UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – ICS
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA - DAN
Que mercadoria são os óculos?
Uma etnografia sobre o consumo na Chilli Beans
DANYELLE DIAS DE ARAÚJO
BRASÍLIA
Agosto, 2013
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – ICS
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA - DAN
Que mercadoria são os óculos?
Uma etnografia sobre o consumo na Chilli Beans
DANYELLE DIAS DE ARAÚJO
Monografia de graduação apresentada
como pré-requisito parcial para a
conclusão do curso de Bacharelado em
Ciências Sociais com habilitação em
Antropologia, ao Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Brasília.
Banca Examinadora
________________________________________________________
Professora Doutora Andréa de Souza Lobo - Orientadora
________________________________________________________
Professora Doutora Juliana Braz Dias
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me permitido alcançar mais esse objetivo em minha vida, e à
Nossa Senhora, minha grande intercessora.
Aos meus pais pelo amor incondicional, à minha irmã pela ajuda na
informática do trabalho e a todos da família, que sempre me apoiaram e me
conduziram pelos melhores caminhos, fazendo de mim o que sou hoje.
A todos os meus amigos e amigas pela compreensão e escuta constantes,
sempre dispostos a me alegrar e me motivar. Aos meus amigos da Universidade de
Brasília, por termos divididos momentos bons e muito aprendizado juntos. Em
especial, à Dayse, a qual me deu a brilhante ideia do tema desse trabalho e à
Larissa, por seus comentários para aprimorar o enredo. E, ainda, às queridas
Melina, Kátia e Jackeline por compartilharem suas ânsias e objetivos comigo.
Aos mestres e doutores com que convivi esses anos e partilharam seu
conhecimento comigo, enriquecendo o meu pensar. À minha orientadora Andréa,
uma excelente professora, sempre me inspirando confiança, muito disposta a ajudar
e dedicada à sua profissão. Admiro toda sua sabedoria.
Last, but no least, aos vendedores e clientes da Chilli Beans que sempre
foram amigáveis e prestativos e a todos que permitiram que a minha pesquisa de
campo se concretizasse, me concedendo entrevistas, ideias e inspiração.
“Porque uso óculos escuros? É porque
não gosto de ter alguém dentro dos meus
olhos, é uma maneira de guardar um
pouquinho de mim”.
Michael Jackson
RESUMO
Para entender porque e como consomem óculos escuros foi feita uma etnografia
visando a compreensão do caminho percorrido pelos compradores desde o
surgimento do desejo por esse bem até o seu uso no cotidiano. Esse estudo foi
realizado nas lojas do Píer 21 e Conjunto Nacional e seu respectivo quiosque,
pertencentes à empresa Chilli Beans, por meio de entrevistas formais e informais
com clientes, vendedores e representantes dos departamentos da marca, bem como
por estudo bibliográfico e anotações em diário de campo. Desse modo, a maneira
desse dispêndio afetar na inserção ou exclusão dos indivíduos em grupos sociais, as
emoções sentidas e as relações sociais constituídas durante o ato e pelo ato de
compra foram as principais mensagens transmitidas durante esse processo de
compra e venda, dado que, atualmente, as compras são um forte mecanismo de
comunicação social da civilização capitalista.
Palavras-chave: consumo, afeto, Chilli Beans, marca, vendedores, consumidores,
óculos.
ABSTRACT
In order to understand why and how people consume sunglasses, this ethnography
was made to comprise the way buyers go through: since the moment that the desire
for the object appears until wearing it during the days. This study was done at the
stores from Píer 21, Conjunto Nacional and their kiosk which ones belong to Chilli
Beans undertaking. It was achieved by formal and informal interviews with clients,
sellers and departments representatives, moreover by a bibliographic study and
field’s diary’s notes. So that, the way people waste their money affects their insertion
or exclusion in social groups, furthermore, it affects the emotions felt and the socials
relations formed, during the act and because of the act of buying, were the main
messages passed on while this process of buying and selling. Once, nowadays,
shopping is a strong phenomenon of social communication from our capitalistic
civilization.
Key words: consumption, emotion, Chilli Beans, undertaking, sellers, buyers,
sunglasses.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 8
CAPÍTULO 1 – A MARCA DA PIMENTA ...................................................... 13
1.1 O SURGIMENTO .................................................................................. 14
1.2 A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL .................................................... 19
1.3 DOIS PONTOS ..................................................................................... 25
1.4 PUBLICIDADE ...................................................................................... 32
CAPÍTULO 2 – CONSUMINDO OS ÓCULOS............................................... 37
2.1 ETNOGRAFIA DA COMPRA E VENDA ................................................ 37
2.2 MEU CASO ETNOGRÁFICO SOB A ÓTICA DAS TEORIAS DE
CONSUMO ........................................................................................................... 49
2.3 EFEMERIDADE .................................................................................... 51
2.4 CÓPIA, FALSIFICAÇÃO, RÉPLICA OU ORIGINAL? ............................ 59
CAPÍTULO 3 - SENTIMENTOS..................................................................... 62
3.1 INVEJA ................................................................................................. 62
3.2 AFETO ................................................................................................. 65
3.3 AMOR ................................................................................................... 68
3.4 SIMBOLISMO ....................................................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 78
ANEXO .......................................................................................................... 81
8
INTRODUÇÃO
Por ser um ato corriqueiro em nossa sociedade, o consumo por diversas
vezes é despercebido dado a naturalidade com que é praticado. Conforme Lívia
Barbosa e Colin Campbell:
O consumo social é um processo profundamente elusivo e ambíguo. Elusivo
porque, embora seja um pré-requisito para a reprodução física e social de
qualquer sociedade humana, só se toma consciência de sua existência
quando é classificado,pelos padrões ocidentais, como supérfluo,
ostentatório ou conspícuo, nas palavras de Thorstein Veblen (1927). Caso
contrário, sua presença em nosso cotidiano passa inteiramente
despercebida ou é apreendida apenas como falta ou carência (BARBOSA e
CAMPBELL, 2007: 21).
O presente trabalho pretende apresentar o consumo não como algo supérfluo
e negativo, como é tantas vezes designado e relacionado a atos de consumismo1.
Mas, demonstrar como esse ato é central em nossa atual sociedade. Encaro,
portanto, que o consumo transmite diversas mensagens sociais ao permitir
interações entre os indivíduos, sendo um tema privilegiado por sua riqueza de dados
para uma observação antropológica.
Para analisar esse universo do consumo, os produtos da marca Chilli Beans,
e mais especificamente os seus óculos solares, foram as mercadorias escolhidas.
Tais produtos me chamaram a atenção devido a sua qualidade, preço, modo de
produção e sua efemeridade, ocasionada pela chegada de lançamentos semanais.
Além disso, objetivei responder curiosidades pessoais que possuía e que foram
percebidas também em outras pessoas, dentre elas, o porquê desse nome e do
símbolo da marca.
A denominação, Chilli Beans, surgiu como sugestão de um amigo de Caito
Maia, dono da empresa; e a pimenta, sua insígnia, pelo fato dele gostar dessa fruta,
de modo que ele o pensou como um trocadilho à designação da banda The Red Hot
Chilli Peppers, a qual ele era fã (ARAÚJO, MAIA, 2012). Atualmente, a pimenta se
1 A dualidade entre consumo e consumismo, termos tantas vezes confundidos, será melhor
explicada nos capítulos posteriores.
9
tornou a imagem oficial da empresa, estando presente em diversas campanhas
publicitárias, devido os seus clientes associarem a fruta com a marca.
Desse modo, para responder esse e outros questionamentos foi necessário
anotações em diário de campo sobre os dias da pesquisa, que ocorreu nos meses
de janeiro, fevereiro e março de 2013 nas lojas do Píer 21 e Conjunto Nacional e no
quiosque desse último shopping.
Antes desse período realizei entrevistas informais com consumidores da
marca pela internet e com o departamento de Marketing de São Paulo e Brasília,
bem como com os franqueados daqui, em seu escritório no Lago Sul. Durante o
campo, além de entrevistas informais, primeiramente, estabeleci conversas
estruturadas com os vendedores e observação dos clientes; e posteriormente,
conversas com esses também.
Busquei ainda, embasamento teórico, além da obra da autoria de Caito, “E
se colocar Pimenta?” (2012), para ter conhecimentos sobre a construção da
empresa, em autores que inspiraram meus questionamentos e formas de entender o
contexto da pesquisa. Apresento a seguir alguns dos principais autores que
respaldam o diálogo teórico constituído nas entrelinhas das páginas que seguem.
Arjun Apadurai (2008) argumenta que ao consumir, não apenas interagimos,
mas também, nos distinguimos, nos identificamos e somos localizados ao constituir
nossos gostos, conseguimos nos diferenciar através do consumo, sendo um autor
central para meu entendimento do universo dos óculos e suas possibilidades de
interações.
No entanto, para Mary Douglas e Baron Isherwood (2004), as compras se
devem ainda a uma demonstração dos valores sociais e morais aos quais estamos
inseridos e dos quais partilhamos culturalmente, ou desejamos partilhar. Sendo esse
um dos fatores que impulsionam as compras desses consumidores.
Pierre Bourdieu (1983) associa o consumo ao gosto como um
desenvolvimento complexo adquirido ao longo da vida e imposto pela classe ou
grupo que se pertence, não sendo apenas um resultado individual. É, portanto, uma
disposição do habitus, reunindo os que possuem o mesmo estilo de vida e excluindo
os que não o possui:
10
O gosto, propensão e aptidão à apropriação (material e/ou simbólica) de
uma determinada categoria de objetos ou práticas classificadas e
classificadoras, é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de
vida (BOURDIEU, 1983: 2).
Com a análise de Bourdieu (1983), pude inferir que o gosto não é algo nato
ao indivíduo, e sim, moldado pela sociedade e seus pares, de modo que ele é um
dos quesitos que interferem na compra, mas por si só não a define.
José Carlos Durand (1987), por sua vez, expõe a possibilidade ainda de
travestir-se, ou seja, por meio do que se consome, mais precisamente do que se
usa, passar despercebido ou de maneira a não ser identificado instantaneamente,
caso o individuo não se sinta confortável em sua classe, idade, sexo e não queira
partilhar dessa integração. Esse ensinamento está presente na pesquisa quando
muitos indivíduos usam o consumo como meio de se diferenciar, buscando novos
estilos para não serem reconhecidos ou rotulados.
A inovação de Daniel Miller (2007) é o estudo das compras em si,
analisando os consumidores nesse momento, e não apenas aos objetos e suas
representações em nossa sociedade, unindo os dois polos. Isso porque, para ele, o
ato de “ir às compras”, está carregado de significados e constitui o momento de
concretização de diversas relações sociais, e é quando, os objetos criados pela
sociedade, são por ela reapropriados, transformando-se em mercadorias. Esse
antropólogo discorre sobre os sentimentos gerados durante essas interações que as
compras favorecem, sendo ele, o mais importante para a abordagem das emoções
percebidas durante o campo, possibilitando uma análise mais profunda e ampla
desse tema.
Assim, o primeiro capítulo se desenvolve em torno da empresa, como ela
surgiu, sua estrutura, seu modo de organização, de desenvolver sua publicidade e
como é o funcionamento nos três pontos de vendas em que a pesquisa foi feita,
sobre os quais discorro na sequência.
O capítulo seguinte aborda de modo mais etnográfico o que foi presenciado
nesses três meses de pesquisa de campo e dados da visão dos indivíduos sobre a
produção de produtos na China, conceitos de cópia, réplica, falsificação e como eles
lidam com o fato da marca ter a maior parte de seus produtos confeccionados nesse
11
país. Há ainda uma apresentação sobre efemeridade, nas óticas da marca, de quem
compra e do mundo da moda como um todo.
Por fim, o último capítulo é dedicado às relações sociais criadas durante o
consumo: entre vendedores e clientes, clientes e acompanhantes, e entre clientes e
a terceira pessoa envolvida que é presenteada. Demonstrando, portanto, que o
consumo é um ato de afeto, uma vez que esse é o fim último de quem compra:
demonstrar suas emoções e opiniões.
Com esses três tópicos se pretende entender que tipo de mercadoria são os
óculos, por meio da compreensão dos motivos de usá-los, comprá-los e desejá-los,
qual o padrão de consumo desse objeto, e a quantidade que os próprios
compradores consideram ideal de se possuir para não ser considerado um
consumismo desenfreado. Uma vez que, ao mesmo tempo em que é usado como
acessório de moda para compor diversos looks combinando-os ou não, é também
uma peça de proteção à saúde dos olhos.
Com esse tema central sobre os óculos como mercadoria, associando as
teorias com a pesquisa de campo, não há que se falar que o consumo é um mero
ato irracional que ocorre pela simples necessidade humana de fazê-lo. E sim, uma
ação que deve ser analisada desde o momento da vontade de se ter determinado
objeto até seu uso após a compra, quando o individuo o utiliza em seu cotidiano,
pois as mercadorias transmitem mensagens e referências da nossa sociedade e dos
indivíduos que a constituem (MILLER, 2002). Logo, os bens são definidores de
grupos sociais, de gostos, de relacionamentos afetivos, e ainda uma maneira de se
autorreconhecer.
Concordo com Ludmila Brandão que parafraseando Canclini traduz a
importância do consumo na sociedade, funcionando:
Não como simples cenário de gastos inúteis e impulsos irracionais, mas
como espaço que serve para pensar, onde se organiza grande parte da
racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica nas sociedades
(BRANDÃO apud CANCLINI, 2007: 102).
12
13
CAPÍTULO 1 – A MARCA DA PIMENTA
Jovem, decidido e com uma visão sobre negócios no varejo que deixa para
trás vários teóricos do assunto. Este é Caito Maia, dono de uma das marcas
que mais cresceu no Brasil na última década.” “Caito Maia aprendeu com a
vida o que os livros e as universidades tentam fortemente ensinar. Ser
autodidata e vencedor não é para qualquer um. Só por isso, já poderia ser
considerado uma pessoa especial. Mas ele foi além. Criou uma marca, um
estilo, um conceito que ultrapassa a simplicidade que ainda predomina em
vários segmentos da indústria nacional. Caito fez tudo isso e continua ainda
com uma empolgação juvenil ao contar suas experiências. E, mais do que
tudo, com uma humildade exemplar – característica fundamental para ser,
como ele é, um verdadeiro líder. (CAITO MAIA E A CHILLI BEANS:
QUESTÃO DE ESTILO – Entrevista - Jornal Carreira e Sucesso)2.
No dia 11 de setembro de 2012, após uma de suas palestras na Faculdade
Senac em Brasília conversei com Antônio Caio Gomes Pereira Filho, o Caito. Muito
simpático, trocamos algumas palavras, assinou meu livro de sua autoria, tiramos foto
e ele ficou contente quando disse que faria minha monografia sobre sua marca e me
direcionou a contatos que me forneceram conhecimento inicial antes de começar a
pesquisa de campo.
Imagem 2 – Autógrafo.
2 Fonte: http://www.catho.com.br/jcs/inputer_view.phtml?id=7132)
14
Neste capítulo, viso explorar o entendimento sobre como é organizada e
estruturada a empresa Chilli Beans que, como informa o trecho acima citado, surgiu
da iniciativa de um jovem que não tinha capital inicial, apenas uma boa ideia e
alguma experiência de vida.
A partir dessa experiência de vida ele conseguiu criar dois modelos distintos
de pontos de vendas, a loja e o quiosque, e também investir na publicidade da firma,
os quais são temas abordados a seguir. Isso porque, a propaganda é um requisito
usado de diversas maneiras para a estabilização de uma marca no atual capitalismo
moderno.
Assim, para se compreender o processo de consumo é necessário entender o
que impulsiona os consumidores a escolherem determinada marca, e por isso a
analise histórica da Chilli Beans será apresentada, desde seu surgimento, até sua
consolidação para que se possa conhecer os objetivos da empresa e dos
compradores.
1.1 O SURGIMENTO
Durante um passeio por Venice Beach, Estados Unidos, Caito Maia viu um
camelô exótico que “vendia óculos como água” para pessoas de diversos estilos, e
com muitos modelos. Ao perceber quão lucrativo isso era e que no Brasil não tinha
algo parecido, decidiu negociar 200 pares pela metade do preço e retornou ao Brasil
para revender.
Aos poucos ele conseguiu espaço no Mercado Mundo Mix, evento que
circulava pelas principais cidades brasileiras com os trabalhos de diversos estilistas
e designers. Ao contrário dos outros expositores, nas duas primeiras edições das
quais participou, Caito não tinha uma marca para exibir. Percebendo isso de modo
literal:
‘Tinha o Duda, o cara dos banners, que pendurava os letreiros da galera
com uns andaimes bem no alto do espaço. Então, a marca do pessoal
ficava visível para todo mundo. Dali, aprendi a fazer branding a colocar a
15
marca nas alturas. E era como um shopping, tinha que se destacar em meio
às outras. Todos tinham marca e eu não’, recorda.” (ARAÚJO, MAIA,
2012:28).
Os dois conceitos abaixo permitem uma inferência sobre o que Caito Maia se
refere ao afirmar que todos possuíam marca e ele não, à época do Mercado Mundo
Mix. Segundo o Decreto-Lei nº 7.903, de 27 de agosto de 1945, no artigo 89:
Considera-se marca de indústria aquela que for usada pelo fabricante,
industrial, agricultor ou artífice, para assinalar os seus produtos, e marca de
comércio, aquela que usa o comerciante para assinalar as mercadorias do
seu negócio, fabricadas ou produzidas por outrem3.
Ou ainda, conforme o doutrinador Newton Silveira:
Todo nome ou sinal hábil para ser aposto a uma mercadoria ou produto
para indicar determinada prestação de serviços e estabelecer entre
consumidor ou usuário e a mercadoria, produto ou serviço uma
identificação, constitui marca4.
O nome da empresa surgiu de uma sugestão do amigo José Caporrino, e
deveria ter apenas uma letra L na palavra Chilli, mas por um erro do estúdio dele
escreveram duas letras L e o Caito preferiu visualmente com os dois L.
Portanto, para ele, a marca, a princípio, estava associada ao nome como no
conceito do doutrinador Silveira, de forma que, percebeu a necessidade desse nome
estar também nos óculos, e não apenas na fachada da loja. Então, criou um adesivo
com o nome da empresa e passou a colá-los na parte interna das hastes5 dos
óculos, sendo que, no começo, a qualidade era ruim, pois muitas vezes o adesivo
descolava dos óculos e colava no cabelo das pessoas (MAIA, ARAÚJO; 2012).
3 Fonte: http://www.cantareira.br/thesis/marco-antonio-marcondes-pereira/ 4 Fonte: http://www.cantareira.br/thesis/marco-antonio-marcondes-pereira/
5 Abaixo há um desenho para facilitar a compreensão das denominações das partes dos
óculos.
16
Imagem 3 - Partes dos Óculos.
Porém, apenas um título não o tornaria dono de uma marca, uma vez que, no
atual mundo globalizado, a marca vai além de um nome, tendo que se configurar
como um nome conhecido que remete a algo específico, nesse caso, um produto.
Para conseguir então esse reconhecimento, ele passou por diversas etapas,
começando pelo seu primeiro ponto fixo na Galeria Ouro Fino, na Rua Augusta, em
São Paulo. A loja tinha 9m² e para comprar seus produtos havia sempre filas
enormes.
Então, com esse sucesso inicial, foi convidado para montar um quiosque em
um centro comercial que abriria em Villa Lobos, o qual foi projetado pelo seu amigo
e arquiteto Gustavo Menegazzo. Depois disso, o sucesso aumentava e novos
convites chegavam, fazendo com que, ele e sua equipe precisassem contratar mais
pessoas, reestruturar a empresa e comprar mais óculos em intervalos de tempo
menores.
Com essa crescente necessidade dos consumidores por peças novas, ele
decidiu lançar vários modelos por semana com o intuito que os clientes voltassem
constantemente. Assim, com esse crescimento acelerado, seus fregueses passaram
a ver os óculos:
não como uma peça médica, mas como acessório de moda colecionável e
adaptável aos vários estilos de uma pessoa (MAIA, ARAÚJO; 2012: 47).
Afinal, contrariamente às óticas, e assemelhando-se a outras lojas do ramo
como a Triton, os vendedores não usam jaleco e não são “sérios”, o ambiente tem
17
sempre música alta e a forma de exposição do produto não é em vitrines. Desse
modo, por uma estratégia de marketing e logística, ao se deparar com inúmeras
opções de bens e um espaço envolvente, o cliente se sente mais confortável e
incitado a comprar.
Outro desafio para a consolidação da marca foi a qualidade ser questionada
diversas vezes, mesmo sendo posteriormente aprovada e reconhecida por diversos
testes nacionais. Isso se deve aos indivíduos que se sentiram inseguros sobre a
procedência dos produtos, dado que, no começo, eles eram comprados de um
camelô.
Atualmente, são mais de 450 pontos de venda no Brasil e outros no exterior,
em mais cinco países: Portugal, Colômbia, Estados Unidos, Angola e recentemente,
no Kuwait, sendo alguns deles franquias.
Hoje, a marca produz seus bens, importando-os. Aproximadamente, 90% vêm
da China, 5% é feito no Brasil e os outros 5% na Argentina, local também mais
acessível do que nacionalmente6.
Além dos óculos, a marca investe em outros setores como mochilas,
guitarras, bicicletas e outros produtos assinados por ela e também os relógios, os
quais são produzidos totalmente na China, mas montados na Zona Franca de
Manaus, Brasil.
Para que os lançamentos sejam mantidos nesse ritmo, a produção é feita em
grande parte na China, por ser o local que produz aceleradamente e com os preços
mais baixos. Assim, Caito e seu grupo de designers produzem alguns modelos no
Brasil, mas, ao chegar à China fazem algumas adaptações nas cores das lentes,
nas hastes e nos materiais que serão usados nos óculos com a equipe chinesa.
Esses últimos detalhes antes da confecção das peças é realizado por meio de
uma tela de projeção que permite selecionar as cores que serão usadas em cada
parte dos óculos e analisar como o produto ficará depois de pronto. Então, eles são
6 Esses números não são precisos, pois, em conversas informais com Leandro Ribeiro, do
Planejamento Estratégico de São Paulo e com a Vanessa, franqueadora de Brasília, me passaram, cada um, dados diversos desses e que divergiam ainda dos dados escritos no livro do Caito, mas eram em média esses valores.
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refeitos antes de serem produzidos, tanto para se confirmar se é possível sua
confecção, quanto para confirmar qual o melhor material a ser utilizado.
Para isso, a equipe de design viaja seis meses antes de lançar a coleção,
pois esse é o tempo de duração para que o produto fique pronto, desde sua
remodelação na China até o transporte de retorno e a distribuição pelas lojas. Por
isso, o senso de moda e estar “antenado” com o que está por vir é sempre
importante nesse meio, pois se estará desenhando hoje, algo que será usado
somente seis meses depois, como os estilistas fazem ao costurar suas roupas no
inverno para serem usadas no verão.
Quando chegam ao Brasil, as peças ficam em São Paulo, onde há um grande
galpão com todos os óculos que serão separados para distribuição no país.
Chegando a cada franqueadora, os preços são catalogados conforme taxas,
impostos, royalties e mark up7, por isso em qualquer loja se pagará o mesmo valor
pelo mesmo par de óculos. Os preços variam de 98,00 a 248,00 reais, para adultos
e, a linha infantil custa entre 58,00 e 78,00 reais.
Para a confecção, além dos designers da empresa são convidados alguns
famosos, como Alexandre Herchcovitch que teve seu contrato prorrogado
recentemente. Eles têm liberdade de criação, mas recebem indicações do que pode
e o que não pode ser criado e produzido após as propostas serem apresentadas.
Vanessa me citou o exemplo do Herchcovitch que queria fazer óculos de madeira,
então a Chilli sugeriu fazer de material que desse a impressão de ser madeira por
motivos de maior facilidade de confecção, venda e durabilidade. Sendo esse o
modelo final:
Imagem 4 - Alexandre Herchcovitch de Madeira.
7 Mark up:é a margem de lucro do franqueado sobre cada peça. Varia de acordo com o
modelo e o preço dele.
19
Essa perspectiva de globalização e expansão da produção é enfatizada por
David Harvey (2004), que enfatizou a dualidade do atual sistema de produção que
ocasiona uma territorialização e desterritorialização, ou seja, os polos produtivos
estão constantemente se transformando. Em sua análise, que visa nos situar sobre
as multiplicidades de relações entre espaço e tempo, o autor comunga com De
Certeau, o qual afirma serem os indivíduos os responsáveis pelas configurações do
espaço.
Entretanto, Harvey acrescenta sermos nós os responsáveis pela configuração
do tempo e do espaço, uma vez que o capitalismo solicita o crescimento e
desenvolvimento, exigindo uma renovação constante de espaços em curtos
períodos de tempo para acelerar o capital de giro.
Por isso, desde a produção na China até a montagem em Manaus, estamos
diante de um processo ocasionado não somente por fatores de praticidade e
redução de custos, mas também por uma característica intrínseca ao capitalismo
atual, que predispõe a ampliação dos espaços e a compressão do tempo, com fins
ao desenvolvimento.
Com isso é notável como o mundo é altamente globalizado e interconectado
de modo que essa expansão interliga pessoas distintas por meio da produção em
espaços geográficos e mercados variados.
1.2 A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
Para manter toda a estrutura de uma superlogomarca, além de ser necessária
uma divisão social do trabalho, por meio de departamentos, existem regras e
comandos a serem cumpridos individualmente para que a organização seja mantida.
Dentre essas regras, uma das principais é quanto ao estoque. A princípio, a
coletânea de modelos lançada semanalmente é a mesma em todo o mundo. Porém,
a quantidade enviada para cada loja é variável, pois depende de fatores como o
perfil de consumo de cada região, o histórico de potencial de vendas de cada loja e
a escolha do gerente delas.
20
Assim, caixas com amostras chegam às quintas-feiras e eles escolhem
quantos e quais querem no local que gerenciam. Logo após, na semana seguinte
recebem o pedido e o expõe, de modo que a coleção nova chega sempre às
quintas-feiras, mas muitas vezes o consumidor tem acesso a ela somente na sexta
que é o tempo necessário para conferir e organizar o estoque.
Quando um modelo do display8 é vendido sua reposição é imediata. Além dos
códigos nas hastes, outra facilidade para organizá-los é pelo modo como o display é
organizado, o qual é padronizado. Na frente da loja, fica o display da linha Vista,
com óculos de grau. De um lado os femininos e masculinos mais baratos, de até
R$198,00 e do outro, os mais caros. Os infantis costumam ficar perto do caixa na
parte de baixo, por motivos estratégicos de logística, para que as próprias crianças
alcancem. Há ainda uma organização dentro do próprio display, na ponta esquerda
superior o de menor tamanho de maneira crescente até a direita inferior.
Imagem 5 – Modelo de Display da Marca.
A franqueadora de Brasília me informou que em alguns casos eles fazem
pequenas alterações nos padrões gerais, como nos Estados Unidos onde lançaram
a mesma coleção na mesma época, mas sentiram a necessidade de fazer uma
campanha diferente da que estava sendo feita aqui. Como estavam inaugurando
8 Segundo o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, 2009, display é a estrutura para
expor, em destaque, determinado produto, mostruário, expositor.
21
naquele período a primeira loja daquele país, usaram uma publicidade que já havia
sido feita aqui um ano antes e apresentado bons resultados. Então, esses ajustes
são feitos conforme o mercado. A campanha que utilizaram foi essa:
Imagem 6 – Campanha Publicitária: Para Todas as Espécies.
Segundo Vanessa, uma das inovações da empresa é a oportunidade que
oferecem ao cliente de se adaptar com o produto por um período de 15 dias.
Durante esse tempo, caso o cliente não goste, pode trocar por outro modelo, desde
que não apresente defeitos alheios a garantia. Essa ideia surgiu da percepção de
que a claridade dentro dos shoppings é incompatível com a do ambiente externo,
fazendo com que a sensação seja diferente, e não agrade aos clientes após a
22
compra. Assim, lentes polarizadas9 são as mais procuradas por se adequarem
melhor ao meio e, por isso, são as menos trocadas.
Apesar disso, e mesmo os vendedores sempre avisando os consumidores
dessa alternativa, é baixíssimo o número de indivíduos que retornam para o
fazerem. Nos três meses de campo presenciei apenas dois momentos em que a loja
foi buscada para a efetuação de uma troca. E, aqueles que retornam, na maioria dos
casos, não são pela claridade, e sim, por ter tentado ousar em um modelo diferente
do habitual e não ter conseguido se adaptar ao novo estilo.
Em Brasília apenas Vanessa e seu irmão são os franqueados e pretendem
expandir para áreas que se desenvolveram muito nos últimos anos como Águas
Claras e algumas cidades do Entorno. No momento, contam com o apoio de dois
supervisores, cada um fiscalizando sete pontos de vendas. E eles, coordenam os
gerentes e sub-gerentes desses locais. Mas, no caso do Píer 21, que tem a menor
loja de Brasília, há a um ano apenas um gerente, sem o sub.
Os gerentes recebem metas mensais que são previamente calculadas
considerando-se fatores como localização, período natalino em que se obtém mais
lucro e o das férias de janeiro, em que se obtém menos vendas. Eles coordenam
seus funcionários, de modo amigável, sem “aquela estrutura hierárquica e temerosa
como em um quartel”, mas mantendo a ordem quando necessário.
O Píer 21 possui apenas cinco funcionários, eles atendiam aleatoriamente,
quando queriam, sem regra fixa, até que o gerente decidiu modificar a forma de
atendimento, colando no chão papéis pequenos com números de um a quatro.
Sendo o numeral um perto da porta, o dois perto do display direito, o três perto do
display esquerdo e o quatro perto do caixa. Em um esquema de rodízio, após o que
está perto da porta atender alguém, o número dois passa para o lugar dele, o três
para o do segundo e o quatro para o do terceiro. Desse modo todos atendem os
clientes na ordem da numeração que estão e têm as mesmas chances de ganharem
suas comissões, dado que isso é o que mais eleva a remuneração final deles.
9 Lentes polarizadas reduzem a intensidade da luz do sol e até eliminam o ofuscamento e
reflexos originados da água, estradas, superfícies brilhantes e outros.
23
No entanto, não há uma norma sobre esse atendimento e fica a cargo do
gerente decidir como será. Na loja do Conjunto Nacional fazem uma lista com os
nomes dos vendedores e vão riscando ao atenderem e reescrevem embaixo do
último, seguindo uma forma de rodízio também. Ainda assim, alguns desatentos
acabam se perdendo e se esquecem de reescrever seus nomes ou de irem para a
porta quando é a sua vez.
O fato de estarem na porta da loja, não faz com que chamem o cliente, mas
que aquele que resolver entrar já seja imediatamente bem recebido e prontamente
atendido, refletindo na percepção dos fregueses a qualidade do atendimento do
local, que como se sabe popularmente, faz muita diferença em uma compra,
influenciando até em compras que o indivíduo faz não somente porque gostou do
produto, mas principalmente porque lhe agradou a presteza do atendente.
Porém, contrário à ordem de atendimentos que é variável, há regras comuns
para os vendedores, como o horário de almoço, que é feito de acordo com a ordem
de chegada ao trabalho. Outra norma é a da limpeza, em que eles se dividem em
quem vai limpar qual parte da loja naquele mês. Então, uns asseiam um display,
outros o caixa, outros o estoque. Já o chão não é limpo por eles, pois, é um carpete,
feito do mesmo material em todas as lojas que serve também como apoio para
quando os óculos caírem não terem tanto impacto e se quebrarem. Uma limpeza
diferenciada com produtos específicos é feita mensalmente por pessoas
terceirizadas designadas para esse serviço durante a noite.
Essa organização de como ocorrerá a limpeza fica anotada em um dos
murais no estoque. Há ainda outros murais com os rendimentos de cada vendedor,
as porcentagens de venda, lucros, metas, funcionário do mês e aniversariantes,
além de outras anotações que achem conveniente ter em determinadas épocas.
No estoque guardam também os materiais para manutenção como parafusos,
alicates, plaquetas, e uma máquina que esquenta os óculos para moldá-los. Ela não
funciona nos óculos de metal, e muitos vendedores tem medo de usá-la, pois se
esquentar demais ou deixar os óculos nela por muito tempo podem deformá-lo de
maneira irreversível. Sua função é basicamente para ajustar nas laterais apertando
para aquelas pessoas que possuem rostos mais finos.
24
Com esse sentimento de medo para usar a máquina, percebe-se que eles
não recebem ensinamento de como usá-la. De fato, não há um consenso sobre
como é o treinamento para se trabalhar nessa profissão. Alguns me relataram terem
assistido vídeo-aulas, outro disse que o treinamento durou um mês, outra três dias e
que era basicamente observação.
Por fim, contaram também sobre uma aula para aprender o básico dos
materiais de que são feitos os óculos juntamente com observação de colegas
atuando e dicas de frases de efeito para se usar de modo a conquistar o cliente, tais
como: “esse óculos é feito de carbono, é o material mais resistente e leve, vai ter
ótima duração e qualidade”, ou ainda, “esse modelo máscara é ideal para quem tem
o rosto mais arredondado como o seu, vale a pena provar”.
Assim, para coordenar essa empresa, sabe-se que é necessária a
cooperação de todos e os seus bons desempenhos, de modo que, para motivá-los
anualmente há uma corrida de vendas que vale como prêmio a participação em uma
Convenção. Esse é um evento no qual o dono da empresa, vendedores e os
gerentes de maior sucesso em dado período viajam para uma ilha em um cruzeiro
para participarem de um dia de palestras, mas também há festas.
Outra forma de motivá-los é premiar os melhores do mês, o gerente e a loja
da franquia com mais vendas, com itens eletrônicos como tablets e Ipad’s.
Mas, somente esses incentivos financeiros não seriam suficientes, pois há um
fator que chama a atenção. Eles conhecem a história da marca, sentem afinidade
com o presidente, até um pouco de orgulho de fazerem parte disso e transmitem
isso diariamente para muitos clientes que fazem perguntas ou comentários que
permitam que eles falem sobre o tema. Como disse Ronaldo10, vendedor: “eles tiram
o seu DNA e põe o DNA da Pimenta assim que você vem trabalhar aqui”.
Tudo isso é expresso nos agradecimentos e reconhecimento de que os
vendedores são a cara da marca. Nas palavras de Maia:
Na Chilli Beans, os funcionários do escritório central, franqueados,
vendedores, supervisores, consultores, fornecedores, estoquistas,
10 Todos os nomes de clientes e vendedores usados nesse texto foram alterados, por
motivos éticos e de preservação da imagem pessoal, baseado na Resolução do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília.
25
transportadores, entre outros membros da família, estão sintonizados em
uma mesma vibração, um jeito de ser que, muitas vezes, é intraduzível, mas
representa uma cultura que é vivida com a mesma intensidade de Roraima
ao Rio Grande do Sul. Esse comportamento gera motivação, admiração,
percepção de valor por parte não apenas dos consumidores, mas também
de todos que se envolvem direta ou indiretamente com a pimenta. É uma
rede de vínculos que se expande diariamente e aumenta – e muito – as
vendas. Valor percebido é metade do caminho para dinheiro em caixa
(MAIA, ARAÚJO; 2012:155).
Funciona como um ciclo, ao se tratar bem os funcionários eles se motivam e
geram mais lucro e quanto mais lucro, mais os motiva, e assim sucessivamente.
Pois se considera, pelo menos em teoria, que eles fazem parte da organização, eles
são a organização diária desse campo, que é dotado de suas leis próprias aceitas e
reconhecidas por todos gerando ações esperadas, quer sejam ditas, quer não.
1.3 DOIS PONTOS
Após a abertura da loja na galeria Ouro Fino, Caito recebeu o convite para ter
uma loja em um pequeno centro comercial que abria e foi o começo do sucesso para
mais solicitações. No entanto, nesses locais, se paga pelo espaço, ou seja, pelo
metro quadrado. Todos os impostos e preço de aluguéis são baseados nisso. Assim,
ele preferiu montar o quiosque, pois se paga por um metro quadrado pequeno, e
pelo fato das pessoas ficarem em volta dele, quem acaba pagando pelo espaço
usado pelos clientes é o próprio shopping. E, uma irreverência é que se pode
passear com o quiosque pelo shopping de modo a descobrir qual a melhor
localização para elevar o lucro.
Outra característica desse modo de venda é que por ser compacto tem-se a
impressão de que não tem todos os modelos que uma loja grande, mas essa é uma
impressão equivocada, já que por ser menor, expõe apenas uma cor de cada
modelo, diferente da loja que expõe quase todas as cores. A organização é a
mesma, e eles recebem os mesmos modelos nas mesmas quantidades que
escolhem, pois cada quiosque também tem seu gerente.
26
Durante a pesquisa, testemunhei diversos clientes reclamando do quiosque,
em especial no Conjunto Nacional que possui os dois pontos de venda, como a
cliente Graziele, que foi fazer uma troca dentro do prazo de adaptação e foi direto à
loja. Quando perguntada sobre a possibilidade de ir ao quiosque, já que nada lhe
agradava, ela disse: “se aqui eu não achei nada, lá é que não vai ter mesmo, tem
menos opção e eu não gosto do jeito.”
Insisti para entender como era “esse jeito” que mencionou e ela falou: “[...]é
ruim você comprar no meio do corredor, todo mundo te olhando, prefiro aqui que só
vê quem tá aqui também.[...]”
No entanto, a cliente Dinorá disse ter intercalado entre o quiosque e a loja
várias vezes seguidas para decidir o que compraria, mas não foi à loja pelo mesmo
motivo que Graziele, a qual acredita ter no quiosque menos opções, pois Dinorá
demonstrou saber que ambos possuem as mesmas alternativas de óculos. Entre
essas idas e vindas comprou por fim, o modelo da loja. Ela contou:
Eu não ia comprar óculos, mas passei no quiosque e resolvi olhar aí gostei
de um, mas não gostei da cor e vim ver se aqui tinha, mas gostei de outro
aqui também e agora vou voltar lá pra me decidir.
Assim, ao reler o trecho abaixo de Alexandre Bergamo, fiquei intrigada com
essa sensação das pessoas de não quererem que outros vejam o que compram,
como compram, e porque compram11:
Por outro lado, quando não há vitrines, fica claro que ocorre uma filtragem
do olhar que pode ou não alcançar o interior dessa loja, independentemente
de este ser resultado de um propósito claro e pré-definido ou não. São
estratégias diferentes que acabam por imprimir a imagem de um universo
exclusivo e seleto. Tais lojas estão supostamente fora de uma estrutura de
homogeneização, como os shopping centers e as grandes concentrações
do comércio varejista, e atendem (ou ao menos pretendem atender) uma
clientela que é visivelmente seleta, seja porque pode ser vista e
reconhecida como tal no interior da loja, seja porque não pode ser vista,
pois o olhar público sofre uma censura (BERGAMO; 1998).
11
O consumo desde o desejo de obter o produto até o uso diário do produto será melhor abordado no capítulo seguinte com teorias críticas sobre o tema.
27
Reformulei o campo para dedicar um pouco de tempo a essa estrutura, que a
principio não era meu objetivo e me dividi em três locais. As lojas do Píer 21 e do
Conjunto Nacional e o quiosque nesse último:
Imagem 7 - Fachada da Loja Chilli Beans Taguatinga Shopping, Brasília.
Imagem 8 - Quiosque Chilli Beans.
28
O primeiro e o segundo ainda que sejam a mesma estrutura possuem
características muito distintas. Aquela é a menor loja e a que obtém menos lucro da
franquia de Brasília, possuindo apenas cinco vendedores. Isso é devido o fato da
sua localização ser em um shopping que não foi feito para se comprar, afinal, o Píer
21 tem o conceito de local para diversão, por isso sua área de lazer e praça de
alimentação é maior do que a de compras, que por sinal, vende produtos femininos.
É interessante que os vendedores e alguns compradores percebem isso
também, segundo Rogério:
Esse shopping só tem lojas femininas, acho que é porque mesmo não tendo
muita opção as mulheres sempre compram algo, elas não perdem a chance
de dar pelo menos uma olhadinha, então é mais fácil de conseguir vender
do que se fosse pra homens, porque elas são mais consumistas por
natureza. Aqui a gente vende muito pra homem também, mas é mais pra
mulheres.
E, a cliente Nayara afirmou:
[...]aqui vende mais pra mulher, os homens que compram geralmente usam
terno e gravata, porque estão no shopping no horário de almoço e acabam
passando e decidem olhar, mas não porque já vieram querendo comprar.[...]
esse shopping é pra lazer [...]
Essa tendência em avaliar que a venda feminina é maior do que a masculina,
se reflete também na loja da Chilli Beans deste shopping, na qual, as opções de
óculos para elas apresenta um display a mais do que o dos homens e quase todos
os óculos de maior valor, 248 reais, são femininos.
Vale ressaltar que não é exatamente o tamanho da loja que influencia nas
vendas, até porque esse espaço é cedido pelo shopping e após muitas negociações
definem como, onde e qual tamanho será a loja. Segundo Vanessa, no começo era
difícil negociar, mas hoje em dia que a marca já está bem estruturada os shoppings
fazem questão de terem uma loja deles e eles comandam todo o processo de
acordo.
É o caso do Conjunto Nacional em que primeiro cederam o espaço do
quiosque e depois a franquia conseguiu negociar a loja, no tamanho e local que
escolheram pelo fato da marca ter sido visada após a presença do quiosque. Hoje,
29
ela é a maior de Brasília e a terceira maior em vendas, possuindo na época da
pesquisa, dez vendedores.
Quando perguntada sobre a necessidade de se ter duas vezes os mesmos
produtos no mesmo local e se isso não geraria mais custos do que benefícios, ela
disse que o público que passa no quiosque, primeiro andar, não é o mesmo da loja,
no segundo andar, me explicando ainda uma dinâmica geral dos shoppings. Isso
ocasiona um impacto benéfico quando as pessoas passam pelos dois em momentos
seguidos, pensando em como a marca é forte.
Esquematicamente falando, quanto mais se sobe, mais se eleva o poder
aquisitivo das pessoas, ou seja, o primeiro andar costuma ter lojas com produtos
mais baratos, o segundo, de nível intermediário e o terceiro, para alto poder de
compra. Fazendo com que as pessoas encontrem mais fácil e rapidamente as lojas
do seu interesse e para que aquelas as quais tenham condições financeiras
elevadas possam andar em todos os andares para chegarem a sua loja de destino.
É claro, que isso sofre mudanças conforme o espaço que se deseja ter no
shopping e a localidade em que ele se encontra, interferindo nas lojas que lá terão.
Por exemplo, o Taguatinga Shopping, que atende muitos indivíduos da Ceilândia,
Taguatinga, Samambaia e Recanto das Emas por ser o de mais fácil acesso para
eles, possui lojas como Luart Calçados. Já o Iguatemi, não possui essa loja, uma
vez que seu público frequente são moradores do Lago Sul e Norte e Plano Piloto,
havendo outras como Louis Vuitton.
Ainda que seja uma lógica discriminatória e classista, transmitindo a ideia de
que pessoas que moram em Brasília não comprem na Luart Calçados ou o inverso,
entender essa dinâmica é importante para observar como que eles se organizam e
conseguem transformar o shopping condizente com quem o frequenta e assim,
tornar suas estratégias de logística bem sucedida para gerar o lucro, afinal, nesse
universo de consumo entender e construir o perfil de um cliente é um processo
central.
Essa dinâmica acima explicada não funciona da mesma forma, no Píer 21,
bem como no Conjunto Nacional, pois esse foi o primeiro shopping de Brasília,
Distrito Federal e é muito grande. Sua localização é tanto privilegiada como
30
desprivilegiada. Isso porque, se encontra próximo da Rodoviária do Plano Piloto,
local de grande movimentação. Outro fator é ser próximo da Esplanada dos
Ministérios, que permite que muitos servidores públicos, especialmente no horário
de almoço, façam compras.
Assim, no quiosque, passam indivíduos com renda inferior ao das lojas, em
geral, pois a loja fica próxima da praça de alimentação e no andar com outras lojas
de “nível elevado”, fazendo com que quem passa por ela seja um público diferente.
Porém, ambos os pontos vendem aproximadamente a mesma quantidade
diariamente. Conforme Maia:
descobrimos que todos os shoppings, por exemplo, tem mundos por andar.
Quem anda no primeiro não anda necessariamente no térreo, são perfis
diversos. Em shoppings imensos, isso é ainda mais necessário. Há quem
vai passear e quem consome. Essas pessoas param o carro no mesmo
lugar, entram pela mesma porta (MAIA, ARAÚJO; 2012: 183).
Portanto, o público do quiosque é de quem passeia e o da loja é de quem vai
consumir, já possui o interesse de comprar, geralmente. No quiosque eles precisam
ser chamados enquanto passam. Ou como diria José Vicente, atual vendedor do
quiosque, mas que já foi da loja:
aqui ele passa, vê um espelhado brilhando, pensa como é bonito, para, olha
e compra. Por isso, os clientes daqui são mais impulsivos, a maioria compra
sem ter, então a gente tem que ter mais lábia do que na loja, até porque tem
muito povão, mas alguns servidores também [...] Na loja o cliente te
escolhe, aqui você escolhe o cliente.
O óculos espelhado é um modelo com lentes brilhantes, como um espelho e
não é possível ver os olhos da pessoa que o usa, como esse:
Imagem 9 - Óculos Espelhados.
31
Ao me explicar mais profundamente a ideia dele de que vai a loja quem já
planeja comprar, em sua maioria, é pelo fato da pessoa que não tem dinheiro e não
deseja gastar, se controlar para não entrar nas lojas e gostar de algum produto que
o fará “cair em tentação” para comprar. Enquanto no quiosque, as pessoas que
desejam ou não comprar podem passar e gostar de algum modelo, mesmo sem
estarem no shopping com o objetivo específico de adquirir algum produto, e por fim,
acabar comprando alguma peça. Ou seja, para ele, o quiosque é voltado para atrair
as pessoas enquanto passeiam e a loja espera atingir os clientes que já são reais
compradores em potencial.
Como o exemplo do cliente que enquanto conversava com ele, ele concluía a
venda de um relógio para esse jovem que contou a ele não ter dinheiro para parcelar
no cartão de crédito, então ia passar no débito e ficar sem dinheiro nenhum até a
próxima semana quando receberia novamente seu salário. Esse freguês não
planejava fazer compras, mas ao passar pelo quiosque e ver um relógio que o
agradou, não resistiu e comprou a peça.
Em comum, os dois estilos de pontos de vendas possuem uma decoração
que é semestral. Salvo o período do Natal que recebe enfeites próprios da época.
Eles utilizam os adereços acima do display ou junto ao teto em cascata, conforme o
tema. Por exemplo, durante a pesquisa o tema utilizado era o das “Décadas”, então
havia violões, astronautas, carros antigos feitos em papel pendurados com fio nylon.
Já o quiosque por não ter teto propício como o das lojas, uma vez que é o do próprio
shopping, possui apenas emblemas de enfeite, como esse, nos displays:
Imagem 10 - Campanha Publicitária: Décadas.
32
1.4 PUBLICIDADE
Fazer o objeto parecer necessário para sua felicidade é o que move a
criatividade da propaganda e o bom número de vendas, “na verdade, devem invocar,
do nada, um sentimento positivo específico por um objeto ou experiência”
(CAMPBELL; 2007: 59). Mas, ainda que isso pareça o mais óbvio e preciso, na Chilli
Beans não é somente por isso que ela funciona. Ou seja, contrariamente ao que
muitos teóricos insistiram em afirmar que compramos por que somos alienados
pelas propagandas, quase como uma hipnose para alguns, no caso da Chilli Beans
isso não se aplica exata e somente por isso, como afirmara Jean Baudrillard:
Toda a informação política, histórica e cultural é acolhida sob a mesma
forma, simultaneamente anódina e miraculosa, do fait divers. Atualiza-se
integralmente, isto é, aparece dramatizado no modo espetacular – e
permanece de todo inatualizada, quer dizer, distanciada pelos meios de
comunicação e reduzida a signos.(...) As comunicações de massa não nos
fornecem a realidade, mas a vertigem da realidade (BAUDRILLARD; 1991:
25).
Mesmo que, usualmente o marketing não expresse o verídico, não significa
que somos completamente induzidos a crer em tudo que nos é apresentado. Prova
condizente com isso é que a marca não investe muito em publicidade como outras
corporações. Sua principal fonte de marketing são os próprios clientes, que por meio
do “boca a boca”, método usado no começo quando não possuíam capital suficiente
para investir de outro modo, funcionou e decidiram manter, por acreditarem que se
deu certo é melhor não mudar. Portanto, manter o cliente satisfeito fazendo com que
ele goste do produto e do atendimento possa espalhar para outras pessoas de seu
círculo de relações sociais é o foco deles.
Mas, na globalização e com o crescente número de lojas foi preciso aprimorar
essa única técnica, investindo ainda em campanhas publicitárias para ficarem
expostas no interior da loja, bem decorada e sempre passando um vídeo de making
of da sessão de fotos no telão da entrada da loja.
A marca já teve participações no programa global Big Brother Brasil, mas não
se dedica a propagar a empresa em comerciais de televisão, constantemente. Esses
33
comerciais são raros de serem feitos por lojas de shopping, o que segundo Giuliana,
vendedora, em uma conversa informal disse: “passar na TV é muito povão, o público
da Chilli é mais para divulgar na net e eles deviam era melhorar lá”
Isso porque, segundo ela e dados obtidos em campo, todos conhecem
alguém que tem ou tem eles próprios um produto da marca, então, por já lucrarem
muito sem o marketing, não acham necessário fazer mais. E, quanto ao investimento
na internet, a marca possui um site oficial com uma loja virtual, e diversas páginas
em sites de relacionamento famosos e outros aplicativos para celulares e androides,
como o Facebook, Instagram e Twitter.
No mundo virtual, geralmente os próprios gerentes cuidam da página na
internet de sua loja, em alguns casos, como a página oficial no Facebook da Chilli
Beans Brasília, o departamento de marketing de Brasília o faz. A internet tem sido
um meio de constante divulgação, atraindo muitos jovens, os quais estão sempre
comentando as novidades, perguntando sobre o preço das peças mostradas e
elogiando a marca. Mas, como o público da empresa não é somente esse, as redes
sociais sozinhas não são suficientes para atrair a todos, já que os jovens são a
maioria predominante nesses perfis.
Desse modo, a empresa usa outros artifícios como impulsionar os
sentimentos: “gostamos de coisas atraentes por causa do sentimento que elas nos
proporcionam” (NORMAN; 2008: 68).
É pensando nisso que o marketing se desenvolve, utilizando-se de
sentimentos para chegarem até os consumidores, a Chilli Beans, por exemplo,
costuma usar da sensualidade e do desejo em suas campanhas:
34
Imagem 11 - Campanha Publicitária: Hotel Chilli Beans
Logo:
O que seduz não é o fato de que se pretenda seduzir-nos, adular, valorizar
é que haja originalidade, espetáculo, fantasia. A sedução provém da
suspensão das leis do real e do racional, da retirada da seriedade da vida,
do festival dos artifícios (LIPOVETSKY; 1997: 188).
Com essa citação, é possível perceber que a originalidade remete não
somente ao que é diferente, inusitado, mas também ao que é novo, e o novo é
constantemente requisitado na sociedade de consumo, tornando, assim como o
consumo dos produtos, a propaganda efêmera.
Portanto, ainda que:
o ato de ter de comprar envolve toda uma lógica de sedução que os
indivíduos se deixam levar por atender a necessidades psicossociais para
avançar na compreensão da questão, é preciso aprofundar as
características psicológicas dos sujeitos que são o motor do imaginário do
mercado do consumo (COSTA; 2004: 79 apud TABAC; 2012: 6).
Assim, apesar da publicidade interagir com o psicológico e os sentimentos
humanos para atingi-los, de modo a se convencerem que precisam de determinado
35
objeto, ou que ele o fará bem, esse não é o único meio de desenvolver e propagar
uma marca e nem ao menos o mais certeiro.
Dado que, a Chilli Beans não usa somente desse meio e de modo exaustivo,
não sendo os seus clientes compradores hipnotizados que o fazem apenas porque
viram um comercial, mas também, porque sentem o desejo de comprar, sentem-se
seduzidos pelo produto ao verem-no exposto na loja, ou porque precisam dele ou o
compram por impulso, como no caso dos quiosques.
Porém, isso não significa dizer alienação pelo comercial, ainda que ela exista,
e sim, um fetiche pelo o que o comercial induz de forma mascarada, associado aos
efeitos de uma sociedade do consumo, cultura de consumo e globalização que
geram nos indivíduos uma vontade de se sentir pertencente a um meio, vontade de
se sentirem bonitos como quem está no comercial usando aquele produto, uma
indução de que se pode ser o que se quer ser, através do ter.
Portanto, é perceptível que desde seu surgimento inusitado até sua atual
estrutura globalizada, a marca se erige principalmente, pelo consumo de óculos.
Desse modo, esse bem continua sendo comprado, mesmo sem grandes incentivos
comerciais, pois é mantido pela circulação de informações, pelos valores e vontades
compartilhadas por um grupo específico e por inovações semanais nas mercadorias,
fator de atração constante dos seus consumidores.
Entender o processo histórico da marca e como ela se consolidou é
fundamental para que se compreenda em que está baseada a sociedade capitalista
atual, pois como sugere Isleide Fontenelle:
[...] a marca nos dá a pista para que possamos entender por que o sujeito
atual, que não é encantado pelas imagens que o cerca, paradoxalmente, faz
uso delas para construir as imagens sobre si mesmo e sobre o existir [...]
(FONTENELLE; 2002: 23).
Como diria Bourdieu, dadas as devidas proporções ao se considerar aqui
como o todo a empresa e não a sociedade, e as relações internas derivadas do
sistema organizacional do empreendimento, a empresa é o:
Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera
36
e estrutura as práticas sociais e as representações que podem ser
objetivamente regulamentadas e reguladas, sem que por isso sejam os
produtos da obediência de regras objetivamente adaptadas a um fim, sem
que se tenha a necessidade de projeção desse fim ou o domínio de
operações para atingi-lo, mas sendo ao mesmo tempo, coletivamente
orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um maestro
(BOURDIEU; 2007: 72).
Outro conceito básico e muito usado de organização para se entender como
essa estrutura se conserva foi buscado em Maximiano:
uma organização é uma combinação de esforços individuais que tem por
finalidade realizar propósitos coletivos. Por meio de uma organização torna-
se possível perseguir e alcançar objetivos que seriam inatingíveis para uma
pessoa. Uma grande empresa ou uma pequena oficina, um laboratório ou o
corpo de bombeiros, um hospital ou uma escola são todos exemplos de
organizações (MAXIMIANO; 1992: 56).
Essa estrutura e organização são fundamentais para que a interação
vendedor-cliente ocorra do modo mais natural e agradável possível, e para que a
composição dos quiosques, lojas e os displays associados às propagandas sejam
meios de facilitar e atrair as compras.
Logo, a marca permite a repetição de certa experiência sempre que se
consome seu produto, e é essa experiência buscada ao se comprar que a marca
permite ser alcançada, uma vez que, ela tem em comum com o consumidor
determinado produto almejado (FONTENELLE; 2002).
Por isso, a contextualização da marca é importante para a compreensão da
etnografia como um todo, uma vez que, é a partir da empresa e o poder que ela
exerce sobre os indivíduos e quais são os “propósitos coletivos” dela, que se pode
partir para a análise do consumo dos seus produtos nesse espaço.
37
CAPÍTULO 2 – CONSUMINDO OS ÓCULOS
De maneira etnográfica, esse capítulo visa abordar algumas situações de
consumo presenciadas durante a pesquisa de campo e abordar com
particularidades metodológicas os motivos que incitam os consumidores às compras
e a relação deles com os objetos adquiridos. Pois, a sociedade define o que os
objetos simbolizam, e por isso, o modo que os indivíduos veem esse produto devido
a sua produção ser basicamente chinesa, estando associada a pirataria; e a
durabilidade da mercadoria, a qual é efêmera, serão abordados a seguir para que se
possa compreender os significados dos óculos na atual cultura capitalista.
2.1 ETNOGRAFIA DA COMPRA E VENDA
No dia 3 de janeiro de 2013, a observação em campo foi iniciada, no Píer 21.
Ao entrar na loja, a visão que se tem é a seguinte: nas laterais se encontram os
displays com os óculos, no centro o dos relógios e o caixa fica ao fundo, perto da
parede, e sempre bem iluminado. O estoque fica em um andar superior e acessado
por uma escada com uma “cortina”, que funciona como porta, feita de uma imagem
grande de uma campanha publicitária do Carlinhos Brown cortada em tiras finas até
o chão e cobrindo a passagem.
No mesmo período iniciei também os contatos na loja do Conjunto Nacional.
Espacialmente, esta loja segue o mesmo padrão, com a exceção do estoque, que
fica ao lado do caixa, e é maior do que o da primeira loja.
Nos dois casos, há um banco do próprio shopping em frente às lojas, sendo
este o local em que os vendedores se revezam para sentar. Isso porque, dentro das
lojas há apenas um banco para todos, que é o do caixa, e outro, dentro do estoque,
que está quebrado. Isso provavelmente é outro fator mercantil, para que eles não se
sentem e possam ficar sempre a postos para receber os compradores, trabalhando
e organizando os displays. Afinal, a cada pessoa que entra uma grande quantidade
de óculos é desordenada ou retirada de seu local.
38
Porém, o quiosque não possui esses bancos a disposição, devido a sua
localização ser em corredores. Há apenas o do caixa, de modo que eles se
espalham pelo corredor, encostando-se nas vitrines das lojas ao redor.
Assim que cheguei, fui bem recebida pelos vendedores, mas alguns me
estranhavam e sempre perguntavam sobre a pesquisa, tentando entender e me
ajudar. Outros confessaram posteriormente, que acreditavam que eu era uma espiã
que a empresa enviou para fiscalizar o trabalho deles, de modo disfarçado.
Os vendedores usam dentro da loja óculos de sol, mas, por uma questão
legal expressa na CLT do Brasil – Consolidação das Leis Trabalhistas - eles não são
obrigados a fazerem isso, o que não significa dizer que não sejam induzidos ou
convencidos, até mesmo como um meio de chamarem mais atenção do cliente e
conseguirem concretizar a venda. Informaram-me, porém, que apenas não podem
usar de outras marcas enquanto estão no local de trabalho, bem como outros
produtos que eles possuam para vender, como os relógios.
Na loja do Conjunto Nacional foi percebido que a minoria usava e geralmente
ficavam na cabeça ou pendurados no pescoço. No Píer 21, no entanto, usavam
sempre no rosto, provavelmente por causa da localização desse ser em um
ambiente aberto e com maior incidência de luz solar, além da artificial.
Esse uso contínuo, além de servir para atrair o olhar do cliente, é um meio de
propaganda constante da marca, e por conhecerem a qualidade do produto,
desejam usá-lo também como uma maneira de se protegerem dos raios solares,
além de testarem diariamente diversos modelos para criar estilos distintos. Ou ainda,
usam o mesmo todos os dias, de modo que muitos acabam levando os óculos para
casa por esquecimento e costume, e depois decidem comprá-los.
É o caso da ex-vendedora Sandra, que disse ter criado uma relação de amor
com um que não fazia seu estilo e usava na loja para ficar diferente, mas sempre ia
embora com ele até que decidiu pagar para ser seu. Pois: “o óculos te escolhe e
você não tem outro jeito senão comprar”. Outros preferem usar cada dia um modelo
sem ter o costume de comprá-los, mas todos que tem esse hábito na loja dizem ser
impossível sair sem uns óculos já que a retina se acostuma, aumentando a
sensibilidade.
39
O vendedor Wellington explicou que, quando se está claro a retina comprime,
então ao se colocar os óculos fica escuro e ela dilata para que se possa enxergar
melhor. Contudo, se usar uns óculos sem as reais proteções, a retina irá aumentar
devido a sombra que ele cria, mas os raios solares passarão por ele e atingirão a
retina com maior intensidade ainda do que se tivesse sem uns óculos desses. Este
conhecimento é transmitido ao cliente no momento da venda não só como
covencimento para a conclusão da mesma, mas como um fator importante para sua
proteção, já que Brasília é um dos locais com maior incidência dos raios solares do
Planeta, o que prejudica ainda mais a visão.
Logo, eles costumam comprar da marca tanto pela proximidade, já que estão
dentro do estabelecimento constantemente, quanto pela qualidade que acreditam
que os produtos têm, e ainda por possuírem desconto, tornando-se clientes em
dados momentos.
Além desses fatores de motivação para que comprem produtos da marca,
enquanto consumidores, eles apresentam algumas distinções se comparados aos
consumidores que não são vendedores da loja. Por exemplo, eles mesmos se
atendem, por já conhecerem a mercadoria, já sabem o produto que desejam, não
procurando muito tempo, e por isso, eles não costumam fazer essa compra
acompanhados por não precisarem de opiniões, e sim, ao final do expediente ou
durante, caso a loja esteja vazia. Quanto aos outros motivos que ocasionam o
consumo, já expostos ou que ainda serão apresentados, como efetuar compras para
se inserirem em um grupo social ou reconhecerem suas preferências, eles se
assemelham aos outros compradores que não são integrantes da marca.
Por já ter elementos advindos de algumas entrevistas informais pela internet e
conversas com o escritório e outros departamentos, ao começar o contato com os
atendentes, contei histórias e fiz questionamentos para confirmar o que já me foi
passado previamente por esses informantes e agregar novos dados.
Como a história da Isabela que disse ter apenas um óculos solar há três anos,
e que foi comprado quando descobriu ter problemas oftalmológicos porque sua
médica lhe recomendou que usasse os da marca. Ela gostou da qualidade e
resistência e pensava em comprar outro novamente, pois já o considerava antigo e
havia enjoado.
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Relatei ainda o caso da informante Cristina visando entender e buscar
informações com eles sobre os motivos que seus clientes compravam, pois
diferentemente da Isabela, ela comprou apenas por gostar do produto, após procurar
muito em outras lojas do ramo, e não por indicação de alguém ou visando a
qualidade.
Hoje, ela possui três óculos da marca, a qual atualmente, para ela é a melhor
devido a possibilidade que oferecem de ajuste. Isso porque, a primeira vez que
comprou uns óculos da Chilli, ele não serviu em seu rosto, que segundo ela é muito
fino e sempre encontra dificuldade de comprar algum que se encaixe. Mas, a
vendedora lhe ofereceu a opção de regulá-lo na máquina de ajuste, para que não
ficasse folgado. Mesmo temerosa pela possibilidade de estragá-los e não poder
possuí-los mais, ela aceitou e o encaixe ficou preciso. Assim, ela o fez nas duas
vezes seguintes e disse que provavelmente precisará fazê-lo na próxima.
Eles afirmaram que o público é bem variado, e que ouvem relatos de compras
por razões bem variadas, mas que pelo motivo da Isabela ainda não haviam
escutado e gostaram do fator que impulsionou a compra dela.
Os atendentes disseram que a história da Cristina é comum, porém, os
clientes não costumam comprar por comprar, ou seja, não procuram a loja após irem
a várias outras, e sim, já vão diretamente a ela, por já serem assíduos, ou mesmo
que pela primeira vez, por já conhecerem alguém que possui e lhes recomendou.
Esse reconhecimento da marca que eles supõem que os indivíduos têm é
contrário ao exposto por quem não é freguês da empresa, como a entrevistada
Nilma, a qual conheci porque vendia uns óculos Oakley usado. Para ela, hoje se
compra apenas por uma vontade de se expor o que tem e não pelos outros motivos
acima citados, tais como reconhecer a qualidade do produto ou por recomendação
de alguém:
as pessoas estão alienadas e compram o rótulo, não pelo conforto ou
qualidade, apenas para dizer que têm, que podem comprar. Eu mesma tô
vendendo esse óculos porque não tenho mais a vida de antes, me sinto
ridícula usando ele já que não tenho a mesma condição, não me sinto bem.
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Percebi então, que para entender os diversos motivos que geram a compra,
precisaria da ajuda dos vendedores. Pois, eles são os mediadores entre a marca e
os clientes, e são fundamentais para a compreensão das relações sociais existentes
por detrás da compra, uma vez que é através deles que as vendas ocorrem, e para
isso precisam de lábia, agradar o cliente, serem pacientes e algumas vezes até
psicólogos.
Assim, comecei a perguntar mais sobre suas vidas pessoais e o trabalho, sem
estar tão atrelada, nesse primeiro momento, a demonstrar interesse pelos clientes e
os óculos. Então, ouvi muitos relatos, como o do gerente Ronaldo que se sente parte
da marca, alguém importante para que a empresa continue a funcionar.
Um pouco desse sentimento de pertencimento é passado para eles, por uma
estratégia da própria marca de querer agradar seus servidores, tornar o ambiente
descontraído e fazer com que eles conheçam a história. Mas, em alguns casos
como o desse gerente, antes de um dia desejar trabalhar pela empresa, já conhecia
a história dela e do seu dono, Caito, e via como um bom exemplo a ser seguido.
Ele foi contratado apenas porque enviou seu currículo 16 vezes seguidas até
que, pela insistência o chamaram para uma entrevista e ele demonstrou saber mais
do que os Recursos Humanos que o entrevistava. Então foi contratado para free
lancer no Natal e menos de dois anos depois já havia se tornado gerente e recebeu
propostas melhores no exterior que ainda analisava.
O fato de ser como são é um os motivos citados por eles que esse emprego
lhes agrada e é também uma curiosidade de diversas pessoas. Ou seja, são aceitos
com seus piercings, alargadores, tatuagens quando em muitos locais ainda há o pré-
conceito contra esse perfil, especialmente no mundo do comércio, em que se espera
pessoas apresentáveis, bonitas e bem arrumadas e consideram que eles não são o
que o estereótipo avaliaria como o correto para realizar atendimentos.
Essa característica deles é intrínseca ao começo da marca, em que o Caito
vendia seus óculos na saída das “festas raves” para os jovens que iam embora ao
amanhecer, os quais, como frequentadores dessas festas costumam ter esses
acessórios. E, no início, esses mesmos jovens eram convidados para serem os
vendedores na Galeria Ouro Fino e obtinham a vaga por serem amigos do dono.
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Logo, a maioria dos currículos enviados para análise é de indivíduos com essas
características físicas, pois como todos na loja eram assim a principio, e atualmente
ainda são as pessoas continuam a pensar que para trabalhar precisam ter esses
atributos e somente quem os tem se candidata a vaga de vendedor.
Essa versatilidade deles é um atrativo para que o cliente se sinta bem, a
vontade, e permite uma infinita possibilidades de clientela. Por outro lado, espanta
os mais conservadores, uma vez que o estilo: “assusta, principalmente os mais
velhos, já que o perfil é bem variado e eu mesmo achava antes que era só pra
jovens alternativos” (Ronaldo).
Porém, ao contrário do que se pensa, o perfil da clientela é realmente bem
variado. Durante os três meses de pesquisa entravam e compravam nas lojas,
desde crianças até idosos, pessoas sozinhas, outras acompanhadas, famílias
inteiras, com rendas distintas, mas o público jovem de fato é o mais notório. A
variação de gênero também é bem equilibrada, já que, atualmente, a disjunção dos
sexos permitiu que os homens se preocupassem mais com sua aparência,
dedicando-se a um “neonarcisismo” masculino.
Além dos fatores citados no capítulo anterior, relacionados ao fato das
mulheres serem mais impulsivas e consumirem com maior frequência e quantidade,
essa diferença não foi aqui tão notada em número de vendas. Durante o campo,
houve um equilíbrio para ambos, o que foi mais corriqueiro, no entanto, é que os
homens costumam comprar em maior quantidade, pois vão menos ao shopping, e
as mulheres são as que mais olham por olhar, passeando sem comprar e costumam
adquirir um de cada vez, ainda que possam fazê-lo semanalmente.
Quanto ao consumo exacerbado em um mesmo dia, as mulheres
predominam, como o caso da Marcela, que queria comprar cinco óculos, pois,
apesar dos que já tinha em casa, viajaria em duas semanas e ela disse gostar de
desfilar óculos na praia, afinal “para cada biquíni tenho que ter um óculos.”
Ou ainda, a freguesa Norma, já conhecida dos vendedores por estar quase
semanalmente na loja, analisando modelos para possíveis e prováveis aquisições.
Em algumas entrevistas, quando perguntada sobre a preferência de comprar
sozinha ou não, as mulheres responderem, no geral, que gostam que as amigas ou
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a mãe as acompanhe, para ajudarem na escolha, mas se não puderem vão
sozinhas sem problemas. Os namorados não são boa companhia por não opinarem
muito ou por estarem sempre com pressa ou cansados, mesmo que algumas
exceções tenham sido encontradas.
Já os homens preferem ir sozinhos ou com a namorada para agradá-la e para
que ela os ajude, mesmo que sem citarem a presença de um amigo, a maioria deles
estava sempre acompanhado com um, principalmente quando um deles iria
presentear alguém.
Os vendedores preferem atender indivíduos sem acompanhantes e que
praticamente compra sozinho, de tal maneira que, ele mesmo pega os modelos e
prova, não pergunta nada, e no fim, apenas se dirige ao caixa com o produto que
escolheu e afirma querer pagar.
Há que se considerar ainda que a comissão é o que eleva muito o salário
deles e por isso, esforçam-se tanto pelas vendas. Não foi percebido nenhum tipo de
inimizade ou briga por isso, mas eles sempre gostam de olhar no sistema quantos
pontos já tem e quanto falta para “milhar”. Milhar equivale conseguir mil reais em
vendas no dia. Mas, mesmo sem brigarem por clientes, há uma tensão entre
aqueles que são considerados os melhores vendedores, e usualmente, ao olhar no
sistema as pontuações, falam em voz alta o número de vendas já realizadas no dia,
algo como uma provocação para outro vendedor que também possui um número
elevado de vendas.
Como a comissão é o que aumenta significativamente a renda, alguns
vendedores, que são caixas, logo tentam mudar de cargo por conta dessa
vantagem. E em uma conversa com eles, contaram que “a gente não ganha pouco”,
mas esse parâmetro é uma questão para qual não tenho respostas, uma vez que
não foi perguntado sobre a quantia final de seus salários.
Entre eles, há um clima de amizade e na ausência de clientes costumam
conversar, rir, dançar e tirar fotos. A relação que há entre eles é também por causa
das semelhanças e diferenças que os une profissionalmente. Portanto, trocam
informações e compartilham suas experiências de vida, principalmente profissionais,
desde comentários sobre algum cliente que não lhes estimou até como agir com um
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casal de namorados que deseja comprar juntos, já que esse foi demonstrado ser um
dos consumidores que menos lhes agrada vender.
Então, durante os dias da pesquisa sempre havia todos ou a maioria dos
vendedores, de modo que interagiam entre eles e comigo, muitas vezes me
passando tarefas para cumprir e em outras, eu me prontificava a ajudar, inclusive a
vender.
Para vender, percebi que eles usavam aquelas frases de efeito, citadas
anteriormente, mas também, procuravam ensinar o cliente como escolher óculos,
tanto pelo formato adequado de cada rosto, como pelo material e cores. A regra
geral é que rosto redondo combina com óculos quadrados, e em rostos quadrados
se encaixam óculos redondos. A figura abaixo ajuda nessa compreensão:
Imagem 12 – Quadro Explicativo dos Formatos de Rostos.
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Outra cena percebida corriqueiramente e pouco esperada foi o fato de
muitos desses indivíduos pechincharem em um ambiente como o shopping, sendo
denominados como “chorões”12 pelos vendedores.
Como os preços são fixos não há a possibilidade de desconto, o que era
feito às vezes, era oferecer 5% de desconto nas compras que era a porcentagem
oferecida aos outros vendedores do shopping. Mas esse é um critério subjetivo.
Quando queriam, os vendedores se ofereciam até sem o cliente pedir, quando não,
já negavam dizendo que não existe a possibilidade por serem preços tabelados. Isso
era feito à época da pesquisa, mas recentemente retiraram essa política por
perderem muito lucro.
Foi notado também que a maioria realiza o pagamento no cartão de crédito e
parcela, especialmente os que barganham, ou no de débito, mas em menor
quantidade, e quase nenhum cliente efetua a compra em dinheiro. Contudo, isso é
ruim para os vendedores que usam esse dinheiro do caixa para pagarem suas
refeições, ficando em alguns momentos sem o dinheiro para pagarem a passagem
também. Pelo que me foi explicado eles recebem juntamente com a remuneração
seguinte esses dias que não havia dinheiro no caixa para a alimentação e transporte
e precisaram usar o salário anterior para pagar.
O vendedor Paulo diz que sempre pedem desconto porque se sentem a
vontade no ambiente, acham tudo descontraído, “pensam porque é Chilli Beans, que
é tudo vida mansa lá, que é tudo de boa... Mas acho que tudo é conversado”.
Já o cliente Júnior informou que ele costuma pedir desconto em todos os
lugares porque se conseguir “é melhor pagar menos do que mais”. E ainda, ele pede
por acreditar que deve pagar o que vale, e não o que as empresas acham que vale,
mesmo sendo um preço tabelado.
Se uma balinha custa 200 reais, não quer dizer que ela vale 200 reais...
Mas, se eu já estou no caixa com o produto na mão quer dizer que estou
disposto a pagar o que ele custa, então peço o desconto pra pagar o que
ele vale, não que uma calça custe 200 reais, mas é um preço justo.
12 Esse é o termo usado pelos comerciantes,em geral, ao se referirem aos indivíduos que
costumam barganhar menores preços ou condições mais favoráveis de pagamento no ato da compra.
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Quando questionado sobre o que seria esse preço justo ele disse que se
referia ao fato de saber que a mão de obra, o transporte e os suplementos para
fazerem a calça não custavam 200 reais, mas que ele sabia que esse é um preço
médio de mercado e não poderia reclamar muito. Apenas, se tivesse comprando
muitas outras peças que juntas ficariam caro, barganha o todo e não a calça em si.
Exemplificou ainda que já pediu desconto na Chilli Beans, mas em sua última
compra não, pois levou dois óculos e parcelou o total em três vezes, não achando
necessário pedir.
Outros clientes citaram não pedir desconto por saberem que é um preço
tabelado e que outras pessoas não pedem e elas não se sentem confortáveis em
fazer, seria o politicamente correto, o que a sociedade impõe como valor a ser
seguido. Além disso, afirmaram requisitar essa baixa no preço ou aumentar o
número das parcelas em locais como feiras, que não há nota fiscal e se sabe ter
uma qualidade duvidosa.
A partir da experiência que adquirem ao longo do trabalho, os vendedores
conseguem traçar e identificar perfis de clientes, como os que vão para comprar, os
que vão para olhar e aqueles que têm dinheiro ou não, que é percebido além do
simples fato do que eles estão vestindo.
Essas e outras características foram descritas ao longo dos dias quando
algum cliente entrava e eles explicavam após sua saída em qual perfil ele se
encaixaria. Como é o caso da Marcela, que contou sua vida inteira enquanto estava
trocando uma peça, descrevendo onde mora, onde estuda, no que trabalha, os seus
relacionamentos amorosos e do seu dilema para a troca. Ela queria fazer a troca, a
qual durou mais de uma hora, pois havia cortado o cabelo e não achava que os
óculos combinassem com seu novo corte, dado que ele aparentava ser mais largo
agora, simulando modificar o formato do seu rosto.
Essa freguesa foi descrita pelo seu atendente como “o tipo que se sente no
divã, chega aqui e começa a contar a vida toda e a gente escuta né, tem que ser
bem paciente, quase psicólogo”.
Portanto, é através do que eles falam, como falam, como se portam e outras
características que os vendedores conseguem identificar a clientela, de tal forma
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que suas relações com os clientes, em alguns casos, são além do querer vender
para terem a comissão. Mas ajudar, escutar e interagir com os clientes que passam
diariamente pela loja.
Exemplo dessa relação de preocupação entre eles é salientada por Paulo,
vendedor, que afirma que muitas vezes se depara com indivíduos que ele sabe não
ter dinheiro, mas que compram impulsivamente assim que recebem o salário, sem
se preocuparem com o resto do mês, “em comprar remédio, pagar um hospital se
precisarem”. Ele afirma inclusive, que nesses casos se sente mal por cumprir a
venda, pois sabe que fará mal à pessoa. Como no caso de um motorista de ônibus
que ganhou uma ação na justiça e assim que o dinheiro foi para sua conta resolveu
comprar o relógio mais caro.
Outro ponto que identificam nos clientes é o chamado “enrolão”13, ou seja,
aquele que deseja apenas olhar, porém, usa argumentos para explicar sua negação
aos produtos apresentados. Diz querer comprar, mas que não gostou de nada, que
já tem tudo parecido com o do display, conta que comprou um dia desses alguns,
pergunta quando chegam mais opções, mas também continua a pedir para provar
outros e ver novas cores, usando essas desculpas para não levar nenhuma
alternativa. O vendedor Paulo, disse que nesses casos, educadamente apresenta o
modelo mais caro que tem para que esse cliente o renegue, e ele sugere que
retorne então na semana seguinte, sem permitir outra abertura para ele procurar por
mais modelos. No Píer 21, por ser uma loja pequena, normalmente eles já sabem
quem são os frequentadores assíduos, os verdadeiros compradores e os que
costumar ir apenas para apreciar.
A partir da conversa da cliente Fernanda com sua tia, foi percebido o quanto
os óculos servem como um diferenciador de identidades, ou seja, a partir deles se
pode demonstrar quem você é, seu estilo, sua profissão. Como no caso dela, em
que por ser fotógrafa profissional, queria comprar um modelo para usar em
momentos que fotografasse com a presença de luz solar.
Fernanda olhava óculos e conversava com sua tia que a acompanhava.
Selecionou duas peças que ficou na dúvida e fazia perguntas retóricas, de modo que
13 Esse termo foi usado diversas vezes pelos vendedores da Chilli Beans, referindo-se aos
clientes que não desejam comprar de fato, apenas olhar.
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a tia apenas sorria para ela. Na hora da escolha final, perguntou: “tia, esse é da hora
né?” A parente concordou com um gesto de cabeça, mas pediu para que provasse o
outro novamente. Ela o colocou no rosto e disse: “mas esse tem mais cara de
fotógrafa né?”, ao mesmo tempo em que fazia poses como se estivesse sendo
fotografada. Então, para ela, por esse último modelo ser parecido com o estilo de
fotógrafa, decidiu levá-lo, já que o objetivo era fotografar ao ar livre e queria ser
identificada como tal.
Esse parâmetro de distinção utilizado pelos clientes abrange os vendedores
também, criando estigmas com certos modelos para determinadas profissões, por
exemplo, associando modelos aviadores com motoristas de ônibus.
Imagem 13 – Modelo Aviador
Isso porque, segundo eles, essa peça é muito usada por profissionais dessa
área, de modo que, quando algum cliente do gênero masculino procura por esse
modelo, os vendedores sorriem, e indicam outras opções. Já para as mulheres, ele é
um clássico, está dentre os mais vendidos e combina com muitos formatos de
rostos, sendo o primeiro item a ser apresentado a elas dentro da loja.
Dessa forma, seus agentes, vendedores e clientes, são fundamentais para a
etnografia da marca, pois, eles permitem a compreensão das relações sociais
existentes por trás desse ato tantas vezes pensado como superficial e fútil.
Facilitando o entendimento da compra, dado que, ela ocorre por diversos motivos
para os mais variados perfis de compradores como foi observado pelos exemplos
dos informantes durante o campo.
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2.2 MEU CASO ETNOGRÁFICO SOB A ÓTICA DAS TEORIAS DE
CONSUMO
O consumo não pode ser visto apenas como um ato de puro hedonismo, em
que se compra para se sentir bem, pelo simples desejo. O ato de compra
compreende uma complexidade de motivações, sentimentos e práticas: compra-se
ainda para se desestressar, compra-se porque merece se presentear, compra-se
para alegrar um dia de brigas. Além disso, o consumo é realizado por indivíduos que
direta ou indireta, consciente ou inconscientemente desejam representar algo, fazer
parte de algo, desejam partilhar suas semelhanças, se reconhecerem e ainda,
comunicar-se.
Assim, os óculos são consumidos para servirem como fator de distinção, não
somente de classe, como é o caso principal abordado por Bourdieu, mas ainda se
distinguir em grupos. No exemplo citado anteriormente, na classe das profissões,
como o da fotógrafa e dos motoristas de ônibus.
Essa distinção é um fator que integra e exclui, unindo aqueles que possuem
os mesmos objetos em um determinado grupo social, mas nos desvinculando de
quem não os possui, os quais estão inseridos em outros grupos.
Desse modo, em um grupo partilhamos não apenas os bens em comum, mas
ainda os valores que possuímos e adquirimos ao longo da vida, moldando-os e
aprimorando-os. Por isso, os bens servem até como representantes simbólicos de
nossa cultura, nossa personalidade e do nosso humor em determinado dia. Ou seja,
por meio do vestuário, e o óculos, que é um acessório, se encaixa na composição de
um look, conseguimos representar um sexo, uma classe, uma profissão, e o gosto
dentro de cada uma dessas opções.
É por isso que o mesmo produto pode ser consumido de diversas maneiras,
isto é, um óculos, por exemplo, pode parecer versátil em alguém com um estilo
alternativo e over em outra com um estilo vintage. E, ainda, na mesma pessoa em
um momento estar in e em outro out.
Essa noção de identidade, a qual não é aleatória e individual e, que
aprimoramos com o decorrer do tempo, é fundamental também porque quando
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consumimos o produto, de fato não o consumimos, consumimos o que ele
representa.
Dessa forma, nos reconhecemos quando compramos, sabemos identificar
nossos gostos e preferências, o que combina ou não com nosso estilo de se vestir e
travestir, com nossa personalidade.
Por isso, esses objetos são tão presentes em nosso cotidiano e consumidos
tão velozmente que alcançaram grande importância em nossas vidas. Desse modo,
eles passaram de um simples objeto a um estruturador de relações sociais da
sociedade moderna. Como disse Karl Marx (1867), “tudo o que é sólido se
desmancha no ar”. Isto é, a sociedade está mantida pelo consumo acelerado
impulsionado pelo capitalismo, são os objetos que mantém essa ordem em nossas
vidas e são eles que nos passam a ideia de ordem. Se de repente, os bens de
consumo deixassem de existir ou de serem organizados tal como conhecemos, tudo
se desmancharia.
Não porque o consumo define a sociedade, mas porque os seres humanos
definem o que os objetos representam na sociedade, e atualmente, eles
representam nós mesmos. Afinal, os bens de consumo não saem da linha de
montagem com sentidos culturais prontos. Os significados não são intrínsecos a eles
e tampouco se encontram completamente constituídos durante o processo de
produção, nós os denotamos.
Logo, compramos por questões culturais indiretamente impostas, visando os
relacionamentos que eles nos proporcionam e a ilusão de um sistema ordenado e
seguro, a integração em um grupo e não apenas pelo simples desejo do comprar.
Em “O Mundo dos Bens” (DOUGLAS, ISHERWOOD, 2004) é exposto que o
indivíduo usa o consumo para retratar algo, expressar algo de maneira visível e que
a poupança não é positivamente usada para pequenas quantias, pois é vista como
sinônimo de guardar dinheiro para grandes compras, como a de um carro, uma casa
ou para seu futuro como uma aposentadoria.
Isso porque, o homem tem atrelado a sua noção de felicidade com o fato de
precisar ver que ele tem posses, precisa usá-las, mostrá-las para que a sua riqueza
tenha validade, muito mais do que em uma poupança milionária, visando se
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distinguir do resto da sociedade, que ao mesmo tempo em que o possuir o faz
interagir com o grupo, também o faz ser excluído de outro mais ou menos abastado
do que o seu, pois é com o que se gasta que reflete sua classe, e não exatamente
com quanto se ganha.
Porém, eles são mais que isso, são parte das relações sociais construídas no
momento da venda ou da mera procura, ou seja, enquanto uma ação é realizada
com um objetivo que busca uma resposta do outro agente. Portanto, os clientes
procuram a loja e esperam coisas distintas, desde um vendedor educado e paciente
até um psicólogo. Essa relação é além da descrita por Marx, que se baseia nas
forças produtivas, é ainda, um meio de interação que permite que os indivíduos se
conheçam, se preocupem uns com os outros, troquem informações além do pré-
estabelecido e necessário.
Isso é notado nessa etnografia, quando através da procura por um objeto, o
individuo encontra-se com outro, disposto a atendê-lo e escutá-lo, produzindo uma
interação, que no principio é apenas por causa do processo produtivo e dos
interesses econômicos, mas que depois, se torna um sentimento de apreço ou
desapreço de um para com o outro14.
Logo, os óculos não são apenas um protetor visual ou um acessório para se
compor looks, mas um representante simbólico da estrutura de nossa sociedade, o
qual demonstra o comportamento dos indivíduos que o possuem, o gosto, o que
desejam partilhar, o grupo a que se quer pertencer e um criador de relações sociais.
É o significado que ele transmitirá para nós e para os outros que nos verem com
eles que desejamos comprar.
2.3 EFEMERIDADE
A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo
o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-
moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a
mercadificação de formas culturais (HARVEY; 1992: 148).
14 O capítulo seguinte é dedicado a compreensão das relações sociais e sentimentos
existentes no ato da compra.
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As mercadorias da Chilli Beans apresentam uma alta rotatividade devido ao
lançamento de coleções semanais, de modo que a efemeridade15, uma
característica intrínseca ao consumo contemporâneo seja muito latente nessa
etnografia. Essa transitoriedade se deve, como sugere Gilles Lipovetsky a:
Os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer, nas classes
populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros: tornaram-
se uma exigência de massa, um cenário de vida decorrente de uma
sociedade que sacraliza a mudança, o prazer, as novidades. A era do prêt-
à-porter coincide com a emergência de uma sociedade cada vez mais
voltada para o presente, euforizada pelo Novo e pelo consumo
(LIPOVETSKY; 1997: 115).
Essa transitoriedade do consumo está presente na Chilli e é percebida em
três momentos diferentes, as quais denomino de absoluta, relativa e individual.
A primeira delas é a efemeridade absoluta com um viés para a empresa, pois
quando se lança vários exemplares semanalmente em um mês ou até menos já não
se consegue encontrar à venda certo modelo, e os vendedores muitas vezes nem ao
menos se recordam dele, precisando procurar no sistema por meio do código que
vem impresso na haste interna dos óculos ou por modelos similares que apresentam
numeração sequencial. Usualmente, a procura é feita no Google Imagens e os
números referem-se ao modelo e a (s) cor (es), por exemplo, 0101 é armação e
lente de cor preta, 0202 é marrom e sucessivamente, havendo ainda a possibilidade
de mix de cores, no código, por exemplo, 0102 representaria armação preta e lentes
marrons. Todos esses algoritmos e suas ordens eles sabem decorado.
Desse modo, é comum ouvir as seguintes expressões dos vendedores:
“compra logo se você gostou, porque daqui a um mês esses óculos pra gente já é
considerado muito velho” ou “compra logo, porque depois você não vai achar”.
Essas frases são ditas em estabelecimentos comerciais como meio do cliente se
convencer de que pode perder o produto irremediavelmente e decidir comprar logo,
assim ele não repensa sua escolha depois, e o vendedor já garante a venda. Mas,
no caso estudado, isso não “é mero papo de vendedor”, se não for comprado na
semana, provavelmente não o achará mais.
15 Segundo o dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, efêmero significa: que dura um só
dia, de pouca duração, passageiro, transitório.
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Como no caso de uma jovem que procurou um relógio e amou, mas disse que
iria na praça de alimentação almoçar e voltava. A vendedora Amanda ainda sugeriu
que ela reservasse, mas a cliente disse não ser necessário, pois voltaria logo.
Enquanto isso, outra consumidora gostou do mesmo modelo, realizando a compra
com a atendente, Sandra. Quando a primeira cliente voltou ficou chateada com
Amanda e começou a usar termos baixos e afirmar que ela havia permitido a venda
propositadamente. Amanda relatou que já se passaram meses desde esse ocorrido
e essa compradora passa semanalmente em frente à loja, e a olha brava e depois
continua andando pelo shopping.
Essa inovação constante, ainda que como dito por Lipovetsky seja um desejo
e necessidade do consumidor, muitas vezes é um fator negativo também, pois não
foram raros os momentos em que presenciei compradores contemplando
exemplares e fazendo contas mentalmente para verificar se conseguiriam pagar por
eles ou se esperariam para depois, sabendo do risco de não encontrar o produto
quando retornassem. Muitas vezes, envergonhados, diziam que não estavam
precisando de modelos novos, que apenas olhavam para ver se algo os aprazia. E
outros, afirmavam estar em dúvida se usariam ou não aquele exemplar.
Por outro lado, para quem compra, a efemeridade é relativa, afinal, eles são
usados por longo tempo, meses e até anos. Inclusive, sua qualidade tão almejada
quando se vai comprar se deve principalmente a preocupação com a durabilidade, e
nem tanto quanto a proteção contra os raios solares, já que todos perguntam da
garantia e da manutenção, mas a minoria pedia para se fazer o teste na máquina
disponível no caixa. Essa máquina, ao ser ligada, aparece uma luz alaranjada e põe-
se os óculos em cima dela, se a luz atravessar os óculos, eles não possuem a
proteção, e caso contrário, possuem. Quando presenciava o teste, sempre
funcionou, de modo que a luz não refletia nos óculos.
A ex-vendedora Débora me contou que a concorrente direta do
empreendimento analisado, é a Oakley, com o diferencial de injetar o protetor solar
nos óculos, com uma pequena seringa industrial. A Chilli Beans submerge as lentes
nesse produto e o camelô, muitas vezes possui a proteção, mas eles apenas
passam o produto sobre a lente, de modo que pode durar até três dias. Portanto,
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uns óculos comprados de um ambulante na praia podem inclusive serem usados
naquele dia, sem grandes riscos.
Quanto à manutenção, ela é vitalícia e gratuita e a garantia é de seis meses,
fazendo com que eles possam durar ainda mais, especialmente os que possuem
hastes de metal, os quais mais facilmente abrem nas laterais e podem quebrar se
não forem bem conservados. Outro quesito afirmado pelos vendedores é que os
óculos que se está comprando não sai de moda, o que não deixa de ser verídico na
maioria dos casos.
Como exemplo, tem-se o aviador que existe desde 1936 e é o mais
consumido. Ele é o mais vendido, tanto por ser o de mais fácil encaixe no rosto, por
ter preços variados e acessíveis e é conhecido como Ray Ban por ser a marca que
mais o vende no mundo e ter se propagado antes de todas. Isso faz com que muitas
pessoas quando vão procurá-lo na loja perguntam se tem a cópia do RayBan e
quando quem os atende explica o porquê dessa expressão, alguns se interessam e
outros querem discutir, mas sem argumentos, por ser apenas aquilo que sempre se
ouviu, como um dogma.
Há ainda que se falar na instância da efemeridade relativa no âmbito
individual, pois foi observado que diversos clientes possuem seus óculos há muitos
anos, mas não os usam mais, mesmo que comprem outros, ou continua usando-os
mesmo que comprem mais. Um exemplo disso é a cliente Elena, a qual está
constantemente na loja e quando perguntada sobre quando tinha comprado um
modelo que foi consertar disse: “ih, esse faz muito tempo, já tem uns três meses...”,
outras dizem: “tenho três óculos, cada um comprei em um ano e todos são novos”.
Com essa efemeridade individual, constatada pela fala dos clientes, é notável
que para alguns três anos é um longo período para se usar o mesmo modelo, para
outros não, ou seja, é uma transitoriedade que não tem um tempo socialmente pré
estabelecido, nesse caso e, por não saírem de moda facilmente, em geral, podem
sim ser adaptados por longos períodos.
A temporalidade de uso deles é possível, pois contrariamente ao que ocorre
com as roupas, os óculos não possuem características tão marcantes que os
diferenciam em uma coleção de verão ou de inverno, como nos tons usados, as
55
estampas e os cumprimentos das vestimentas. Os óculos são grandes, médios ou
pequenos, e geralmente intercalam esse tamanho nas estações ou é permitido o uso
de todos eles. Por exemplo, há o espelhado que há dois anos, aproximadamente,
está sendo usado e ainda não saiu de moda, ou aqueles no estilo gatinho que
voltaram a ser hit há um ano e continuam in. É uma moda mais duradoura por
natureza, e poucos modelos não são adequados para se usar por uma média de
cinco anos seguidos. Para isso eles precisam ser extremamente extravagantes ou
diferentes como um modelo do Ronaldo Fraga para a Chilli Beans que escreveu nas
lentes espelhadas versos de poemas de Carlos Drummond de Andrade.
Imagem 14 – Modelo Ronaldo Fraga com Poema de Carlos Drummond de Andrade.
Imagem 15 – Modelo Gatinho por Isabela Capetto.
56
Existe certa relação entre as pessoas que afirmam ter os óculos há alguns
meses e considerá-los velhos por terem muitos e estarem sempre comprando mais,
e o inverso para as que consideram três anos um tempo curto. É uma efemeridade
subjetiva, que o individuo particulariza por diversas questões que serão melhor
abordadas também no capítulo seguinte, além do fato dessa moda de óculos ser
menos fugaz, se comparado com a fugacidade do novo diariamente a qual estamos
acostumados.
É possível ainda ser uma mudança efêmera em si, todos podem ser qualquer
um, ou seja, estamos rapidamente mudando nosso estilo, nosso gosto, há uma
transitoriedade com quem queremos parecer hoje pela manhã e em quem nos
inspiramos para nos vestir à noite, além de haver cargas emocionais por trás da
influência do grupo no qual se está inserido e da mídia, como diz o dito popular no
vestimos conforme nosso humor ou como afirmou Lipovetsky:
Criando modelos que concretizam emoções, traços de personalidade e de
caráter. Desde então, segundo o traje, a mulher pode parecer melancólica,
desenvolta, sofisticada, severa, insolente, ingênua, fantasista, romântica,
alegre, jovem, divertida, esportiva (LIPOVETSKY; 1997: 96).
Então, com o exemplo acima referente à mulher, é perceptível essa mudança
constante da moda com o humor, com a vontade do que se quer ser e mostrar hoje,
sendo esses acessórios um meio de se expressar isso. Logo, segundo Jurandir
Costa, “o consumo é uma metáfora a uma sociedade imediatista que está ligada à
rapidez na qual descartamos objetos e adquirimos outros” (TABAC, 2012: 6).
Para Miller (2010), permitir que o self, o indivíduo seja livre e constantemente
transformado é um meio dele se descobrir graças a resposta que ele obtém no dia-
a-dia. Pois, a maneira como as outras pessoas reagem e se aproximam ou não de
você é um indicador de como você deve ser e agir para pertencer a determinado
meio.
Há uma campanha publicitária deles que exemplifica a transitoriedade:
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Imagem 16 – Campanha Publicitária: Sua Vida Pede Muitos.
Imagem 17 - Campanha Publicitária: Sua Vida Pede Muitos.
E,:
58
Independentemente de qual marca se fale, a sua característica central é
que todas comercializam a imagem de um estilo, ou seja, de um conjunto de
atribuições (e podemos entender a roupa como uma delas) que, na prática,
se esforça por imprimir ao consumidor individual e ao mundo que o rodeia, e
com o qual ele se identifica, uma imagem una (BERGAMO; 1998).
Assim, em outro trecho da entrevista com Leandro, é compreensível que a
Chilli Beans comunga com Alexandre Bergamo em se tratando de comercializar um
estilo, algo excêntrico, livre e efêmero em si, em que você pode ser o que quiser.
Mas ao mesmo tempo não se imprimi essa imagem una, pois, ao se tentar agradar a
um grande número de pessoas distintas, como é o público da marca, esse “um
estilo” a que se refere é para ela o “um estilo”, o humor, a vontade de cada um a
cada dia. No fragmento ele diz que:
Temos oportunidade de ousar mais nos modelos, nas variações de cores de
armações, lentes e modelos. Nos inspiramos nas coisas do cotidiano em
temas que marcaram épocas, etc...Nesse ano, por exemplo, lançamos
temas de óculos e relógios inspirados em tribos indígenas, discoteca,
caveiras. Nosso principal desafio é mesclar a parte conceitual e comercial.
É inventar um produto inovador, com conceito de moda e torna-lo usável.
Logo, é factual os diversos estilos que se almeja atingir pelos exemplos que
ele citou dessas coleções.
Portanto, o efêmero é algo intrínseco ao capitalismo, é desejado por nós,
porque enjoamos do antigo, porque queremos mudar nosso gosto, queremos expor
nosso padrão social, queremos criatividade, queremos mais. No entanto, ao mesmo
tempo em que desejamos o novo constantemente, não conseguimos nos livrar do
antigo na mesma proporção por uma questão simbólica. Quando um objeto já foi
totalmente divulgado e expandido para todos os públicos é quando ele
necessariamente, precisa ser modificado (BOURDIEU, 1998). No argumento de
Lipovetsky:
A mudança de moda não se deduz da amplitude das difusões, não é o
efeito inelutável de um determinismo social exterior, nenhuma racionalidade
mecanicista desse tipo é capaz de apreender os caprichos da moda. O que
certamente não significa que não haja nenhuma lógica social da moda [...]
(LIPOVETSKY; 1997: 53).
59
2.4 CÓPIA, FALSIFICAÇÃO, RÉPLICA OU ORIGINAL?
Os produtos similares e piratas permitem que estilos de vida sejam
construídos e desconstruídos e lançados ao mercado e utilizados por
pessoas cujas rendas certamente não são compatíveis com o uso de muitos
deles nas suas respectivas versões originais (BARBOSA; 2004: 22).
Considerando a justificativa dada por Lívia Barbosa, se poderia considerar
que os óculos Chilli Beans seriam piratas se agregarmos a isso que ele é produzido
na China e parte de seus modelos são réplicas, modelos muito assemelhados a
outros como os já citados Ray Ban, de modo que as pessoas ao procurarem um
aviador na loja perguntam: “você tem um Ray Ban para eu provar?”. Há ainda a
questão dos preços serem muito baixos se comparados a outras marcas como Marc
Jacobs que é um dos mais comprados pela atual “classe A” ou Oakley que também
é comprado pelas “classe B e C” e é grande concorrente da marca etnografada.
Como se sabe, a produção, a circulação e o consumo de mercadorias
podem ocorrer em espaços circunscritos ou atravessar diferentes espaços
regulatórios. Dessa forma, determinadas mercadorias que entram em
determinados fluxos e atravessam certos espaços regulatórios podem se
transformar de legais em ilegais ou vice-versa (RIBEIRO; 2010:26).
No entanto, hoje se sabe que praticamente tudo possui o selo “made in
China” e mesmo as grandes marcas famosas e luxuosas do mundo fabricam nesse
centro produtivo, por questões de custo benefício, produção elevada e rápida, além
de tecnologias e conhecimentos superiores.
Portanto, conhecendo-se a qualidade do produto comprado e a sua garantia
de seis meses, não há que se falar que os clientes vejam esse como um produto
falsificado, uma vez que, a grande maioria dizia não saber que era fabricado nesse
local do Oriente e quando contava, eles diziam não se importar e usavam o motivo
citado acima. Outros diziam já saber, mas que isso também não era problema,
expondo novamente o mesmo argumento fulcral e complementando ao afirmar que
quando se compra e conhece a qualidade não tem porque pensar assim.
Além disso, óculos são sempre clássicos e a Chilli Beans, para os
entrevistados, é a que mais apresenta modelos distintos, que de longe se pode
60
reconhecer na rua, apenas pela excentricidade, como um modelo que transmite a
ideia de uma sobrancelha em cima da lente.
Imagem 18 – Modelo de Óculos com Projeção de Sobrancelhas.
No entanto, ainda que hoje a empresa seja reconhecida pelo Estado, para
Gustavo Lins Ribeiro isso não significa idoneidade, já que “lícito/ilícito, então, dizem
respeito muito mais às percepções sociais do que a letra da lei” (RIBEIRO, 2010:
26), passa pela percepção do que o consumidor considera imoral.
Tal imoralidade tem analogia direta com a informalidade, ou seja, os meios de
produção formais e informais misturam-se entre si devido a globalização e
interconexão de mercados. Nesse caso, a Chilli Beans e a China, são meios formais
e informais, respectivamente. Uma vez que, é de conhecimento geral que há uma
grande parcela de escravos em Taiwan e China, fatores que permitem
questionamentos sobre a legalidade de algumas produções nesse país. E também,
segundo Moisés Naim (2006), há grandes réplicas de marcas de luxo feitas a noite
nos mesmos locais em que durante o dia se fabrica o original, caracterizando esse
comércio como informal e não digno de confiança para ele. Assim, a formalidade da
Chilli Beans, é um tema duvidoso para alguns por causa da sua fabricação ser
chinesa.
61
Outra característica associada à pirataria é a descartabilidade do produto, de
modo que seus compradores adquirem acreditando que compensa pagar pouco,
pois também será pouco usado e/ou pouco duradouro, o que é contrário ao que foi
analisado quanto a efemeridade dele para os clientes, que os possui por anos. Essa
associação com a descartabilidade e com a autenticidade do produto é notada em
outro quesito, mas que pode ser relacionado a esse trabalho por Lucia Scalco e
Rosana Pinheiro Machado quando afirmam que: “a noção de autenticidade,
portanto, é bastante fluida e não necessariamente está atrelada a politicas de
propriedade intelectual e/ou direitos autorais” (2010: 333).
Ribeiro dividiu as cópias em três classificações, e conforme a qualidade delas,
o preço aumenta proporcionalmente. A réplica é a cópia fiel, a cópia é extremamente
parecida, mas com leves erros, e a pirata é o que possui muitos erros de fabricação,
material diferenciado e péssima qualidade.
Essas distinções são abordadas por outros autores, mas ao serem
analisadas, não se enquadram exatamente no caso da Chilli Beans, de modo que,
seus produtos tem qualidade reconhecida pelo Estado e pelo consumidor, não são
descartáveis facilmente e possuem designers próprios também. Portanto, essa é
uma marca regulada legal e moralmente no Brasil.
A autenticidade é então, uma categoria ampla e relativa por excelência uma
vez que a construção social do valor é negociada e definida em contextos
particulares (PINHEIRO-MACHADO, 2009).
62
CAPÍTULO 3 - SENTIMENTOS
O presente capítulo pretende abordar os diversos sentimentos percebidos
durante a pesquisa de campo enquanto os indivíduos compravam. Essas emoções
são inconscientes, e imperceptíveis pelos sujeitos, mas, em minha concepção, é um
dos principais motivos que os impulsiona a comprar. Desse modo, explorarei como
isso ocorre com os consumidores das lojas Chilli Beans, especificamente em
relacionamentos entre amigos, pais e filhos e casais. Estabelecendo um diálogo com
Daniel Miller, Mary Douglas e Baron Isherwood, Gilles Lipovetsky, os quais tratam
dos aspectos emocionais do consumo em suas obras.
3.1 INVEJA
O ato de comprar começa desde a decisão de procurar o objeto até o seu uso
e durante esse processo muitos gostam de ter alguém para lhes aconselhar. É
durante esse momento compartilhado, (que em especial é feminino, pois as
mulheres são as que mais compram com as amigas), que surge a inveja.
Para os vendedores elas são o segundo pior tipo de clientela. Afinal elas não
permitem que as vendas ocorram. Isso porque elas querem agradar a si próprias e a
amiga que as acompanha, deseja se sentir aprovada, deseja combinar os gostos.
Provam muitas peças, pensam, vão ao caixa várias vezes, desistem, olham mais,
retornam novamente. Por fim, em muitos casos, dizem que voltam depois, e o
vendedor dispende muito tempo em um atendimento mal sucedido.
Para os atendentes, as amigas apresentam muita cumplicidade e exatamente
por isso atrapalham ao elogiar demais, não colaborando na escolha e mostram
ainda mais modelos para a outra, deixando-a mais em dúvida, afirmam que: “tudo é
lindo e perfeito e que a amiga é maravilhosa com qualquer coisa”, segundo Carla.
Outras, que são a maioria, são classificadas, por eles, como invejosas, ao
argumentar que não tem modelos bonitos na loja, que são feios, bregas, que um não
combina com o cabelo dela, outro não encaixa no rosto corretamente e diversos
63
outros artifícios. Isso ocorre principalmente, quando apenas uma delas vai comprar e
a outra apenas ajudar.
A vendedora Denise relatou a história do dia em que venderia três óculos
para uma cliente acompanhada da amiga, a qual sempre expressava adjetivos como
“que óculos feios” e similares. A primeira, não se intimidando decidiu comprá-los
mesmo assim. Quando estava no caixa, a segunda diz: “ah, não sei pra que você
precisa levar três óculos fora os que você já tem”. Ela parou, refletiu, decidiu que era
realmente demais, seria consumismo e estava deixando os óculos no display.
Quando o celular da outra toca, ela sai para atender e precisa ir embora e a cliente
por fim leva os três iniciais.
Esse sentimento que é considerado negativo por alguns, especialmente, em
um relacionamento entre amigos, em muitos casos da etnografia não foram sentidos
de modo racional e intencional. Ou seja, não é avaliado como ruim por não se
desejar o mal do outro ou o que ele pertence. Apenas, se quer possuir determinado
objeto antes que essa pessoa o tenha, ou possuí-lo exclusivamente, para ser um
destaque no grupo com sua nova mercadoria.
Essa emoção foi presenciada diversas vezes quando uma amiga desejava
muito um modelo, mas não se encaixava no formato do seu rosto. A acompanhante
testava antes de devolver ao display e nela o acessório se acomodava de maneira
impecável. A que o provou primeiro, mesmo que não o compre por não servir, faz
comentários como: “ah em você fica bom né?!”, “gostei em você, pena que não
serviu em mim”, com um tom de decepção na voz.
Algumas vezes, a acompanhante que não compraria decidi fazê-lo também
para não se sentir excluída e não ser menos notada, já que o atendente se dedica
mais a quem compra. Além do fato de ter algo a mais para expor em seu círculo de
relacionamentos, juntamente com a amiga.
Os homens que estavam comprando acompanhados, usualmente, buscavam
opinião e ajuda dos amigos para presentear a namorada, a mãe ou outro indivíduo.
Outras vezes, entravam juntos na loja, mas procuravam cada um alguns óculos que
lhes agradasse comprar, não se ajudando mutuamente, pois estavam ocupados no
celular ou realizando uma compra quase individual, por não perguntarem a opinião
64
um do outro e não interagirem. Por isso, não há dados suficientes que permitam
uma análise desse sentimento no universo das amizades masculinas, de forma tão
evidente como entre as mulheres.
Portanto, a inveja é um dos motivadores para o consumo, pois, ao se ver
alguém com um objeto que lhe agrada e se acha bonito, o indivíduo sentirá inveja e
quererá um igual, fazendo o possível para ter e se igualar a outra pessoa. Ou ainda,
há aqueles que compram com o objetivo de causar inveja em outra pessoa. Como
os que consomem pensando em mostrar no trabalho ou escola para alguém
específico que costuma fazer o mesmo visando aparecer como superior ou para
alguém que não lhe agrada no convívio diário, visando destacar-se individualmente.
Essa emoção foi sentida por Dayse enquanto estava com sua amiga Joana e aquela
disse a essa:
Você vai ver, vou descer do meu carrão, dar aquela jogada de cabelo e tirar
os óculos que nem em filme sabe? Bem na hora que a M. estacionar do
meu lado, quero ver ela ficar roxa de inveja!! Só pra ela aprender a parar de
ser metida e se achar mais que os outros, que mulher insuportável [...].
Esse sentimento não é necessariamente representado como algo negativo,
em todas as ocorrências, afinal, como no conhecimento popular há a “inveja boa e a
ruim”. A ruim seria aquela em que se causa algum mal para conseguir o que
pertence a outro. Na afirmação acima se pode considerar a inveja boa, a qual o
indivíduo apenas deseja a mercadoria igual ao que o outro possui, ou quer possuí-la
primeiro, para vangloriar uma imagem positiva de si mesmo antes que o outro o faça
ao obter essa mercadoria. Em concomitância ao que Lipovetsky argumentou:
Atualmente, a admiração pelas marcas se alimenta do desejo narcísico de
desfrutar do sentimento íntimo de ser uma ‘pessoa de qualidade’, de
comparar-se vantajosamente com os outros, de ser diferente da massa,
sem que sejam mobilizados, no entanto, à corrida pela estima e o desejo de
provocar a inveja de seus semelhantes (LIPOVETSKY apud GAZUREK;
2012: 126).
Porém, Mary Douglas e Isherwood (2004) divergem em parte com esse autor,
pois, para eles, o consumo não é um fenômeno individual, ao passo que não se
compra pelo simples gosto ou necessidade, mas como o último exemplo, compra-se
65
também por desejo de ascensão, de pertencer a um grupo, de ser melhor e de
causar inveja.
Com um viés utilitarista, esses autores afirmam que um dos motivos porque
queremos bens é para se causar inveja. Os óculos, então, não são comprados
apenas para se proteger dos raios solares ou para suprir uma necessidade, e sim,
para simbolizar qualidade, gosto e características pessoais, e são esses atributos
que causam a inveja, simbolizada pelo objeto, e sentida para com os indivíduos.
Daniel Miller complementa, ao demonstrar que nossos sentimentos, e a inveja
que é um deles é objetificado quando consumimos bens, e assim, conseguimos por
meio deles expor nossos valores uns para com os outros. Por isso, a compra não
pode ser analisada apenas pelo ato em si. Deve-se considerar também os motivos
que impulsionam alguém a procurar uma mercadoria e a maneira como ela é usada
após a compra.
Pois, a inveja é um dos impulsos para que a compra se efetue, uma vez que,
ao se invejar o que alguém possui ou desejar causar inveja em alguém são motivos
que levam os indivíduos as compras. Esses objetos são usados ainda, perto de
quem se espera despertar essa emoção. Logo, o sentimento que se possui pelo
objeto, pela pessoa com quem se compra e para quem se compra interferem na
relação pessoa-objeto e na escolha desse bem.
3.2 AFETO
O afeto foi exacerbadamente notado em mães, que são usualmente
compradoras sozinhas, pois toda a família se reúne para irem as compras ou a mãe
o faz enquanto passeia, ou em seu horário de almoço. Os pais foram menos
percebidos nesse caso, mas não extintos, afinal, em muitas famílias eles exercem o
papel principal, inclusive quando não há o papel daquela.
As mães são classificadas como as mais “choronas” pelos vendedores, e
assim são as que mais demonstram afeto enquanto compram por estarem
privilegiando que os seus filhos tenham ao invés delas. Mesmo quando há exagero,
66
certo dispêndio de gastos em presentes para agradar a um membro especifico da
família.
Essa benevolência é vista como no exemplo de Kelly, mãe de três filhos que
havia comprado dois óculos no dia anterior para um deles e para o marido que
diziam ter sumido os seus. E, no dia seguinte, foi comprar mais dois para os outros
filhos. Enquanto olhava o display, pegava o modelo, e antes de colocar no rosto
perguntava: “essa armação é cara né?”. Ou “todos de acetato são esse preço?”. E
Paulo confirmava e ela devolvia como quem se desculpa, dizendo: “mulher tem
sempre muito óculos né, eles tavam só com um, então vou levar só pra eles hoje!”
Aqui é nítido como ela se sentia obrigada em presentear a todos e não
apenas aos dois primeiros que haviam perdido os seus óculos, e ainda com a
responsabilidade de proteger a saúde visual deles, já que mencionou também que
em Brasília é sempre muito quente e claro, e que a filha não gosta muito de usar
óculos, “mas ela ama roxo e vai adorar essa caixinha, assim eu convenço ela”, ao se
referir a case16 na cor preferida da primogênita.
Outra frase corriqueira entre elas é referente ao fato delas sempre comprarem
bens para os filhos e para elas nada. “Mas mãe é assim mesmo!”, foi a frase mais
comum dita por elas.
Outro caso é o de um casal com o filho do Rio de Janeiro que passeavam em
Brasília, compraram um relógio e uns óculos. A mãe sempre beijando o filho e
sorrindo do que ele comentava sobre as peças que não gostava. O pai, atencioso
mostrando outras para aprazer a ele.
No caixa, tentaram vender para o pai também, já que ele havia gostado de
um, mas recusou dizendo que já tinha comprado outro há pouco tempo e levariam
apenas para o filho já que o aniversário dele estava próximo e isso serviria. A mãe
colocou a sacola na mochila dele dizendo que era melhor assim, “pra não ficar a
vista e ser menos perigoso enquanto viajavam”, e novamente o beijou e foram
embora. Essa ternura e inquietação dos pais estão em conexão com a citação de
Miller (2007):
16 Objeto em que se guarda os óculos protegendo-os para que não sejam danificados
facilmente.
67
Comprar, por exemplo, é transformado em uma abordagem que nos permite
acesso à tecnologia do amor, da maneira como o cuidado e preocupação
são expressados dentro do lar (MILLER, 1998a; também Chin, 2001;
Gregson e Crewe, 2002).
Em outro trecho da mesma obra, Miller nos remete aos pais abdicando dos
objetos para si mesmos em prol dos filhos, assemelhando-se a um sacrifício.
Um dos exemplos mais pungentes da lógica por detrás da abordagem da
cultura material, para entender como nós nos constituímos enquanto
humanidade, pode ser encontrada em um estudo que equilibra a aquisição
de objetos com nosso abandono dos mesmos (MILLER; 2007).
Desse modo, há a relação comprador – vendedor, mas há ainda a relação
entre comprador e um terceiro indivíduo, sendo o comprador os pais, por serem os
pagantes, nesses exemplos. É a essa terceira pessoa que os que pagam querem se
dedicar, querem se relacionar, e nem tanto com o atendente como quando alguém
compra sozinho para si próprio.
O comprador não está meramente comprando mercadorias para outros,
mas esperando influenciá-los para que se tornem os beneficiários
apropriados do que está sendo comprado (MILLER; 2002: 24).
Outra distinção que pode ser feita nas compras com esse sentimento é em
relação à inveja. Não se espera ser o primeiro a possuir o objeto, ou se mostrar
como o detentor de determinado estilo, gosto e posição social, e sim, que aqueles os
quais se presenteia, a terceira pessoa envolvida nesse processo de compra,
desponte com esse novo bem. Não há o menor desejo de possuir a mercadoria da
outra pessoa ou sequer ter igual.
[...] O amor não deve ser isolado como algo oposto a preocupações sociais
mais amplas. Aqui o amor assume a forma mais requintada de ansiedade
dos pais relativa ao modo como o filho será recebido se não atender às
expectativas de seus amigos [...] (MILLER; 2002: 40).
No afeto, os valores aos quais as pessoas desejariam se dedicar são apenas
seus filhos e seu bem-estar, segundo seus critérios, para que eles se encaixem em
determinado grupo.
68
3.3 AMOR
O amor entre os casais, tanto de namorados como no matrimônio fez parte
das compras deles. Para os vendedores, eles são os clientes que eles preferem não
atender, mais do que as amigas. Isso porque, como no caso delas, eles querem
agradar um ao outro e não conseguem coincidir nos gostos então não compram
também. Mas, a diferença é que não existem aquelas pequenas intrigas por inveja
do que o outro deterá. Pode acontecer ainda que se consiga efetuar a venda do
casal, e ao contrário do que esperam, que é não vender, se consegue ainda mais
lucro.
Nesse relacionamento, há um poder de influência ainda maior entre eles.
Afinal, o convívio um com o outro é maior do que se fossem apenas amigos, e o
querer agradar está mais relacionado à atração física.
Os parceiros costumam não ter coragem de mostrar o que gostaram no
momento em que pegam a peça. Olham vários, sem sair de perto do display que
tem o modelo que mais gostou, pegam os que preferem e os que o acompanhante
indicou, prova-os diversas vezes, mas sem perguntar diretamente o que o outro
pensa. Usam frases como: “esse aqui você não gostou não, né?!”, “tem certeza?”,
“esse é diferente, não acha?”.
Citações que permitem que o outro complemente a frase, esperando que
tenha a iniciativa de dizer o que prefere. De modo discreto, aguardam para perceber
o que o outro prefere e decidir o que realmente levar. Porém, segundo os
vendedores desde o começo eles já tem sua escolha pré-definida, que não raras às
vezes diverge da do par, e ficam nesse impasse por muito tempo, mesmo horas. Até
que desistem e pensam em retornar depois.
Mas, esse retorno não é no mesmo dia após mais uma volta pelo shopping, e
nem com o parceiro novamente para que não continuem na dúvida sobre qual
comprar. E, se voltarem com eles, e decidirem levar o que gostou e não o objeto de
preferência do companheiro, tentam agradá-los de outras maneiras: prometendo
mais uma volta pelo shopping, ou um lanche no local que o outro escolher, um
69
pequeno presente. Algo simples, um mero gesto significando desculpas por não
adquirir o objeto que agradaria mais o outro.
Ou ainda, como no caso do casal Rodrigo e Gabriela, em que ela comprou
uma peça muito parecida com os que já possuía sendo que o namorado que a havia
levado a loja para que ela comprasse um diferente porque ele não gostava que ela
tivesse o mesmo estilo, que era sempre aviador. Então, ela disse: “prometo que da
próxima vez vou levar um diferente dos que eu sempre uso.” Essa crítica feita por
ele, foi bem recebida por ela que se prontificou a satisfazer essa demanda dele, mas
não ao ponto de efetivamente abandonar o estilo que está habituada. Assim, com
um jeito maleável para não deixá-lo tão descontente, ela pôde perceber seus gostos,
se identificar, reconhecer que mesmo ao achar outros óculos bonitos, não são o
modelo que prefere e que está disposta a pagar.
No trecho a seguir Miller se refere a uma compradora de alimentos em um
supermercado com seu noivo pela primeira vez, no entanto se adaptarmos para o
fato citado acima, sua conclusão é totalmente válida:
Comprar não se resume a encontrar gostos em comum. Em comparação à
media dos compradores, ela passa um bom tempo somente apanhando
produtos que normalmente não levaria em consideração. Acaba não
comprando nenhum, mas com isso fica claro que a oportunidade de
mudanças implícita em seu novo relacionamento também a estimula a
imaginar novas possibilidades para si mesma e a perguntar-se se ela seria
o tipo de pessoa que compraria esse ou aquele produto (MILLER; 2002:
43).
Além do momento em que se compra junto ser complicado e de certo modo
estressante, há a dificuldade de trocar o que foi ganho, mais do que se fosse
qualquer outro individuo que tivesse lhe dado, pois poderia se usar “mentiras
brancas” como não ter encaixado no rosto, ficar folgado ou apertado. Isso não é
possível com o parceiro que costuma requisitar que seja provado no momento em
que se entrega, está ansioso para analisar como ficará, faz diversas perguntas e por
terem uma convivência diária maior costumam reconhecer mentiras ou não.
Márcia é uma cliente que decidiu trocar os óculos que seu noivo lhe deu, mas
até o último segundo no caixa ela ainda estava apreensiva. Enquanto procurava,
gostou muito de um modelo, mas estava determinada a trocar apenas a cor, para
70
parecer menos ofensivo com ele. Um máscara branco foi a cor que ganhou, e trocou
por um roxo escuro, quase preto que seria mais discreto, afinal, mesmo gostando do
primeiro, ele não era funcional por ser chamativo e não combinar com muitos looks
quantos ela queria. Por fim, o levou, dizendo como um mantra a todo tempo: “tomara
que ele goste, tomara que ele goste!”.
Imagem 19 – Modelo Máscara Branco.
Para facilitar essas escolhas e trocas que a Chilli Beans aderiu ao vale-
presente. Contudo, ele é pouco usado, apenas durante o Natal que sua procura
cresce por ser a época em que os indivíduos tem menos tempo e mais pessoas para
presentear, algumas até que não possuem intimidade e proximidade para
reconhecer os gostos. Esse recurso quase não é recomendado pelos vendedores,
os quais também preferem ganhar uns óculos e depois trocarem. Pois, admitem
querer ver o gosto de quem presenteia, se se aproximará do seu, a qualidade e qual
a intenção do presente.
Eles oferecem apenas quando percebem que é necessário para não
perderem a venda totalmente. Assim, certa vez foi oferecido a um freguês que
procurava algo para a namorada, mas sem motivo de data comemorativa, e ele
arregalou os olhos, ficou um pouco emburrado e disse: “não mesmo! Ela me mataria
depois”. Esse mesmo comportamento foi repetido por outros indivíduos.
71
Imagem 20 – Vales-Presentes.
Os óculos como presentes são muito usados por serem úteis, todos
possuírem, precisarem e o preço estar na média de outros itens intermediários que
são usualmente comprados com esse mesmo intuito. Os clientes consideram um
valor justo pela qualidade, durabilidade e o agrado ao outro. Pois, mesmo não sendo
abusivos como o de outras marcas que custam em torno de 800 reais, eles não são
baratos e ao alcance de todos.
A questão do preço é uma das características principais de um presente, pois
mesmo ao se comprar pensando em agradar ao outro e com desejo de demonstrar
carinho, ternura e tantos outros sentimentos, espera-se em troca que na próxima
ocasião se receba algo semelhante, em qualidade, utilidade e valor monetário, o
qual está relacionado diretamente aos dois primeiros.
Portanto, retribuir um presente no mesmo padrão é esperado não somente
por quem o receberá quanto por quem o dará, afinal, esse é um meio de manter seu
prestígio social e a fama de que “ele sempre dá presentes muito bons”, frase
cotidianamente dita por clientes que iriam a loja escolher algo para presentear,
mesmo sem ser em datas comemorativas, especialmente os casais.
Assim, a teoria da dádiva de Marcel Mauss, em sua obra, Ensaio sobre a
Dádiva (2003), pode atualmente na cultura ocidental capitalista ser tão bem aplicada
72
quanto o foi em sua época, de modo que, a procura demorada e difícil ao escolher
um presente se deve a esses fatores, que além do mero valor monetário deve
exprimir seu afeto para com quem o receberá.
3.4 SIMBOLISMO
O afeto existe não somente pelas pessoas com as quais e para as quais se
compra, mas também com o que se compra.
O que realmente importa é a história da interação, as associações que as
pessoas têm com os objetos e as lembranças que elas evocam (NORMAN;
2008: 66).
Segundo Mary Douglas e Baron Isherwood (2004) os objetos não têm
significados em si mesmos, suas denotações estão nas relações ocasionadas a
partir deles e com eles. Por isso, para Appadurai (2008), assim como as pessoas
eles têm vida social, eles interagem e permitem interações, como no evento ocorrido
com o cliente Saulo que procurava um relógio específico, mas ao verificarem no
sistema perceberam que era um modelo do ano passado e que certamente ele não
acharia para comprar.
Com a notícia ele insistiu pedindo para confirmarem em outras lojas até
mesmo de outras regiões do país, pois ele queria muito e somente essa peça. Até
que começou a contar a história do dia em que cavalgava, o animal se assustou,
empinou e o derrubou. O cavalo então deu um coice em seu punho, que por estar
usando esse relógio que procura ele se quebrou em pedaços na hora, mas não teve
nenhum problema nos músculos ou ossos. E ainda, conforme o médico lhe explicou,
se ele estivesse sem o acessório o que houve com ele teria acontecido exatamente
com o seu membro e mesmo muitas cirurgias e pinos não resolveriam mais a
situação. Desse modo, ele buscava outro igual para ter para sempre guardado, pois
considera que “esse relógio salvou minha vida”.
Logo, esse bem simboliza um evento especial na vida dele, de modo que
Saulo se afeiçoou a ele pelo o que ele representa, pela emoção que lhe traz, um
73
afeto com o objeto. Assim como ele muitas outras histórias de apego à mercadoria
foram escutadas, dentre elas a da freguesa Janine Nayara.
Ela ganhou dois óculos do namorado ao se encontrarem após a compra na
praça de alimentação do shopping. Apesar de feliz com a surpresa e o bom gosto
dele – esse é um dos episódios em que, segundo ela, ele compra tudo para ela e
sempre acerta, pois considera que ele a conhece bem – pediu que voltassem à loja
para que ela fizesse a manutenção de um aviador de Alexandre Herchcovitch que
ela possui há dois anos.
O motivo do pedido é que para ela, mesmo ao comprar muitos outros depois
desse ela não consegue abandoná-lo. Ele foi seu primeiro óculos da marca e por
usá-lo tanto está desgastado com as hastes bem abertas, mas:
vou continuar usando até que não tenha mais como mesmo! Meu namorado
me deu esses dois dizendo que era para ver se eu parava de usar esse e
também porque a gente vai viajar e ele tá feio e tem que tá mais
apresentável né, mas não consigo.
A importância dele não está relacionada a nenhum evento importante como o
de Saulo, mas ao afeto pelo seu uso diário. Esse acessório é para ela o que mais
usa por ser o que sempre combina com seus looks, com o tom de seu cabelo, que
fez luzes recentemente e fica ainda mais iluminado quando os usa, e pela
adequação no rosto. O qual é por sinal outro fator destacado por Jéssica Nayara,
que disse ficar cada vez melhor o encaixe após por estar abrindo nas laterais de
metal, ele está caído no nariz de um jeito que ela prefere mais do que antes e “dá
um ar glam”.
Essa percepção de feio ou velho não atinge o que Jéssica sente pelos óculos
e até usa sua degradação como meios de estimá-lo. Para Lipovetsky:
Gostamos de coisas atraentes por causa do sentimento que elas nos
proporcionam. E no domínio dos sentimentos, é tão razoável se afeiçoar e
amar coisas que são feias quanto o é não gostar de coisas que seriam
chamadas de atraentes. As emoções refletem nossas experiências
pessoais, associações e lembranças (LIPOVETSKY; 1997: 68).
Esse afeto que vai além do sacrifício das mães, da “inveja boa” das amigas,
do romance dos casais e da emoção com o objeto que se possui é devido a uma
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palavra falada todos os dias, várias vezes pelos interlocutores, clientes e
vendedores que é o amor.
O amor à primeira vista pelos óculos, o amor pelo novo objeto adquirido,
abandonando imediatamente o que possuía, ou o amor pelo novo objeto que ainda
assim não substituirá o anterior, o amor demonstrado entre os indivíduos no
momento da compra, o amor pelo outro querendo agradá-lo e até mesmo o amor
pelo simples ato de comprar, para se distrair e relaxar e demonstrar seu amor
próprio, como alguém que merece se presentear depois de ter trabalhado todo o dia.
Portanto, as mercadorias simbolizam desde representações sociais até
sentimentos, significando e ressignificando a vida dos sujeitos e suas relações:
É assim que deve se dar a compreensão de seu sentido: como algo que
sinaliza, que aponta cotidianamente direções, significados e instrumentos
de julgamento [...] (BERGAMO; 1998).
Enfim, essa palavra tão banalizada, porém muito corriqueira, faz esse bem
possuir algum valor além do mero consumo irracional e inconsciente por puro
desejo, mesmo que seja apenas para explicar e convencer a própria pessoa de que
ela não precisa de outros óculos, mas ela amou esse, então o comprará mesmo
assim, se baseando nesse sentimento. O qual, dura poucos segundos para uns,
anos para outros, enquanto o possuir, mantendo-o com cuidado para que ele pareça
necessário para sua felicidade ou mesmo sem possuí-lo mais (FEATHERSTONE,
1995).
Portanto, os bens de consumo são símbolos das relações sociais e
construtores delas. Isso porque, através da compra diversas interações são geradas
e aprimoradas. Geradas, pois acontece o relacionamento entre vendedor e cliente,
que se conhecem e estabelecem uma relação profissional com o objetivo comum de
realizar uma compra bem sucedida. Aprimoradas, pois quando se compra
acompanhado ou se presenteia, a pessoa está se reconhecendo e também,
reconhecendo o outro e suas preferências. De tal forma que, sentimentos de apreço
e desapreço surgem e são expostos durante a escolha do bem que se comprará.
Logo, esses sentimentos são simbolizados de diversas maneiras, como pelo
afeto de quem adquiriu um bem visando presentear alguém, ou pelo sacrifício dos
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pais que compram para os filhos em detrimento de si mesmos, ou ainda pelas
amigas que, intencionalmente ou não, atrapalham ou ajudam na compra.
Assim, o consumo pode ser compreendido como um ato de afeto, permeado
de emoções, as quais o objetivo final não é adquirir apenas um objeto, mas expor
seus sentimentos através dele (MILLER; 2007).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas sociedades urbanas contemporâneas, o consumo é um fenômeno
fundamental e intrínseco da vida social. A partir da análise dessa etnografia com
bibliografias clássicas e contemporâneas, foi possível compreender os hábitos do
consumidor e dos vendedores, personagens principais dessa prática cotidiana.
Com o caso analisado, diversas variáveis já esperadas sobre o porquê se
consome foram apontadas, tais como: ser um meio de se distinguir fisicamente e por
estilos, de modo que ao mesmo tempo em que se consegue pertencer a um grupo
social com símbolos semelhantes aos seus, ou almejar pertencer a esse grupo, é
também um fator de exclusão a grupos com essas diferenças. Uma vez que, ele
classifica social e culturalmente os indivíduos, distinguindo-os, mas também,
representando-os em uma classe, uma faixa etária, um estilo ou uma profissão. Há
que se falar ainda, do consumo ser guiado por trocas de informações, ou seja,
conhecer alguém que possui o produto, e o recomenda tanto pela qualidade, quanto
por outros fatores de satisfação.
Mas, no caso da Chilli Beans, foram percebidos outros fatores que
ocasionaram a compra dos óculos, em especial, os significados de valores
simbólicos. Isso porque, ao se analisar o consumo não apenas como o ato da
compra em si, mas como uma ação que começa desde o momento em que se
pensa em ter uma mercadoria, e se planeja comprá-la, até o uso do produto
posteriormente, essas ações são guiadas por emoções e sentimentos. Perpassados
tanto pela vontade de agradar ao outro quando se presenteia, o que gera até
sacrifícios, quanto em querer agradar a si mesmo, ou ao outro em um contexto da
compra pessoal, em que esse outro se satisfaz ao contemplar o individuo realizado e
contente com sua aquisição. Ainda, em uma percepção mais profunda, há o
simbolismo dos produtos consumidos, um sentimento pelo objeto que se possui,
devido a lembranças que ele remete e um afeto pelo o que ele denota.
Esses sentimentos, nem sempre são positivos, de modo que a inveja se
destacou como um impedimento à compra, em muitos casos, e em outros, foi um
obstáculo que gera atrasos na efetuação da venda. Isso porque, pelo desejo de
querer o que o outro pertence ou que ele não adquira um novo objeto que permitirá
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que ele se destaque no grupo, os amigos argumentam se opondo à qualidade e
beleza do produto.
A insegurança ao se obter o objeto é outro fator negativo, causado pela
necessidade que possuímos de agradar a nós mesmos, mas também ao outro que
nos acompanha, que presentearemos ou que simplesmente desejamos a
aprovação, como no caso dos casais de namorados. Sendo mais esse sentimento,
uma consequência do processo de compra.
Assim, com os dados da pesquisa de campo esperados e os inesperados,
apresentados pelos sujeitos agentes da observação, agregados aos dados sobre a
marca e sua história, o entendimento sobre o consumo em si foi abrangido, mas ao
mesmo tempo, surgiu outro questionamento que também pretendia que fosse
solucionado: que mercadoria são os óculos? Uma vez que, o objeto é um mero
objeto, passando ao status de mercadoria, apenas quando é consumido, pois é
classificado e ressignificado pela cultura que o estabelece assim.
Contudo, essa mesma cultura impõe significado ao que é consumo e
consumismo, ao definir a quantidade aceitável de óculos para se possuir ou se
comprar de uma única vez, causando espanto tanto pelo excesso, quanto pela falta.
Fazendo com que, a efemeridade se torne algo específico e diferenciado nesse
caso, em que a relação de quantidade de óculos que se possui é inversamente
proporcional ao tempo de uso do produto.
Portanto, com as análises feitas a partir dos informantes e da observação
participante, concluo que a marca não almeja vender apenas os óculos, como meros
protetores visuais, mas, vender acessórios de moda utilizados para compor estilos e
combinar com peças de moda, vender o sonho de beleza, vender a felicidade, que
estão intrínsecos ao que o objeto reflete, de modo a representar desde o humor de
quem os usa em determinado dia como ao grupo social que se pertence.
Logo, o consumo de óculos é mais um comunicador social por permitir que
relações sociais ocorram entre vendedores e clientes, e compradores e
acompanhantes, principalmente. Sendo um meio de expressar opiniões, emoções,
classificações sociais e reconhecimento de nós mesmos e de nossas preferências.
78
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ANEXO
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http://designinnova.blogspot.com.br/2012/04/editora-campus-lanca-livro-sobre-
os.html. Acessado a: 20/04/2013.
Imagem 2 – Autógrafo. Fonte: Danyelle Dias (2013).
Imagem 3 – Partes dos Óculos. Disponível em:
http://www.centrodeolhoslondrina.com.br/dicas_oculos.asp. Acessado a: 20/04/2013.
Imagem 4 – Alexandre Herchcovitch de Madeira. Disponivel em:
http://revistalofficiel.com.br/objeto-desejo-oculos-de-madeira-reaproveitada/.
Acessado a: 20/04/2013.
Imagem 5 – Modelo de Display da Marca. Disponível em:
http://revistashape.uol.com.br/component/blog/120/blog_int/maquina-de-oculos.
Acessado a: 20/04/2013
Imagem 6 – Campanha Publicitária: Para Todas as Espécies. Disponível em:
figura cedida via email por Mirella Benetti, do departamento de Marketing Brasilia.
Acessado a: 09/05/2013.
Imagem 7 – Fachada da Loja Chilli Beans Taguatinga Shopping, Brasília.
Disponível em: http://www.taguatingashopping.com.br/lojas/chilli-beans/. Acessado
a: 20/04/2013.
Imagem 8 – Quiosque Chilli Beans. Disponível em:
http://www.adrisilva.com.br/?p=1814. Acessado a: 20/04/2013.
Imagem 9 – Óculos Espelhados. Disponível em:
http://www.grzero.com.br/oculos-espelhados-absurda-mormaii-chilli-beans/.
Acessado a: 20/04/2013.
Imagem 10 – Campanha Publicitária: Décadas. Disponível em:
http://www.google.com.br/search?hl=pt-
BR&site=imghp&tbm=isch&source=hp&biw=1280&bih=600&q=%C3%B3culos+espel
hado&oq=%C3%B3culos+espe&gs_l=img.3.0.0l10.1540.2900.0.4009.11.7.0.4.4.1.23
82
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