UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
VINICIUS GHIZINI
PROLETÁRIOS NA PAZ:
A PARTE XIII DO TRATADO DE VERSALHES E AS LEIS DO
TRABALHO NO BRASIL
(1919-1926)
CAMPINAS
2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa da Dissertação de Mestrado, composta
pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 15 de
dezembro de 2015, considerou o candidato Vinicius Ghizini aprovado.
Prof. Dr. Michael McDonald Hall (IFCH-UNICAMP)
Prof. Dr. Samuel Fernando de Souza (DIEESE)
Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva (IFCH-UNICAMP)
A Ata da Defesa, assinada pelos Membros da Comissão Examinadora, consta no
processo de vida acadêmica do aluno.
Aos meus pais, Sonia e Ismar,
por acreditarem em toda esta história
Ao Dainis e à Gláucia,
por transformá-la.
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação só foi possível graças ao carinho e cuidado de muitas pessoas que
estiveram ao meu lado nesta trajetória.
De Dainis Karepovs vieram o tema e presentes imprescindíveis: livros e mais livros.
Vieram, também, desde os tempos do Centro Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação
Perseu Abramo, os maiores ensinamentos sobre o ofício do historiador.
Tive em Gláucia Fraccaro o maior apoio, do início ao fim. Agradeço pelas longas
conversas, sugestões, apontamentos, debates e, sobretudo, por despertar em mim o
entusiasmo pela História Social. Posso afirmar com segurança que sem ela não haveria a
presente Dissertação.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Michael McDonald Hall, pelos ensinamentos, presteza,
paciência e pelas saudações bibliográficas.
É verdade que, neste processo, muitas vezes, eu não estive onde e quando deveria estar.
Michael McDonald Hall, por sua vez, sempre esteve no lugar e na hora certa, pronto
para oferecer os melhores caminhos.
Aos membros da Banca Examinadora, tanto de qualificação quanto de defesa,
Professores Doutores Fernando Teixeira da Silva, Samuel Fernando de Souza, Claudio
Henrique de Moraes Batalha pelos firmes apontamentos, por diminuírem meu ímpeto
conclusivo, corrigirem as rotas deste trabalho e pelas valiosas contribuições ofertadas.
Essa interlocução foi decisiva para os resultados aqui apresentados.
Aos funcionários da Biblioteca do Senado Federal, na pessoa da Subsecretária de
Pesquisa e Recuperação de Informações Bibliográficas, Maria Neves de Oliveira e
Silva, assim como a todos os funcionários do AEL e do Arquivo do Estado de São
Paulo.
Ao CNPq, por ter possibilitado esta pesquisa.
Aos professores e colegas de Graduação do Departamento de História da Universidade
de São Paulo (USP), fundamentais para a formação de minha experiência e consciência.
Faço questão, também, de mencionar meus amigos Gilnei, José Mauro, Guilherme e
Wesley, pelo abrigo e companhia na metrópole paulistana. Ao Mateus Bianchim e
Lucas Berga, pela amizade de todas as horas. Aos meus alunos, pela renovação semanal
da esperança.
A Juraci Carreon Beraldi, pela leitura atenta e sugestões exatas e a Milena Gomes,
promissora historiadora que compartilhou comigo um dos mais importantes momentos
de descoberta desta pesquisa.
Agradeço, especialmente, aos meus companheiros de luta e caminhada, Moacir Romero,
Marcelo Moro, Matheus, Marcel, Felix, Grasiele e Cíntia, pela compreensão nas horas
em que mais precisei, e por construírem, cotidianamente, na prática, uma sociedade
mais justa, fraterna e solidária.
À Kennya, pelos sonhos que partilhamos.
À minha família, Sonia, Ismar e Mariana Ghizini, pelo incondicional apoio e amor.
Aos proletários de todo o mundo por, na guerra e na paz, fazerem a História.
− Como resumiria você a situação dos
operários na paz?
Essa pergunta, feita por um jornalista a
um político, obteve a seguinte resposta:
− Os operários são a pedra em que se
assenta a paz.
João do Rio
(1919)
Resumo
O Tratado resultante da Conferência de Paz de Paris, em 1919, incluiu em seu texto
final artigos concernentes ao direito social e às questões do trabalho. Esta pesquisa tem
como objetivo identificar os desdobramentos da Parte XIII do Tratado de Versalhes nas
discussões que orientaram parlamentares e o movimento operário brasileiro na Primeira
República. Para tanto fez-se uso de fontes como a imprensa operária e grande imprensa
de São Paulo e Rio de Janeiro, atas e compilações de debates parlamentares, decretos e
mensagens do Poder Executivo, correspondências diplomáticas e documentos
publicados por organismos internacionais, em especial a Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
Palavras-Chave: Tratado de Versalhes - 1919; Movimento Operário; Organização
Internacional do Trabalho.
Abstract
Articles concerning social law and labor issues were included in the final version of the
treaty resulting from the Peace Conference assembled in Paris, 1919. With this research
I aim at identifying the repercussions of Part XIII from the Versailles Treaty regarding
the discussions that influenced members of the parliament as well as the Brazilian labor
movement during the First Republic. For this purpose I analyzed sources such as the
labor press and the mainstream press from São Paulo and Rio de Janeiro; parliament
minutes and debate compilations; messages and decrees from the executive; diplomatic
correspondence and documents released by international agencies - mainly the
International Labor Organization (ILO).
Keywords: Versailles of Treaty - 1919; Labor Movement; International Labor
Organization.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AFL American Federation of Labour
BIT Bureau Internacional do Trabalho
CIB Centro Industrial do Brasil
CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
CIT Conferência Internacional do Trabalho
CLS Comissão de Legislação Social
CNT Conselho Nacional do Trabalho
DET Departamento Estadual do Trabalho
DNT Departamento Nacional do Trabalho
DOU Diário Oficial da União
IFTU International Federation of Trade Unions
ILO International Labour Office
OIT Organização Internacional do Trabalho
PCB Partido Comunista do Brasil
SDN Sociedade das Nações
SFIO Section Française de l'Internationale Ouvrière
TV Tratado de Versalhes
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 13
CAPÍTULO I DIREITO DO TRABALHO, A ÚLTIMA MODA EM PARIS.... 28
1.1. Paris, 1919................................................................................................................ 28
1.2. Paz e Justiça: do direito social às leis do trabalho................................................ 39
1.3. A Parte XIII.............................................................................................................. 44
1.4. A delegação brasileira na Conferência de Paz em Paris........................................... 52
1.5. Notícias da Conferência de Paz: as leis do trabalho na imprensa brasileira............ 58
CAPÍTULO II A CÂMARA DOS DEPUTADOS E A COMISSÃO DE
LEGISLAÇÃO SOCIAL (1918-1926).........................................................................
61
2.1. A constituição das Bancadas.................................................................................... 61
2.2. O Pecado Original e a Católica Pacificação............................................................. 67
2.3. As exceções tropicais: o Brasil na Conferência de Washington.............................. 76
CAPÍTULO III ALBERT THOMAS E A POLÍTICA DA PRESENÇA............. 93
3.1. A OIT e a Política da Presença................................................................................. 93
3.2. O Socialismo de Albert Thomas............................................................................... 96
3.3. A política da presença chega ao Brasil..................................................................... 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 115
ARQUIVOS.................................................................................................................... 121
FONTES......................................................................................................................... 122
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 125
13
INTRODUÇÃO
Esta dissertação começa na galeria de espelhos do Palácio de Versalhes, em
1919, e termina com as manifestações operárias no Rio de Janeiro e São Paulo, em
1926. Não sem antes passar por Washington, Genebra e pelo Congresso Nacional
Brasileiro. Nesse trajeto, a impetuosa ponte que liga o salão nobiliárquico à classe
trabalhadora é a luta por direitos.
No cômputo final da Primeira Grande Guerra (1914-1918) não restou
apenas mortos e feridos embora eles houvessem como nunca dantes mas, também,
conflitos nacionais, geopolíticos e sociais de difícil solução. Assim, a Conferência de
Paz, além de cuidar de espólios e fronteiras, incluiu um capítulo específico sobre
“trabalho” no acordo que viria a ser assinado pelas partes beligerantes. Eis uma
peculiaridade do Tratado de Versalhes.
De que forma um tópico sobre legislação internacional do trabalho foi parar
ali? Como esse debate chegou ao Brasil? Quais foram os segmentos do mundo jurídico,
parlamento e movimento operário que o rejeitaram decididamente ou fizeram uso dos
termos do Tratado de Paz como base para suas demandas?
Tais questionamentos sugerem um itinerário que passa pelo grau de
organização dos trabalhadores nos anos 1920 e a gênese de sua identidade. Claudio
Batalha discutiu como certas interpretações sobre a formação da classe trabalhadora no
Brasil foram marcadas pela percepção de uma “atipicidade”, ou seja, que os
trabalhadores no Brasil guardavam significativas diferenças em relação ao operário
modelar, descritos em textos clássicos europeus. Isso se devia, em parte, a “busca de
modelos justificadores e legitimadores de suas opções ideológicas e [...] estratégia
sindical”, por parte das correntes que atuavam no movimento operário1. Ao buscarem
referência no “típico” trabalhador industrial de sociedades europeias “avançadas”, esses
militantes e aqueles que adotaram seus discursos subestimaram o estágio de
desenvolvimento da classe trabalhadora no Brasil e, consequentemente, sua capacidade
de intervenção organizada. Ocorre que, como demonstra o autor, sequer os
1 BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920):
atipicidade ou legitimidade. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH-Marco Zero, v. 12,
n.23/24, set.1991/ago,1992, p. 117.
14
trabalhadores europeus se encontraram nesse estado “típico”, modelar, com uma forma
pronta e acabada.
A contribuição de Claudio Batalha, nesse sentido, é fundamental para a
superação da busca pelo modelo ideal da classe trabalhadora sob a ótica estrangeira,
bem como, ajuda a compreender o movimento operário nos anos 1920 para além de
seus determinantes estruturais. Um dos principais desafios para os estudos sobre os
primeiros anos dessa década se encontra exatamente na série de limitações (sociedade
majoritariamente rural, economia cafeeira, incipiência das organizações sindicais,
trabalhadores estrangeiros) apontadas por análises como a de Boris Fausto:
É certo que as reivindicações ganharam ressonância ao se produzirem
em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Santos que, em grau
variável, desempenhavam um relevante papel político, comercial e
administrativo. Mas, como o peso da urbanização era relativo e não só
o eixo básico da economia como a fonte de poder das oligarquias se
concentrava fundamentalmente no campo, a massa urbana ficava
ilhada nos muros ideais da cidade, com escassas condições capazes de
alterar a correlação de forças entre as classes. Duas outras dimensões
estruturais devem ser levadas em conta no primeiro período da
formação da classe operária. Uma diz respeito às condições de oferta
do mercado de trabalho. Outra, à composição étnica da classe, com
predominância de estrangeiros2.
A leitura de que determinantes estruturais limitavam a atuação dos
trabalhadores e impediam sua efetiva organização pode sugerir que no período não
havia condições objetivas para a consolidação dos trabalhadores enquanto “classe capaz
de alterar a correlação de forças”, condições essas, vale reiterar, baseadas em um ideal
europeu. Batalha, por sua vez, demonstra que antes mesmo da década de 1920 já havia,
em diversas categorias, uma identidade comum que conferia legitimidade de classe a
esses trabalhadores e, acima de tudo, a própria consciência de classe se consolidava na
medida em que ampliavam as experiências de associações operárias. Desse modo:
A associação operária é a materialização da experiência comum no
decorrer da qual se constrói a identidade coletiva; mas é, ela própria,
um fator de reprodução dessa identidade. Isso não significa que o
surgimento de uma identidade de classe e da consciência em
determinada categoria ou grupo de trabalhadores só possam ser
2 FAUSTO, Boris. A Formação da Classe Operária: determinações estruturais. In: Trabalho urbano e
conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1977, p. 21-22.
15
constatadas a partir de sua organização: elas se fazem presentes em
toda e qualquer manifestação de ação coletiva. Ocorre, porém, que no
ato de criação da organização se evidencia a vontade de estabelecer
uma identidade coletiva3.
Do mesmo modo que a consciência e a identidade se fazem presentes em
todas as manifestações de ações coletivas de trabalhadores, a luta por direitos
empreendida por esses grupos, ainda que limitada pelas condições estruturais da
sociedade brasileira do início do século XX, cumpria sua função de “arena para a luta de
classes”4, se não capaz de alterar a correlação de forças, suficiente para colocar em cena
a questão do trabalho.
Em certo sentido, a promulgação do Tratado de Versalhes e as demandas
por ele desencadeadas nos sindicatos e no parlamento têm sintonia com o que Dorothy
Thompson expressou a respeito de lutas paliativas:
A ideia de que o progresso da história estava definido pela
necessidade de derrubar o capitalismo e instalar uma sociedade sem
classes levou à percepção de que as únicas ações válidas da classe
trabalhadora eram aquelas que contribuíam para tal resultado5.
As conclusões da Parte XIII do Tratado de Versalhes, assim como, em um
momento posterior, as orientações e convenções da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), foram diversas vezes interpretadas como frágeis por aqueles que já
acompanhavam os debates sobre legislação do trabalho. A percepção de grupos mais
radicalizados do movimento operário era de que essas instituições surgiam fadadas a
serem tolhidas pelos próprios limites que se impunham, pois estavam calcadas em
valores abstratos como “conciliação”, “pacificação” e “harmonia nas relações de
trabalho”. Assim, a desconfiança com a qual parte do mundo do trabalho recebeu as
notícias do Tratado de Versalhes se amparava na acusação de que o mesmo era produto
dos mesmos grupos nacionais e internacionais responsáveis pela incessante exploração
dos operários.
A partir desse momento, no entanto, o argumento de que o Estado deveria
intervir na questão social para evitar maiores convulsões e mesmo revoluções sociais,
passa a ser abertamente defendido por juristas como Evaristo de Moraes, e por
3 BATALHA, 1992, p. 123. 4 THOMPSON, Edward Palmer. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 110. 5 THOMPSON, Dorothy. Marxismo e História. Cadernos AEL. Vol. 11, N. 20/21, 2004, p. 214.
16
parlamentares que simpatizavam com a causa operária, contrastando com a clássica
leitura de que os conflitos entre capital e trabalho seriam ajustados naturalmente.
Kazumi Munakata discutiu a força de iniciativa que o poder Legislativo teve diante das
questões trabalhistas ao longo dos anos 1910, ao passo que o Executivo adotava posição
de extrema cautela sobre o tema.
A partir de 1919 e da publicação do Decreto Nº. 3724, de 15 de janeiro de
1919, conhecida como a lei de acidentes de trabalho, a atividade parlamentar nesse
campo se intensificou6 e, apesar da desconfiança em relação aos pressupostos do
Tratado de Versalhes, houve reconhecimento de que o tema entrava na ordem do dia.
De acordo com Munakata:
Estas duas questões – o perigo da revolução e a ameaça da guerra –
constituem, portanto, os dois eixos sobre os quais o liberalismo
ortodoxo vai se deslocando. Tanto a relação entre as classes, quanto
entre os países não podem mais ser abandonadas na sua liberdade;
pelo contrário, em nome da harmonia social e da paz entre os povos,
elas devem ser reguladas, coordenadas e fiscalizadas, seja pelo próprio
Estado, seja por algum organismo internacional, como a Liga das
Nações7.
Em que pese o debate sobre “liberalismo ortodoxo” exigir mais atenção e
problematização, Munakata consegue captar que o poder legislativo encaminhou as
questões sociais, antes mesmo do poder executivo assumir esse debate:
Se o poder executivo ainda é cauteloso em operar tais rearranjos (por
exemplo, não há nenhum registro de repercussão direta do Congresso
Operário de 1912 na esfera governamental), no poder legislativo
começam a ecoar vozes que destoam [...] estes deputados apontam a
ausência de uma legislação protetora como causa das agitações
operárias [...] o estado deve intervir ‘positivamente’, buscando
conciliar, como árbitro, os interesses conflitantes8.
A iniciativa legislativa também guardava relação com a conjuntura política
que a república atravessava, visto que o processo de sucessão presidencial havia sido
marcado por uma queda de braços entre as oligarquias regionais e isso causara reflexos
no governo de Epitácio Pessoa (1919-1922) e em sua relação com o parlamento. De
acordo com Cláudia Viscardi, “o fato de Epitácio derivar de um estado politicamente
6 MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 32. 7 Ibid., p. 34. 8 Ibid., p. 30.
17
frágil e ter tido sua eleição garantida pelos médios e grandes Estados da Federação,
interpunha limites claros ao exercício de seu poder”9. O alinhamento entre as
oligarquias de Minas Gerais e São Paulo, de um lado e Rio Grande do Sul e Bahia de
outro, segundo a autora, ocasionou momentos de instabilidade e recuos logo no início
de seu governo. Por fim, “dando-se por vencido em duas batalhas políticas no
parlamento10”, Epitácio rendeu-se a Minas Gerais e garantiu forte participação política
de representantes do estado em seu governo. Nesse período da república, portanto, o
papel do parlamento era de bastante peso nas decisões políticas e a prevalência do
executivo, ainda existente, não era tão esmagadora como em outras ocasiões. Embora a
legislação trabalhista não fosse o objeto da disputa entre os grupos políticos da elite, o
fato de ter havido, por algum período, um executivo fraco e um “parlamento em luta”,
mostra que ter ficado circunscrito aos debates parlamentares não diminui a importância
que a legislação de proteção ao trabalho assumia naquele cenário.
Esse ambiente econômico e político, assim como a nova relação entre as
classes que começa a emergir, interferem profundamente nos debates parlamentares e
nas lutas do movimento operário objetos desta pesquisa. A mobilização operária, a
pressão social causada pelos movimentos grevistas e a agitação política tinham grande
capacidade de pautar os parlamentares mais ligados às questões sociais e, ao mesmo
tempo, de forma reativa, provocar o governo a tomar atitudes para evitar o acirramento
de conflitos e não causar prejuízos financeiros. Pairava, além disso, o temor de que a
convulsão social levasse a uma situação revolucionária. De tal modo, os capitalistas
internacionais e os poderes locais estariam mais propensos a ceder dentro de certo limite
e, ainda, mantendo controle da situação.
Antes disso, a criação do Departamento Estadual do Trabalho (DET) em
São Paulo no ano de 1911 e, em 1918, o surgimento do Departamento Nacional do
Trabalho (DNT) eram indícios de que a questão do trabalho não se restringia a questões
migratórias ou de ordenamento econômico. O historiador Marcelo Chaves considerou o
surgimento do DET uma mostra do “impulso legislativo” voltado para a “proteção” do
trabalhador, o que indica interesse do governo em atenuar o conflito de classes já
naquele período pré-guerra. Chaves afirma que:
9 VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com
leite”. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 259. 10 Ibid., p. 260.
18
A história da República Velha é marcada pela tênue interferência do
Estado nas relações de trabalho, contrariamente ao intenso
intervencionismo estatal desde a chamada Revolução de 1930, fato
que não se pretende contrariar. No entanto, esse contraste faz com que
os instrumentos estatais do pré-30 tenham a sua existência nublada,
enfraquecida, desmatizada, e as suas expressões, sob a forma de
instituições, apareçam como estágios ‘embrionários’ ou formadores de
algo que se ‘amadurece’ até ganhar forma definitiva11.
A pouca eficácia do DET/SP nos primeiros anos, não obstante, “serviu para
consolidar a concepção intervencionista naqueles dirigentes de segundo escalão do
aparelho de estado”12, o que evidencia que, mesmo considerados como “embrionários”,
as décadas de 1910 e 1920 tiveram influência na formação das instituições que
ganhariam fôlego a partir dos anos 1930, inclusive nos métodos de trabalho de seus
servidores.
Nesse sentido, é fundamental compreender o crescente processo de
“judicialização” de questões do trabalho ocorrido na década de 1920, principalmente
após o Decreto Nº. 16.027, de 30 de abril de 1923, que criou o Conselho Nacional do
Trabalho (CNT), ligado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Embora
limitado pelo próprio decreto que o criara, atribuindo-lhe o papel de meramente estudar
a questão do trabalho no Brasil, o tema da regulamentação aparecia e abria um campo
de disputa para a classe trabalhadora. A esse respeito, Samuel Souza afirma que:
Era lícito mencionar no decreto temas caros aos legisladores que
pretendiam um processo mais radical de regulamentação como, por
exemplo, a remuneração e horário de trabalho, conciliação e
arbitragem, etc. Mas o limite entre a legislação pretendida por
Maurício de Lacerda e aquela que finalmente entrou em vigor pode ser
apreendido nas palavras do titular da pasta que instalava o Conselho, o
Ministro Miguel Calmon Du Pin e Almeida. Para o ministro, a
questão social ainda não era um problema carente de medidas muito
drásticas13.
O choque entre essas posições, dos defensores da imediata adoção de leis do
trabalho, como Maurício de Lacerda, e os interesses dos industriais, se dará também nas
11 CHAVES, Marcelo Antonio. A Trajetória do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo e a
mediação das relações do trabalho (1911 - 1937). Tese de Doutorado em História. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas - IFICH. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2009, p. 18. 12 Ibid., p. 99. 13 SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicato, Estado e as leis do
trabalho nos anos 1930. Tese de Doutorado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -
IFCH. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2007, p.30.
19
tentativas de influência sobre decisões do CNT. Ainda de acordo com Samuel Souza, a
lei de férias, “reforçou o papel do CNT na intervenção do Estado no âmbito das relações
do trabalho”14. Na medida em que o CNT era acionado com mais frequência, maiores as
suas atribuições, não apenas no tocante à fiscalização como, também, na garantia de
execução de leis do trabalho. Pode-se afirmar que as discussões em torno da
regulamentação ganharam mais destaque a partir de 1923, quando os trabalhadores
passaram a recorrer ao CNT para afiançar a aplicação da “Lei Elói Chaves”15, que
estipulara a criação de fundos para aposentadorias e pensões nas companhias
ferroviárias, garantindo benefícios básicos aos trabalhadores e, sobretudo, estabelecera
que após dez anos de serviço na mesma empresa o empregado só poderia ser demitido
se cometesse falta grave. Assim, “quando o debate sobre a adoção de uma legislação
trabalhista se intensificou no Brasil, os ferroviários foram os primeiros a serem
lembrados pelo poder público”16.
O processo de “judicialização” apontado por Samuel de Souza, portanto,
crescia de acordo com o número de leis do trabalho que entravam em vigor e também
com o aumento da demanda aos órgãos incumbidos de tratar dessas questões, ainda que
tivessem o raio de atuação limitado pela abrangência geográfica de cada órgão. No
entanto, há que se ressalvar que esse processo ocorreu ao longo dos anos 1920 e tomou
fôlego durante o Governo Arthur Bernardes, mas era ainda embrionário no momento da
recepção dos termos do tratado de paz de Versalhes, anos do governo de Epitácio
Pessoa (1919-1922). Esse primeiro período, dos últimos meses de 1919 até 1923 até
então mais explorado pelos estudiosos do ponto de vista da organização do que das leis
se apresentou como um desafio para esta dissertação.
Para a apresentação da documentação analisada propõe-se a separação em
quatro grupos, de acordo com o corpus documental utilizado nesta pesquisa. São eles: a)
documentos produzidos pelo poder público; b) grande imprensa; c) imprensa e
documentos produzidos pelo movimento operário; d) documentos produzidos por
instituições internacionais.
14 Ibid., p. 40. 15 Ibid., p. 29. 16 FRACCARO, Glaucia. Verbete “Lei Elói Chaves” - Caixa de Aposentadoria e Pensões de Estradas de
Ferro. Dicionário Online. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(CPDOC). Fundação Getúlio Vargas, 2015.
20
a) Os Decretos, mensagens presidenciais, Diário Oficial e atos do Poder
Executivo estão em grande parte publicados, acessíveis e digitalizados. A leitura desses
documentos contribuiu para mapear a repercussão do Tratado de Versalhes e da
inserção da questão social no discurso oficial. O Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro,
dá acesso ao “Fundo Institucional Gabinete da República”. Ali foram encontradas pistas
sobre a participação brasileira na Conferência de Paz e em Washington, principalmente
no tocante à chefia de delegação e posterior governo de Epitácio Pessoa17.
Embora alguns estudos, em sua maioria com viés diplomático, abordem a
Conferência de Paz e a presença da delegação brasileira em Paris, não havia nenhuma
sistematização completa sobre o tema. Foi tarefa desta pesquisa confirmar o número de
delegados, a participação nas comissões, bem como, o interesse que os mesmos tinham
pela questão do trabalho. Os primeiros subcapítulos da dissertação em tela dão conta de
apresentar o quadro geral da participação brasileira, tarefa que pode servir de ponto de
partida para pesquisas futuras.
São, no entanto, as Atas da Comissão de Legislação Social da Câmara dos
Deputados as fontes centrais desta pesquisa. As Atas compreendem 3 volumes e estão
disponíveis para consulta no Centro de Documentação da Câmara dos Deputados em
Brasília. Tal fonte exigiu uma leitura exaustiva e pormenorizada, a fim de compreender
cada discurso, debate e interesse em jogo por parte dos deputados.
A partir dos discursos, principalmente da bancada trabalhista, foi possível
projetar o debate jurídico no instante mesmo da chegada do texto de Versalhes e
acompanhar seus desdobramentos. Além disso, essas discussões refletem ainda que
nem sempre em pleno acordo argumentos apresentados e debatidos em outras esferas.
Os Boletins do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, por exemplo, revelam
a proximidade entre os discursos do deputado Maurício de Lacerda e os textos
publicados por este órgão. O boletim afirma, textualmente, que era momento de lutar
17 O Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro, guarda despachos emitidos pela Chancelaria para as
Missões diplomáticas no exterior e telegramas expedidos e recebidos junto a Organismos Internacionais.
A série que contém instruções a respeito do período aqui abordado, principalmente 1919, não traz
nenhuma novidade em relação ao que se encontra disponível em plataformas digitais e mesmo as trocas
de correspondências com o Ministro das Relações Exteriores foram publicadas em livro. Cf. PESSOA,
Epitácio. Conferencia da paz, diplomacia e direito internacional. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do
Livro. Ministério da Educação e Cultura, 1961.
21
pela “transformação em leis das recomendações sobre as questões sociais aprovadas
pelo Congresso de Paz”18.
b) O passo seguinte foi a leitura dos principais órgãos de imprensa do Rio
de Janeiro (capital da República) e São Paulo (cidade na qual se concentrava grande
número de operários). Sem dúvida, o movimento operário no Brasil não estava restrito a
São Paulo e Rio de Janeiro e, por isso, fez-se uma leitura complementar de periódicos
regionais. Ao Rio Grande do Sul foram dedicados estudos relevantes sobre o mundo do
trabalho, que convergem com o recorte temporal proposto para esta pesquisa19. Em
alguns casos, como nos artigos de Lindolfo Collor, há referências à imprensa fora do
eixo Rio-São Paulo. Com exceção desses casos, foram selecionadas notícias acerca do
tema desta pesquisa nos seguintes órgãos de imprensa: O Paiz, Correio da Manhã,
Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio (Rio de Janeiro) e O Estado de São Paulo
(São Paulo).
c) Por meio da leitura e cruzamento das informações obtidas nos periódicos
A Plebe, Spartacus e Voz do Povo, inicialmente com especial atenção aos dias de 1919
em que repercutiu a Conferência de Paz de Paris e depois, com o acompanhamento do
debate a partir de O Combate, esta pesquisa identificou semelhanças e diferenças na
abordagem desses periódicos frente aos temas desta pesquisa. Igualmente, pelos
registros dos periódicos A Manhã, A Batalha, A Classe Operária e Voz Cosmopolita,
analisou-se a repercussão da visita ao Brasil do Diretor Geral da OIT, Albert Thomas.
Assim pôde ser debatida a polêmica dentro da esquerda e do movimento
operário, a respeito das "conquistas paliativas” representadas pelas decisões
internacionais.
d) O “Projeto do Centenário da OIT”, conduzido pela Organização
Internacional do Trabalho, pretende concluir a divulgação de seu acervo, por meio da
internet, até 2019. De acordo com as diretrizes desse projeto, já em andamento e a
18 BOLETIM DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DO TRABALHO, ano VIII, n. 31 e 32, 2º e 3º
trimestres de 1919. 19 Alexandre Fortes discute, em capítulo sobre o período pré-Vargas, o posicionamento da bancada
gaúcha e do presidente do Estado frente às questões sociais, a partir de 1919. Problematiza o borgismo e
sua relação com o getulismo. Cf. FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito. A classe trabalhadora
porto-alegrense e a Era Vargas. Caxias do Sul/Rio de Janeiro: EDUCS/Garamond, 2004. Sobre greves de
1919 no Rio Grande do Sul - Cf. PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. As greves no Rio Grande do Sul
(1890-1919). In: DACANAL, José H.; GONZAGA, Sergius (orgs.). RS: Economia e Política. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1979.
22
permitir acessos aos documentos, a história produzida sobre a OIT deve,
gradativamente, abandonar o enfoque, quase exclusivo, na Europa e Estados Unidos.
Os recursos básicos dessa ferramenta já permitem acesso integral aos textos
das convenções e recomendações da OIT a partir de 1919, nos quais constam relatórios
de reunião, textos subsidiários às conferências internacionais, relatórios enviados pelos
estados-parte, comentários, lista países signatários e assim por diante. Na base de dados
da ILOLEX (sobre as normas internacionais do trabalho) encontrei resoluções de
conferências internacionais, memórias dos diretores. Em prévio levantamento feito para
essa pesquisa encontrei centenas de documentos, inclusive o relatório de viagem de
Albert Thomas ao Brasil e material para sistematizar as convenções da OIT
referendadas nos países signatários do Tratado de Versalhes.
O recorte temporal para questões tão amplas também é um desafio. O início
em 1919 parece óbvio por ser o ano da assinatura do Tratado de Versalhes, mas, além
dessa obviedade, esse ano foi marcado por eventos importantes para esta pesquisa: a
morte de Rodrigues Alves, candidato eleito à Presidência da República do Brasil;
realização de um processo eleitoral onde a questão social esteve em pauta; agitações
operárias em diversas cidades brasileiras; avanço da Rússia “bolchevique” sobre a
Ucrânia e, por fim, a realização de uma Conferência de Paz em Paris. Nas palavras de
Claudio Batalha, ainda, foi “um momento de extraordinária mobilização coletiva e de
forte organização de classe”20 no Brasil.
A partir dos anos 1930, os organismos de mediação e conciliação que se
firmaram adentraram à esfera da institucionalidade. A alusão ao Tratado de Versalhes,
com efeito, consta em muitos dos discursos e documentos deste período. Dois
documentos merecem destaque: a “Plataforma da Aliança Liberal”21, publicada no ano
de 1930, que criticou o não cumprimento dos compromissos assumidos
internacionalmente pelo Brasil na década passada e o “Decreto Nº 1.398, de 19 de
janeiro de 1937”, relativo ao exame médico obrigatório das crianças e menores
empregados a bordo dos vapores, assinado por Getúlio Vargas meses antes do golpe do
20 BATALHA, Claudio H. de M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed, 2000, p. 14. 21 A “Plataforma da Aliança Liberal” lida na Esplanada do Castelo, em 2 de janeiro de 1930, encontra-se
transcrita integralmente em: BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da história do
Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, vol. 4.
23
Estado Novo e que reproduzia na sua justificativa o texto integral, e em língua francesa,
de artigos da Convenção da Organização Internacional do Trabalho de 1921.
No entanto, fez-se aqui opção por estabelecer o recorte final da pesquisa no
ano de 1926. Em primeiro lugar, porque o Estado brasileiro, por meio de Emenda
Constitucional, de 03 de setembro de 1926, modificou seu Artigo 31 e o parlamento
assumiu a responsabilidade de “legislar sobre o trabalho”, alterando, portanto, a linha de
interpretação aqui proposta22. Também nesse ano o governo brasileiro discutiu o
desligamento da Sociedade das Nações (SDN). Em segundo lugar, porque a partir daí
gestaram-se significativas mudanças tanto das formas de organização da classe
trabalhadora, quanto do Estado e da burguesia.
A dissertação está dividida em três blocos temáticos e três capítulos que
constroem uma narrativa histórica e, ao mesmo tempo, procuram suscitar questões
relativas ao mundo do trabalho e à luta de classes. O primeiro capítulo, Direito do
Trabalho, a Última Moda em Paris, remonta o cenário no qual a legislação do trabalho
foi parar nas mentes dos diplomatas e chefes de estado das grandes e pequenas nações.
Há a preocupação, sem esgotar o tema, de explicar a importância que aquele evento teve
para o concerto das nações, assim como as críticas que ele sofreu da Rússia
revolucionária.
Os objetivos das negociações, a participação da delegação brasileira e os
resultados parciais dos debates foram temas de pouca repercussão na historiografia
brasileira, de modo que a maior parte da bibliografia se deve a relatos de jornalistas e
estudos diplomáticos, muitos deles cuja natureza não permite cruzamentos diretos. No
capítulo em questão há um esforço de sistematização dessas informações.
Recentemente, no âmbito internacional, há maior profusão de livros e até
documentários para a TV sobre a Conferência de Paz. A participação do Brasil na
Conferência de Paz foi discutida em livros e artigos pelo diplomata Eugênio Vargas
Garcia23. Chama a atenção, no entanto, que mesmo para historiadores voltados à
questão social, o tema “trabalho” não foi a principal abordagem da Conferência de Paz,
22 A Emenda Constitucional, de 03 de setembro de 1926, substituiu, entre outros, o texto do artigo 31 da
Constituição Federal de 1891, e definiu como competência privativa do Congresso Nacional legislar
sobre o trabalho. Embora já houvesse leis nacionais, a partir desse momento as mesmas passaram a ser
prerrogativa exclusiva do Congresso Nacional. 23 GARCIA, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926). Porto Alegre/Brasília: Editora
da Universidade/Fundação Alexandre de Gusmão, 2000.
24
ainda que já ocorresse, em diversos países, mobilização pelo estabelecimento de
padrões internacionais de trabalho.
Igualmente, há uma prospecção do assunto na grande imprensa. Nas análises
anteriores dedicadas à imprensa operária e aos primeiros anos do Partido Comunista
do Brasil (PCB), dos sindicatos e das greves tanto a visão do PCB, quanto as visões
anarquistas foram absorvidas pelos estudos posteriores, sem terem passado por uma
problematização. Tiago Bernardon24, por exemplo, indica a rejeição ao Tratado de
Versalhes e seus desdobramentos, por conta das opiniões expressas nos periódicos e
debates nas etapas que precederam o 3º Congresso Operário Brasileiro, em 1920.
Não se deve esquecer que a declaração de princípios deste congresso
estadual foi feita em um contexto em que, nos planos internacional,
nacional e estadual preparavam-se ingerências do Estado para atenuar
o conflito de classes em vista de desviar o operariado da influência
soviética. No plano internacional, ocorreu a Conferência de
Washington, que contou com a participação de representantes
enviados pelo governo brasileiro, para assinar um acordo da recém-
formada Organização Mundial do Trabalho. No plano nacional crescia
a influência de deputados trabalhistas que, na Câmara dos Deputados,
discutiam a pertinência de se elaborar um Código do Trabalho, o que
implicaria numa ingerência direta do Estado na relação
Capital/Trabalho, algo absolutamente abominada pelos anarquistas e
sindicalistas revolucionários, de modo geral25.
No entanto, é preciso explicar como direitos trabalhistas e internacionais
entraram para a ordem do dia a despeito da opinião desses grupos. A negação das
deliberações internacionais conduzidas pelos governos e a permanente denúncia de que
essas leis eram simples atenuantes para desviar a mira das organizações operárias da
revolução social são recorrentes nas páginas de A Plebe, como demonstrado mais à
frente, mas rigorosamente não encerravam a opinião da classe trabalhadora sobre leis e
direitos.
João Tristan Vargas reuniu documentação sobre o período e tangenciou a
questão, porém, à procura de uma ordem liberal, não deu maior atenção à condição
operária26. Com as mesmas poucas fontes que ele utiliza, este estudo procurou situar o
debate do ponto de vista dos trabalhadores. Como sua mira estava direcionada à
24 OLIVEIRA, Thiago Bernardon de. Anarquismo, sindicato e revolução no Brasil (1906-1936). Tese de
Doutorado em História. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro: UFF, 2009. 25 Ibid., p.141. 26 VARGAS, João Tristan. O trabalho na Ordem Liberal: O movimento operário e construção do Estado
na Primeira República. Campinas: UNICAMP/CMU, 2004.
25
compreensão da ordem liberal, o autor manteve a impressão de que a Comissão de
Legislação Social (CLS), principalmente a partir da homologação do Tratado de
Versalhes, foi mais uma oportunidade perdida pelos trabalhadores.
O segundo capítulo, A Câmara dos Deputados e a Comissão de Legislação
Social (1918-1926), concentra seu esforço nos debates em torno da legislação
internacional do trabalho e nos trabalhos da CLS. Essa riquíssima documentação como,
por exemplo, um relatório de cerca de 300 páginas produzido pelo deputado Andrade
Bezerra, ainda foi pouco utilizada. Ângela de Castro Gomes identificou os interesses da
burguesia e do trabalho naquela comissão protagonizada por Maurício de Lacerda.
Nesse sentido, buscou-se trazer à tona aspectos ainda não explorados dessa
documentação, não apenas referentes ao Tratado de Versalhes, mas que ajudam a
compreender melhor quais eram as posições que estavam em jogo e com qual aliado
cada “jogador” poderia contar.
Para um bom entendimento do debate jurídico no período pré-1930, no
Brasil, são indispensáveis os escritos e discursos de Evaristo de Moraes. Sobre o autor,
o exame de Joseli Mendonça foi essencial27. O mesmo vale para os trabalhos de
Arnaldo Süssekind28, para entender a trajetória das leis sociais no Brasil. O estudo sobre
o Direito Social de Antonio Ferreira Cesarino Junior.29, por sua vez, ainda que não
considere relevante o período pré-1930, traz úteis definições das formas jurídicas no
direito social brasileiro. Entre outros, defende o uso da nomenclatura Direito Social por
ser um pleonasmo enfático, ou seja, que reitera a peculiaridade do assunto. Por fim, há
que se consultar Sampaio Dória30 que, em 1922, escreveu um dos primeiros tratados
jurídicos sobre a questão trabalhista no Brasil.
Autores como Paulo Sérgio Pinheiro, Michael M. Hall e Kazumi Munakata,
no que tange às práticas do Estado liberal oligárquico, atacam o juízo prévio de autores
que consideraram que a única estratégia da burguesia era o Estado violento e pouco
permeável. Ora, não é pequena a lista de estudos, relatos e documentos que mostram
que a violência do Estado contra os movimentos que reivindicavam melhoria nas
27 MENDONÇA, Joseli Maria N. Evaristo de Moraes, Tribuno da República. Campinas: Ed. da
UNICAMP, 2007. 28 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2000. 29 CESARINO JUNIOR, Antonio Ferreira. Direito Social Brasileiro. São Paulo: Martins, 1940. 30 DÓRIA, Antônio de Sampaio. A questão social. São Paulo: Monteiro Lobato & C., 1922.
26
condições de trabalho ocorreu em larga escala e com diferentes mecanismos (prisões,
mortes, deportações). Hall e Pinheiro haviam notado que:
A burguesia paulista, no final dos anos 1920, já tinha seu próprio
projeto hegemônico [...] e apesar de não terem renunciado ao emprego
sistemático da violência [...] os empresários começaram a desenvolver
outra estratégia, complementar, em relação a classe operária. Ao lado
da repressão física direta, utilizaram meios mais sutis de controle31.
Nesse espírito, a burguesia já havia procurado alternativas às leis sociais
antes dos anos 1920. Bárbara Weinstein discutiu como os patrões, por meio de serviços
sociais oferecidos por suas empresas, valiam-se desses gestos de “benevolência” como
forma de angariar simpatia dos trabalhadores, de forma pessoal, ao mesmo tempo em
que rejeitavam que uma ou outra dessas “vantagens” chegasse aos trabalhadores pelas
mãos do Estado:
À luz do desenvolvimento posterior das relações industriais no Brasil,
é interessante notar a quase total ausência do Estado nos vários
discursos dos industriais, tecnocratas e operários. Por boa parte do
período que estamos estudando, o principal papel do Estado era
pressionar os patrões e propiciar à indústria certa proteção tarifária. Os
porta-vozes da indústria rejeitavam explicitamente a ‘interferência’ do
Estado nas relações entre operários e patrões, enquanto que os
sindicatos raramente procuravam a ajuda do Estado no processo de
desenvolvimento nacional. [...] E facções políticas interessadas em
criar uma nova legislação social para modificar as condições de
trabalho obrigaram cada vez mais os patrões a debater publicamente
problemas trabalhistas quando a década de 1920 chegava ao fim32.
As pesquisas anteriormente apresentadas sobre o período são, ainda,
importantes contribuições para a desconstrução da chamada “ideologia da outorga”.
Essa questão foi discutida por Luís Werneck Vianna no texto clássico sobre o tema,
“Liberalismo e Sindicato no Brasil”33. Se a compreensão de que as conquistas dos
trabalhadores não foram “benesses” do Estado pós-1930 já estava comprovada, esta
dissertação aprofunda esse entendimento, ao trazer à baila também as intervenções de
organismos internacionais e a capacidade de influenciar as políticas e legislações sociais
31 HALL, Michael M.; PINHEIRO, Paulo Sérgio. A Classe Operária no Brasil: Documentos (1889 a
1930). Vol. I. O Movimento Operário. São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1979, p. 12. 32 WEINSTEIN, Bárbara. (Re)formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-64). São Paulo: Cortez,
2000, p. 69. 33 VIANNA, Luis Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1976.
27
no Brasil. Nesse sentido, é bem-vinda a reflexão de Eileen Boris e Jill Jensen sobre a
contribuição da dimensão transnacional nas análises das questões de gênero na OIT.
A abordagem transnacional, no entanto, revela circuitos de
intercâmbio entre as feministas trabalhistas e políticas internacionais,
o que complica a história padrão que defende uma igualdade abstrata
sobre a diferença caracterizada. Esses esforços incluem o suporte de
um tratamento justo e justa remuneração do trabalho das mulheres e a
incorporação de grupos historicamente deixados fora dos padrões
formais de trabalho globais, tais como trabalhadores domésticos,
migrantes, mulheres traficadas. O mais detalhado exame de
convenções específicas permitirá aos estudiosos considerar como as
feministas trabalhistas buscaram a igualdade das mulheres através de
apoios dirigidos às mães assalariadas, dissolvendo a dicotomia entre
igualdade e diferença. Pisando fora dessa discussão é possível
redefinir colaboração em torno da segurança social, licença
maternidade, e outras políticas de ‘trabalho e família’ como estratégias
para fazer avançar os direitos das mulheres e a igualdade de gênero no
trabalho e na política34.
O terceiro capítulo, A Política da Presença, mostra a institucionalização da
OIT e a participação decisiva de seu primeiro Diretor-Geral, Albert Thomas, na sua
formulação. Há o acompanhamento na grande imprensa e na imprensa operária da visita
que Thomas fez à América Latina e ao Brasil em 1925. A presença da Organização
Internacional do Trabalho nos primeiros anos da década de 1920 e a relação que ela
estabeleceu com governo e sindicatos ajudam a entender seus propósitos e suscitam
reflexão sobre a relação entre OIT e o Estado brasileiro.
Por fim, são discutidos os trâmites das convenções e orientações da OIT e a
legislação equivalente no Brasil antes dos anos 1930. Como é sabido, embora as leis do
trabalho só tenham sido consolidadas com Getúlio Vargas, muitos pontos já estavam
estabelecidos, mesmo que em âmbito estadual, desde os anos 1920.
34 BORIS, Eileen; JENSEN, Jill. The ILO: Women’s Networks and the Making of the Woman Worker.
In: DUBLIN, Tomas; SKLAR, Kathryn Kish. Women and Social Movements International. Alexander
Press, 2012. (Tradução nossa).
28
CAPÍTULO I – DIREITO DO TRABALHO, A ÚLTIMA MODA EM
PARIS.
1.1. Paris, 1919.
Poucos anos antes de Ernest Hemingway e sua geração perdida chegarem à
cidade, Paris preparava uma festa. A atmosfera de guerra que há pouco dominara a
cidade dava lugar a uma grande euforia por conta da realização da Conferência de Paz,
iniciada no dia 18 de janeiro de 1919. Pelas ruas da cidade estavam chefes de Estado,
diplomatas, militares, adidos, burocratas de todos os tipos, especialistas em direito,
história, relações internacionais, enfim, todos aqueles destacados por seus países para a
tarefa de pôr término ao conflito mundial e selar uma paz duradoura entre vencedores e
derrotados na Grande Guerra (1914-1918)35.
Os traumas da guerra ainda eram marcas visíveis na população europeia. As
sucessivas batalhas que ceifaram 9 milhões de vidas feriram e deixaram inválidos
milhões de soldados e civis, desmontaram impérios, mudaram o mapa da Europa e
continuaram na retina da população e dos dirigentes políticos que tiveram a
responsabilidade de repactuar e refazer o mundo à luz dos princípios da sociedade
moderna36. Mas, a realização daquela Conferência, naquele local, era um alento para
uma população repleta de expectativas de que o futuro não repetiria o passado.
Reunidos em Versalhes, os peacemakers (forma como eram chamados
diplomatas e políticos encarregados de construir o acordo de paz) expressavam as partes
envolvidas no conflito bélico. Ali estavam reunidos representantes dos vencedores,
sendo 32 países, sem contar os domínios britânicos, que participaram diretamente do
conflito, divididos entre secundários e primários, estes representados pelas 5 grandes
35 Cf. Sobre o ambiente da Conferência de Paz conferir o filme Paris 1919: Un traité pour la paix, (2009)
produção franco-canadense do diretor Paul Cowan. A película alterna cenas de arquivo com
representações dramáticas dos principais momentos das negociações de paz. Na literatura, Paris é uma
festa, publicado em 1964, é um livro de ficção construído a partir das memórias parisienses do escritor
americano Ernest Hemingway (1899-1961). O livro refere-se aos frementes anos 1920 e retrata Paris
entre 1921 e 1926, quando viviam intensamente a cidade personalidades como Gertrude Stein, James
Joyce, Ezra Pround e F. Scott Fitzgerald. 36 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
29
potências: Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Japão. Era corrente o receio de
que o grande número de participantes poderia transformar a Conferência “em uma
espécie de feira”37. Organizados em 52 comissões, estavam 70 plenipotenciários
acompanhados por secretários, colaboradores, tradutores e políticos. A historiadora
Margaret MacMillan (bisneta do Lloyd George, primeiro-ministro inglês durante a
elaboração do Tratado de Versalhes) descreveu o ambiente parisiense nesses dias:
A concentração de poder atraiu repórteres do mundo inteiro, seus
homens de negócios, os porta-vozes homens e mulheres de uma
miríade de causas. ‘Só se vê gente partindo para Paris’, escreveu o
embaixador francês em Londres. ‘Paris vai se transformando em local
de diversão para centenas de ingleses, americanos, italianos e
sombrios senhores estrangeiros que estão a cair sobre nós a pretexto
de tomar parte nas discussões de paz’. Voto para as mulheres, direitos
para os negros, um estatuto para o trabalho [...] petições e requerentes
chegavam aos borbotões de todos os rincões do mundo38.
Ainda segundo a autora, havia o risco de que a Conferência não conseguisse
conciliar os interesses das potências vitoriosas com as fortes expectativas criadas em
torno dela. Assim, o risco de desapontamento pairava sobre os “pacificadores”. Georges
Clemenceau, experiente estadista francês que ocupava o cargo de Primeiro-Ministro à
época da Conferência de Paz chegou a afirmar que era “mais fácil fazer a guerra do que
a paz”39. De tal modo, redesenhar fronteiras, cobrar indenizações e anexar territórios
ganhava um sentido sem precedente, talvez comparável ao Congresso de Viena de 1815,
do ponto de vista dos objetivos, mas muito maior em escala e em abrangência
geopolítica, afinal agora os Estados Unidos assumiam papel protagonista, países sul-
americanos tomavam parte e até mesmo China e Japão enviavam do Oriente seus
melhores quadros diplomáticos. Esse caráter internacional conferiu à Paris um peculiar
desfile de costumes, tradições e ideias.
Ruth Henig deu destaque para a repercussão que as rodadas de negociações
em Paris tiveram frente à opinião pública mundial e relacionou o crescimento da
imprensa popular durante a Guerra com a expressiva cobertura jornalística que houve
em Paris nos dias da Conferência. De tal modo, a “liberdade de negociação dos líderes
aliados estava circunscrita pela responsabilidade que tinham perante os respectivos
37 BECKER, Jean-Jacques. O Tratado de Versalhes. São Paulo: Editora UNESP, 2011, p.34. 38 MACMILLAN, Margaret. 1919. Paz em Paris. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 4. 39 Ibid., p.7.
30
eleitorados”40. As questões do nacionalismo e das negociações de reparações territoriais
e financeiras na Europa, por exemplo, eram acompanhadas por olhares atentos da
população que emitia juízo político sobre cada ação das delegações que lá estavam e,
como a maioria desses países era democrática, o cálculo sobre o impacto nas urnas de
cada decisão tomada também tinham considerável valor. Leila Rupp, em análise sobre a
organização das mulheres que incluiu o pós-grande guerra, chamou a atenção para a
singularidade desse momento, no qual “o internacionalismo [...] se constrói a partir de
1919 em meio a transformações causadas pela revolução bolchevique, o declínio do
domínio europeu no mundo, a depressão de 1929, o nascimento do fascismo e a
emergência de movimentos liberais”41. Destarte, nos anos que envolveram a guerra
houve a consolidação de debates ideológicos e os setores sensíveis dos povos
condicionavam a sustentação política a seus governos às posições assumidas por eles,
agora, também, no âmbito da política internacional.
A responsabilidade das decisões, igualmente, significou um poder cada vez
mais concentrado nas mãos dos representantes das grandes potências. Se inicialmente as
nações menores participaram ativamente das comissões e, por meio dessas, da
elaboração de propostas para a paz, com o passar dos dias as decisões ficaram restritas a
uma reunião de poucos países, originando o Conselho dos Dez e, por fim, o Conselho
dos Quatro (com presença exclusiva de Estados Unidos, Reino Unido, França e Itália),
fórum de negociação e acordos de temas que sequer haviam sido submetidos aos demais
países.
Tal fato, no entanto, não significa que as demandas dos integrantes das
comissões temáticas, assim como seus encaminhamentos, eram menos relevantes, uma
vez que, domínios territoriais e indenizações falavam mais imediatamente aos interesses
daquele momento histórico, porém, não levam à exaustão o conteúdo do Tratado. O
livro de Margaret MacMillan, por exemplo, traz importante referência documental, mas,
assim como Ruth Henig, concentrou sua análise em pontos priorizados pelas potências,
como a proposta de criação da Sociedade das Nações, prejuízos financeiros de guerra e
controle das colônias. A breve descrição do funcionamento das comissões menores, de
40 HENIG, Ruth. O Tratado de Versalhes. São Paulo: Ática, 1991, p. 48. 41 RUPP, Leila J. Worlds of Women: The Making of an International Women's Movement. Princeton:
Princeton University Press, 1997, p. 5.
31
interesses específicos, tratou apenas superficialmente de questões como a legislação do
trabalho.
Entre as considerações levantadas pelo historiador Eric Hobsbawm sobre os
Tratados de Paz42 estavam: a questão nacional e o princípio da autodeterminação,
componente essencial para a compreensão dos “nacionalismos” na Europa; as disputas
políticas cada vez mais acirradas nas 4 grandes potências e, por fim, o estabelecimento
da cláusula da “culpa da guerra”, com o intuito de evitar que a Alemanha pudesse outra
vez se lançar em disputas militares. Já a paz punitiva a ser imposta à Alemanha teve
como principal fiadora a França, devido a interesses geopolíticos, territoriais e pelo
temor de um país recém-unificado que havia, com poucos aliados, chegado perto de
uma vitória militar.
Em um primeiro momento, o espírito dos 14 pontos apresentados pelo
presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson43 plataforma para a paz que tinha o
intuito de por fim à guerra a partir de acordos públicos e a criação de uma Sociedade
das Nações capaz de mediar os conflitos e equacionar desavenças pela via diplomática
parecia um alento. No entanto, a posterior não ratificação do Tratado de Versalhes pelos
Estados Unidos, devido a problemas da articulação política enfrentados pelo presidente
Wilson no congresso norte-americano, além da ausência da Rússia na Conferência de
Paz, tornava fraca a perspectiva de que fosse estabelecida uma organização realmente
mundial e de longa duração.
A ênfase na punição à Alemanha, tanto nas discussões à época quanto na
historiografia, se devia exatamente pelo temor de que outro conflito dessa magnitude
eclodisse ou, em olhar retrospectivo, devido ao evidente fracasso desse intento. Ao
mesmo tempo, o mundo observava o “surgimento de um regime revolucionário
42 Hobsbawm faz questão de destacar a imprecisão da nomenclatura “Tratado de Versalhes” dada a todo o
conjunto de negociações no pós-Primeira Guerra, uma vez que tratados com outros países receberam
nomes de outras localidades francesas (Trianon com a Hungria, Sevres com a Turquia, etc.), embora
reconheça que o uso costumeiro da expressão se deva ao papel protagonista que a Alemanha teve na
Guerra. Na presente dissertação “Tratado de Versalhes” também foi adotado como forma universal para
se referir ao texto resultante da Conferência de Paz. Cf. HOBSBAWM, 1994, p.38. 43 Um resumo desses pontos, apresentado no livreto de Ruth Henig demonstra como o presidente
estadunidense conciliava a preocupação com o liberalismo econômico (defesa de livre navegação pelos
mares em tempos de guerra ou paz e eliminação das barreiras econômicas) com propostas objetivas para o
estabelecimento de fronteiras e, por fim, mecanismos de associação das nações por meio de Conferências
e Convenções Internacionais. Cf. HENIG, 1991, p.75.
32
alternativo, dedicado à subversão universal” que poderia servir como um “ímã para
forças revolucionárias de todas as partes”44. Tratava-se do caso russo.
A grande ausente em Paris naqueles primeiros meses de 1919, sem dúvida,
foi a Rússia. O caso russo era especial não apenas pelas mudanças ocorridas nos tempos
finais da guerra, quando a Rússia assinara a paz com os inimigos alemães no início de
1918 e saíra da guerra antes da vitória de seus aliados ocidentais sobre a Alemanha. A
peculiaridade do caso russo estava, principalmente, na emergência dos bolcheviques,
um novo grupo político que após um processo revolucionário encontrou as condições
objetivas para chegar ao poder. O desconhecimento dos “construtores da paz” em
relação ao que ocorria na Rússia era grande, o que gerou dúvidas sobre se a mesma
deveria ou não ser convidada a participar da Conferência e, em caso positivo, em que
termos.
O primeiro-ministro Lloyd George afirmaria que a “Rússia era uma floresta
onde ninguém podia dizer o que estava a alguns metros de distância”45. Havia ainda,
naquele momento, a preocupação com as “doutrinas bolcheviques” que poderiam se
“disseminar” pelo mundo. Foi nessa balança, entre temor da participação que poderia
legitimar um governo revolucionário e temor da ausência de um país gigantesco
insurgente, que os bolcheviques, sem terem ido a Paris, foram os ausentes mais
presentes na Conferência de Paz.
O historiador Arno Mayer ofereceu uma interpretação peculiar sobre o papel
de Lenin e da diplomacia soviética naquele contexto. Seu argumento é de que Lenin
desafiou a “velha diplomacia do continente europeu” tanto quanto o presidente dos
Estados Unidos Woodrow Wilson. Juntos, esses dois líderes, olhando para a Europa a
partir de diferentes direções geográficas e políticas, apresentaram alternativas de novo
tipo às habituais relações exteriores que haviam levado a Europa à catástrofe na Grande
Guerra. Mesmo com as diferenças ideológicas e de estilo que existiam entre o liberal
americano Wilson e o revolucionário russo, seus papéis eram muito semelhantes na
forma como eles trataram os assuntos internacionais nos meses finais da Grande
Guerra. A interpretação de Mayer serve para os 14 Pontos de Wilson, para o Tratado de
44 HOBSBAWM, 1994, p. 39. 45 MACMILLAN, 2004, p.77.
33
Brest-Litovsk (que pôs fim à guerra na frente oriental, onde se enfrentaram Alemanha e
Rússia) e também instrui a compreensão da diplomacia de Versalhes46.
Na busca de uma unificação de objetivos entre aliados, a novidade central
da diplomacia de Wilson e Lenin, no entendimento de Mayer, era a maneira dos Estados
Unidos e da emergente Rússia revolucionária superarem as velhas práticas europeias e
dirigirem-se aos povos de várias nações diretamente. Havia uma estranha maneira pela
qual a “diplomacia wilsoniana e leninista” não fazia nenhuma distinção essencial entre
os povos que viviam dentro da jurisdição de seus aliados e daqueles que viviam fora.
Wilson e Lenin, por assim dizer, assumiam posturas internacionalistas47.
Com efeito, a novidade diplomática estava relacionada à novidade política
de ambos os líderes, visto que desafiavam a velha ordem europeia, ao mesmo tempo em
que representavam os ares de renovação que emergiam das ruínas da Grande Guerra
europeia. Mayer colocou muita ênfase na insistência de Wilson e Lenin para conquistar
apoio entre os povos de todas as nações. Afinal, a partir de então diplomacia e política
interna eram objetivos entrelaçados tanto para Estados Unidos quanto para a Rússia,
ainda que por razões distintas. A esse respeito, Mayer afirmou que:
Wilson elogiou a diplomacia bolchevique em seu discurso dos
Quatorze Pontos e Lloyd George esperou até o fim da guerra para
admitir que ‘não seria justo suprimir a parte que o governo
bolchevique tinha jogado nesse processo’. Em Paris, Albert Thomas,
sem em nenhum instante abandonar sua hostilidade aos bolcheviques,
relutantemente confessou que era uma ‘honra a Revolução Russa ter
levado as potências ocidentais para a limpeza das propostas de paz de
todo o imperialismo’. Além disso, ele disse em tom de censura ao
Governo francês que ‘se os repetidos apelos de Kerensky e
Tereshchenko (líderes governo provisório antes da Revolução
Soviética) tivessem sido atendidos antes, a situação política na Rússia
poderia muito bem ser diferente’. No entanto, Thomas insistiu que
apesar da diplomacia errática dos bolcheviques, agora que Lloyd
George e Wilson tinham falado Clemenceau já não podia se dar ao
luxo de permanecer em silêncio48.
Em 5 de novembro de 1918 a Alemanha renunciou ao Tratado de Brest-
Litovsky e rompeu relações diplomáticas com a Rússia, cumprindo uma das primeiras
condições impostas pelas “potências vitoriosas” no armistício de 11 de novembro de
46 MAYER, Arno. Wilson v. Lenin. Political Origins of the New Diplomacy. New Haven, Yale University
Press, 1959, p.368. (Tradução nossa). 47 Idem. 48 MAYER, 1959, p. 369.
34
1918. Com base na nova ordem europeia criada pelo Tratado, Lenin esperava que a
Alemanha fosse arrastada para a cooperação e que a maioria dos seus políticos
revisionistas formasse uma aliança com a Rússia. Ele expressou sua crença de que "o
mundo imperialista moderno repousa sobre o Tratado de Versalhes e nós temos uma
aliança com todos os países que vivem sob o Tratado de Versalhes, o que representa 70
por cento de toda a população da terra”49.
Sob a perspectiva russa, no entanto, a disputa interna contra a ofensiva dos
“brancos” e o esforço de Lenin para evitar que uma invasão estrangeira desestabilizasse
o governo bolchevique fez com que a Conferência de Paris ficasse em plano secundário.
Primeiramente, porque mantinha caráter “imperialista”, alvo das denúncias que estavam
no cerne da revolução de outubro. Afinal, como poderiam construir a paz os mesmos
senhores da guerra que, por dinheiro, eram capazes de usar todo e qualquer recurso? Em
segundo lugar, porque a luta interna na Alemanha supostamente ganhava força e os
bolcheviques viam ali a possibilidade de sair do isolamento revolucionário. Para os
russos, “1919 era o ano da revolução” e avançar com a revolução da classe trabalhadora
era uma forma muito mais eficiente de construir a paz do que sentar à mesa com os
promotores do imperialismo50.
De todo modo, surge uma questão fundamental para os estudos dos direitos
sociais: o medo de que o exemplo bolchevique arrastasse as massas insatisfeitas com
suas condições materiais e com o modo de vida imposto pelos grandes industriais e
governos que serviam a seus interesses. Ou seja, o temor de que a centelha da revolução
se espalhasse pela Europa, fez com que entrasse na “agenda das reuniões de Paris
questões muito mais amplas do as que eram previstas antes de novembro de 1917”51.
Essas questões mais amplas eram justamente as relacionadas aos direitos e ao trabalho.
Em outras palavras, além das perdas financeiras e territoriais, outro espectro passava a
rondar as mesas de negociação parisienses, o espectro da revolução operária. Em uma
conjuntura potencialmente adversa aos seus interesses, para os peacemakers toda
49 LENIN, Vladimir I. Political Report of the Central Committee RKP (b) to the Ninth All-Russian
Conference of the Communist Party (20 September 1920). Document 59. In: PIPES, Richard (ed.). The
Unknown Lenin. From the Secret Archive. Yale, 1996, p. 101-103. 50 BROUÉ, Pierre. História da Internacional Comunist (1919-1943). Tradução de Fernando Ferrone. São
Paulo: Editora Sundermann, 2007, p.119. 51 HENIG, 1991, p.16.
35
prevenção seria bem-vinda e uma legislação internacional do trabalho passava a fazer
sentido.
O texto final, enfim, chegaria aos alemães no dia 7 de maio e, após muita
especulação sobre a aceitação ou não de suas condições pela Assembleia da República
de Weimar, seria assinado em 28 de junho de 1919. O mundo ansiava pela experiência
da paz, ainda que ela viesse pelas mesmas mãos que outrora haviam submetido os povos
à experiência da guerra. Em seu diário, o diplomata, escritor e ensaísta inglês Harold
Nicolson descreve o cenário daquela data:
Entramos na Galeria dos Espelhos. É dividida em três seções. Lá no
fim, a imprensa numerosa e já instalada. No meio está uma mesa em
forma de ferradura para os plenipotenciários. À sua frente, como uma
guilhotina, está a mesa para as assinaturas. Parece estar sobre um
estrado, mas este se existe, não tem mais do que algumas polegadas de
altura. Mais próximas, estão fileiras e mais fileiras de tamboretes para
convidados importantes, deputados, senadores e membros das
delegações. Deve haver assentos para mais de mil pessoas52.
No entanto, embora os salões e jardins de Versalhes abrigassem uma
multidão, a atmosfera carregada daquela que deveria ter sido a celebração da paz deu o
tom a um espetáculo onde os “vilões” alemães se submetiam às decisões das potências
vencedoras e, além disso, nem mesmo o triunfalismo de ingleses e franceses socorria a
cerimônia “mal organizada e, sobretudo, insignificante”53 que acabara de ocorrer. No
relato de Harold Nicolson, a imagem do secretário de Relações Exteriores alemão,
Herman Muller, na fila para assinar o Tratado, assemelhava-se a de um prisioneiro
sendo conduzido ao banco dos réus.
Desde o início, o Tratado foi alvo de duras críticas, vindas de diferentes
direções. John Maynard Keynes, antes de consagrar-se na teoria econômica e emplacar
o célebre “keynesianismo”, sendo então um disciplinado funcionário público do
Tesouro inglês, foi escolhido pelos britânicos como delegado à Conferência de Paz em
Paris. Daí resultou um enorme mal-estar com a sua renúncia ao posto antes da
52 NICOLSON, Harold. O Tratado de Versalhes: A paz após a Primeira Guerra Mundial. “Diário da
Conferência de Paz”. São Paulo: Globo Livros, 2014, p.50. 53 BECKER, 2011, p.172.
36
conclusão do texto do tratado e a publicação de um ácido documento intitulado “As
Consequências Econômicas da Paz”54.
Entre apontamentos de Keynes a respeito das lacunas do Tratado, do
desinteresse dos líderes das grandes potências em discutirem os temas realmente
fundamentais, como a reconstrução econômica do continente e seu equilíbrio e o
completo isolamento ao qual a Alemanha foi submetida durante a elaboração do
tratado55, o texto também oferece um retrato crítico (e debochado) dos quase sempre
exaltados líderes da paz:
Clemenceau queria esmagar a economia do inimigo, Lloyd George
conseguir um acordo para levar consigo a Londres, e exibi-lo durante
uma semana, Wilson nada fazer que não fosse justo e correto. É um
fato extraordinário, mas o problema econômico fundamental de uma
Europa esfomeada que se desintegrava diante dos seus olhos era a
única questão para a qual foi impossível provocar o interesse56.
A descrição feita por Keynes do Primeiro-Ministro francês Clemenceau,
do Primeiro-Ministro inglês Lloyd George e do Presidente dos Estados Unidos
Woodrow Wilson, além do solene desprezo pelo Chefe de Estado italiano Vittorio
Orlando (os integrantes do Grupo dos Quatro Grandes, uma vez que o Japão, embora
estivesse no primeiro time, não tinha na prática a mesma influência que os ocidentais)
era sinal de sua divergência com os rumos da Conferência, mas também uma forma de
desmoralizar intelectualmente um evento que durante tanto tempo tomou as páginas dos
jornais e a atenção mundial. O livro de Keynes ganhou destaque, sobretudo, pelo
aparente caráter premonitório de seu texto, adiantando a mais tarde muita difundida
interpretação de que a ineficiência e até mesmo a função contraproducente do Tratado
em manter a paz seria responsável pelos tempos ainda mais sombrios que desaguariam
na Segunda Guerra Mundial.
Do mesmo modo, o historiador e jornalista Edward Hallett Carr, integrante
da delegação britânica na Conferência de Paz e membro da comissão que responsável
pela elaboração criação da Sociedade das Nações, discordou abertamente do tratamento
54 KEYNES, John Maynard. As Consequências Econômicas da Paz. São Paulo, SP; Brasília, DF:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Editora da UnB, 2002. 55 A Alemanha só foi admitida nas discussões após a fixação das Preliminares da Paz. Em fins de abril de
1919, decorridos 4 meses de trabalhos, Clemenceau ainda se pronunciava no sentido de que a Alemanha
não tivesse acesso ao texto. Tal situação evidenciou o desequilíbrio na produção do Tratado,
transformando a situação em uma “Conferência de Vencedores”. Cf. BECKER, 2011, p.34. 56 KEYNES, op cit., p.157.
37
dado aos alemães pelos vitoriosos da Guerra. Estudioso das relações diplomáticas, Carr
constatou que o Tratado de Versalhes foi um acordo feito sob coação, e afirma:
As objeções morais mais frequentemente feitas ao Tratado de
Versalhes parecem, de fato, terem sido baseadas não tanto em sua
assinatura sob coação, como na severidade de seu conteúdo, e no fato
de que os governos aliados, invertendo o processo seguido em todas as
conferências de paz importantes até então, inclusive a de Brest-
Litovsk, recusaram-se a manter negociações orais com os
plenipotenciários das potências derrotadas. Este ato de insensatez
desacreditou o tratado mais do que o ultimatum que precedeu sua
assinatura57.
Segundo Carr, também as cláusulas de desarmamento foram inócuas por
não ser razoável impor uma posição de inferioridade permanente a uma grande potência
e reprovou ainda o Tratado por este ter tentado perpetuar a fraqueza alemã, devido ao
seu colapso no fim da guerra, argumento que não era em seu juízo “estritamente ético,
uma vez que se assenta na posição de poder e reconhece um direito moral baseado
simplesmente na força”58.
A força desproporcional imposta à Alemanha pelo caminho diplomático
trazia à luz uma forma de sanção que pode ser considerada pelos analistas da época
como mais violenta do que as próprias ações militares de uma guerra. Em 1937, já às
portas de um novo conflito mundial, Carr novamente denunciou os erros diplomáticos
cometidos pelo Tratado de 1919. Os “vinte anos de crise (1919-1939)” relatados em seu
livro aparecem como uma linha contínua entre decisões diplomáticas e as escolhas
políticas que estavam postas.
De acordo com o autor, a elaboração dos pressupostos éticos da paz, tal
como foi feita a partir do Tratado de Versalhes e a Sociedade das Nações, estava
diretamente subordinada aos interesses das nações mais fortes que almejavam tão
somente a manutenção do poder, ainda que isso tivesse um alto custo. Carr argumenta
que as decisões do período falharam por não considerarem a “estrutura do sistema
internacional e por tentarem “empurrar” pressupostos éticos distantes da realidade na
construção de tratados e da Sociedade das Nações”59. De tal modo, os erros
57 CARR, Edward Hallett. Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Brasília: Editora Universidade de Brasília -
UNB, 2001, p. 243. 58 Ibid., p. 244. 59 Sobre Edward Carr. Cf. GRIFFITHS, Martim. 50 Grandes Estrategistas das Relações Internacionais.
São Paulo: Contexto, 2004.
38
diplomáticos de 1919 seriam dificilmente corrigidos, mesmo com reparos que sofreu ao
longo das décadas de 1920 e 1930:
Remoções sucessivas de injustiças há muito reconhecidas do Tratado
de Versalhes tornaram-se não um motivo de reconciliação, mas de
maior distanciamento, entre a Alemanha e as potências de Versalhes, e
destruíram, ao invés de aumentarem, o conjunto limitado de
sentimentos comuns que anteriormente existira60.
Esse aspecto contraproducente do Tratado de Paz e a espiral de problemas
ocasionados por ele deram destaque à relação causal entre o fracasso do Tratado de
Versalhes e a ascensão do nazismo, sendo essa uma das mais frequentes abordagens
sobre o tema. Ainda assim, de acordo com Becker, a inevitabilidade do conflito
subsequente é questionada uma vez que entre a assinatura do Tratado e o advento de
Hitler houve um intervalo de 15 anos, nos quais forças políticas foram incapazes de
neutralizar suas ações.
Em uma tentativa de defesa, Margareth MacMillan ressalva que “quando veio a
guerra em 1939, ela foi resultado de 20 anos de decisões tomadas, ou não tomadas, e
não das disposições adotadas em 1919”61. Nas primeiras linhas de seu texto Ruth Henig
alerta que o acordo de Paris “foi um feito meritório” e “o fato de que não sobreviveu à
década de 1920 provém não tanto das condições do tratado de paz, quanto da resistência
de líderes políticos do período entre guerras de fazê-lo cumprir”62. Essa recorrente
ressalva para abordar o tema, esse pedido de licença necessário para falar do malfadado
Tratado “culpado” pelo nazismo, contribuiu para anuviar os olhares dos historiadores
que se debruçaram sobre o tema e para não colocarem em grande conta pontos
importantes ali suscitados. Hobsbawm escreveu que “com exceção das cláusulas
territoriais, nada restava do Tratado de Versalhes na década de 1930”63.
Foi, portanto, naquele ambiente parisiense com diplomatas circulando entre
os palácios e o bar Majestic, em uma Europa onde a classe trabalhadora definia seu
papel na luta por direitos e observava de maneira atenta os movimentos da Rússia
bolchevique que foi elaborada a Parte XIII do Tratado de Versalhes, intitulada
“Trabalho”.
60 CARR, op cit., p.183. 61 MACMILLAN, 2004, p. 544. 62 HENIG, 1991, p.7. 63 HOBSBAWM, 1994, p. 41.
39
1.2. Paz e Justiça: do direito social às leis do trabalho.
No campo das relações internacionais e do direito internacional público, os
congressos, conferências e tratados de paz figuram como marcos históricos capazes de
delimitar ciclos econômicos, descrever transições e reordenamentos político-territoriais.
Não é incomum encontrarmos, por exemplo, referências à Paz de Westfalia como o
grande evento que apartou o mundo medieval do mundo moderno ou ao Congresso de
Viena como o momento de consagração das fronteiras geográficas e de princípios
diplomáticos definitivos64.
Embora impactantes para o conjunto das sociedades, esses arranjos
institucionais até então haviam se limitado às questões geográficas, econômicas e de
sucessão política, sendo esses os principais aspectos em que se sustentaria a paz
vindoura. Reside exatamente aí uma novidade nos tratados do pós-primeira Guerra, a
presença da justiça social entre os temas imprescindíveis para a manutenção da paz.
Antes da Grande Guerra a questão social não estava na ordem do dia das
grandes potências, ao menos não na sua agenda internacional. Também não estava entre
os principais temas discutidos pelo presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson,
frequentemente lembrado como artífice de um programa de paz avançado. Como lembra
Antoine Fleury, “a questão social sequer foi mencionada nos 14 Pontos”65.
O mote si vis pacem cole justitiam, mais tarde adotado pelo Bureau
Internacional do Trabalho, era revelador: se você deseja a paz, cultive a justiça. Na
minuta da Comissão sobre Legislação Internacional do Trabalho da Conferência de Paz
o recado era explícito:
64 Paz de Westfalia é como se designa a série de conferências e tratados que puseram fim a Guerra dos 30
anos, ocorrida entre 1618 e 1648 e considerada por muitos o primeiro grande conflito europeu. De acordo
com os Congressos de Osnabrück e de Münster são considerados pontos de ruptura na história política da
Europa, na medida em que inauguraram uma prática nova, que consistiu na diplomacia multilateral. Nos
dois congressos estiveram reunidos 145 delegados representando 55 entidades durante quatro longos anos
de negociações, cujo objetivo era promover a paz e criar uma nova ordem para o continente. O Congresso
de Viena, por sua vez, ocorreu entre 2 de maio de 1814 e 9 de junho de 1815 e reconfigurou o mapa do
continente europeu após a derrota de Napoleão Bonaparte. Cf. GONÇALVES, Williams; SILVA,
Guilherme. Dicionário de Relações Internacionais. 2ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2010. 65 FLEURY, Antoine. The League of Nations: Toward a New Apreciation. In: BOEMEKE, Manfred F.;
FELDMAN, Gerald D.; GLASER, Elisabeth. The Treaty of Versailles: a reassessment after 75 years.
Cambridge. Cambridge University Press, 1998, p.510.
40
A Constituição da Liga das Nações não irá fornecer uma solução real
para os problemas que afligem o mundo e não vai mesmo ser capaz de
eliminar as sementes da discórdia internacional a não ser que ela
forneça um remédio para os males industriais e injustiças que
desfiguram o presente estado da sociedade. Ao propor, por
conseguinte, estabelecer uma organização permanente a fim de ajustar
condições de trabalho através de uma ação internacional, a Comissão
considerou que estava tomando uma etapa indispensável para a
realização dos objetivos da Liga das Nações66.
Incluir discussão sobre o trabalho era um fato que manifestava muito mais
do que o momento da assinatura do Tratado, senão do próprio processo pelo qual a
Europa e a economia mundial atravessavam e as transformações sociais ocorridas desde
o final do século anterior.
Cabe ressaltar a preocupação, naquele momento, com as “doutrinas
bolcheviques” que poderiam se disseminar pelo mundo. O espectro do socialismo
rondava a Europa, se materializava na Rússia e se as potências vencedoras da guerra
não fossem capazes de dar respostas às questões mais imediatas da classe trabalhadora,
a não tão distante Rússia poderia inspirar uma mudança forçada.
O tema da justiça social, no entanto, não era preocupação exclusiva dos
revolucionários socialistas. A própria Inglaterra, que havia incorporado o sufrágio
universal nas eleições de 1918 e ocupava posição de destaque na Conferência de Paz,
contribuiu para que a questão social e o direito do trabalho entrassem na pauta das
reuniões67. A Conferência Socialista e Operária “interaliada” ocorrida em Londres, em
1918, continha elementos que seriam sugeridos pelas organizações operárias como
ponto de partida para a elaboração da seção sobre o trabalho. Albert Thomas, que mais
tarde assumiria importantes funções na organização que emergiria, foi um dos
participantes desse encontro.
A declaração de objetivos de guerra adotada pelos socialistas e
trabalhistas de parte da Grã-Bretanha, França, Itália e Bélgica na
Conferência interaliados, realizada em Londres, 1918 [..] contém aqui
e ali sugestões que serão recebidos com mais simpatia nos círculos
socialistas em outros lugares, no entanto, sobre as grandes questões de
66 HOWARD-ELLIS, Charles. The Origin, Structure & Working of the League of Nations. London:
George Allen & Unwin. 1928, p. 206. (Tradução nossa). 67 HENIG, 1991, p.26.
41
guerra e paz, revela uma estreita e bem-vinda concordância entre as
propostas e objetivos de organização trabalhistas68.
Substituída a noção moralizante do trabalho, o lugar do direito social já
havia sido discutido e disputado por diferentes correntes teóricas da modernidade. O
caso francês é exemplar e, não à toa, a delegação francesa também influiu fortemente
nos rumos da discussão sobre o direito do trabalho na comissão criada especificamente
para isso ainda na Conferência de Paz.
Foram frequentes, nos debates da comissão, referências ao banqueiro e
Ministro da Fazenda da França revolucionária, Jacques Necker e às experiências
teóricas e práticas de Robert Owen, reformista social galês, notabilizado pelas ideias
socialistas e pela elaboração das primeiras ideias cooperativistas, como aqueles que
deram fôlego às associações de trabalhadores e movimentos sindicais no século XIX.
Isso se devia ao fato que Owen havia, já em 1820, exposto a possibilidade de redução da
jornada dos trabalhadores e melhoria na condição de vida dos operários, mesmo dentro
da sociedade capitalista. De acordo com Wolfang Abendroth:
Queria Owen colocar essa nova sociedade econômica lado a lado da
ordem econômica capitalista já existente, para que aquela se
impusesse a essa gradativamente. [...] esperava também poder
conquistar os empresários para o seu plano de um sistema econômico
cooperativista, isto porque ele, como Saint-Simon, acreditava nos
interesses comuns das classes industriais produtoras face ao latifúndio
e à aparelhagem estatal. Pretendia ele que o New Moral World
surgisse dentro da mais linda harmonia de classes69.
A expectativa, contudo, foi frustrada no século XIX pela crescente força da
burguesia industrial europeia e sua expansão pelo mundo em busca de mercados
consumidores. No entanto, ainda que a proposta de internacionalização da luta dos
trabalhadores, sugerida por Owen, não tenha sido posta em prática imediatamente, fica
evidente que nos anos finais do século XIX e início do século XX cresciam as pressões
de diferentes setores da sociedade, não necessariamente socialistas, para que houvesse
uma regulamentação internacional do trabalho.
68 McCURDY, Charles A. A Clean Peace: the war aims of British Labour. New York: George H. Doran,
1918. Prefácio. (Tradução nossa). 69 ABENDROTH, Wolfang. A História Social do Movimento Trabalhista Europeu. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977, p.19.
42
Em estudo sobre as leis do trabalho publicado em 1921, Andre de Maday
listou os precursores da proteção internacional do trabalho e salientou que foram
fundamentais as atuações de nomes como o economista francês Adolphe Blanqui e
Daniel Le Grand, industrial francês que propôs a adoção pela França de uma lei análoga
à Lei Inglesa de 1833, que dava alguma proteção às crianças e jovens trabalhadores da
indústria têxtil70. Le Grand, em 1841, teria conclamado um grupo de industriais e o
governo francês para que fosse realizada uma convenção internacional sobre a proteção
dos trabalhadores. Do mesmo modo, os realizadores do Congresso da “Primeira
Internacional” (a Associação Internacional dos Trabalhadores), ocorrida em Genebra,
em 1866, proclamaram a redução da jornada de trabalho em todos os países industriais
como a primeira etapa para a emancipação operária.
Na medida em que a classe operária se organizava em maior ou menor
grau a depender do país e da capacidade de internacionalização de suas demandas
ganhava força a ideia de uma regulação que colocasse o mundo do trabalho a par com
os novos tempos. Dessa forma, o tema foi objeto da realização de conferências
internacionais que trataram do tema Trabalho, como as realizadas em Berna:
Em 1905 e 1906 houve duas conferências de caráter técnico sobre
problemas do trabalho, em Berna, de iniciativa do governo Suíço.
Nova conferência realizou-se na mesma cidade, em 1913, e nela foram
preparados dois projetos de convenções internacionais proibindo o
trabalho noturno aos menores e limitando em 10 horas a duração do
trabalho das mulheres e dos adolescentes. Tais convenções deveriam
ser assinadas no ano seguinte, uma conferência que não se realizou
por ter rebentado a I Guerra Mundial do século71.
Da Conferência realizada em Berna, 1906, aliás, resultaram duas
convenções importantes que seriam mantidas no escopo legislativo de 1919: uma sobre
proteção dos trabalhadores nas atividades em contato com fósforo branco tóxico e a
proibição do trabalho noturno para as mulheres72, que iria influenciar diretamente a
legislação de vários países. Nora Natchkova destacou a importância da aprovação dessa
70 MADAY, Andre De. La Charter Internacionale du Travail. Paris: F. Rieder et Cie Editeurs, 1921,
p.18. 71 SEGADAS VIANNA, José. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. São Paulo: Ltr, 2003, p. 35
apud SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da
Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9, Dezembro de 2006. 72 LEAGUE OF NATIONS. Report on the Employment of Women and Children and the Berne
Conventions of 1906 [Prepared by the Organising Committe for the ILC, Washington, 1919], p.16.
43
convenção, que seria permanentemente renovada pelos organismos internacionais, e
também suas contradições:
No contexto de agitação social, a Convenção do Trabalho Noturno
tinha suas vantagens: Foi apoiada por vários países presentes e
sindicatos, mas a aprovação não foi pela efetiva aplicação, mas pela
introdução (já vários países tinham leis sobre isto) de um padrão. [...]
A aprovação dessa convenção deu aos homens prioridade no acesso ao
emprego e relegava às mulheres o papel social de esposa e mãe73.
Apesar de alguns avanços, o efeito causado pela primeira grande guerra
sobre a luta por direitos da classe operária foi, em um primeiro momento, de paralisia,
uma vez que durante a guerra todo o esforço foi absorvido pelos conflitos e a classe
operária, embora não tomasse decisões, participava desse processo na linha de frente.
Durante o período de 1914 a 1918, em contrapartida, houve um impulso das atividades
operárias devido à necessidade de produzir materiais para a própria guerra. Além disso,
o recrutamento de soldados do sexo masculino para os fronts ocasionou, na medida do
possível, a substituição pela mão de obra fabril feminina. O pesquisador argentino
Carlos Moret constatou, em trabalho do início dos anos 1930, que durante a guerra não
apenas aumentou numericamente a associação de trabalhadores na Inglaterra, como esse
processo foi definitivamente reforçado entre as mulheres trabalhadoras74, Também
resulta desse período a criação do Ministério do Trabalho inglês, sendo que Lloyd
George indicou um trabalhista, Mr. J. Hodge, para ocupar o cargo.
Em dezembro de 1917, com a guerra em andamento, houve uma reunião
conjunta das Trade Unions e do Partido Trabalhista inglês, da qual resultou uma série
de cláusulas que deveriam ser divulgadas amplamente pelo mundo75. Como resultado,
no ano seguinte foi sancionada a lei de acidentes de trabalho e, fato interessante e
estranhamente pouco destacado pelos historiadores, é que Lloyd George, em discurso
público, anunciou que aceitava incorporar essas ideias como futura base para a paz.
Estavam dadas, portanto, as condições para que o mundo do trabalho
adentrasse às salas de reunião e o salão de espelhos do Palácio de Versalhes. A
73 NATCHKOVA, N.; SCHOENI, C. The ILO, Feminists and Experts Networks: The Challenges of a
Protective Policy (1919-1934). In. KOTT, S.; DROUX, J. Globalizing Social Rights – The International
Labour Organization and Beyond (p.49-64). Genebra: Palgrave Macmillan, 2013, p.53. (Tradução nossa). 74 MORET, Carlos. Legislación, Jurisprudencia del Trabajo/Historia de Los Movimientos Obreros en
Inglaterra, Estados Unidos, Australasia y Canada. Buenos Aires: El Ateneo: 1931, p.160. 75 Ibid., p.165.
44
construção de um tópico específico para a questão do trabalho, que se tornou a parte
XIII do Tratado de Versalhes, se deu entre janeiro e abril de 1919, por uma Comissão
do Trabalho criada pela própria Conferência de Paz. Nessa comissão havia
representantes de nove países, sendo eles Bélgica, Cuba, Checoslováquia, França, Itália,
Japão, Polônia, Reino Unido e os Estados Unidos, senda presidida por Samuel
Gompers, chefe da American Federation of Labour (AFL).
1.3. A Parte XIII.
A sessão plenária do dia 11 de abril de 1919 aprovou a parte do Tratado de
Paz elaborada pela Comissão sobre Legislação Internacional do Trabalho. A comissão
havia se reunido 35 vezes; concluiu seus trabalhos em março e imediatamente
encaminhou a proposta para a Conferência. O documento apresentado foi aprovado e
sofreu apenas ligeiras modificações textuais em sua versão final76 que consta nos
Tratados de Versalhes e seus similares (Sèvres, Saint-German, Neuilly-sur-Seine e
Trianon)77.
A convicção de que a paz social deveria anteceder a paz militar não foi
apenas retórica. Por motivos diversos, entre eles as dificuldades nas negociações dos
termos de rendição e impasses quanto à participação dos países na Sociedade das
Nações (SDN), idealizada por Woodrow Wilson, as resoluções referentes ao trabalho
foram votadas e apresentadas ao público antes mesmo do projeto da Sociedade das
Nações e do próprio acordo de paz. O clima político europeu contribuiu para isso. A
revolta “espartaquista” na Alemanha e a memória da comoção causada pela morte de
Jean Jaurés, pouco antes da eclosão da guerra78, fizeram acelerar a aprovação de leis do
76 Curiosamente, a versão inglesa do texto utilizado por esta comissão em seus projetos foi redigida por
Harold Butler e Edward Phelan, que se tornaram, posteriormente, presidentes da OIT. 77 Essas informações constam na introdução ao documento original disponibilizado no website da ILO.
International Labour Office (ILO). 1920. The labour provisions of the peace treaties (Genève). Call N.:
20B09/18 ENGL. 78 Comumente associados aos bolcheviques, os espartaquistas participaram das manifestações
revolucionárias ocorridas em novembro de 1918 em diversas regiões da Alemanha e que culminaram na
tomada do poder e proclamação da república na região da Baviera. Os assassinatos de Karl Liebnecht e
Rosa Luxemburgo, em janeiro de 1919, assim como havia ocorrido com o revolucionário socialista e anti-
belicista Jean Jaurés na França, em 1914, causaram comoção entre a classe operária, gerando o temor, por
parte dos conservadores, de que esse ambiente lançasse centelhas na chama revolucionária. Sobre Jaurés:
Cf. BATALHA, Claudio H. de M. Jaurès au Brésil. Paris: Jean Jaurés - Cahiers Trimestriels, n.139, p.
23-30, 1996.
45
trabalho em alguns países (foi o caso do projeto de jornada de 8 horas de trabalho na
França, apresentado às pressas ao parlamento), assim como acendeu o sinal de alerta
para o “perigo bolchevique” em outros locais como, de forma traumática, na República
de Weimar. A celeridade na aprovação da Parte sobre trabalho poderia ser uma resposta
das potências que conduziam o tratado de paz.
A Seção I da Parte XIII do Tratado já apresentava com objetividade a
espinha dorsal dos marcos legais e da organização que estava a surgir: só seria possível
uma paz universal se a mesma tivesse como base a justiça social. A própria
sobrevivência da Sociedade Das Nações, organismo ao qual estaria submetida à
Organização oriunda da Parte XIII, dependia da preservação desse fundamento. De
acordo com o documento, as condições adversas de trabalho causam sensação de
injustiça para grupos que, de fato, vivem privações e misérias, e geram um estado de
descontentamento que põe em perigo a paz e a harmonia entre os povos e nações.
Assim sendo, todos os estados membros da Sociedade das Nações
comprometiam-se a fundar e sustentar uma organização permanente para as questões do
trabalho e, consequentemente, aceitar a regulamentação internacional do trabalho.
Estava firmada a posição de que sem melhorar a situação operária a “paz duradoura”,
objetivo da entidade de mediação internacional idealizada pelo presidente Wilson dos
Estados Unidos, era inviável e, com efeito, a própria Conferência era dispensável.
Entre os temas citados no texto destacam-se a regulamentação das horas de
trabalho, recrutamento da mão de obra, garantia de salário digno, proteção contra
doenças gerais e provenientes de acidentes de trabalho, proteção às crianças,
adolescentes e mulheres, pensões por velhice e invalidez, liberdade sindical e
organização do ensino técnico e profissional. Em suma, grande parte das bandeiras
levantadas pelo movimento operário nas últimas décadas estava contemplada. Cabe
destacar que essas demandas estavam em pauta não apenas nas associações,
conferências e encontros internacionais, mas eram objetos de negociações (quase
sempre diretas) que estavam em andamento entre sindicatos, patrões e governos de
diversas partes do mundo industrializado. Restava ali garantir o funcionamento da
recém-nascida Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Artigo 388º indica as duas bases que compreendem a instituição: a) A
Conferências Gerais e b) um Bureau sob a direção do Conselho de Administração.
46
Nesse ponto, há que se atentar para uma frequente confusão, mesmo em textos
acadêmicos, entre a Organização Internacional do Trabalho e o Bureau Internacional do
Trabalho. A Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a própria
Parte XIII do Tratado de Versalhes que, em seu segundo artigo, se divide em uma
Conferência com representação de todos os membros e um órgão administrativo
permanente chamado Bureau Internacional do Trabalho (BIT). Françoise Thebaud faz
referência a essa confusão em certa passagem de seu artigo sobre as mulheres no BIT:
O que dizer sobre a Organização Internacional do Trabalho e seu
órgão executivo permanente, o Bureau Internacional do Trabalho
(BIT)? Fazendo certa confusão entre essas duas siglas, Maria Vérone,
advogada e presidente da Liga Francesa pelos Direitos das Mulheres,
escreve em L’Oeuvre, em 1928: O BIT, dirigido por Albert Thomas,
conta sempre com mais mulheres que a SDN. Isto se deve, em parte,
aos sentimentos feministas do diretor79.
Em outras palavras, o BIT (Bureau International du Travail) é o
Secretariado, órgão executivo, da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que, por
sua vez, estava, inicialmente, submetida à Sociedade das Nações. Certa tentação ao
anacronismo também contribui para aumentar a confusão sobre o lugar da OIT, uma vez
que a Sociedade das Nações foi inviabilizada pela eclosão da II Guerra Mundial, em
1939 e foi formalmente encerrada em 1946. Além disso, em alguns países de língua
oficial portuguesa optou-se por traduzir bureau para "escritório".
A proposta considerada a base de formação de uma organização
internacional para as questões do trabalho foi trazida pela delegação inglesa; esta
sugeria a criação de um organismo tripartite (presença de governo, empregados e
empregadores). Essa proposta teve apoio também de países como França e Itália, que
ressaltavam o papel dos governos no funcionamento da OIT e os Estados Unidos da
América que deram ênfase aos empregados e aos empregadores. As Conferências
estabelecidas pela Parte XIII do Tratado de Versalhes, portanto, seriam constituídas de
delegados de todos os países membros, sendo compostas por: 2 delegados indicados
pelo governo, 1 representante dos trabalhadores e 1 representante dos patrões.
Igualmente haveria a participação de conselheiros técnicos, com direito a voz, mas sem
79 THEBAUD, Françoise. As mulheres no BIT (Bureau Internacional do Trabalho): O Exemplo de
Marguerite Thibert. Revista Gênero. Niterói, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 25-36, 1 – 2, 2006. [Tradução Suely
Gomes Costa e Vera Soares].
47
direito a voto, bem como, seria obrigatória a presença de uma mulher conselheira
quando abordasse questões que interessavam imediatamente ao gênero.
O Bureau Internacional do Trabalho (BIT) é descrito no 392º Artigo. Ficava
estabelecido como cargo mais alto da estrutura o de Diretor, sendo esse responsável pela
nomeação dos técnicos do BIT, com a recomendação genérica de que deveriam ser
contratadas para a estrutura “um certo número de mulheres”, e exercendo funções como
organizar e ser Secretário das Conferências, centralizar e distribuir todas as informações
relativas à regulamentação internacional da condição dos trabalhadores e regimes de
trabalho e, em particular, estudar propostas para serem submetidas à discussão durante
as Conferências, com o propósito de virarem Convenções Internacionais, de alcance
universal.
O Conselho de Administração, órgão diretivo do BIT, seguia em sua
composição a mesma lógica aplicada às delegações, a tripartição da representação entre
governos, trabalhadores e patrões. As grandes potências, no entanto, tinham direito de
indicar 8 dos 12 representantes dos governos, pois, alegavam que sua “importância
industrial é maior”. As demais vagas deveriam ser preenchidas por 6 delegados
indicados por trabalhadores e 6 por patrões, totalizando 24 membros. Os mandatos
teriam duração de 3 anos. Aqui fica evidente uma questão que permeou os debates nas
comissões internas da conferência de paz: o excessivo poder exercido pelas 4 grandes
potências vencedoras da guerra.
Para presidir a comissão que elaboraria a Parte XIII do Tratado de Paz,
Woodrow Wilson indicou Samuel Gompers, presidente da American Federation of
Labor (AFL). De acordo com Elizabeth McKillen, em importante artigo sobre a atuação
de Gompers na presidência dessa comissão:
Como presidente da comissão da legislação trabalhista internacional
durante a conferência de paz, Gompers dirigiu os procedimentos que
criaram a OIT e forçou delegados britânicos e europeus a modificarem
várias propostas que teriam dado a nova organização amplos poderes
para criar a legislação internacional do trabalho. Gompers também
teimosamente (embora sem sucesso) se opôs a uma proposta britânica
para estabelecer uma estrutura de participação tripartite para a OIT80.
80 MCKILLEN, Elizabeth. Beyond Gompers: The American Federation of Labor, the Creation of the ILO
and US Labor Dissent. ILO Histories. In. VAN DAELE, Jasmien et al. (eds). Essays on the International
Labour Organization and Its Impact on the World During the Twentieth Century. Berna: Peter Lang
International Academic Publishers, 2010, p. 41.
48
A indicação de Gompers para a presidência da comissão não gerou
incômodos apenas pelas polêmicas travadas, mas também gerou preocupação entre
sindicalistas e críticos da esquerda mundial. Em primeiro lugar, porque o mais célebre
membro do movimento operário estadunidense era assumidamente antissocialista (já
havia frases como “o socialismo nada possui, a não ser a infelicidade para a raça
humana”)81 e também porque em diversos momentos da conferência ele mesmo pôs em
dúvida a eficácia de uma organização internacional do trabalho.
No entanto, segundo relato de James Shotwell historiador americano que a
certa altura foi convocado por Gompers e Wilson para auxiliar em um subcomitê de
trabalhos da conferência Gompers “tinha um profundo interesse pessoal” na
aprovação daquela legislação internacional “porque era declaração desses princípios
gerais para a qual ele e a American Federation of Labor lutaram”82.
Assim sendo, a rotina da Comissão sobre Legislação Internacional do
Trabalho estava longe de ser monótona. Embora poucos projetos globais tenham sido
apresentados, havia muitos debates conceituais, teóricos, sobre a internacionalização
dos direitos, assim como o recebimento de demandas sindicais e de Estados interessados
na questão. Entre as manifestações recebidas pela Comissão destacam-se dois
documentos: uma declaração da delegação italiana e uma da AFL.
No primeiro caso, os italianos afirmam contentamento pela comissão fazer
valer como objeto questões surgidas nos dois eventos mais importantes para a classe
trabalhadora durante a guerra; a Conferência dos Sindicatos dos países da Entente
(Conferência de Leeds, em 1916) e a Conferência de Berna. Porém, mais importante
que isso é a demanda de que já fossem incluídos no texto do Tratado princípios, por
exemplo, sobre a jornada de 8 horas e democratização dos regimes fabris, e não apenas
a criação de uma organização. Na missiva encaminhada pela AFL também são
afirmados princípios que deveriam constar na Carta do Trabalho, entre eles a liberdade
de associação e de assembleia, a garantia de um salário que fosse adequado aos custos
81 GOMPERS, Samuel. Seventy Years of Life and Labor. 2 vols. New York: E. P. Dutton & Company,
1925. 82 SHOTWELL, James T., apud MCKILLEN, 2010, p.54.
49
de vida da civilização daquela época e a importância de que fossem garantidas mulheres
entre o pessoal do Bureau83.
Na parte final do texto foram incluídos nove itens de princípios gerais, tal
como sugerido pela delegação italiana e contempladas as sugestões da AFL,
reconhecendo que os princípios não seriam necessariamente definitivos, mas serviriam
de guia para a SDN. Os pontos expressos no Artigo 427 são84:
1º O princípio dirigente, acima enunciado, de que o trabalho não deve
ser considerado simplesmente como mercadoria ou artigo de
comércio.
2º O direito de associação tendente a quaisquer propósitos não
contrários às leis, tanto para os salariados como para os patrões.
3º O pagamento, aos trabalhadores, de um salário que lhes assegure
condições de vida razoáveis, tais como elas se compreendem no seu
tempo e país.
4º A adoção do dia de oito horas ou da semana de quarenta e oito
horas como objetivo a atingir em toda a parte onde ainda não foi
alcançado.
5º A adoção de um repouso hebdomadário mínimo, de vinte e quatro
horas, que deveria compreender o domingo sempre que fosse possível.
6º A supressão do trabalho das crianças e a obrigação de impor ao
trabalho da mocidade de ambos os sexos os limites necessários para
lhes permitir que continuem sua educação e lhes assegurar o
desenvolvimento físico.
7º O princípio da igualdade de salário, sem distinção de sexo, para um
trabalho de igual valor.
8º A legislação publicada em cada país a respeito das condições de
trabalho deverá assegurar um tratamento econômico equitativo para
todos os trabalhadores que residam legalmente no país.
9º Cada Estado deverá organizar um serviço de inspeção, que
compreenderá mulheres, a fim de assegurar a aplicação das leis e
regulamentos para a proteção dos trabalhadores.
83 Para acessar esses e outros importantes documentos sobre a rotina da Comissão sobre Legislação
Internacional do Trabalho ler publicação editada por Justin Godart logo após a Conferência de Paz. Cf.
GODART, Justin. Les clauses du Travail dans le Traité de Versalles (28 Juin 1919). Paris: Dunod
Editeur, 1920. 84 CASELLA, Paulo Borba. Tratado de Versalhes na História do Direito Internacional. São Paulo:
Quartier Latin, 2007. A Edição aqui utilizada é uma das poucas traduções do texto integral do Tratado de
Versalhes. As raras edições completas do Tratado de Versalhes traduzidas para o português são indício da
ainda tímida inserção do tema na historiografia e no debate jurídico brasileiro. Em Portugal há uma
tradução completa do Tratado de 1921. A edição portuguesa tem a seguinte referência: PINTO
LOUREIRO, José (Resp.). Tratado de Versalhes. Coimbra: Coimbra Editores, 1921. Celecção de
Legislação Portuguesa.
50
Estavam lançadas, portanto, as bases sociais que tinham a dupla função de
evitar a proliferação de ideias revolucionárias e garantir a mínima dignidade humana
aos trabalhadores, ainda que dentro dos marcos liberais. De tal modo, tanto os princípios
supracitados quanto a pauta estabelecida para a primeira Conferência da OIT, realizada
em 1919 na cidade de Washington, serviram como inspiração e arma política para as
forças sociais (sindicatos, juristas, parlamentares progressistas) que travariam a partir
daí uma dura e longa batalha para que tais decisões fossem levadas à prática.
Em texto publicado em 1921, Archibald Chisholm publica um estudo crítico
sobre o Tratado de Paz e as cláusulas do trabalho e, mesmo reconhecendo seus limites,
aponta o referido documento como modelo para condução das questões sociais no
mundo industrial pós-Primeira Guerra:
Algo terá sido feito para realizar o objetivo indicado no primeiro dos
princípios gerais, mencionados no Artigo 427 do Tratado de Paz de
que ‘o trabalho não há de ser considerado como mercadoria ou artigo
de comércio’; mas mais do que isso é necessário85.
Mesmo com efeitos limitados e ressalvas de que as cláusulas do trabalho
não seriam aplicáveis imediatamente a todos os países (nem nos países com condições
socioeconômicas mais avançadas, tampouco em colônias e protetorados), a Parte XIII
incomodou, e muito, os governos e elites dos países participantes da Sociedade das
Nações. Por mais moderadas e razoáveis que soassem aquelas garantias mínimas para
os trabalhadores muitos industriais viam, por um lado, uma concessão aos sindicatos e
organizações operárias e, por outro, o risco de que tais medidas afetassem seus lucros.
O programa de redução de jornadas, salário digno, direito de salário igual
para trabalhos iguais entre homens e mulheres, pareciam aspectos de difícil efetivação
até para os redatores desses artigos. Segundo Jean-Jacques Becker “esse programa era
tão ambicioso quanto difícil era a sua realização mesmo nos países socialmente mais
avançados” e para os redatores se “tinha consciência de que, dentro do estado em que o
mundo se encontrava, esse programa era irrealizável em qualquer lugar”86.
Cada qual à sua maneira, as classes dominantes elaboravam argumentos
para inviabilizar ou ao menos protelar a aplicação das resoluções inscritas na Parte XIII,
85 CHISHOLM, Archibald. Labour's Magna Charta; a critical study of the labour clauses of the Peace
treaty and of the draft conventions and recommendations of the Washington International Labour
Conference. New York; Bombai: Longmans, Green and Company, 1921, p.163. (Tradução nossa). 86 BECKER, 2011, p.161.
51
e o principal argumento passou a ser a crítica à intervenção na soberania nacional, uma
vez que uma legislação internacional poderia agir de forma discricionária,
desrespeitando as regras, tradições e costumes de cada país. Um cronista brasileiro, que
fazia a cobertura da participação da delegação brasileira em Paris, deu especial atenção
a esse tema e, de pronto, em seus relatos, rebateu esses argumentos:
É evidente que a soberania das nações sofre com esse controle
humano! Não podemos deixar de pensar, entretanto, que todas as
aspirações se encadeiam em sanções que as referendam. O Bureau
pode saber do trabalhador em qualquer país? Há muito tempo o
cidadão de uma nacionalidade é acompanhado por ela aonde ele vá!
[...] Diante da estupidez das oligarquias conservadoras, a minha
revolta era contra a teimosia de não quererem elas entender a
necessidade da igualdade humana. Esse projeto é, conservadoramente,
apenas de igualdade humana. Nada tem de desorganizador da ordem e
dos interesses de quem quer que seja. A novidade é a humanidade87.
O posicionamento de João do Rio88 enfrentou os dois obstáculos interpostos
pelas elites, por ele chamadas de “oligarquias conservadoras”, que também iriam ser
reproduzidos no Brasil. O primeiro, já citado, de que haveria uma intervenção nas
questões nacionais, era apenas uma interpretação seletiva, visto que todo o
procedimento estava previsto no acordo firmado entre os integrantes da Sociedade das
Nações e havia diversos precedentes de situações parecidas sobre as quais não recaiam
críticas. O segundo argumento consistia no teor “comunista”, “socialista” ou
“bolchevique” dessas leis, questão ironizada por João do Rio ao tratá-las, ao contrário,
como conservadoras. Destarte, a adoção das leis do trabalho era mais uma vacina contra
a fúria das massas do que uma injeção de ânimo nas veias revolucionárias. A garantia de
direitos para a classe trabalhadora tratava-se tão somente de um gesto de “humanidade”.
No Brasil, reações e argumentos parecidos com os enfrentados por João do
Rio em 1919 também figurariam nas discussões sobre a recepção do Tratado de Paz e
suas cláusulas do trabalho. Ainda que, assim como o jornalista, especialistas afirmassem
que “os conservadores de hoje são aqueles que resolverem o problema que a
humanidade proletária exige”89, setores da elite brasileira reproduziam atos de histeria a
cada vez que algum privilégio parecesse ameaçado e qualquer menção a avanços para a
87 RIO, João do. Na Conferência da Paz. 3 v. Rio de Janeiro: Villas Boas, 1919-20, p.87. 88 João do Rio é pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, jornalista,
cronista, tradutor e teatrólogo brasileiro. 89 Ibid., p.82.
52
classe trabalhadora era imediatamente interpretada como uma afronta “aos nossos
costumes”.
1.4. A delegação brasileira na Conferência de Paz em Paris.
O Diário Oficial da União (DOU), do dia 4 de maio de 1919 registra que em
janeiro daquele ano o Brasil havia sido convidado formalmente pelo governo francês,
em nome dos Aliados, para tomar parte da Conferência de Paz que se reuniria em Paris.
As providências foram tomadas para composição da delegação, o Congresso Nacional
rapidamente votou créditos para custear a viagem e, assim, o navio Curvelo partiu rumo
a Paris no dia 2 de janeiro de 1919, levando o chefe da delegação brasileira, Epitácio
Pessoa, o deputado Raul Fernandes, o consultor jurídico Rodrigo Otávio, o secretário
Geral da delegação Hélio Lobo, os militares Armando Burlamaqui e Malan D´Angrogne
e mais um restrito grupo de assistentes90. O deputado João Pandiá Calógeras e Olyntho
M. de Magalhães (instruído por Domício da Gama, Ministro das Relações Exteriores) já
se encontravam na Europa e lá se uniram à Delegação.
A diplomacia celebrava a boa recepção que teve na Europa e se exultava dos
calorosos cumprimentos recebidos pelos representantes dos Conselhos das Grandes
Potências, em especial da França e da Grã-Bretanha. Comentava, ainda, o encontro
com líderes de países aliados e vizinhos:
Devido a grande epidemia que irrompeu em outubro do ano passado,
simultaneamente em quase todos os países, e que tantas vítimas fez,
não teve o Governo Brasileiro a satisfação de acolher as missões
especiais que muitos Governos amigos já tinham resolvido enviar para
assistir a posse presidencial em 15 de novembro último91.
Fato curioso é que a epidemia citada era exatamente o surto de gripe
espanhola de 1918 que impediu o presidente eleito para o quadriênio 1918-1922,
Rodrigues Alves, de tomar posse e o levou a óbito no início de 1919. Foi esse cenário
90 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (DOU). Seção 1, de 04/05/1919, p. 5. (Grafia atualizada); BARRETO,
Fernando de Mello. Da Primeira Guerra Mundial à Liga Das Nações. In. SILVA, Raul Mendes (Org.).
Missões De Paz: A Diplomacia Brasileira Nos Conflitos Internacionais. Rio de Janeiro: Multimídia, 2003; CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1959,
reedição fac-similar, 1998. 91 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (DOU). Seção 1, de 04/05/1919, p. 5. (Grafia atualizada).
53
de turbulência no campo da sucessão presidencial que ocasionou a desistência do
senador Ruy Barbosa de chefiar a delegação brasileira em Paris e abriu espaço para que
o paraibano Epitácio Pessoa assumisse o posto.
A desistência de Ruy Barbosa tornou-se irônica na medida em que nas
eleições do dia 13 de abril de 1919, ele seria derrotado na disputa à Presidência da
República justamente por Epitácio Pessoa, primeiro presidente a ser eleito sem estar em
território nacional. Para muitos comentaristas políticos, a ausência de Epitácio Pessoa
para representar o Brasil em uma missão que atraía os holofotes mundiais contou muito
mais a favor do candidato do que se o mesmo tivesse ficado no Brasil para fazer
campanha. No entanto, nas condições eleitorais da época e não sendo candidato da
situação, o desempenho eleitoral de Ruy Barbosa pode até ser considerado positivo,
visto que uma das “hipóteses para que ele não tenha sido eleito era o fato de haver
fraudes eleitorais favoráveis ao governo vigente e por representar um setor incipiente na
sociedade brasileira, composto por industriais e trabalhadores urbanos”92.
De todo modo, a escolha de Epitácio Pessoa representava uma posição
política interna e externa mais confortável para os “americanófilos”, ou seja, aqueles
que defendiam que o Brasil deveria buscar uma situação de apoio prioritário às questões
apresentadas pelos Estados Unidos da América. Se Ruy Barbosa, mais afeito aos
interesses ingleses, poderia ser até considerado persona non grata pelo governo de
Washington93, Epitácio Pessoa, por sua vez, estava afinado com os interesses norte-
americanos, posição que agradava o presidente interino Delfim Moreira.
O deputado Pandiá Calógeras, membro da delegação brasileira, descreve o
ambiente encontrado como “carregado de eletricidade, continuidade da guerra sob outra
forma”94 e com deliberado intuito das grandes potências em “esmagar sem dó a
Alemanha e seus aliados, consolidar permanentemente a situação da força [...] das cinco
grandes potencias que julgariam os demais casos e às outras nações se reservava o
direito de aplaudir”95. O abissal fosso a separar as grandes potências e os pequenos
92 BARROS, Aparecida Vânia Petrini de; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A Questão Social e
Política no Brasil em 1919: a visão de Rui Barbosa. Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, PR. v. 28, n. 1, p.
81-91, 2006. 93 PEREIRA, Gabriel Terra. A Política Externa Brasileira na Visão de Hélio Lobo (1908-1920). Brazilian
Journal of International Relations, Marília, SP. v.3, n.2, p. 227-256, Maio/Ago., 2014. 94 CALÓGERAS, João Pandiá. O Brasil e a Sociedade das Nações. São Paulo: Secção de Obras do
Estado de São Paulo, 1926, p. 10. 95 Ibid., p.8.
54
Estados e Nações é a primeira questão a ser enfrentada, portanto, pela delegação
brasileira. Embora, a iniciativa de realizar uma conferência prévia entre os países latino-
americanos, com o intuito de fortalecer a posição desses países, tenha partido do
representante uruguaio, Dr. Juan Carlos Blanco, a delegação brasileira já se ocupava do
debate com as potências desde o estabelecimento do número de delegados que deveria
enviar a Paris, quantidade que era considerada insuficiente pela diplomacia brasileira96.
Por fim, o Brasil fez uso de seus laços com os Estados Unidos para garantir a presença
de três delegados, dois a mais do que os outros países latino-americanos.
Além disso, a diferença era acentuada por linguagens politicas muito
diversas adotadas por cada grupo de países, uns a invocarem poderio e força enquanto,
na visão de Calógeras, “os mais novos se inspiram em um ideal jurídico de tolerância e
mútuo consenso”97. A descrição de Calógeras, no entanto, há de ser considerada dentro
da construção de uma narrativa que deveria demonstrar algum grau de altivez da
delegação brasileira, já que as demonstrações de alinhamento aos Estados Unidos eram
evidentes. O que não significa que o Brasil não teve papel crítico importante em
algumas questões. Principalmente no debate sobre a constituição da Sociedade das
Nações, a América Latina e em especial o Brasil fomentaram debates até então
esquecidos pelas grandes potências, provocando a necessidade de construir um bloco
que dialogasse e colocasse na pauta interesses até então excluídos da Conferência de
Paz de Versalhes.
De tal forma, a aproximação com os Estados Unidos, aliada às dimensões
geográficas e populacionais do Brasil, foi decisiva tanto para a conquista de posições
políticas dentro da Conferência, uma vez que, rapidamente, o Brasil assumiu o posto de
liderança dos países latino-americanos, quanto para a obtenção de seus objetivos
específicos. A participação do Brasil na Grande Guerra, a única dos países sul-
americanos, contribuiu para essa relação privilegiada com os Estados Unidos.
A esse respeito, Francisco Doratiotto analisou que embora a participação
brasileira se restringisse ao envio de 13 aviadores, uma missão médica, observadores do
exército e uma frota de seis navios para o Mediterrâneo (que sequer chegou a tomar
parte dos conflitos devido a um surto de gripe espanhola entre os marinheiros), portanto,
96 STREETER, Michael. South America and the Treaty of Verssaille. Haus Publishing Ltd, London, 2010,
p.119. 97 CALÓGERAS, op cit., p.6.
55
uma participação simbólica, a mesma “permitiu ao Brasil importantes ganhos no cenário
internacional”, pois, “o país esteve na Conferência Interaliada em Paris e, terminada a
guerra, nas negociações de paz de Versalhes”98. Dessa forma, mesmo se unindo aos
reclamos dos países menores, o Brasil acabou por “aceitar a lógica de distribuição de
poder com base em classificação hierarquizada”. O não reconhecimento de grandes ou
pequenas potências, tratando as nações soberanas em igualdade de direito e categoria,
relatado por Pandiá Calógeras, na prática, teve seu limite na relação pragmática (ou
realista) que o Brasil estabeleceu com as quatro grandes potências.
As duas questões prioritárias para o Brasil na Conferência de Paz diziam
respeito às sacas de café vendidas pelo Brasil à Europa e a exigência, por parte do
Brasil de pagamento da Alemanha e a requisição de navios. Em artigo sobre a
diplomacia brasileira após a guerra, pesquisadores apontam:
O primeiro problema se referia a uma requisição de vários navios feita
pelo Brasil, em 1917, em represália à destruição de tonelagens pela
Alemanha, ainda antes da deflagração de guerra entre os dois países.
Como a apreensão foi feita ainda em momento de neutralidade, e os
navios não foram posteriormente tornados propriedade brasileira
durante a guerra, a questão se tornou de difícil solução durante as
negociações de paz. Contudo, conseguiu-se atingir uma solução
favorável ao Brasil no artigo 297 do Tratado de Versalhes, segundo o
qual o Brasil teve reconhecido seu direito de propriedade dos navios
mediante indenização à Alemanha (valor que era inferior às
reparações de guerra que a mesma devia ao Brasil). A questão do café,
por sua vez, se referia a um depósito que o Brasil vendeu e depositou
a importância correspondente em uma casa bancária de Berlim, ainda
antes do início da guerra. Essa questão foi de resolução mais fácil,
sendo o Brasil citado nominalmente no artigo 263 do Tratado de
Versalhes99.
O Brasil, portanto, obteve sucesso em suas demandas modestas quando
comparadas aos pleitos das grandes potências, mas importantes quando comparadas ao
grau de envolvimento do Brasil na guerra. O apoio dos EUA, desde o momento em que
se discutiam as distribuições de tarefas e participação na Conferência100, fortaleceu
Epitácio Pessoa e aumentou seu prestígio. Em telegrama de 2 de junho de 1919,
98 DORATIOTTO, Francisco. O Brasil no Mundo. Idealismos, novos paradigmas e voluntarismo. Volume
3 A abertura para o mundo: 1889-1930. In. SCHWARCZ, Lilia Moritz (Dir.). História do Brasil
Nação: 1808-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p.165. 99 PASSOS, Anaís M.; CORÁ, Camilla; AMAZARRAY. Igor. Discurso, prática e poder: o Brasil na Liga
das Nações. Revista Interação. Universidade de Santa Maria. Santa Maria: UFSM, v.1, n.1, 2010. 100 MACMILLAN, 2004, p.70.
56
apresentando resenha do trabalho da delegação brasileira em Paris, Epitácio Pessoa
reafirmava que de pronto que “do presidente Wilson tive logo manifestações
inequívocas de apoio”101. Segundo Delgado de Carvalho, tanto no caso das sacas de
café que estavam na Alemanha, quanto no caso dos navios, a intervenção norte-
americana foi decisiva para o favorecimento do Brasil e quando “o Protocolo Wilson-
George, de 8 de maio, concedia a propriedade dos navios mediante indenização”, a tese
de Epitácio Pessoa soou como vencedora102.
A imprensa francesa também deu certo reconhecimento à liderança de
Epitácio Pessoa e, na ocasião de sua partida de Paris, o Jornal L´illustration, que havia
feito ampla cobertura da Conferência, dedicou-lhe espaço:
A partida da França do Presidente do Brasil
O eminente Chefe da Delegação brasileira à Conferência de Paz, Sr.
Epitácio Pessoa, presidente eleito do Brasil, deixou Paris na terça-feira
pela manhã para partir para a Inglaterra a convite do Rei George, antes
de regressar ao seu país, onde a confiança de seus compatriotas o
chamou para exercer o cargo supremo. A delegação brasileira
participou das negociações que precederam a criação de condições de
paz, uma influência particular, justificada pela alta personalidade de
seus membros e os interesses econômicos consideráveis que o Brasil
representa atualmente. A partida do Senhor Epitácio Pessoa deixa
profundo pesar naqueles que foram capazes de em suas ações
atividades amigáveis e comprometidas com o nosso país. Nosso
governo queria que um navio francês o conduzisse para o Brasil e,
para esse fim, o cruzador Jeanne d'Arc, hasteando a bandeira do
contra-almirante Grout, levará o presidente a Lisboa e à América, de
onde partirá contigo sua família e sua comitiva em um navio Inglês.
O adeus à França de Epitácio Pessoa foi de um amigo que quer voltar
para cá e cujas simpatias, no exercício de seu alto cargo,
permanecerão fiéis, como já prometeu. Se, disse ele a uma delegação
de imprensa na véspera de sua partida, o meu país quer uma relação
cada vez mais próxima com todas as nações amigas e aliadas, não há
nenhum país com a qual o Brasil deseja mais ardentemente esta
comunhão de interesses e reciprocidade de serviços do que com a
França. (L‘Illustration, 7 de junho de 1919)103.
Algumas feridas, no entanto, continuavam abertas. Durante o processo
eleitoral de 1919, Ruy Barbosa, principal opositor de Epitácio Pessoa, apresentou uma
plataforma de discussão das questões sociais e defendeu abertamente a adoção de uma
101 PESSOA, Epitácio. Conferencia da Paz, Diplomacia e Direito Internacional. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional do Livro. Ministério da Educação e Cultura, 1961. Telegrama 02/16/1919. 102 CARVALHO, 1998, p.384. 103 L’ILLUSTRATION, 7 de junho de 1919. (Tradução nossa).
57
legislação que regulamentasse o trabalho, denunciou a exploração a que o povo estava
submetido e as péssimas condições de trabalho nas fábricas. Ademais, apontava para a
crescente tensão social como uma ameaça ao capitalismo. Em discurso realizado no
Teatro Lírico do Rio de Janeiro, no dia 20 de março de 1919, Ruy Barbosa criticou os
políticos que nada faziam para amenizar a deplorável situação da classe operária e,
assim, colocavam em risco toda a ordem social brasileira104. Derrotada nas eleições, a
plataforma de Ruy Barbosa, no entanto, teve grande repercussão nos meios sindicais e
político. No mesmo momento, na Europa, a Conferência de Paz colocava à mesa esse
debate, solenemente ignorado pela delegação chefiada por Pessoa.
Apesar da expectativa de setores do movimento operário e do parlamento
brasileiro quanto à inserção do Brasil nas discussões sobre legislação do trabalho, no
entanto, das 5 comissões criadas na Conferência (a saber, Reparações, Vias de
Comunicação, Legislação do Trabalho, Responsabilidade na Guerra e Sociedade das
Nações), o Brasil tomou parte apenas dessa última. João do Rio escreveu que para
defesa de seus interesses nas demais comissões, entre elas a de legislação do trabalho, o
Brasil se valeu do auxílio de portugueses e países sul-americanos.
Em telegrama enviado ao senador Azeredo, no dia 23 de abril de 1919,
Epitácio Pessoa utiliza como justificativa para a ausência da delegação brasileira na
sessão que recebeu o projeto da Comissão sobre Legislação Internacional do Trabalho a
ocupação com “outros interesses do Brasil”, embora faça a ressalva de que a delegação
acompanhou com o “maior interesse” os trabalhos da Comissão. Também afirma que
tinha conhecimento prévio de que o texto seria aprovado integralmente e, portanto, seria
indiferente a participação de sua delegação. Mais adiante, Pessoa minimiza o fato e o
ruído feito no Brasil em torno do assunto, sinal de que nesse momento havia cobrança
de setores do parlamento e da sociedade brasileira sobre as questões sociais e não vozes
isoladas. Tanto que forçaram uma justificava do presidente eleito da República.
No dia seguinte, 24 de abril, foi encaminhado a Azeredo outro telegrama de
Paris para tratar do andamento da Comissão. Nele, o chefe da delegação informa o
senador que havia solicitado ao delegado uruguaio que acompanhasse os debates e
pedido para que ficasse atento aos pontos que “nos interessassem”. Ao mesmo tempo,
Olyntho de Magalhães fazia o mesmo pedido aos demais delegados latino-americanos.
104 HALL; PINHEIRO, 1979, p.272.
58
A medida sugere ter surtido efeito, uma vez que dessa data em diante há várias
correspondências entre o senador e Pessoa e, cada vez mais, os telegramas vindos de
Paris traziam mais detalhes sobre o teor das discussões. Foi dessa forma que chegaram
ao Brasil as primeiras informações sobre a proposta de um Congresso em Washington
para debater exclusivamente legislação do trabalho. Também foi assim que temas como
direito de associação de operários e patrões, supressão do trabalho de crianças e
limitação do trabalho dos menores a fim de garantir formação educacional e física dos
jovens, salário igual para trabalho igual sem distinção de gênero e tantos outros temas
que não eram novidades para o movimento operário no Brasil, soavam como música
revolucionária aos ouvidos de quem acompanhava de perto a realidade da vida da classe
trabalhadora no Brasil.
Eugênio Vargas Garcia também publicou informações que atestam o
desinteresse das elites dirigentes brasileiras pela questão do trabalho. Quanto à
Organização Internacional do Trabalho o autor reproduz documento diplomático de
1925 e indica que “o Brasil não manifestava nenhum interesse em integrar seu conselho
administrativo [...] o governo entendia que as questões do trabalho não eram tão graves
no país a ponto de exigir maior atenção do Itamaraty”105.
No entanto, a campanha presidencial de 1919, o conteúdo dos jornais e
boletins sindicais impulsionados pelas intensas ações da classe trabalhadora nos centros
urbanos brasileiros e a própria necessidade de justificativa da delegação pela ausência
em uma sessão sobre legislação do trabalho, formam prova de que finalmente esse
debate havia assumido lugar na política nacional, antes mesmo da série de decretos
presidenciais que formariam a legislação trabalhista brasileira. Em outras palavras,
nenhum problema estava resolvido, mas estavam enfim colocados.
1.5. Notícias da Conferência de Paz: as leis do trabalho na imprensa
brasileira.
As notícias do exterior cumpriram importante papel para a formação da
opinião pública e orientação política do movimento operário brasileiro. Desse modo, foi
105 GARCIA, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926). Porto Alegre/Brasília: Editora
da Universidade/Fundação Alexandre de Gusmão, 2000, p.87.
59
extensa a cobertura da Conferência de Paz de Versalhes pela grande imprensa e, por
consequência, das informações acerca da legislação do trabalho.
O Estado de São Paulo noticiou, em 17 de julho de 1919, que ocorrera uma
significativa manifestação de operários da capital paulista contra o Tratado de
Versalhes. Na ocasião os manifestantes qualificaram o Tratado como “engodo
imperialista”106. A matéria registrava, ademais, a recusa por parte do movimento
operário em aceitar os termos das medidas propostas em Paris, consideradas por eles
paliativas.
O jornal carioca Correio da Manhã publicou notas curtas e deu ênfase ao
fato de que o “Congresso Nacional discutiria na última sessão pautas nacionais, Tratado
de Paz e Legislação Social”107. Além disso, recomendava a leitura de João do Rio no
editorial da Revista da Semana, que traria a íntegra do que havia ocorrido na
Conferência de Paz108.
No primeiro dia de março de 1919, o jornal deu ênfase aos informes da
reunião da Comissão da Legislação Internacional do Trabalho:
A comissão de legislação internacional do trabalho realizou hoje a
décima quinta e décima sexta sessões sob a presidência do Sr.
Gompers, tendo acabado a discussão das condições a serem exigidas a
fim de obter-se a modificação da constituição da Organização
Internacional do Trabalho cuja criação foi proposta. Foi decidido que
a reunião da Conferência Internacional do Trabalho seja convocada
para o mês de outubro109.
A partir daí, o jornal publicou uma série de informações e opiniões sobre a
futura Organização Internacional do Trabalho e a conferência convocada para outubro,
sem esconder sua posição de que a OIT era um plano “inteligente e sensatamente
elaborado” e que “se coaduna perfeitamente com os princípios da Sociedade das Nações
apresentada por Wilson”110. No final de 1920, o deputado Andrade Bezerra utilizou as
páginas do jornal para, em um mesmo artigo, defender a força dos parlamentos e da
função legislativa, associando-a às novas leis e instituições do trabalho que estavam
surgindo. Em suas conclusões, afirmava que:
106 O ESTADO DE SÃO PAULO, 17/7/1919. 107 CORREIO DA MANHÃ, 01/01/1920. 108 Ibid., 02/01/1920. 109 Ibid., 01/03/1919 110 Ibid., 22/03/1919.
60
Podemos ter esperança tanto mais fundada no desenvolvimento desse
método de elaboração legislativa, quanto o vemos adotado pelos
países que integram a Liga das Nações, na Organização Internacional
do Trabalho. Que é a Conferencia internacional ali criada [...] senão
um parlamento profissional, de ordem internacional, em que os
delegados das classes operárias e patronais, em colaboração com os
representantes do governo, solucionam, com os ensinamentos de sua
experiência, as questões do trabalho, as mais graves dos tempos
presentes, conseguindo ver aplicadas essas soluções a todas as partes
do mundo?111
O artigo de Andrade Bezerra enfrentava as desconfianças em relação ao
parlamento, existentes na sociedade, afirmando que era esse modelo, o parlamentar, o
escolhido pelas instituições consideradas por ele “mais avançadas” e que entregavam
resultado concreto na vida dos trabalhadores de todo o mundo. Feitas as ressalvas
quanto à eficiência prática desse discurso, nota-se é um ponto de vista muito distinto do
que entenderia a maior parte dos jornais operários daquele período. Salta aos olhos,
contudo, que o parlamentar tenha escolhido exatamente a legislação do trabalho para
defender o poder legislativo em tempos nos quais o executivo “se anunciava frágil e
dependente”112.
Ao passo em que as questões sobre legislação do trabalho ganhavam cada
vez mais espaço no Correio da Manhã, o jornal O Paiz assumia a defesa da adoção de
leis sociais de forma explícita e, em texto ladeado por uma tocante matéria sobre a
situação de uma criança de baixa renda, defendeu que a única solução para casos como
esse era a adoção de uma legislação social, isto porque:
O remédio está em uma legislação social sábia, fecunda, cheia de
ideias novas, práticas, cintilantes, vigorosas, trazendo melhoras às
diversas condições sociais das classes pobres, principalmente em tudo
que lhes diz respeito à higiene física e moral. A nação que promulgar
essa legislação dará ao mundo inteiro uma lição admirável.
Com essas medidas; com hospitais e dispensários distribuídos pelos
arrabaldes, de modo a satisfazer as exigências das populações; com o
aumento da instrução, leis protetoras das gestantes, recursos que lhes
permitam aleitar seu filho ao seio, incitamento, sob várias formas,
aquelas que levam a cabo essa tarefa dignificadora; saneamento das
habitações, creches aqui e ali, para atender as que não possam se
esquivar a trabalhar fora do lar, auferindo os meios de subsistência,
além de leis contra o alcoolismo e outras disposições que venham
111 Ibid., 13/11/1920. 112 VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com
leite”. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 258.
61
garantir a esses pequenos deserdados ter-se-á, seguramente oferecido
um dique a essa corrente caudalosa que vem afogando e dizimando a
vida em massa113.
Nota-se que a presença dos temas relacionados ao trabalho ganhou mais
destaque na grande imprensa nesse período, muitas vezes carregando assinatura de
personalidades de renome no mundo político e jurídico, como o caso do jurista Evaristo
de Moraes e Maurício de Lacerda.
O jornal O Paiz retomou a “seção operária”, dessa vez sob a
responsabilidade de Sarandy Raposo114. De tal forma, as defesas das leis do trabalho
tomaram corpo em artigos na imprensa graúda, mas, também, na imprensa operária,
pelas mãos de intelectuais engajados no tema. A esse respeito, um episódio foi narrado
de forma curiosa na Sessão da Câmara dos Deputados de 28 de julho de 1920,
oportunidade na qual o deputado Andrade Bezerra relatou a repressão sofrida pelo
diretor do jornal operário Voz do Povo115, Álvaro Palmeira, e contou que um manuscrito
de artigo de Maurício de Lacerda havia sido apreendido como “material perigoso”. No
entanto, ironizou o deputado Bezerra, que o artigo não havia sido classificado como
subversivo tão somente por conta da “péssima caligrafia do autor”116.
Em setembro de 1921, ainda, saiu o primeiro número da revista Clarté no
Brasil, grupo que sob a influência do francês Henri Barbusse envolvia militantes,
advogados, jornalistas e sindicalistas, incluindo Maurício de Lacerda e Evaristo de
Moraes117. A diversidade de pensamento dentro do próprio grupo, não dogmático,
garantia a seus membros bom trânsito entre variados segmentos do movimento operário
e da imprensa. Segundo Joseli Mendonça, “dois dos quatro artigos escritos por Evaristo
113 O PAIZ, 09/05/1919, p.2. 114 Custódio Alfredo Sarandy Raposo foi líder sindical, fundador da Confederação Sindical Cooperativista
Brasileira e funcionário do Ministério da Agricultura. Foi redator da seção “No meio operário” publicada
pelo jornal O Paiz, a partir de fevereiro de 1923. Cf. BATALHA, Claudio H. de M.. Dicionário do
Movimento Operário: Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920, militantes e organizações. São Paulo:
Editora da Fundação Perseu Abramo, 2009, p. 134. 115 O historiador Dainis Karepovs esclareceu em nota que Voz do Povo era sucessor de Spartacus (que
circulou de agosto de 1919 a janeiro de 1920) e órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro.
Reunia militantes anarquistas e socialistas e, como seu antecessor, publicava farto noticiário sobre a
Rússia Soviética. Circulou de fevereiro a novembro de 1920. Cf. KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o
parlamento no Brasil: O bloco operário-camponês (1924-1930). Tese de Doutorado. Departamento de
História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo:
USP, 2001, p. 35. 116 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, Sessão 28/07/1919. 117 Sobre o Grupo Clarté. Cf. HALL, Michael; PINHEIRO, Paulo Sérgio. O grupo Clarté no Brasil: da
revolução nos espíritos ao ministério do Trabalho. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Libertários no
Brasil - memória, lutas, cultura. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 251-287.
62
de Moraes para a revista Clarté dedicavam-se exatamente a apontar a necessidade de
que o parlamento aprovasse leis para melhorar as condições de vida dos
trabalhadores”118.
O engajamento de Evaristo, de acordo com Mendonça, utilizava como
instrumento a publicação de textos na grande imprensa e “nos textos que publicava nos
jornais com objetivos declaradamente políticos, a relação entre a história da abolição e a
questão operária podia ser diretamente estabelecida” e mais, “não passava despercebida
a Evaristo a tensão que os elementos de ordem política introduziam na história científica
que ele queria produzir”119. Assim, Evaristo de Moraes publicou artigos sobre a questão
social no Jornal do Comércio, Correio da Manhã e Voz do Povo.
Antes de se fazer análise das posições da imprensa operária são necessárias
algumas considerações sobre as correntes que editavam essas publicações nos anos
1920 e as diferentes interpretações que tinham do estágio da luta política. Edilene
Toledo mostrou como, embora quase automaticamente relacionado ao anarquismo, o
movimento operário em São Paulo era mais heterogêneo e complexo. Sobre o
“sindicalismo revolucionário”, movimento que se destacava, Toledo observou que essa
era uma “corrente política autônoma em relação ao anarquismo e socialismo”120. Além
disso,
O novo projeto sindicalista revolucionário era essa tentativa de
conciliar a luta para obter vantagens a curto prazo no quadro do
sistema existente, com uma perspectiva a longo prazo de derrubar o
capitalismo e instaurar um sistema de propriedade coletiva dos meios
de produção, geridos pelos próprios trabalhadores121.
A contribuição de Toledo é de fundamental importância para desmitificar a
ideia de que nos anos 1920 o movimento operário era todo ele “anarcossindicalista”,
quando na realidade era muito mais amplo e complexo de que isso. Por sua vez, o
“sindicalismo reformista”, discutido por Claudio Batalha, tinha uma “concepção do
funcionamento e uma prática sindical partilhada por uma constelação de correntes:
118 MENDONÇA, Joseli Maria N. Evaristo de Moraes, Tribuno da República. Campinas: Ed. da
UNICAMP, 2007, p.331. 119 MENDONÇA, Joseli Maria N. Evaristo de Moraes: O juízo e a história. In: LARA, Silvia Hunold;
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (org.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social.
Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 2006, p.334. 120 TOLEDO, Edilene. Travessias Revolucionárias: ideias e militantes sindicalistas em São Paulo e na
Itália (1890-1945). Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 2004, p. 27. 121 Ibid., p. 30.
63
socialistas, positivistas, sindicalistas pragmáticos”122. Eram organizações que se
pretendiam duradouras, financeiramente equilibradas e que defendiam, diferentemente
dos “revolucionários”, uma política de obtenção de ganhos que aceitava intermediação
de advogados, políticos e autoridades que assegurassem conquistas pontuais através de
leis.
Acrescenta-se a esse cenário a fundação, em 1922, do Partido Comunista do
Brasil (PCB), estruturado em um momento de sério revés na luta operária de inspiração
anarquista e orientado pela linha da Internacional Comunista. Cada um desses grupos
assumiu diferentes atitudes frente ao Tratado de Paz e, ao longo do tempo, os próprios
grupos modificaram suas leituras. Outra confusão frequente, que se evita neste texto, é
associar os periódicos da época diretamente a uma dessas filiações ideológicas. Não era
raro que os espaços que os jornais tinham para dar notícias dos sindicatos fossem
ocupados por jornalistas com proximidade com o anarquismo ou comunismo, questão
que poderia mudar de acordo com a conjuntura, a depender do ambiente político e grau
de repressão.
Para todos esses grupos, a imprensa era mais do que um meio de
comunicação, era um meio de organização das ideias e da afirmação de identidade de
cada uma das correntes. De acordo com Tiago Bernardon “divulgar acontecimentos
contemporâneos do exterior deveria cumprir uma função muito maior do que
meramente informativa, que era fazer o trabalhador tomar parte de um movimento
universal que era essencialmente seu”123. A repercussão dos eventos e feitos
internacionais, portanto, não se limitava à denúncia e ao exemplo, mas incluía o
processo de formação e afirmação de experiência para aquela classe social.
Esse ponto é perceptível em jornais com interpretações intermediárias, caso
do jornal diário O Combate que, desde antes da Conferência de Paz, defendia a adoção
de uma legislação social sem, no entanto, aderir aos princípios mais radicais dos
movimentos políticos da época. Na edição do dia 25 de setembro de 1917, por exemplo,
o jornal defendeu aprovação de leis para proteção do trabalho materno e infantil e, para
122 BATALHA, Claudio H. de M.. O Movimento Operário na Primeira República. Coleção Descobrindo
o Brasil. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2000, p.33. Cf., do mesmo autor, Le syndicalisme
“amarelo” à Rio de Janeiro (1906-1930). Tese de Doutorado em História. Universidade de Paris. Paris:
Université de Paris I, 1984. 123 OLIVEIRA, Thiago Bernardon de. Anarquismo, sindicato e revolução no Brasil (1906-1936). Tese de
Doutorado em História. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro: UFF, 2009, p.217.
64
tanto, apresentou memorando das leis em vigor na Alemanha, Suíça, Bélgica, Portugal,
Itália e Argentina:
Façamos uma rápida excursão através da legislatura dos povos de
superar civilização e vejamos o que de mais prático, de mais eficiente
e de mais previdente valor se tem tentado e conseguido neste
particular. O problema social é tanto mais momentoso, tanto mais
premente e empolgante, quanto atentarmos para a situação que seguirá
à terminação da tremenda e calamitosa guerra destruidora que tanto
perdura124.
No mesmo espírito, O Combate faria generosos elogios ao deputado
Maurício de Lacerda na ocasião em que apresentou um projeto para assistência e
amparo às mulheres operárias e seus filhos.
Despertados violentamente pela veemência tumultuosa das
reivindicações do proletariado, pelo apelo vibrante do exército de
operários que reclamam justas concessões e razoáveis vantagens a que
lhes assiste legítimo direito nas sociedades cultas e bem
administradas, os governos movem-se e parecem animados do nobre
desejo de dar satisfação a tão justas exigências. O operoso e
esclarecido deputado Maurício de Lacerda, cujos esforços generosos
em prol dos interesses e dos direitos das classes pobres se
desenvolvem e expandem com vigor, apresentou há dias, à Câmara
Federal um projeto de lei, que, convenientemente modificado,
adaptado e provido de feições práticas, realizará um largo e profícuo
passo no caminho do amparo e assistência legal da maternidade e da
infância no meio operário125.
No ano seguinte, no qual foi estabelecida no Brasil a Comissão de
Legislação Social (CLS) na Câmara dos Deputados, o periódico abriu espaço para
entrevistas de deputados da bancada trabalhista, indicando outra vez sua posição a
respeito da legislação do trabalho, e noticiou que a questão ganhava peso naqueles dias.
Tanto no meio dos industriais como no dos proletários está
despertando vivo interesse o trabalho que no Congresso Federal está
sendo iniciado com o fim de, na presente legislatura, ser votada a
legislação operária. No seio das classes laboriosas há receio de que os
grandes industriais procurem criar embaraços à ação legislativa, e isso
com vista da atitude pelos mesmos, assumida contra os projetos sobre
o mesmo problema votados pelo Conselho Municipal126.
124 O COMBATE, 25/09/1917. 125 Ibid., 05/10/1917. 126 Ibid., 29/05/1918; 23/05/1919.
65
A cobertura sobre a Conferência de Paz também teve destaque nas páginas
desse jornal. No início de janeiro, quando líderes políticos russos não alinhados aos
bolcheviques procuraram representantes das potências que participavam das tratativas
de Versalhes para tentar um acordo, o jornal afirmou o desejo de que dessas reuniões
saíssem resoluções “de grande eficácia para libertação da Rússia da influência
bolchevique”127. A defesa da legislação social, portanto, aparecia como estratégia
alternativa à revolução social, embora o ataque aos bolcheviques não tenha sido uma
linha definitiva desse órgão de imprensa.
Nesses mesmos dias, o então semanário A Plebe, publicação de São Paulo,
passava a ser diário diante do cenário de acirramento das lutas sociais, e reagia
duramente contra o projeto de legislação social proposto pelos peacemakers de
Versalhes, denunciando-o como uma tentativa de dissuasão da revolução que estava por
vir. Embora Tristan Vargas tenha afirmado que “para os anarquistas de A Plebe era, de
fato, a revolução que se colocava como possibilidade do momento” e a reação das
potências europeias “nada mais era do que indícios da grande derrocada burguesa”128,
essa posição deve ser compreendida dentro de uma leitura mais ampla das estratégias do
movimento operário, diante de um cenário mundial que via de perto o desenrolar da
revolução proletária e de efervescência social em São Paulo.
A convocatória publicada em A Plebe, em primeiro de maio de 1919,
conclamava os proletários a se manifestarem por mais direitos e contra aqueles
princípios da Conferência de Paz:
A loucura imperialista que por anos arrastou as nações a esta chacina
sem precedentes chegou aos seus últimos esforços, sem nada ter
solucionado. E os que se iludem ter saído da luta coroados pelos
louros da vitória confessam sua própria incapacidade em resolver
alguma coisa racionalmente, subscrevendo, com as mãos ainda
gotejantes de sangue, fórmulas de paz que abrem as portas para novas
guerras129.
No mesmo primeiro de maio de 1919, com efeito, a demissão de um têxtil
da Indústria Matarazzo por fazer discurso em praça pública deflagrou uma greve de 10
127 Ibid., 09/01/1919. 128 VARGAS, João Tristan. O trabalho na Ordem Liberal: O movimento operário e construção do Estado
na Primeira República. Campinas: UNICAMP/CMU, 2004, p. 250. 129 A PLEBE, 01/05/1919.
66
dias e 50 mil pessoas. Jorge Street130, como resposta, publicou alguns dias depois uma
nota em nome da Associação Comercial, no O Estado de São Paulo, onde declarava que
os empresários aceitavam os princípios da Conferência de Paris131.
Diferentemente da grande imprensa diária, a cobertura de cada etapa da
Conferência de Paz vinha acompanhada por uma crítica feroz à reunião das “cúpulas
burguesas”, reproduzindo a orientação que Tchitcherine, Comissário do Exterior da
República Russa, disse no jornal Izvestia, jornal fundado em 1917 e que viria a ser o
Diário Oficial da União Soviética. A tradução da opinião do comissário foi publicada
por A Plebe:
Este tratado não é um tratado de paz, mas uma continuação da guerra.
Cria uma situação que equivale a guerra. De resto, esse era o escopo
que pretendiam seus autores: perpetuar o estado de guerra para melhor
combater o movimento operário. A oligarquia atual conserva de fato o
seu domínio, excitando os operários dos diversos países, uns contra os
outros [...] não passa de uma fórmula demagógica. É, portanto, uma
prova de que o Tratado de Versalhes quer manter os conflitos não só
entre os povos, mas também entre as classes132.
No dia 25 de maio de 1919, A Plebe publicou artigo no qual Astrojildo
Pereira sintetizou essa posição: “Leis? Decretos? Códigos? Mas o proletariado não quer,
nem precisa de leis, decretos ou códigos”. Por meio também de Astrojildo Pereira, em
abril de 1922, o jornal Movimento Comunista convocaria os “bolchevistas” a lutar
contra as decisões das conferências internacionais “desmascarando-lhes o jogo e a
hipocrisia com que até agora, desde Versalhes, têm embalado o mundo”133.
As diferenças entre as linhas políticas e editoriais de O Combate e A Plebe,
contudo, se tornam manifestas a partir do processo de convocação e indicação de
delegados para a 1ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Washington
entre outubro e novembro de 1919. Como já mencionado anteriormente, as delegações
130 Jorge Street presidiu o Centro Industrial do Brasil (CIB) entre 1912 e 1926. Favorável ao
reconhecimento dos sindicatos operários, segundo ele um fruto da própria evolução do capitalismo,
defendia, ainda, o estabelecimento do contrato coletivo de trabalho e, antes da década de 20, sugeriu a
criação de uma legislação trabalhista. Apesar disso, em 1919, manifestou-se contrário à redução da
jornada de trabalho para oito horas diárias, reivindicada pelos trabalhadores, só mudando de posição após
ser convencido pelo empresário Francisco Matarazzo. Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil CPDOC: A Era Vargas - 1º tempo - dos anos 20 a 1945. Fundação Getúlio
Vargas FGV, 1997. 131 O ESTADO DE SÃO PAULO, 08/05/1919. 132 Ibid., 12/07/1919. 133 PEREIRA, Astrojildo. Construindo o PCB (1922-24). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas,
1980, p.25.
67
seriam constituídas de delegados de todos os países membros, sendo compostas por 2
delegados indicados pelos governos, 1 representante dos trabalhadores e 1 representante
dos patrões.
Enquanto O Combate noticiava que chegavam ao governo os primeiros
nomes dos indicados pelas associações operárias, citando entre eles o Centro Operário
da União, do Rio de Janeiro134, A Plebe ironizava as organizações sindicais que
enviavam resposta ao governo sobre representantes para Conferência de Washington,
pois, entre eles estariam apenas o “Centro Franciscano de Ensacadores de Fumaça”, a
“Escola de Regeneração Social Maria Madalena” e a “União da Oficina de Vários
Malandros”135. Obviamente, essas organizações citadas eram fictícias e serviam para
expor de forma jocosa o que eles consideravam uma mera formalidade dos governos,
inclusive o brasileiro, para cumprir um jogo de cena que ocorreria na capital
estadunidense e do qual os grupos mais radicalizados do movimento operário se
recusavam a participar.
Nos dias que antecederam o início da Conferência de Washington, A Plebe
denunciou com ardor a “arapuca armada pelos governos à boa fé dos operários” e “a
Conferência internacional pseudo trabalhista”136. Celebrou também as organizações que,
no Brasil e no restante do mundo, disseram não ao convite dos governos:
A união dos ferroviários, que representa mais de 2 milhões de
operários, resolveu não tomar parte na Conferência, a menos que se
alterem as bases de representação, estendendo a todas as associações
sindicais, de todos os países137.
O deputado Mauricio de Lacerda recebeu um telegrama da Sociedade
da União Geral dos Tecelões da Bahia dizendo que, em assembleia,
resolveu não contribuir para a representação do operariado brasileiro
na Conferência de Washington [...] um embuste organizado pelos
capitalistas mancomunados com os governos138.
‘O Congresso operário de Coimbra e a célebre conferência de
Washington’
Convocado pela União Operária Nacional [...] o congresso representa
todas as forças operárias da república. Todas as facções avançadas do
congresso foram unanimes em declarar que a I Conferência
134 O COMBATE. Conferência Trabalhista de Washington, 23/09/1919. 135 A PLEBE. Centro Franciscano de ensacadores de fumaça; Escola de regeneração social Maria
Madalena e União da oficina de vários Malandros. 136 Ibid., 04/10/1919 e 08/10/1919, respectivamente. 137 Ibid., 08/10/1919. 138 Ibid., 11/10/1919.
68
Internacional do Trabalho não passa de grosseira mistificação
burguesa e que os proletários de todo o mundo devem repudiá-la139.
À primeira vista, a firme oposição à participação nas conferências
convocadas pelos organismos internacionais que buscavam a regulação do direito do
trabalho, feita pelos grupos mais radicalizados pode ser relacionada à sua submissão
aos comandos da Rússia soviética. No entanto, alguns fatores têm de ser levados em
conta: por um lado, os “sindicalistas revolucionários” mantinham certa autonomia frente
ao que ocorria na Rússia e, por outro, os grupos anarquistas também não tinham
motivos para seguir suas orientações. Mais do que uma determinação expressa vinda de
fora, essa postura fazia parte de uma tática mais ampla, adotada por setores do
movimento operário brasileiro.
Vale observar que O Combate, que considerava que “a atitude da classe
trabalhadora ante o convite feito ao Brasil para participar da Conferência Internacional
[...] é de expectativa”140 não disfarçava o entusiasmo com a iniciativa do deputado
Nicanor Nascimento, membro da CLS, de “incluir nos projetos daquela comissão
proibindo aos industriais estados intermitentes de atividade” situação que prendia o
“operário em constante miséria, pois não pode o mesmo contar com um salário
permanente”141. Em outras palavras, o jornal defendia abertamente a intervenção do
Estado para regulação da atividade econômica para proteção dos trabalhadores, nacional
e internacionalmente, na contramão da tática adotada pelos operários de A Plebe.
A análise feita por Dainis Karepovs sobre a formação do Bloco Operário e
Camponês, embora se concentre em um período posterior (1927), no qual se deu “o
momento inicial da ocupação das instituições da sociedade civil por parte dos partidos
de esquerda”142, traz uma importante reflexão a respeito da forma como os anarquistas,
no início dos anos 1920, se opunham à adoção de uma legislação trabalhista e
consideravam-na “inócua”, “inútil” e até “retrógrada”. Karepovs associa a negação da
legislação trabalhista ao discurso de negação da ocupação de espaços nos parlamentos.
Assim, já nas vésperas da realização do 3º Congresso Operário Brasileiro, em abril de
1920:
139 Ibid., 16/09/1919. 140 O COMBATE, 02/09/1919. 141 Ibid., 22/05/1919. 142 KAREPOVS, 2001, p. 25.
69
Toda a crítica anarquista, no que se refere à questão parlamentar,
pode-se dizer que padecia de uma contradição fundamental: os
anarquistas queriam fazer política recusando-se incondicionalmente a
lutar na arena política existente, negando-se a constituir partidos, atuar
no legislativo, a participar de eleições e eleger parlamentares143.
É verdade, porém, que o quadro complexo do movimento operário no início
dos anos 1920 não permite atribuir apenas aos anarquistas a oposição aos pressupostos
da legislação internacional do trabalho e que, mesmo comunistas, reformistas e
parlamentares que defendiam, no Brasil, a adoção de um Código do Trabalho,
receberam com desconfiança as deliberações de Versalhes e Washington.
Entretanto, surpreende que apesar de esses argumentos terem sido revistos
por muitos desses militantes já nos anos seguintes, quando passaram a exigir a
ratificação das convenções internacionais a importância dos organismos e das disputas
institucionais na luta por direitos ainda não tenham sido suficientemente revistas pelas
análises do período.
143 Idem.
61
CAPÍTULO II A CÂMARA DOS DEPUTADOS E A COMISSÃO
DE LEGISLAÇÃO SOCIAL (1918-1926)
2.1. A constituição das Bancadas.
A primeira comissão parlamentar incumbida de discutir exclusivamente a
questão social no Brasil foi formada em 1918 na Câmara Federal. Estava sob a
responsabilidade da Comissão a elaboração de um Código Global que contemplasse os
principais aspectos de proteção ao trabalho, reivindicados pelos trabalhadores, inclusive
legislações que, eventualmente, já haviam sido adotadas em determinados estados da
República.
O debate em torno do direito social mudou seu rumo, a partir da
transformação do modo de produção e da formação da classe trabalhadora. No caso
brasileiro não foi diferente. Com a primeira guerra mundial houve forte crescimento da
industrialização advindo da substituição de importações. Os dados do Censo
comprovam que “21% da força motriz existente na indústria, em 1919, tinham sido
instalados entre 1915 e 1919”144. Nesse período, o Brasil virou momentaneamente um
exportador de tecidos e produtos semi-industrializados para países latino-americanos e
“até para a África do Sul”, ao mesmo tempo em que o aumento do custo de vida e a
perda de salário real levaram a uma “onda de greves e manifestações operárias”145.
Diante dessa conjuntura, e consideradas as iniciativas anteriores de regulamentação de
parcela do mundo do trabalho, foi no imediato pós-Primeira Guerra que o parlamento
assumiu, de forma mais direta, essa questão.
A Comissão de Legislação Social (CLS) da Câmara dos Deputados foi
instaurada após requerimento do deputado Nicanor Nascimento, subscrito pelo deputado
paulista Alberto Sarmento e instituída em novembro de 1918 com apoio do deputado
José Lobo, ato contínuo nomeado presidente da Comissão. Em grande medida, os
debates da Conferência de Paz de 1919 interagiram com aquela comissão específica,
144 FRANCO, Gustavo H. B.; LAGO. Luiz Aranha Correa do. O Processo Econômico: a economia da
Primeira República (1889-1930). In. SCHWARCZ, Lilia Moritz (Dir.). História do Brasil Nação: 1808-
2010, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p.207. 145 Ibid., p.209.
62
pois, ao tomar conhecimento dos artigos concernentes à questão do trabalho, José Lobo
imediatamente encaminhou à comissão o texto do Tratado de Versalhes e pediu
providências.
O debate sobre a questão social foi ampliado, saiu unicamente do plenário e
ocupou um novo espaço no parlamento em meio a uma conjuntura de fortalecimento do
movimento operário internacional e revisão do papel do Estado brasileiro. No plano
interno, a questão era debatida em virtude, por um lado, dos movimentos grevistas e,
por outro, do aumento da carestia de vida no pós-guerra. O trabalho fundamental e mais
completo sobre os debates institucionais que seguiram é o de Ângela de Castro
Gomes146.
Nos capítulos dedicados aos debates sobre Legislação Social, a autora
divide o parlamento em três grupos, de acordo com suas posições básicas: a) bancada
trabalhista, b) bancada gaúcha e c) bancada paulista.
Na bancada trabalhista destacavam-se os deputados Nicanor Nascimento,
Maurício de Lacerda e Deodato Maia. Propositores de projetos que visavam garantir
minimamente o direito de associação e proteção do Estado aos trabalhadores, foram
diversas vezes à tribuna para defender movimentos grevistas e a intervenção do Estado
na economia. A finalidade de suas arguições era “demonstrar que as razões mais
profundas do movimento sindical [...] estavam nos problemas maiores que atingiam a
população urbana do país”147.
Dessa forma, os parlamentares da bancada trabalhista pressionaram a
Comissão para a aprovação de um código global de leis sociais, antes mesmo da
publicação do Tratado de Versalhes. Em discurso na CLS, Maurício de Lacerda
afirmou:
Perante a nação venho defendendo, há dois anos, as ideias que hoje
admitiram o presidente de São Paulo, o vice-presidente da República e
a Conferência de Paz. Se houvesse adesão a esses princípios a
proclamar como inadmissíveis não seria a minha humilde adesão,
seria a adesão conspícua desses ilustres homens de Estado. [...] Em
primeiro lugar, é mister salientar que a orientação da Conferência da
146 GOMES, Ângela Maria de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil (1917-
1937). Rio de Janeiro: Campus, 1979. 147 Ibid., p. 67.
63
Paz, que nos vem sendo buzinada, é uma orientação até hoje mal
conhecida dos Srs. Deputados e do país148.
Não era de ocasião, portanto, o engajamento desses parlamentares nas
questões trabalhistas e esse aspecto seria reafirmado, com frequência, em seus
discursos. A atuação de Maurício de Lacerda, advogado ligado politicamente aos grupos
operários do Rio de Janeiro, foi desde o início, um dos mais destacados defensores da
adoção de uma legislação do trabalho no Brasil.
A bancada gaúcha, por sua vez, foi a que mais resistiu à regulamentação do
trabalho. Ainda de acordo com Ângela de Castro Gomes, os deputados Joaquim Osório
e Carlos Penafiel, embasados nos argumentos positivistas do presidente do Rio Grande
do Sul e mentor político da bancada, Borges de Medeiros, não aceitavam, em hipótese
alguma, a intervenção do Estado nestas questões. De acordo com a autora, eram
frequentes as consultas dos representantes riograndenses a seu líder político, e isso se
evidencia em seus discursos parlamentares. A explicação corrente para esse receio era
que o precedente para intervenção do Estado em questões específicas pudesse ameaçar a
autonomia do Rio Grande do Sul e sua elite política, ferindo de morte o “federalismo”
ferrenhamente defendido por Borges de Medeiros e que politicamente lhe era muito
conveniente. Ao discutir um trecho do discurso de Carlos Panafiel, no qual o deputado
gaúcho nega “sob o ponto de vista doutrinário e constitucional essa intervenção dos
poderes políticos em esfera que não lhes compete”149 a autora ressalva, no entanto, que
a bancada aceitava a discussão sobre o trabalho de mulheres e crianças e, na prática, não
via as greves como um problema em si, nem para trabalhadores, tampouco para patrões,
mas, como um fenômeno necessário para equilibrar o mercado.
Em aparte concedido por Maurício de Lacerda, na sessão de 17 de maio de
1919, o deputado Carlos Penafiel faz questão de diferenciar o pensamento “positivista”
gaúcho de um liberalismo anti-intervencionista:
Engano que tem sido cometido também por ilustres jornalistas e
alguns parlamentares. A escola positivista não é escola liberal
individualista de não intervenção. [...] Essa forma é por demais
absoluta. Augusto Comte admite a intervenção relativa do poder
148 DOCUMENTOS PARLAMENTARES. Legislação Social. Trabalhos da Comissão Especial de
Legislação Social (1919-1921). Typografia do Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 1923, p. 673. 149 Ibid., p.674.
64
público para facilitar essa incorporação. Lembro que nós rio-
grandenses que esposamos essas ideias que são da política positiva
temos nos batido pela liberdade [...] Admitimos, por exemplo, a
intervenção para dar responsabilidade efetiva para o capitalista, ao
detentor do capital; mas se defendemos o capital, queremos a sua
transformação, desde que seja para um destino social150.
Mário de Almeida Lima, autor que organizou as “exposições de motivos” de
Lindolfo Collor, confirmou o argumento de que a postura da bancada gaúcha se devia a
divergência em relação aos que acreditavam que a Câmara dos Deputados deveria ser o
centro de formulação do direito social. Assim, a disputa em torno da competência ou
não do Congresso Nacional para legislar sobre o trabalho estava acompanhada pelo
princípio de liberdade de trabalho sob a ótica liberal. Além disso, reafirma a não
repressão, negociação e benfeitoria ao funcionalismo público no Rio Grande do Sul. A
questão fundamental não tinha relação com as leis trabalhistas propriamente, às quais os
gaúchos, segundo ele, eram simpáticos, mas com o perigo de se alterar a Constituição e
tocar nos interesses regionais, o que ameaçaria a estabilidade dos grupos políticos
dominantes na região. Seria esta, portanto, injustiçada ao ser culpada pela demora na
solução da legislação trabalhista no Brasil.
Em artigo publicado em 1919 por Lindolfo Collor, o autor tratou das
primeiras impressões sobre a Comissão de Legislação Social após tomar conhecimento
da Parte XIII do Tratado de Paz:
A balança social se mantinha em equilíbrio até aqui, porque num dos
seus pratos pesava o ferro das carabinas, o aço das espadas, o bronze
dos canhões. Mas basta que o espírito da época se levante contra a
continuação da paz armada – e é isto que está sucedendo em face do
tratado que a Entente impõe aos vencidos – para que o equilíbrio se
rompa definitivamente151.
Lindolfo Collor, que viria a ser Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas,
esboçava já inclinação de defesa da questão social e comentava a imposição dessas
diante das mudanças no plano internacional, os novos arranjos entre as potências e a
revolução proletária na Rússia. Reconhecia, também, a Conferência de Paz como fórum
legítimo para irradiar essas questões. Mais adiante, no entanto, no mesmo documento,
150 Ibid., p.687. 151 COLLOR, Lindolfo. Organização e Introdução de Mário de Almeida Lima. Origens da legislação
trabalhista brasileira. Porto Alegre: Fundação Paulo do Couto e Silva, 1991, p.202.
65
demonstrou ceticismo quanto à competência da Câmara para encaminhar a legislação
social.
O meu receio do insucesso da presente tentativa de legislação social
[...] nasce de causas distintas: primeiro da convicção que tenho de que
as leis são sempre impotentes para impor soluções de ordem moral, e,
segundo, da dolorosa certeza em que todos nós estamos do quase total
desconhecimento desses assuntos por parte de quem vai agora legislar
sobre eles152.
Os deputados Porto Sobrinho (RJ), Joaquim Osório (RS) e Augusto de Lima
(MG), por sua vez, recorreram insistentemente aos princípios liberais para contraporem-
se à promulgação de um código de trabalho. Em seus discursos apareciam argumentos
como “limitar a jornada, por exemplo, seria atentar contra a liberdade do operário de
trabalhar” ou “a sociedade deve dispensar a sanção obrigatória para a efetividade dos
deveres morais”153. Tais posicionamentos trazem à tona a disputa pelos sentidos da
liberdade e pela limitação do poder do Estado.
Por fim, as decisões também recaíam sobre a bancada paulista, decisiva para
aprovação ou rejeição das leis que passavam pela Comissão. O eventual apoio para
aprovação de leis do trabalho, por iniciativa da bancada de São Paulo, a mais ligada aos
interesses da indústria e comércio, se dava justamente com a intenção de suavizar a
condição proletária onde o conflito era mais manifesto. Ademais, cabia a São Paulo
aparentar melhor ambiente para o trabalho e atrair mais braços para a mão de obra.
Essa análise das bancadas, atenta às relações dos políticos com os interesses
regionais que representavam, contribuiu para o mapeamento das forças políticas
atuantes naquele período e situou o parlamento, não como mera instância de
homologação dos interesses da burguesia e sim um espaço com vozes dissonantes e
posturas divergentes que, de acordo com o tema, eram mais ou menos permeáveis aos
apelos do movimento operário organizado e dos arranjos internacionais.
Desse modo, Ângela de Castro Gomes dissente de um pensamento
largamente difundido após 1930 que atribui unicamente ao poder Executivo – positiva e
negativamente – a iniciativa de leis trabalhistas no Brasil e demonstra como, apesar das
limitações, as discussões na CLS – até 1926, ao menos – não eram meras formalidades
e, muitas vezes, buscavam seu objeto nas reivindicações operárias.
152 Idem. 153 VARGAS, 2004, p.58.
66
Além disso, a articulação política entre as bancadas representadas na
Comissão nem sempre era previsível. A bancada trabalhista obtinha apoio da bancada
gaúcha, por exemplo, nas questões relacionadas ao trabalho das mulheres, ao passo que
a bancada paulista, a depender do teor da matéria, obstaculizava. Na questão da jornada
de trabalho, por sua vez, a bancada paulista aceitava a negociação e a bancada gaúcha
era irredutível. De acordo com Gomes:
Entretanto, é bom desde cedo ressaltar, não há uma única relação
necessária entre esses termos, o que dá ao campo do debate uma
complexidade e interesse particulares. Ou seja, podemos encontrar
argumentos que, passando pela defesa dos interesses industriais,
concluem quer pela aprovação, quer pela negação de uma legislação
social. Assim, havia tanto os que, defendendo os direitos operários,
acabavam por criticar as atividades do comércio e da indústria, quanto
os que teoricamente, em nome dessas atividades, não aceitavam a
intervenção do Estado no mercado de trabalho154.
A morosidade da Comissão de Legislação Social, no que tange aos pontos
trabalhistas do tratado de paz, foi apontada pelos críticos como uma oportunidade
perdida pelos parlamentares que não se valeram das condições oferecidas por aquela
conjuntura. O jornal O Alfaiate, em 7 de janeiro de 1926, criticava a atuação daqueles
que não teriam aproveitado aquela ocasião, questão reproduzida por Tristan Vargas
quando afirma que “as leis não aconteceram, mas foram uma possibilidade”155. No
entanto, em “Evolução Legislativa do Direito Social Brasileiro”156, Maurício de
Lacerda, discute essa questão a partir de outra perspectiva:
A Comissão de Legislação Social realizou nada menos que 15 sessões,
quase consecutivas, no último trimestre de 1919 e uma dezena delas
na seguinte sessão de 1920, intercaladas de exames e indicações de
projetos relativos às recomendações da Conferência Internacional do
Trabalho e do Tratado de Versalhes em suas relações íntimas e
naturais com a legislação social em preparo em seu seio157.
Portanto, apesar do malogro na aprovação de um código global sobre o
trabalho e os percalços que levaram até mesmo, mais tarde, ao pedido de renúncia da
comissão por parte do deputado Maurício de Lacerda, por ali passaram projetos depois
154 GOMES, 1979, p. 64. 155 VARGAS, 2004, p. 292. O autor cita ainda, em nota, a edição de 13/5/1926 do jornal O Alfaiate. O
conteúdo é de denúncia à “falta de tática e método” dos anarquistas. 156 LACERDA, Mauricio de. Evolução Legislativa do Direito Social Brasileiro. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980. 157 Ibid., p. 206.
67
efetivados, tais como: a Lei 3.724/1919 sobre acidentes de trabalho, a Lei de “Caixas e
Aposentadorias e Pensões”, conhecida como Lei Eloy Chaves, além de ser espaço de
elaboração do Conselho Nacional do Trabalho (CNT) como órgão consultivo que
desempenharia importante papel nos anos seguintes.
Esse ritmo, com pequenas interrupções, manteve-se até 1926 quando a
Emenda Constitucional de 1926, enfim, designou ao Congresso Nacional a competência
de legislar sobre o trabalho em todo âmbito federal158. Nesse contexto, houve certo
refluxo do movimento operário devido ao Estado de Sítio decretado pelo Governo
Arthur Bernardes; a discussão saiu do âmbito da Comissão Especial e desfez-se a
correlação de forças entre essas bancadas. No entanto, embora sem a materialização de
um corpo de leis, ficava evidente que o direito do trabalho e a disputa em torno dele
adentravam aos poucos às instituições brasileiras e à Câmara Federal, palco de profícua
produção legislativa e longos debates. Alguns deles seguem discutidos nos próximos
tópicos.
2.2. O Pecado Original e a Católica Pacificação.
Em mensagem enviada ao Congresso Nacional, no dia 14 de julho de 1919,
Altino Arantes, presidente do Estado de São Paulo, recomendava a adoção de leis
sociais que consagrassem os princípios estabelecidos pela Conferência de Paz de Paris,
na qual foi discutido, elaborado e acordado o Tratado de Versalhes. Repetia o gesto do
vice-presidente Delfim Moreira que, em 15 de maio do mesmo ano, havia conclamado
os parlamentares a cumprirem os termos do acordo firmado em Paris, a fim de evitar
confrontos no campo do trabalho e assegurar a ordem159.
Na sessão da Câmara dos Deputados, de 17 de maio de 1919, Maurício de
Lacerda foi à tribuna comentar a mensagem do chefe da nação, julgando-a tardia e
insuficiente. Encerrou seu discurso tecendo críticas ao encaminhamento dado pelo
Poder Executivo às questões sociais. Como reação às críticas, o séquito governista
rapidamente adjetivou o deputado, expressando o ímpeto dos conservadores daquela
158 Ver Nota 22. 159 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Mensagem do Presidente do Estado de São
Paulo, Altino Arantes, ao Congresso Legislativo. São Paulo: Fundo Altino Arantes, 1919, p. 42.
68
época em desqualificar qualquer ideia de avanço social como “comunista e
maximalista”, rótulos dos quais ele se defendeu de forma eloquente:
Os que por preguiça intelectual ou por incapacidade mental não
acompanham o problema nem o podem acompanhar têm tentado
definir todos os gestos todos os estudos e todas as observações em
certo sentido, como filhas de uma disciplinação espiritual ou política,
partidária ou facciosa à ideia maximalista. [...] São os mesmos fúteis
que jamais se dedicaram ao exame sincero de uma ideia, e que, nesse
momento, se erguem para no meio de suas chalaças de incapazes ou
de sua protervia de sabe-tudo pretender enclausurar na regra rígida de
um partido alguém que, de princípio, começa por declarar que não se
encerra em partido, em seita, método ou sistema algum160.
Não era nova a tentativa de desqualificação e rotulação dos parlamentares e
figuras extraparlamentares, como Evaristo de Moraes, que defendia a questão social e os
direitos para os trabalhadores. Desde o início do século, mas, principalmente, após a
revolução russa de 1917, quase sempre o argumento daqueles que se opunham à adoção
de regulamentação do trabalho era de que seus defensores estavam embebidos em
teorias revolucionárias europeias que, além de não terem sentido em um país com as
tradições brasileiras, colocavam em risco os valores da pátria. Não surpreendia,
portanto, que uma vez mais o debate fosse deslocado para a arena dos ataques
doutrinários, impedindo que, ao menos, suas razões fossem ouvidas sem viés ideológico
pré-determinado.
Antes de mais nada, cabia aos parlamentares da bancada trabalhista
desconstruírem a pecha de patronos da desordem. Na sessão do dia 19 de maio Maurício
de Lacerda retomou o debate. Primeiramente, reafirmou que não era ligado a nenhuma
seita ou linha (política, filosófica ou religiosa) e, tampouco, estava submetido a dogmas.
Para tanto, enumera problemas no movimento socialista internacional e os limites que
esse encontrava mesmo nos países onde as condições para seu desenvolvimento eram
mais adequadas. Em suas palavras, era “um homem contemporâneo, que abstrai de
sistemas, de credos para viver de sua simples razão [..] alimentada pela observação
direta da vida”161.
Vale notar que mais do que a negação da filiação a um movimento socialista
internacional ou afinidades com os bolcheviques, está a preocupação em afirmar que as
160 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 1923, p.672. 161 Ibid., p. 670.
69
ideias em que acreditava vinham da relação direta com a prática, com a vida operária e
com a observação das injustiças que eram cometidas contra essa classe social. Essa
característica de Lacerda é fundamental para a compreensão de sua atuação parlamentar
e tema recorrente de suas falas no âmbito da Comissão de Legislação Social. Naquele
momento, para ele, nenhuma corrente seria capaz de dar todas as respostas e ninguém
poderia dizer “que tal sistema, tal filosofia, melhor define, enquadra, encaminha,
realiza, coordena, disciplina os esforços dessa grande renascença humana”162. Nota-se,
também, que abrir mão da filiação doutrinária na política não significava negar a
política.
Ainda para refutar as posições do vice-presidente Delfim Moreira, Maurício
de Lacerda aproveitou o pronunciamento para apontar a contradição de setores da
imprensa que haviam aproveitado a semana para avançar contra ele e seu colega de
bancada trabalhista, deputado Nicanor Nascimento. Nascido no Rio de Janeiro e
formado em Direito em 1893, foi deputado de 1911 a 1921 “quando perdeu seu
mandato”163. Por seu notório empenho nas causas sociais, principalmente no
acompanhamento dos movimentos grevistas de 1917, foi indicado em 1918 para fazer
parte da CLS.
Apesar disso, nunca havia se enquadrado em nenhuma das correntes
políticas ou ideológicas das quais era agora, acusado pelo Rio Jornal de ser “socialista
de última hora”. Nesse ponto, em discurso carregado de ironia, Lacerda relatou que
vinha há anos defendendo a adoção de leis sociais, assim como Nicanor Nascimento,
mas só agora o “brilhante vespertino da cidade” havia lembrado que a questão social
existe, mas exatamente para acusá-los de oportunistas.
A mensagem do Poder Executivo foi, de acordo com Tristan Vargas, uma
“tentativa pouco hábil do governo164” de assumir as questões sociais. No entanto, os
debates parlamentares mostram mais que isso. Havia em torno dessa mensagem
presidencial uma disputa sobre os rumos e sentidos a serem dados ao que chegava da
Europa, ou seja, as cláusulas da Parte XIII do Tratado de Versalhes.
A posição oficial do governo e a defesa que o Presidente do Estado de São
Paulo, Altino Arantes, assumira da questão social, era um gesto em busca de garantir a
162 Ibid., p. 800. 163 BATALHA, 2009, p.113. 164 VARGAS, 2004, p. 291.
70
credibilidade com os industriais e, ao mesmo tempo, amainar as críticas do operariado.
Em outras palavras, o portador das boas notícias a receber o bônus político pelo
enfrentamento da questão social como caso de justiça deveria ser o governo e seus
representantes que tinham ido a Paris. Por isso, foi tão importante marcar posição e
apagar os rastros do que já havia sido produzido pelo parlamento. A disputa, com efeito,
era mais do que pela autoria das leis (a bem da verdade até agora apenas pela iniciativa
do debate). Devido aos acontecimentos de agitação operária em São Paulo havia muitos
motivos para o governo federal dar essa ênfase repentina ao Tratado de Versalhes, tão
noticiado quanto desconhecido do povo e do parlamento brasileiro.
Tal como o jornal A Plebe, a primeira reação dos deputados da bancada
trabalhista é de crítica ao texto resultante da Conferência de Paz. O caráter internacional
do documento e o fato de ter sido construído com base no consenso entre os países
vencedores da guerra tornaram seus artigos exageradamente genéricos. Na compreensão
desses deputados, as bases lançadas na Conferência de Paz para a questão do trabalho
eram de uma “generalidade impalpável”:
A esse Tratado, diga-se de passagem, assinaria eu ‘vencido’, ante a
desconformidade de várias de suas estipulações [..] Essa minha
restrição ao Tratado de Paz em seu capítulo concernente a um direito
do trabalho que internacionalmente ele reconhecia nos mais
cuidadosos termos para reduzir a um mínimo de direito as prescrições
nacionais relativas às convenções internacionais respectivas,
facultando-se uma inobservância parcial da sua forma e essência, nas
legislações de cada nação165.
A ausência de um programa e de uma sistematização dos temas, além da
presença de poucos e limitados princípios, sendo a maior parte deles já antigas
demandas, foram consideradas as consequências de um documento que tinha mais
sentido de “capitulação”, de recuo das classes dominantes internacionais diante da
maior capacidade de organização dos trabalhadores do que realmente uma intenção
“sincera” de resolver tais problemas. Esse gesto tardio das potências mundiais e suas
classes dominantes foi comparado ao atraso do governo brasileiro em reconhecer a
pertinência desse debate. Na CLS, Maurício de Lacerda afirmou sobre o Tratado de
Versalhes:
165 LACERDA, 1980, p. 189.
71
Representa uma capitulação em forma, capitulação idêntica a esta da
Câmara, quando premida pela greve estrondosa do ano passado, saiu
do letargo e do pouco caso com que estudava o projeto de legislação
do trabalho, para a toda pressa, em comissão especial, esgarçar do
conjunto do projeto uma lei manca sobre acidentes de trabalho e atirá-
la como carneiro de palha aos lobos famintos do operariado. Essa
iniciativa não representa reconhecimento de direitos [...] representa,
antes, manobra diante da qual a desconfiança vai se generalizando nos
meios operários [...] pretendendo como na Conferência de Paz, que
sofre do mesmo pecado original, só tratar do problema quando a
bastilha da burguesia está cercada pelas reclamações e reivindicações
dos operários166.
O pecado original do governo e do parlamento brasileiro,
consequentemente, era o mesmo da Conferência de Paz: era apenas uma tentativa de
atenuar a tensão social causada pelo seu próprio anacronismo. Se a motivação era
exclusivamente amenizar os conflitos entre empregados e empregadores, era tarde
demais para convencer a classe operária de que seus interesses eram os mais francos ou
que os tempos mágicos do pós-guerra e a atmosfera parisiense tinham sensibilizado os
grandes detentores do capital.
Cabe salientar, no entanto, que ao contrário de setores mais radicais
alinhados ao anarquismo, comunismo e sindicalismo revolucionário, os deputados da
bancada trabalhista não desprezaram as conquistas por meio de leis que há tanto
lutavam para assegurar, nem minimizaram a possibilidade de enfim discuti-las. É
importante essa elucidação porque está aí uma das principais divergências táticas entre
os grupos mais radicalizados, que nas ruas negavam qualquer disputa na
institucionalidade, e esses parlamentares, muitas vezes subestimados, que insistiam nas
pequenas conquistas, ainda que as reconhecessem como “leis mancas”, leis incompletas
porque isoladas, apartadas, sem um marco jurídico global que desse a elas um sentido
estrutural.
Durante o período em que se debruçou sobre cada um dos pontos
estabelecidos pelo tratado de paz, a CLS tomou ciência da criação da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), organismo que teria a tarefa de consertar esse “pecado
original” apontado pelos legisladores brasileiros, a partir da constatação de que o direito
social estava mais adiantado em outros países, ao passo que o Brasil ainda vivia uma
166 Ibid., p. 673.
72
“teimosa falta de reconhecimento da questão167”. Tal questão exigia dos legisladores
atenção não só aos (poucos) princípios gerais que norteavam a nova organização
internacional, mas, também, aos pontos específicos para um país com as características
do Brasil, entre eles a questão do trabalho e dos trabalhadores na agricultura.
O crescimento econômico e a industrialização sem dúvida acelerava o
processo de urbanização de forma inédita no Brasil, situação que tornava a vida nas
cidades um desafio para os governantes e legisladores, porém, não se pode
desconsiderar que o país continuava majoritariamente rural e dependente da agricultura.
De acordo com o Censo de 1920 das 9,1 milhões de pessoas em atividade, 6,3 milhões
(63,7%) trabalhavam na agricultura; 1,2 milhão (13,8%) se dedicavam à indústria; e 1,5
milhão (16,5%) aos serviços de uma maneira geral168.
Ângela de Castro Gomes analisou os discursos de 17 de maio e 26 de junho
de 1919 e as denúncias que os deputados da bancada trabalhista faziam contra setores
que defendiam uma inviável “volta à terra” ou “fim das indústrias”, como solução para
as questões urbanas e do trabalho. Os deputados queriam se distanciar de uma rarefeita
ideia de que o Brasil estava fadado a uma vocação agrária, pois não era disso que se
tratava. A crítica, segundo a historiadora, se dava por esses setores “ignorarem, de fato,
as péssimas condições de trabalho nos campos”169, assim como que a área rural estava
concentrada em latifúndios e as condições de trabalho eram ainda piores. O debate sobre
o trabalho no campo foi aprofundado e, novamente, estava relacionado aos pressupostos
da Parte XIII do Tratado de Paz.
O esquecimento dos trabalhadores rurais por parte dos legisladores
brasileiros não era um detalhe, tampouco ocasional. Certamente, a ausência de
sindicatos e organização de classe com poder de barganha e capaz de intimidar os
patrões contribuiu para isso. Nos “Princípios Gerais” estabelecidos pelo Tratado de
Versalhes, embora o 8º tópico registrasse que a “legislação estabelecida em cada país
[...] deverá assegurar tratamento econômico equitativo para todos trabalhadores que
residam no país”, havia a ressalva de que esses pontos deveriam ser esforços das
“comunidades industriais”. Essas e outras ambiguidades, à luz da interpretação dos
167 Idem. 168 SCHWARCZ, Lilia Moritz (Dir.). História do Brasil Nação: 1808-2010. Rio de Janeiro: Objetiva,
2012, p.43. 169 GOMES, 1979, p. 90.
73
proprietários, excluíam na prática os trabalhadores do campo da maior parte das tímidas,
mas valiosas, conquistas sociais. Para Lacerda, por “uma propositada confusão
maliciosa os defensores da ordem burguesa nos atiram à cara que defendemos apenas o
operário da cidade” ao passo que, na sua leitura, “operário quer dizer em vernáculo
trabalhador e não simplesmente trabalhador urbano”. A Convenção sobre o direito de
associação para trabalhadores da agricultura seria aprovada pela Organização Mundial
do Trabalho, em 1921.
Em aparte ao deputado Lacerda, o deputado Deodato Maia fez coro às
críticas de que as resoluções sobre trabalho da Conferência de Paz eram “melífluas” e
acrescentou que “as conclusões da Conferência estão muito aquém do que resolveram
os Congressos Operários anteriores”170. Deodato Maia era deputado por Sergipe e
acabava de ser nomeado pelo Instituto dos Advogados para acompanhar a elaboração
em torno da questão social, fato que Lacerda fez questão de ressaltar e, novamente com
a palavra, vaticinou que as conclusões da Conferência de Paz eram “imprecisas e
indecisas como incompletas”.
Entre as tentativas de desqualificação política da bancada trabalhista, o
governo havia lançado mão de um artifício que falava diretamente aos corações e
mentes do povo brasileiro: a religiosidade. Delfim Moreira não apenas havia
estabelecido uma nova base para a discussão da questão social, ao recorrer de forma
genérica à Doutrina Social da Igreja Católica, como membros da bancada mineira, nesse
momento à frente da articulação política do governo, se valeram dessa questão para
deslegitimá-los, acusando-os de ameaçar a instituição familiar brasileira.
Além do pecado original do Tratado de Versalhes, revelava-se na Comissão
de Legislação Social a ideia de “pacificação católica”. Passávamos, assim, para um
segundo estágio de desqualificação pela política, pois agora as ideias mais ligadas aos
trabalhadores além de “maximalistas” eram “anticristo”. Contra essa última investida,
os deputados da bancada trabalhista tiveram como aliados os parlamentares da bancada
riograndense que, adeptos do positivismo, não aceitavam a imposição da tal doutrina,
que preconizava a igreja católica na política. Diálogos entre Maurício de Lacerda e o
deputado gaúcho Carlos Penafiel dão mostras de convergência:
170 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 19/05/1919.
74
O Sr. Carlos Penafiel: [...] A forma de organizar sem Deus, sem rei, é
princípio básico da Encyclopedia da Revolução e sobre o qual se deve
estribar todo o direito social.
O Sr. Maurício de Lacerda: Sr. Presidente, o aparte do nobre
deputado, muito oportuno...
O Sr. Carlos Penafiel: Protestei, não individualmente, mas em nome
do Rio Grande Republicano.
O Sr. Maurício de Lacerda: ... vem demonstrar – e chegarei lá – que
outras igrejas também existem, que tem sobre a questão social o
direito de serem ouvidas pelo Governo da República, principalmente a
positivista.
O Sr. Maurício de Lacerda: [...] Representa mais antiga do que a ideia
da bula de Leão XIII [...]171.
A sequência do diálogo não apenas mostra como as posições entre as
bancadas eram fluídas, menos rígidas a depender da temática, mas é também reveladora
da centelha que foi lançada pelo vice-presidente da república quando ele assumiu a
questão social com base no Tratado de Versalhes. O debate incendiou-se de tal forma
que a questão religiosa demarcou posições. A separação entre religião e estado na
questão social, para os deputados gaúchos, era um princípio que remetia ao iluminismo
e a postura da igreja católica a esse respeito era um recurso para reassumir o controle da
classe trabalhadora. Ainda em sua própria defesa, Lacerda acusou diretamente o vice-
presidente da república de não querer a verdadeira transformação do país e oferecer
apenas uma política pela qual se faria a “harmonização social sem grandes abalos
através da igreja católica” e, foi além ao afirmar que o grande problema, o novo pecado,
era que o cristianismo almejava promover a conciliação entre trabalhadores e patrões
em um sistema de submissão rejeitado pela bancada trabalhista.
Ademais, a questão esbarrava em princípios morais. Ao contrário do
receituário católico, a bancada trabalhista defendia que a libertação dos trabalhadores
passava por aspectos como mudanças nas relações familiares. Não eram, portanto,
apenas pontos de proteção ao trabalho que estavam em jogo. É bem verdade que a
Conferência avançou no que tange à igualdade entre homens e mulheres e a própria
ordem do dia definida para a primeira Conferência Internacional do Trabalho, a ser
realizada em Washington mantinha a questão do emprego noturno e emprego antes e
171 DOCUMENTOS PARLAMENTARES. Aparte do deputado Carlos Penafiel a Maurício de Lacerda,
19/5/1919.
75
depois do parto para as mulheres, assim como o 7º princípio geral tratava de salários
iguais para trabalhos iguais, independentes do gênero.
Ao se defender dos ataques de que tais ideias destruíam a família, Lacerda
contra-argumentava que:
Nós trabalhistas, não queremos, quando pretendemos para a mulher
salário igual e quando pretendemos para a mulher menor tempo de
trabalho do que para o homem, não queremos senão assegurar a
proeminência da família que sabe se defender para os burgueses, mas
que se contesta ao operário [...] nós não queremos dissolver a família
quando pretendemos o divórcio, queremos praticamente corrigir as
situações [..]172.
Assim, as disputas que se davam em torno do trabalho extrapolavam a
legislação trabalhista em si e debates como a exploração das mulheres no seio da
própria família, os laços econômicos que a cada dia eram mais importantes que os
afetivos, a ausência de direitos fundamentais e acesso aos bens essenciais da vida
também se tornavam objeto das questões sociais. Nesse sentido, Lacerda se pronuncia:
Não queremos, nós os trabalhistas, a prostituição, não pleiteamos a
dissolução da família: queremos que a família deixe de se basear sobre
um negócio de dote, sobre as imposições paternas, sobre os arranjos
dos desempregados que se empregam de marido, e se baseie no amor,
expressão única, sincera, real e verdadeira de uma união afetiva, qual
esta deve ser. Queremos a dissolubilidade do matrimônio, o divórcio,
porque que menos imoral – se imoral fosse- é a separação dos dois
cônjuges do que a coabitação de indivíduos que se detestam e só tem
proximidade carnal, em vez de laços afetivos e espirituais que deviam
existir entre eles. Queremos, quando pelejamos pela igualdade da
mulher ao homem, pela interferência da mulher no governo173.
A tentativa de “pacificação católica” ao “pecado original” naqueles
conturbados anos de agitação política e social direcionou o debate para aspectos pouco
explorados, senão ignorados pelos pesquisadores que se debruçaram sobre as atas da
CLS. Uma hipótese para o silêncio a respeito da lógica que motivava parlamentares
conservadores a acusarem a bancada trabalhista de “ameaça à instituição familiar
brasileira” é a dificuldade analítica de relacionar tal questão com a luta pela legislação
do trabalho. Sueann Caulfield deu pistas disso ao demonstrar que:
172 Ibid., p.584. 173 Ibid., p.680.
76
Autoridades públicas do começo do século consideravam a defesa da
honra sexual um componente fundamental para a missão civilizadora
da recém-proclamada República ainda que o processo de definição dos
conceitos de honra e civilização tenha provocado profundas
controvérsias desde a criação das instituições republicanas, nas
décadas de 1920 e 1930174.
Em outras palavras, para a elite política e econômica a honra da mulher era
“a base da república” e sua entrada no mercado de trabalho deveria resguardar sua
honra. De tal maneira, a ampliação dos direitos do trabalho implicava necessariamente o
rearranjo das relações familiares em uma sociedade patriarcal.
Mutatis mutandis, para a bancada trabalhista era evidente que qualquer
medida seria apenas paliativa se não houvesse a reconfiguração do sistema econômico e
o combate a todas as desigualdades. Dessa forma, essa bancada levou para dentro da
CLS uma proposta muito mais ampla, que incluía reformas econômicas, sociais e
políticas no Brasil, ainda que sem ruptura institucional e em consonância com os
princípios que chegavam de Versalhes. Não obstante, a oposição ao texto do tratado de
paz se devia ao fato de o documento ter se transformado no álibi das classes dominantes
para se apresentarem com ares de paladinos das causas trabalhistas, quando na verdade
apenas cediam, e pouco, às pressões dos trabalhadores. Os representantes dos interesses
dos operários na Câmara dos Deputados, desse modo, souberam conciliar o tom crítico
à apropriação indevida que a burguesia “oportunista” e seus governos faziam com uma
atuação fiscalizadora para que os princípios dessas leis saíssem do papel e fossem
praticados.
2.3. As exceções tropicais: o Brasil na Conferência de Washington.
O prazo estabelecido pelo Tratado de Versalhes para que fossem ratificadas
as convenções ou aprovadas leis de acordo com as orientações da Organização
Internacional do Trabalho era de 18 meses, prorrogável apenas em circunstâncias
excepcionais. Por ser signatário do Tratado, o Brasil automaticamente se tornara
membro da Sociedade das Nações e da OIT. O próprio texto aprovado em Versalhes
174 CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro,
1918-1940. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2000. Introdução.
77
convocou a primeira Conferência Internacional do Trabalho, a ser realizada em
Washington a partir do mês de outubro de 1919.
O novo organismo, responsável pela promoção de resoluções pacíficas para
a questão social, conclamava os países membros a organizarem delegações tripartites
para o evento que formularia, a partir das realidades locais, o alicerce de uma nova
vertente do mundo jurídico, o direito internacional do trabalho. As delegações seriam
compostas tais como previstas no Art. 389 da Parte XIII do Tratado de Versalhes,
contemplando representantes do governo, organizações sindicais e patronais, como já
mencionado anteriormente.
Afrânio de Melo Franco, jurista e ex-deputado, foi designado pelo governo
Epitácio Pessoa para representar o Brasil na Sociedade das Nações e chefiar a delegação
brasileira à Conferência Internacional do Trabalho em Washington. Membro do Partido
Republicano Mineiro, Melo Franco havia colaborado com a elaboração de leis relativas
aos trabalhadores estrangeiros no Brasil na década de 1910, sempre com posições muito
conservadoras e contrárias à extensão de direitos. De todo modo, era uma figura
importante da República que, por ter exercido forte influência sobre o governo interino
de Delfim Moreira, recebera a alcunha de “primeiro-ministro” do período175. Era um
sinal de que o governo brasileiro estava atento às decisões que viriam de Washington e
precisava de um causídico à altura de seus interesses.
O Presidente da República também nomeou Carlos Sampaio, engenheiro,
professor da Escola Politécnica e futuro prefeito do Distrito Federal (1920-1922), como
representante do Brasil na Conferência de Washington. Carlos Kessel, biógrafo de
Carlos Sampaio, analisou os Anais da Conferência do Trabalho e defendeu que os
documentos “ilustram uma argumentação que basicamente vê nas questões uma
intromissão dos países industrializados destinada a dificultar o desenvolvimento das
economias menos desenvolvidas”176. Carlos Sampaio muito se esforçou para impedir
qualquer regulamentação, afirmando, com frequência, a seus interlocutores que "no
Brasil todo trabalhador é um capitalista", arrolando como prova disso a “greve de
175 ABREU, Alzira Alves de.; BELOCH, Israel; LATTMAN-WELTMAN, Fernando; NIEMEYER,
Sergio Tadeu de (Coords). Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. (DHBB) 2ª ed. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 2001. 176 KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio. Rio de Janeiro: Secretaria
das Culturas. Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural. Arquivo Geral da Cidade do
Rio de Janeiro, 2001, p.42.
78
choferes e operários de construção” que eclodia no Rio de Janeiro, na busca por melhor
remuneração. Carlos Sampaio, portanto, era evidentemente um opositor da extensão dos
direitos do trabalho.
A sua atuação em Washington foi objeto de debate na CLS, como atesta
ofício do Ministro do Exterior, Domício da Gama, aos parlamentares, no qual noticia
que o delegado havia votado contra as 8 horas de trabalho e feito forte oposição aos
tetos de jornada diária, assim como havia, igualmente, votado contra a inclusão dos
direitos sociais aos trabalhadores do campo, alegando que cada país deveria resolver
suas questões de “acordo com seus costumes”. Maurício de Lacerda comentou o ofício
que foi anexado às Atas da Comissão de Legislação Social177, acusando o representante
do patronato brasileiro de lutar para manter “os roceiros na servidão e os seringueiros na
escravidão econômica em que jaziam”178.
A indicação que causaria maior estranheza e controvérsia, contudo, seria a
do Sr. Fausto Dias Ferraz, deputado que tinha muito mais relação com os industriais do
que com os trabalhadores. Era, inclusive, articulista da Revista Indústria e Commercio,
dirigida pelo jurista Clovis Beviláqua179. Josué Pereira da Silva, em seu livro sobre a
luta pela jornada de trabalho de 8 horas no Brasil, relata que o deputado Fausto Ferraz
admitia a necessidade de leis do trabalho em seu aspecto moralizante, visto que “a
família brasileira nem sempre educa os filhos no trabalho, de forma que era comum ver-
se, em muitas cidades, a população infantil perambulando em pleno ócio”180.
Foi discutida no âmbito da própria Conferência Internacional do Trabalho a
aceitação do nome de Fausto Ferraz como delegado. A imprensa brasileira, mais
especificamente o jornal maranhense Pacotilha, noticiou que a comissão de credenciais
da Conferência deveria discutir a “singular questão de o delegado brasileiro representar
ao mesmo tempo o capital e o trabalho”181. Vale observar, também, o registro irônico
que o cronista Lima Barreto fez desse fato:
Vai o senhor Fausto Ferraz ser despachado representante dos nossos
operários no Congresso Trabalhista de Washington. A nomeação é
acertada; não há dúvida alguma. O senhor Fausto é dos oradores
177 ATAS DA COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO SOCIAL, 1918-1919. 178 LACERDA, 1980, p. 227. 179 CORREIO DA MANHÃ, 12/06/1918. 180 SILVA, Josué Pereira da. Três discursos, uma sentença: tempo e trabalho em São Paulo, 1906- 1932.
São Paulo: Annablume/FAPESP, 1996, p.131. 181 PACOTILHA, 18/11/1919. Nº 272.
79
notáveis da Câmara, o mais perfeito carpinteiro como todos sabem;
quando não é ferreiro e dá para malhar na bigorna dos ouvidos
alheios, alguns períodos patrióticos, líricos e sentimentais de outros
tempos. [...] As suas preocupações eram, então, atinentes à pecuária,
por isso mesmo sua senhoria estava a calhar para representar operários
em assembleia especial que tem por fim discutir medidas de puro
interesse dos artífices. Depois, o senhor Fausto Ferraz quis se fazer
conferencista e guinchou a Hora Industrial. Por esse tempo, supomos,
o exímio deputado aprendeu ofício.
Uns dizem, como já foi notado aqui, que se iniciou na carpintaria e
fez-se notável orador; outros, porém, falam que foi o de ferreiro,
ficando ainda mais notável orador do que era. Seja ferreiro,
carpinteiro, pedreiro, laminador, tipógrafos, calafate, cozinheiro,
forneiro, oleiro, foguista ajustador, modelador, funileiro, fundidor,
soldador, bombeiro, eletricista, relojoeiro, tipógrafo, impressor,
sapateiro, linotipista; seja o que for, o certo é que o senhor Fausto
Ferraz é um exímio parlamentar orador de moldes de um raro sabor
antigo, que muito trabalhará na Conferência Trabalhista de
Washington, falando pelas tripas de Judas.
É de esperar que tal se dê, porquanto sua senhoria tem descansado
muito este ano, não tendo discursado nem trinta vezes e só
apresentando à consideração dos seus pares a ninharia de oitenta e
cinco projetos. Andaram bem os nossos operários escolhendo para o
seu representante, no congresso operário de Washington, o doutor
Fausto Ferraz.
Não há homem mais trabalhista do que ele, sobretudo da língua; e, em
tudo e por tudo, essa escolha é acertadíssima. Na conferência da
América do Norte, o jovem operário Fausto Ferraz, há bem pouco
tempo iniciado em qualquer ofício manual, será o expoente, como se
diz na Academia, das nossas classes trabalhadoras. O que era preciso
era darem-lhe um companheiro. Lembramos o banqueiro João
Ribeiro!182.
Lima Barreto centrava fogo na falta de compreensão, certamente proposital,
do governo brasileiro, de que os trabalhadores deveriam ter uma representação legítima
em Washington. Se é procedente o argumento de que as organizações sindicais do final
da década de 1910 não tinham musculaturas institucionais similares ao modelo europeu,
o mesmo não se pode afirmar sobre a sua capacidade de defender interesses de classe. A
indicação de Fausto Ferraz como representante da classe trabalhadora alguém que
nunca tinha “pisado em um chão de fábrica” demonstrava a distância que havia entre
os gabinetes dos políticos republicanos e os grupos organizados de trabalhadores.
Também curioso é o caso de Francisco Sadock de Sá, torneiro mecânico
com tradição militante no movimento operário, que foi escolhido por 28 associações
182 O CORETO, 01/11/1919.
80
para fazer parte da delegação brasileira à Conferência de Washington, mas
“desprestigiado pelo governo não pode ir, o que o levou a renunciar como forma de
protesto à patente de 2º tenente honorário”183.
Além disso, começava a ficar nítida a posição do governo e da burguesia
brasileira, que incialmente aparentava simpatia pela adoção das leis sociais, de que cada
vez mais se oporia e adiaria a aprovação de uma legislação social efetiva. A Câmara dos
Deputados, a Comissão de Diplomacia e a Comissão de Legislação Social, desse modo,
tinham, outra vez, a função de absorver e sintetizar decisões que chegavam do
estrangeiro.
Na Sessão Camarária do Congresso Nacional brasileiro, do dia 6 de
dezembro de 1919, o deputado pernambucano Andrade Bezerra apresentou um projeto e
uma indicação propondo a ratificação e imediata adoção das leis discutidas na
Conferência de Washington. Para tanto, fez constar, como exposição de motivos, um
minucioso relatório no qual expunha ao parlamento brasileiro a premente necessidade
de aplicação de tais leis. A construção dos argumentos, a recuperação histórica e a
fundamentação crítica do relatório evidenciam que foi essa a peça mais completa e
digna de nota produzida por aquela legislatura, no que concerne à legislação do trabalho
no Brasil.
A primeira parte do relatório de Andrade Bezerra é uma detalhada
introdução do tema direito operário no arcabouço jurídico internacional. De acordo com
o texto até então limitado às questões sobre presença de trabalhadores estrangeiros nas
nações o direito internacional do trabalho passou a ser compreendido de forma mais
ampla e prática a partir da Convenção de Berna, 1906. O parlamentar avaliou
positivamente que questões antes discutidas apenas do ponto de vista de teóricos e
reformadores sociais bem intencionados tenham saído do campo das intenções para a
prática.
Bem pouco seria, em verdade, assentar o princípio da paz entre as
nações, se não se cuidasse seriamente de garantir a harmonia entre
patrões e operários. Daí a justa preocupação dos homens que tiveram a
responsabilidade de negocias a paz internacional quanto à criação de
organismo permanente, investido da função de promover a paz social
no agitado fundo do trabalho. Cedo é ainda para julgar dos definitivos
183 BATALHA, 2009, p. 143.
81
resultados dessa obra; mas a verdade é que ela já começa a produzir os
seus primeiros frutos184.
Valendo-se da teoria de Sidney Webb, Bezerra afirma que “de todas as
ideias inovadoras do século XIX, a legislação do trabalho é a mais largamente
espalhada”185. Constava na concepção exposta pelo relator dois aspectos que
apareceriam com frequência no parlamento e na CLS: a) forte entusiasmo com medidas
objetivas de proteção ao trabalho, acompanhadas por b) defesa da adoção dessas leis
como contraponto ao socialismo revolucionário ou comunismo.
Para compreensão do aparente “entusiasmo” pelas questões sociais, não há
que se desconsiderar a proximidade de Andrade Bezerra com o que ele definia como
“atuação parlamentar pautada pelo cristianismo”. De acordo com o parlamentar, a
adoção das medidas protecionistas à classe trabalhadora estava em consonância com a
mensagem do Papa Leão XIII186.
Realizou-se a Conferência de Berlim, de 15 a 29 de março de 1890
[...] A Santa Sé que fora convidada pelo Imperador da Alemanha,
indicara como representante a Arcebispo de Colônia, tendo o Papa
Leão XIII escrito ao Imperador uma carta em que declarava apoiar
altamente todas as deliberações da Conferência que tendessem a
elevar a condição dos operários e em geral tudo que impedisse a
exploração dos trabalhadores como um vil instrumento [...] A carta de
Leão XIII ao imperador da Alemanha é um documento do mais alto
valor histórico. Escrita em 1890, consigna as linhas gerais das
reformas das leis e costumes que vinte e nove anos mais tarde seriam
adotadas pelo Tratado de Versalhes, na redação de sua famosa Carta
do Trabalho187.
Por mais que fosse a legislação do trabalho a “mais largamente espalhada”
das discussões jurídicas no Brasil naquele momento, fazia-se necessária uma defesa
conceitual do tema para justificar sua implementação. O conceito defendido no relatório
estava ancorado nas ideias do político liberal belga Ernst Mahaim188, defensor pioneiro
184 ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Discurso de Andrade Bezerra. Sessão de 6 de dezembro
de 1919. Imprensa Oficial. Rio de Janeiro, 1919. 185 Parte integrante do Projeto apresentado pelo deputado em 6/12/1919, o preâmbulo e as considerações
críticas da Indicação foram publicados integralmente pela Imprensa Oficial em 1920. Para facilitar a
consulta e não havendo prejuízo algum no conteúdo, os trechos aqui citados são dessa edição. As
exceções estão indicadas em notas, como no caso de diálogos de parlamentares que constam nas Atas da
Comissão de Legislação Social, já citadas. Cf. BEZERRA, Andrade. O direito internacional operário e
conferência do trabalho em Washington. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1920, p.7. 186 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p. 558. 187 Ibid., p. 489. 188 MAHAIM, Ernst. Droit International Ouvrier. Paris: Éditions Domat-Montchrestien, 1933.
82
de que o Direito Internacional do Trabalho era a parte do Direito Internacional e
principal referência para as resoluções aprovadas no Primeiro Congresso Internacional
de Legislação do Trabalho, realizado em Bruxelas no ano de 1897.
Os deputados brasileiros também leram pela primeira vez, de forma
sistematizada, uma recuperação histórica sobre os pontos que estavam a ser debatidos
no parlamento. A história das leis para operários estrangeiros, acidentes de trabalho,
contratos de trabalho, seguros sociais, direito de associação, leis de assistência, eram
colocadas em comparação com legislações similares aprovadas na França, Alemanha ou
Inglaterra, mesmo com as leis aprovadas no Brasil e estas se mostravam, na maioria das
vezes, insuficientes.
No caso dos acidentes de trabalho, o deputado Bezerra confrontou a Lei nº
3724, de janeiro de 1919, com os princípios apontados pelo Tratado de Versalhes. De
acordo com ele, ao contrário do que preconizava o Tratado em seu Artigo 427, a lei
brasileira não tratava de forma igualitária os trabalhadores brasileiros e estrangeiros, ou
seja, não garantia tratamento justo a todos operários residentes no país. A Comissão de
Legislação Social modificaria o texto da lei, no sentido de equiparação entre todos os
trabalhadores, independente da nacionalidade, mas, a questão do trabalhador migrante
(grande parte da força de trabalho industrial no Brasil) continuaria a ser um imenso
entrave para a aplicação da legislação. Para cumprimento desse ponto estabelecido pela
Conferência de Washington, Andrade Bezerra aguardava o “progresso dos espíritos”:
Reciprocidade de tratamento para trabalhadores estrangeiros – Propôs,
a esse respeito, a Comissão, que os Estados reciprocamente
assegurassem aos trabalhadores estrangeiros o benefício das leis e dos
regulamentos da proteção operária, em como o gozo do direito de
associação nos limites da legalidade. Unanimemente decidiu a
Comissão com exceção de um só voto, que era desejável que, sob
condição de reciprocidade, gozassem os trabalhadores estrangeiros da
mesma proteção que os trabalhadores nacionais. É provável que com o
progresso gradual dos espíritos, os artigos 23, parágrafo a e 427, § 8º
do Tratado de Versalhes tenham uma aplicação cada vez mais larga189.
Na segunda parte de seu relatório, Andrade Bezerra apresentou resumos das
tentativas de organização do trabalho na esfera internacional. Segundo o texto, as
conferências e congressos ocorridos no território europeu sem resultados práticos
desaguaram nas Conferências de 1905/06 e, por fim, no Tratado de Paz de 1919.
189 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p. 574.
83
Embora progredisse a passos largos, a guerra mundial de 1914, ainda na visão do autor,
havia interrompido o processo que só seria retomado em Paris seis anos depois, quando
ficou evidente a necessidade de que “sucedesse a concórdia interna dentro de cada
nação profundamente abalada pela desconfiança e incompreensão entre operários e
patrões”190.
No caso brasileiro, vale registrar, a entrada tardia na guerra e o processo de
industrialização foram fatores que impulsionaram o debate sobre leis do trabalho,
enquanto a Europa ainda contava seus mortos e feridos nos fronts. A Comissão de
Constituição e Justiça, que antecedeu a CLS nas questões do trabalho, havia aprovado
em 1917 a criação do Departamento Nacional do Trabalho e reunido em um Projeto
Substitutivo todas as propostas relacionadas ao tema.
A reconstrução social após a guerra foi o ponto de partida para a terceira
parte da exposição de motivos escrita pelo deputado pernambucano Andrade Bezerra.
Nesse ponto é descrita sucintamente a Parte XIII, com ênfase na criação da OIT e na
convocação de sua primeira conferência. Destaca-se aqui a citação feita à ressalva
contida no Tratado de que “as nações dele signatárias reconheciam que as diferenças de
clima, de costumes e de usos” tornavam difíceis as aplicações imediatas em todos em
países. Esse trecho seria a senha, aqui e alhures, de todos os que se opunham às leis do
trabalho, afinal, sua ampla interpretação permitia o juízo de que o caso brasileiro se
enquadrava na excepcionalidade.
A resistência por parte dos industriais brasileiros em adotar a legislação do
trabalho não era, evidentemente, de natureza teórica. Maria Célia Paoli deu pistas do
pensamento da elite brasileira naquele contexto:
A luta operária contra o capital, feita nas duas primeiras décadas do
século, fez suscitar a questão operária como questão das suas
condições de trabalho e, através dela, como questão moral que incidia
sobre a sociedade em um ponto específico: a qualidade de vida que o
trabalho industrial e urbano montava para os trabalhadores. Os
empresários industriais, surpreendidos com o vigor das manifestações
grevistas dos anos 1917-1919, viram com temor que uma de suas
consequências tinha sido a entrada do Estado na regulamentação das
relações de trabalho. Através da criação de uma Comissão de
Legislação Social na Câmara dos Deputados e da criação do
Departamento Nacional do Trabalho, entre 1918/1929 instalou-se um
debate sobre as questões operárias mais agudas estruturadas em torno
190 BEZERRA, 1920, p.63.
84
de uma série de medidas legais: acidentes de trabalho, pensões e
aposentadorias, férias, trabalho infantil, trabalho feminino, licença
para a maternidade. Os industriais trataram de associar-se para a
defesa do seu poder de mando sobre as relações de trabalho, arguindo
sobre a legitimidade das reivindicações operárias e da interferência do
Estado para encaminhá-las. Na fala empresarial dos anos 20, acusa-se
os trabalhadores de serem instáveis demais para merecerem a
legislação trabalhista; a seu ver, a legislação do Estado para o trabalho
abria um espaço de liberdade e de iniciativa para os trabalhadores
incompatível com gente cujas ‘faculdades morais e intelectuais não
foram afinadas pela educação e pelo meio, cuja vida, puramente
animal, supera em muito sua vida psíquica’191.
Havia, portanto, razões ideológicas, tanto quanto econômicas, na recusa das
elites brasileiras em aceitar que os operários fossem tratados com alguma dignidade no
trabalho. A ideia de que a classe trabalhadora “não merecia” tais direitos moldou a
lógica argumentativa da burguesia, pois o fato de os trabalhadores não terem as mesmas
“faculdades morais e intelectuais” e a mesma “educação” que a burguesia, já era um si
uma justificativa adotada para manter a não regulamentação.
No dia 29 de outubro de 1919 foram abertos os trabalhos da Primeira
Conferência Internacional do Trabalho, em Washington, sob a presidência do
estadunidense W. B. Wilson. Uma das primeiras opiniões proferidas por Andrade
Bezerra sobre a Conferência em si foi sobre a falta de celeridade no andamento dos
trabalhos, devido à ausência de prática parlamentar de grande parte dos delegados.
Segundo o relatório de Bezerra, foram, por fim, criadas 11 comissões especiais,
destacando-se entre elas “horas de trabalho”, “países especiais” e “trabalho de
mulheres”.
Importante salientar que havia desequilíbrio na representatividade das
delegações devido ao grande número de nações que não tinham indicado ou enviado a
delegação operária. Em alguns casos, os países alegavam falta de tempo hábil para os
delegados viajarem, ausência de organizações operárias em condições de indicar
delegados e até, no caso haitiano, a característica de ser um país agrícola e que, por essa
razão, não tinha nem entidades patronais, tampouco de trabalhadores. Sem dúvida, esse
era um elemento que enfraquecia a organização operária na correlação de forças, pois,
ainda que a presença de seus delegados não significasse defesa automática de suas
191 PAOLI, Maria Célia. A Família Operária: Notas Sobre sua Formação Histórica no Brasil. Tempo
Social - Rev. Sociol. USP, vol.4 n.1-2. São Paulo Jan./Dec. 1992.
85
causas exemplo disso, a conduta pró-patronato do delegado brasileiro Fausto Ferraz
a margem de manobra era muito menor em ambiente dominado por governos e patrões.
A consideração feita por Andrade Bezerra a respeito da “falta de prática
parlamentar192” não foi fortuita e tinha intenção de chamar a atenção para essa
desigualdade de condições entre patrões/governos e operários não só na representação,
como na própria capacidade de expressão e articulação de cada grupo em um ambiente
como aquele.
A lista de delegados anexada ao relatório pelo deputado Andrade Bezerra
(Figura 1) mostra como a delegação brasileira prescindia de um delegado patronal.
Figura 1 Parte da Lista de Delegados à Conferência de Washington, em ordem alfabética,
anexada por Andrade Bezerra a seu Relatório.
Fonte: Documentos Parlamentares, 6 de dezembro de 1919.
No entanto, essa ausência não significou, absolutamente, que os patrões
brasileiros não tiveram seus interesses ali representados. O primeiro embate ocorreu em
torno de um princípio já muito conhecido pelo movimento operário: o dia de oito horas
de trabalho. Como já esperado, o delegado brasileiro Carlos Sampaio ficou ao lado das
delegações patronais nessa que foi uma das mais apertadas votações daquele início da
192 BEZERRA, 1920, p.78.
86
Conferência do Trabalho. Com apoio maciço dos delegados operários e rejeição em
peso dos patronais, foi a intervenção dos governos de países que já limitavam as horas
de trabalho que garantiu a aprovação do projeto de convenção.
A limitação da jornada de trabalho em oito horas por dia, por fim, foi
aprovada em Washington e a partir desse momento passava a ser responsabilidade das
nações a garantia das condições legais e reais para sua aplicação. Havia, contudo, as
exceções. Países como Japão, Índia, Sião, China, Pérsia e África do Sul, devido a
condições climáticas ou desenvolvimento industrial incompleto não estavam obrigados
a acatar a decisão. O Brasil não estava entre os países que pediram exceção, porém,
novamente segundo Bezerra:
Um de seus delegados governamentais, Sr. Carlos Sampaio,
fundamentou uma proposta no sentido de ser adiada para a reunião do
ano seguinte da Conferência ou para a sessão especial sobre trabalho
marítimo, o estudo de aplicação do dia e semana de trabalho aos
países em condições especiais. Fundamentando essa proposta, disse o
delegado brasileiro que a situação do Brasil exigia não só as restrições
visadas no Projeto, como outras que só a experiência poderia
indicar193.
A tentativa de incluir o Brasil nas exceções foi indeferida pela Mesa
Diretora dos trabalhos, porém, mesmo sem os delegados do país terem solicitado
formalmente a inclusão entre os casos especiais, por ser uma “nação tropical”, essa
demanda ficou registrada no relatório final da comissão que se dedicaria ao estudo das
horas de trabalho. Na prática, o delegado brasileiro Carlos Sampaio, mesmo sem ganhar
no voto, conseguiu uma decisão favorável para os patrões, pois a declaração oficial de
que o país se enquadrava em uma “exceção tropical” abria precedente para o
questionamento da necessidade de aplicar a redução da jornada de trabalho e, por
consequência, de outros direitos que os trabalhadores buscavam garantir.
Essa parcial vitória de Carlos Sampaio não foi compreendida por Fausto
Ferraz, fato que não passou despercebido pelo relator:
Por seu lado, o delegado operário brasileiro, o Sr. Fausto Ferraz, não
tendo percebido talvez o alcance da última conclusão do relatório da
comissão, em nome dos operários do seu país, protestou, na sessão de
27 de novembro, contra a ‘exceção’ feita no que lhes diz respeito,
quando sua legislação já estabelecera o dia de 8 horas. Felizmente
193 Ibid., p.143.
87
estavam equivocados os dois delegados do nosso país. O Brasil está
compreendido entre os países aos quais se aplica, em sua plenitude, o
projeto de convenção geral sobre o dia e semana de trabalho194.
Embora a opinião apresentada por Andrade Bezerra à CLS apontasse o
grave “equívoco” na leitura de Carlos Sampaio e afirmasse com todas as letras que “o
Brasil está compreendido entre os países que se aplica, em sua plenitude, o projeto de
Convenção geral sobre o dia e semana de trabalho”195 e, à luz do Tratado de Versalhes,
sua posição tenha sido referendada pelos seus membros, o argumento de Carlos
Sampaio ainda teria longa reverberação e, por um bom tempo, serviria de base para as
posições de reação à legislação do trabalho.
Vigilante quanto às posturas dos delegados governamentais e o operário
não tão operário assim em Washington, Maurício de Lacerda criticou a postura do
delegado Afrânio Melo Franco que, em uma flagrante defesa da burguesia nacional,
havia se posicionado contra a fiscalização das condições de trabalho dos trabalhadores
estrangeiros no Brasil. Argumentava Melo Franco que esse tema não dizia respeito ao
país, uma vez que as leis nacionais já garantiam a igualdade entre os trabalhadores.
Maurício de Lacerda relembrou que essa afirmativa “não correspondia aos fatos” em um
país onde era cada dia mais frequente a adoção de medidas repressivas e de expulsão
dos estrangeiros considerados “indesejados” pelos poderosos locais; medidas essas que
encontravam pronta defesa do senador Adolfo Gordo, nas palavras de Lacerda o
“patrono-mor desses códigos de tortura operária”196.
Acrescia que o Delegado Melo Franco havia protestado contra a
criação de um órgão internacional de fiscalização da sorte dos
imigrantes como trabalhadores estrangeiros nos países que lhes
haviam aberto as fronteiras; dissera aquele delegado que entre nós
eram eles asseguradas na Constituição as mesmas garantias que aos
nacionais. Não somente deixava semelhante afirmativa de
corresponder aos fatos da nossa política social com suas medidas de
“expulsão” de operários estrangeiros, mas também às leis de exceção
que os atingiam de preferência, e das quais Melo Franco, como
parlamentar e jurista, tinha mais do que conhecimento direto: nelas
colaborara, já em 1913197.
194 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p. 569. 195 BEZERRA, 1920, p.144. 196 LACERDA, 1980, p.231. 197 Idem.
88
A posição de Melo Franco, contudo, recebeu um discreto apoio de Andrade
Bezerra. O deputado que não economizou palavras em sua exposição de motivos para
abrir francas divergências, nesse ponto concordou com o delegado na opinião de que a
aprovação daquela proposta de fiscalização era incabível para os países latino-
americanos e “seria obra efêmera”:
Pelo direito internacional público, são os agentes diplomáticos os
defensores naturais dos operários que vão em busca de trabalho em
terras estrangeiras. Aquela disposição era contrária ao sistema geral de
legislação de todos os países da América Latina. A aceitação do
projeto seria obra efêmera, que de certo não seria ratificada pelas
Assembleias Legislativas dessas nações, cujos interesses ficariam
sacrificados com a medida proposta198.
Ainda que haja certa tentação de vincular essa oposição à fiscalização do
trabalho de estrangeiros, assim como as leis repressivas, à presença de militantes
revolucionários, socialistas ou anarquistas entre os migrantes, sendo esses “operários
cônscios da organização”199, é provável que a motivação dos delegados oficiais fosse
mais pragmática. Como a presença de trabalhadores estrangeiros era muito numerosa
nas indústrias, principalmente em São Paulo, estabelecer qualquer controle externo
sobre eles poderia gerar dificuldades e causar prejuízos diretos aos proprietários.
O trabalho das mulheres, tema ignorado pela delegação que estava em
Washington, aparece em um capítulo específico da extensa monografia que antecede o
Projeto de Andrade Bezerra. De acordo com o relatório final da comissão especial do
trabalho de mulheres, enviado à Câmara Federal e à CLS e publicado em 1920, o
documento, em Washington, “foi apresentado por sua presidenta, Constance Smith,
conselheira técnica da delegação inglesa”200 e tratava, fundamentalmente, de garantias
para os períodos relacionados à maternidade, ao trabalho no comércio, bem como
reiterava, com pequenas modificações, a resolução da Convenção de Berna sobre o
trabalho noturno.
Como o Brasil não tomou parte da Comissão específica para trabalho de
Mulheres, o país prescindiu da indicação de uma conselheira técnica mulher, direito
previsto na Parte XIII do Tratado de Versalhes. Assim, repetindo a maior parte das
nações, enviou aos Estados Unidos uma comitiva exclusivamente masculina. Nota-se
198 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p.581. 199 HALL; PINHEIRO, 1979, p.36. 200 BEZERRA, 1920, p.165.
89
que a sub-representação de delegados propriamente operários, apontado pelos críticos
da primeira Conferência do Trabalho não era a única. Contraditoriamente, a
Conferência do Trabalho que visava proteger os grupos mais “fragilizados” e
“explorados” pelo capital tinha uma composição majoritariamente elitizada e masculina.
Nas páginas finais do documento, o deputado dedicou-se a relatar temas
como o trabalho de menores e trabalhos insalubres, até chegar à otimista conclusão de
que as nações estavam diante de um despertar para a questão operária e celebrar, por
fim, o surgimento da Organização Internacional do Trabalho. Ainda que só o tempo
pudesse “dizer se foi sincera a iniciativa do Tratado de Paz”201, estavam lançados
princípios de justiça capazes de conciliar os interesses econômicos com os “eternos
preceitos da moral”.
Após tramitação para admissão e apresentação do relatório por Maurício de
Lacerda, representando a Comissão de Diplomacia, o Projeto de Convenção nº. 663 de
1920, com anexos discutidos e votados caso a caso, foi aprovado pela CLS nos
seguintes termos:
Artigo 1º São aprovados, para os fins previstos no artigo 405 do
Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, as conclusões dos
projetos de convenção, adiante reproduzidas, adotadas pela
Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Washington, de 29
de outubro a 20 de novembro do mesmo ano, na qual tomou parte o
Brasil, na qualidade de membro da Organização Internacional do
Trabalho.
Artigo 2º Revogam-se as disposições em contrário.
Sala das sessões, 6 de dezembro de 1920. Andrade Bezerra202.
Interessante notar que embora estivesse politicamente distante da bancada
trabalhista, Andrade Bezerra se rendeu à ideia da legislação social. O mesmo discurso
foi acompanhado por diversos segmentos do parlamento, do governo e da sociedade.
Todavia, parafraseando o deputado relator quanto ao Tratado de Versalhes, só o tempo
diria quais posições eram sinceras.
Carlos Penafiel, deputado da bancada riograndense, protestou com
veemência contra o trâmite em regime da urgência da Indicação de Andrade Bezerra,
manobra que havia favorecido a sua aprovação na Comissão de Diplomacia. Na sessão
201 Ibid., p.187. 202 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p.598.
90
do dia 30 de dezembro, “no apagar dos lampiões” daquele conturbado 1919, um debate
intenso tomou conta da Câmara. De um lado, Carlos Penafiel denunciava que o
parlamento acabara de aprovar de afogadilho os princípios de leis operárias que
representavam uma verdadeira reforma e, por isso, exigiam debates mais extensos. De
outro, o deputado Augusto de Lima, presidente da Comissão de Diplomacia, defendia a
urgência da questão e contra argumentava que o parlamento tinha acúmulo suficiente
para superar os discursos e aprovar definitivamente uma legislação social à altura da
modernidade.
O aspecto formal, não obstante, era apenas o pretexto, o motivo aparente das
críticas do deputado gaúcho. As razões pelas quais o deputado mostrava inconformidade
manifestaram-se ao longo do debate. Em primeiro lugar, o parlamentar alertava para o
risco de perda de competitividade das indústrias brasileiras, posto que o Brasil adotaria
essas medidas antes mesmo dos membros mais ricos da Organização Internacional do
Trabalho, postura qualificada como uma “aventura quixotesca”203. Em segundo lugar, a
OIT representava uma afronta à soberania nacional, por objetivar interferir nas questões
internas do país, constituindo-se, assim, como uma “super-soberania” que colocava a
pátria em uma situação perigosa. De pronto, ambos os argumentos foram rebatidos pelo
aparte deputado Augusto de Lima: “O Brasil age dentro de sua soberania com inteira
liberdade; não tem de copiar o que se delibera em outras nações”. Para isso a Câmara
nomeou uma Comissão que está tratando precipuamente do assunto204.
Para os defensores do projeto, portanto, a soberania estava garantida, pois
todos os pontos deveriam ser confirmados e adaptados às legislações das nações
signatárias do Tratado e, no caso brasileiro, tão urgente era a questão que, desde 1918,
antes mesmo do Tratado de Versalhes que mudou o discurso do Poder Executivo, a
comissão especial já estava em funcionamento.
A insistência do deputado Carlos Penafiel de que o “instituto criado pelo
Artigo 405” do Tratado de Versalhes feria os poderes constituídos no Brasil, e de que
havia uma manobra regimental em curso para a aprovação de tais princípios levou
Maurício de Lacerda a aparteá-lo. De início afirma que “ninguém há de mais contrário à
Conferência de Washington do que eu; até recusei ir ali representar os operários
203 Ibid., p.680. 204 Idem.
91
brasileiros. Mas, do parecer da Comissão foi apenas estudado o aspecto diplomático
[...], portanto, nem deve ser citado”205.
São perceptíveis as mudanças nos apoios, controvérsias e posições dos
parlamentares de maio de 1919, quando chegavam notícias de Paris acompanhadas por
mensagens do Poder Executivo até os derradeiros dias do ano, quando o governo
recuava e a burguesia reorganizava sua força para impedir essas conquistas. A defesa do
federalismo riograndense e o temor de que o governo interviesse nas questões locais é
um fator importante, mas não o único que explica o grau de tensão no parlamento.
Passados os sopros libertários do imediato pós-guerra, as forças
conservadoras (industriais, latifundiários, governo e maioria dos parlamentares) se
rearticularam e buscaram isolar posições que significassem transformações muito mais
profundas do que as já consentidas. Era como se as classes trabalhadoras já tivessem ido
longe demais e os grupos dominantes, por sua vez, cedidos até seu limite. Ainda em
posse da tribuna, Penafiel persistiu:
A Conferencia de Washington, como todos os alvitres de um direito
operário internacional citados no longo e brilhante parecer com que o
Sr. Andrade Bezerra precede diversos projetos de Convenções e
recomendações, reduz-se a um esboço, sem força e em ordem, sem
alcance social e sem eficácia prática206.
Objetivamente, por caminhos diferentes, a ação política passou das práticas
protelatórias para o questionamento das teses, caso das oito horas diárias de trabalho.
Dois argumentos foram levantados pelos opositores de sua adoção universal: 1) o de
que tal jornada deveria ser consolidada apenas na “indústria mecânica”, por ser o
trabalho nas máquinas mais “embrutecedor” e 2) a “menor produtividade” do operário
brasileiro. Assim, a redução das horas de jornada representaria prejuízo para os
industriais e, consequentemente, o aumento do valor do produto que, por sua vez,
perderia competitividade. Na mesma linha adotada pelos representantes patronais da
Conferência de Washington, Carlos Penafiel recorreria à “excepcionalidade” do caso
brasileiro. “Temos ainda a considerar a menor produtividade nos meios tropicais e sub-
tropicais”207, diria Penafiel.
205 Ibid., p.682. 206 Ibid., p.683. 207 Ibid., p.686.
92
De certa forma, ao passo que a Organização Internacional do Trabalho
tomava forma real também uma oposição real a ela se organizava. Pontos que há poucos
meses pareciam consensuais ou já estavam “encaminhadas pela Legislação Especial de
Comissão Social”, como relembrava José Lobo em aparte, voltavam a enfrentar
dificuldades para tramitação. O fato de o Tratado de Versalhes e as resoluções da
Conferência do Trabalho de Washington serem, muitas vezes, consideradas moderadas,
não significou maior facilidade de aceitação pelo parlamento brasileiro. Ao contrário,
seus princípios seriam lançados por mais alguns anos no limbo das leis sociais
incompletas e inconclusas. A aplicação desses princípios, portanto, passava a ser um
desafio para a recém-criada Organização Internacional do Trabalho.
93
CAPÍTULO III – ALBERT THOMAS E A POLÍTICA DA
PRESENÇA
3.1. A OIT e a Política da Presença.
Lançadas as bases para a constituição de uma organização internacional
destinada a promover a “paz e o progresso social”, a OIT, reconhecidamente uma
“organização militante”208, assumiu em seus primeiros anos a missão de zelar para que
seus princípios fossem aplicados plenamente, “com as adaptações necessárias”209, de
maneira universal, em todos os países membros da SDN.
A OIT passou a ser provedora de instruções e exercer um efeito importante
sobre a promoção das reformas sociais. Entre os anos de 1925 e 1927, período em que
foram adotadas duas convenções e uma recomendação, a OIT ampliou o olhar sobre
países africanos (principalmente a África do Sul), latino-americanos e caribenhos. De
acordo com Jeremy Seekings, no entanto:
Mesmo os países mais industrializados na América Latina eram
menos ativos na OIT do que a África do Sul. Delegados dos principais
estados da América Latina participaram nas sessões na Europa, mas
em vez de altos funcionários do governo enviaram suas representações
diplomáticas sem qualquer experiência ans questões do trabalho ou
áreas afins. A própria OIT também estava literalmente distante da
região ao não estabelecer quaisquer escritórios lá até meados de 1930.
Assim, apesar das reformas de seguridade social que foram
introduzidos e ampliados, especialmente na década de 1920, a OIT
parece ter tido pouco ou nenhum papel. [...] No Brasil, também, os
primeiros regimes de seguro precederam a discussão na CIT210.
Apesar dessas dificuldades, antes de 1939, a Argentina havia ratificado 16
convenções, o Brasil 5, a África do Sul 8 e a Índia 14211. Com todas as limitações,
aumentar a influência da OIT e criar ambientes favoráveis à ratificação de suas
208 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Treinta años de combate por La Justicia
Social. (Prefácio de David. Morse). Genebra: OIT, 1950, p. 24. 209 Idem. 210 SEEKINGS, J. The ILO and Welfare Reform in South Africa, Latin America, and the Caribbean.
1919-1950. ILO Histories. In. VAN DAELE, Jasmien et al. (eds). Essays on the International Labour
Organization and Its Impact on the World During the Twentieth Century. Berna: Peter Lang International
Academic Publishers, 2010, p. 160. 211 Ibid., p. 152.
94
convenções foi uma meta importante para seus dirigentes em meados dos anos 1920.
Nas palavras de Seekings, “a OIT procurou promover a construção do Estado de bem-
estar como parte de seus esforços para regular o trabalho assalariado em uma escala
global”212.
Em junho de 1925, Correio da Manhã noticiou a vinda de um “alto
funcionário da Liga das Nações”213 ao Brasil, anunciando que Albert Thomas visitaria o
Rio de Janeiro e, “provavelmente”, São Paulo, Santos e Minas Gerais, antes de seguir
para Uruguai, Argentina e Chile. Reproduziu, ainda, um pequeno trecho de entrevista
concedida por Thomas à United Press, na qual dizia que iria à América do Sul “a fim de
estudar as condições das classes trabalhadoras e de conferenciar com os representantes
das associações dos trabalhadores e dos patrões, no intuído de desenvolver o apoio
dessas classes ao BIT”214. Assim, entre os dias 14 e 21 de julho de 1925, o Brasil
recebeu a visita de Albert Thomas, Diretor Geral da OIT.
No dia de sua chegada O Estado de São Paulo publicou uma longa matéria
contendo perfil biográfico e os principais objetivos da visita, que ainda trazia em sua
comitiva René Lebrun e Marlus Viple, secretários do diretor da OIT, o chefe da seção
de relacionamentos, Di Palma Castiglione e Fabra Rivas, diretor do Bureau em Madri.
Entre os compromissos previstos em sua agenda estavam:
Às 13h, no Jockey Club, o Sr. Deputado Augusto Lima, presidente da
Comissão de Legislação Social da Câmara, oferecerá um almoço ao
senhor Albert Thomas. Amanhã o Sr. Dr. Miguel Calmon, ministro da
Agricultura, Indústria e Comércio, e Felix Pacheco, ministro das
Relações Exteriores, oferecerão ao ilustre hóspede um banquete [...]
As mais importantes visitas que o diretor do Bureau Internacional do
Trabalho vai fazer no Rio, estão marcadas para 17, sexta-feira. Nesse
dia sua excelência almoçará na Ilha do Vianna, depois de percorrer as
instalações das empresas Lage, devendo, ainda, às 16 horas, visitar a
Villa Operaria Pereira Carneiro215.
Importante notar que mesmo tendo diminuído seu ritmo de trabalho e a
frequência de reuniões, a Comissão de Legislação Social continuava sendo uma
importante referência institucional, no tocante às leis do trabalho em âmbito nacional.
Não apenas pelo fato de o compromisso de Thomas no Brasil ter ocorrido com o
212 Ibid., p. 170. 213 CORREIO DA MANHÃ, 16/06/1925. 214 Ibid., 20/06/1925. 215 O ESTADO DE SÃO PAULO, 15/07/1925.
95
presidente da CLS, mas também pela presença dos membros da comissão no banquete
oferecido pelos membros do Poder Executivo. Parecia, àquela altura, que ainda estava
nas mãos do parlamento o destino da legislação social.
No discurso que antecedeu o brinde oferecido pelo deputado Augusto Lima,
de acordo com a imprensa, foi feito um histórico da legislação que já estava em
discussão no país e na CLS e referência ao que viria a ser o Conselho Nacional do
Trabalho, que “reúne em seu seio patrões e operários”216. Chama a atenção, contudo, a
justificativa apresentada para a morosidade do parlamento brasileiro em ratificar as
convenções já estabelecidas pela CIT:
O Sr. Augusto Lima estendeu-se em considerações sobre as razões de
clima e vastidão de território que tornam forçosamente passíveis de
estudo longo e meditado muitos dos problemas sociais, ao ter a
legislação brasileira de resolvê-los sem fugir às disposições da
legislação internacional. [...] Aludiu a certas cláusulas já estabelecidas
pelo Departamento Internacional do Trabalho e ainda não ratificadas
pelo Congresso brasileiro, por motivo de ordem constitucional. A
revisão da constituição ia, porém, fazer-se e tais cláusulas seriam por
certo adjudicadas à nossa legislação social.
Reapareciam diante da presença de Thomas, portanto, os pretextos e
argumentos protelatórios utilizados pela delegação brasileira na Conferência de
Washington; alguns deles contestados pelo relatório de Andrade Bezerra que fora
aprovado em dezembro de 1919 é verdade, mas que também tinham se tornado
majoritários dentro da própria CLS, quais sejam: um país com clima excepcionalmente
tropical, dificuldade de interferência do Estado nas questões empresariais, garantia de
princípios constitucionais federalistas e etc. A resposta de Thomas que se mostrou
compreensivo com as particularidades brasileiras e as comparou com a situação
francesa onde as leis sociais também encontraram dificuldades constitucionais antes de,
enfim, serem aprovadas encerrou diplomaticamente a questão.
A grande imprensa diária, ademais, não escondia sua empolgação com a
presença de Thomas no Brasil. Além de lhe dedicar a manchete do dia 14 de julho,
Correio da Manhã teceu loas ao seu entrevistado que recém desembarcara no país:
Cabe a nós, brasileiros, a honra de sermos os primeiros a receber
Albert Thomas, que vem em visita aos países sul-americanos. Notável
pelo saber, brilhante homem público, ex-ministro da França, ex-
216 CORREIO DA MANHÃ, 16/07/1925.
96
deputado, o atual diretor do Bureau Internacional do Trabalho da Liga
das Nações é uma individualidade inconfundível217.
Mais reveladores do que o excesso de gentilezas com o entrevistado, no
entanto, eram os temas que Thomas considerava centrais nas observações que faria
naqueles dias: a questão obreira, o estabelecimento dos estrangeiros, a imigração, e
“todos esses fenômenos que preocupam os países novos em primeiro plano”218. A
questão da imigração e o tratamento dispensado aos imigrantes, além das “facilidades
que aqui os mesmos encontram”, parecia a mais peculiar das questões que Thomas tinha
a tratar no Brasil.
Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro incluíram no tocante à relação da
classe operária com o Estado brasileiro, dois importantes documentos relacionados a
essa visita219. O primeiro, parte do relatório da viagem de Albert Thomas produzido
pelo holandês Joh de Bruin, operário holandês membro da União Geral dos
Trabalhadores (organização que congregava operários de origem alemã), residente no
Brasil. O segundo, uma carta aberta de Edgardo de Castro Rebello a Albert Thomas,
que lembrava o fato de que somente às vésperas da chegada de Albert Thomas a
Câmara se apressou para discutir o Código do Trabalho. Ali estava, igualmente, uma
dura crítica a respeito das poucas e mal cumpridas leis do trabalho no Brasil220.
Tanto esses documentos, quanto as demais repercussões na imprensa
operária são discutidos mais a frente neste capítulo. Antes, porém, se fazem necessárias
algumas considerações sobre o pensamento político de Albert Thomas e a agenda de
viagens que ele promoveu pelo mundo.
3.2. O Socialismo de Albert Thomas.
Dos textos em comemoração aos trinta anos da OIT, ao perfil biográfico do
atual “website”, a Organização Internacional do Trabalho manteve a linha celebratória
da vida e obra de seu primeiro Diretor Geral. Mesmo depois de consolidada a primeira
fase, de definição estrutural, a memória da organização registra que Thomas “continuou
217 CORREIO DA MANHÃ, 15/07/1925. 218 Idem. 219 HALL; PINHEIRO, 1979, p. 307. 220 Ibid., p.308.
97
a inspirar sua equipe para aproveitar todas as oportunidades para promover os objetivos
da OIT”221. Ainda assim, Albert Thomas não foi retratado propriamente como um herói,
no sentido que propunha Carlyle, “uma força vital capaz de recriar o mundo ao redor”
ou “um elemento que reorganizou a visão de mundo de seus contemporâneos”222. Sua
trajetória, sob o prisma oficial, foi a de um competente político francês que estava
justamente adequado para assumir aquela função naquele momento. Um intelectual
“idealista e diretor aplicado”.
Formado em história pela Escola Nacional Superior e doutorado em Direito,
Albert Thomas foi membro de uma sociedade cooperativa em Champigny, chamada La
Travailleuse, em 1903, quando assumiu firme posição de defesa dos sindicatos e o
cooperativismo como forma de preparação dos trabalhadores para a gestão
econômica223. No Partido Socialista Francês defendia um partido de classe e reconhecia
a necessidade de alianças passageiras com outros partidos, a partir de blocos de
esquerda; com essa visão “aliancista” notabilizou-se quando assumiu cargos
importantes no governo, durante os períodos mais difíceis da primeira grande guerra.
Em maio de 1915 assumiu o posto de Subsecretário de Estado da Artilharia e Munições,
tornando-se Ministro das Munições no ano seguinte. Em dezembro de 1916 foi
nomeado para o cargo de Ministro do Armamento.
Apesar da situação atípica, para alguns militantes até constrangedora, de um
socialista ocupar um cargo no governo diretamente ligado às questões bélicas, ao passo
que o movimento socialista internacional se destacava pela agenda pacifista, Thomas,
enquanto ministro, manteve contatos com a classe trabalhadora. Tal contato se deu
principalmente na fixação de jornada do trabalho feminino nas usinas de guerra e na
instituição de comitês de conciliação e arbitragem em matérias de salários em fábricas
de armamentos224. Nesse período, de acordo com Schaper, houve também um grande
entusiasmo e não foi mera propaganda quando Thomas, mais tarde, “disse aos
trabalhadores das fábricas de munição inglesa que, na França, os trabalhadores haviam
221 THOMAS, Albert. Perfil Biográfico. ILO Director-General. OIT, 2015. 222 Há uma tradução recente para o português de ensaios curtos de Carlyle sobre o heroísmo na história.
Cf. CARLYLE, Thomas. Sobre heróis: o heroísmo e a veneração do herói na história. Tradução:
Francisco de Freitas. São Paulo: Editora Landmark, 2011. 223 MÂITRON. Jean. Dictionnaire biographique du mouvement ouvrier français, Paris: Les Editions
Ouvrières, 1989. Verbete: THOMAS, Albert. 224 Idem.
98
sido recrutados para trabalhar com o mesmo ímpeto que para irem ao front de
batalha”225.
De modo geral, contudo, a análise de Schaper segue a mesma direção que a
narrativa da OIT, buscando na trajetória de Thomas, mesmo nos momentos
aparentemente mais contraditórios, a coerência do ponto de vista da relação com a
classe trabalhadora e sua organização durante o esforço de guerra. A linha reformista do
socialismo de Albert Thomas ficou, de fato, muito marcada por esse período, tanto na
consolidação de suas formulações a respeito do trabalho, quanto na configuração dos
grupos que dele se aproximaram ou definitivamente se afastaram.
Durante os anos de guerra Thomas se dedicou aos temas sociais mais de
uma vez, e seus discursos, artigos e conferências mostram que o seu compromisso com
a ideia de “reformismo tinha sido reforçada pelos seus esforços e experiências de
guerra”226. A organização da economia e o desenvolvimento de novas abordagens para a
produção e as relações de trabalho fariam parte de uma linha contínua entre o
“reformismo social” defendido antes da guerra por Thomas, bem como, os objetivos
mais sofisticados que ele viria a seguir em Genebra.
Em setembro de 1917, os ministros socialistas, após longa discussão acerca
dos objetivos de guerra franceses, deixam o governo e Thomas é substituído por Louis
Loucher, político conservador que viria a ser um dos principais assessores de
Clemenceau durante a Conferência de Paz. Thomas, no entanto, continuaria
politicamente ativo, como aponta Fine:
Liberado de suas responsabilidades ministeriais, Thomas dedicou seu
tempo e energias para obter apoio para suas políticas reformistas. Em
1917-1918, ele presidiu as reuniões do ‘Comité Permanente para o
Estudo e Prevenção do Desemprego’, que tinha sido criado pelo
Ministério do Trabalho para reunir líderes empresariais e trabalhistas
com o intuito de discutir a situação econômica no pós-guerra227.
225 SCHAPER, B. W. Albert Thomas: trente ans de réformism social. Paris-Assen, Presses Universitaires
de France-van Gorcum, 1959, p. 107. (Tradução nossa). 226 FINE, Martin. A Reformer´s Vision of Modernization, 1914-32. Journal of Contemporary History.
Vol. 12. Nº 3. 1977, p. 551. 227 Ibid., p.552.
99
Em 1919, enfim, após acirrada disputa de bastidores com o inglês Harold
Butler, Albert Thomas assumiu o cargo de Diretor-Geral da recém-criada OIT228.
Thomas figurou como a representação humana da instituição naquele período pós-
guerra. Era ele a OIT em “carne e osso” e o modelo a partir do qual a OIT foi moldada,
à sua imagem e semelhança. A publicação da Organização Internacional do Trabalho na
ocasião da comemoração de seus trinta anos de existência229, destaca o momento em
que Thomas teve que decidir contra a orientação do governo de seu país, a França, na
questão da regulamentação do trabalho agrícola. A escolha de Thomas pelos
pressupostos aparece como a prova da “autonomia e independência”, não dele
individualmente, mas da própria organização. Apesar da breve referência ao seu
Diretor-Geral, o mesmo documento registra com ênfase que “Albert Thomas morreu em
pleno trabalho, em 1932”, após concretizar, a “obra que consolidou seu futuro”230,
versão diferente daquela que apresenta o célebre dicionário de Mâitron, no qual consta
que Thomas morreu deprimido em um café parisiense. Na lógica da narrativa oficial
sobre Albert Thomas produzida pela OIT, contudo, a criação mítica em torno da sua
figura é um esteio institucional.
Norman Dufty, em artigo publicado em 1972, enfatizou a astúcia de Albert
Thomas ao interpretar, de forma ampla, a expressão “justiça social”, interpretação essa
que garantiu a defesa de democracias sociais universais em consonância com o
desenvolvimento industrial231. O autor atribui também a seu esforço pessoal a atuação
da OIT como organismo de pressão, tanto no campo econômico quanto no social.
Leituras desse tipo reafirmam a personalidade “conciliadora” de Thomas como
essencial para o sucesso do organismo em seus primórdios.
A esse respeito, há que se levar em consideração o conceito de justiça social
para Albert Thomas. Sua convicção, de acordo com Guy de Lusignan, escorava-se na
ideia de que justiça social era “não só a eliminação de injustiça, que era muito mais, era
a aplicação uma política positiva que o indivíduo tem de obter reconhecimento dos
228 Detalhes sobre os primeiros passos da OIT estão no relatório escrito por Albert Thomas para a
organização. O documento está disponível no site da ILO. International Labor Conference, Report of the
Director-General (Genève: ILO, 1949). (Tradução nossa). 229 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1950. (Tradução nossa). 230 Ibid., p.26. 231 DUFTY, Norman F. Organizational Growth and Goal Structure: The case of the ILO. International
Organization, 1972.
100
direitos políticos, econômicos e sociais”232. Foi a partir da construção desse discurso e
para disseminar entre todos os países da SDN sua ideia de justiça, que Thomas passou a
viajar de país para país, com a intenção de convencer os governos a seguirem as
orientações da OIT. Por essa característica, Albert Thomas chegou a ser apelidado entre
seus pares de “o judeu errante da política social”233.
A imagem de Albert Thomas certamente contribuiu para a construção de um
mito fundador da OIT que, ao emergir dos desastres diplomáticos da primeira grande
guerra, em um contexto de organização do movimento operário em diferentes pontos da
Europa, ancorava-se em termos que remetiam às ideias de equilíbrio, harmonia,
pacificação e diluição de conflitos.
E. J. Phelan, outrora colaborador direto de Thomas, utilizou estratégia
similar para contar a história do Diretor Geral. Apenas 4 anos após sua morte, Thomas
já era considerado o idealizador de toda a estrutura diretiva da OIT e o principal
responsável pelo seu caráter internacional, pois, para Phelan, foram as suas iniciativas
que evitaram o papel de mera coordenação intergovernamental da legislação social e a
transformou em uma instituição para melhorar “as condições de todos os povos do
mundo”234.
Em Phelan aparecem também os primeiros relatos dos bastidores da disputa
pela indicação do cargo de Diretor Geral da OIT, em 1919. As resistências apresentadas
a Thomas devido a sua nacionalidade francesa (como já citado, seu principal
concorrente e futuro Secretário Adjunto, Harold Butler, era inglês) foram superadas, de
acordo com o autor, devido a seu “espírito de conciliação e iniciativa”. Seriam esses
dois atributos as bases da Organização que surgia: a conciliação entre distintos
interesses dos grupos sociais e a iniciativa para colaboração e ação nos países
signatários.
A análise sobre Albert Thomas publicada em 1977 por Martin Fine foi
adotada por grande parte dos órgãos oficiais, de modo que reproduções literais de seus
textos aparecem nas publicações institucionais da OIT até os dias correntes. Ainda em
tom elogioso, a discussão acerca das visões reformistas e de modernização de Thomas
232 LUSIGNAN, Guy de. Albert Thomas et la justice sociale. L'Actualité de l'histoire, Nº. 24, Jul.-Sep.,
1958, p. 15. 233 Idem. 234 PHELAN, E. J. Yes and Albert Thomas. New York: Columbia University Press, 1949, p. 271.
101
se constrói sob a trajetória de 1914 a 1932, ano de sua morte. A trajetória de Thomas é
descrita a partir de dados pessoais, com ênfase na formação intelectual, nos autores por
ele lidos, nas relações políticas tecidas no governo francês, no seu engajamento ao lado
dos socialistas ligado a Jean Jaurès, bem como, por sua atuação política institucional.
Os caminhos percorridos para escrever a trajetória política de Albert
Thomas exatamente pela construção da imagem de bom articulador e conciliador
quase sempre deixaram em segundo plano os conflitos mais agudos e as contradições
nas quais se envolveu, reservando-se a um ácido ataque por parte dos revolucionários ou
uma versão oficial hagiográfica produzida pela OIT. Denis Guérin235, não obstante,
examinou algumas de suas contradições. Destaca-se entre elas uma carta escrita a um
amigo, em 1921, na qual Thomas revelava que via na sua ida a OIT apenas uma escala
para voltar mais fortalecido à cena política francesa. Ainda no campo político, Guérin
discutiu as indicações de Thomas para Subsecretario de Estado para Artilharias e
Munições durante a Primeira Guerra e sua posterior nomeação ao cargo de Ministro do
Armamento. Embora não ocorra de maneira explícita, as considerações de Guérin sobre
a queda de Thomas no governo revelam um lado que pouco aparece em seus perfis
biográficos: o envolvimento em crises políticas e a participação direta na guerra.
Não foram pequenos, porém, seus problemas com os socialistas. A sua
forma de encarar o socialismo e o programa do Partido para as eleições de 1932
aparecem em uma correspondência entre Thomas e Paul Faure, líder da SFIO (Section
Française de l'Internationale Ouvrière), datada de 1930. Na carta, Thomas descreve o
programa socialista:
Não da revolução social imediata e total. Mas da agenda socialista
imediata, dentro da sociedade presente e cujo cumprimento deve ser
um passo na direção da Revolução Socialista. Programa realizável em
quatro anos legislatura e para o qual se chamaria um esforço real da
Nação. Programa que necessariamente encontrará os preconceitos da
opinião presente, inconscientemente penetrado até ossos da medula
pelo pensamento capitalista, mas, no entanto, que iria responder às
aspirações profundas. Nós estamos apenas falando apenas sobre agora.
Não devemos hesitar em reconhecê-lo; há uma inegável grandeza [...]
Eu gostaria de um programa, racional, positivo, sem ilusão ou loucura,
235 GUÉRIN, Denis. Albert Thomas au BIT: 1920 – 1932, de l'internationalisme à l'Europe. Genève: Inst.
Européen de l'Univ. de Genève, 1996.
102
mas que fosse acompanhado de um esforço entusiasmado e que, por
seu sucesso, aumentasse em dez vezes a esperança socialista236.
Após a guerra, porém, a vertente reformista de Thomas, que não se
contentava em se inspirar no modelo alemão, saiu enfraquecida. Na análise de
Emmanuel Jousse, a revolução russa também é um fator que ajuda a isolar esse
“socialismo liberal” (termo usado pelo historiador francês Christophe Prochasson),
insustentável a partir da nova situação comunista e, ainda mais criticado pelo
posicionamento durante a grande guerra. Ainda segundo Jousse, os intelectuais
socialistas ligados a ele não compreenderam que entraram em uma nova era e,
“significativamente, Thomas é marginalizado dentro de seu partido até o final do
conflito, e passa a se dedicar a uma tarefa diferente: a edificação da Organização
Internacional do Trabalho”237.
Apesar das polêmicas enfrentadas dentro da esquerda francesa, Albert
Thomas manteve-se em seus propósitos de “justiça social” e sua visão de reformismo
por meio da OIT. Reiner Tosstorff atribui a Thomas a definição das três bases
fundamentais da OIT, a saber: os contatos com os governos, contatos com associações
de trabalhadores e empregados e pesquisas e investigações238. Cada uma dessas bases
resultaria em uma seção, com dedicação exclusiva ao tema e com objetivo de chegar às
principais capitais do mundo. O artigo de Tosstorff ganha corpo com uma discussão
sobre a omissão (ou até simpatia) da OIT em relação ao fascismo. As frequentes idas de
Albert Thomas à Itália ocasionaram protestos de diversas entidades e ampliaram a
desconfiança em relação a sua personalidade. De acordo com Tosstorff, a tensão com a
IFTU (International Federation of Trade Unions) foi acirrada em 1928, devido à visita
a Mussolini. Ainda que sustentado pelas tradicionais biografias de Albert Thomas,
como a de Phelan, Tosstorff não se limita a descrever a personalidade, mas explora
também os conflitos nos quais Thomas se engajou e, muitas vezes, saiu arranhado.
A história de vida de Albert Thomas e sua peculiar relação com o
socialismo, no entanto, carecem de um estudo mais aprofundado que relacione sua
236 LETTRE D'ALBERT THOMAS À PAUL FAURE. L'Actualité de l'histoire, Nº. 24, Jul.-Sep., 1958, p.
22. (Tradução nossa). 237 JOUSSE, Emmanuel. Réviser le marxisme? D'Edouard Bernstein à Albert Thomas, 1896-1914. Paris:
L’Harmattan, 2007, p. 242. 238 TOSSTORFF, Reiner. Albert Thomas, the ILO and the IFTU. In. VAN DAELE, Jasmien et al. (eds).
Essays on the International Labour Organization and Its Impact on the World During the Twentieth
Century. Berna: Peter Lang International Academic Publishers, 2010.
103
formação política com a sua trajetória como dirigente de uma organização internacional,
que elegia as palavras “harmonia”, “conciliação” e “equilíbrio”, como meios e fins.
Uma de suas passagens mais emblemáticas, relatada por Tosstorff, remete à visita feita
por Thomas a Mussolini, ocasião na qual foi “fotografado de tal forma a dar uma
impressão de que ele estava saudando à maneira do Partido Fascista”239. A julgar pelas
reações negativas, pode-se deduzir que a sua personalidade e ação política se
confundiram de modo tal que uma fotografia, pelo seu impacto, causou grande
desconforto a OIT e seus membros. Para Thomas, no entanto, esse era o risco de suas
escolhas.
3.3. A política da presença chega ao Brasil.
Analisadas, em muitos dos escritos a respeito de Albert Thomas, as viagens
empreendidas por ele quando Diretor Geral da OIT são comumente vistas como
tentativas de consolidar o caráter internacional da organização. No entanto, essas
oportunidades tinham também reflexo na própria definição da postura adotada por
Albert Thomas à frente da organização. Assim tratou Martin Fine na ocasião da visita
de Thomas aos Estados Unidos:
A viagem para a América do Norte foi importante porque Thomas
passou uma quantidade de tempo considerável nos Estados Unidos.
Ali ele renovou contatos oficiais com um certo número de líderes
industriais e trabalhistas e suas organizações. Seus esforços foram tão
bem sucedidos que ele conseguiu promessas seguras de uma maior
cooperação entre estes grupos e a OIT. Mas as relações mais
importantes que Thomas estabeleceu foram com dois dos mais
progressistas empresários norte-americanos, Edward Filene e Henry
Ford. Um proeminente industrialista Boston, Filene era então chefe do
‘Fundo Século XX’. Nos anos posteriores, a associação de Thomas
com ele traria um benefício financeiro substancial para a OIT. Durante
suas estadas prolongadas tanto Filene quanto com Ford, Thomas foi,
pela primeira vez, exposto aos métodos americanos de relações
industriais e de gestão científica. Profundamente impressionado com
essas experiências, Thomas voltou para Genebra sabendo que aqueles
avanços teriam que desempenhar um papel mais importante na
definição da futura política da OIT240.
239 Ibid., p. 108. 240 FINE, 1977, p. 554. (Tradução nossa).
104
De acordo com Phelan241, Albert Thomas acreditava que a presença física
era essencial para a consolidação das ideias. Daí as inúmeras viagens promovidas por
ele. Albert Thomas, em 12 anos como Diretor-Geral, visitou 29 países, com uma média
de 6 meses fora de Genebra, com o intuito de aproximar governos, trabalhadores e
empresários das diretrizes da OIT. De tal forma, as visitas ao Brasil, Argentina e Chile,
constantes no seu roteiro de 1925, não foram menos importantes devido aos poucos dias
de estadia. As ligações entre essa passagem pelo Brasil e a reafirmação dos princípios
estabelecidos pelo Tratado de Versalhes são aberturas que lançam luz sobre o modo de
operar a política in loco exercida por Albert Thomas.
A pesquisa empreendida por Norberto Ferreras contribui para a
compreensão do modo de operar politicamente nas viagens de Thomas à América do
Sul. Primeiramente, Ferreras faz importante ressalva sobre a visão eurocêntrica com a
qual Albert Thomas observaria a América do Sul:
As preocupações de Albert Thomas, repassada para a OIT, giravam
em torno à construção de uma política de harmonia europeia e da
defesa dos valores e posições europeus. Neste caso o que entra em
questão é o direito trabalhista europeu, que embora esteja em fase de
construção, sem estar consolidado, a pretensão era a de impor as
formas, as práticas, os ritmos europeus, inicialmente ao conjunto da
Europa e depois fora dela. Os vencedores da Grande Guerra eram os
países industrializados, os que tinham os movimentos operários mais
ativos e militantes (com a exceção da derrotada Alemanha), e queriam
impor e garantir os seus princípios, a sua legislação e os seus acordos
entre Capital e Trabalho, inicialmente ante a Europa periférica e rural,
e numa segunda instancia esta legislação devia transcender o
continente e se expandir em direção aos países industrializados da
América Latina e da Ásia. Mas, uma vez que os Estados Unidos não
ingressaram na OIT, o socialismo eurocêntrico de Albert Thomas, se
consolidou como a ideologia oficial da OIT242.
Denis Guerin já havia afirmado que, para Albert Thomas, a defesa dos
direitos trabalhistas universais era perfeitamente compatível com a defesa de uma
“solução europeia”:
A crise econômica veio a confirmar a existência de um impasse dentro
do debate sobre a organização com sede em Genebra: o que era a luta
pela jornada de oito horas, quando cada vez mais e mais trabalhadores
estavam desempregados? Seu engajamento em favor de soluções
241 PHELAN, 1949. 242 FERRERAS, Norberto. Entre a expansão e a sobrevivência: A viagem de Albert Thomas ao Cone Sul
da América. Antíteses, v.4. p. 127-150. Jan/jun., 2011, p.138.
105
centradas no velho continente se dá, em grande parte, devido à
necessidade de tomar medidas concretas, como a necessidade de agir
em favor da integração europeia243.
A visita de Thomas, portanto, carregava o pretexto de espalhar para o
restante do globo as doutrinas e o pensamento europeu, de modo que essas viagens
tinham também um caráter “civilizatório”. Ademais, como os Estados Unidos não
haviam ingressado na OIT, havia prevalecida a tese do “socialismo eurocêntrico” de seu
diretor, e cabia a ele fixar o repertório de ideias europeias como ideologia oficial sempre
que estivesse ao seu alcance. Além desses aspectos, Norberto Ferreras apontou duas
outras razões pertinentes acerca desse périplo de Thomas:
Por um lado, ele pretendia a maior quantidade de ratificações por parte
dos países membros, que deviam chegar por meio da diplomacia ou
por meio das suas múltiplas viagens. O outro problema estava na
dificuldade para levar à frente as suas políticas com o quadro
funcional existente que não era nem quantitativamente nem
qualitativamente suficiente244.
Em outras palavras, a fragilidade política dos países do sul do mundo,
inclusive o Brasil, tornaria mais fácil a intervenção da OIT e, ao mesmo tempo,
acalmaria os ânimos de uma organização estruturalmente ainda precária, em crescente
disputa interna e que precisava que suas convenções fossem ratificadas para não cair
desacreditada.
O relatório de visita que Albert Thomas submeteu ao Bureau Internacional
do Trabalho inicia exatamente justificando a viagem (além da questão formal de um
convite que Thomas havia recebido de delegados sul-americanos durante a CIT) com
ênfase no fato de que, até então, “nenhuma ratificação tinha sido obtida pelos países da
América do Sul”245. O itinerário a ser percorrido pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Chile
objetivava reverter essa situação a partir da sensibilização dos governos e da
mobilização da opinião pública desses países, pautadas pela presença de Thomas.
Além disso, o papel desempenhado pelos parlamentos, e isso recebeu uma
atenção especial no caso brasileiro, também foi identificado, pois, muitas vezes, em que
“projetos de lei foram formalmente apresentados ao Parlamento, incorporando os
243 GUÉRIN, 1996, p. 41. (Tradução nossa). 244 FERRERAS, 2011, p. 139. 245 ILO. The visit to south america of the director of the International Labour Office. International Labour
Review, Genève, v.12, n. 6, p. 757-775, dez. 1925.
106
termos das Convenções, o parlamento pareceu ter esquecido completamente da
urgência, ou até mesmo do valor da ratificação”246. Na percepção da OIT, portanto, não
bastava a organização reunir-se com o poder executivo, pois havia um espaço de
negociação com os parlamentos que, muitas vezes, poderiam até estar mais adiantados
do que o Executivo. O levantamento apresentado sobre o andamento das ratificações e
da legislação do trabalho também levou essa questão em consideração. Diz o relatório:
No Brasil, um projeto de lei (No. 663 de 1920) para a ratificação dos
seis Projetos de Convenções de Washington foi adotado na primeira
leitura pela Câmara dos Deputados, mas de acordo com a informação
recebida, o projeto de lei não poderia ser definitivamente aprovado
pelo parlamento até que a adoção do Código do Trabalho incorporasse
os princípios das convenções na legislação nacional. O Projeto de Lei
foi adotado pela Câmara dos deputados em segunda discussão; três
discussões são constitucionalmente necessárias. O Diretor concentrou
sua oferta no interesse não apenas do Governo, mas também no
Presidente da Comissão da Legislação Social e vários outros membros
da competente comissão na rápida adoção do Código247.
A argumentação de que a Constituição brasileira precisaria de alterações
para comportar os princípios preconizados pela OIT foi levantado, como já debatido,
pelo presidente da Comissão de Legislação Social, deputado Augusto de Lima, na
ocasião do banquete oferecido a Albert Thomas, mas, seria diversas vezes utilizado para
justificar a lentidão das ratificações por parte do parlamento. A perspectiva oficial da
OIT após esse encontro, ainda assim, era de otimismo no empenho dos políticos
brasileiros.
Além das questões jurídicas formais, mais um argumento foi utilizado pelas
autoridades brasileiras diante dos técnicos do BIT, o de que como o Brasil não havia
enviado delegação para a Sessão de Gênova da CIT, ocorrida em 1920, o país estava
desobrigado de ratificar suas convenções e seguir suas recomendações. O relatório
aponta que, imediatamente, essa interpretação foi explicada por Albert Thomas e que
“os Estados estavam sob obrigação de seguir o processo escrito no Tratado de Paz, no
qual, deveriam participar mesmo se o Projeto de Convenções e recomendações fossem
adotados as conferências na qual eles não estavam representados”248. De todo modo, o
governo brasileiro reconhecera que esse ponto de vista era correto, e que provavelmente
246 Ibid., p. 758. 247 Ibid., p. 759. 248 Idem.
107
o Brasil não teria grandes dificuldades em ratificar certas decisões na Conferência de
Gênova.
O tom de cordialidade e boa vontade entre as autoridades, expressa tanto no
relatório quanto no noticiário da grande imprensa no Brasil, não significava, na prática,
a imediata aplicação dos acordos. O Correio da Manhã trouxe no dia 21 de julho de
1925 uma “Carta aberta ao Sr. Albert Thomas”, com trechos em que questiona os
interlocutores daquela visita. A carta assinada por Edgardo de Castro Rebello249 teve
trechos reproduzidos por Hall e Pinheiro, nos quais se destacam as críticas ao presidente
da Comissão de Legislação Social:
Eis por que o Sr. Augusto de Lima, eleito das musas, falando muito
menos para V. Exa. mesmo do que para as camadas sociais a que
supunha terem de chegar os ecos de sua oração, preferiu dar contas da
legislação projetada e, especialmente, de um projeto de código do
trabalho, aprovado precipitadamente pela Câmara Federal às vésperas
da chegada de V. Exa. E que já aquela projeto foi oficialmente
apontado a V. Exa. como o fruto da melhor capacidade legislativa em
relação ao assunto, não é de mais que fique V. Exa. sabendo a história
dele e, com ela, a da própria criação de uma comissão parlamentar de
legislação social250.
Essa opinião, contudo, não era uma posição editorial do jornal. Enquanto as
denúncias se avolumavam Correio da Manhã noticiava, com certo entusiasmo, a visita
de Albert Thomas ao prédio da Câmara dos Deputados, onde havia “acompanhado parte
da sessão” e também havia sido recebido no Conselho Nacional do Trabalho; esse sim
criticado pelo jornal por ninguém saber “até hoje o que já fez em benefício do
operariado nacional”251. Em certa medida, o objetivo proposto por Albert Thomas, de
mobilizar a opinião pública dos países que visitava em torno da questão social, era bem-
sucedido.
Consta também no relatório da OIT o mal-estar gerado pela interpretação do
governo brasileiro sobre a importância de ratificar uma emenda ao artigo 393 do
Tratado de Versalhes, que dispunha do formato administrativo do BIT, conforme
deliberação da 4ª Sessão da CIT de 1922. Embora fosse uma questão meramente formal,
249 Edgardo de Castro Rebello foi professor na Faculdade de Direito, atual Universidade Federal do Rio
de Janeiro, entre 1914 e 1954, com uma interrupção por motivos políticos. Socialista, de sólida formação
marxista, interveio várias vezes em defesa de lideranças operárias. Cf. HALL; PINHEIRO, 1979, p.308. 250 CORREIO DA MANHÃ, 21/07/1925. 251 Ibid., 19/07/1919.
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que não alterava concretamente nenhuma relação de trabalho, a demora na ratificação
incomodava o Diretor Geral da OIT, que pedia celeridade. Por fim, também nesse caso,
sua impressão foi positiva, pois “com um cuidadoso exame dos fatos foi possível
esclarecer a situação”. Mais uma vez frisava que a questão era antes do Parlamento.
Dos países sul-americanos visitados por Thomas, oficialmente todos lhe
causaram boa impressão, no entanto, nota-se que o entusiasmo maior, não sem razão,
era com o Chile. Norberto Ferreras apontou a diferença no caso do Chile, pelo fato de
seu representante, Armando Quezada Acharán, ter se comprometido, no ato do convite à
viagem de Thomas, a aprovar as ratificações na presença do Diretor Geral da OIT. Além
disso, “mostrou o seu compromisso com a OIT criando um escritório dentro do país
para divulgar e acompanhar a obra da instituição de Genebra”252. Seekings igualmente
destacou a posição de vantagem do Chile, em comparação com os demais países latino-
americanos, no campo das leis sociais, atribuindo a elaboração de um sistema de
proteção e legislação social ao Presidente Alessandri253.
A conclusão do relatório fazia referência às dimensões continentais do
território brasileiro e expressava a opinião que a justiça social poderia ser “a melhor
forma” para manter a unidade em um país territorialmente tão grande. O que salta aos
olhos, entretanto, não são os relatos presentes no documento, mas, a perceptível
ausência de um debate mais atento àquela que, na imprensa operária e na CLS, parecia
ser uma das mais relevantes questões para o mundo do trabalho, ou seja, a imigração e a
condição de trabalho dos trabalhadores imigrantes. A única referência ao tema migração
presente no relatório, com efeito, aparecia superficialmente no trecho sobre o Uruguai.
O tema do trabalhador imigrante não escapou, porém, ao relatório do
militante Joh de Bruin. As liberdades garantidas aos operários eram “letra morta” e a
primeira prova disso era o teor do Decreto 4247, que tratava da imigração. Joh de Bruin
reproduz os seguintes trechos do decreto:
Podem ser expulsos do território brasileiro dentro de cinco anos, após
penetrar no território, as pessoas:
1) Que forem expulsas de outro país.
2) Que foram consideradas como elementos perturbadores da ordem
pública pela polícia de outros países.
252 FERRERAS, 2011, p 141. 253 SEEKINGS, 2010, p 160. (Tradução nossa).
109
3) Que no período acima citado empregaram medidas de violência,
com a intenção de ajuda uma seita religiosa ou um partido político, a
conquistar o poder, por meio de ações puníveis.
4) Que por sua atitude pública, colocaram em perigo a ordem social
ou a segurança nacional254.
Na contramão do “paraíso terrestre” pintado pelas autoridades brasileiras, e
também mais realista do que o olhar diplomático de Albert Thomas, o documento faz
uma crítica contundente da diferença entre teoria e prática no país. Ainda na questão dos
trabalhadores imigrantes, o texto denuncia que “no Rio de Janeiro, em meados deste
ano, houve seis expulsões do país de operários estrangeiros”255. Nesse sentido, é
interessante observar que tanto Andrade Bezerra, eu seu relatório sobre a Conferência
de Washington, quanto Maurício de Lacerda, na polêmica que estabeleceu com o então
delegado brasileiro à CIT, Afrânio Melo Franco, já apontavam a grande farsa que era a
suposta igualdade que a lei garantia a trabalhadores brasileiros e estrangeiros. O
assunto, que por tantas vezes foi alvo de debate na CLS desde 1918, também aparecia
entre os temas que a imprensa esperava que fosse abordado por Thomas no Brasil.
A contribuição do relatório de Joh de Bruin, contudo, foi mais ampla do que
essa. De acordo com Hall e Pinheiro, o texto “revela um bom conhecimento teórico e se
expressa com muita clareza, não só ao lidar com os fatos, mas nas passagens mais
abstratas”256. A solidez dos argumentos pode ser constatada a partir da exposição de
contradições nas leis que estavam em vigor, nas falhas elementares contidas na Lei de
Acidentes de Trabalho, nas brechas deixadas pela Lei que regulamentava a idade
mínima de trabalho, na proteção às mulheres grávidas, enfim, nas poucas leis que até
então haviam sido aprovadas, mas encontravam todo o tipo de dificuldades para serem
aplicadas. Daí a passagem retórica, direcionada a Albert Thomas, que chamava para
uma importante reflexão sobre seus intentos:
O que nos adianta a aprovação de todas as resoluções no campo da
legislação social, por brasileiros, nas diferentes Conferências
Operárias, a sua incorporação em leis para nosso país, se ainda existe
a possiblidade de os empregadores violarem essas leis, com a
permissão do governo? Esta possibilidade continuará existindo se se
254 HALL; PINHEIRO, 1979, p. 309. 255 Ibid., p. 311. 256 Ibid., p. 308.
110
continuar frustrando, através da violência, qualquer tentativa de
organização dos operários257.
A violência a qual se referia o militante holandês era uma marca ainda mais
profunda durante o governo Arthur Bernardes. Segundo Viscardi, a instabilidade de seu
governo se devia, em grande parte, à truculência com a qual intervinha nas questões
econômicas, políticas e sociais. No caso dos grupos divergentes, incluindo a classe
trabalhadora, “ao invés de inseri-los diretamente no Estado ou desmobilizá-los, através
da incorporação de suas reivindicações no programa de governo a ser executado,
Bernardes preferiu a mera repressão, novamente abstendo-se de soluções
conciliadoras”258. No entanto, o caráter repressivo não era a única explicação para a
dissuasão da luta parlamentar em prol dos direitos do trabalho e sua desarticulação com
a classe trabalhadora. Maurício de Lacerda, anos mais tarde, chegaria a conclusões
parecidas com as provocações feitas por Joh de Bruin a Albert Thomas:
Quanto a uma legislação social ‘o pouco que possuíamos’ nessa
matéria ou ‘não era aplicado’ ou somente era ‘em parte mínima e
esporadicamente’ não tendo os compromissos internacionais a
respeito sido honrados, de vez que não ‘observávamos as conclusões e
convenções’ do Tratado de Paz e da Conferência do Trabalho, de
fôramos signatários, sendo até membros de um Bureau Internacional
do Trabalho259.
Foi nesse contexto, em que “poucas leis existiam” e as “poucas que existiam
não eram aplicadas”, que grupos operários organizados, por meio de sua imprensa,
analisaram a visita de Albert Thomas. O jornal A Classe Operária, recém-fundado e
ligado ao Partido Comunista do Brasil, anunciou a viagem de Thomas como um evento
importante para o “mundo burguês”, em tom crítico à imprensa que o qualificava como
líder trabalhista:
Já os jornais capitalistas teceram loas, ente nós, ao eminente leader
trabalhista com a só notícia de sua vinda até cá. Isso é sintomático e...
promissor. [...] Nós queremos também participar da recepção ao que
se vai fazer ao Sr. Albert Thomas, leader da social-traição nacional,
servidor do capitalismo e do imperialismo, empregado da Liga das
257 Ibid., p. 315. 258 VISCARDI, 2012, p. 296. 259 LACERDA, 1980, p. 283.
111
Nações. A CLASSE OPERÁRIA conhece bem a vida do Sr. Albert
Thomas e há de lhe dar as boas vindas, como ele merece...260.
As críticas à vinda de Thomas, feitas pelos comunistas, estavam
relacionadas à estratégia mais geral dos partidos comunistas de rejeitarem a
interferência dos organismos “burgueses” que emergiram do Tratado de Versalhes. Para
tanto, a linha soviética seria seguida e embasaria explicitamente seus argumentos. Tal
fato fica evidente em texto assinado por Nicolao Rocha a respeito de Thomas:
São esses os lacaios da burguesia que o inolvidável Ilitch – o nosso
Lenine – apontou à execração do proletariado mundial. Aos nossos
trabalhadores compete não participar da fala que se prepara; isso seria
trair os companheiros marxistas e toda classe obreira. Deixemos que
eles se festejem. Nós preferimos ficar por cá, sem banquetes, curtindo
a fome e com a companhia de nossos camaradas261.
O repúdio e até agressividade por parte de setores mais radicalizados da
esquerda (anarquistas, comunistas ou sindicalistas revolucionários) à figura de Albert
Thomas, com efeito, tinha duas dimensões: a “traição” representada por seu socialismo
reformista, que incluía em seu currículo a participação no governo francês durante a
Grande Guerra, e o fato de estar à frente de um órgão da Sociedade das Nações, também
considerado “imperialista” e “burguês” pelos revolucionários. Há significativa
diferença, portanto, entre as críticas pontuais que aparecem no Correio da Manhã e no
periódico A Manhã, quase sempre relacionadas à incapacidade do órgão de acelerar a
legislação trabalhista e às feitas por setores dos trabalhadores que rejeitavam
decididamente essas “conquistas paliativas” que, segundo sua leitura, visavam “amainar
a luta de classes”.
O jornal A Manhã trouxe, em fevereiro de 1926, um balanço sobre a
organização do operariado no Brasil, com bastante destaque para o testemunho de
Albert Thomas durante a sua viagem ao Brasil e constatando o irrisório resultado
concreto daquele evento:
O Sr. Albert Thomas, presidente do Bureau Internacional do Trabalho
de Genebra passou pelo Rio em viagem de recreio, desfrutando todas
as vantagens e regalias de um hóspede oficial. Não experimentou,
felizmente, nenhum contato com as nossas massas trabalhadoras. [...]
Do que, porém, o S. Ex. não nos deu notícia, nos seus discursos e
260 A CLASSE OPERÁRIA, 13/06/1925. 261 Ibid., 27/06/1925.
112
entrevistas, foi da maneira por que íamos cumprindo as resoluções
ratificadas pelos nossos representantes e que constam do acordo de
Genebra e da Parte XIII do Tratado de Versalhes. Quais são
finalmente, os compromissos desse gênero que o país assumiu,
perante as nações do mundo?262
É possível notar que o cerne da crítica do A Manhã era muito mais no
sentido de cobrança de resultados efetivos da vista oficial, ou seja, da ratificação e
aplicação imediata das leis do trabalho já deliberadas internacionalmente, do que os
ataques frontais emitidos em jornais operários, dirigidos por setores operários mais
radicalizados. Nesse artigo, intitulado “Qual a verdadeira situação do operariado
nacional?”, A Manhã teceu elogios ao Chile, Argentina, Uruguai e México, países que,
ao contrário do Brasil, asseguravam “medidas legislativas de alcance prático e
imediato”263.
Os verdadeiros motivos da viagem de Albert Thomas à América Latina
foram alvo de especulação de diversos jornais da época. A Classe Operária chega a
afirmar que o argumento das ratificações era mero pretexto, e a real intenção da visita
do Diretor Geral da OIT e sua delegação era preparar o terreno para a migração de
“grandes massas de agricultores russos”264. Dizia o jornal:
Exilados voluntários? Como compreender que agricultores russos, que
podem dispor na União Soviética, de terras próprias para trabalhar
debaixo de um regime econômico e político onde só o trabalho é
soberano se hajam ‘exilado’ voluntariamente e agora, pela mão do
socialista Albert Thomas, pretendem vir trabalhar nos países
capitalistas da América do Sul? [...]. A verdade é a seguinte: Essas
‘massas de agricultores russos’ são compostas unicamente de
destroços do exército branco265.
A forte conotação propagandística em relação à União Soviética, típica dos
textos militantes comunistas do período, revelava parte de uma história que seria
comprovada mais tarde por declarações do próprio Albert Thomas. A questão de as
intenções de Thomas e a composição do “grupo de exilados” serem, ou não, realmente o
denunciado pelo texto, tem menos relevância do que a constatação de que aquela
narrativa viria a fazer sentido. Evidentemente, o caso dos refugiados russos já estava
posta publicamente e, como é sabido, os órgãos da União Soviética forneciam subsídios
262 A MANHÃ, 11/02/1926. 263 Idem. 264 A CLASSE OPERÁRIA, 04/07/1925. 265 Idem.
113
para seus militantes ao redor do mundo. De todo modo, a especulação foi confirmada
em matéria publicada em fevereiro do ano seguinte em A Manhã.
Na breve nota sobre a questão dos refugiados russos e armênios, o jornal
relatava uma entrevista com Albert Thomas em Genebra, na qual o francês explicava
que “teve a ideia de encaminhar essa multidão de infelizes para os países de grande
imigração, como o Brasil”266. Nessa entrevista, Thomas referiu-se à viagem que havia
feito aos países sul-americanos e “às negociações que ali celebrou sobre esse assunto”.
Informou ainda que caberia ao Estado ou instituições particulares arcarem com os
custos da viagem de migração.
O jornal editado em Portugal A Batalha, de tendência anarco-sindicalista,
deu publicidade a um relatório operário que havia sido encaminhado a Albert Thomas
na ocasião de sua visita ao Brasil267. Com a intenção de tornar pública a verdadeira
situação dos operários e para que Thomas não fosse iludido com os itinerários oficiais
que o governo lhe oferecia, o relatório traz denúncias sobre cerceamento das liberdades
de expressão e associação, abuso do trabalho infantil nas fábricas e exploração do
trabalho das mulheres. Essa forma de denúncia tinha, ainda, a intenção de preparar o
repertório de críticas que viriam futuramente, diante da provável atitude do Diretor
Geral de ignorar tais acusações.
Mais interessado em acompanhar o desenrolar dos debates sobre legislação
social, do que o percurso feito por Albert Thomas pelo Brasil e países vizinhos, o
periódico O Combate, de São Paulo, que intensa cobertura havia dado à Conferência de
Paz e às primeiras sessões da Conferência Internacional do Trabalho, se limitaria,
naqueles dias, a noticiar a extensão dos benefícios conquistados pelos ferroviários aos
trabalhadores marítimos e o encaminhamento na CLS do direito de férias anuais aos
empregadores do comércio. Em nenhum dos casos, apesar de Albert Thomas estar no
Brasil, essas conquistas foram associadas à sua presença ou ainda, à política
internacional praticada no pós-guerra268.
A passagem de Thomas pelo Brasil e as críticas direcionadas à sua figura
política continuariam a repercutir na imprensa operária nos anos finais da década de
1920. Agripino Nazareth, militante socialista durante a Primeira República, foi
266 A MANHÃ, 28/02/1926. 267 HALL; PINHEIRO, 1979, p. 131. 268 O COMBATE, 24/07/1925 e 12/08/1925.
114
questionado pelos comunistas nas páginas do Voz Cosmopolita269, em 1926, pela
incoerência de suas críticas à Albert Thomas, uma vez que Evaristo de Moraes, maior
referência política de Nazareth, era o “Albert Thomas do Brasil, a quem a burguesia
poderia recorrer” A alusão ali certamente era pejorativa, uma vez que o próprio
socialista brasileiro considerava Thomas um "falso legionário do socialismo"270. Já em
1928, o jornal A Esquerda, àquela altura com nítida influência editorial comunista,
acusava o governo Bernardes de ter manipulado junto ao Diretor da OIT, dois anos
antes, a delegação enviada à CIT. No mesmo artigo, o periódico qualificaria o dirigente
da OIT como “renegado” e “velho desavergonhado que aceitou um emprego rendoso
para nos trair”271.
Anos antes, na entrevista concedida ao O Estado de São Paulo no Hotel
Esplanada, na capital paulista, Albert Thomas retribuiu elogios ao jornalista que alegava
não ter resistido “à tentação de ouvi-lo” e disse que levaria do Brasil “as melhores
impressões”, além de alimentar a esperança de ver os trabalhadores brasileiros
organizados participando mais ativamente das próximas Conferências da OIT. Dizia,
ainda, que acreditava na palavra do governo de que as “questões de representatividade”
seriam resolvidas e, superado esse ponto, os trabalhadores brasileiros seriam “sempre
bem-vindos”272 em Genebra. A julgar pelos jornais operários, porém, a recíproca não
era verdadeira.
269 Órgão do Sindicato em Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. Inicialmente anarquista, se
filia ao Partido Comunista do Brasil (PCB) após sua fundação em 1922. Cf. CARONE, Edgard.
Socialismo e anarquismo no início do século. Petrópolis: Vozes, 1995; FERREIRA, Maria Nazareth
Ferreira. Imprensa operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988; DE DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo.
Cotidiano de trabalhadores na República: São Paulo 1889‐1920. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989. 270 VOZ COSMOPOLITA. Rio de Janeiro, 6 fev. 1926, p.9-10, apud CASTELUCCI, Aldrin Armstrong
Silva. Agripino Nazareth e o movimento operário da Primeira República. Rev. Bras. Hist. vol.32 no.64
São Paulo: 2012. 271 A ESQUERDA, 10/04/1925. 272 O ESTADO DE SÃO PAULO, 22/07/1925.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A repercussão da Parte XIII do Tratado de Versalhes no Brasil não se
restringiu à disputa sobre a legitimidade política de seus idealizadores e instituições. A
ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a
aplicação de seus princípios objetivamente pautaram o mundo do trabalho e os órgãos
de Estado, desde seus primeiros meses de existência e nas décadas seguintes à sua
assinatura.
Uma célebre coletânea de decretos relacionados à questão social foi
encomendada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ao bacharel João
Alfredo Louzada, em 1933.
Ao apresentar o retrospecto da legislação anteriormente adotada, Louzada
considerou que foi o Tratado de Versalhes que, enfim, “veio por o Brasil ao lado dos
países que já possuem, de há muito, leis sobre o trabalho ou atinentes às instituições de
assistência aos trabalhadores”273.
Embora essa equiparação não significasse imediata adoção das resoluções
da OIT (sempre havia as ditas circunstâncias nacionais), é incontornável o fato de que o
vocabulário da OIT passou a integrar os documentos de instituições brasileiras.
Em boletim publicado em 1923, o Departamento Estadual do Trabalho
(DET) reproduziu as 3 convenções que deveriam ser adotadas pelos países membros da
Sociedade das Nações (SDN), a partir das resoluções da reunião ocorrida naquele ano
em Genebra, quais sejam: adoção de legislação sobre idade mínima de admissão ao
trabalho, direito de associação e acidentes de trabalho.
273 LOUZADA, Alfredo João (Org.). Legislação Social Trabalhista: coletânea de decretos feita por
determinação do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Brasília: Ministério do Trabalho e da
Previdência Social, 1990, p. 15.
116
A divulgação da convenção sobre o trabalho de menores, feita pelo DET,
guardava sua importância em termos de somar reforço na aplicação e efetivação das leis
já existentes: as tentativas de regular este tipo de trabalho foram numerosas desde o
final do século XIX274.
Além disso, registrou as 7 recomendações referentes às medidas “a serem
tomadas no sentido de aperfeiçoar a proteção legal dos trabalhadores da agricultura”275,
demonstrando que mesmo que este segmento seja conhecido por ter ficado de fora da
legislação social brasileira tal exclusão não aconteceu à revelia do debate interno às
instituições do país e das tentativas em forma de recomendação, menos efetivas ainda
que as convenções, da OIT. No início do documento citado constava a informação de
que o país estava “obrigado a cumprir essas determinações” e, para tanto, “deveria
ratificar as convenções dentro do prazo estabelecido pela legislação internacional”276.
No ano seguinte, um boletim do mesmo DET trouxe a cópia de uma decisão
judicial da Comarca de Jundiaí que afirmava:
O século XX intensificou a legislação social com o movimento que
ora atinge o máximo de todos os tempos, assinalado pelo Tratado de
Versalhes, que imprimiu ao problema feição acentuadamente
internacional e protecionista. [...] O Brasil inscreveu-se entre os países
signatários desse Tratado, subscrevendo aquela reafirmação com o
programa pelas nações adotado, segundo o qual na orientação
econômica a seguir pelos Estados, entraria, com parte integrante, a
questão do trabalho. [...] A fase atual do problema, francamente
internacional, fez nascer essa fórmula que bem a exprime – Direito
Internacional Operário277.
A sentença proferida nos autos de uma ação de indenização por acidentes de
trabalho, na qual a família do operário têxtil João Turchetti exigia reparação por sua
morte no local de trabalho, demonstra como os princípios do “direito internacional do
trabalho”, derivado da Conferência de Paz, aos poucos, configuravam jurisprudência.
274 Para Louzada, o Decreto Nº. 439, de 31 de maio de 1890, que estabelecia as bases para a assistência à
infância e criava equipamentos para acolher menores do sexo masculino, fazia parte do conjunto de
esforços legislativos neste sentido. As leis: Nº. 240, de 04 de setembro de 1893; Nº. 432, de 03 de agosto
de 1896 e Nº. 2141, de 14 de novembro de 1911 que regulamentaram o Serviço Sanitário no Estado de
São Paulo proibiam o trabalho de menores nas fábricas, mas eram pouco conhecidas e aplicadas. Para o
século XIX, liberdade e tutela, no entanto, é um debate mais amplo. Cf. MENDONÇA, Joseli Maria
Nunes. Liberdades em tempos de escravidão. In. CHAVES, Cláudia Maria das Graças; SILVEIRA,
Marco Antonio (org.). Território, conflito e identidade. Belo Horizonte: Argumentum, 2007, pp. 98-104. 275 BOLETIM do Departamento Estadual do Trabalho. Ano XIII, Nº 48 e 49, 1923, p. 184. 276 Idem, p. 183. 277 Ibid., Ano XIV, Nº 50 e 51, 1924, p. 70.
117
No presente caso, o embasamento no texto do Tratado de Versalhes reforçava a Lei de
Acidentes de Trabalho, já estabelecida pelo Decreto Nº. 3724, de 15 de janeiro de 1919.
A presente dissertação não encerra o debate sobre as referências ao Tratado
de Versalhes na jurisprudência acerca da legislação do trabalho após a década de 1920,
tampouco a forma como esse documento foi utilizado para robustecer argumentos
jurídicos em prol dos trabalhadores. Essa questão abrange anos posteriores ao recorte
proposto e seria de grande valia estudos que a explorassem.
Não obstante, apesar do reconhecimento público sobre a relevância do
Tratado de Versalhes e da OIT, com acenos de parlamentares e do poder Executivo, as
ratificações das convenções não se concretizaram tão rapidamente quanto sugeriam as
promessas na ocasião da visita de Albert Thomas ao Brasil. Cabe elucidar, ainda, que
uma ratificação tinha o sentido de validação somente perante a OIT, ou seja, era um
gesto voltado para os países da SDN, ao passo que para real efetivação no Brasil era
necessária ainda a aprovação de leis ou a publicação de decretos que regulamentassem o
tema. Apesar disso, cabia à OIT também o papel de pressionar não apenas as
ratificações, mas o cumprimento e regulamentação das leis do trabalho já existentes no
país.
Consequentemente, a Convenção Nº. 5, de 28, de novembro de 1919, que
tratava da “Idade Mínima de Admissão nos Trabalhos Industriais”, que no plano
internacional entrou em vigor em 13/06/1921, no Brasil foi ratificada apenas em
26/04/1934 e promulgada em 12/11/1935278. A Convenção Nº. 6, sobre o “Trabalho
noturno dos Menores na Indústria”, entrou internacionalmente em vigor no mesmo
13/06/1919 e, por sua vez, só foi promulgada em 12/12/1935279. Os padrões para o
trabalho das mulheres também só foram adotados em 1932, com o Decreto Nº. 21.417-
A e as convenções ratificadas pelo decreto já mencionado. O Brasil acompanhou a
reforma feita na Convenção de Trabalho Noturno, alterando o decreto assim que ela foi
revista280. Também tardou a ser promulgada a Convenção Nº. 11, referente ao “Direito
de sindicalização na Agricultura”, tema sensível no Brasil, que vigorou
278 PRETTI, Gleibe. Direito Internacional do Trabalho e convenções da OIT ratificadas pelo Brasil. São
Paulo: Ícone, 2009, p. 55. 279 Ibid., p. 59. 280 Decreto 21417-A, de 17 de maio de 1932.
118
internacionalmente desde 11/05/1923 e só entrou em vigência nacionalmente em
25/04/1958281.
De tal modo, por não terem obtido resultado imediato, tanto as atuações
parlamentares no âmbito da Comissão de Legislação Social (CLS), quanto a presença da
OIT no Brasil na década de 1920, muitas vezes, não foram reconhecidas sequer como
conquistas paliativas. As posições de parte da imprensa operária, notadamente a de
influência anarquista, como A Plebe, também contribuíram para o esvaziamento da
importância do debate parlamentar daquele período. Por meio da análise das atas da
CLS esta dissertação procurou restabelecer o lugar que o Brasil pretendia adotar na
disputa institucional que se dava no Congresso Nacional, os embates travados por
Maurício de Lacerda, Deodato Maia, Nicanor Nascimento, e mesmo parlamentares mais
conservadores, como Andrade Bezerra que, em diversos momentos, deslocaram as
forças no parlamento em prol das leis do trabalho.
Mutatis mutandis, o peculiar e de difícil compreensão reformismo de Albert
Thomas também obliterou análises a respeito de sua ação como Diretor Geral da OIT,
bem como, o papel de suas viagens, agendas com conteúdo político muito mais amplo
do que a mera obtenção de ratificações. A apreciação da repercussão da visita de
Thomas na grande imprensa e na imprensa operária, incluindo seu anátema nas
publicações de esquerda, foi uma contribuição do presente trabalho. A presença de
Albert Thomas no Brasil, no entanto, também foi observada atentamente, à época, pelo
Departamento de Estado norte-americano. Em relatório produzido pela Embaixada dos
Estados Unidos no Brasil, sediada no Rio de Janeiro, há um comentário de que a visita
não significaria avanço na organização dos trabalhadores, uma vez que o governo
brasileiro “mantém a direção em todas as organizações de trabalho e não permite-lhes
expressar as suas aspirações”282. A despeito de extrapolar o objeto desta análise,
pesquisas futuras com essa série documental podem buscar pistas sobre o interesse que
o Departamento de Estado norte-americano tinha na questão da legislação do trabalho
no Brasil, principalmente no tocante aos trabalhadores imigrantes.
Os avanços na legislação do trabalho também foram observados de perto
pela burguesia, para além da sua representação parlamentar. Houve uma tentativa de
281 Ibid., p. 63. 282 Departament´s Circular Instructions. Embassy of the United States of America. 25 de julho de 1925.
ROLO 6. Microfilme. ADEB. (Arquivo Edgard Leuenroth).
119
utilizar a saída do Brasil da SDN, em 1926283, como justificativa para a não adoção das
leis do trabalho no Brasil. Esse contorcionismo do qual se valeu uma parcela
conservadora do mundo jurídico, alegava que a saída do país da fracassada Sociedade
das Nações desobrigava o país a cumprir as resoluções de suas instituições. Um parecer
do consultor jurídico João Arruda para a CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São
Paulo), publicado em 21 de janeiro de 1929, tratava sobre a constitucionalidade da
aplicação do Decreto Nº. 4.982 de 25/12/1925, a respeito das “Férias aos empregados e
operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários”. O decreto garantia
15 dias de férias anuais para os trabalhadores dos ramos supracitados. Nesse
documento, João Arruda considerou o Decreto perfeitamente constitucional e afastou a
hipótese dos que acreditavam que admitindo:
[...] a saída do Brasil da Liga das Nações (decisão que sempre me
pareceu muito acertada), [o país] ficou livre dos compromissos
assumidos pela assinatura do Tratado de Versalhes. [...] Os
jurisconsultos, porém, da escola moderna, necessariamente hão de
sustentar que a Constituição Brasileira não pode deixar de ser hoje
entendida de conformidade com o que todas as nações cultas
decidiram [...] Noutros termos, os artigos 23 e 427 do Tratado de
Versalhes exteriorizam a consciência humana neste momento, são a
fotografia dessa consciência284.
A consideração de João Arruda, de que esse ponto do Tratado de Versalhes
deveria ser aplicado no Brasil por ser uma “fotografia da consciência humana” daquele
período, não foi caso isolado. Apesar do intenso debate inicial entre os variados grupos
políticos ligados ao movimento operário, como demonstrado nesta dissertação, ao longo
dos anos os princípios e a terminologia constantes na Parte XIII foram absorvidos na
luta política, jurídica, sindical e institucional. Nesse sentido, nos últimos anos da
década de 1920 e no decorrer dos anos 1930, houve maior reconhecimento de que os
princípios relacionados à legislação do trabalho presentes no Tratado de Versalhes
deveriam ser adotados e preservados, independentemente dos demais resultados da
Conferência de Paz que o originou. Tal fato pode ser atestado pelas referências
constantes nas justificativas e exposições de motivos dos decretos e leis do trabalho
publicadas no Brasil nesse período.
283 Cf. COLLOR, Lindolfo. O Brasil e a Liga das Nações. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926. 284 CIESP, Circular. Nº. 19, de 01/1929, p.10.
120
Além disso, é importante o registro de que o fracasso do Tratado na
manutenção da paz e na harmonia dos povos, tal como o desmantelamento da Sociedade
Das Nações, não significou a extinção da OIT. Ao contrário, a instituição,
paulatinamente, aumentou sua estrutura e capacidade de influência sobre os Estados,
empregadores e o movimento operário. Assim, embora não conste que em 1919
houvesse representantes dos proletários em Paris, tampouco na galeria de espelho de
Versalhes, coube à classe trabalhadora protagonizar o aspecto mais duradouro daquele
Tratado de Paz.
121
ARQUIVOS
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Fundo Altino Arantes
Diário Íntimo de Altino Arantes: Arquivo do Estado de São Paulo
2. Arquivo Edgard Leuenroth (AEL)
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Fundo Internacional Comunista
ADEB – Arquivos Diplomáticos Estrangeiros sobre o Brasil
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122
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CENTRO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CIESP). Circular. Nº.
19, de 01/1929, p.10.
2. Imprensa
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A Esquerda, 1925.
A Manhã, 1926 a 1927.
A Plebe, 1919 a 1926.
Correio da Manhã, 1919 a 1926.
Gazeta de Notícias, 1919 a 1921.
Jornal do Comércio, 1918 a 1926.
123
O Alfaiate, 1926.
O Combate, 1917 a 1926.
O Coreto, 1919.
O Estado de São Paulo, 1919 a 1926.
O Paiz, 1918 a 1925.
Pacotilha, 1919.
Spartacus, 1919 a 1920.
Voz Cosmopolita - 1922 a 1926.
Voz do Povo, 1920.
3. Documentos oficiais sobre Tratado de Versalhes e OIT
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