes ao dia (preferencialmente na forma de pomada: na forma liquida tem
menos contato com a córnea e aumenta a salivação, especialmente em gatos)
durante três semanas.
Foram comparadas a eficácias da gatifloxacina a 0,3% e da
ciprofloxacina a 0,3% na cicatrização de úlceras de córneas associadas com
Pseudomanas aeruginosa. Foram induzidos em animais a ceratoconjuntivite
ulcerativa através de inoculações com 10 Unidades formadoras de colônia de
23
Pseudomanas aeruginosa. Logo após foram administradas doses de gatifloxacina
a 0,3% com freqüência de 16 a 48 vezes/dia, nos dois primeiros dias, e de três a
16 vezes/dia do terceiro ao sétimo dia, e doses de manutenção de três a quarto
vezes/dia do oitavo ao vigésimo segundo dia. As doses de ciprofloxacina foram
realizadas com a freqüência diferenciada da gatifloxacina, onde foram
administrados 44 vezes/dia no primeiro dia, 16 vezes/dia no segundo dia e quatro
vezes/dia no terceiro ao vigésimo primeiro dia. Todos os olhos mostraram
evidências de infecção por 48 horas de pós-inoculação, e exibiam sinais de
ceratoconjuntivite de moderada à severa. Todos os olhos exibiram cicatrização
corneal no décimo quinto dia, com nenhuma diferença entre os grupos
(gatifloxacina e ciprofloxacina). Após o fim do estudo, nenhum animal foi positivo
para Pseudomanas aeruginosa e nenhuma precipitação corneal foi encontrada.
Foi concluído que a gatifloxacina a 0,3% é tão eficaz quanto a ciprofloxacina na
cicatrização de úlceras de córnea. As tendências favoreceram a gatifloxacina pois
obteve uma contagem menor de cepas na área de retenção da fluoresceína
(CARRIER, et. al., 2005).
Segundo LALITHA, et. al. (2005) as fluoroquinolonas são uma
boa escolha no tratamento de infecções oculares, com elevada susceptibilidade
dos Pseudomonas sp. Entre os aminoglicosidios, a gentamicina é altamente
eficaz contra as úlceras corneais provocadas por Pseudomonas sp. quando
comparado a amicacina e tobramicina.
24
Com o objetivo de verificar a eficácia no uso tópico do cristal do
açúcar na cicatrização de feridas corneanas, foram produzidas úlceras centrais
superficiais em ambos os olhos de 15 coelhos adultos saudáveis. As feridas
foram tratadas duas vezes ao dia, com solução fisiológica a 0,9% com placebo,
nos olhos esquerdos e com açúcar cristal nos olhos direitos. os animais foram
separados em três grupos de cinco indivíduos e cada grupo foi submetido a abate
e coleta das córneas para exame histopatológico, em períodos predeterminados
de três, sete e quinze dias de pós-operatório (PO). Avaliações clínicas
macroscópicas foram realizadas diariamente e exames bacteriológicos e
histopatológicos foram realizados nos períodos predeterminados (BOLSON et. al.,
2004).
Macroscopicamente, as feridas reagiram de forma similar,
observando-se exsudação até o terceiro dia de pós-operatório. Não se observou
opacificação em área circunjacente à lesão, nem formação de neovasos sobre a
córnea. O edema foi constante, não havendo diferença entre olhos esquerdos e
direitos. Quatro olhos direitos foram negativos à fluoresceína no quinto dia de
pós-operatório, enquanto o restante dos olhos esquerdos e direitos só foram
negativos entre o sexto e sétimo dia de PO. O exame bacteriológico pré-
operatório mostrou predominância de Staphylococcus sp. em todas as amostras,
com unidades formadoras de colônias. No terceiro dia de PO, não houve
alteração de bactéria ou em sua contagem em ambos os olhos. Neste estudo foi
concluído que a utilização de açúcar cristal no tratamento pós-operatório de
feridas corneanas em coelhos não têm influência direta na cicatrização, apesar de
25
ter sido observada reepitelização mais precoce em alguns dos olhos tratados
(BOLSON et. al., 2004).
Estudaram-se os efeitos da ciclosporina A a 0,2% (Optimmune)
em córnea de ratos que foram submetidas à enxerto interlamelar com cápsula
renal de eqüino, preservada em glicerina. A cápsula renal foi obtida a partir de
animais da espécie eqüina, da raça Puro Sangue Inglês, que foram conservadas
em glicerina 98% por 30 dias prévios ao enxerto. Foram utilizados 32 ratos
albinos da linhagem Wistar, machos e fêmeas submetidos a exame oftálmicos
para exclusão de doença ocular. Constituíram-se dois grupos experimentais de
16 animais cada, para estudo clínico realizado aos 1, 3, 7, 15 e 30 dias de pós-
operatório e estudo histopatológico aos 3, 15 e 30 dias de pós-operatório. Os
animais do primeiro grupo (grupo I) receberam o veículo da pomada, duas vezes
ao dia durante 30 dias. O segundo grupo (grupo II), após enxerto, recebeu
ciclosporina A a 0,2% em mesmo esquema de aplicação do primeiro grupo
(ANDRADE, et. al., 2000).
Decorridos os períodos pré-estabelecidos, os animais dos grupos
I e II foram submetidos a exame oftálmico para avaliação clínica e quantificação
dos fenômenos de: fotofobia/blefarospasmos, secreção ocular, edema,
neovascularização, transparência e pigmentação (ANDRADE, et. al., 2000).
26
Com base nas observações colhidas pode-se concluir que a
cápsula renal de eqüino induziu à resposta inflamatória intensa quando
introduzida ao estroma corneano de ratos por enxerto. A ciclosporina 0,2% foi
capaz de reduzir a resposta inflamatória após aplicação do enxerto interlamelar,
sendo esta redução mais evidente aos 30 dias de PÓ. Diminuindo assim as
chances de rejeição (ANDRADE, et. al., 2000).
Outro tratamento para úlcera de córnea é o sulfato de condroitina
(Ciprovet) que é um glicosaminoglicano encontrado predominantemente na
cartilagem articular, sendo um componente natural de diversos outros tecidos
corporais, como tendões, ossos, discos vertebrais, coração e córnea
(CREMONINI, et. al., 2004).
O sulfato de condroitina estimula a síntese de proteoglicanos por
mecanismos intra e extracelulares. Em adição a este efeito restaurativo, a
incorporação do sulfato de condroitina diminui o processo inflamatório agindo
diretamente sobre as enzimas, inibindo o sistema complemento e a atividade anti-
prostaglandina (BRANDÃO, et. al., 2003)
Foi realizado um estudo para avaliar a eficácia do sulfato de
condroitina a 20% no tratamento de úlcera de córnea experimental em coelhos.
Utilizaram-se 15 coelhos, divididos em tratado e não tratado, subdivididos em três
grupos de cinco animais cada. Em todos os animais foram realizados os
procedimentos de ceratectomia do tipo lamelar, feita em ambos os olhos, sendo
27
um deles tratados com Ciprovet colírio (sulfato de condroitina A e ciprofloxacina
a 0,3% associada) e o outro olho como controle, utilizando-se somente um colírio
de ciprofloxacina. Instituiu-se tratamento duas vezes ao dia no 1º dia e uma vez
ao dia nos subseqüentes. Os olhos foram avaliados, diariamente, quanto aos
sinais clínicos, bem como suas córneas, em exame histopatológico, no período
de 7, 14 e 30 dias. Não foram observadas diferenças significativas entre os
grupos tratado e não tratado quanto aos sinais clínicos. Foi observada a eficácia
no uso tópico do sulfato de condroitina A, quanto à organização cicatricial do
tecido estromal, caracterizando sua ação sobre o tecido composto por colágeno
(CREMONINI, et. al., 2004).
Em outro estudo foram avaliados a eficácia do sulfato de
condroitina A a 20% associados à ciprofloxacina a 0,3% (Ciprovet) no tratamento
único de úlceras de córnea ou associado à ceratotomia em grade. Foram tratados
15 cães e um gato que apresentavam ceratite ulcerativa, com presença de
diferentes agentes etiológicos. Mensurou-se a produção lacrimal destes animais,
com tiras padronizadas para Teste Lacrimal de Schirmer, além do diâmetro da
úlcera com paquímetro, procedeu-se a coleta de secreção conjuntival para cultura
aeróbica e teste de sensibilidade (antibiograma), classificando-se as bactérias
obtidas em relação à sensibilidade aos antibióticos ciprofloxacina, ofloxacina,
tobramicina, gentamicina e cloranfenicol. O tratamento consistiu da instilação de
Ciprovet, por 2 a 3 vezes ao dia, após debridamento para retirada de eventual
secreção, debris celulares ou epitélio frouxo. Dentre os 16 animais tratados,
obteve-se sucesso em 15, com exceção de 1 cão que apresentou cultura
28
bacteriana resistente à ciprofloxacina, que foi substituída por gentamicina. As
culturas bacterianas resultaram em: Staphilococcus sp. (25%), S. epidermidis
(12,5%), S. intermedius (37,5%), Streptococcus β-hemolítico (12,5%) e
Pseudomonas aeruginosa (12,5%). O tratamento se mostrou eficiente em 94%
dos casos, sendo ineficaz em apenas um animal que apresentou cultura
bacteriana resistente ao antibiótico utilizado (BRANDÃO, et. al., 2003).
O uso de inibidores da colagenase é indicado, apesar de sua
eficácia em úlceras de córnea ser questionável. O inibidor mais utilizado é a
acetilcisteína (5 a 10%) (RICCIARDI, 2004; BROOKS, 2006). Este medicamento
se usa topicamente por sua propriedade inibidora de colagenase e protease. A
acetilcisteína é instável a temperatura ambiente, de maneira que a solução deve
ser guardada na geladeira. A freqüência do tratamento deve diminuir-se
diariamente: a cada 1 a 2 horas durante os primeiros dias, e 3 a 4 vezes por dia
entre o sétimo e o décimo dia (BROOKS, 2006).
As drogas midriáticas podem ser também recomendadas no
tratamento de doenças oculares e também para facilitar o exame dos olhos
(ADAN, et. al., 1988). A atropina a 1% tópica de duas a três vezes ao dia é
indicada para controlar o músculo ciliar e o espasmo do esfíncter da íris, ambos
sinais associados ao desconforto ocular (RICCIARDI, 2004; SOUTO, 2006). É
importante lembrar que ela não é um analgésico e nem alivia a dor da córnea e
seu uso deve ser limitado a casos de extrema necessidade em se manter a
dilatação da pupila (SOUTO, 2006). Neste caso, a dilatação da pupila promovida
29
pelo uso de atropina 1%, é recomendada para aliviar a dor provocada pela uveíte
(inflamação das camadas internas do olho), sendo esta, conseqüente da
ulceração de córnea ou espasmos da íris (BROOKS, 2006; MORGAN, 2006).
O uso de corticosteróides tópicos e drogas antiinflamatórias não
esteróides (AINES) é contra-indicado no tratamento de úlcera de córnea, devido a
possibilidade de atraso no processo de cicatrização das úlceras ou até no
agravamento da lesão (STAINKI, 2006).
7.2. Terapêutica cirúrgica
Freqüentemente, justifica-se o apoio mecânico para as úlceras.
Os meios de tratamento cirúrgicos incluem uma variada gama de procedimentos
que incluem, tarsorrafia, retalhos de terceira pálpebra, sutura direta de
descemetoceles, aplicação de adesivos teciduais e retalhos conjuntivais têm sido
utilizados com êxito (SLATTER, 1998).
Nas úlceras não complicadas, o revestimento com retalho de
terceira pálpebra deve ser mantido por 7 a 10 dias. Durante este período,
medicações são aplicadas na parte alta do retalho. Se surgir qualquer um dos
sinais a seguir, o retalho será removido, e a córnea examinada: corrimento
purulento, corrimento aquoso súbito e volumoso, corrimento hemorrágico e
30
blefaroespasmo súbito e doloroso. Comumente os retalhos aliviam boa parte do
desconforto das lesões corneanas dolorosas.
O uso de adesivos para tecidos foi descrito em seres humanos, e
de forma anedótica em animais, mas seu uso não se tornou disseminado, e nem
foram confirmadas suas vantagens por estudos controlados (SLATTER, 1998).
Adesivos teciduais são utilizados em oftalmologia em situações
especiais como afinamentos corneais importantes de etiologia variada,
microperfurações corneais, perfurações corneais de difícil resolução cirúrgica
(lesões “estreladas”) ou no eixo visual, fístulas em ferida de ceratoplastia e outros
(ATIQUE, et. al., 2003).
Este adesivo, ao selar as perfurações corneanas, serve de apoio
ao crescimento de tecido cicatricial sobre a área perfurada além de possuir ação
bacteriostática e inibir a migração de células inflamatórias, o que retarda a
necrose estromal corneana (WILKIE & WHITTAKER, 1997; FREITAS, et. al.,
1999).
A aplicação destes adesivos visa manter a integridade ocular,
principalmente isolando o conteúdo intra-ocular do meio extra-ocular, prevenindo
desta forma o desenvolvimento de endoftalmite e outras complicações como
catarata, glaucoma, etc. Uma segunda intervenção pode ser realizada
oportunamente com o objetivo de restabelecer a capacidade funcional, embora
31
em alguns casos apenas a aplicação do adesivo pode ser suficiente para atingir
esta finalidade, dispensando procedimentos adicionais (ATIQUE, et. al., 2003).
O cianoacrilato quando em contato com a água, polimeriza-se e
solidifica-se rapidamente, formando uma placa que serve de suporte para a
cicatrização e epitelização do tecido subjacente, inibe a migração de células
inflamatórias retardando a necrose tecidual e tem ação bacteriostática, porém
causa desconforto devido ao atrito com a pálpebra, pois sua superfície é rugosa,
necessitando do uso de lente de contato com finalidade terapêutica (ATIQUE, et.
al., 2003; BRAGA, et. al., 2004).
Sua toxicidade é inversamente proporcional ao número de
carbonos na cadeia alquil, sendo os mais tolerados os derivados isobutil, n-heptil
e n-octil. O adesivo de cianoacrilato é gotejado (3 ou 4 gotas) no interior de uma
agulha de calibre 13 X 4,5 (“agulha de insulina”). Uma seringa de 1 ml (“seringa
de insulina”) é conectada à agulha. Assim que uma gotícula da cola aparecesse
no bisel, esta é aplicada e espalhada sobre a lesão. Aguarda-se cerca de dois
minutos para o adesivo secar e em seguida o mesmo é polimerizado com jato de
soro fisiológico ou água destilada estéril. Logo após, uma lente de contato
terapêutica hidrofílica é colocada, sendo prescrito posteriormente um colírio de
ofloxacina a 0,3% (ATIQUE, et. al., 2003).
Com o objetivo de testar o adesivo de cianoacrilato na fixação e
manutenção de botões córneo-lamelares autógenos e de enxertos pediculados de
32
conjuntiva em úlceras corneanas experimentais, foram utilizados 10 cães. Após
anestesia , blefarostase e fixação do globo ocular como de rotina, foram
realizadas trepanações compreendendo 2/3 da espessura da córnea sendo de
5,5mm de diâmetro no olho esquerdo (OE) e de 5mm no olho direito (OD). O
botão lamelar resultante do OE foi fixado no leito receptor do OD com o uso de
adesivo ao longo das bordas do enxerto e da córnea receptora. No olho
esquerdo, após sua confecção, o enxerto de conjuntiva pediculado foi fixado à
área receptora também por meio da colocação de adesivo sobre suas bordas. Foi
aplicado aproximadamente 0,05 ml de adesivo de n-butil cianoacrilato (Vetbond),
distribuindo-o com a agulha angulada para cobrir em torno de 2mm das bordas do
enxerto e do defeito, tanto no olho esquerdo como no direito. Foi realizada
avaliação oftalmológica diária durante 30 dias. Os botões lamelares
permaneceram fixados e foram incorporados à córnea receptora. A técnica de
fixação foi de fácil realização, sendo rápida e de baixo custo com opacidade leve
em 20% dos casos e ausente em 80% e ausência de vascularização aos 30 dias.
Porém, houve 100% de deiscência total nos enxertos pediculados. A técnica de
ceratoplastia lamelar autógena com o uso de adesivo de n-butil cianoacrilato pode
ser indicada como opção terapêutica nas úlceras profundas em cães (BRAGA, et.
al., 2004).
Em oftalmologia já foi testado de forma intralamelar e como
tratamento de úlceras experimentais em córneas de coelhos obtendo-se bons
resultados quanto a sua biocompatibilidade (OLLIVIER, et. al., 2001).
33
Outros adesivos já foram testados em oftalmologia como o
adesivo de fibrina e de silicone. Foi realizada utilizando um adesivo sintético
embucrilato (Hystoacril) em córneas experimentalmente preparadas através da
realização de ceratectomias lamelares, de profundidade e tamanho padronizados.
Foram utilizados 21 cães, cujas córneas receberam o adesivo, os quais foram
divididos em 6 grupos experimentais e 1 grupo controle, cada um com 3 animais,
que foram submetidos a períodos variados de acompanhamento pós-operatório, a
saber: 1; 3; 7; 15; 30 e 60 dias. Ao final de cada período, as córneas foram
coletadas e mantidas em formalina tamponada. As avaliações consistiram na
determinação da evolução clínica e estudo histopatológico de todos os olhos
operados. Os resultados revelaram reação inflamatória ao adesivo sintético
quando comparado com o grupo controle. Por outro lado, o adesivo mostrou-se
estável, mantendo-se presente na área aplicada por um período médio de 20
dias. De acordo com os resultados, concluiu-se que os adesivos são de grande
utilidade no reparo das lesões da córnea, fato este comprovado pela estabilidade
do tecido corneano em relação ao material proposto, facilidade e custo de
aplicação (SAMPAIO & RANZANI, 2005).
Úlceras profundas podem ser tratadas com retalhos de terceira
pálpebra ou por enxertos de conjuntiva. Nos casos de descemetocele, retalhos de
terceira pálpebra são insuficientes para impedir a ruptura. É preferível a sutura
direta de descemetoceles, seguida pela aplicação de retalho conjuntival de 360º,
ou de enxerto conjuntival. Também podem ser utilizados o transplante de córnea
lamelar autógeno ou a transposição corneoescleral. Pode ser utilizada a
34
tarsorrafia lateral parcial temporária, para a sustentação adicional. Durante a
cicatrização de qualquer úlcera, podem ocorrer a vascularização da córnea e a
formação de tecido cicatricial. A formação de cicatrizes pode ser reduzida pelo
uso tópico criterioso de corticosteróide, depois que se completou a reepitelização
(SLATTER, 1998).
Podem ser descritas outras técnicas para reparação da córnea
como enxertos autógenos e xenógenos. Quanto às últimas, destacam-se as
ceratoplastias lamelares em cães utilizando-se a córnea e a conjuntiva
autógenas, a membrana amniótica e o pericárdio conservado, o peritônio
homólogo conservado e a cápsula renal de eqüino preservada (ANDRADE, et. al.,
2000).
As ceratoplastias lamelares, com seu uso corriqueiro em medicina
humana, exibem na medicina veterinária algumas dificuldades como a
necessidade de material especializado e, quando homólogas, demandam o uso
de medicações imunossupressoras e necessitam de doadores. O uso de córnea
autógena sobrepõe estes últimos obstáculos. Esta é recomendada para o
tratamento de algumas ceratopatias que impeçam parcial ou totalmente a visão
como nas ceratectomias profundas com tendência à opacificação pós-operatória.
WILKIE e WHITTAKER (1997) acrescentaram como indicações, o reparo de
úlceras não perfuradas ou pequenas perfurações, as degenerações corneanas e
a restauração da espessura estromal.
35
Os enxertos conjuntivais pediculados são citados como
procedimentos de eleição em ulcerações profundas ou progressivas sendo
considerados de fácil realização em relação a outros procedimentos. Suas
vantagens são principalmente a possibilidade das estruturas oculares ao redor do
defeito poderem ser inspecionadas e o estabelecimento de aporte vascular de
substâncias com efeito cicatrizante e inibidor da colagenase, entretanto, o uso
desta técnica freqüentemente está relacionado com a perda da visão no local
onde são fixados (BRAGA, et. al., 2004)
Uma técnica utilizada para ulceras corneanas superficiais é a
ativação com fenol, que consiste na cauterização com uso de uma haste com
ponta de algodão molhada em uma solução saturada de fenol ou tintura de iodo,
a última tendo a desvantagem de tornar a área cauterizada menos definida.
Diariamente após cauterizar, o olho é lavado em abundância com NaCl 0,9% e
tratamento clínico com pomada antibiótica de largo espectro de 4-6 vezes ao dia
durante três semanas. O prognóstico geralmente é favorável, apesar da
cicatrização levar de um a seis semanas (BOEVÉ, et. al., 1999)
Em outro estudo foi utilizada uma técnica térmica de cauterização
para tratar os defeitos epiteliais corneal crônicos espontâneos em 9 olhos de 8
cães e em 2 olhos de 2 cavalos. Foram realizadas múltiplas e pequenas
queimaduras (< ou = a 1 milímetro de diâmetro) em toda a área afetada. A
unidade de cauterização foi aplicada até o grau de contração das fibrilas de
colágeno. Depois que o defeito da camada estromal foi tratada, uma borda do
36
epitélio foi estendida em torno do estroma com aproximadamente 1 milímetro de
diâmetro. Depois da cirurgia, os olhos foram tratados com Ciprofloxacina. Os
defeitos epiteliais corneal foram cicatrizados em todos os olhos, com um tempo
médio de duas semanas após a cirurgia com tratamento oftálmico. Estes
resultados sugerem que a cauterização térmica pode ser uma alternativa razoável
ao tratamento de defeitos epiteliais corneal crônicos espontâneos nos cães e nos
cavalos, antes dos procedimentos mais invasivos tais como a ceratectomia
superficial (BENTLEY & MURPHY, 2004).
8. CONCLUSÃO
As úlceras de córnea ainda são um grande problema na clínica de
pequenos animais, produzindo perdas oculares e cicatrizes que interferem na
qualidade visual. Com esta afirmação deve-se ter a necessidade de um
diagnóstico preciso para que se possa identificar e remover a causa da úlcera,
determinando o estágio e a severidade da doença. A partir de um diagnóstico
inicial é que se vai conhecer o melhor procedimento a ser usado, sendo este,
tratamento medicamentoso ou cirúrgico. Deste modo evita-se um tratamento não
efetivo, com uso inadequado de medicações que possam agravar o processo ou
até levar a cegueira do animal. A escolha do melhor tratamento possibilita uma
resposta muito mais eficiente para as atuais e futuras descrições de úlceras de
córnea em cães.
9. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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