UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Campus de Rio Claro
PRODUÇÃO FAMILIAR: POSSIBILIDADES E RESTRIÇÕES
PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – O
EXEMPLO DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
Giancarla Salamoni
Orientador: Profª Dra. Lucia Helena de Oliveira Gerardi
Tese de Doutorado elaborada junto ao Curso de Pós-Graduação em Geogra-grafia - Área de Concentração em Organiza- ção do Espaço, para obtenção do Tí-tulo de Doutor em Geografia.
Rio Claro – SP
2000
Bibliotecária Responsável Gabriela N. Quincoses
CRB 10/1327
S 159p Salamoni, Giancarla Produção familiar: possibilidades e restrições para o desenvolvi-
mento sustentável – o exemplo de Santa Silvana – Pelotas – R.S. / Giancarla Salamoni; orientador Profª Dra. Lucia Helena de Oliveira Gerardi. – Rio Claro, S.P.: Universidade Estadual Paulista, 2000.
325 p. Tese de Doutorado elaborada junto ao Curso de Pós-Graduação
em Geografia. 1. Produção familiar – Santa Silvana (Pelotas – R.S.) 2. Desen-
volvimento sustentável 3. Agricultura familiar 4. Rio Grande do Sul – ocupação do espaço 5. Imigração – Rio Grande do Sul. 6. Fumo I. Gerardi, Lucia Helena de Oliveira II. J.
338.634.816.57
Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
– Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?
Pergunta Kublai Khan.
– A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde
Marco – , mas pela curva do arco que estas formam.
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo.
Depois acrescenta:
– Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.
Polo Responde:
– Sem pedras o arco não existe.
(Ítalo Calvino)
Aos meus pais e irmãos – “pedras” na construção
deste trabalho –, e fonte de constante estímulo e
incondicional apoio, especialmente nos momentos
mais difíceis e conturbados.
Ao meu companheiro, interlocutor de todas as horas,
com quem partilho afetos e ideais.
Dedico
AGRADECIMENTOS
À Professora Lucia Helena de Oliveira Gerardi, pela admirável generosidade e
lucidez com que sempre orientou a minha trajetória acadêmica. Seus
comentários contribuíram, de forma decisiva, para aprimorar os argumentos,
evitar obscuridades e motivar a persistência na execução deste trabalho.
Ao Conselho do Curso de Pós-Graduação em Geografia, pela compreensão e
confiança em mim depositadas.
À CAPES, pelo auxílio financeiro concedido, o qual propiciou condições
favoráveis à realização da pesquisa.
Aos produtores familiares da comunidade de Santa Silvana, pela
disponibilidade e paciência com que forneceram as informações necessárias
para o conhecimento da realidade empírica.
À Professora Lígia Blank, pelo rigor na revisão gramatical e estilística do texto.
À Mara Lúcia, pela eficiência na digitação e formatação do trabalho.
À amiga Jussara, pela solidariedade de sempre, e à Luísa, meu “anjo bom”.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ................................................................................... v
LISTA DE ANEXOS ..................................................................................... viii
LISTA DE FIGURAS .................................................................................... ix
LISTA DE QUADROS ................................................................................. x
LISTA DE TABELAS ................................................................................... xi
RESUMO ..................................................................................................... xiii
ABSTRACT ................................................................................................. xv
APRESENTAÇÃO ....................................................................................... xviii
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 1 I HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO GAÚCHO ......................... 10 1.1 Imigração e o processo de colonização: a formação das pequenas propriedades familiares ......................................... 22 1.2 A imigração alemã no Rio Grande do Sul: o caso da comunidade pomerana de Pelotas ................................................ 34 1.3 Organização do espaço pela agropecuária colonial .................... 46 II PRODUÇÃO FAMILIAR CAMPONESA: DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ÀS CARACTERÍSTICAS EMPÍRICAS ............................... 56 2.1 Perspectivas teóricas: conceitos e características ..................... 59 2.2 A teoria da organização da produção segundo A. V. CHAYANOV ............................................................................. 75
vii
2.3 Para entender o campesinato: a contribuição dos estudos chayanovianos .................................................................. 86 2.4 O camponês no contexto agrário atual ......................................... 96 III DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA ........................................... 106 3.1 Desnacionalização: a participação do capital estrangeiro na agricultura .............................................................. 114 3.2 Articulação da produção familiar ao complexo agroindustrial .................................................................................. 117 3.3 Transformação da agricultura tradicional em um complexo moderno ......................................................................... 124 3.4 A agroquímica e a produção familiar ............................................ 140 IV DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DISCUSSÃO DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS ................................................... 151 4.1 Desenvolvimento econômico versus desenvolvimento sustentável ........................................................ 156 4.2 Princípios sobre ecodesenvolvimento: a visão de IGNACY SACHS ............................................................ 169 4.3 A sustentabilidade na agricultura .................................................. 183 4.4 A produção familiar e o desenvolvimento rural sustentável ....... 189 4.5 Estratégias alternativas para os produtores familiares ............... 193 V A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO FAMILIAR EM SANTA SILVANA – MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS .......................................... 208 5.1 Caracterização geral do município de Pelotas – RS .................... 208 5.2 A Comunidade de Santa Silvana ................................................... 215 5.2.1 Organização da Terra: posse e uso das unidades produtivas ............................................................................... 226 5.2.2 Relações sociais de trabalho ................................................ 230 5.2.3 Relações técnicas de produção: a modernização da unidade familiar ................................................................. 234 5.2.4 A organização da produção .................................................. 241 5.3 Alternativas de desenvolvimento para a comunidade de Santa Silvana .............................................................................. 271 5.3.1 Agricultura ecológica ............................................................. 271 5.3.2 Fruticultura: a retomada de uma potencialidade regional .. 281 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 299 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 319
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTAS .................................................. 308
ANEXO 2 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – POSIÇÃO DA FOLHA NA PLANTA ................................................................ 315
ANEXO 3 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – COLORAÇÃO DAS FOLHAS ........................................................................... 316 ANEXO 4 PROGRAMA DE MANEJO ECOLÓGICO DO SOLO ............... 317
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 MAPA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – 1911 ...................... 21
FIGURA 2 FATORES SOCIOECONÔMICOS E AGROECOLÓGICOS .. 134 FIGURA 3 ETAPAS DA CONVERSÃO DO SISTEMA CONVEN- CIONAL PARA O SISTEMA AGROECOLÓGICO ................. 196 FIGURA 4 MODELO ILUSTRATIVO DA DINÂMICA DA RENDA DO AGRICULTOR DURANTE A CONVERSÃO PARA O MANE- JO AGROECOLÓGICO (EM DÓLARES POR HECTARE) ... 197 FIGURA 5 MAPA DA LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E NA MICRORREGIÃO DA LAGOA DOS PATOS – 317 ......... 209 FIGURA 6 MAPA DA MORFOLOGIA DO RELEVO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS ............................................. 211 FIGURA 7 POPULAÇÃO RURAL E URBANA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS ............................................................... 214 FIGURA 8 MAPA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – DIVISÃO DISTRITAL ............................................................. 216 FIGURA 9 GRÁFICO DA SITUAÇÃO FLORESTAL DOS FUMICULTORES .......................................................... 250 FIGURA 10 MAPA DAS ZONAS DE CULTIVO DE FRUTAS DE CLIMA TEMPERADO NO RIO GRANDE DO SUL ............................ 282
FIGURA 11 GRÁFICO DA PRODUÇÃO DE FRUTAS E LATAS NA REGIÃO DE PELOTAS – PÊSSEGO ............................. 288 FIGURA 12 GRÁFICO DO NÚMERO DE PESSOAS EMPREGADAS NA CADEIA PRODUTIVA DA FRUTICULTURA NA REGIÃO DE PELOTAS ................................................... 291
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: COMPO- NENTES E OBJETIVOS DE CADA UM DOS CINCO PILARES DO ECODESENVOLVIMENTO ............................. 175 QUADRO 2 COMPARAÇÃO ENTRE AS TECNOLOGIAS DA REVOLUÇÃO VERDE E DA AGROECOLOGIA ................... 181
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 COLÔNIAS EXISTENTES EM PELOTAS ATÉ 1900 ........... 32 TABELA 2 RECURSOS DESTINADOS AO CRÉDITO AGRÍCOLA, BRASIL, 1979 – 1993 (MILHÕES DE DÓLARES) .................................................... 128 TABELA 3 INDICADORES DO GRAU DE MODERNIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS POR ESTRATOS DE ÁREA SELECIONADOS, BRASIL – 1985 ....................................... 131 TABELA 4 RENDIMENTOS FÍSICOS NOS ESTABELECIMENTOS DE ESTRATOS POR ÁREA SELECIONADOS, BRASIL – 1985 ...................................................................... 136 TABELA 5 ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS E NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE ÁREA NO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS – 1995/1996 ................ 213 TABELA 6 NÚMERO E ÁREA TOTAL DAS UNIDADES FAMI- LIARES POR GRUPOS DE ÁREA, EM SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ................................................. 227 TABELA 7 CONDIÇÃO LEGAL DAS TERRAS ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................................... 228 TABELA 8 TIPOS DE MÃO-DE-OBRA UTILIZADA NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ................................................................... 233 TABELA 9 USO DE INSUMOS ENTRE AS UNIDADES FAMI- LIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ............... 236
xii
TABELA 10 USO DE TRAÇÃO MECÂNICA E ANIMAL ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ..................................................................... 237 TABELA 11 UTILIZAÇÃO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CRÉDITO RURAL ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ........ 238 TABELA 12 ÓRGÃOS QUE FORNECEM ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CIENTÍFICA ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ............................. 239 TABELA 13 PRINCIPAIS CULTIVOS DE SUBSISTÊNCIA PRESEN- TES NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................. 262 TABELA 14 CANAIS DE COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................. 263 TABELA 15 PRINCIPAIS TIPOS DE REBANHOS ANIMAL PRE- SENTES NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................. 265 TABELA 16 VALOR DAS EXPORTAÇÕES DE FRUTAS BRASILEIRAS ....................................................................... 293
RESUMO
Sabe-se que a produção de caráter familiar está presente na agricultura de
qualquer parte do mundo, apesar das vicissitudes econômicas, políticas e até
ambientais que ela tem que enfrentar. Foi, sem dúvida, a sua excepcional
capacidade de adaptação às condições impostas pelo meio natural ou às
exigências do mercado capitalista, que possibilitou sua permanência no
contexto produtivo, ao longo do tempo.
Entretanto, as transformações desencadeadas pelo processo de modernização
da agricultura têm provocado o rompimento da estabilidade dos ecossistemas e
a conseqüente redução da sustentabilidade do próprio desenvolvimento
econômico e social.
Busca-se, então, a partir de uma reflexão sobre o processo de integração entre
agricultura e indústria, repensar as relações que a produção familiar estabelece
com os demais setores da economia, os reflexos na organização interna das
unidades produtivas e as conseqüências sobre o meio ambiente.
Cabe ressaltar que a produção familiar tem grande potencial para promover o
desenvolvimento rural sustentável, não somente por ser responsável pela
xiv
preservação e fortalecimento de sistemas de produção agroecológicos, mas
por ser detentora de um patrimônio cultural que lhe confere um caráter
particular de organização interna. Pode-se afirmar ainda, que a racionalidade
camponesa constitui uma das estratégias de reprodução do produtor familiar,
frente ao processo de desenvolvimento capitalista.
Desse modo, o estudo da Produção Familiar no Distrito de Santa Silvana –
Pelotas, constitui a base referencial empírica para que se possam encontrar,
nesse espaço produtivo, possibilidades e restrições para uma proposta de
desenvolvimento sustentável.
Palavras chaves: agricultura, produção familiar, desenvolvimento sustentável,
agroecologia, fumo.
ABSTRACT
It is known that production of a family nature is present in the agriculture in any
part of the world, in spite of the economic, political, and even environmental
vicissitudes, that is has to face. It has been, no doubt, its exceptional capacity of
adaptation to the conditions imposed by the natural environment or to the
demands of the capitalist market, that has made its permanence possible in the
productive context, through time.
However, the transformations caused by the process of modernisation in
agriculture has provoked the breaking of the stability of ecosystems and a
consequent reduction in the sustainability of economic and social development.
So, after a reflection on the process of integration between agriculture and
industry, this study has reconsidered the relations which family production
establishes with the other economic fields of activity, the reflections on the
internal organisation of the productive units, and the consequences on the
environment.
It is important to emphasis that family production has a great potential to
promote sustainable rural development, not only because it is responsible for
xvi
the preservation and strengthening of agroecological production systems, but
for being the detainer of a cultural endowment that confers a particular
character of internal organisation to it. It can still be said that rural rationality
constitutes one of the family producer’s reproductive strategies, in relation to the
process of capitalist development.
In this way, the study of Family Production in the District of Santa Silvana –
Pelotas , constitutes the referential empirical base to find, in this productive
space, possibilities and restrictions for a process of sustainable development.
Key words: agriculture, family production, sustainable development,
agroecology, tobacco.
São muitas as motivações de um pesquisador. Mas o
fundamental é ter confiança na própria imaginação e saber
usá-la.
Essa confiança significa a percepção de que se pode
intuir uma realidade da qual se conhece apenas um aspecto,
à semelhança do que faz um palentólogo.
O valor do trabalho do pesquisador traduz, portanto, a
combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem
para arriscar na busca do incerto.
(Celso Furtado, 1998)
APRESENTAÇÃO
O papel que venham a desempenhar nossas Universidades dependerá, certamente, da forma como elas se insiram na vida social. Para identificar os verdadeiros problemas da região – aqueles de cuja solução depende a melhoria das condições de vida da massa da população – faz-se neces- sário um contato direto com a realidade social em seus
múltiplos aspectos. (FURTADO, C., 1984, p. 61)
É de acordo com a visão de FURTADO (1984) que se estabelecem os
objetivos e a organização do presente trabalho, quais sejam: a elaboração de
um conhecimento sobre a realidade sociocultural, econômica e ambiental da
produção familiar presente no campo brasileiro; e a conseqüente difusão desse
conhecimento, a fim de ampliar as possibilidades de mudanças estruturais e
potencializar a ação por parte da sociedade. Como complementa FURTADO,
a interação entre os processos de invenção e difusão é evidente. Se não se dispõe de um verdadeiro conhecimento da realidade social, a difusão de conhecimentos é inócua ou reforçadora da dependência. (FURTADO, C., 1984, p. 61)
Desse modo, a partir do confronto entre raciocínio teórico e realidade
empírica, tornou-se possível identificar as especificidades contidas no meio
rural, particularmente no que se refere à formação e organização da produção
xix
familiar, sua integração com outros setores da economia e, ainda, as
potencialidades e restrições que este segmento agrega para viabilizar a noção
de desenvolvimento sustentável.
Em suma, com esse estudo, pretende-se contribuir na identificação dos
inter-relacionamentos complexos existentes entre a ação do homem e os
recursos naturais, com o propósito de fornecer subsídios à elaboração de
planos de desenvolvimento fundamentados na sustentabilidade ecológica,
social e econômica.
O capítulo inicial tem por objetivo compreender as circunstâncias que
permearam a formação e evolução da produção familiar no Estado do Rio
Grande do Sul e no município de Pelotas, especificamente. Para tal, procedeu-
se à reconstituição dos aspectos históricos que definiram as bases da
ocupação da terra e do desenvolvimento da “ sociedade agrária caponesa”, a
qual, como escreveu PRADO Jr. (1979), constitui uma organização socio-
econômica e espacial sui generis no contexto da colonização do Estado
gaúcho.
Pensar na produção passa pela questão do modo de produção e época
sob os quais o objeto de análise se situa. No segundo capítulo, buscam-se,
no referencial teórico elaborado por CHAYANOV (1974) e TEPICHT (1973),
elementos que permitam a análise da organização interna das unidades
produtivas familiares, independentemente do sistema econômico no qual a
produção camponesa se encontra inserida. Entretanto, foram abordados outros
enfoques para ampliar a compreensão dos conceitos apresentados, no sentido
xx
de dar conta da realidade concreta da produção familiar sob a vigência de
relações capitalistas de produção, como é o caso da agricultura brasileira.
Destaca-se a contribuição de WANDERLEY (1985 e 1988), que trata os
processos de proletarização dos produtores familiares e os elementos que
compõem a realização do chamado “projeto camponês”.
Ainda, utilizam-se as abordagens elaboradas pelos seguidores da visão
chayanoviana, como SANTOS (1978) e ABRAMOVAY (1992), entre outros, na
análise dos processos de subordinação dos produtores familiares ao capital
industrial, comercial e financeiro.
No terceiro capítulo, é tratado o desenvolvimento do capitalismo no
campo, no qual se insere a modernização da agricultura brasileira.
MÜLLER (1989) ressalta que o processo de modernização não se
reduz apenas às esferas tecnológicas e econômicas, mas se entrelaça,
também, com outros aspectos da vida social, provocando transformações na
sociabilidade das forças produtivas. Desse modo, a articulação da produção
familiar aos circuitos industriais é entendida a partir da adoção de pacotes
tecnológicos, das determinações externas na gestão das unidades produtivas e
da incorporação dos padrões urbanos de vida.
Finaliza-se essa parte, identificando as principais conseqüências da
modernização da agricultura, cuja orientação meramente econômica
(maximização de lucros) tem gerado danos sociais e ecológicos profundos.
Diante das constatações feitas no capítulo anterior, o quarto capítulo
propõe uma discussão do conceito de desenvolvimento, confrontando o
xxi
enfoque economicista – produtivista com outras visões sobre o tema, nas quais
a ênfase recai sobre a sustentabilidade.
De acordo com SACHS (1996), vive-se hoje uma situação de “crise”
dos modelos de desenvolvimento, implantados sob os auspícios das
determinações do sistema capitalista. A partir dos princípios teóricos
elaborados por SACHS, apresenta-se um novo paradigma: o
ECODESENVOLVIMENTO. Este conceito permite definir alternativas de
desenvolvimento ecologicamente sustentáveis, socialmente justas e
economicamente viáveis.
Finalmente, o quinto capítulo resgata a realidade empírica referente
às proposições teóricas apresentadas nos capítulos antecedentes. Toma-se
como exemplo uma área característica de produção familiar, localizada no
distrito de Santa Silvana – Pelotas , a fim de compreender como este segmento
produtivo se encontra organizado internamente, identificar as formas de
integração com os setores industrial e comercial, e, também, demonstrar como
se realiza a contínua reprodução do produtor familiar na área, a qual se
identifica com a racionalidade camponesa.
Nessa mesma parte do trabalho, reforça-se a idéia de que as
comunidades rurais representam o locus para a realização de propostas
alternativas de desenvolvimento, pois entende-se que o potencial endógeno
dessas comunidades (recursos naturais, sociais e culturais) representa o ponto
de partida para o processo de transição rumo à sustentabilidade ecológica,
social e econômica da sociedade.
xxii
Considera-se, por fim, que a produção familiar reúne as condições
necessárias para desenvolver sistemas produtivos que priorizem a produção de
alimentos saudáveis, garantam o emprego aos membros do grupo familiar,
diminuindo, assim, a pobreza rural, e evitando o êxodo de inúmeras famílias
para os centros urbanos.
Esses objetivos devem estar presentes tanto nas pesquisas científicas
e tecnológicas, quanto nas políticas públicas direcionadas à agricultura familiar,
e representam o desafio da época atual, no qual a idéia de desenvolvimento
sustentável está no centro das mudanças propostas.
Como declara CAPRA:
Ao observarmos a natureza dos nossos desafios – não os vários sintomas de crise, mas as mudanças subjacentes ao nosso meio ambiente natural e social – podemos reconhecer a confluência de diversas transições. Algumas delas estão relacionadas com os recursos naturais, outras com valores e idéias culturais, todos eles envolvem períodos de transição que acontece estarem coincidindo no presente momento. (CAPRA, F., 1999, p. 26)
INTRODUÇÃO
O modelo de desenvolvimento dominante no campo, atualmente,
corresponde a um período ínfimo nos dez milênios de história acumulada pela
agricultura, porém seus efeitos sobre a natureza foram proporcionalmente
muito maiores que a prática de séculos de exploração agrícola. Nos últimos
cinqüenta anos, percebeu-se um aprofundamento da crise econômica na
agricultura, ao lado da sistemática degradação dos ecossistemas.
Essa situação resultou na adoção de um paradigma produtivo que
provocou profundas transformações na organização física, técnica e social do
espaço rural, traduzido como modernização da agricultura. O processo
modernizante fundamentou-se através da mecanização das atividades
agrícolas e utilização de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Esse conjunto de
técnicas ficou conhecido como Revolução Verde.
Após algumas décadas de vigência da estratégia modernizadora,
apesar dos vultosos investimentos realizados, os resultados revelaram uma
heterogeneidade de padrões produtivos no campo brasileiro, uma vez que
produtores e produtos foram atingidos de forma diferenciada pela
modernização agrícola.
2
Como esclarece QUESADA:
Sabe-se, hoje, que os objetivos da Revolução Verde em parte foram alcançados, especialmente quando se analisam determinados segmentos de produtores, alguns tipos de produtos e certas regiões produtoras do País. O certo, no entanto, é que os avanços tecnológicos e a melhoria das condições de vida não foram acessíveis a todos os produtores, o que caracteriza a tecnificação agrícola como um processo excludente. (QUESADA, et al., 1991, p. 17)
Vale lembrar que os aumentos de produtividade ficaram restritos às
culturas de exportação, enquanto a produção de alimentos para o mercado
interno teve um decréscimo de área plantada e estacionou seus índices de
produtividade. (FAO / INCRA, 1994)
Sabe-se que a produção familiar é a principal responsável pelo
abastecimento de produtos alimentares destinados para o consumo nacional,
daí a necessidade de garantir a permanência deste segmento da agricultura
brasileira, sob pena de serem inviabilizadas as metas de erradicação da fome e
da pobreza, tanto no campo como nas cidades.
Além disso, segundo estudo realizado pela FAO / INCRA (1994),
considera-se que o fortalecimento e desenvolvimento da agricultura familiar são
eficazes instrumentos de geração de emprego e renda, como explica o referido
relatório:
... por terem sistemas de produção mais intensivos, os estabelecimentos familiares permitem a manutenção de quase sete vezes mais postos de trabalho por unidade de área. (FAO / INCRA, 1994, p. 9)
3
E segue afirmando:
Enquanto na agricultura patronal1 são necessários cerca de 60 hectares para a geração de um emprego, na agricultura familiar bastam 9 hectares. (FAO / INCRA, 1994, p. 9)
Não resta dúvida de que as unidades de produção familiar devem
desempenhar um papel decisivo no conjunto da economia regional e, ainda,
propiciar a manutenção de inúmeras famílias rurais com relativo
desenvolvimento social e econômico, garantindo a sustentabilidade ambiental.
Sob o prisma do desenvolvimento sustentável, são muitas as vantagens
apresentadas pela organização familiar na produção agropecuária, devido à
sua ênfase na diversificação e à maior maleabilidade de seu processo
decisório.
As tantas contradições que envolvem a produção familiar têm levado a
indagações quanto à sua existência e permanência ao longo da história, diante
das constantes mudanças políticas e econômicas inerentes ao sistema
capitalista.
A concepção que permeia este trabalho diferencia-se daquela
defendida por cientistas e pesquisadores, de que a agricultura familiar estaria
em vias de extinção. Entende-se que, em todos os países, até hoje,
independentemente de qual seja o sistema político ou o tipo de mercado
econômico, a produção agrícola é sempre, em maior ou menor grau,
1 Por modelo patronal na agricultura, consideram-se os estabelecimentos que utilizam mão-de-
obra assalariada, com forte concentração de renda, e ocupam vastas extensões de área. Ver mais sobre esse assunto em FAO / INCRA. Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável para a Pequena Produção Familiar. Brasília: Projeto UTF/BRA/036, 1994. (versão preliminar)
4
assegurada por unidades familiares de produção, ainda que se reconheça a
existência de situações diferenciadas de desenvolvimento nesse segmento
produtivo, como explicita BROSE:
claramente existe uma grande diversidade: em alguns países a agricultura familiar é o ‘setor chave’ de crescimento agrícola e de sua inserção no mercado, em outros, permanece excluída, desacreditada e, às vezes, é apenas tolerada. (BROSE, M., 1999, P. 14)
Entretanto, cabe ressaltar as considerações feitas por CHAYANOV
(1976), de que a economia familiar não é um modo de produção, como se
entende o capitalismo e o socialismo, mas sim um “modo de produção
específico”, porém, subordinado e inserido no sistema dominante, capaz de
adaptar-se às regras gerais da formação econômica vigente.
Dessa forma, a partir dos pressupostos elaborados por CHAYANOV,
pretende-se refletir sobre o caráter próprio, original e histórico da formação e
permanência da produção familiar no cenário produtivo brasileiro. Os principais
elementos que diferenciam a produção familiar residem na natureza de sua
força de trabalho e nas estratégias adotadas para assegurar sua reprodução no
interior do modelo de produção capitalista.
Nesse enfoque, as diferenças que distinguem as unidades de produção
de caráter familiar não se estabelecem apenas em nível das relações com o
mercado, mas também, quanto às diferentes formas de organização interna.
Diante da disponibilidade de recursos – mão-de-obra, terra e capital – os
produtores realizam a combinação destes, a fim de gerarem a produção,
buscando um eqüilíbrio interno entre trabalho e consumo. Isso permite afirmar
5
que a sua lógica produtiva se encontra determinada pelas necessidades de
consumo da família e pela manutenção do patrimônio fundiário, sendo o maior
capital das unidades familiares o próprio trabalho.
De acordo com ABRAMOVAY (1992), muitas das unidades produtivas
familiares foram, ao longo do processo de modernização da agricultura,
incorporando técnicas e sistemas de produção inadequados à disponibilidade
de mão-de-obra, ao tamanho das propriedades e às condições ecológicas em
que estas se encontram. O mesmo autor observa que a produção familiar
convive com o capital ao entrar no mercado e estar subordinada às
determinações deste. Na maioria das vezes, o grupo familiar produz de acordo
com o interesse de grupos empresariais que necessitam de seus produtos e de
sua força de trabalho para realizar a complexa circulação do capital.
Quando se analisa o processo de integração dos produtores familiares
às agroindústrias, é importante desvendar as relações pelas quais acontece a
submissão do produtor ao capital industrial e comercial.
Muitas vezes, a articulação entre agricultura e indústria chega a
subverter os elementos que constituem a organização interna das unidades
familiares: o balanço trabalho / consumo, como fator determinante das decisões
econômicas do produtor familiar, cede lugar para as determinações impostas
pelo setor urbano-industrial. Desse modo, os produtores familiares integrados
sofrem uma perda da sua autonomia e personificam a idéia de trabalhador para
o capital. (WANDERLEY, 1985)
6
A compreensão desse processo e as contradições que dele emergem
são condições necessárias para se pensarem propostas de desenvolvimento
voltadas à agricultura familiar.
Novas concepções de desenvolvimento têm sido apresentadas como
alternativa ao modelo convencional2, uma vez que as sucessivas “crises
agrícolas” manifestadas, particularmente, nos anos mais recentes, têm
demonstrado que essa forma de desenvolvimento não se sustenta a longo
prazo, principalmente devido: à geração de impactos ambientais, cuja correção
exige custos monetários elevados; à finitude dos recursos naturais (não-
ampliação das áreas cultivadas), a qual tem sido um dos maiores entraves ao
modelo convencional; à queda real das rendas dos produtores, responsável
pelo agravamento da pobreza rural.
Em resumo, o desenvolvimento gerado pelo processo de modernização
não se enquadra perfeitamente em uma visão sistêmica e holística3 de
desenvolvimento, a qual deve ser evidenciada pelos elementos ecológicos,
sociais, culturais e econômicos, sobre os quais se estrutura a sociedade.
Nos últimos dez anos, a concepção de um desenvolvimento
sustentável para a agricultura vem sendo objeto de análise e discussão, não
2 Por modelo convencional de desenvolvimento na agricultura, entende-se a forma de
organização produtiva das atividades agrícolas, estruturadas a partir do ideário da Revolução Verde. (ALMEIDA e NAVARRO, 1997) 3 Holismo: “compreensão da realidade em totalidades integradas, onde cada elemento de um
campo considerado reflete e contém todas as dimensões do campo, conforme a indicação de um holograma, evidenciando que a parte está no todo, assim como o todo está na parte, numa inter-relação constante, dinâmica e paradoxal”. (MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998)
7
somente no meio acadêmico-científico, mas também entre vários segmentos da
sociedade, como produtores rurais e lideranças políticas.
Evidentemente, o tema tem recebido diferentes enfoques, porém
alguns princípios são comuns a todos, como expõem ALMEIDA e NAVARRO:
a manutenção dos recursos naturais e da produtividade agrícola no longo prazo, a realização de ações produtivas que produzam o mínimo de impactos adversos ao meio ambiente, a garantia de recursos adequados aos agricultores, a maximização da produção com o uso mínimo de insumos agroindustriais, o atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais, etc. (ALMEIDA e NAVARRO, 1997, p. 11)
Em tal concepção de desenvolvimento, a dimensão local desempenha
um papel preponderante. As comunidades rurais são consideradas portadoras
de um potencial endógeno, ou seja, do conhecimento empírico e das tradições
culturais – “saber camponês” – que , uma vez articulado com o conhecimento
científico, permite implementar sistemas de agricultura alternativa,
sustentadores da biodiversidade ecológica e do patrimônio sociocultural.
Diante dessa argumentação, ao trazer a análise para o contexto do
Estado do Rio Grande do Sul, verifica-se que, embora os produtores familiares,
em muitos casos, se encontrem integrados ao mercado, utilizem capital sob a
forma de insumos e tecnologias modernas, e orientem as ações da unidade
produtiva em função de custos e rendimentos, mantêm intrínseca sua
racionalidade camponesa, pela qual a agricultura é, em princípio, fonte de sua
sobrevivência, e não simplesmente alternativa de investimento para o capital.
(SALAMONI, G., 1992)
8
Com base nessas constatações, adota-se o argumento de que a
produção familiar é, pelas suas condições de produção e sua lógica econômica
de reprodução, o segmento da agricultura capaz de realizar a transição com
maior facilidade para um modelo de desenvolvimento sustentável.
Tendo por base empírica o distrito de Santa Silvana – Pelotas – RS,
procura-se desvendar as transformações ocorridas no espaço rural sobre o
qual se encontra localizada a produção familiar, evoluindo desde as condições
históricas de sua instalação, condições naturais e econômicas que propiciaram
seu desenvolvimento, até atingir a compreensão da situação atual dessa
comunidade rural, ressaltando as potencialidades e restrições para a
manutenção de sua sustentabilidade ecológica, social e econômica.
Cabe lembrar que, na agricultura sustentável, o sistema produtivo não
depende unicamente de uma simples orientação econômica, e valores como a
solidariedade, identidade, autonomia, são bens que, contrariamente a outros,
mais reais, não são calculáveis nem mensuráveis, mas trazem bem-estar e
satisfação para os produtores rurais. (ALMEIDA e NAVARRO, 1997)
O ponto de partida para o projeto de desenvolvimento sustentável é a
viabilização da agricultura familiar em termos de produção e comercialização,
acrescida de outras dimensões, ou seja, é preciso garantir aos produtores
familiares sua reprodução social, cultural e política.
Nesse processo, são ainda necessárias políticas públicas
corespondentes, que possibilitem aos produtores familiares se inserirem nos
espaços econômicos dos quais estiveram historicamente excluídos. Também
9
são imprescindíveis políticas diferenciadas pelas características regionais, que
promovam as unidades familiares já inseridas no mercado e minimizem a
exclusão das que se encontram em situação mais problemática.
Enfim, como declara FURTADO:
Na crise de civilização que vivemos, somente a confiança em nós mesmos poderá nos restituir a esperança de chegar a bom porto. (FURTADO, C., 1998, p. 67)
I HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO GAÚCHO
As grandes extensões territoriais, onde apascenta o gado, atendido por um reduzidíssimo pessoal, jornaleiro, às vezes mal alimentado e mal pago, contribuem para aumentar o pauperismo das cidades. É preciso retaliar os latifúndios, dividí-los em pequenas glebas e cuidar da cultura intensiva dos campos. (Getúlio Vargas no III Congresso Rural do RS em 1929, apud BROSE, M., 1999, p. 21)
A paisagem resultante do inter-relacionamento do homem com o
espaço que este ocupa, não é fruto de conjunções repentinas, pois ela reflete,
entre seus elementos, a variável tempo. Se o tempo é variável importante na
organização espacial, a busca de causas explicadoras dos fenômenos
geográficos implica, comumente, remontar a um passado.
Ao estudarmos a produção familiar (camponesa) de origem pomerana
no município de Pelotas, em seu atual contexto, é imprescindível que se
aborde, a priori, alguns aspectos da formação histórica do espaço gaúcho.
Desse modo, facilita-se a compreensão de como se originou uma “massa” de
produtores rurais com determinadas características socioculturais, cujas
condições de produção atendiam, já de início, às necessidades imediatas do
capital.
11
A história econômico-social do Rio Grande do Sul teve início no século
XIX, com um marco decisivo no seu desenvolvimento: o surgimento das
colônias. Em decorrência disso, a nova fisionomia do Estado caracterizou-se
pela presença de pequenas propriedades sob a responsabilidade de
agricultores de origem européia, formadores de uma classe de agricultores
“independentes”, representando a tentativa pioneira de implantar uma
democracia rural no Brasil Monárquico.
Em virtude da distribuição geográfica das colônias, estas formaram
verdadeiras ilhas no meio de regiões ocupadas por grandes áreas de pecuária.
O fato de ser proprietário individual da terra assegurava aos colonos sua
independência político-econômica em relação ao poderio, quase feudal,
exercido pela classe dos grandes proprietários em outras regiões do País.
Entretanto, apesar da relativa impermeabilidade existente, a princípio, entre
estes dois segmentos da sociedade gaúcha, o relacionamento entre ambos
evolui até atingir laços de complementaridade, principalmente no que se refere
à troca de produtos.
COPSTEIN (1975) lembra que, especialmente os núcleos coloniais que
se formaram na porção sul do Estado do Rio Grande do Sul são testemunhos
do inter-relacionamento havido entre a sociedade luso-brasileira preexistente e
os grupos sociais formados por imigrantes europeus não-portugueses.
Segundo OCTÁVIO IANNI:
no longo processo de europeização de certas partes da terra, europeus têm sido colocados na contingência de ajustar-se não só a não-europeus, mas também a europeus mais ou menos transformados, no seu patrimônio étnico,
12
nos seus valores culturais, nas suas instituições, nos seus padrões de comportamento social. (IANNI, O., 1972, p. 172-173).
Tendo em vista que as possibilidades das colônias lograrem êxito
também estiveram atreladas às relações culturais, econômicas e políticas
estabelecidas entre o universo colonial-camponês e o mundo capitalista, pode-
se, a partir daí, esclarecer por que alguns grupos de colonos imigrantes
prosperaram mais que outros em comunidades vizinhas. Ou, por outro lado, por
que determinadas comunidades não progrediram e, até mesmo,
“acaboclizaram-se”, ou seja, apresentaram um retrocesso nas relações
técnicas de produção.
Evocando as origens das colônias, tornam-se perceptíveis os efeitos do
movimento geral do sistema econômico vigente no País, sobre o processo
específico de produção do campesinato no sul do Brasil. Constata-se que a
política de colonização esteve determinada pelos interesses dos grandes
proprietários, representantes do Complexo Cafeeiro, localizados no centro
dinâmico do País. Por outro lado, foi o próprio movimento de reprodução do
capital (não-localizado) que viabilizou a formação de uma economia
camponesa no Rio Grande do Sul.
Inicialmente, a política oficial estabeleceu que as pequenas
propriedades fossem implantadas em áreas de terras devolutas. Porém, em
1850, o Governo brasileiro decidiu alterar a legislação, substituindo a forma de
concessão de terras a título gratuito, pela venda mediante o pagamento de uma
quantia em dinheiro.
13
Nesse momento, a história rural do Rio Grande do Sul incorpora as
questões da dívida colonial, inserindo o campesinato em uma economia
monetarizada.
Dentro desse novo sistema, a aquisição de parcelas de terra passa a
ser limitada pela disponibilidade de capital dos imigrantes, cujo resultado foi o
aparecimento de uma variedade de formas de pequenas unidades produtivas,
com dimensões variadas, organizadas com base na divisão do trabalho familiar
e na atividade policultora de subsistência.
Portanto, analisar a implantação, a consolidação e as transformações
ocorridas no processo de trabalho de imigrantes estrangeiros em uma porção
do território gaúcho, significa compreender a produção do espaço, engendrada
pela relação de fatores interagentes homem-meio, ao longo do tempo.
BEAUJEU-GARNIER afirma que, tanto sob o prisma metodológico como
empírico, a busca de explicações se encontra em dois planos: o espacial e o
temporal. Disso decorre que os acontecimentos pretéritos são necessários para
explicar o presente e, portanto, são imprescindíveis à Geografia. (op. cit.
COPSTEIN, R., 1975).
A ocupação do Rio Grande do Sul traz como peculiaridade a sua tardia
integração ao processo geral de formação econômica do Brasil Colonial. A
tentativa pioneira que lançou as bases para a fixação do homem no território
sulino ocorreu por volta de 1605, quando se estabeleceram as reduções
jesuíticas portuguesas, porém não logrou êxito. Foi somente com a penetração
dos jesuítas espanhóis, procedentes do Paraguai (1626), que ocorreu a
14
fundação definitiva de núcleos populacionais por toda a região centro e oeste
da Província do Rio Grande. A população constituía-se basicamente por padres
jesuítas e índios missioneiros, dedicados a ofícios diversos, dentre os quais o
principal era o apresamento e criação do gado. Em cada local em que um
rebanho significativo foi aprisionado, originou-se uma nova Vacaria – isto é,
áreas de campos cobertos por uma reserva de gado – lançando os
fundamentos econômicos básicos da apropriação da terra no Rio Grande do
Sul.
No final do século XVII, a Coroa Portuguesa decidiu explorar
efetivamente as suas possessões e voltou-se para o extremo sul, buscando
consolidar as fronteiras em disputa com os espanhóis na zona do Prata. Em
1736, foram concedidas as primeiras sesmarias a ex-tropeiros e militares que
participaram da luta pela fixação dos limites portugueses ao sul do continente.
Foram ocupadas, inicialmente, as zonas do litoral, no centro e, por fim, as
fronteiras sul e oeste, conhecidas como “terras de campos”, onde foi
desenvolvida uma pecuária extensiva. As estâncias assim formadas tinham
como base a doação gratuita das terras e o legado econômico deixado pelos
jesuítas – o rebanho bovino. Cada propriedade desse gênero tinha, em média,
de 11 a 13 mil hectares de extensão.(THOMAS, C., 1976)
Durante o período subseqüente, intensificam-se as lutas platinas,
ocasionando conseqüências marcantes no povoamento sulino. As estâncias
proliferam rapidamente, atingindo áreas até então desabitadas. Foi dessa
forma que o primeiro donatário de Pelotas – Coronel Tomás Luís Osório –
ocupou os terrenos de campos próximos ao canal São Gonçalo e aí
15
desenvolveu a atividade criatória aliada a uma incipiente agricultura de
subsistência.(MAGALHÃES, M.O., 1981)
O amplo aproveitamento das terras pela pecuária provocou o
florescimento das atividades comerciais ligadas ao gado bovino gaúcho, cuja
produção passou a atender a demanda de um mercado consumidor local e
externo.
Nesse mesmo período, o Brasil Colonial enfrentou um processo de
transferência do pólo econômico centrado na atividade açucareira nordestina,
para a região mineradora ao sul do Estado de Minas Gerais.
Conseqüentemente, os rebanhos (bovino e muares) do sul do país assumem
importância comercial e passam a ser exportados, a fim de suprir as
necessidades de alimentação e transporte das massas populacionais fixadas
nesses centros mineradores. A exportação de gado de corte e de animais de
carga torna-se o primeiro elo de ligação do Estado com as regiões dinâmicas
do País. No último quartel do século XVIII, o Ciclo do Ouro entrou em
decadência, gerando a interrupção do comércio de animais vivos.
Com a crise da pecuária, a grande propriedade teve sua estrutura
produtiva ameaçada e só não provocou maiores conseqüências à economia
gaúcha porque a atividade produtiva do imigrante açoriano já despontava.
Ao lado das sesmarias e dos campos de criação de gado, o
povoamento do Rio Grande do Sul guarda na sua história a presença da
pequena propriedade, fruto da ação pioneira das populações procedentes das
ilhas dos Açores, Madeira e Ilhéus, que, posteriormente, foi seguida pela dos
16
imigrantes de origem européia. Esta colonização (açoriana) estendeu-se
principalmente pelo litoral da Província e imediações dos rios navegáveis,
formando nestas áreas um tipo de organização singular e diferenciada da
estabelecida no Brasil Colonial. CAIO PRADO JR. descreve as principais
características da colonização açoriana nos seguintes termos:
A propriedade fundiária é muito subdividida, o trabalho escravo é raro, quase inexistente, a população é etnicamente homogênea. Nenhum predomínio de grupos ou castas, nenhuma hierarquia marcada por classes sociais. Trata-se, em suma, de comunidades cujo paralelo encontramos apenas na América em suas regiões temperadas, e foge inteiramente a normas de colonização tropical, formando uma ilha neste Brasil de grandes domínios escravocratas e seus derivados.” (PRADO JR., C., 1979, p. 96).
A ocupação operada pela população ilhoa em 1748, foi originária de
uma conjuntura mais política do que produtiva. Mesmo assim, os colonos
açorianos dedicaram-se a uma policultura (milho, trigo, arroz, batatas, fumo,
legumes e frutas) nas áreas que o governo lhes tinha concedido, acompanhada
da isenção de encargos e assistida gratuitamente com vestimentas,
alimentação, ferramentas e, até mesmo, algum capital. Essas propriedades,
denominadas de datas, variavam em torno de 272,25 hectares e podiam ser
consideradas como pequenas chácaras, quando confrontadas com as
estâncias formadas nessa mesma época.
A produção obtida no interior das propriedades açorianas era reduzida,
porque limitava-se à satisfação das necessidades do grupo familiar e aos
pedidos de um mercado local inexpressivo.
17
As adversidades naturais da nova terra, aliadas ao tipo de aptidão
sociocultural do elemento açoriano, foram os principais empecilhos ao
desenvolvimento da agricultura. Por outro lado, este quadro revelou-se como
um forte estímulo à formação de vários núcleos urbanos, nos quais os
imigrantes se ocuparam com atividades ligadas ao comércio e, ainda, como
representantes das instituições jurídicas da Província.
Salvo nestes casos, onde os açorianos delinearam as praças das
futuras cidades gaúchas, o regime da pequena propriedade foi completamente
desprezado pelos imigrantes e seus descendentes. Especificamente nas zonas
de campo, o resultado da dispersão dos colonos foi o total abandono da
policultura, em favor da incorporação dos ilhéus às atividades pecuaristas. As
condições do meio físico apresentavam alternativas mais lucrativas ligadas ao
pastoreio do gado e à industrialização de carnes salgadas.
Em 1780, o influxo transmitido pela fundação das primeiras
charqueadas assinalou a fase primitiva da industrialização gaúcha e estimulou
o desenvolvimento e a multiplicação das estâncias, o que levou alguns autores
a afirmarem que o Rio Grande nasceu das estâncias e floresceu nas
charqueadas. (PESAVENTO, S.J., 1980)
Neste época, Pelotas já se constituía em um apreciável núcleo social,
estimulado pela vinda dos imigrantes açorianos e de antigos moradores luso-
brasileiros, refugiados da próxima vila de Rio Grande, então ocupada pelos
castelhanos. O primeiro recenseamento, feito em 1814, assinala uma
população de 2719 habitantes, dos quais mais da metade eram negros e
18
apenas 10% de brancos. Isso porque a safra das charqueadas construiu-se à
base do trabalho escravo. Pelo menos é o que afirmam alguns pesquisadores,
garantindo que as zonas de produção tiveram até suas senzalas. Mas
permanece uma grande controvérsia neste “pedaço” da história gaúcha, sobre
se realmente existiu o trabalho escravo negro e em que nível se deu sua
exploração.
Porém, foi com a chegada do pioneiro da indústria saladeril, o cearense
José Pinto Martins, que a dinâmica produtiva do município ganhou novos
rumos. As áreas próximas ao canal São Gonçalo e a outros arroios foram
amplamente ocupadas pelas charqueadas, responsáveis pela transformação
dos produtos oriundos da pecuária (carnes e couros). A indústria do charque
prosperou de tal forma que houve períodos em que funcionaram,
simultaneamente, 42 estabelecimentos desse gênero, tornando a cidade a mais
rica e adiantada da Província.
Frente à precariedade tecnológica da época e aos parâmetros do
progresso, no final do século XIX, a cidade de Pelotas ocupava um lugar de
destaque no cenário da incipiente economia estadual, justamente devido à
presença das indústrias do charque. A respeito da dinâmica deste tipo de
atividade industrial, o jornalista alemão KARL VON KOSERITZ traçou o
seguinte comentário sobre o município de Pelotas:
... nota-se ali, em geral, progresso mais rápido, abastança maior, fortunas mais sólidas. Cremos até que, para uma cidade nestas condições, não seria sorte se , de repente, se mudasse para ela a sede do governo e o mundo oficial. (op. cit. MAGALHÃES, M. O., 1981, p.24).
19
Desse modo, a figura do charqueador incorpora-se ao passado
histórico da formação econômica gaúcha, representando a fração de classe
dominante a influente da sociedade. Por isso, sempre esteve associada ao
poder político no Rio Grande.
Em relação ao contexto externo, a carne salgada e conservada para
consumo posterior motivou um novo interesse pelos produtos gaúchos. A
pecuária volta a se constituir em mercado abastecedor para as populações de
baixa renda, garantindo, principalmente, a sobrevivência da mão-de-obra
escrava utilizada no Complexo Cafeeiro. Desse modo, a economia sulina
consagrou seu caráter de produção periférica e subsidiária no conjunto do País.
Pode-se dizer que coube à pecuária e à indústria saladeril o papel
determinante na posse da maior parte do território do município de Pelotas,
principalmente nas áreas dos campos ao sul, uma vez que a porção norte e
noroeste mantinha-se inabitada.
Até então, a figura do estancieiro-charqueador prosperava e, com ele, a
economia da região. Mas, sem poder influenciar nas oscilações do mercado da
carne, e acossada pelo nível tecnológico das charqueadas argentinas, a
atividade declinou até acabar de modo melancólico, no final do século passado,
cedendo espaço para uma nova dinâmica imposta pela chegada dos imigrantes
europeus.
Os primeiros resultados obtidos pela produção colonial já se
afiguravam para o governo como “saída”, em termos econômicos, para as
atribulações enfrentadas pelas charqueadas e pela criação de gado,
20
ocasionadas tanto pela libertação dos escravos – maiores consumidores de
charque –, quanto pela concorrência platina.
Com a ação pioneira da população européia não-portuguesa, decidida
a ocupar as zonas de matas e encostas de serras, completa-se o povoamento
de Pelotas.
Em resumo, a ocupação definitiva do município ocorreu em duas
etapas, marcadas por características diferenciadas. A primeira deu-se até o
final do século XVIII, com a distribuição de sesmarias nas áreas de campos, ao
sul, onde os portugueses e seus descendentes desenvolveram a criação de
gado. As pequenas propriedades açorianas incrementaram o povoamento
nesta fase.
Na outra, a partir de 1820, foi a vez da porção norte, a qual foi dividida
em lotes para onde afluíram os imigrantes recém-chegados da Europa ou,
muitas vezes, vindos de colônias situadas em outras áreas da Província.
(FIGURA 1)
22
1.1 Imigração e o processo de colonização: a formação das pequenas
propriedades familiares
No Rio Grande do Sul, a imigração não era vista como solução
alternativa para aqueles cuja produção se baseava no trabalho escravo, mas
destinava-se a sanar dificuldades inerentes à particularidade da situação da
economia rio-grandense no contexto da economia nacional. E é nesse sentido
que a imigração para o Rio Grande do Sul assume um caráter peculiar, que a
diferencia do processo imigratório do resto do País. Tal peculiaridade,
provavelmente, se explique pelo caráter de dependência em que se coloca sua
economia em nível do sistema global.
O surto imigratório dirigido para o sul do Brasil também trouxe consigo
uma esperança de renovação econômica para o contexto de crise da região,
principalmente porque o contingente populacional vindo da Europa era formado
por agricultores, artesãos, entre outros, dotados de um espírito empreendedor
no trato com a terra e recursos naturais, beneficiando o extremo sul com uma
nova força de trabalho.
A atitude migratória constitui-se, portanto, em uma crítica à sociedade
tradicional em dois sentidos: introdução do trabalho livre e consolidação da
pequena propriedade.
O estabelecimento da pequena propriedade contou com a ajuda direta
do Poder Imperial. No século XIX, logo após a independência, a Corte,
representada pelo Imperador D. Pedro I, reconheceu a importância de instituir
medidas eficazes no sentido de assegurar definitivamente a posse das
23
fronteiras meridionais. Cogitava-se, ainda, como uma razão convincente, a
necessidade de contrapor ao latifúndio escravocrata das outras regiões, uma
forma de organização social que reproduzisse o “tipo europeu” da pequena
propriedade familiar. Nas palavras de LÉO WAIBEL,
O Brasil precisava de um novo tipo de colonos, pequenos proprietários livres que cultivassem as terras de matas com o auxílio das respectivas famílias e que não estivessem interessados nem no trabalho escravo, nem na criação de gado. (op. cit. BERNARDES, N., 1962, p. 614).
A reprodução dessa forma de organização valorizava a propriedade
individual da terra e as relações de produção baseadas no trabalho coletivo do
grupo familiar, formando as chamadas colônias.
A partir de meados do século XIX, foi implantando-se uma outra face
no processo de formação econômico-social do espaço gaúcho, expressa por
uma agricultura diversificada de alta produtividade, fundamentada
principalmente na intensidade do fator trabalho.
A política de colonização executada pela Coroa tomou verdadeiro
impulso na Província do Rio Grande, mas trazia no seu bojo algo mais que a
simples garantia do povoamento da porção sul, pois os interesses da burguesia
cafeeira apareciam claramente delineados nas medidas oficiais.
A paulatina desativação do regime escravocrata e a conseqüente
formação de um mercado de homens livres, provocou acréscimos na demanda
por gêneros alimentícios, pois a força de trabalho destituída dos meios de
produção e vinculada exclusivamente à produção de cultivo dominante –
24
café –, necessitava garantir sua sobrevivência às custas da produção de
terceiros, ou seja, dos produtores familiares do Rio Grande do Sul.
Os núcleos coloniais formados no sul do Brasil preenchiam os
requisitos exigidos para tal função, principalmente porque sua localização
geográfica, fora dos limites das fazendas cafeicultoras, não representava
nenhuma ameaça à hegemonia do latifúndio. Pelo contrário, a existência de
núcleos bem-sucedidos de pequenos proprietários agrícolas, produzindo em
termos de subsistência, atuou também como “chamariz” para atrair novas levas
de imigrantes que, posteriormente, seriam desviados para as fazendas de café,
engrossando ainda mais o contingente de mão-de-obra assalariada nestas
áreas.
Além do cunho político-ideológico, outro aspecto, este de ordem
produtiva, endossava a política de colonização, baseando-se na afirmação de
que a atividade policultura desenvolvida pelas colônias seria capaz de
abastecer a população com uma variedade de gêneros básicos à alimentação.
Desse modo,
a pequena propriedade colonial no Brasil não foi uma conquista de grupos pobres nacionais, nem resultado de transformações sociais que tivessem tornado inviável a grande propriedade monocultura, foi uma concessão das classes dominantes latifundiárias para com os estrangeiros, tendo como finalidade salvar os interesses da grande lavoura. Desde o início, pois, esteve a pequena propriedade programada em função de um sistema que a tolerava enquanto lhe era útil, e na medida em que podia tirar proveito dela.” (DE BONI, L. A.; COSTA, R., 1984, p. 223).
Os imigrantes que se dirigiam para o Rio Grande do Sul eram atraídos
por uma política governamental que pretendia, fixando-os à terra, formar
25
colônias que produzissem gêneros necessários ao consumo interno.
Geralmente os núcleos coloniais localizaram-se próximos a um centro urbano,
e, suficientemente distantes das áreas da grande propriedade, de modo a não
apresentar uma ameaça à sua hegemonia política e econômica.
Dependendo das facilidades de comunicação, os gêneros alimentícios
produzidos nas colônias abasteciam tanto os centros urbanos regionais como
outros centros de consumo do País. Portanto, verifica-se o caráter de
economia complementar ao setor exportador da economia nacional, que
sempre caracterizou a produção colonial gaúcha no âmbito regional, por isso a
política de implantação dos núcleos coloniais encontrou menor resistência por
parte dos grandes proprietários de terras. Primeiro pelo fato de que as áreas
ocupadas por estas duas formas de organização rural mantinham-se
geograficamente distintas e também porque, salvaguardando seus interesses,
os fazendeiros viam na consolidação da propriedade colonial possibilidades de
um intercâmbio produtivo. Pelo menos é o que demonstra esta afirmação de
JOSÉ VICENTE TAVARES DOS SANTOS:
A conjuntura favorecia no Rio Grande do Sul a opção pela colonização e a tendência a substituir a escravatura e a monocultura ganadeira pelo braço livre, a pequena propriedade e a agricultura, se não para substituir inteiramente a criação de gado, que era a base da economia da Província, ao menos para complementar uma economia com a outra. (SANTOS, J. V. T., 1978, p. 14).
É fato, o enorme significado que a colonização européia não-
portuguesa representou no processo de consolidação da pequena propriedade
rural no Rio Grande do Sul, porém, é necessário salientar que os chamados
26
“intrusos e posseiros” constituíram-se nos precursores da pequena propriedade
por meio da ocupação que garantia a posse da terra. Como afirmam LANDO e
BARROS,
“se atentarmos para as raízes sobre as quais se assenta o regime da pequena propriedade rural, veremos que nelas se encontram os intrusos e posseiros que, investindo contra o sistema de direito e o sistema de força da classe latifundiária, procurarão impor-se pela violência, no processo histórico de gestação da propriedade camponesa.” (LANDO, A .M. e BARROS, E.C., 1992, p. 38).
Posteriormente, o poder público passa a institucionalizar as pequenas
propriedades já formadas, concedendo títulos de posse legal da terra.
A colonização oficial que ocorreu no Rio Grande do Sul, durante o
século XIX, esteve embasada nas seguintes características : 1) a concentração
da propriedade deveria ser evitada, proibindo a concessão de mais de um lote
à mesma pessoa e a transferência das glebas antes da totalização de seu
pagamento; 2) as áreas concedidas deveriam ser efetivamente exploradas; 3) o
colono deveria morar no seu lote de terra, explorando-o pessoalmente, ou seja,
através da produção familiar. (LANDO e BARROS, 1992).
Nesse contexto, a partir de 1824, foi introduzida a colonização alemã.
Até praticamente a metade do século, o Governo foi o único responsável pela
formação das colônias no Rio Grande do Sul, controlando a doação de terras
aos imigrantes e subvencionando as condições básicas de trabalho. A fim de
atrair os imigrantes, foram oferecidas diversas vantagens aos que desejassem
deixar a Europa para fixar-se como produtor familiar no sul do Brasil. Destaca-
27
se que os imigrantes alemães foram, de certa forma, privilegiados pelas
normas do Projeto de Colonização em vigor no Período Imperial:
Os colonos viajaram às expensas do Governo brasileiro, aqui gozariam de liberdade de culto, receberiam uma propriedade de 160.000 braças quadradas (77 hectares) por família, parte em campo (para lavoura), parte em mata virgem, cavalos, vacas, bois,... bem como uma ajuda em dinheiro. (THOMAS, C., 1976, p. 21).
Os primeiros colonos alemães foram fixados nos vales situados na
região nordeste do Rio Grande do Sul, expandindo-se ao longo de toda a
Depressão Central, seguindo o curso dos rios Jacuí, Taquari, e Caí; porém,
esta vaga colonizadora estanca quando esbarra nos contrafortes da Serra
Geral. Destaca-se a colônia alemã de São Leopoldo, encravada no vale do rio
dos Sinos, considerada como a célula-mater da colonização européia não-
portuguesa no Brasil.
Após ter lançado as bases da política de colonização na região sul, o
Governo Imperial passou ao encargo de cada Província legislar sobre a
colonização das áreas sob a sua jurisdição.
A partir de então, o Governo Provincial operou efetivamente a
distribuição de terras públicas devolutas, a fim de assegurar a formação de
lotes coloniais. Esta iniciativa governamental, também chamada de
colonização oficial, pretendeu instituir definitivamente um novo padrão de
produção – tanto nas formas de propriedade da terra, como nos tipos de
relação de trabalho – na agricultura gaúcha. Porém, cabe considerar a
introdução de um fato importante no encaminhamento da política de
28
colonização, que foi a instituição da Lei de Terras de 1850. Em síntese, esta
medida estabeleceu que a posse não seria mais considerada como a origem da
propriedade, os interessados deveriam adquirir sua parcela de terra mediante
transações de compra e venda, cujo preço variava segundo as leis do mercado.
Na medida em que o colono passou a adquirir seu lote pagando um preço por
ele, a propriedade privada da terra vem a se constituir em um dos elementos
integrantes da pequena produção rural no Rio Grande do Sul.
Em 1848, o empenho da administração municipal de Pelotas propiciou
a criação de uma colônia agrícola denominada São Francisco de Paula. Porém,
apesar do interesse das autoridades locais em prol da colonização voltada para
a agricultura em pequenos lotes de base familiar, o projeto não foi executado
por ter recebido parecer desfavorável do Presidente da Província.
No Rio Grande do Sul, a liquidação definitiva do sistema de doações de
terras deu-se através da promulgação da Lei Provincial de 1854.
Com a vigência dessa lei, passou-se a exigir dos imigrantes europeus o
pagamento monetário quando da aquisição da parcela de terra, gerando a
existência da chamada dívida colonial. O colono imigrante deveria pagar ao
governo o preço da terra e reembolsá-lo pelo auxílio inicial, recebido para
financiar sua instalação nas colônias. Estava também embutida na nova
legislação, a suspensão de qualquer tipo de subsídio da parte do Governo à
implantação dos futuros núcleos coloniais.
Diante do recuo da ação oficial, surgiram as primeiras tentativas de
colonização empreendidas por particulares. O sucesso do pequeno domínio
29
atingiu as bases do regime latifundiário. Baseada nas experiências
governamentais, a própria classe de estancieiros e charqueadores sustentou
um movimento de desconcentração fundiária. A constituição da denominada
colonização privada resultou, em alguns casos, do fracionamento das antigas
propriedades entre os herdeiros ou da venda de parcelas aos imigrantes.
Essa expansão da agricultura sobre as áreas de campo, deveu-se às
sérias dificuldades econômicas enfrentadas pela pecuária em função do
declínio da indústria saladeril. Raciocinando economicamente, os pecuaristas
dividiram suas propriedades em parcelas a serem vendidas, posteriormente,
aos colonos.
A respeito desse processo, CAIO PRADO JR. declara que:
O grau de fracionamento da grande propriedade e, em conseqüência, a maior ou menor extensão de área que se transfere para o domínio da pequena propriedade é, em regra, nas diferentes zonas do País, função inversa da prosperidade e rentabilidade da grande exploração local. (PRADO JR., C., 1979, p. 72).
No município de Pelotas, a iniciativa partiu do empresário Thomaz José
dos Campos, o qual solicitou permissão do Governo Provincial a fim de
estabelecer famílias de imigrantes irlandeses em terras de sua propriedade, às
margens do rio Pelotas, dando origem à colônia Monte Bonito.
Sob a alegação de fazer ocupar, povoar e cultivar tais terras de modo
mais intensivo, diversas áreas do município foram retalhadas em terrenos,
multiplicando-se o número de donos, o que propiciou a expansão do
povoamento. Como resultado dessa ação simultânea, formaram-se vários
30
núcleos, sede dos atuais distritos do município de Pelotas, como é o caso do já
citado Monte Bonito, que, no ano de 1779, passou de sesmaria à colônia e hoje
sede distrital. (GRANDO, M.Z., 1989)
Segundo os levantamentos feitos por JEAN ROCHE (1969), houve em
Pelotas 14 empreendimentos privados, resultando em 16 núcleos coloniais.
Mesmo diante deste quadro, ainda permanecia, nesta época, uma considerável
quantidade de terras incultas na Serra de Tapes, situada ao norte do município.
A região de serras e matas foi, por muito tempo, desprezada pelos
luso-brasileiros. Sua valorização econômica só aconteceu quando a iniciativa
privada passou a interessar-se pela aquisição de terras e pela organização de
colônias de imigrantes europeus. A partir de então, a trajetória de
desenvolvimento assumiu feições diversas nos núcleos fundados. LÉO
WAIBEL chama a atenção para esta diferenciação na evolução das colônias
quando assinala que:
A colonização no Brasil tem sido sempre organizada, planejada, subvencionada, e dirigida por alguém: pelo governo central das províncias, ou estados e dos municípios, companhias particulares ou proprietários de terras individualmente. Por conseguinte, os métodos aplicados e os resultados alcançados diferem muito de acordo com o tipo de colonização. (WAIBEL, L., 1979, p. 233).
Até 1875, os imigrantes chegados ao Rio Grande do Sul eram
predominantemente alemães, porém, a promulgação do rescrito de Von Heydt4
4 Este decreto, promulgado em 1869 pelo governo da Prússia, proibia todo tipo de propaganda
e incentivo a empresas de transporte de emigrantes alemães para o Brasil. Foi a forma encontrada para repudiar os maus tratos sofridos pelos alemães no Estado de São Paulo. (ROCHE, J., 1969)
31
interrompeu o fluxo desses colonos para o Brasil. Diante dessa conjuntura,
abriu-se espaço para a segunda fase da colonização européia, baseada nas
correntes imigratórias italianas e, em menor escala, francesas. Os imigrantes
italianos deixavam sua pátria para engajar-se à política de colonização oficial
do Governo brasileiro, enquanto que os franceses migravam por conta própria
e, em seguida, incorporavam-se aos núcleos já formados.
Na seqüência, com o advento da República (1889), o Estado criou
mecanismos de financiamento à aquisição de terras públicas, a fim de
assegurar a formação de novas colônias. Estas medidas representaram uma
reformulação no antigo Decreto Provincial (1854), o qual proibia o subsídio do
Poder Público às iniciativas de colonização.
O primeiro Ato do Rio Grande Republicano, relativo à colonização, é de
1892, e um dos seus trechos determina aos interessados que:
“Nos territórios adjacentes ou próximos aos lotes coloniais, não se conceda área maior do que 30 hectares, preferindo-se para os lotes nestas condições elementos nacionais ou estrangeiros com família já residente nos núcleos e cujos antecedentes afianciem o aproveitamento das terras pretendidas. (LA SALVIA, F.; HANDSCHUCH, N.S.B., 1974, p. 5).
A ação oficial reapareceu no cenário da colonização do município, no
decênio de 1880. Tendo à frente a iniciativa do Governo Geral sobre as terras
devolutas, foram criados três núcleos coloniais: Aciolli, Afonso Pena e Maciel.
Aliada a este empreendimento, a Câmara Municipal finalmente concretizou
uma antiga aspiração e fundou a primeira colônia municipal, cujos lotes foram
repassados a agricultores brasileiros.
32
A tabela que segue mostra o balanço parcial da colonização até o final
do século passado, no município de Pelotas:
TABELA 1 COLÔNIAS EXISTENTES EM PELOTAS ATÉ 1900
Nº de ordem
Distri-tos
Colônias Data da Fundação
Nome dos Fundadores Observações
1 2 3 4 5 6 7 8 9
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
21
22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45
2º e 5º ¨ ¨
3º ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨
3º e 5º ¨ ¨ ¨
4º ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨
5º ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨
Santa Eulália Santo Bento Sta. Izabel Arroio Grande S. Domingos S. João Sta. Clara Sta. Silvana Arroio do Padre S. Pedro Ramos Lopes Retiro Sta. Colleta Cerrito Progresso Continuação Accioli Affonso Pena Sta. Bernardina S. Domingos S. Luiz Catita Marina D. Marcolina Sto. Amor Morro Redondo Sta. Rita Visconde da Graça Maciel Municipal Sto. Antônio S. Simão Arroio Bonito Bismark Alliança S. Manoel Sta. Aurea Sta. Helena S. Zacharias Domingos Fragata
Manoel Dias Sta. Maria Triumpho Ritter
1889 1899 1893 1881 1875
1869 1869 1868
1866 1883
1868 1891 1881 1885 1885
1885 1891 1885
1885 1885
1885 1882 1881 1883 1869 1868 1881 1891 1893 1882 1885 1885 1892 1893
Heliodoro de Azevedo e Sousa José Bento de Campos Benjamim Leitão Jacob Rheingantz Herdeiros de Domingos de C. Antiquei João Baptista Scholl Joaquim de Sá Araujo Custódio Gonçalves Belchior Augusto Gerber e Guilherme Baner Pedro Nunes Baptista Antonio Ferreira Ramos Manoel da Fontoura Lopes Manoel da Fontoura Lopes Antonio Francisco Ribeiro Jacob Rheingantz Jacob Rheingantz Gottiel Neruberg Governo Imperial Governo Imperial Dr. Piratinino e Frederico Nachtigall Dr. Epaminondas Piratinino de Almeida Luiz Juvencio da Silva Leivas Luiz Juvencio da Silva Leivas Luiz Juvencio da Silva Leivas Luiz Juvencio da Silva Leivas Dr. Vicente Cypriano da Maia Dr. Vicente Cypriano da Maia Carlos Ritter & Irmão Carlos Ritter & Irmão Governo Imperial Municipalidade João Antonio Pinheiro Simão da Rocha Jacob Rheingantz Guilherme Bauer Augusto Hardt Pedro Antonio Toledo Manoel Baptista Teixeira Sigmar von Schiegll Zacharias Delgado Domingos Francisco dos Anjos Domingos Jacintho Dias João Schild João Baptista Scholl Carlos Ritter & Irmão
A 5º parte da área da colônia Sta. Eulália foi adicio-nada às colônias do 3º Distrito. As áreas das colônias Sta. Colleta, Cerrito, Progresso e Continuação foram repartidas em partes iguais, pelos territórios do 3º e 5º distritos. À exceção de três, as demais colônias são devidas à iniciativa particular. Agora mesmo o sr. dr. João Py Crespo está organizando colônias em seus campos do Contagem. Os colonos são pro-prietários das terras que ocupam.
FONTE: GRANDO, M. Z., 1989, p. 207-208.
33
Até 1909, ocorreu uma verdadeira expropriação amigável das terras,
cujo resultado foi o fracionamento do latifúndio no município de Pelotas. Os
imigrantes de origem européia ocuparam completamente a região montanhosa
de matas ao norte e formaram, com relativa predominância, a classe dos
proprietários rurais neste local. As porções de relevo plano com características
campestres, permaneceram nas mãos dos grandes proprietários luso-
brasileiros.
O resultado do trabalho, seja dos produtores familiares ao norte ou dos
estancieiros ao sul, imprimiu na paisagem local a impressão da mais completa
posse da terra pelo homem.
Pelas observações feitas anteriormente, percebe-se que, embora a
imigração tenha possibilitado a formação da pequena propriedade rural, esta
não se constituiu no único elemento gerador de tal processo, ainda que o
imigrante dotado de experiência e dinamismo tenha possibilitado a efetivação
desse processo. Da mesma forma, cabe evidenciar o papel da ação
governamental, ditada por fatores pertinentes à ocupação e à afirmação
definitiva da segurança, engendrando a pequena propriedade como única
forma capaz de unificar os espaços produtivos e, ainda, ocupar os vazios
indefesos das grandes extensões.
Em suma, segundo LANDO e BARROS (1992), houve realmente a
convergência de alguns fatores para que se consolidasse a pequena
propriedade rural no Rio Grande do Sul, a saber: a necessidade de
intensificação do povoamento nas zonas fronteiriças da Província, as
34
vantagens concedidas pelo poder público à imigração estrangeira, a
inexistência de concorrência entre a produção advinda dos latifúndios pastoris
e as atividades desenvolvidas pela agropecuária colonial e, por fim, a demanda
de consumo dos centros urbanos locais e regionais.
1.2 A imigração alemã no Rio Grande do Sul – o caso da comunidade
pomerana de Pelotas
Em vista das profundas transformações políticas e sociais ocorridas na
Europa desde o início do século passado, entre elas as lutas pela unificação
nacional da Alemanha, a guerra franco-prussiana e o crescimento do
capitalismo industrial, contingentes populacionais tornados supérfluos ao novo
contexto econômico-produtivo, passaram a encaminhar-se para a América
sendo o sul do Brasil um dos principais destinos.
De acordo com IANNI (1972), o processo imigratório está diretamente
ligado a mudanças estruturais, tanto dos países de emigração, como das
nações de imigração.
Até o início do século XIX, a Alemanha manteve-se essencialmente
rural. A revolução agrícola e demográfica, que ocorreu neste século, serviu de
fator propulsor ao desenvolvimento do processo de industrialização e
urbanização. O principal reflexo dessa revolução no campo foi o
desmantelamento da estrutura feudal, o que ocasionou a expulsão de grande
parte dos pequenos camponeses alemães. Essa conjuntura favorável à
35
imigração encontrou respaldo nos interesses do Governo Imperial em recrutar
colonos, a fim de estimular o desenvolvimento econômico através da ocupação
efetiva do território.
Os imigrantes dos anos 1830 a1850 vinham do sudoeste da Alemanha,
de regiões definidas como tendo estrutura econômica agrícola, em combinação
com o artesanato rural e com pequenas indústrias domésticas. No período de
1850 a 1865, provinham das regiões agrárias do norte e do leste. Do restante
da Alemanha, saíam, durante os anos 1865-1895, grupos sociais
empobrecidos, juntamente com artesãos e pequenos empresários. E, a partir
de 1880, a maioria dos emigrados passa a ser de procedência urbana.
(ALENCASTRO, L. F. de e RENAUX, M. L., 1997)
Os imigrantes europeus foram fundamentais para a organização de
novas estruturas socioeconômicas, políticas e culturais no sul do Brasil. Esse
processo exigiu dos imigrantes e de seus descendentes a construção de uma
identidade, em que as verdadeiras origens foram muitas vezes obscurecidas.
Nas palavras de JORGE LUIS DA CUNHA,
Em que pobres e miseráveis viraram aventureiros, em que deserdados viraram empreendedores e em que excluídos se tornaram participantes. (CUNHA, J. L. da, 1996, p. 255).
A diversidade existente entre os grupos de imigrantes, explicada pelo
fato de estes não terem a mesma procedência regional e, conseqüentemente,
não possuírem a mesma herança sociocultural, era por vezes muito acentuada,
capaz de levar os alemães a julgarem a si próprios estrangeiros.
36
Dentro dessa perspectiva, há que se reconhecer o “background” trazido
pelos imigrantes alemães, o qual se encontra refletido nos processos de
produção e nas relações de trabalho implementados nas colônias.
Enquanto alguns traziam uma concepção capitalista das relações de
produção, uma vez que eram provenientes de regiões mais desenvolvidas,
onde o surto industrial acabou por gerar uma massa de excluídos que foi
canalizada para a emigração, outros contingentes não tiveram a mesma
origem. Uma parcela significativa de imigrantes alemães eram oriundos de
regiões marcadas por um modelo econômico agrícola essencialmente servil, do
qual herdaram um modo de vida bastante específico. IANNI explica que,
Na maioria dos casos, o equipamento social básico do imigrante é aquele ‘sistema social tradicional’ do camponês preso a uma estrutura feudal de vida. Qualquer tentativa de compreensão do imigrante no Brasil não pode deixar de partir de uma análise, não somente das condições sociais e culturais na comunidade originária, como também das suas conexões com a estrutura total, bem como com instituições particulares, tais como as econômicas, políticas, religiosas, etc. O conhecimento das formas de vinculação da pessoa ao meio sociocultural onde se desenvolveu, são essenciais à compreensão dos mecanismos de ajustamento à sociedade adotiva. (IANNI, O., 1972, p.183).
Para ALENCASTRO e RENAUX (1997), nas camadas mais modestas
existia uma Heimatlosigkeit ( ausência de sentimento de pátria ), vivenciada
como a não-propriedade do solo, e esta condição de sem-terra, equivalia a de
ser alguém sem-pátria. Provavelmente, esse desprendimento do imigrante
alemão em relação às suas origens, levou-o a ver na emigração uma
alternativa para realizar seu desejo de ser proprietário de um pedaço de terra.
37
Sabe-se que, durante o século XIX a unificação alemã foi marcada por
profundas transformações determinadas pela expansão do capitalismo sobre
um quadro de declínio do feudalismo. Essas mudanças se processaram de
formas e ritmos diferenciados nas diversas regiões da Alemanha.
No caso específico da Pomerânia, terra de origem dos imigrantes
objeto de estudo no presente trabalho, esta localizava-se na região oriental da
Alemanha, sob o domínio do Império Prussiano. Nessa região, a transição do
sistema feudal para o capitalismo teve início em 1807, quando o Estado
Prussiano decretou a abolição definitiva da servidão camponesa. Contudo, a
maior parte dos camponeses perdeu parte ou todas as terras que cultivava,
sendo obrigada a se submeter ao trabalho nas propriedades senhorais ou,
então, buscar ocupação nas indústrias urbanas, engrossando a massa de
deserdados que passaram a viver nas cidades. Além dessas possibilidades
restava, ainda, a alternativa de migrar para a América, na busca de melhores
condições de vida.
Diante desse quadro, é possível entender que os camponeses, no caso
os de origem pomerana, habituaram-se a ser conduzidos pela mão por um
“senhor” que lhes ordenava e proibia, e, por fim, se ocupava dos problemas
fundamentais de sua existência.
De acordo com SCHIMITZ, os imigrantes pomeranos
eram de caráter fechado e reservado. Já que não haviam sido donos das terras em que trabalhavam, não estavam acostumados a tomar decisões. (op. cit. RADUNZ, R., 1995, p. 81)
38
Essa mentalidade atribuída aos imigrantes pode ser explicada em
razão das relações de servidão havidas na Pomerânia nos séculos precedentes
à colonização.
Segundo RADUNZ (1995), é preciso considerar essa característica
peculiar desses imigrantes como sendo fator limitante ao desenvolvimento no
interior das colônias recém-formadas. Essa falta de iniciativa poderia ter levado
à consolidação de um modelo produtivo mais voltado à subsistência do que à
produção de excedentes.
A chegada dos imigrantes de origem pomerana ao sul da Província do
Rio Grande do Sul esteve atrelada à colonização na chamada Serra dos Tapes,
localizada no interior dos atuais municípios de São Lourenço do Sul e Pelotas.
Várias tentativas de colonização tinham sido realizadas nessa área,
especialmente por empresas particulares, porém, não obtiveram o sucesso
esperado. Por outro lado, iniciativas como a do empresário alemão Jacob
Rheigantz lograram êxito, como observa VIVALDO COARACY:
(...) na série de insucessos das várias tentativas de colonização por iniciativa particular, notava-se uma exceção singular. Uma colônia houve que, vencendo as dificuldades e vicissitudes naturais a este gênero de empreendimento, se desenvolveu, cresceu e prosperou até atingir a autonomia sob a forma de município, única e exclusivamente sob a administração privada, sem que se apresentasse a necessidade de ser encampada pelo governo, para evitar que se aniquilasse e desaparecesse. (COARACY, V., 1957, p. 23).
39
Dotado de espírito empreendedor, Jacob Rheigantz, natural de
Sponheim – Alemanha, investiu no desenvolvimento de atividades agropecuá-
rias em áreas de matas. COARACY registra que:
A residência em Pelotas, para onde se transferiu depois do casamento, proporcionou-lhe ocasião de melhor conhecer as regiões vizinhas no mesmo município, onde vastas extensões de terras férteis permaneciam incultas e devolutas. À margem da Lagoa dos Patos, na embocadura do arroio São Lourenço, existiam as propriedades dos estancieiros José Antônio de Oliveira Guimarães e Francisco dos Santos Abreu, em torno de cujas residências se erguiam uns poucos e pobres ranchos, dependências dos estabelecimentos e moradias de “peões” e agregados. A isso se chamava o Porto de São Lourenço, que não atingia sequer as proporções de simples povoado. (COARACY, V., 1957, p. 37).
Em 1856, após ter obtido autorização do Governo Imperial, Rheigantz
formou uma sociedade com o lourenciano Cel. José Antonio de Oliveira
Guimarães, para a aquisição de terras destinadas aos núcleos coloniais.
No contrato social firmado em 15 de março de 1857, entre o Cel.
Guimarães e Jacob Rheigantz, constam as seguintes cláusulas, conforme
RODRIGUES:
“Primeira - A Sociedade entre José Antônio de Oliveira Guimarães e Jacob Rheigantz tem por fim estabelecer uma colônia agrícola em terras de que trata a cláusula segunda, na Serra dos Taipes, nesta Província; e durará pelo espaço de 5 anos, a contar do dia em que se verificar a compra das terras e, continuará por mais tempo, se assim convier aos sócios. Segunda - O sócio José Antônio de Oliveira Guimarães comprará para a sociedade as datas ou sesmarias e posses de terras que julgar convenientes e precisas para a colônia, entre os Arroio Grande e São Lourenço. Terceira - O sócio Rheigantz tomará sobre si encaminhar os colonos, por meios legais, para os estabelecimentos
40
coloniais da sociedade e fornecê-los, logo que cheguem ao porto dessa Província, de comestíveis e ferramentas pelo espaço de seis meses. Quarta - O sócio Guimarães deverá preparar com antecedência, agasalhos em grande escala para receber os colonos, no lugar ou lugares mais próximos do desembarque das datas destinadas aos colonos o transporte do Porto de São Lourenço para as datas, assim como animaes vaccuns, cavallares, ovelhuns e aves de criação. Quinta - O sócio Guimarães fica com poderes para tirar dinheiro a prêmio para as primeiras medições das datas compradas e subdivisões das colônias nas mesmas.” (RODRIGUES, A .F. 1909, p.165-166).
Os primeiros imigrantes assentados chegaram em 18 de janeiro de
1858, procedentes de Altona, Hannover, Saxônia, Hamburgo, Holstein,
România, Osterfeld, Lübeck e da Pomerânia.
Dessa última região, vieram os casais Gotllieb Heling (3 filhos), Wilhelm
Zíbell (1 filho) e Joahann Zíbell (5 filhos), os quais deram origem à comunidade
pomerana inserida nesse núcleo colonial. Posteriormente, foram se agregando
novos contingentes de pomeranos ou de descendentes, oriundos de outras
regiões do Brasil.
Dada as inúmeras dificuldades em que viviam os pomeranos em seu
país de origem, formou-se grande expectativa em relação ao futuro que os
esperava na nova pátria. Entretanto, as condições de infra-estrutura que os
aguardavam eram extremamente precárias.
A área destinada à formação das colônias era uma gleba de terra
coberta de mata virgem de topografia irregular. De acordo com COARACY,
41
Por trás das duas estâncias, subindo os suaves aclives da chamada Serra dos Tapes, uma sucessão de coxilhas mansas, desdobrava-se a mata virgem sobre um solo rico de húmus. (COARACY, V., 1957, p. 37).
Para a delimitação dos núcleos coloniais, foram abertas picadas e, aos
lados, marcavam lotes de tamanho que permitissem a sobrevivência das
famílias, obedecendo à topografia e ao relevo, o que fazia com que estas
fossem rigorosamente iguais. Os lotes tinham em média 484.000 m2 ou 48
hectares.
Além de Pelotas e São Lourenço do Sul, os pomeranos formaram
comunidades em Santa Cruz do Sul e São Leopoldo, e, ainda, nos Estados de
Santa Catarina e Espírito Santo.
Por meio da pequena propriedade familiar e da produção de gêneros
alimentícios diversificados, introduziu-se um novo padrão econômico e
sociocultural no Sul do Império. Da mesma forma, o fato de os imigrantes terem
ocupado a mesma condição de colonos, determinou a estruturação de uma
organização social original, nessa mesma porção do território nacional.
Apesar de ter sido um projeto dos fundadores das colônias, em
concordância com as diretrizes do Governo Imperial, o estabelecimento da
figura do colono também foi uma decorrência da própria origem dos imigrantes,
porque, como salientam ALENCASTRO e RENAUX,
... a situação econômica e social da maioria dos imigrantes não permitia que se envolvessem no grande comércio ou na grande agricultura de exportação. (ALENCASTRO, L. F. e RENAUX, M. L., 1997, p. 20)
42
As atividades produtivas dos colonos de origem pomerana embasava-
se, nos seus primórdios, numa agricultura de subsistência, o que lhes permitia
elevado grau de independência econômica em relação ao meio urbano. JEAN
ROCHE salienta que
A atividade de todas as colônias e de todos os seus habitantes, pelo menos no começo, era a cultura de subsistência, sobretudo de milho, do feijão-preto e da batata. Nessa época, firma-se entre os colonos a idéia de que as únicas terras propícias para a agricultura são de florestas. (ROCHE, J., 1969, p. 13)
Por essa razão, os imigrantes foram responsáveis pelo intenso
desmatamento, com o objetivo de formar lavouras.
Os colonos plantavam milho, feijão, batata, cebola, árvores frutíferas e
não costumavam cultivar arroz, com exceção de uma minoria, que plantava
arroz de “sequeiro” para o próprio consumo. Criavam eqüinos, bovinos, suínos
e aves, cujos subprodutos também comercializavam.
Uma vez que tinham condições de produzir “em casa”, grande parte do
que consumiam, comprando na própria comunidade quase tudo o de que
necessitavam para complementar suas necessidades, o capital gerado pelos
agricultores circulava exclusivamente na zona rural. As vendas coloniais
ofereciam, além de gêneros alimentícios, também ferramentas, tecidos,
utensílios domésticos, combustível, entre outros. Na própria colônia haviam
serrarias e carpintarias que fabricavam móveis, carroças, caixões, janelas,
portas, etc.
43
A presença, hoje, de alguns moinhos coloniais desativados, são
testemunhas de uma época em que houve plantio de trigo, sendo este cereal
trocado pelo produto já beneficiado – a farinha. Igual procedimento acontecia
com o milho, que não servia apenas para a alimentação dos animais.
ROCHE confirma esse fato quando diz que:
O trigo foi cultivado, em primeiro lugar, pelos colonos desejosos de afirmar a superioridade de sua condição, comendo pão branco. A produção tritícola, limitada à satisfação das necessidades domésticas, cedo declinou, pois essa cultura oferecia muitas possibilidades, mas não lucros suficientes para atrair os agricultores, apesar de os sucessivos governos a estimularem. (ROCHE, J., 1969, p. 245)
O tipo de economia colonial implantada pelos imigrantes alemães, teve
como característica marcante o estabelecimento da policultura a qual, segundo
a tradição alemã, deveria solidificar o caráter independente dos colonos. Ao
lado disso, o trabalho familiar serviria para reforçar essa idéia de
independência, uma vez que não se utilizava mão-de-obra externa entre os
colonos. Todos os membros da família envolviam-se nas tarefas domésticas e
na produção agrícola a fim de alcançar a autonomia econômica.
Não obstante, foi essa mesma organização, formada nos núcleos
coloniais auto-suficientes, que originou novas formas de convivência entre os
colonos. Em grande parte desses núcleos, os imigrantes tentaram recriar a
noção de Heimat (pátria), representada objetivamente pela região colonizada e
pelas relações sociais estabelecidas entre os colonos, motivadas por laços de
parentesco e amizade que, em última instância, estavam marcadas por um
mesmo passado. A noção de que pertenciam a uma mesma comunidade levou
44
os colonos alemães a promoverem o surgimento de uma série de associações,
cujo objetivo era, em princípio, a manutenção da sua herança cultural. As
primeiras iniciativas para o estabelecimento da vida comunitária, foram a
construção de igrejas e escolas e, em seguida, as associações destinadas a
promover o convívio social, como os clubes de tiro, corais comunitários, grupos
de danças folclóricas, entre outros.
No plano econômico, muitas vezes o associativismo manifestou-se
como expressão da vida privada, pelo fato de os colonos terem sido entregues
à própria sorte, depois de instalados nos seus lotes de terra. Não são raros os
casos de associações agrícolas surgidas nas colônias alemãs para buscar
soluções para os problemas relativos ao setor produtivo.
Em época posterior ao início da colonização, houve um incremento na
agricultura colonial, especialmente na área da fruticultura, quando foram
introduzidas novas variedades, pesquisadas, produzidas e distribuídas aos
agricultores pela Estação Experimental de Vitivinicultura, Enologia e Frutas de
Clima Temperado de Pelotas5 , como, por exemplo, caqui, pêssego, figo e
pêra.
Convém salientar que o pêssego permaneceu por muito tempo como
uma das culturas de maior importância econômica dessa região. Em
decorrência da instalação de indústrias conserveiras, por volta da década de
50, os agricultores foram incentivados a modificar seus sistemas de cultivo,
5 Essa Estação Experimental foi criada em 1937, fruto de um convênio entre o Ministério da
Agricultura e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, e tinha por finalidade realizar trabalhos relativos à produção, melhoramento e defesa da vitivinicultura e frutas de clima temperado. (GRANDO, M. Z., 1989, p. 117)
45
passando a produzir , ao lado das culturas tradicionais de subsistência,
matérias-primas como o pêssego, aspargo, milho-doce, morango e ervilha.
A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
EMBRAPA – em 1972, propiciou o desenvolvimento de pesquisas agronômicas
voltadas à geração de produtos que melhor se adaptassem às necessidades do
processo industrial. Nessa mesma época, foi instalado em Pelotas o Centro
Nacional de Pesquisa de Fruteiras de Clima Temperado, pertencente à
EMBRAPA, e responsável pelos experimentos relacionados à fruticultura, com
ênfase no desenvolvimento da cultura do pessegueiro.
Entretanto, devido à oscilação de preços e às crises econômicas de
âmbito nacional que atingiram as indústrias conserveiras, refletindo uma
política inadequada aos interesses do setor primário, os agricultores foram
levados a buscar no cultivo de outros produtos que servem de matérias-primas
para o setor industrial, maior rentabilidade para sua atividade produtiva.
A introdução dos cultivos comerciais, tanto da soja, implementado com
muito entusiasmo, como do fumo, produto ao qual, as indústrias induziram os
colonos a se dedicarem quase exclusivamente, provocou uma nova
instabilidade econômica na zona rural.
46
1.3 Organização do espaço pela agropecuária colonial
As terras de matas foram consideradas o centro de expansão das
colônias e, não importando qual tenha sido o agente colonizador, nem a
natureza étnica do povoamento nestas áreas, a consolidação da propriedade
agrícola familiar enfrentou a mesma série de dificuldades.
Diante das condições impostas pelo meio físico, a instalação das
atividades produtivas exigia um mínimo de capital que, por sua vez, os
imigrantes empobrecidos estavam longe de possuir. Assim, os colonos
lançaram mão apenas do seu trabalho na árdua tarefa de derrubar a mata e
tornar produtivos os solos – nesta época, colonizar e desmatar eram
sinônimos. Para tal, foi adotado o sistema primitivo de rotação de terras do tipo
roça.
As informações obtidas sobre os sistemas agrícolas das primeiras
colônias do Rio Grande do Sul mostram indícios da primitividade dos meios de
produção utilizados nas tarefas agrícolas. O isolamento em que se
encontravam, aliado à falta de iniciativa governamental no sentido de criar
condições de progresso, provocou um rebaixamento no padrão técnico do
imigrante, em relação ao utilizado na Europa. Muitos colonos abandonaram o
uso do arado e passaram a empregar apenas instrumentos para trabalhos
manuais.
MARINEZ Z. GRANDO confirma as condições primitivas em que a
natureza foi apropriada pelos colonos no município de Pelotas, quando declara
que estes adotaram
47
um sistema de culturas sobre queimadas, após a derrubada do mato virgem, ateavam fogo e em seguida, preparavam a terra só com o uso da enxada. (GRANDO, M. Z., 1989, p. 66).
Devido ao ambiente físico e econômico desfavorável, não conseguiram
manter o nível técnico trazido da Europa, e grande parte dos imigrantes
tornaram-se dependentes de sistemas agrícolas primitivos para obter uma
produção razoável que garantisse sua sobrevivência. Nesse processo, os
agricultores europeus fizeram-se herdeiros da tradição luso-brasileira, adotando
as práticas indígenas no cultivo do solo e não foram raros os casos de
alemães, italianos ou seus descendentes, que adquiriram terras de campo para
estabelecerem seus lares e tornarem-se grandes proprietários-criadores, cuja
produção esteve calcada sob moldes extensivos e com baixos índices de
produtividade.
Nas áreas em que os agricultores adotaram a diversificação de culturas
associada à tração animal, esperava-se que tivesse ocorrido uma maior
complementaridade entre a atividade criatória e a agricultura. Porém, como os
animais não eram criados confinados, não se difundiu a prática da adubação
orgânica, pelo menos durante os primeiros anos da colonização.
O montante de produção obtido basicamente em função da fertilidade
dos solos, destinava-se ao autoconsumo e ao abastecimento das tropas
militares que operavam na região. Nesta época, não existiam perspectivas de
comercializar em maior escala o excedente agrícola.
PIERRE DENIS esclarece a situação vivenciada pelos colonos sulinos
até meados do século passado na seguinte passagem:
48
A terra fornecia abundantes colheitas mas não se sabia o que fazer com elas. Os relatórios oficiais apresentam os colonos vivendo na abundância. Não mentem, pois cada lote alimentava abundantemente uma família; entretanto escondem uma parte da verdade já que esta abundância não era prova de riqueza. A fertilidade dos solos não bastava e a letargia econômica era completa. (DENIS, P., 1951, p. 236).
Além disso, os colonos sofreram grandes prejuízos devido às
sucessivas perdas da colheita, seja por conta das más condições climáticas ou
dos ataques de pragas, que dizimavam totalmente a produção. Por várias
vezes, o governo teve que intervir, subsidiando o abastecimento de víveres às
colônias, através da importação de produtos agrícolas dos países vizinhos. Foi
o que aconteceu em 1876, quando a lavoura tritícola foi totalmente destruída
pelos ratos, obrigando o Estado a comprar trigo no Uruguai, para depois vender
aos colonos. Tal fato provocou um acréscimo no efetivo da dívida do colono
junto ao Governo.
Alguns colonos, entretanto, evoluíram para um sistema intensivo de
rotação de culturas e buscaram desenvolver-se baseados na especialização
em determinados produtos.
Essa evolução está diretamente atrelada às possibilidades de romper o
isolamento inicial e atingir o mercado. As vias de acesso às zonas coloniais
eram precárias, acarretando uma elevação nos custos de transporte. Este
problema foi amenizado, em parte, pelas conexões com as vias navegáveis,
entre os portos do rio Taquari, com os tributários do Jacuí. Também, a
construção da ferrovia, ao longo da base da Serra Geral, e de seus ramais
secundários, foram decisivos à mudança da dinâmica econômica das colônias.
49
Para a região de Pelotas, ressalta-se a importância do ramal ferroviário que
ligava Porto Alegre com a fronteira argentina a oeste, possibilitando a
integração das áreas coloniais situadas nas Serras de Tapes (norte-noroeste
do município).
Quanto às condições naturais, estas parecem, já à primeira vista,
animadoras aos colonos que chegavam ao norte do município de Pelotas. Em
quase toda esta região, a qualidade do solo era ótima e, embora acidentada,
grande parte da terra cultivável poderia ser lavrada com arados.
O clima temperado da serra, associado ao tipo de solo, forneceram as
condições básicas para que se efetuassem cultivos diversificados. Porém,
privilegiou-se o desenvolvimento da fruticultura em escala comercial. Parte
dessa produção era remetida para fora da zona colonial, para ser vendida in
natura; o restante era localmente transformado em passas e doces, e, depois,
comercializado.
Os colonos inseridos nesse contexto passaram a contar com uma
razoável infra-estrutura em vias de comunicação, fruto da iniciativa dos agentes
colonizadores, preocupados em melhorar as condições de transporte para os
produtos de origem colonial. Esta ação planejada deu origem a uma numerosa
rede de caminhos vicinais e possibilitou o desenvolvimento das estradas de
rodagem.
Nos anos que se seguiram à colonização européia, a fisionomia do
território gaúcho foi sensivelmente modificada. Os grupos humanos nele
fixados imprimiram, sobre o espaço, formas típicas de adaptação às condições
50
do meio físico, e basta uma simples observação, para identificar os contrastes
resultantes da introdução de um elemento novo – o imigrante europeu não-
português – no espaço local dominado pelo estancieiro de origem luso-
brasileira. Seu modo particular de organização social e econômica pode ser
assimilado ao que MAX SORRE chama de gênero de vida,
... através do qual o modo de habitat, a estrutura agrária, partilha e forma dos campos – o tipo de propriedade e de exploração – inscrevem no solo, em traços materiais, o funcionamento do gênero de vida. (SORRE, M., 1963, p. 32).
O primeiro aspecto diferenciador instaurado pelos imigrantes foi quanto
ao tipo de povoamento, pois a zona colonial apresenta um caráter mais denso
em relação à dispersão das áreas de campos. A proximidade dos lotes
coloniais, reflexo da estrutura fundiária, favoreceu a formação de inúmeras
vilas e povoados – embriões dos futuros centros urbanos.
Por outro lado, as vastas extensões de terras que separavam as sedes
das fazendas não proporcionaram uma maior integração entre elas.
O extraordinário crescimento populacional do município de Pelotas
ocorreu, sem dúvida, em função da colonização sobre as áreas de serras ao
norte, uma vez que a faixa litorânea, ocupada pelas estâncias e pelos campos
de criação, mantinha-se com uma população escassa.
Os estudos mostram, além disso, que a fertilidade biológica presente
nas colônias foi um fator determinante para o rápido adensamento populacional
e conseqüente expansão dos imigrantes e seus descendentes.
51
Analisando o comportamento da agropecuária colonial nas primeiras
décadas do século XX, percebeu-se que a sua trajetória seguiria marcada pelo
contexto de crise que afetava a economia como um todo. A produção gaúcha
enfrentou a concorrência imposta pelas regiões agrícolas do centro do País
que, pelo simples fato de estarem geograficamente localizadas próximas dos
mercados mais dinâmicos, comercializavam seus produtos com melhores
condições de competitividade.
Outro agravante foi que os produtos de origem colonial não dispuseram
de nenhum tipo de amparo oficial, ficando em uma posição desvantajosa frente
ao capital comercial monopolista, o qual absorvia o excedente econômico,
gerado em nível de produção, via compressão de preços.
Aliada a todos estes fatores, a agricultura gaúcha enfrentava as
conseqüências do rápido esgotamento dos solos e o contínuo fracionamento
das propriedades coloniais. O resultado imediato destes problemas foi o
desencadeamento de um processo de migração interna dos descendentes dos
imigrantes europeus para áreas pioneiras ao norte do Estado. Esta expansão
da fronteira agrícola exigiu um tempo mínimo para que as novas áreas
colonizadas pudessem integrar-se efetivamente à economia regional.
Paralelamente, ocorria a expansão do processo de urbanização
(décadas de 30 e 40), aliada ao crescimento do emprego nas cidades,
permitindo a colocação efetiva do excedente físico da atividade policultura no
mercado. Este foi um dos motivos que determinou a sobrevivência continuada
da agropecuária colonial.
52
As relações mercantis estabelecidas com o setor urbano-industrial
marcaram definitivamente o atrelamento dos produtores familiares ao processo
de modernização deflagrado na agricultura do Estado do Rio Grande do Sul.
No bojo desse processo, operou-se uma mudança nas bases técnicas
da agropecuária colonial. A agroindústria, que surgiu na cidade, passou a exigir
melhor tecnificação e maior especialização dos produtores de matérias-primas,
estabelecendo um fluxo contínuo de venda de insumos e compra da produção.
Essa relação de dependência ao capital monopolista, representado
pelas grandes empresas, reduziu o produtor à situação de mero fornecedor de
matéria-prima e comprador de produtos industriais. E ainda, criou relações
diretas de exploração entre empresários industriais e produtores familiares,
quando o trabalho excedente na zona rural foi canalizado para a indústria.
Apesar das vicissitudes do processo de acumulação de capital em
curso, a agropecuária colonial encontrou formas de sobrevivência ao longo das
diferentes etapas de evolução econômica do País. Segundo os estudos da FEE
(1982), justamente por ser um segmento onde as relações familiares formam a
base do processo produtivo, reconhecidamente de caráter diversificado, e pelo
fato de o lucro não ser fundamento da sua existência, a agropecuária colonial
manteve uma certa estabilidade durante as alterações da economia nacional.
As colônias agrícolas, assim formadas, reuniam condições que
asseguravam a posse da terra aos agricultores, dando-lhes também aquele
sentimento de dignidade necessário a quem trabalha e procura produzir: a
propriedade dos seus meios de produção.
53
Independentemente da origem, os imigrantes que chegaram ao Rio
Grande do Sul tinham em comum o mesmo ideal que era:
A conquista de um pedaço de terra como patrimônio e meio de subsistência da família e explorado economicamente sem o auxílio de braços estranhos. (HOLANDA, S. B., 1960, p. 2430)
Esse “individualismo interno” constitui-se numa das características
inerentes à colonização européia não-portuguesa e, refere-se ao forte apego
existente entre os membros do grupo familiar, capaz de conservar unidas
diversas gerações, se não no mesmo lar, pelo menos nas proximidades.
Mesmo no caso de haver o fracionamento da propriedade original, o núcleo
familiar mantém-se agregado através do processo produtivo. Além disso, a
mão-de-obra não-remunerada também marcou, desde o início, a organização
desses núcleos coloniais.
O resultado desse processo foi o aparecimento de comunidades rurais
com determinadas características socioculturais que apresentam uma
variedade de formas de pequenas unidades produtivas, de dimensões
variadas, organizadas com base na divisão do trabalho familiar e na atividade
policultora de subsistência.
Por outro lado, o camponês inserido nesse sistema, possuindo uma
área restrita de terra e com precários meios de produção, buscou ocupar
imediatamente um espaço no circuito mercantil da economia, comercializando
os excedentes agrícolas e, por vezes, especializando-se em atividades de
maior demanda no mercado.
54
À medida que este segmento produtivo aprofundou suas relações com
o setor urbano-industrial, teve modificada sua base tecnológica e alteradas
suas relações sociais de produção. Torna-se, então, um membro efetivo do
complexo que comanda a dinâmica na moderna agricultura.
O que se percebe no município de Pelotas, é que a maior parte dos
produtores familiares caracteriza-se, hoje, por um tipo de subordinação ao
capital que não implicou necessariamente a perda do controle dos seus meios
de produção, principalmente da sua parcela de terra, a qual permanece
apropriada juridicamente. E apesar da relativa dependência econômica das
culturas comerciais, não significa que estes produtores eliminem uma das suas
características históricas que é a produção de subsistência.
Fica assegurada, assim, a reprodução permanente do produtor familiar
no contexto da agricultura brasileira.
A história anterior dos imigrantes, as condições específicas de sua
instalação no sul do Brasil – independentemente das grandes propriedades – e
a possibilidade de reprodução da família, explicam por que as colônias
meridionais puderam constituir comunidades camponesas genuínas.
Nessa perspectiva, o produtor familiar, criado e recriado no contexto da
agropecuária colonial, é um camponês – inserido nos circuitos mercantis da
produção agrícola, subordinado às diferentes formas assumidas pelo capital,
realizando um processo de trabalho definido por JOSÉ VICENTE TAVARES
DOS SANTOS como
55
... um processo de trabalho não-especificamente capitalista, reproduzido historicamente pelo modo de produção capitalista, determinado como produtor de mercadorias e criador de trabalho excedente. (SANTOS, J. V. T., 1978, p. 23).
Em síntese, os camponeses do sul do Brasil reafirmam continuamente
sua vinculação com a terra, baseada na organização do trabalho familiar e na
pequena propriedade.
II PRODUÇÃO FAMILIAR CAMPONESA: DOS PRESSUPOSTOS
TEÓRICOS ÀS CARACTERÍSTICAS EMPÍRICAS
Considera-se que a utilização de determinados conceitos e categorias, longe de ser um procedimento arbitrário, exprime e traduz perspectivas analíticas que remetem, por sua vez, a construções diferenciadas do objeto. (PORTO e SIQUEIRA, 1994, p. 76)
Sabe-se que a produção familiar de caráter camponês, está presente
na agricultura de qualquer parte do mundo, apesar das vicissitudes
econômicas, políticas e até ambientais que ela tem que enfrentar. Foi, sem
dúvida, a sua excepcional capacidade de adaptação às condições impostas
pelo meio/natural ou às exigências do mercado capitalista, que possibilitou sua
permanência no contexto produtivo, ao longo do tempo.
Nesse sentido, as análises teóricas a respeito do campesinato têm
enfocado, principalmente, os processos de reprodução e estratégias de
sobrevivência assumidas pela economia camponesa, vis-à-vis a consolidação
de modo capitalista de produção e suas diferentes formas de articulação com o
setor agrícola.
57
Os debates em torno desse tema produziram especulações bastante
diversificadas sobre o destino da produção familiar camponesa. Se muitos
tomaram sua defesa, mais de um profetizou seu desaparecimento, baseado em
um processo inexorável de decomposição que daria lugar a formas ditas
“evoluídas”, como a empresa agrícola capitalista ou a proletarização dos
camponeses.
Por outro lado, é sobretudo a partir da análise de obras clássicas
surgidas desde o final do século passado, que podem ser encontrados os
pressupostos básicos sobre as particularidades do desenvolvimento do modo
de produção capitalista, de tal forma que a produção familiar camponesa, não
sendo especificamente capitalista, surge como produto do desenvolvimento da
economia moderna. Longe, portanto, de ser um anacronismo histórico,
encontra-se integrada ao movimento de reprodução do capital ao longo das
gerações.
Isto se deve, em grande parte, à especificidade do processo de
trabalho no interior das unidades produtivas e à racionalidade particular da
produção familiar.
No sentido de dar conta ou contribuir para o entendimento da questão
da agricultura camponesa, Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1991) apresenta as
três vertentes teóricas que vêm norteando os estudos feitos no Brasil.
A primeira preconiza o processo de generalização das relações de
produção especificamente capitalista, no interior do setor agrícola. As
conseqüências seriam o completo desaparecimento do campesinato ou,
58
através do processo de diferenciação interna, dado pela sua capacidade de
integração ao mercado, configurar-se-iam duas classes sociais distintas: os
camponeses abastados (pequenos capitalistas rurais) e os empobrecidos.
Estes últimos transformar-se-iam, gradativamente, em assalariados.
Um segundo ponto de vista traduz o processo de penetração das
relações capitalistas no campo através de etapas consecutivas de “separação”
para o camponês. Primeiro, este seria separado dos estreitos vínculos de
hierarquias comunitárias, o que destruiria a chamada economia natural,
transformando-o em produtor individual; em seguida, haveria a separação entre
a indústria rural e a agricultura, gerada pela introdução da economia de
mercado. Nesse momento, a produção artesanal daria lugar à produção
comercial. A terceira etapa seria a da separação total do camponês em relação
aos meios de produção, com sua conseqüente proletarização e a implantação
de formas capitalistas de produção na agricultura.
A terceira vertente teórica ressalta o processo contraditório de
desenvolvimento do modo capitalista de produção, ou seja, o próprio
movimento do capital seria capaz de gerar relações não-capitalistas de
produção, combinadas ou não, com as relações especificamente capitalistas,
sendo todas igualmente necessárias a sua reprodução ampliada. Como explica
MARTINS, J.S.,
“O capitalismo engendra relações de produção não-capitalistas como recurso para garantir a produção não-capitalista do capital naqueles lugares e naqueles setores da economia que se vinculam ao modo capitalista de produção, através das relações comerciais.(MARTINS, J. S., 1979, p. 21)
59
Dessa forma, a produção familiar camponesa, baseada em relações
não-capitalistas de produção, pode ser dominada e, ao mesmo tempo,
reproduzida pelo capital.
Tais proposições teóricas podem ser encontradas nas análises dos
estudos sobre economias camponesas. Entretanto, no sentido de validar sua
aplicabilidade à realidade do agro brasileiro, muitos conceitos são ampliados
com a introdução de novos termos ou, ainda, com novas interpretações para as
referências teóricas originais.
O resultado é a profusão de trabalhos que produzem um conjunto de
categorias empíricas, calcadas na multiplicidade de situações e de processos
econômicos, políticos e socioculturais que vêm sendo gestados no campo.
A questão fundamental que perpassa as abordagens sobre a realidade,
refere-se à necessidade de aprofundar estudos visando à redução do abismo
existente entre as evidências empíricas e a dimensão teórica, assim como a
ampliação da natureza excessivamente economicista das análises, que reduz
processos sociais a meras determinações das relações de produção. (ANJOS,
1995).
2.1 Perspectivas teóricas: conceitos e características
Tratar da agricultura familiar implica identificar, a priori, os argumentos
que permeiam os debates e alguns dos termos utilizados na análise deste
tema.
60
As discussões sobre a existência ou não de um campesinato em nossa
realidade agrária têm levantado questões acerca das relações e/ou
antagonismos capitalismo e feudalismo. De acordo com essas análises
dualistas, utiliza-se um conceito feudal de camponês para negar sua existência.
O camponês é considerado como um mero apêndice do sistema
capitalista, dono de um caráter transitório que o transforma em elemento
passivo frente aos ditames do capital, portanto, sem nenhuma autonomia, o
que significa sua gradativa expropriação como produtor direto.6
Esse ponto de vista sobre o destino do campesinato segue a linha do
pensamento marxista.
As proposições do chamado modelo clássico de Marx, exposto na sua
maior obra literária O Capital, afirmam que o capitalismo, ao penetrar no
campo, provoca o fenômeno de concentração da riqueza, como ocorre na
indústria. As grandes propriedades absorvem as pequenas e verifica-se a
proletarização das camadas mais pobres do campesinato, que não agüentam o
peso dos impostos e das dívidas cobradas pelos capitalistas e latifundiários.
(MARX, 1985)
Fica evidenciada a tendência à extinção dos camponeses e,
conseqüentemente, do próprio conceito de campesinato como instrumental
analítico dos estudos sobre o campo.
6 Sobre esse assunto, ver VELHO, O. G. (1979)
61
Posteriores a MARX, têm-se LENIN e KAUTSKY, conhecidos como
marxistas “reformistas, pois imprimiram novas dimensões em suas obras, tanto
com relação à natureza teórico-científica, como à amplidão que as caracteriza,
devido à projeção político-social que tiveram no contexto agrário de seus
países de origem – Rússia e Alemanha, respectivamente.
LENIN destacou-se na prática marxista, uma vez que se apossou dos
frutos da teorização feita por Marx a respeito do desenvolvimento do
capitalismo, e ampliou a sua formulação inicial. Na própria concepção, este era
um processo irreversível, que tendia a transformar tanto o espaço urbano
quanto o rural, através da formação de mercados para a produção. Em
conseqüência, a economia e a sociedade, sendo elementos do espaço, seriam
fatalmente alteradas.
No caso específico do espaço rural, LENIN destacou importantes
alterações quanto à natureza da propriedade familiar, chegando a formular a
denominada Lei de LENIN, quando fala sobre a extinção dos estabelecimentos
camponeses que não apresentam um mínimo de terra e de condições de
trabalho, necessárias para a reprodução da família camponesa em bases
capitalistas. Segundo ele, isso só seria possível a partir do desenvolvimento
das forças produtivas capitalistas no campo, isto é, a pequena exploração,
embora se conservando pequena pela sua extensão territorial, deve-se
transformar em grande exploração pelo volume da produção, pelo
desenvolvimento da criação, pela quantidade de adubos empregados, pelo
desenvolvimento do emprego de máquinas, enfim, por todos os fatores que
levariam à insatisfação da produção. (HEYNIG, 1982)
62
Essas mudanças teriam como contrapartida a presença de um
mercado já consolidado e, de acordo com a intensidade das relações
estabelecidas com este mercado, poderia ser distinguida uma pequena
produção mercantil e uma economia natural. LENIN formulou esta distinção em
nível da circulação no interior das unidades produtivas.
Sempre seguindo o raciocínio marxista, LENIN via uma tendência à
formação de duas classes distintas no campesinato, como resultado do
processo de transformação da economia camponesa. Tomando como
referência a extensão de terra de que o camponês dispõe para cultivar com sua
família, estabeleceu que ocorreria o seguinte: os que fossem capazes de
concentrar maior quantidade de terra compatível com o padrão de
desenvolvimento do capital, tornar-se-iam o que ele chamou de “burguesia
agrária”.
Por outro lado, um grande contigente de camponeses seria
expropriado, formando uma massa de trabalhadores assalariados, mesmo que,
em muitos casos, mantivessem a posse de uma parcela ínfima de terra.
A tese de LENIN, sobre a “diferenciação social”, constitui-se em
referência obrigatória ao estudo das questões relativas ao futuro da pequena
produção sob o impacto das transformações operadas pela penetração do
capitalismo no campo. O autor concebe que a constituição de um mercado
interno para os meios de produção, dá-se a partir da desintegração da
agricultura camponesa e das formas não-capitalistas de produção.
63
Visto sob este prisma, o camponês inserido na nova ordem econômica
e na divisão social do trabalho – a burguesia e o proletariado –, apresenta-se
como formação social fadada ao desaparecimento ao não se enquadrar em
nenhuma das duas categorias. Em termos objetivos, para LENIN o camponês
não vive da exploração do trabalho de outros, nem da venda de sua própria
força de trabalho.
ANJOS, esclarece que sob a perspectiva marxista,
O camponês não se identifica como proprietário fundiário porque não vive da renda da terra, nem como capitalista porque não obtém lucros na sua atividade econômica e nem mesmo como proletário porque não recebe salário. (ANJOS, F. S. dos, 1995, p. 6)
Ainda dentro da ótica marxista, KAUTSKY foi outro autor que se
dedicou a estudar o campesinato e partilhou com LENIN a opinião sobre as
influências provocadas pelo surgimento do mercado. Para entender a evolução
da economia camponesa, KAUTSKY partiu da definição da figura do camponês
tradicional da era medieval e de sua relação com a terra.
A família camponesa da Idade Média constituía uma sociedade
econômica que se bastava inteiramente, ou quase. Era uma sociedade que
provia materialmente sua subsistência, ao produzir os seus gêneros
alimentícios, construir sua casa, seus móveis e utensílios domésticos.
(KAUTSKY, 1980).
Nessa época, o camponês tinha um relacionamento muito tênue com o
mercado, apenas vendia algum excedente e comprava artigos considerados
64
supérfluos. Enfim, sua existência não dependia das transações mercantis,
podendo ser suprimidas se a família assim desejasse (ou decidisse).
O enclave da revolução econômica que se operou no seio do
campesinato tradicional foi o surgimento da indústria e do comércio urbanos.
Em contrapartida, ele determinou a dissolução da indústria doméstica, que
provia a sobrevivência do camponês com produtos de ordem variada, desde
aqueles para consumo próprio, até os utilizados no trabalho diário, e provocou
uma maior dependência da agricultura em relação aos setores externos a sua
esfera econômica.
À medida que esse processo avança sobre a agricultura, torna-se mister
que o camponês disponha de dinheiro para efetuar as transações de compra e
venda no mercado de bens industriais. KAUTSKY, então, expressa a situação
de dependência que passa a permear o cotidiano do camponês:
Ele não pode mais lavrar a sua terra, não pode mais prover a sua manutenção sem dinheiro”. (KAUTSKY, 1980, p. 31)
Segundo ele, os camponeses começam a se exaurir quando o produto
do seu trabalho, em lugar de servir ao seu uso pessoal, é conduzido ao
mercado. Sob a pressão da concorrência capitalista, o camponês é levado a
ampliar a duração da jornada de trabalho e a usar todo o potencial de mão-de-
obra disponível, para contrabalançar as carências, tanto da terra como de
instrumentos técnicos.
Para KAUTSKY, a possibilidade de auto-exploração encontrada pelos
camponeses representa um obstáculo à adoção de inovações tecnológicas e,
65
conseqüentemente, impede a completa generalização do modo capitalista de
produção.
Considerado como resquício do modo de produção feudal, o camponês
seria fatalmente destruído ante o efeito das reordenações impostas pela
necessária ampliação do mercado, decorrente da consolidação de relações
capitalistas de produção.
Observa-se que a ênfase na questão do desaparecimento do
camponês é retomada na perspectiva de KAUTSKY, porém sob um novo
enfoque. Ele procura demonstrar que a proletarização, como destino final do
camponês, é conseqüência da superioridade técnica e econômica da grande
exploração capitalista em relação à pequena exploração de caráter familiar;
essa última não encontraria condições de concorrer sob o impacto das
transformações decorrentes da evolução econômica, operadas no seio das
sociedades capitalistas.
Apesar das teses alarmistas sobre o desaparecimento da produção
camponesa, o desenvolvimento da economia capitalista contribui para sua
permanência, principalmente porque a produção camponesa contemporânea
nada tem a ver com o campesinato em plena autarquia, fora da economia de
mercado, como era regra no mundo rural do passado.
É sobretudo a partir do final da II Guerra Mundial que as análises
marxistas clássicas sofrem um processo profundo de revisão, na medida em
que o processo de extinção das formas de produção familiar não se
concretizou; ao contrário, sabe-se que o desenvolvimento nos países
66
capitalistas avançados, especialmente no caso da Europa, está vinculado à
contribuição de um grande número de explorações familiares que efetivamente
não podem ser consideradas como empresas agrícolas capitalistas. (ANJOS,
1995)
O importante é que a perspectiva marxista, ao centrar-se no âmbito das
determinações de natureza econômica, mostra-se incapaz de explicar as
distintas formas de existência de produção familiar camponesa na agricultura
moderna.
Há casos em que as denominações semânticas são portadoras de um
viés político-ideológico que, muitas vezes, funcionam como uma “camisa de
força” em termos de método de análise.
Nesse sentido, coloca-se que o emprego do termo “pequena produção”
contribui para uma relativa despolitização do tema. Ao contrário do conceito de
camponês, geralmente associado a uma conotação política-ideológica proposta
pelas ligas camponesas7, o “termo pequeno” produtor torna minimizada essa
polêmica.
A principal propriedade operacional do conceito de pequeno produtor é
a de permitir, por exemplo, agregar sob o mesmo rótulo uma grande
diversidade de categorias empíricas, inseridas em relações sociais distintas,
mas cuja característica comum, em termos práticos, é o tamanho da
7 Para análise mais específica sobre o tema, ver: JULIÃO, F. O Que São as Ligas
Camponesas. RJ: Civilização Brasileira,1962; AZEVEDO, F. Ligas Camponesas. São Paulo: Paz e Terra, 1982.
67
propriedade. Para este efeito, o conjunto de propriedades rurais de até 50
hectares passa a ser caracterizado como de pequena produção.
Por outro lado, segundo DINIZ (1984), um dos pontos mais complexos
na análise da agricultura é a definição das categorias dimensionais da
propriedade agrícola, ou seja, em determinado lugar e tempo, definir o que é
pequena, média e grande propriedade.
Através dos estudos feitos, comprovou-se que o critério dimensão física
é insuficiente para definir as diferentes classes. A alternativa adotada nas
classificações passou a ser o tipo de força de trabalho empregada na
propriedade. Assim, de acordo com DINIZ, a pequena propriedade é
conceituada nos seguintes termos:
“... essencialmente trabalhada pelo proprietário e sua família; podem ocorrer propriedades de tamanho tão pequeno que a maõ-de-obra se torne excedente e os membros da família procurem outra ocupação; ficaria, então, caracterizado o minifúndio. (DINIZ, 1984, p. 66)
No entanto, cabe salientar que a utilização do termo “pequena
produção” não significa, necessariamente, abandonar sua relação com o
campesinato. O conceito de pequeno produtor freqüentemente passa a se
articular com a noção de camponês e, não poucas vezes, em uma mesma
análise é possível encontrar referências a ambos.
O termo “pequena produção” aparece na qualidade de conceito
operacional, associado mais diretamente à caracterização empírica dos grupos
estudados e o de “campesinato” guarda, em certo sentido, uma função mais
teórica. Este último refere-se às questões mais abrangentes, relacionadas ao
68
contexto histórico, à lógica e especificidade de funcionamento e de organização
da unidade produtiva.
Muito se tem discutido, também, sobre a validade de se identificar e
analisar a produção camponesa no Brasil, a partir dos dados fornecidos pelo
INCRA8, ou, ainda, tomar como base as estatísticas dos Censos Agropecuários
do IBGE, uma vez que ambas as fontes trazem informações estratificadas em
classes de áreas.
Para OLIVEIRA (1991), uma vez que os dados dos censos sejam
utilizados de forma crítica, para evitar possíveis distorções da realidade, em
essência, o resultado das análises não ficará comprometido. Segundo ele,
pode-se abstrair das estatísticas o conjunto formado pelo campesinato, o que
fica comprovado em estudo feito sobre o tema pelo mesmo autor9.
HEYNIG (1982) manifesta sua preocupação quando se tenta a explicar a
realidade camponesa, segundo critérios estáticos de classificação, porque,
segundo ele, existe uma sensível mobilidade dos grupos sociais que,
dependendo das circunstâncias, poderão enquadrar-se ou não, em
determinadas definições teóricas.
SANTOS (1994) complementa, afirmando que o campesinato é
formado por um amplo espectro de tipos de produtores rurais, a saber:
pequenos proprietários, parceiros, pequenos arrendatários, posseiros e, ainda,
parceiros-pescadores.
8 Ver estudo feito por SILVA, J.G.da. Estrutura Agrária e Produção de Subsistência na
Agricultura Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1978. 9 OLIVEIRA,A. U. A Agricultura Camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
69
Essas argumentações reforçam a idéia sobre o poder aglutinador do
conceito de campesinato, uma vez que este engloba uma diversidade de
formas de acesso à terra e de relações sociais de produção. Normalmente, os
estudos feitos sob esta denominação teórica não privilegiam a propriedade
legal da terra como critério definidor do camponês.
À medida que o processo de modernização é deflagrado na agricultura
brasileira, na década de 60, as relações de produção tornam-se mais
complexas, e até os conceitos utilizados para caracterizar o camponês inserido
nesse contexto passam a ser submetidos à crítica. Esse redirecionamento
teórico enfatiza “a subordinação da pequena produção ao capital”, e a noção de
camponês é traduzida como um trabalhador para o capital. (WANDERLEY.
1988)
Nas décadas seguintes, principalmente nos anos 80, as pesquisas
realizadas tratam de priveligiar a existência de uma pequena produção
marcada pela incorporação de novas tecnologias. Os produtores, então, são
caracterizados de acordo com a sua capacidade de adesão ao processo de
modernização.
Por exemplo, os produtores que conseguem capitalizar-se para realizar
transformações nos sistemas produtivos representam a categoria dos
pequenos produtores tecnificados, em oposição aos pequenos produtores
tradicionais, que não fazem uso de tecnologia moderna.
Mais recentemente, a ênfase dos estudos recai no processo de
integração da agricultura aos Complexos Agro-industrais (CAI’S). As noções de
70
integração e exclusão permitem a seguinte polarização: pequenos produtores
integrados e pequenos produtores não-integrados.
Esse último grupo engloba desde os camponeses proprietários, que
não produzem para o mercado industrial, até aqueles despossuídos dos seus
meios de produção como, por exemplo, os assentados, sem-terra,....
O campesinato é um conceito de análise que define um modelo de
funcionamento bem particular de produção agrícola, perfeitamente descrito e
analisado por A. V. CHAYANOV (1974), retomado mais tarde por H.
MENDRAS (1979), J. TEPICHT (1973) e muitos outros autores.
O elemento central da análise de CHAYANOV é a “empresa familiar”,
enquanto unidade que agrega produção e consumo, sob a responsabilidade do
grupo doméstico10.
O termo “empresa familiar”, utilizado por CHAYANOV em várias
passagens de sua obra, é oportuno, pois revela a preocupação em montar um
arcabouço teórico abrangente, no sentido de definir com uma nomenclatura
mais exata essa forma de organização da produção e, pelo seu conteúdo,
proporcionar importantes reflexões acerca da sua articulação ao funcionamento
do sistema capitalista.
10
O grupo doméstico pode ser definido pelo conjunto de pessoas que trabalham e consomem, unidos por uma mesma unidade de exploração. Em sua maioria, é constituído por família elementar de duas gerações, isto é, o casal e seus filhos Todavia, nem sempre todas as pessoas que formam este grupo mantêm laços de consangüinidade entre si. (GARCIA,1983)
71
A partir de numerosas observações empíricas, CHAYANOV decidiu
generalizar suas conclusões sobre as peculiaridades da organização interna da
exploração camponesa e construiu o que ele chamou de uma
teoria aparte sobre la empresa familiar que trabaja para si misma que, em cierto modo difiere, en la naturaleza de su motivación, de una empresa organizada sobre la base de fuerza de trabajo controlada. (CHAYANOV, A., 1974, p. 43)
A adoção da expressão “empresa familiar”, na análise teórica das
unidades econômicas camponesas, é importante para diferenciá-la da
categoria marxista “empresa capitalista”. Embora as empresas familiares
apresentem traços coerentes com a lógica do capital, distinguem-se das
empresas capitalistas propriamente ditas pela sua dinâmica própria de
funcionamento.
Segundo CHAYANOV, a empresa familiar atua sob a responsabilidade
de um conjunto de trabalhadores que subordinam sua força de trabalho a uma
unidade de produção não-econômica – a família –, caracterizada como sendo:
una família que no contrata fuerza de trabajo exterior, que tiene una cierta extensión de tierra disponible, sus próprios medios de producción y que a veces se ve obligada a emplear parte de su fuerza de trabajo en ofícios rurales no agrícolas. (CHAYANOV, A., 1974, p. 44)
Nas análises feitas por H. MENDRAS (1970), encontram-se todas as
características da produção camponesa definidas por CHAYANOV e, em
particular, as que dizem respeito às relações entre a produção e a família.
Nesse sentido, MENDRAS também utiliza o termo “empresa”, seguindo o
72
significado atribuído por CHAYANOV, quando, referindo-se a sua teoria, afirma
que:
“La famille et la entreprise coincidente: le chef de la famille est, en même temps, le chef d’entreprise. Dans la plupart de ses activités, le paysan est l’un et l’autre et il vit sa vie professionelle et familale comme une totalité indissociable”. (MENDRAS, H., apud GERARDI, L. H. O, 1990, p. 200)
Ainda em MENDRAS, encontra-se uma dimensão mais
especificamente sociológica desse tema, quando sua análise leva em conta os
inter-relacionamentos estabelecidos entre o campesinato, a sociedade local e a
sociedade como um todo.
T. SHANIN (1980) vê o campesinato como um mundo diferente,
formado por elementos com características próprias, capazes de estabelecer
um padrão de relações sociais distintas do restante da sociedade. A unidade
familiar é extremamente auto-suficiente em si mesmo, e sua organização
interna orienta-se em função da produção, consumo, sociabilidade, suporte
moral e ajuda econômica mútua dos membros da família.
Na tentativa de explicar a existência do campesinato, SHANIN faz a
seguinte ressalva:
Não discutimos aqui a realidade imediata, mas uma generalização, ligada a um modelo conceitual – uma simplificação e uma formalização significativamente seletivas, com o propósito de melhor compreensão. (SHANIN, 1980, p. 75)
Para o autor, a posição ocupada pelos camponeses apresenta um
dualismo conceitual. Por um lado, são vistos como uma sociedade
independente, mas, quando inseridos no conjunto da formação social, podem
73
muito bem ser apenas uma classe, mesmo que dotada do que o autor chama
de “baixa classidade”, uma vez que geralmente se encontra dominada por
outras classes sociais.
Por outro lado, D. LEHMANN (1980) vê o campesinato sob outra ótica,
não como uma classe social, mas como uma forma de organização produtiva
nos moldes de uma empresa familiar. Ao resgatar os enunciados teóricos de
CHAYANOV acerca da empresa agrícola, afirma que:
la classe, en el sentido marxista es importante para el analisis de lo que eventualmente le sucederá al campesinato, pero no es un concepto adecuado para responder muchas perguntas cruciales. El concepto de empresa puede ajudar a penetrar la heterogeneidade de las relaciones agrárias. (LEHMANN, 1980, p. 12)
Na concepção de J. TEPICHT (1973), a economia camponesa apresenta
peculiaridades devido ao caráter familiar da divisão do trabalho, e são as regras
de parentesco que definem tanto a unidade de produção quanto a de consumo,
formando uma simbiose entre empresa agrícola e família. Novamente, vê-se a
utilização do termo“empresa”, cuja gênese assenta-se na teoria da unidade
econômica camponesa elaborada por CHAYANOV.
TEPICHT afirma, ainda, que o campesinato não é um “modo de
produção”, como concebemos o capitalismo, o socialismo, ou qualquer outro,
mas um “modo de produção particular subordinado”, que se insere no sistema
dito dominante e que adapta e interioriza as regras gerais do movimento de
uma determinada formação econômica. (SALAMONI, G., 1992)
74
Sob este aspecto, o chamado “modo de produção camponês” é
compatível com a economia capitalista, desde que não sejam rompidas as
relações de produção que lhe são próprias, dentre as quais se destaca o
trabalho familiar, seu traço dominante. Disso se deduz a importância da
especificação e operacionalização da terminologia, uma vez que esta
estabelece os limites analíticos e baliza o universo a ser investigado.
No conjunto dos conceitos examinados anteriormente, ressaltam-se as
características intrínsecas à produção camponesa presentes na maior parte
das análises, que podem ser resumidas nos seguintes enunciados:
a família configura-se como unidade de produção e de
consumo, marcada pelo caráter eminemente familiar do trabalho agrícola;
o camponês detém totalmente a posse dos meios de produção,
ou grande parte deles;
o fundamental na economia camponesa não é a propriedade,
mas sim a posse da terra, que mediatiza a produção de sua subsistência.
Todavia, acredita-se que apesar de ser possível identificar, na análise
da produção familiar, a presença dessas características definidoras de sua
organização interna, observa-se também uma certa heterogeneidade social,
técnica e econômica entre as unidades camponesas.
A idéia que permeia as investigações sobre a produção familiar é,
como declara CAUME, de que
75
a produção familiar na agricultura não apenas faz parte de uma totalidade multifacetada, complexa, mas que ela contém em si própria a diversidade. (CAUME, D. J., 1997, p. 19)
2.2 A teoria de organização da produção segundo A. V. CHAYANOV
Pouco se conhece sobre a vida de A. V. CHAYANOV, porque, até a
década de 60, praticamente não tinha sido feita nenhuma tradução de seus
trabalhos para a literatura ocidental. Sabe-se que ele nasceu em 1888 e, com
apenas 21 anos (1909), produziu seu primeiro trabalho, seguindo sua carreira
profissional no Instituto de Economia, junto à Academia Agrícola de Timiryazev,
em Moscou, de 1919 a 1930. Nesse período, produziu cerca de sessenta
textos, além de numerosos artigos em revistas, todos frutos de suas pesquisas
sobre as questões agrárias da Rússia, principalmente sobre aquelas surgidas
durante a Revolução. (WANDERLEY, 1989).
O que identifica a produção intelectual de CHAYANOV, nessa época, é
o que ele estabeleceu como linha-mestra de sua investigação: o estudo da
distribuição dos recursos – TERRA, TRABALHO E CAPITAL – interior das
unidades camponesas.
A versão espanhola de seu principal trabalho – LA ORGANIZACION
DE LA UNIDAD ECONÓMICA CAMPESINA - ainda é a mais conhecida pelos
estudiosos ocidentais. Cabe ressaltar que as limitações na divulgação da obra
escrita de CHAYANOV têm inibido uma reflexão mais profunda a respeito da
76
sua contribuição teórico-metodológica para o estudo do campesinato.
(SALAMONI, G., 1992)
No Brasil, apenas um texto encontra-se traduzido para o português,
intitulado SOBRE A TEORIA DOS SISTEMAS NÃO-CAPITALISTAS, publicado
na obra organizada por J. G. da SILVA (1981)11.
Continuando sua trajetória, CHAYANOV esteve por algum tempo ligado
ao governo de seu país e chegou a fazer parte do Ministério da Agricultura por
dois anos (1921 – 1922), logo após a Revolução Russa. Foi um período de
proeminência para ele, pois, ao assumir um posicionamento político no
governo, acabou por se envolver profundamente com o tema da coletivização
em massa da agricultura, imposta pelos bolcheviques. Colocando-se numa
posição contrária à política dirigida pelo Estado, sua proposta defendia um
processo de “autocoletivização”, centrado na iniciativa dos próprios
agricultores, único meio capaz de garantir sua sobrevivência. CHAYANOV
lançou-se à tarefa de propor alternativas de desenvolvimento da realidade
agrária russa adotando o “cooperativismo” – como modelo de transformação
técnica e econômica –, a ser adotado pelos camponeses.
Para concretizar esse projeto, a produção camponesa precisava ser
transformada e potencializada, mas sem que isso viesse a destruir a base de
sua existência: a unidade familiar produtiva, detentora dos seus meios de
produção.
11
Ver CHAYANOV, A. V. Sobre a Teoria dos Sistemas Não Capitalistas. In: SILVA, J. G. e STOLCKE, V. A Questão Agrária. São Paulo:Brasiliense,1981. p. 133-163.
77
Infelizmente, esse plano de desenvolvimento voltado à economia
camponesa foi impedido de tomar a dimensão e direção anunciadas por
CHAYANOV e seus principais seguidores (A. N. Chelintsev; N. P. Makarov; A.
A. Rybnikow, ...) devido à forte pressão política exercida pelo governo. Em
1930, muitos deles, inclusive CHAYANOV, foram acusados de subversivos e
de promover a Contra-Revolução, sendo por isso presos e condenados ao
esquecimento (alguns, como CHAYANOV, morreram na prisão). (HARRISON,
1975).
A despeito da trágica herança da era de LENIN, CHAYANOV ocupou
um lugar de destaque na história do campesinato. Suas idéias foram
representantes do pensamento neopopulista, no contexto das ciências sociais
de seu país de origem – a Rússia.
Os neopopulistas defendiam a viabilidade da agricultura camponesa,
enfatizando sua habilidade característica em sobreviver e prosperar sob
quaisquer circunstâncias; e mais, propugnavam que a terra deveria ser toda
transferida para unidades camponesas privadas. Isto pode ser visto como um
consistente projeto de Reforma Agrária.
Esse posicionamento provocou um sério confronto com o governo que,
sob a liderança de LENIN, propunha a imediata eliminação da propriedade
privada da terra, incluindo a expropriação dos camponeses, para a criação de
fazendas coletivas, gerenciadas pelo poder estatal. Assim o camponês, como
produtor individual, deveria ser eliminado, para assegurar o desenvolvimento
da agricultura.
78
A situação interna da economia camponesa vinha sendo estudada
desde 1870, por meio de um aparato técnico criado pelo governo, para efetuar
a coleta e o processamento de dados relativos ao campesinato russo. As
informações documentadas por estes órgãos regionais – as estatísticas
ZEMSTVO – revolucionaram muitos conceitos e teorias.
Da mesma forma que foram utilizadas para reformar os objetivos do
Estado, de coletivização da agricultura, forneceram as bases para a teoria da
economia camponesa construída por CHAYANOV e sua Escola da
Organização e Produção.
Esta Escola teve como fundamentos: primeiro, a afirmação de que o
comportamento econômico observado nos camponeses da zona rural russa
não se ajustava aos modelos de políticas agrárias propostas pelos marxistas-
leninistas. Estas políticas estavam baseadas na dinâmica das categorias
clássicas – renda, salário e lucros; porém, o que se percebia é que os
produtores familiares não maximizavam nenhum desses elementos, no interior
de suas propriedades.
Segundo, de acordo com sua posição teórica altamente específica, a
Escola de Organização e Produção propugnava que a distribuição dos recursos
– TERRA, TRABALHO E CAPITAL – nas unidades produtivas familiares,
estava guiada por uma racionalidade singular, capaz de tornar a propriedade
camponesa um elemento fundamental, tanto para o funcionamento geral da
economia, como para a organização do espaço, nas diferentes escalas.
79
Para entender a organização da economia camponesa nesses termos,
é necessário considerar alguns pontos básicos da teoria de A. CHAYANOV.
Principalmente, é necessário que se identifique o método empregado pelo autor
no exame da questão, suas principais hipóteses, bem como suas origens e
implicações.
CHAYANOV partiu do princípio de que, para compreender a produção
familiar camponesa, é necessário abstrair as condições externas que envolvem
as unidades produtivas, tais com as tendências do comércio inter-regional e
internacional, a expansão urbana e vários outros elementos da economia como
um todo. (HARRISON, 1975)
O modelo básico de CHAYANOV pode ser entendido como sendo uma
análise microeconômica interna das unidades camponesas. Segundo ele, cada
família possui uma dinâmica demográfica própria, dada em função do número
de membros que a compõem e de suas idades.
Esta composição familiar determinará a variação no volume de trabalho
e consumo, necessário para garantir a sobrevivência da família. Este
pressuposto é de extrema importância para compreender o campesinato sob o
ponto de vista de CHAYANOV, uma vez que ele afirma que:
el caráter de la família es uno de los factores principales em la organización de la unidade económica campesina. De hecho, la composición familiar definne ante todo los límites máximo y mínimo del volumen de su actividad económica. La fuerza de trabajo de la unidad de explotación doméstica está totalmente determinada por la disponobilidade de miembros capacitados en la família. (CHAYANOV, 1974, p.47)
80
O camponês formula subjetivamente um balanço entre necessidades
de subsistência e os recursos disponíveis na unidade familiar. As necessidades
podem ser tanto de ordem biológica, como é o caso da alimentação e
vestuário, como também aquelas impostas social ou economicamente ao grupo
familiar. Estas últimas são reflexo da sua integração ao circuito da economia
mercantil e, nesse caso, a aquisição de bens duráveis (maquinaria agrícola,
eletrodomésticos, automóvel...) e o pagamento de encargos públicos (taxas,
impostos...) passam a fazer parte do consumo familiar.
Quanto aos recursos, o suprimento de mão-de-obra não-remunerada é
o principal, dado pelo tamanho e composição da família. Os recursos ditos
complementares são terra e capital, variáveis em função dos mercado de terra
e da acumulação interna da família, respectivamente. A utilização intensiva ou
não dos recursos está intimamente ligada à satisfação das necessidades da
família.
CHAYANOV foi quem melhor procurou caracterizar a unidade de
produção camponesa, a partir do entendimento de que ela não pode ser
compreendida à luz das categorias conceituais utilizadas para interpretar o
comportamento das empresas capitalistas, na medida em que cada um desses
tipos de explorações apresentaria lógicas econômicas diferenciadas.
Pode-se perguntar, então, de que maneira o fator “econômico” norteia
as decisões dos camponeses e como CHAYANOV o analisou sem utilizar as
categorias marxistas clássicas?
81
Segundo ele, a unidade de produção camponesa, por não se
apresentar no seu funcionamento categorias como salário, renda, capital e
preços, possui uma estrutura econômica fundamentalmente distinta das
empresas capitalistas e por conseqüência, requer uma teoria econômica
distinta.
Foi a partir da constatação dessa necessidade que CHAYANOV se
propôs a explicar a “economia camponesa”, compreendendo que ela é regida
por uma relação entre trabalho e consumo familiar.
A influência de diversos fatores econômicos sobre os processos de
renovação e acumulação de capital, na exploração camponesa, é vista por
CHAYANOV sempre sob o prisma dos níveis de bem-estar da unidade familiar,
os quais somente poderão ser avaliados subjetivamente. Porém, ele
apresentou alguns indicadores de ordem econômica que poderão ser
quantificados no interior das unidades produtivas, tais como:
1. A renda bruta da exploração, resultante de produção total da família,
tanto em ofícios agrícolas como em ofícios não-agrícolas, definida por
CHAYANOV como sendo,
la totalidad del ingreso que percibe la família en el curso de un año, tanto lo que proviene de la agricultura como de las otras aplicaciones de su fuerza de trabajo en la explotación agrícola y en actividad artesanales y comerciales. (CHAYANOV, 1974, p. 69, grifo do autor)
Esta unicidade na composição dos ingressos financeiros é dada em
função de que todos os camponeses do grupo familiar atuam segundo suas
82
capacidades pessoais, a fim de atingir um nível de satisfação global das suas
necessidades.
Os rendimentos totais podem servir unicamente ao consumo familiar,
na forma de recursos para aquisição de mercadorias mais dispendiosas ou, às
vezes, até mesmo como fonte de poupança do grupo doméstico.
2. A parcela investida na reprodução e renovação dos meios de
produção, correspondendo ao que CHAYANOV chamou de “gastos
econômicos”, destinados à produção, e não ao consumo, servindo para equipar
a unidade familiar com instrumentos, ao longo do ano agrícola:
...incluímos en su total tanto los egresos relacionados com la circulación (...) como los de renovación y formación de capital fijo (...), ya que ambos constituyen igualmente capital adelantado com fines de producción. (CHAYANOV, 1974, p. 234)
Esta parcela é subtraída da renda bruta e refere-se basicamente aos
investimentos com elementos técnicos incorporados pela exploração agrícola,
incluindo os gastos com força animal e mecânica, insumos, construções,
reparos, compra de terras. Com isso, novos instrumentos de trabalhos podem
surgir, fazendo com que, a uma mesma unidade de trabalho, corresponda uma
produção maior, obtida com um desgaste menor de tempo e de esforço
pessoal.
3. O orçamento pessoal da família, o qual está relacionado ao auto-
consumo familiar. O produtor contabiliza os bens necessários à sobrevivência
do grupo doméstico, tanto em alimentação, vestuário e outros, como em bens
de uso na unidade produtiva.
83
CHAYANOV afirma que qualquer aumento nas taxas de consumo
dessa população depende:
... no sólo de um incremento en el ingresso y de la consiguiente ampliación del presupuesto, sino, tambien de uma expansión de las necessidades debido a que penetram en el campo elementos de una cultura urbana más elevada. (CHAYANOV, 1974, p.148)
Com isso, CHAYANOV chama atenção para o fato de que o camponês
tende a ajustar seus padrões de consumo ao se vincular ao mercado,
passando a absorver produtos de origem urbano-industrial. Porém, as reais
vantagens e desvantagens de qualquer inciativa desse tipo estarão mediadas
pela percepção intuitiva do camponês em melhorar o bem-estar da família.
4. A parcela não-investida diretamente na produção, destinada à
poupança familiar. As somas extraídas da venda só serão invertidas na
renovação de capital se estiverem garantidas as condições de sobrevivência da
família. Dessa forma, não existe a menor possibilidade de acumular capital,
nem que isso represente uma forma de herança futura a ser deixada aos
membros da família, se as necessidades elementares não forem atendidas
anteriormente. CHAYANOV esclarece a forma como os camponeses elegem
suas prioridades, em relação ao destino do capital, quando diz que:
en la unidad económica de explotación familiar los adelantos para renovar y formar capital se extraen del mismo presupuesto y están vinculados com el processo de satisfacción de las necessidades personales y que, en todos los casos, su importe depende de la medida en la que pueden satisfacerse estas necessidades. (CHAYANOV, 1974, p. 238)
84
Outra contribuição de CHAYANOV foi desenvolver “cálculos
econômicos” que explicitam as regras do processo produtivo do camponês,
tendo em vista os movimentos de expansão interna da família. Estes cálculos
fazem parte dos trabalhos mais antigos de CHAYANOV (1913), época em que
ele esteve preocupado com os baixos rendimentos obtidos pelos camponeses
produtores de linho, nas Províncias de Moscou e Smolensk (URSS).
Para entender a organização da produção nas propriedades
camponesas dessas regiões, CHAYANOV considerou dois aspectos, assim
resumidos por GERARDI e SALAMONI (1994):
a) as necessidades da família camponesa, geradas internamente, e
b) os recursos da unidade familiar, sobre os quais se encontra
assentado o processo produtivo.
Partindo dessas informações básicas, CHAYANOV buscou uma
resposta satisfatória para a questão de como os camponeses expandem o
emprego de seus recursos reprodutíveis, como é o caso da mão-de-obra, sobre
todo o ciclo de vida familiar. As evidências demonstradas pela realidade russa
comprovaram que os camponeses defrontam-se com baixos retornos por dia
trabalhado, em áreas de crescimento populacional acelerado, cujas terras
apresentam sinais de esgotamento da fertilidade.
Em resumo, quanto maior o número de trabalhadores unidos em uma
mesma família, menores serão as possibilidades de ver o seu produto
aumentado. Isto porque, à medida que um novo membro for adicionado ao
conjunto da mão-de-obra familiar, tem-se que a fração de produto suplementar
85
que ele obtém com seu trabalho tende a zero, e a parcela que corresponde à
renda individual decresce; é a chamada “lei dos rendimentos decrescentes”, um
dos ponto mais explorados por CHAYANOV, na análise da dinâmica interna
das unidades produtivas camponesas. É evidente que essa situação pressupõe
estar o excesso de mão-de-obra, combinado com limitados recursos de terra,
considerando-se, ainda, que não haja progresso técnico. (GERARDI e
SALAMONI, 1994)
Desse modo, do empirismo dos primeiros momentos do seu estudo,
CHAYANOV evolui, aos poucos, para uma sistematização teórica que assinala
as bases da sua teoria explicativa da ação e dos traços econômicos do
campesinato.
Apesar das pertinentes críticas aos pressupostos teóricos propostos
por CHAYANOV – a desconsideração do sistema social, como um todo; a
limitação a uma realidade específica da Rússia pré-capitalista, etc; –, é
inegável que ele muito contribuiu a fim de entender a produção familiar
enquanto conjugação de unidade mercantil e doméstica, isto é, como unidade
produtora e consumidora sob controle do grupo familiar. (CAUME, 1997)
Fundamentalmente, CHAYANOV inaugra uma nova epistemologia de
compreensão dos sistemas econômicos inseridos na realidade social
contemporânea e, em especial, sobre os destinos da agricultura familiar.
86
2.3 Para entender o campesinato: a contribuição dos estudos chaya-
novianos
CHAYANOV deixou claro que os estudos feitos por ele e pela Escola
de Organização e Produção Russa, no início do século, não teriam condições
de dar conta da problemática da “abertura” do mundo real aos padrões
produtivos modernos, representados pelo setor urbano-industrial, quando diz
que:
... com el aumento cuantitativo de los elementos de economia social en nuestro campo nos encontraremos com el desarrollo de una nueva psicologia económica y esperamos que la evolución de la agricultura, en muchos aspectos, vaya modificando gradualmente las bases da la unidad de explotación familiar que hemos estabelecido en nuestro estudio de la actual unidad económica campesina. (CHAYANOV, 1974, p. 320)
E, em outro trecho, registra sua proposta para que outros
pesquisadores engajem seus estudos nessa linha, a fim de atualizarem
sistematicamente os pressupostos teóricos básicos da Escola de Organização
e Produção:
Reconocemos claramente la necessidad de que la Escuela de Organización y Producción indique en las investigaciones individuales el lugar que ocupa la unidad económica campensina en el sistema total de la economía nacional de hoy y de que proporcione la conexión teórica de nuestro concepto organizativo com los principales criterios sobre la economía nacional y su desarrollo. (CHAYANOV, 1974, p. 42)
Segundo OLIVEIRA (1991), nos trabalhos que se constituem em uma
adaptação à realidade brasileira da proposta de CHAYANOV, destacam-se os
seguintes elementos caracterizadores da produção camponesa:
87
1º. A evidente predominância da força de trabalho familiar na
constituição das unidades produtivas camponesas. Da mesma forma, é a
capacidade de absorção dessa mão-de-obra no interior da unidade familiar que
vai determinar a combinação de outras relações sociais de trabalho, como o
trabalho assalariado, ajuda mútua, parceria, entre outros.
A questão que se deriva desse contexto é a forma como se define a
relação trabalho/consumo, isto é, o esforço exigido para a realização do
trabalho e o grau de satisfação das necessidades da família, estabelecidas
internamente ao longo do ciclo de vida familiar. CHAYANOV explica essa
relação:
Cada familia, entonces, según su edad, constituye en sus diferentes fases un aparato de trabajo completamente distinto de acuerdo com su fuerza de trabajo, la intensidad de la demanda de sus necessidades, la relación consumidor-trabajador, y la possibilidad de aplicar los
principios de la cooperación compleja. (CHAYANOV, 1974, p. 55-56)
À medida que a produção familiar se integra aos circuitos de
comercialização da produção, de especialização das atividades e de mudança
nas suas bases técnicas, há uma propensão inicial para refutar a teoria exposta
por CHAYANOV, e muitos o fazem mediante a alegação de que o movimento
interno à unidade de produção familiar, isto é, sua morfologia interna, perde a
importância diante dos processos de modernização adotados no agro.
Porém, a despeito de qualquer transformação que possa ter havido nas
unidades produtivas, a questão do caráter familiar do trabalho permanece no
88
contexto do setor agrário atual12, mantendo, inclusive, determinadas
modalidades de trabalho autônomas (artesanato rural, comércio em feiras,
prestação de serviços, entre outras) que nada mais são do que estratégias
internas do grupo familiar, para permanecer como agentes ativos no circuito da
economia.
2º. A reprodução da força familiar efetiva-se pela procriação e
complementação através do processo de socialização do trabalho, ou seja,
pela participação de todos os membros do grupo familiar nas tarefas
produtivas.
CHONCHOL (1986) ressalta que o grupo familiar é marcado por um
forte coletivismo interno, expresso na organização e divisão do trabalho, onde
cada família adapta sua capacidade de trabalho conforme as características de
sexo e idade dos seus membros. Em outras palavras, o “quantum” de trabalho
empregado no processo produtivo é equivalente ao número de membros da
unidade familiar e sua composição por sexo e idade; o esforço dispendido por
cada um é cedido “gratuitamente” a sua unidade produtiva, uma vez que não
tem como contrapartida imediata uma remuneração em dinheiro, mas sim a
garantia de sua contínua reprodução.
Com esta explanação baseada nas idéias de CHAYANOV,
evidenciam diferenças entre uma empresa familiar que funciona segundo
relações de cooperação interna e aquela em que, geralmente, o responsável
12
Sobre esse assunto, cita-se a importante contribuição dada por KAGEYAMA, A. e BERGAMASCO, S. M. P. Novos dados sobre a produção familiar no campo. Campinas: UNICAMP, 1989. (mimeografado).
89
não participa diretamente do processo produtivo e, além disso, paga com
salários o trabalho que os demais membros fornecem à empresa. A empresa
capitalista concebida nesses termos orienta-se no sentido da relação entre os
custos e os benefícios, estando voltada para o resultado monetário da
produção.
Ao contrário, a variável-chave do funcionamento da empresa familiar
não é a taxa de lucros, mas sim os rendimentos totais auferidos pelo grupo
familiar, utilizados para a satisfação das necessidades familiares. Conforme
definiu CHAYANOV,
la totalidad de rendimientos que recibe la familia en el curso de un año, tanto lo que provene de la agricultura como de las aplicaciones de su fuerza de trabajo en la explotación agícola y actividades artesanales y comerciales. (CHAYANOV, 1974, p. 69)
Enfim, o que diferencia o camponês, responsável pela empresa
familiar, do empresário capitalista, é que o primeiro é um trabalhador que vive
do produto da sua própria atividade, enquanto o outro vive do produto da sua
empresa gerado pela apropriação do trabalho alheio.
3º. Outro elemento singular da produção camponesa é a jornada de
trabalho. Nesse aspecto, não há uma rigidez de tempo, nem de intensidade, ou
seja, a jornada varia conforme as necessidades impostas pelas atividades
agrícolas.
No interior da unidade produtiva, encontram-se combinados períodos
de intensa atividade, onde nem mesmo o nascer e o pôr-do-sol representam
limites à jornada diária de trabalho, com períodos chamados “ociosos”, nos
90
quais o camponês poderá transferir sua mão-de-obra para atividades
acessórias, entre elas o assalariamento fora da propriedade.
Na visão chayanoviana, essa última situação limita-se a certos
períodos de entressafra, porque a principal inciativa do camponês para
aumentar seus rendimentos é, antes de mais nada, o investimento intensivo em
trabalho familiar, sobre sua própria terra. Nem que para isso as famílias tenham
que se submeter à auto-exploração, trabalhando um número maior de horas a
fim de obter um volume maior na produção.
Por outro lado, os baixos rendimentos per capita nas empresas
familiares podem estar ligados à existência de uma relação inadequada entre o
volume de trabalho disponível e o número de consumidores, ou seja, o número
de membros dependentes da unidade produtiva. A isso, CHAYANOV chamou
de balanço trabalho/consumo.
O equilíbrio nessa relação é atingido à medida que o número de
unidades de trabalho utilizadas no processo produtivo coincide com o das
unidades de consumo familiar dado pelo tipo de estrutura familiar presente em
cada unidade camponesa. Isto é: a relação trabalho/consumo torna-se variável,
de acordo com a proporção de membros que trabalham e dos que não
trabalham, ao longo do ciclo de vida da família.
Tomando como exemplo uma família jovem, constituída, basicamente,
pelo casal e por crianças menores que ainda não atuam como mão-de-obra,
haverá uma sobrecarga de trabalho sobre os membros em idade produtiva.
91
Estes terão que prover suas necessidades de consumo com muito mais
esforço.
Em outros casos, em que a família é composta por membros que já
atingiram uma idade madura e todos trabalham, haverá uma divisão equitativa
do volume de trabalho e consumo, proporcionando um equilíbrio entre braços e
bocas, no interior da unidade produtiva.
Este cálculo individual, feito pelas empresas familiares, parte do
princípio de que as necessidades consideradas como prioritárias devem ser
atendidas pelo esforço pessoal de todos os componentes do grupo doméstico.
Isso só é possível através do sobretrabalho familiar, onde cada membro
assume, diariamente, uma longa jornada de trabalho. Sua vida produtiva
também é significamente prolongada, porque inicia ainda em idade precoce e
estende-se até a velhice.
CHAYANOV conclui, justificando que a formulação da hipótese do
equilíbrio trabalho/consumo não surgiu simplesmente das ilações de um
teórico, mas foi resultado de observações diretas a respeito da conduta
econômica dos camponeses russos. Porém, mesmo diante de comprovações
empíricas, admite que:
- though this does always correspond with everyday reality - that available income is divided according to the equilibrium at production and consumation evaluations or, more accurately, a desire to maintain a constant level of well-being. (op. cit. HARRISON, 1975, p. 396)
Diante de uma possível pressão dos elementos demográficos, quando
a terra torna-se escassa e não há possibilidades de ampliar a área da
92
propriedade, seja pela compra ou arrendamento de terras, a empresa familiar
lança mão de uma racionalidade interna, para tomar a decisão de adotar uma
das alternativas a seguir:
A auto-exploração da força de trabalho, submetendo os
membros familiares a longas jornadas de trabalho, a fim de aumentar a
produção e, conseqüentemente, seus rendimentos totais, mantendo fixo o
estoque inicial de terra. O Know-how próprio da empresa familiar, expresso no
cálculo sobre a quantidade de trabalho a ser fornecida por cada membro da
família, significa que, com um maior desgaste da mão-de-obra familiar, se tenta
obter, da pouca terra disponível, a produção necessária à reprodução desta
mesma força de trabalho.
O desvio de parte da força de trabalho para atividades extra-
agrícolas. A família pondera sobre oportunidades de emprego mais rentáveis
para sua mão-de-obra excedente que, nesse caso, pode estar ligada ao
artesanato doméstico e/ou ao comércio. Porém, é muito importante esclarecer
que insuficiência de terra e de capital não são os únicos fatores que
determinam a transferência de força de trabalho para as atividades acessórias.
CHAYANOV declara que:
en numerosas situaciones no es una falta de medios de producción lo que origina ganancias provenientes de las aresanías y comercio, sino una situación de mercado más favorable para este tipo de trabajo... (CHAYANOV, 1974, p. 118)
Porém, é importante observar que, movido pela mesma lógica interna
de funcionamento da empresa familiar, o camponês pode chegar à conclusão
93
de que o produto necessário para ele obter rendimentos favoráveis exige mais
trabalho do que as possibilidades de auto-exploração do grupo doméstico. Isso
acontece sobretudo, nos “momentos de pico” do ciclo agrícola, e o camponês
pode, então, fazer uso do trabalho alheio. Pode ser tanto pela contratação de
assalariados temporários (ou permanentes), até pela ajuda de algum parente
ou vizinho. Essa última modalidade de trabalho extra, instituído pelas empresas
familiares, não encontra correspondente nos modelos de assalariamento
capitalista. Mas, entre as famílias camponesas, é muito comum a presença de
relações de trabalho não-formalizadas legalmente, nas quais a remuneração
em dinheiro não é sequer utilizada, como no caso da ajuda mútua. GARCIA Jr.
complementa, afirmando que a prática da ajuda mútua ou, como ele chama, a
troca de dia
está baseada nas redes de solidariedades locais, sejam elas definidas por parentesco ou por grupos de vizinhança. (GARCIA Jr., 1983, p. 70)
Enfim, o certo é que nenhuma dessas formas de mão-de-obra utilizada
pelas unidades produtivas derroga o caráter familiar do processo de trabalho
camponês, o que o torna singular no interior do sistema capitalista.
4º. Por fim, cabe destacar outro elemento intrínseco à produção
camponesa, que é a propriedade privada da terra. Desde logo, é oportuno
diferenciar a propriedade familiar da propriedade especificamente capitalista,
como explica A. OLIVEIRA:
A propriedade familiar não é propriedade de quem explora o trabalho alheio. Estamos diante da propriedade direta de instrumentos de trabalho que pertencem ao próprio trabalhador. É, portanto, propriedade do trabalhador, não é
94
fundamentalmente instrumento de exploração. (OLIVEIRA, 1991, p. 61)
Uma das críticas mais contundentes de MARX ao campesinato é o fato
de este estar ligado à propriedade privada da terra. Ele aponta isso como uma
das causas mais comuns da sua ruína, uma vez que o agricultor terá que
desembolsar uma quantia monetária para comprar terra, desviando um
montante de capital que poderia ser aplicado na produção agrícola ou no
tratamento e conservação da própria terra.
Nessa situação, o preço da terra torna-se, para o camponês, um
elemento adicional nos custos de produção e, segundo MARX, isso se
materializa toda vez que
é lhe adjudicada terra mediante pagamento de certa soma em dinheiro, nas partilhas de inventário, ou então, graças às transferências correntes de propriedades ou lotes delas; a terra é comprada pelo próprio agricultor, muitas vezes mediante empréstimo garantido por hipoteca. (MARX, 1985, p. 922)
Na visão de CHAYANOV os fatores de produção – TERRA,
TRABALHO e CAPITAL – não são todos da mesma natureza, passíveis de
serem definidos simplesmente em termos monetários. Não é com capital que a
família compra terra, mas com o fruto do seu próprio trabalho, despendido para
garantir a continuidade da família sobre as suas próprias bases materiais.
Desse modo, para CHAYANOV,
O preço da terra não é a expansão da capitalização da renda, mas da força de trabalho a ser empregada para cobrir as necessidades da família. (Op. cit. AMIN & VERGO-POLUS, 1977, p. 126)
95
De acordo com a racionalidade camponesa observada por
CHAYANOV, a dinâmica do mercado de terras só se fará presente no interior
das unidades familiares, à medida que permitir ajustar adequadamente a
quantidade de terra disponível às necessidades da exploração. Na maioria das
vezes, isso ocorre em função da pressão crescente do grupo familiar em
relação ao tamanho da propriedade. Porém, apesar de admitir a existência de
transações de compra e venda de terra entre os camponeses, a réplica de
CHAYANOV às condições marxistas desta questão está baseada em outros
argumentos. Ele afirma que o camponês, ao defrontar-se com a escassez de
terra, tendo que prover o necessário ao consumo familiar, procura intensificar o
trabalho por unidade de área. Fazendo isso, embora diminua a produtividade
por trabalhador, aumenta a produtividade por unidade de área e,
conseqüentemente, o produto total que será destinado ao consumo da família
também se eleva.
No caso da economia camponesa, a parcela dos gastos anuais
destinada para a compra de terras está inseparavelmente unida aos
pressupostos pessoais do camponês, em adequar o tamanho da família e o
tamanho da propriedade entre si.
Para CHAYANOV, a maior aspiração do camponês é ter terra em
quantidade suficiente para fazer pleno uso da força de trabalho da família. Com
isso, a propriedade da terra passa a ser uma condição indispensável para
distribuir, de forma equilibrada, a mão-de-obra disponível.
96
Enfim, a ação conjunta do grupo familiar está direcionada no sentido da
formação de um patrimônio fundiário e de reprodução do capital produtivo,
ambos elementos essenciais para a concretização do chamado “projeto
camponês”, que, nas palavras de WANDERLEY, pode ser assim definido:
A aquisição da propriedade traduz e expressa o projeto comum, da família, de acesso a uma certa forma de trabalhar nos seguintes termos: trabalhar para si, com os seus, no que lhe pertence. (WANDERLEY, 1988, p. 76)
Na análise de realidades específicas, todavia, outros elementos podem
ser identificados no contexto da produção familiar, e passíveis de serem
utilizados para definir o universo camponês, como por exemplo: a natureza da
renda familiar, a dimensão física da unidade produtiva, entre outros.
Esses critérios adicionais, conforme CAUME(1997), podem limitar a
configuração plena da complexidade da produção familiar, porém, em alguns
casos, adaptariam-se às demandas tanto científicas quanto político-
institucionais sobre o conjunto atual do campesinato.
2.4 O camponês no contexto agrário atual
A teoria de CHAYANOV fornece a “chave” para desvendar o
fenômeno da produção camponesa, a partir de elementos que permitem
penetrar-se na dimensão familiar das unidades produtivas, a fim de
verificar as alterações ocorridas no nível interno das famílias camponesas,
e de ver, na sua articulação externa, a própria capacidade de
97
sobrevivência no sistema capitalista. O próprio CHAYANOV, em trabalho
sobre a organização da Unidade Econômica Camponesa (1974), apontou
as perspectivas de integração em seus diferentes níveis:
En la actualidad, la unidad económica campesina en casi todas partes está ligada al mercado capitalista de mercancias; en muchos países sufre la influencia del capital financiero , que le há hecho empréstitos, y coexiste com la industria organizada al modo capitalista y, en algunos lugares, también com la agricultura capitalista.(CHAYANOV, 1974, p.42)
Complementando, afirma a seguir que o futuro da economia
camponesa deverá ser
un campo industrializado en todas las esferas del proceso técnico, mecanizado y eletrificado, un campo que há aprovechado todos los logros de la ciencia y la tecnologia agrícola. (CHAYANOV, 1974, p.44)
Dentro desse contexto, o setor agrícola é chamado a participar das
profundas transformações operadas no setor produtivo da economia,
reorganizando suas bases técnicas, condição “sine qua non” para o
avanço das relações capitalistas e sua introdução no campo.
Enfim, o reconhecimento da existência de um complexo de
relações socioeconômicas que forma o processo global de acumulação
capitalista, no qual a agricultura é apenas um dos segmentos envolvidos,
justifica o esforço em dimensionar a importância assumida pela produção
familiar, como um dos inputs desse sistema.
Nesse sentido, a reflexão atual dos pesquisadores volta-se para o
entendimento das situações em que a produção camponesa, mesmo não
98
sendo gerada diretamente pelo capital, acaba, de alguma maneira, a ele
subordinada. Ou seja, o próprio capital cria um espaço para a reprodução
da produção familiar camponesa, tornando-a não algo diferente do capital,
mas um elemento do seu próprio funcionamento. (WANDERLEY, 1988).
M. N. B. WANDERLEY complementa, ainda, que, ao ocupar este
espaço, o camponês tende a se transformar qualitativamente, em função
da sua integração, sob diversas formas, aos mecanismos de mercado.
O surgimento dos Complexos Agroindustriais (CAI’S) e das
cadeias alimentares promoveram a emergência de produtores modernos,
perfeitamente integrados ao sistema econômico e às novas técnicas de
produção. Nas palavras de M. N. B. WANDERLEY,
são produtores responsáveis por parcela da produção de mercadorias, que acionam em seus processos de produção um capital de certa magnitude, que adotam tecnologia moderna, que conseguem constituir certo patrimônio, especialmente em terras valorizadas, mas que apesar disso permanecem trabalhando, representando o essencial da força de trabalho da unidade familiar de produção. (WANDERLEY, 1988, p.14)
A produção integrada aos complexos agroindustriais, cooperativas ou
redes de comercialização de alimentos encontra-se subordinada ao capital,
através da obtenção de insumos, créditos e do fornecimento de matérias-
primas. Nesta situação, a maioria dos camponeses transformam-se em
produtores tecnologicamente modernos e, nem por isso, perdem sua
característica de produtores familiares.
99
Segundo WANDERLEY (1988), a sobrevivência da produção
familiar camponesa inserida em uma economia capitalista de caráter
industrial, depende de duas condições fundamentais:
1- Deriva da própria definição desse tipo de atividade, ou seja, o
trabalhador deve estar em condições de produzir para o mercado, com
base na propriedade de seus próprios meios de produção.
2- Refere-se à necessidade de que os bens e serviços produzidos
pelos camponeses sejam socialmente úteis, ou que apresentem uma certa
demanda no mercado.
Outro importante estudo de inspiração Chayanoviana foi realizado por
J. V. TAVARES DOS SANTOS, a respeito dos vínculos da produção
camponesa com a reprodução global do capital e seus representantes urbano-
industriais.13
O importante a destacar no trabalho de J. V. T. DOS SANTOS é a sua
preocupação em detalhar as diferentes situações de subordinação do processo
de trabalho do camponês, inserido no modo de produção capitalista. Segundo
ele, a partir da integração dos produtores familiares ao mercado, estabelece-se
uma relação “formal” de subordinação diferente da subordinação “real”, uma
vez que, no primeiro caso, não ocorre a separação entre os proprietários dos
instrumentos e a força de trabalho. Nesse tipo de subordinação formal, a
remuneração do trabalho não é feita com pagamento de salários, mas através
13
SANTOS, J.V.T. dos. Colonos do vinho: estudo sobre a subordinação do trabalho camponês ao capital. São Paulo: HUCITEC, 1979.
100
de contratos de produção firmados com o setor industrial, os quais nada mais
fazem do que mascarar a compra de força de trabalho camponesa e sua
exploração pelo capital. Isso vem confirmar o posicionamento de TEPICHT
(1973) sobre a clássica relação de dominação – “exploradores versus
explorados” – que se dá entre setores da economia, encontrando-se, a
agricultura, submetida aos monopólios agroindustriais. Porém, ressalta-se que,
apesar de as relações capitalistas terem penetrado no interior das unidades
familiares, o camponês mantém a autonomia do processo de trabalho, o que
lhe delega uma posição de trabalhador independente.
SANTOS (1994) prossegue analisando essa configuração específica do
campesinato vinculado às agroindústrias, em particular nos ramos da
avicultura, suinocultura e fumicultura no sul do País.
Nesses casos, os camponeses são proprietários privados da terra,
desenvolvem um padrão artesanal de trabalho combinado com o uso de
insumos químicos e orientam sua produção para o mercado.
A especificidade desse tipo de produção integrada reside nas relações
contratuais que esses camponeses estabelecem com os empresários
agroindustriais, em termos de contratos formais ou informais, sejam eles de
empresas privadas ou de grandes cooperativas.
Tais camponeses integrados encontram-se submetidos aos rígidos
regulamentos das agroindústrias, como, por exemplo: a delimitação da área de
produção, tipos de tratos culturais, condições de fornecimento dos insumos,
101
condições de aquisição dos produtos agrícolas e normas de pagamento aos
produtores. De acordo com J.V.T. SANTOS,
as relações contratuais entre os camponeses e os empresários agroindustriais estão na origem dos diferentes tipos de conflitos que se verificam, tais como: a fixação dos preços mínimos, fixados com ou sem a intervenção do Estado, estadual ou federal; o sistema de classificação dos produtos agrícolas e o poder sobre sua execução; e as condições sociais da relação mercantil, as quais podem variar desde os acordos pessoais, as relações de clientela, ou a assinatura de contratos de produção. (SANTOS, J. V. T. DOS, 1994, p. 150)
Nesse contexto, a unidade de produção camponesa organiza-se
internamente a partir do grau de integração com a economia de mercado.
ABRAMOWAY (1992) afirma que, mesmo o produtor familiar
subordinado aos complexos agroindustriais, estabelece uma conduta
especialmente camponesa diante do mercado capitalista. E prossegue
afirmando que, a partir dos postulados elaborados por CHAYANOV, é possível
identificar os determinantes das escolhas econômicas feitas pelos
camponeses.
O eixo interpretativo, nesse caso, é deslocado da esfera da produção
para o âmbito do consumo, que revela a conduta do grupo familiar no sentido
de efetuar uma análise subjetiva, cuja base não são os preços de mercado,
mas sim o imenso esforço dispendido para se atingir a produção de
subsistência.
Todas as iniciativas, no que se refere à produção, visam a atingir um
nível de equilíbrio entre produção e consumo, no interior da unidade produtiva
102
camponesa. Essa chamada racionalidade camponesa encontra-se apoiada em
variáveis internas, tais como: tamanho da propriedade, condições técnicas de
produção, entre outras.
De um outro ponto de vista, pode-se pensar que esse equilíbrio
subjetivo, o qual preside as escolhas da família camponesa, sofre interferências
efetivas do patrimônio sociocultural próprio a cada produtor e sua família.
Serve de referência a esse tipo de análise, o estudo feito por
SEYFERTH (1974) sobre os produtores familiares da região conhecida como
“Vale do Itajaí”, no Estado de Santa Catarina. No caso examinado, a autora
constata que a “racionalidade camponesa” encontra-se vinculada às tradições
culturais dos produtores de ascendência alemã.
A origem étnica e os valores herdados dos antepassados fornecem um
conjunto de regras que condicionam desde a organização interna da unidade
produtiva, até as práticas de transmissão do patrimônio fundiário.
Para LAMARCHE (1993), o funcionamento das unidades camponesas
deve ser analisado como resultante de uma dinâmica de forças. Ou seja, cada
tomada de decisão do camponês está sendo limitada e/ou determinada pela
força do passado (tradição) e pela força de um futuro – materializado pelos
projetos de sua reprodução como produtor familiar. Ele conclui afirmando que
os exploradores organizam suas estratégias, vivem suas lutas e fazem suas alianças em função destes dois domínios: a memória que guardam de sua história e as ambições que têm para o futuro. (LAMARCHE, H. 1993, p. 19)
103
Além disso, concorda-se com LAMARCHE quando afirma que a produ-
ção familiar na agricultura apresenta-se, atualmente, com uma diversidade de
características que extrapolam o universo analisado por CHAYANOV,
abrangendo desde lógicas produtivas que têm o mercado como determinante
básico até lógicas orientadas pela realização da reprodução familiar.
Contudo, a leitura de CHAYANOV (1974) fornece um quadro completo
de referências, capaz de fundamentar os estudos sobre a produção camponesa
e a sua racionalidade específica. Sua tentativa ímpar em demonstrar que, na
ausência das categorias próprias ao modo de produção capitalista, a
articulação da economia ao sistema dominante se faz sob uma lógica
diferenciada, teve como preocupação eleger o trabalho familiar como sendo a
“variável-chave” para estudar as especificidades da economia camponesa, pois
é este que impõe categorias econômicas particulares e, conseqüentemente, dá
origem a leis próprias de funcionamento.
Guardadas as devidas proporções, quanto ao contexto histórico-
espacial em que foram formuladas as concepções teóricas da obra de
CHAYANOV, estas revestem-se de uma atualidade surpreendente, ao explicar
as potencialidades da produção familiar na agricultura e, igualmente, o esforço
do camponês para reproduzir-se como tal.
Diante do que foi exposto, a unidade produtiva camponesa representa
um espaço de relações, organizado internamente a partir de três dimensões do
grupo familiar: a dimensão da produção, a do consumo e a do seu “modo de
vida”.
104
Esses elementos orientam a conduta do camponês e evidenciam que
não apenas a racionalidade econômica, mas também outros critérios de
natureza sociocultural participam da organização da vida familiar. Como
observa ANJOS,
mais do que atingir um nível de equilíbrio econômico, o que os colonos objetivam é a produção de um ‘modo de vida’ personificado no conjunto de relações estabelecidas com a terra que se constitui no sustentáculo e no referencial de suas tradições culturais. (ANJOS, 1995, p. 138)
A partir deste ponto de vista, entende-se necessária a inclusão de
aspectos e dimensões relacionados aos costumes e tradições dos
camponeses, os quais podem contribuir na análise sobre o campesinato e, de
alguma maneira, justificar sua própria existência no contexto atual da
agricultura. (JEAN, B., 1994)
Da mesma forma, admite-se que é a própria especificidade do trabalho
familiar e a lógica do camponês em estabelecer estratégias de sobrevivência,
que explicam o fato da permanência da produção camponesa no interior da
economia capitalista – marcada por modernos padrões de produção.
Assim, é possível compreender por que, com o desenvolvimento de
relações capitalistas em todos os setores da economia, a produção camponesa
não desaparece; ao contrário, se reproduz para permitir, em última instância, a
permanência do próprio capitalismo.
Por fim, sabe-se que a convivência da lógica camponesa, que rege o
funcionamento das unidades produtivas, com a lógica do capital, não é pacífica,
III DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA
(...) a experiência desses vinte anos revelou à sociedade que o estilo de industrialização ‘liberal’, ‘produtivista’ – respandado no autoritarismo político que não admitiu debate algum a respeito de vins alternativos sobre uma modernização desejada por muitos – não operou como uma mancha de óleo, incorporando os produtores à sociabilidade moderna e melhorando as condições de vida de boa parte dessa gente. (MÜLLER, G., 1989, p. 77)
A agricultura, no seu sentido mais amplo, é entendida como sendo o
resultado das atividades desenvolvidas por indivíduos sobre uma determinada
área.
O objetivo primeiro dos grupos humanos, ao relacionarem-se com a
natureza, é extrair, através do seu trabalho, os elementos necessários à sua
sobrevivência. Com o passar do tempo, o espaço natural vai sendo produzido e
organizado, apresentando características peculiares dadas pelo grau de
desenvolvimento da sociedade.
Nos primeiros tempos de vida do homem sobre a terra, este era
extremamente dependente das condições oferecidas pela natureza. A partir da
descoberta e introdução de técnicas ligadas às atividades agrícolas, foi
107
alcançando um certo grau de independência em relação ao meio natural. Porém,
isso resultou na formação de organizações complexas e dependentes dos fatores
externos, onde o trabalho passa a ser dividido e o espaço reorganizado.
O rompimento com os anteriores sistemas de produção deflagra o início
de um novo período na história da agricultura. Nessa fase, as atividades
dominantes encontram-se alocadas no círculo urbano-industrial, em torno do qual
os demais setores econômicos passam a gravitar.
Atualmente, a principal característica da organização do espaço
geográfico é a sua subordinação às atividades industriais, comandadas pelas
grandes empresas nacionais e pelas corporações transnacionais, sediadas nos
países desenvolvidos. Essa situação estrutura o setor agrícola em função das
atividades externas, reorganizando as bases produtivas graças ao avanço da
tecnologia e à sua introdução no campo.
Observa-se, então, que, embora as paisagens do campo e da cidade
sejam diferentes, ambas formam um único sistema, sob o comando do setor
urbano-industrial, centro de controle das decisões econômicas, sociais e políticas
que movem o sistema produtivo do País.
Uma vez criado o “fetiche” do crescimento econômico, através da
integração da agricultura ao capital industrial, cabe a esta a tarefa de transformar-
se rapidamente, aumentando sua eficiência produtiva, via modernização
tecnológica.
Os produtores rurais ingressam no “círculo vicioso” do capital — expresso
pelos mecanismos de crédito financeiro — responsável pela sua transformação
108
em compradores/financiadores da produção agropecuária. Conseqüentemente,
surge a necessidade de se envolver mais nos circuitos monetários e de mercado,
introduzindo elementos que afetam a lógica e a própria natureza da forma de
produzir no agro, o que implica, nas palavras de MÜLLER,
... desconsiderar a terra e as relações sociais estabelecidas a partir da sua apropriação como núcleo de análise e interpretação e, por forma, como núcleo de entendimento das
atuais questões agrárias. (MÜLLER, 1985, p.79)
Porém, o mesmo autor esclarece que isso não significa que a terra e as
relações a ela atreladas sejam eliminadas dos estudos acerca da agricultura, mas
que, impreterivelmente, devem ser redefinidas, frente às modificações em curso
no campo. A partir da expansão do processo de modernização, as relações de
produção tornam-se mais complexas, a produção adquire certa independência
dos fatores naturais e o cultivo da terra deixa de estar ligado unicamente à
subsistência, passando a voltar-se para a agricultura de mercado, por vezes
especializada na produção de matérias-primas para a indústria. Certamente,
nesse momento, a produção realiza-se sob um suporte econômico e técnico-
científico superior ao da situação anterior, na qual predominava o auto-
abastecimento das unidades produtivas.
Ainda que atualmente a agricultura participe apenas com uma parcela de
10 a 12% do PIB do País, ela tem uma significativa importância para a economia
como um todo, especialmente para o desenvolvimento do setor industrial. (REV.
DA INDÚSTRIA, 1988)
109
Por isso, as transformações ocorridas nas atividades agropecuárias,
desde meados dos anos 60, ganham magnitudes tais, que impõem uma revisão
dos marcos teóricos utilizados na análise do desempenho das atividades dos
vários setores da economia brasileira. A necessidade de tal procedimento
justifica-se vis-à-vis à existência de um processo tecnoeconômico e sociopolítico
que solapou as bases tradicionais da agricultura, tornando-a inviável como fator
de reprodução social, a ponto de ser induzida a adotar os veículos de integração
(crédito, maquinaria, insumos industriais, entre outros) com outros setores, como
condição de sobrevivência dentro do contexto dos novos padrões reguladores da
economia.
Agora, deve-se compreender que o desempenho econômico das
atividades agropecuárias depende da dinâmica dos setores industriais e das
formas e graus de interação destes com o setor agrário. Esse desempenho
somente foi possibilitado devido ao advento da modernização das práticas
agrícolas (entendido como o uso de insumos de origem industrial), visto que a
agricultura pode parecer extremamente improdutiva quando o volume de
produção não atinge os índices exigidos pelo setor industrial.
Conseqüentemente ao aumento da produtividade, os produtores rurais
percebem uma melhoria nas suas condições socioeconômicas, muito embora
exista uma grande lacuna quanto à qualidade de vida, principalmente no que se
refere à saúde.
Além disso, pode-se perceber que a sustentabilidade ambiental vê-se
comprometida quando se realiza o uso predatório dos recursos naturais (solo,
110
cobertura vegetal, rios, ...), sem considerar a esgotabilidade destes. Da mesma
forma, a utilização inadequada de muitos insumos agrícolas — tais como os
agrotóxicos, corretivos químicos para o solo, mecanização pesada —, longe de
permitir a retomada da produtividade e rentabilidade dos solos, torna-os, na
maioria das vezes, improdutivos (é o caso da perda de solos por erosão, que, no
Brasil, chega a um bilhão de toneladas / ano). (BRINCKMANN, 1995)
Os graves impactos ambientais provocados pela agricultura moderna
podem ser entendidos como o rompimento da estabilidade dos ecossistemas e a
conseqüente redução da sustentabilidade do próprio desenvolvimento econômico
e social. Ainda que certos graus de artificialização e homogeneização sejam
imanentes a quase toda a atividade econômica, a tecnificação da agricultura tem
mostrado uma total falta de limites na agressão ao meio ambiente,
comprometendo, ao longo do tempo, a reprodução da sociedade como um todo
e, mais especificamente dos produtores rurais.
Nesse contexto, de acordo com KITAMURA (1993), a agricultura
brasileira tem, basicamente, problemas ambientais de dois tipos, a saber: o
primeiro, deve-se a sua intensificação, especialmente em determinados cultivos,
com o uso massivo de insumos químicos e de mecanização, resultando em
limitações quanto à manutenção dessa produção e de sua produtividade ao longo
do tempo. Observa-se que são crescentes os problemas de contaminação
química do solo e da água, de erosão e perda da capacidade produtiva do solo,
além de riscos de desertificação.
111
O segundo problema deriva das condições de concentração da atividade
econômica e, em especial, da concentração fundiária associada à modernização
conservadora. No caso da agricultura familiar, esta caracteriza-se pela
sobreutilização dos recursos naturais, devido ao fato de estar assentada em
unidades de produção com áreas exíguas, o que leva os produtores a
mobilizarem ecossistemas extremamente frágeis, muitas vezes não-
recomendáveis para as atividades agrícolas.
Busca-se, então, a partir de uma reflexão sobre as transformações
promovidas no espaço brasileiro pela modernização da agricultura, inaugurada no
País nas décadas de 1950-60, repensar as relações entre este processo, o
desenvolvimento rural sustentável e a produção familiar.
Cabe reconhecer que, se não forem viabilizadas alternativas de
sustentabilidade para a agricultura familiar, parcelas significativas da população
rural poderão não se integrar plenamente ao processo de desenvolvimento
socioeconômico, indo juntar-se ao enorme contingente de excluídos que já
perambulam, hoje, pelos centros urbanos.
Entende-se que, como a produção familiar tem demonstrado uma
surpreendente capacidade de adaptação às diversas mudanças que ocorreram
ao longo da história econômica e política do País, é a partir dela que poderão ser
implementadas, com sucesso, alternativas de desenvolvimento sustentável. Para
isso, tornam-se imprescindíveis investimentos em novas estruturas de produção e
de comercialização; pesquisas direcionadas às necessidades e condições do
112
produtor familiar, além de políticas que viabilizem a geração e difusão de novas
tecnologias, voltadas à proteção ambiental.
Como destaca SILVA:
A saída, a curto prazo, está no âmbito de políticas (por certo, paliativas) que sinalizem para práticas conservacionistas já disponíveis (e, todavia, quase nunca adotadas) e na indução de novas trajetórias científicas que não impliquem novas
degradações da natureza. (SILVA, 1993, p.20)
Finalmente, cabe ressaltar que a agricultura familiar tem grande potencial
para promover o desenvolvimento rural sustentável, não somente por ser
responsável pela preservação e fortalecimento dos sistemas de produção
agroecológicos, mas por ser detentora de um patrimônio cultural que lhe confere
um caráter particular de organização interna. De um lado, o domínio do uso de
insumos e técnicas e, de outro, os conhecimentos empíricos de gestão que
ultrapassam a esfera dos cultivos e orientam o funcionamento da unidade de
produção como um todo. Pode-se dizer que a racionalidade camponesa constitui
uma das estratégias de reprodução do produtor familiar, frente ao processo de
desenvolvimento capitalista.
No bojo do acelerado desenvolvimento industrial, a agricultura passou a
ser vista como um setor complementar, mas reconhecidamente importante no
desempenho de certas funções que viabilizam a acumulação crescente de
capital.
A atuação coadjuvante da agropecuária está representada nas seguintes
tarefas: fornecer alimentos e matérias-primas; liberar mão-de-obra; consumir
insumos industrializados e bens de consumo; transferir capital para as atividades
113
urbanas e, ainda, gerar divisas via exportação de produtos. Este conjunto de
funções constitui o principal recurso para financiar o desenvolvimento industrial.
Dentro dessa perspectiva, o Estado passa a dar apoio direto para o setor
primário, deflagrando a anunciada “prioridade agrícola”. Esse aspecto conjuntural
permanece equivocado quanto ao tratamento discriminado dado ao setor agrícola
e demonstra que as proclamadas prioridades agrícolas, dispensadas dos
produtores e às suas atividades, foram mais aparentes do que reais. Tanto no
que se refere a medidas mais específicas, como o crédito ou subsídios, quanto a
políticas de caráter mais geral, o apoio seletivo definido na intervenção estatal
reflete os objetivos dos grupos capitalizados na política de seleção de produtos e
produtores, a serem utilizados como suporte na reprodução contínua do padrão
de acumulação adotado para o sistema como um todo.
O processo de reprodução do capital, viabilizado pela integração
agricultura/indústria, nem sempre está de acordo com os objetivos de
desenvolvimento dos produtores rurais e de suas famílias. Os agricultores sofrem
o impacto de mudanças radicais, ao terem os seu processo produtivo submetido
ao processo de industrialização. Essas circunstâncias justificam a forma de
pensar a agricultura subordinada ao capital industrial, tanto em nível nacional
como internacional.
114
3.1 Desnacionalização: a participação do capital estrangeiro na
agricultura
As empresas multinacionais desempenham um papel relevante nas
transformações econômicas e sociais que vêm ocorrendo no espaço agrário
brasileiro.
Primeiramente, convém definir o que se entende por “empresa
estrangeira”: toda a empresa ou pessoa jurídica (nacional ou estrangeira), que
atue com capital, em sua maior parte, pertencente a grupos ou indivíduos de
origem estrangeira. (SAMPAIO, 1980)
As empresas estrangeiras ligadas à agricultura figuram no conjunto das
maiores empresas do País, com indicações de um caráter monopolista em vários
setores do mercado.
O capital estrangeiro penetra no setor agrícola especificamente e, nos
demais ramos de atividades ligados à agricultura, abrangendo as indústrias que
fabricam insumos (maquinarias, fertilizantes, defensivos, sementes, ...) utilizados
na produção agrícola, as indústrias de processamento de matérias-primas e, por
fim, as empresas de comercialização dos produtos agropecuários.
A legislação brasileira que coordena a aplicação de capital estrangeiro no
País caracteriza-se pela sua extrema liberalidade. A norma geral estabelece que
as remessas de lucros e dividendos inferiores a 12% do capital em investimentos,
estão isentos de imposto suplementar de renda. Este procedimento somente
pode ser alterado em períodos de crise na balança interna de pagamentos.
115
No que se refere aos aspectos de garantias e privilégios, o tratamento
legal dado ao capital estrangeiro é igual ao concedido às congêneres nacionais.
Os órgãos nacionais de planejamento fornecem amplo sistema de incentivos
políticos e econômicos, destinados a orientar os investimentos nas regiões e
setores considerados prioritários ao desenvolvimento econômico.
Se for observada a evolução história da penetração do capital
transnacional no cenário produtivo do País, identificar-se-á a consonância
existente entre os investimentos estrangeiros e as etapas do desenvolvimento
econômico brasileiro.
Até 1930, as “multinacionais da agricultura” orientam-se, fundamen-
talmente, para o controle dos produtos de exportação. Numa segunda fase, que
se estende de 1930 a 1960, surgem as primeiras grandes processadoras de
alimentos para o mercado interno, em função das mudanças no padrão de
acumulação, uma vez que era insuficiente a substituição de importações como
base para o crescimento da indústria nacional.
A partir de 1960, ocorre uma interiorização crescente da produção de
insumos para a agroindústria e, paralelamente, uma diversificação das indústrias
processadoras de alimentos para o mercado interno e externo. (SORJ, 1980)
Se, para o Brasil, as condições foram propícias à recepção de capital
estrangeiro, a mesma ênfase pode ser dada no que se refere aos países
emissores de capital. Os gigantescos empreendimentos sediados nestes países
tendem a expandir-se para áreas que oferecem condições institucionais e de
mercado favoráveis, para assim se converterem em empresas multinacionais.
116
O extraordinário avanço dessas empresas acarreta modificações
estruturais na economia mundial. Por exemplo: a eliminação de riscos e
incertezas no comércio exterior, através da organização da produção em nível
internacional; as ofertas e demandas mais estáveis nos mercados mundiais; uma
divisão internacional do trabalho, onde as economias dependentes passam a se
integrar em um processo conjunto de industrialização e acumulação de capital.
Países como o Brasil, considerado como de economia periférica,
encontram inúmeras barreiras na inserção no mercado de tecnologias e, em
conseqüência, qualquer estratégia “doméstica” de desenvolvimento sustentável
também sofre limitações do comércio internacional e dos organismos multilaterais
de funcionamento da agricultura.
Diante disso, é importante lembrar que as tecnologias disponíveis
(geralmente importadas dos países desenvolvidos), nem sempre são as mais
adequadas às condições socioeconômicas e ambientais presentes no campo
brasileiro.
Dessa formas, as multinacionais tornam-se os primeiros agentes na
consolidação de um novo perfil produtivo, o qual induz à concentração de renda,
sob o argumento de que esta constitui-se numa etapa necessária e transitória
para o crescimento econômico.
A ênfase dada ao capital transnacional justifica-se pelo poder dessa
forma de investimento em impulsionar e moldar o avanço do capitalismo na
agricultura, através do desencadeamento do processo de modernização, cuja
operacionalização se encontra na consolidação do Complexo Agroindustrial –
117
CAI, gerador, por sua vez, de um desenvolvimento associado e dependente.
(MÜLLER, 1985)
3.2 Articulação da produção familiar ao complexo agroindustrial
Sabe-se que, atualmente, grande parte dos agricultores familiares
encontram-se vinculados ao capital comercial e industrial, uma vez que a
produção agrícola é destinada à demanda dos setores externos à agricultura, os
quais sujeitam essa produção à competição e às leis do mercado capitalista. Em
conseqüência, estabelece-se um processo de autonomia-subordinação
camponesa, materializado em formas específicas de trabalhar a terra com os
meios de produção disponíveis.
Na maioria das vezes, a intensificação das relações de produção
capitalistas estabelecidas entre o setor industrial e agrícola, encontra seu reverso
na gradativa subordinação da pequena unidade produtiva familiar. Em regra, a
sua reorganização interna baseia-se na exploração da força de trabalho. A
redefinição das relações sociais de trabalho procura compatibilizar o potencial de
mão-de-obra familiar disponível e a utilização de tecnologia moderna. Nesse
sentido, a organização do trabalho sofre alterações na sua natureza, intensidade
e ritmo, e a mão-de-obra familiar vê ampliada sua capacidade de produzir,
expressa no aumento da produtividade do trabalho.
O fato de os produtores familiares integrados estarem submetidos à
tecnologia, ao financiamento e à comercialização prevalecentes na economia
118
capitalista não significa que não possam dispor de nenhuma autonomia no
processo produtivo. Mesmo estando incluídos nos parâmetros da produção
moderna e capitalizada, isso não eliminou sua capacidade de disporem de seus
meios de produção, segundo a lógica interna às unidades familiares camponesas.
Os resultado dessas inovações na agricultura atingiram de forma
marcante a produção familiar que, como foi visto anteriormente, se viu compelida
a tomar parte do movimento global de mudanças tecnoeconômicas. Tudo leva a
crer que as unidades produtivas familiares, postas frente à esta situação,
assumiram a empreitada de capitalizarem-se; caso contrário, estariam fadadas a
ocupar uma posição marginal no processo de desenvolvimento.
Esse processo de reorganização da produção familiar pode ser
periodizado em dois momentos principais:
– primeira fase: traduz-se pela ocorrência da transformação da
produção familiar tradicional (auto-suficiente) em mercado nacional para as
indústrias fornecedoras, quando estas colocam, à disposição dos produtores,
insumos e equipamentos gerados com altos níveis de sofisticação. Para garantir
a assimilação deste padrão tecnológico, estabelecido pelo segmento industrial,
são oferecidos aos agricultores incentivos financeiros e assistência do Estado,
como intermediário entre os setores;
– segunda fase: traduz-se pelo interesse das empresas industriais em
transformar as unidades produtivas familiares em fonte de matérias-primas
agropecuárias, pressionando a adoção de técnicas modernas, de forma a garantir
quantidade, qualidade e custos compatíveis com o processamento industrial.
119
Por outro lado, a reorganização das bases produtivas, sob a égide
capitalista, não transformou totalmente as formas tradicionais de atividade
agrícola. Determinadas áreas rurais continuam a desenvolver-se a partir da
reprodução da agricultura de base familiar, cuja dinâmica pode ser encarada no
contexto de subordinação às indústrias processadoras — as agroindústrias.
Ao adotar a perspectiva da integração intersetorial na economia, a noção
analítica do CAI mostra-se apropriada para retomar o fio condutor que move as
transformações operadas no setor agrícola. Permite também repensar as funções
assumidas pela agricultura e os conseqüentes reflexos sobre os grupos sociais
que têm suas bases materiais nesse complexo de inter-relações.
No caso específico dos produtores familiares (camponeses), considera-
se, a priori, que estes se encontram amparados pela sua condição de proprietário
individual dos meios básicos de produção; assim sendo, exercem uma certa
autonomia quando inseridos no complexo de relações intersetoriais.
Desse modo, os camponeses, ou seja, aqueles cujas atividades ainda
dependem em boa medida do uso intensivo dos fatores terra e trabalho, passam
a ingressar num processo em que as condições de sua reprodução, como
produtor familiar, se encontram atreladas ao capital urbano-industrial.
Tais transformações, emergentes na década de 60 e intensificadas na de
70, provocam significativas alterações na organização interna da unidade
produtiva familiar, principalmente através da especialização agrícola e da
mercantilização da produção e da mão-de-obra. Então, os produtores familiares
vêem-se compelidos a adotar um novo patamar técnico-produtivo, contando com
120
a elevada produtividade física do seu trabalho. Obviamente, a propriedade da
terra e o emprego de braços do grupo familiar continuam embasando o
desempenho das atividades produtivas no setor agrícola; porém, é visível que a
conduta dos produtores rurais volta-se para a conquista de mercados e
financiamentos, tornando-os elementos capitalizados e inseridos nas transações
monetárias; em conseqüência, também usuários de maquinaria, insumos
industriais e serviços técnicos.
Quando a nova combinação de elementos passa a mover o ciclo
produtivo, permitindo a obtenção de excedente em escala comercial, o produtor
projeta suas aspirações em termos dos rendimentos que o montante físico da
produção vai alcançar no mercado, de tal modo que lhe permita suprir as
necessidades básicas e, ainda, elevar seu padrão de vida. Assim, a reprodução
do seu empreendimento depende fundamentalmente de que os investimentos
monetários destinados à aquisição de elementos modernos estejam ajustados
aos preços recebidos pelos produtos nos mercados industriais e comerciais.
Percebe-se que a incorporação familiar nos circuitos externos (urbanos e
industriais) provoca mudanças estruturais no interior da unidade produtiva
familiar, tanto pelo lado da produção, como pelo incremento no consumo.
Segundo MÜLLER, passa a predominar uma produção familiar moderna e
tecnificada, na qual os próprios produtores rurais assumem o papel de agentes
econômicos, movimentando capital e investindo-o na produção de sua empresa
familiar. (MÜLLER, 1989)
121
Porém, devido à manutenção de características específicas que a
diferenciam como produção camponesa, essas "empresas" surgem na agricultura
como formas de um "capitalismo sem capitalistas", como diz a literatura corrente.
Neste tipo de empresas de caráter familiar, é o proprietário que organiza
e supervisiona diretamente o uso e a intensidade do uso da mão-de-obra, bem
como dos recursos naturais. E ainda, exerce sua autonomia gerenciando seus
custos de produção (em função deles, determina a intensificação do trabalho
familiar e/ou a ampliação da área explorada) e o nível de investimentos em capital
que a "empresa" é capaz de absorver.
Passada a fase inicial de transição no interior das unidades produtivas
familiares, a tendência é de que se configurem diferentes segmentos sociais em
termos de relações de produção e desenvolvimento tecnológico:
De um lado aqueles que se atrelam ao CAI, gerando uma camada de produtores familiares capitalizados. E, de outro, aqueles que ficam marginalizados, pela sua baixa produtividade, dos grandes circuitos produtivos urbano-industriais. (SORJ, 1980, p.24)
De fato, a realidade social demonstra que o tipo de industrialização do
campo no Brasil não funcionou de maneira igualitária para todos os produtores
rurais, uma vez que não só excluiu grande parte deles do processo de
modernização, como aumentou sua pobreza. Isso porque o fato de não estarem
efetivamente atrelados aos circuitos industriais funciona como fator restritivo na
própria concorrência por mercados para sua produção.
Este caráter seletivo é fruto de critérios estabelecidos pelo CAI em
relação à camada de agricultores passíveis de serem integrados. A saber, os
122
produtores não podem ser produtores comuns, devem possui uma propriedade
cuja área não esteja abaixo da média regional, localizarem-se em locais de
acesso à indústria e terem condições de obter crédito, para mover o processo
produtivo dentro dos padrões requeridos pela indústria. Deve ser um proprietário
que utilize basicamente mão-de-obra familiar, realize atividades voltadas ao
mercado e, ainda, desenvolva outras, diversificadas, como forma de garantir sua
sobrevivência.
Quaisquer que sejam as formas de integração associadas à produção
familiar, não representam, em hipótese alguma, as tendências inexoráveis
propostas pelas categorias analíticas de modo de produção capitalista, ou seja, o
seu total aburguesamento ou completa proletarização e,
... embora se formem unidades produtivas altamente capitalizadas e com uma alta produtividade do trabalho, as especificidades inerentes à produção familiar permitem um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas, sem que haja necessariamente acumulação e centralização do capital, aumento da área média dos estabelecimentos e proletarização no seu stricto-senso. (CORADINI & FREDERICO, 1982, p. 63)
Uma análise mais específica das relações estabelecidas entre a
agricultura e o setor urbano-industrial permite identificar várias "nuances" nas
formas de integração que unem estes dois setores. Desse modo, a indústria pode
estabelecer relações formais de integração com os produtores rurais, por
intermédio de contratos de fornecimento de insumos e compra de produtos, até
ligações indefinidas de compra e venda de produtos, sem chegar realmente a
revolucionar os processos de produção agrícola.
123
Para o produtor formalmente integrado, a questão básica passa a ser sua
subordinação ao capital industrial, através de normas contratuais estabelecidas
entre produtores e empresa integradora.
Esta forma particular de subordinação caracteriza-se pelo fato de que o
capital não domina totalmente as relações sociais de produção. O produtor
familiar mantém a autonomia do processo de trabalho, o que lhe confere um
caráter de trabalhador independente, embora não alheio ao capital, mas antes um
elemento do funcionamento deste.
Atualmente, a subordinação dos produtores familiares se dá via
integração aos complexos agroindustriais específicos, como afirma
CALLEGARO:
Este é o sistema de produção de milhares de unidades produtivas camponesas no sul do País, a exemplo da produção de uvas, pêssego, morango, fumo, aves, suínos, do Rio Grande até Santa Catarina, onde o trabalho integral da família está voltado à produção destinada ao abastecimento da agroindústria processadora e distribuidora. (CALLEGARO, 1989, p.70-71)
O processo de integração ou não-integração de segmentos de
produtores implica ter presente a simultaneidade de ação das políticas
econômicas, geradoras de uma industrialização parcial da agricultura, respaldada
no autoritarismo político do Estado. Assim, a convergência de objetivos das
forças econômicas que agem no interior do CAI, torna a estrutura produtiva
agrária na atualidade marcada por uma
124
... concentração creditícia, concentração dos meios modernos de produção e de comercialização e fundiária. (MÜLLER et al., 1990, p.14)
Todavia, entende-se que esta última forma de concentração, a da terra,
não pode ser generalizada, pois assume várias faces em virtude das conexões
estabelecidas com os outros segmentos do CAI, isto é, muitas vezes é a própria
configuração da estrutura fundiária que favorece a integração da agricultura no
complexo moderno.
3.3 Transformação da agricultura tradicional em um complexo moderno
Considera-se que a chamada agricultura tradicional seja aquela em que
os fatores de produção — terra, trabalho e capital — encontram-se
dimensionados pelas condições dos ecossistemas naturais.
Nessa etapa, o processo de trabalho apresenta-se associado
inteiramente ao ecossistema, pois dele dependem, primeiro, a própria reprodução
da força de trabalho, considerando que na economia tradicional os produtos
agrícolas cultivados são destinados à subsistência; segundo, a reprodução dos
instrumentos de trabalho, que, mesmo pouco numeroso, estão na dependência
do ambiente — animais de tração, ferramentas rudimentares, ...
Nesse sentido, na agricultura tradicional, o sistema de produção é
altamente equilibrado do ponto de vista ecológico, existindo uma diversidade
animal e vegetal marcada por relações de complementariedade e de simbioses
naturais.
125
A autonomia dos produtores, no modelo tradicional, depende, ao mesmo
tempo, das condições ambientais e das estratégias de reprodução social
estabelecidas de acordo com o patrimônio cultural de cada grupo social. Merece
destaque o conhecimento que o agricultor possui do solo, clima, plantas e dos
sistemas ecológicos como um todo, que será transmitido de geração a geração.
De outra forma, a transformação do setor agrário em um complexo
moderno, refere-se ao aperfeiçoamento tecnológico, ao aproveitamento intensivo
dos recursos naturais e do capital e, ainda, a uma divisão social do trabalho. Esse
conjunto de fatores implica necessariamente mudanças estruturais em todos os
níveis do sistema agrícola.
Parte-se do princípio de que o desenvolvimento da agricultura está
intimamente relacionado com o "ambiente econômico" em que se processam
as atividades agrícolas, para o qual é de suma importância a formação de uma
infra-estrutura definida por ARAÚJO e SCHUCH como sendo,
O capital físico e instituições, organizações públicas e privadas que proporcionam serviços econômicos que tenham um grande efeito direta ou indiretamente sobre o funcionamento da empresa rural, mas que são estranhos à mesma. (ARAÚJO e SCHUCH, 1975, p. 249)
Uma das conseqüências imediatas dessa nova configuração das
atividades agrícolas foi a sua tecnificação e a substituição gradativa do modelo
tradicional de produzir no campo. Ou seja, inicia-se um processo de vinculação
direta da estrutura produtiva às empresas a montante (fornecedoras dos insumos
industriais, como máquinas, produtos químicos, sementes selecionadas, ...) e a
jusante (transformadoras dos produtos agrícolas) da agricultura.
126
Nas duas últimas décadas, o processo de modernização do setor agrário
está associado à implantação e expansão do complexo agroindustrial, resultado
das estratégias dos segmentos industriais e da adoção de políticas
governamentais que viabilizam a necessária configuração da estrutura produtiva,
promovendo grande heterogeneidade nas organizações rurais. O papel do
Estado nesse processo foi o de financiador, garantindo as remunerações para
que este pudesse avançar.
O Estado representado como agente primário de mudanças na infra-
estrutura econômica, social, institucional e política,teve sua ação corporificada
através de medias contidas no planejamento oficial, aplicadas por meio de
políticas agrícolas.
Política de crédito rural
Desde o final da década de 60 até o início dos anos 80, a política foi
direcionada no sentido de instalar um novo patamar para a produção
agropecuária, capaz de demonstrar a articulação estabelecida entre as atividades
agrárias e o capitalismo industrial.
Em 1966, foi criado o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que
passou a contar com recursos crescentes por parte do governo.
A segunda fase do SNCR inicia-se por volta de 1976 e acaba
consolidando-se na década de 80, quando os recursos públicos para o crédito
agrícola diminuem, face ao recrudescimento do processo inflacionário.
127
O crédito rural teve sua origem nos fundos mútuos das cooperativas.
Posteriormente, essa atividade foi absorvida pelo Banco do Brasil. Com a reforma
bancária da década de 60, os serviços do crédito rural foram ampliados e
descentralizados, passando estes a ser administrados pelo Banco Central, e
tendo, como agentes de distribuição, os bancos comerciais privados e oficiais.
Os recursos do crédito rural podem ser divididos entre as parcelas
destinadas ao custeio e comercialização da safra, bem como para investimentos
fixos. A base desses recursos está calcada, principalmente, nas aplicações
compulsórias dos bancos privados, provenientes de percentuais sobre depósitos
à vista. (Ver TABELA 2)
Os empréstimos feitos em 1988, com dinheiro da “poupança verde”,
tinham correção atrelada à da poupança em geral, mas com o aumento das taxas
de juros durante o “choque-verão”, o governo foi obrigado a modificar este item e
cobrar dos agricultores apenas a variação do IPC (Índice de Preços ao
Consumidor). Estas medidas criaram um déficit nas contas do governo e do
Banco do Brasil. (FOLHA DE SÃO PAULO, 22/05/1989)
128
TABELA 2 RECURSOS DESTINADOS AO CRÉDITO AGRÍCOLA,
BRASIL, 1979 – 1993 (MILHÕES DE DÓLARES)
Ano Custeio Investim. Comercial. Total
1979 13.806 4.064 5.163 23.033
1980 15.477 3.533 5.614 24.625
1981 14.013 2.743 5.700 22.456
1982 14.971 2.090 4.770 21.727
1983 10.811 2.393 3.370 16.575
1984 7.761 997 1.658 10.416
1985 11.300 1.483 2.665 15.448
1986 13.564 4.427 3.190 21.181
1987 13.713 2.414 2.712 18.838
1988 11.220 2.388 2.688 16.294
1989 12.235 1.388 1.464 15.089
1990 5.738 516 1.148 7.402
1991 4.560 286 1.169 6.036
1992 4.430 290 2.118 6.826
1993* (1.932) (86) (969) (2.987)
(*) primeiro semestre.
FONTE: Banco Central do Brasil. In: FAO/INCRA, 1994, p. 95.
Freqüentemente, as normas do crédito rural são estabelecidas, em nível
governamental, incluindo o critério de aplicação das taxas de juros. Com isso, os
agentes financeiros ficam impossibilitados de garantir parcelas eqüitativas de
empréstimos entre os agricultores. Mas, as agências bancárias estabelecem
limites ao volume de financiamento para os diferentes segmentos de produtores.
Este limite é fixado de acordo com certos fatores: a capacidade administrativa e
129
financeira do cliente, o seu nível de endividamento e, por último, o patrimônio dos
produtores. O maior volume de crédito rural acaba privilegiando os médios e
grandes proprietários, ficando os pequenos produtores em posição secundária na
aquisição desse benefício.
Muitas vezes, a falta de informações e esclarecimentos sobre a utilização
do crédito agrícola, mantém à margem do sistema oficial de crédito, uma camada
considerável de pequenos produtores. Em conseqüência, parte desses
agricultores procuram fontes não-institucionais de financiamento para suas
atividades.
Mesmo assim, o crédito agrícola transformou-se no maior impulsionador
do processo de modernização, chegando a subsidiar mais da metade do valor
gasto em maquinaria agrícola. Isto significa o estabelecimento de um novo
patamar tecnológico na agropecuária brasileira, no qual os produtores familiares
também se encontram inseridos. Ao lançar mão dos benefícios do crédito rural,
os produtores tornam-se capazes de absorver os insumos modernos, chave para
o incremento da produção e, portanto, da viabilização da exploração familiar
como elemento do Complexo Agroindustrial.
Por outro lado, os fornecedores de insumos para o setor agropecuário
dependem diretamente das condições creditícias estabelecidas para os negócios
agrários, o que os induz a operar como grupos de pressão para a formulação de
políticas voltadas para a industrialização da agricultura.
130
Industrialização da agricultura
No Brasil, o processo de integração indústria/agricultura não se deu à
margem das relações entre as grandes empresas transnacionais, os grupos
econômicos nacionais e o Estado. Nesse conjunto de inter-relações, os
interesses convergem para a difusão de um novo paradigma: o paradigma
tecnológico — que acarreta a busca incessante de inovações (mecanização
pesada e concentrada, insumos químicos, ...) que façam evoluir os sistemas
produtivos.
SANTOS assim explica esse paradigma:
... temos (em parte) o controle da tecnologia como expressão refinada do próprio controle de acumulação e é por isso que ciência e técnica se geografizam nos mesmos locais de acumulação e transferência de tecnologia, é venda de mercadoria, é venda de bens de produção. (SANTOS, 1985, P.17)
É nesse momento que surge o chamado padrão agrário moderno, que
nada mais é do que a expressão da aplicação das conquistas da ciência moderna
na agricultura e nas formas de organização da produção rural. Com a
consolidação desse modelo, a agricultura passa a constituir-se no elo de uma
cadeia, negando as antigas condições de complexo rural tradicional, fechado em
si mesmo e, em grande parte, as condições de complexo agroexportador, vigente
até a década de 60. Desse processo de transição surgem os Complexos
Agroindustriais – CAI’S, conectando a agricultura ao capital industrial e financeiro,
cuja dinâmica se encontra “sintonizada” ao sistema global de acumulação
capitalista.
131
Um dos principais impactos do desempenho do Complexo Industrial
sobre a organização do setor agrícola refere-se à aquisição de bens de capital
(tratores, colheitadeiras, implementos agrícolas), fertilizantes, defensivos,
matrizes e sementes. Este conjunto de insumos de origem extra-agrícola garante
o fornecimento de matérias-primas em quantidades compatíveis com o
processamento industrial. (Ver TABELA 3)
TABELA 3 INDICADORES DO GRAU DE MODERNIZAÇÃO DOS
ESTABELECIMENTOS POR ESTRATOS DE ÁREA
SELECIONADOS, BRASIL – 1985
Estabelecimentos que: Particip. no estrato
20-100%
Particip. no estrato
500-10.000%
Tinham alguma assistência técnica 16 35
Tinham energia elétrica 24 34
Usavam tração mecânica 31 56
Tinham trator 13 48
Tinham veículos de tração mecânica 17 53
Usavam defensivos animais 58 81
Usavam defensivos vegetais 40 42
Usavam fertilizantes químicos 36 37
Usavam fertilizantes orgânicos 41 41
Usavam calcário e outros corretivos 10 15
Usavam práticas de conservação do solo 19 25
Usavam algum tipo de irrigação 5 8
Obtiveram crédito de custeio 17 15
Obtiveram crédito de investimento 2 3
FONTE: Censo Agropecuário de 1985. In: FAO/INCRA, 1994, p.91.
132
Os investimentos dispendidos com estes recursos técnicos, na sua maior
parte, são subsidiados pelos créditos governamentais. O retorno desse capital é
dado pelo aumento da produtividade da terra e do trabalho, e pela redução nos
custos de produção. Essa situação vem ao encontro dos interesses da indústria,
centrados na garantia de uma oferta estável e crescente de matérias-primas com
qualidade homogênea, ao menor custo possível. Quanto mais baixos forem os
preços pagos aos produtores, maiores serão os lucros e sua competitividade no
mercado.
Desse modo, as constantes exigências das indústrias sobre os
produtores em termos de qualidade e volume dos produtos, acaba por induzir
uma permanente difusão do progresso técnico.
Pacotes tecnológicos: "produção vide bula"
A agricultura, ao operar no âmbito das determinações do capital urbano-
industrial, encontra oligopólios estruturados que determinam as regras do
processo produtivo e da comercialização dos produtos agrícolas.
O produtor, anteriormente autônomo na função de dirigente do processo
produtivo, ao assumir a condição de integrado aos circuitos urbano-industriais,
passa a estar determinado pelas "prescrições externas", oriundas das empresas
industriais.
O cerco imposto à agricultura pelos setores industriais, comerciais e
financeiros a ela conexos, imprime-lhe a fórmula: "o que quando e como
133
produzir", a ser aplicada rigorosamente, sob pena de se obterem resultados
insatisfatórios, caso não seja seguido tal modelo.
O produtor rural, com praticamente nenhuma educação formal, guiado
pela intuição desenvolvida a partir da experiência acumulada, tem poucas
condições de apreender os níveis mais abstratos da informação relativa à
tecnologia por ele utilizada.
Por isso, na maioria das vezes, os agricultores representam meros
usuários dos pacotes tecnológicos, repassados pelas empresas industriais e
órgãos estatais de pesquisa e assistência rural.
Segundo MARTINE e GARCIA (1987), a tomada de decisão, quanto à
adoção de modernas tecnologias, por parte dos produtores, deverá estar
condicionada a várias circunstâncias de natureza física, econômica, cultural,
social e política do ambiente externo e interno à propriedade, como pode ser
observado no esquema a seguir:
Somente o conhecimento desse elenco de fatores e das ações
integradas entre eles é capaz de oferecer uma visão global dos chamados
sistemas de produção presentes no espaço agrário.
No entanto, poucos ousam admitir que as tecnologias transferidas, via
pacotes tecnológicos, podem ser inapropriadas às circunstâncias dos agricultores
e às características estruturais das propriedades, isto é, do conjunto de fatores e
meios que influem na sua decisão sobre a adoção do modelo modernizante.
134
FIGURA 2 FATORES SOCIOECONÔMICOS E AGROECOLÓGICOS
FATORES SOCIOECONÔMICOS
INTERNOS EXTERNOS
FATORES AGROECOLÓGICOS
Fatores que determinam maiores incertezas na tomada de decisão Fonte baseada em Byerlee et al. (1980) In: MARTINI, G. E. & GARCIA, R. C., 1987, p.225
Metas do produtor alimento, renda, risco Restrição de recursos terra, trabalho, capital
Mercado Preços Insumos
Instituições pesquisa extensão crédito
Política Agrícola
Tecnologia para um
dado produto
Climáticos chuvas geadas
Biológicas pragas
doenças
Edáticos topografia fertilidade
SISTEMA DE PRODUÇÃO lavouras, criações, processos de
cultivo, rotações, mecanização, etc
135
O conhecimento da realidade local deve ser o ponto de partida na
adoção de qualquer tecnologia. Os tipos de solos da propriedade orientam o uso
diferenciado de maquinarias, fertilizantes e demais insumos químicos, enquanto
que o tamanho da propriedade define os recursos técnicos.
Esses pré-requisitos, quando não devidamente observados pelo
produtor, podem comprometer o desenvolvimento da agricultura no seu sentido
mais amplo.
O crescimento do volume da produção agrícola, resultante do uso de
técnicas, não pode ser confundido com desenvolvimento neste setor. O que
ocorre, na maioria dos casos, é a substituição dos fatores tradicionais por outros
que necessitam dispender grandes somas de capital, sem, com isso, alterar o
nível de vida dos produtores rurais. Da mesma forma, tem-se observado que os
avanços tecnológicos testados e aprovados nos experimentos do campo não têm
sido adequadamente transferidos para os agricultores, uma vez que os níveis de
produtividade não estão compatíveis com a tecnologia por eles empregada.
Apesar de ter se operado uma verdadeira "revolução tecnológica" no campo, o
aumento do volume de produção agrícola, normalmente, resulta da ampliação da
área cultivada, associada às condições climáticas favoráveis.
No caso brasileiro, até recentemente, os parâmetros oficiais de avaliação
do desempenho da agricultura se resumiam-se à produtividade e ao volume físico
e financeiro da produção global e das exportações. (Ver TABELA 4)
136
TABELA 4 RENDIMENTOS FÍSICOS NOS ESTABELECIMENTOS DE
ESTRATOS POR ÁREA SELECIONADOS, BRASIL – 1985
Estrato 20-100 Estrato 500-10000 Unidades
Algodão 1,1 1,0 ton/ha
Trigo 1,6 1,4 ton/ha
Cacau 0,6 0,5 ton/ha
Banana 918 890 cachos/ha
Leite 997 841 l/vaca ordenhada
Arroz 1,6 2,0 ton/ha
Batata Inglesa 9,4 13,1 ton/ha
Cana-de-Açúcar 53 65 ton/ha
Milho 1,5 1,8 ton/ha
Tomate 19 21 ton/ha
Café 1,3 1,8 ton/ha
Laranja 91 102 mil frut/ha
FONTE: Censo Agropecuário de 1985. In: FAO/INCRA, 1994, p.93.
Muitas vezes, a adoção da agricultura capitalista, baseada no incremento
do uso de insumos industriais (químicos e mecânicos), tem reduzido a eficiência
energética do setor agrícola e elevado os custos de produção.
Inovações tecnológicas: uso de insumos químicos
Sabe-se que a ciência contribui largamente no desenvolvimento de
técnicas agrícolas a serem aplicadas no ecossistema rural, a fim de incrementar a
sua produtividade. O progresso técnico é de caráter milenar e, ao longo do
tempo, vem ocorrendo seu aperfeiçoamento científico, uma vez que os fatores
naturais permanecem praticamente os mesmos.
137
A partir das décadas de 60 e 70, o Brasil passa a engajar-se
definitivamente na chamada "Revolução Verde", a qual se baseava no aumento
da produtividade agrícola, a partir de variedades de altos rendimentos e do uso
intensivo de insumos químicos, mecanização e irrigação. Os objetivos dessa
revolução na agricultura estavam em consonância com o cenário mundial desse
período, de crise no mercado de grãos alimentícios e de rápido crescimento
demográfico.
Todavia, apesar dos resultados obtidos com termos de produção de
alimentos e matérias-primas, há, na atualidade, um reconhecimento de que a
Revolução Verde trouxe também sérios problemas de eqüidade social e
sustentabilidade da produção agrícola a longo prazo.
A despeito disso, no bojo desse processo de transformação da
agricultura, a "Revolução Verde" surge como representante maior dos padrões
modernos de se cultivar a terra. Foram propostas inovações institucionais e
técnicas, voltadas para os países subdesenvolvidos. Esses programas técnicos,
financiados por instituições internacionais, visavam a transformar a produção
agrícola das áreas tropicais, através do emprego massivo de inovações químicas
e biológicas, principalmente.
A expansão da indústria química mundial é relativamente recente e a
produção de biocidas está ligada às experiências e uso de venenos como armas
de guerra, durante a Segunda Guerra Mundial. É apenas no final da década de
40, e especialmente na década de 50, que começa a generalizar-se a utilização
de produtos químicos sintéticos na agricultura, seja na fertilização do solo ou no
138
combate às pragas. Os praguicidas passam a ser introduzidos no Terceiro Mundo
quase ao mesmo tempo em que nas áreas produtoras (EUA, Europa, Japão), a
partir de intensas campanhas de divulgação.
A valorização das lavouras temperadas, de técnicas européias,
japonesas e americanas de manejo do solo e controle de pragas (animais e
vegetais), fizeram parte do modelo agroexportador, de caráter industrial,
implantado no Brasil. O apoio a essa transformação foi fornecido por assessorias
técnicas encaminhadas pelos governos dos países industrializados, a fim de
prestarem orientação nos países subdesenvolvidos. Surgem, assim, os cursos de
atualização para técnicos nacionais, cursos de extensão rural, atividades
experimentais, propostas de modernização dos currículos universitários,
organização de sistemas de crédito financeiro e, ainda, passam a serem
veiculados diversos instrumentos de promoção da agricultura moderna, através
dos meios de comunicação.
Nesse quadro, insere-se a reforma do sistema educacional brasileiro,
onde os cursos universitários ligados às Ciências Rurais vão enfatizar um tipo de
modelo alienígena à realidade da agricultura brasileira. O próprio ensino da
geografia reforçou a cópia do modelo, ao utilizar textos que descrevem os
modelos agrícolas dos países subdesenvolvidos, não tendo preocupação com
análises mais detalhadas e profundas das causas que conduziram a tais
diferenciações, nem com discussão dos efeitos sobre o ambiente e a população.
A pesquisa orientada segundo os paradigmas químicos e mecânicos, não
ponderou em profundidade as variáveis ecológicas, ciclos biogeoquímicos, os
139
equilíbrios biológicos, em um setor onde o componente biológico deve constituir-
se no paradigma primordial.
A utilização de fertilizantes químicos altamente solúveis, de forma
desbalanceada, resulta em elevadas perdas por volatização, lixiviação e
imobilização dos nutrientes no solo, e, associada à monocultura extensiva, acirra
os problemas sanitários vegetais. O uso indiscriminado de agrotóxicos em
ecossistemas naturalmente diversificados e de equilíbrio instável, acentua os
desequilíbrios biológicos e induz o surgimento de resistência de insetos,
patógenos e invasoras aos produtos químicos, a ressurgência e o aparecimento
de pragas secundárias, a contaminação ambiental dos alimentos e a intoxicação
dos trabalhadores rurais.
O ônus social desse fato aparece revelado já há alguns anos em
pesquisas feitas pela Organização Mundial de Saúde - OMS (1983), as quais
constataram dados equivalentes a um morto a cada hora e meia, por intoxicação.
Essa situação demonstra o despreparo da população na aplicação desses
insumos, a falta de orientação de pessoal especializado e a não-fiscalização no
uso de produtos químicos.
A poluição por praguicida é o exemplo mais notório de degradação do
meio, causada por práticas agrícolas concebidas para combater os efeitos do
desequilíbrio motivado pela excessiva simplificação do ecossistema agrícola.
Sabe-se também que, além da contaminação dos solos, das águas e dos
produtos alimentares, a utilização sistemática de praguicidas provoca reações de
defesa nos organismos que se quer controlar, reação que os torna cada vez mais
140
resistentes aos tratamentos. É preciso, então, aumentar as dosagens e/ou
introduzir novos produtos, numa corrida sem fim contra as reações da natureza.
3.4 A agroquímica e a produção familiar
No Brasil, a agroquímica surgiu na segunda metade da década de 50 e
início da de 60, como parte do processo de modernização da agricultura.
Embora os mecanismos governamentais visassem a atender as grandes
propriedades sob diferentes formas e em graus variados, as médias e pequenas
também aderiram ao progresso técnico. Não obstante os benefícios advindos
com a modernização da agricultura, surgiram muitos efeitos negativos para a
população rural e urbana.
A crescente utilização de adubos químicos e o uso sistemático de
agrotóxicos contribuiu para melhorar a produtividade, mas trouxe efeitos
indesejáveis ou nocivos ao agricultor e ao meio ambiente. Estudos realizados
sobre a agricultura revelam que o uso mundial de agrotóxicos aumentou com a
Revolução Verde, devido às exigências de tratamentos antiparasitários e à
propagação de variedades que se mostraram menos resistentes do que as
culturas primitivas, autóctones a cada ecossistema.
No tocante à definição de agrotóxicos, cabe ressaltar que este é um tema
de controvérsias nos debates sobre a agricultura moderna. Freqüentemente,
utiliza-se uma terminologia similar para designar esse tipo de insumo químico,
como, por exemplo, praguicidas, defensivos agrícolas, entre outros.
141
O Rio Grande do Sul, através da Lei 7.747, de 22/12/1982, define
agrotóxico da seguinte forma:
Agrotóxicos e outros biocidas são substâncias e/ou processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso do setor de produção, armazenamento e beneficiamento de alimentos, e à proteção de florestas nativas ou implantadas, bem como a outros ecossistemas e ambientes domésticos, urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja de alterar a constituição faunística e florística dos mesmos, a fim de preservá-los da ação danosa dos seres vivos considerados nocivos. (ALMEIDA e SOARES, 1992, p. 86)
No que se refere aos defensivos agrícolas, de acordo com Bull &
Hathaway (apud ALMEIDA & SOARES, 1992), esta é uma designação adotada
no começo dos anos 70 pelas entidades governamentais e pela indústria química
para referir-se aos agrotóxicos. O uso deste eufemismo omite, na acepção, as
características tóxicas dos produtos e a sua capacidade de agressão ao meio
ambiente e às pessoas envolvidas direta ou indiretamente na produção agrícola.
A complexidade que envolve os agrotóxicos — classificação toxicológica,
legislação, interesses comerciais e o nível cognitivo dos produtores — tem como
conseqüência a crescente percentagem de intoxicações, mortes e deformações
físicas na população.
Estima-se que cerca de 2% da população brasileira é contaminada
anualmente por agrotóxicos. E as deformações congênitas são relatadas por Bull
& Hathaway apud ALMEIDA e SOARES na seguinte passagem:
No sul do País, cresce o número de bebês que nascem sem cérebro (anencefalia) em áreas de intensa utilização de agrotóxicos ... (ALMEIDA e SOARES, 1992, p. 99)
142
E, mais adiante, afirma que:
Das 20 mulheres que trabalharam na safra de 1985, de fumo, no município de Pien, a 80km de Curitiba, 12 abortaram em conseqüência do uso indevido e excessivo de agrotóxicos. (ALMEIDA e SOARES, 1992, p.99)
Embora, na maioria dos casos, as pessoas estejam conscientes de que
os agrotóxicos são nocivos à saúde, provocando às vezes problemas graves para
os agricultores, essa relação é remota quando ocorre uma doença na família.
As intoxicações agudas, efeitos mais imediatos das aplicações dos
insumos químicos, são efetivamente atendidas em hospitais. Entretanto, o
número de ocorrências é pouco representativo diante do contingente de pessoas
envolvidas com o uso e manuseio de agrotóxicos. Isso leva a atribuir a
intoxicação à eventualidade, e principalmente nos casos crônicos, em que os
sintomas só aparecem a médio e longo prazo, a relação entre a exposição aos
agrotóxicos e as enfermidades parece ser ainda mais remota para os produtores
rurais.
Uma atividade relacionada diretamente à produção familiar e, sem
dúvida, consumidora de agrotóxicos em larga escala, é o cultivo do fumo.
Sabe-se que a fumicultura exige uma série de técnicas agronômicas,
uma vez que se destina, exclusivamente, ao processamento industrial, onde todo
receituário repassado pelas indústrias tem como objetivo garantir uma melhor
qualidade do fumo, compatível com os padrões exigidos pelo mercado
internacional.
143
De acordo com os receituários agronômicos das companhias fumageiras
e as notas fiscais dos produtores, é possível identificar aproximadamente 50 tipos
de agrotóxicos entre inseticidas, fungicidas e herbicidas, cujo grau de toxicidade
varia de pouco tóxico até altamente tóxico.
A utilização acentuada dos produtos químicos, associada à ausência de
preocupação do agricultor, vem provocando contaminação do ar, água e solo,
além de desequilibrar os vários ecossistemas.
Essa deterioração do ambiente natural tem sido acompanhada de um
correspondente aumento das patologias humanas (doenças crônicas e
degenerativas, distúrbios psicológicos, entre outras).
Segundo estudos feitos por bioquímicos do Rio Grande do Sul, as
intoxicações agudas ou crônicas com agrotóxicos podem causar dores de
cabeça, ansiedade, confusão mental, irritabilidade e depressão.14
Alguns cientistas gaúchos chegaram, inclusive, a considerar a ocorrência
de elevados índices de suicídio entre os produtores de fumo, como conseqüência
extrema dos estados de depressão registrados nas áreas de fumicultura.15
14
O bioquímico Carlos Alexandre Neto, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que os organo fosforados (agrotóxicos utilizados no cultivo do fumo) são inibidores de uma enzima chamada acetilcolinesterase, cuja função é degradar o neurotransmissor acetilcolina. Entre outras atribuições, esses neurotransmissor desempenha importante papel no controle dos estados afetivos. Segundo o pesquisador, na intoxicação crônica e, em pessoas geneticamente suscetíveis, existe a possibilidade de que se tornem portadoras de estados de depressão profunda. (REV. GLOBO CIÊNCIA, 1996) 15
Na bibliografia científica dedicada ao assunto, destaca-se um estudo realizado em 1976, pelo toxicologista argentino Emilio Astolfi, da Organização Mundial de Saúde, que atribuía ao emprego de agrotóxicos os altos índices de suicídios registrados no Chaco, a região fumageira do seu País. (REV. GLOBO CIÊNCIA, 1996)
144
O exemplo mais notório dessa tese polêmica é o município de Venâncio
Aires, no Vale do Rio Pardo, principal região produtora de fumo no Rio Grande do
Sul. Este município é recordista mundial de suicídios, pois em 1995 ocorreram
37,2 casos para cada 100 mil habitantes, contra os 8,1 do Estado do Rio Grande
do Sul e os 3,2 do Brasil.16
Os resultados das pesquisas sobre o assunto foram organizados em um
Relatório, entregue à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa
do Rio Grande do Sul, para ser encaminhado ao Ministério da Saúde.
Uma das principais dificuldades na realização de novos estudos que
mostrem objetivamente, através de pesquisa de campo, a relação entre o uso de
agrotóxicos e os casos de suicídio, tem sido a resistência dos representantes
políticos da região e dos próprios produtores de fumo, que temem o confronto
com as grandes empresas fumageiras.
Para os representantes da Associação Brasileira da Indústria do Fumo –
ABIFUMO e da Associação Nacional de Defensivos – ANDEF, essas denúncias
são apenas “mais uma campanha antitabagista liderada por ecologistas radicais”.
(CORREIO DO POVO, 1997)
Enquanto se espera por respostas conclusivas sobre o assunto e pela
adoção de medidas para impedir que os efeitos perversos dos agrotóxicos tomem
dimensões de verdadeiras “epidemias”, constata-se que os organofosforados
16
Os maiores índices de suicídios, em nível mundial, foram registrados na Hungria (em 1993), de 35,9 casos para cada 100 mil/hab.
145
continuam sendo utilizados em quantidades elevadas na lavoura de fumo do Rio
Grande do Sul.
Num cálculo aproximado, estima-se que são utilizados cerca de 30 kg por
hectare em cada safra. Quando há ocorrência de estiagem, como nas safras de
1995 e 1999, a quantidade de organofosforados chega a alcançar o patamar de
100 kg por hectare.
Ao lado disso, o mais alarmante quando se trata do consumo de
agrotóxicos, é a falta de uma legislação e controle adequados aos princípios de
proteção aos produtores e ao meio ambiente. Conforme alerta Sebastião
Pinheiro, agrônomo e ecologista do IBAMA / RS, o Governo Federal, através de
uma portaria do Ministério da Saúde (dez./1991), reclassificou os agrotóxicos
utilizados na fumicultura, passando quase todos da “faixa vermelha”
(extremamente tóxicos) para a “faixa azul” (medianamente tóxicos). Para agravar
ainda mais esse quadro, a mesma Portaria liberou as concentrações dos
ingredientes ativos, presentes nos produtos químicos, tornando-os ainda mais
potentes em graus de toxicidade.
Para o Presidente do Sindicato das Indústrias do Fumo – SINDIFUMO, o
que está faltando é um correto manuseio dos agrotóxicos nas lavouras. Para isso,
a indústria se propõe a implementar programas de conscientização, capacitação
e treinamento dos produtores. Segundo o SINDIFUMO, os técnicos das
empresas de fumo têm insistido com os produtores para que utilizem
corretamente os equipamentos, de forma a criarem hábitos. Os técnicos
ressaltam, no entanto, que há resistência por parte do fumicultor, em tomar os
146
cuidados necessários e, principalmente, em usar o Equipamento de Proteção
Individual (EPI). (CORREIO DO POVO, 13/10/97)
Sabe-se, porém, que a complexidade das instruções na aplicação dos
agrotóxicos, associada ao baixo nível educacional da população rural, contribui
para que as normas sobre a correta utilização dos produtos químicos não sejam
observadas pelos agricultores.
Por outro lado, o emprego de novas tecnologias e de produtos mais
eficazes estão oferecendo perspectivas de redução do uso de agrotóxicos na
lavoura de fumo.
Hainsi Gralow, Presidente da Associação dos Fumicultores Brasileiros –
AFUBRA, mostra-se otimista quando faz a seguinte afirmação:
A fumicultura brasileira tem assegurado aos compradores um produto limpo, isento de defensivos agrícolas. Uma vez que, potencialmente, vendemos para todos os países, temos que nos sujeitar à legislação em vigor junto aos diferentes mercados. Por isso, defensivos largamente utilizados nas lavouras de fumo de outros países, são proibidos no Brasil. Este controle é possível porque todo o abastecimento é feito pelas próprias empresas, ao contrário dos países concorrentes, onde cada produtor opta pelo defensivo que entender melhor. (ETGES, 1991, p.136)
As informações divulgadas pelo Sindicato da Indústria do Fumo – SINDI-
FUMO, apontam na mesma direção, ou seja, asseguram que o uso de
agrotóxicos nas lavouras de fumo vem caindo.
Em pesquisa realizada no município de Santa Cruz do Sul-RS, foi
observado que, num período de 10 anos, eram utilizados cerca de 100kg do
147
produto comercial por hectare, o que significa 26kg de princípio ativo (agrotóxico
puro). O número hoje caiu para cerca de 6kg de ativo por hectare e a previsão é
de que, nos próximos 3 anos, a quantidade de ingrediente ativo se reduza para
1,7kg por hectare. (CORREIO DO POVO, 06/04/1997)
O presidente do SINDIFUMO, Hélio Fensterseifer, garantiu que o setor
investirá anualmente US$ 5 milhões em pesquisas para o desenvolvimento de
variedades de tabaco resistentes a pragas e doenças, agentes de controle
biológico e técnicas de controle alternativo. Segundo ele, isso poderá mudar
significativamente o perfil da fumicultura do País nos próximos anos.
Além de estratégias imediatas, como o treinamento dos técnicos das
fumageiras que atuam junto aos produtores, e a capacitação dos próprios
fumicultores para o manuseio de insumos químicos, já existe um projeto que
prevê lavouras de fumo sem agrotóxicos. O município de Santa Cruz do Sul-RS
será pioneiro na instalação de áreas para cultivo demonstrativo. O projeto prevê
testes de 5 mil pés de fumo por famílias iniciantes na cultura, e de até 50 mil pés
para os produtores experientes.
O “float” é outra das novas tecnologias que permite menor uso de
agrotóxicos na fumicultura. O sistema consiste na produção de mudas sob
cobertura plástica, com substrato em bandejas flutuantes em uma lâmina de
água. A principal vantagem dessa técnica é a redução no uso de brometo de
metila.17
17
Esse produto é um gás volátil aplicado na esterilização dos canteiros de fumo. Além de altamente tóxico aos seres humanos, é prejudicial à camada de ozônio, tanto que terá seu uso proibido a partir de 2005. (REV. CIÊNCIA E AMBIENTE, 1994)
148
Outra novidade na questão dos agrotóxicos é apresentada por um
engenheiro agrônomo da AFUBRA, o qual informa que, mesmo nas lavouras as
quais usam produtos químicos, estes não são mais aplicados na área total, mas
colocados “planta a planta”, diminuindo a agressão ao meio ambiente e os
possíveis riscos de contaminação do aplicador. (JORNAL ZERO HORA, dez.
1999)
Sem dúvida, estão ocorrendo avanços na questão da redução dos
agrotóxicos, mas sabe-se que a maior parte da produção de fumo, entre os
produtores familiares do Rio Grande do Sul, registra elevado consumo destes
produtos nas lavouras.
A polêmica entre o uso de agrotóxicos e o seu abandono gera uma visão
deturpada do problema, de acordo com BULL e HATAWAY,
... implica que, no caso do uso dos pesticidas, a saúde e a segurança encontram-se essencialmente em oposição à produção agrícola e que o objetivo da política seria equilibrar de alguma maneira esses interesses opostos. (...) na verdade, a saúde, a segurança e a produtividade estão do mesmo lado, cada qual tendendo a reforçar as outras. (BULL e HATAWAY, apud ALMEIDA e SOARES, 1992, p. 103)
Sem dúvida, estudos e reflexões sobre o uso de agrotóxicos devem
continuar, a fim de orientar as políticas voltadas ao setor rural. Mas, sobretudo,
ações concretas devem ser urgentemente implementadas para conscientizar a
população rural sobre os perigos provenientes do uso desses produtos.
A atitude em relação à ação cumulativa dos agrotóxicos é reflexo da
racionalidade pragmática e imediatista da maior parte dos agricultores, quando se
trata de lidar com a tecnologia.
149
Segundo ALMEIDA e SOARES (1992), os produtores mais idosos, que
vêm trabalhando há mais tempo com os agrotóxicos sem utilizar as proteções
indicadas, duvidam de que estes produtos sejam de fato tóxicos para o homem.
Os mais jovens, com base na experiência dos mais idosos, não dão crédito à
possibilidade de serem intoxicados ao manusearem, sem proteção, os
agrotóxicos. Isso demonstra que o produtor assimila não só os efeitos positivos
decorrentes do uso da tecnologia (produção, produtividade, venda), mas também
aceita seus efeitos perversos, tais como as ameaças à saúde e ao meio
ambiente.
Em vista disso, políticas que visem à educação e à conscientização do
produtor rural para as práticas com os insumos químicos são imprescindíveis
para se minimizar ou, até mesmo, evitar conseqüências nefastas para o homem e
desastrosas para o meio ambiente.
Estes foram alguns casos em que se podem constatar as conseqüências
advindas da agroquímica. As perspectivas colocadas diante dessa realidade,
passam pela formulação de propostas de novas bases tecnológicas para a
agricultura, fundamentadas em métodos naturais de produção, adequadas a cada
realidade edafoclimática.
Cabe ressaltar que, nas análises mais profundas sobre a agricultura, as
preocupações ambientais não se resumem à contaminação química do meio
ambiente, como resultado da atividade agrícola, mas também à garantia de
manutenção da capacidade produtiva (sustentabilidade) da sua base de recursos
naturais.
150
Os debates atuais têm formulado e ampliado a idéia já consagrada de
desenvolvimento econômico, através da incorporação da noção de
sustentabilidade, dando ênfase às questões sociais e à preservação ambiental.
Sem dúvida, o meio ambiente ainda estabelece uma relação estreita com
a produção agrícola, apesar dos grandes avanços tecnológicos. Dessa forma, os
objetivos de sustentabilidade do meio ambiente rural estão associados ao
objetivo de sustentabilidade da produção agrícola. O desafio decorrente dessa
relação reside em conciliar produção agrícola, tecnologia e proteção ambiental.
IV DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DISCUSSÃO
DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS
A consciência da grande carência de modelos é a condição preliminar de todo o progresso político e social na idéia de desenvolvimento. (MORIN, E. apud ALMEIDA, J. e NAVAR-RO, Z., 1997, p. 7)
Diante da crise ambiental provocada pelo modelo agrícola implantado
no mundo a partir das décadas de 50 e 60, muitos cientistas, governos,
organizações não-governamentais e parte da população consciente encon-
tram-se preocupados em encontrar alternativas de desenvolvimento que
propiciem ao meio ambiente a sua preservação e recuperação gradual e
sistemática, tendo em vista a sustentabilidade da vida humana na Terra.
Na atualidade, impõe-se a busca de sustentabilidade da produção a
longo prazo, sem ameaçar as condições socioeconômicas da população, o que
significa compreender, entre outros aspectos, a dinâmica dos ciclos da matéria
e energia, pilares da produtividade ecológica.
152
Nas palavras de GLICO:
Conforme a una definición estrictamente ecológica, la sustentabilidad es la capacidad de un sistema (o un ecossistema) de mantener constante su estado em el tiempo. Esto se logra ya sea manteniendo invariables los parámetros de volumen, tasas de cambio y circulación, ya sea flutúandolos cíclicamente em torno a valores promedios. (GLICO, 1994, p. 40)
De acordo com a Sociedade Internacional de Economia Ecológica, a
sustentabilidade é uma relação entre sistemas dinâmicos, econômicos e
ecológicos, orientada pelos requisitos de que a vida humana possa evoluir; de
que as culturas possam se desenvolver; e de que os efeitos das atividades
humanas permaneçam dentro dos limites que impeçam a destruição da
diversidade e da complexidade do contexto ambiental.
A partir do início da década de 80, aparece pela primeira vez em um
documento de grande alcance, o “World Conservation Strategy”, a idéia de
sustentabilidade, ou de suas variantes, como o crescimento sustentável e o
desenvolvimento sustentável, percebidas em diferentes contextos econômico-
sociais e ambientais.
Nesse sentido, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD) tem contribuído para construir e divulgar o conceito
de desenvolvimento sustentável. A CMMAD define desenvolvimento
sustentável como o conjunto de ações que promovam a satisfação das
necessidades das gerações presentes, sem comprometer as possibilidades de
as futuras gerações satisfazerem suas necessidades. (KITAMURA, 1993)
153
A contribuição mais importante que este conceito apresenta é o
reconhecimento da existência de um processo de causação cumulativa entre
as condições de vida, a degradação ambiental e o subdesenvolvimento. Nesse
sentido, será preciso romper com as restrições que as populações possuem em
termos de produção, especialmente terra, recursos financeiros e assistência
técnica, de modo a permitir o desenvolvimento de estratégias e projetos que
envolvam a sustentabilidade, tanto social quanto econômica e também
ecológica.
Após a divulgação do relatório da CMMAD – também conhecido como
Relatório Brundtland –, generalizam-se em todo o mundo, inclusive no Brasil,
posições favoráveis à adoção de estratégias visando ao desenvolvimento
sustentável. Na medida em que a adoção deste conceito traz a oportunidade de
conciliar os objetivos de crescimento econômico com as questões sociais e de
preservação ambiental, os governos passaram a colocar a sustentabilidade na
ordem do dia dos seus programas de desenvolvimento.
Para SACHS, qualquer plano de desenvolvimento sustentável deveria
levar em consideração cinco aspectos de viabilidade, resumidos por
BRINCKMANN (1995) da seguinte forma:
1º) viabilidade social, cujo objetivo é o de constituir uma civilização
caracterizada por uma maior justiça na repartição das riquezas e das vendas,
tendo como meta principal a redução da distância no nível de vida entre os
providos e os desprovidos;
154
2º) viabilidade econômica, tornada possível pela repartição e pela
gestão mais eficiente dos recursos e por um fluxo regular de investimentos
públicos e privados;
3º) viabilidade ecológica, que poderia ser melhorada adotando-se as
seguintes medidas: aumentar a capacidade de carga da nave Terra; limitar o
uso de combustíveis fósseis; incitar os ricos a limitar o consumo de bens
materiais; intensificar as pesquisas em tecnologias que assegurem um bom
rendimento de recursos; definir regras de proteção ao meio ambiente;
4º) a viabilidade espacial, que deveria ter como objetivo conseguir um
melhor equilíbrio entre cidade e campo, e uma melhor repartição populacional
da atividade econômica sobre o território. Os objetivos principais seriam cessar
a destruição predatória dos ecossistemas, promovendo o emprego de métodos
modernos de agricultura e de agroflorestamento regenerativo para produtores
familiares, fornecendo, principalmente, módulos técnicos apropriados e
possibilidades de crédito e de acesso aos mercados;
5º) viabilidade cultural que implica a pesquisa das raízes endógenas
dos modelos de modernização e dos sistemas agrícolas integrados, assim
como dos processos que buscam mudanças na continuidade cultural, e
tradução dos conceitos normativos de ecodesenvolvimento em uma pluralidade
de soluções locais específicas para cada ecossistema, cada cultura e cada
situação.
GLICO confirma a relevância desse conjunto de elementos normativos
dos planos de desenvolvimento, quando afirma que:
155
Passar de la definición de sustentabilidad ecológica a la sustentabilidad ambiental no es una sutiliza. Todo lo contrario significa incorporar plenamente a problemática relación entre la sociedad y la naturaleza. La sustentabilidad ambiental de las estratégias de desarrollo debe incorporar conceptos temporales, tecnológi-cos y financieros. (GLICO, 1994, p.41)
A exigência de um desenvolvimento sustentável frente aos
desequilíbrios do mundo moderno, principalmente nos países de Terceiro
Mundo, desencadeou uma discussão ampla desse assunto, o que, aos poucos,
levou a uma mudança de paradigma: não são mais a tecnologia e a produção o
centro de alvos abstratos da política desenvolvimentista; ao contrário, espera-
se que as pessoas atingidas identifiquem seus próprios problemas e elaborem
por si mesmas soluções técnicas e institucionais, para promover um
desenvolvimento que seja sustentável.
Essas propostas ganharam estímulos consideráveis por parte de
organizações não-governamentais (ONG’s) preocupadas em rever o conceito
de desenvolvimento econômico, o qual deve ter seu conteúdo enriquecido
pelas dimensões socioculturais e políticas para poder expressar a complexa
reciprocidade entre o indivíduo e a comunidade, num dado ambiente ecológico.
A Conferência do Rio 92 identificou, com clareza, a relevância
ambiental em relação aos desejos racionais e uso dos recursos naturais.
Depois desse evento, a discussão sobre a sustentabilidade obteve maior
alcance de público, mesmo na Europa, podendo ser vista como continuação do
já generalizado trato com assuntos de meio ambiente. Também a Conferência
156
do Cairo, em 1994, mesmo que para discutir questões demográficas,
relacionou-se indiretamente com a disponibilidade e uso dos recursos naturais.
De forma geral, pode-se observar que os conceitos que trazem a idéia
de sustentabilidade incluem, dependendo do seu alcance, de forma explícita ou
implícita, os seguintes aspectos: a) uma visão antropocêntrica do uso e manejo
dos recursos naturais e do meio ambiente; b) o planeta Terra como suporte da
vida humana; c) a manutenção, a longo prazo, do estoque de recursos
biofísicos e da produtividade dos ecossistemas; d) a estabilidade das
populações humanas; e) um crescimento relativamente limitado das
economias; f) a manutenção permanente da qualidade dos ecossistemas e do
meio ambiente; g) a ênfase à pequena escala para a autodeterminação das
comunidades em relação ao uso e manejo dos recursos naturais; h) a eqüidade
inter e intrageracional no acesso e uso dos recursos naturais.
Em síntese, a discussão em torno da sustentabilidade é ampla e
complexa, uma vez que se refere à realidade social em seu conteúdo integral,
cuja análise deve partir de um ponto de vista crítico das relações entre
produção e consumo.
4.1 Desenvolvimento econômico versus Desenvolvimento sustentável
A partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, os problemas
ecológicos assumem relevância na proposição de modelos de
desenvolvimento. Num primeiro momento, os aspectos econômicos e
157
ecológicos aparecem como antagônicos, porém, enfoques mais complexos
tendem a superar essa divergência.
Para SACHS (1986), a crise de desenvolvimento que hoje conhecemos
é essencialmente uma crise de crescimento mimético. Refazer, no Terceiro
Mundo, o caminho percorrido antes pelos países hoje industrializados,
resultará, na melhor das hipóteses, em recriar a sociedade industrial ocidental
para uma minoria, assegurada às custas da marginalização das massas pobres
do campo e da cidade. SACHS afirma que a crise atual não se absorverá por
uma fuga para diante, consistindo em produzir ‘mais a mesma coisa’, ou seja,
repetindo o passado. (SACHS, I., 1986, p. 23)
Diante desse axioma, passa-se a repensar os modelos de
desenvolvimento adotados pelo chamado Terceiro Mundo, especificamente na
América Latina, onde se encontra o Brasil. Não há dúvida de que é hora de
revisões dilacerantes, de uma avaliação crítica dos projetos de civilização, de
explicação das escolhas axiológicas, presentes nas metas dos planos
econômicos, de procura de estilos de vida diferentes, de desenvolvimento
endógeno e não mimético, voltado para a satisfação das necessidades reais da
sociedade e realizando, em harmonia com a natureza, uma verdadeira
simbiose entre homem e meio ambiente.
O desenvolvimento é, pois, menos o domínio da natureza (se bem que
esse domínio seja, até certo ponto, uma condição necessária) e mais um
processo de criação de valores, portanto, de avanço na racionalidade
158
substantiva a respeito dos fins desejados no processo de reprodução social
presentes em qualquer sociedade.
Como assegura FURTADO:
A visão que tenho do desenvolvimento é a de um processo criativo, de invenção da História pelos homens, em contraste com o quadro mimético e repetitivo de que são prisioneiras as sociedades dependentes. Em nossa civilização, o processo de desenvolvimento se faz com crescente ampliação da base material da cultura e também com enriquecimento do horizonte de expectativas do ser humano. Desenvolver-se é ascender na escala de realização das potencialidades dos homens como indivíduos e como coletividade. (FURTADO, C., 1984, p. 63)
Durante três séculos, a economia brasileira baseara-se na exploração
extensiva de recursos naturais, em grande parte não-renováveis: da exploração
florestal dos seus primórdios, até a grande fase da mineração, passando pelo
uso dos solos nos vários “ciclos” de monocultura agrícola. Com efeito, por
muito tempo o Brasil foi um caso exemplar do que hoje se conhece como
desenvolvimento não-sustentável.
O que veio a chamar-se desenvolvimento econômico, no Brasil, traduz
a expansão de um mercado interno que se revelou através da enorme
potencialidade natural do país. Longe de ser simples continuação da economia
primária e exportadora, que herdamos da era colonial, a industrialização
assumiu a forma de construção de um sistema econômico-produtivo apoiado
na assimilação de avanços tecnológicos e na acumulação de capital, que
ocorreram nas fases anteriores. O modelo de desenvolvimento industrial
baseou suas atividades na concentração de riqueza, na exclusão social (sabe-
se que uma grande parcela da humanidade se submete a diversas formas de
159
penúria, inclusive a fome) e no progressivo empobrecimento da biosfera. Ou
seja,
Geramos padrões de crescimento que se traduzem pela incorporação predatória de recursos naturais no fluxo da renda, o que significa descapitalizar a natureza. E porque ao mesmo tempo ainda geramos poluições, ou seja, tudo se passa como se o sistema de produção atual fosse um sistema de produção de riqueza, que se acompanha da reprodução ampliada da pobreza e da exclusão social, em nível da sociedade, e pela degradação ambiental. (SACHS, I., 1996, p. 10)
Chamar essa conjuntura de desenvolvimento é talvez inadequado, por
isso muitos estudiosos chamaram de “crescimento perverso” ou “mau
desenvolvimento”. O que está certo dizer, diante disso, é que crescimento
econômico não é sinônimo de desenvolvimento. Portanto, é necessário passar
a um outro paradigma de desenvolvimento.
O desafio que se coloca no limiar do século é nada menos do que
mudar o curso da civilização, deslocar o seu eixo de lógica dos meios a serviço
da acumulação num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em
função do bem-estar social e econômico dos povos, e da cooperação destes
com o meio ambiente.
Os novos parâmetros, portanto, são de caráter social-ecológico e não
basicamente econômico, como se observa no decorrer do desenvolvimento
capitalista. A busca de novos modelos de desenvolvimento, voltados para a
economia dos recursos não-renováveis e para a redução do desperdício,
ocupará um espaço significativo nas economias dos países latino-americanos,
nas próximas décadas. Essas mudanças na mentalidade coletiva dos povos e
160
de seus governantes passarão pela incorporação de novas utopias sociais. Nas
palavras de FURTADO,
Equivoca-se quem imagina que já não existe espaço para a utopia. Ao contrário do que profetizou MARX, a administração das coisas será mais e mais substituída pelo governo criativo dos homens. (FURTADO, C. 1998, p.33)
Dentro de uma perspectiva econômica, o desenvolvimento traz consigo
a idéia de crescimento econômico, onde a tecnologia deve incrementar as
atividades produtivas, transformando os recursos naturais por processos de
trabalho assimiláveis pelos produtores, tendo como critério de eficiência a
produtividade máxima. Os índices de produtividade, nesse caso, são obtidos
mediante a combinação de recursos ecológicos, tecnológicos e sociais.
Dessa forma, o instrumental conceitual e metodológico da teoria
econômica é insuficiente na abordagem de uma proposta de desenvolvimento
sustentável, onde os princípios de ecologia devem ser incorporados às
análises.
Sabe-se que, enquanto a ecologia busca um modo de vida sustentável,
a economia busca incrementar a produção de bens e serviços, na qual o
agente quer maximizar ganhos. Nesta lógica, os investimentos financeiros
devem priorizar as atividades com menores custos e maiores benefícios. No
entanto, o esgotamento dos recursos naturais e a poluição ambiental têm sido
itens ausentes da contabilidade dos custos econômicos.
Para os economistas, a natureza, além de ser considerada infinita,
carece de valor de mercado porque não é produto do trabalho humano, sendo
161
este um ponto comum entre os economistas clássicos e marxistas. A natureza
segundo MARX, deve ser dominada, transformada e colocada a serviço das
necessidades humanas. A ciência econômica tem-se negado a reconhecer os
limites naturais a partir de uma perspectiva diferente.
Conforme KAUTSKY,
Os meios de produção criados pelo trabalho humano se desgastam física e moralmente; moralmente se desgastam por novas descobertas e cedo ou tarde deixam de existir. Precisam ser constantemente renovados. O solo, ao contrário, é indestrutível e eterno – ao menos em relação à sociedade humana.”(KAUTSKY, K., 1980, p. 102)
MÉRICO (1996) lembra que os economistas clássicos (MARX,
RICARDO, MALTHUS) consideram a renda econômica como sendo o retorno
de três tipos de ativos: terra (recursos naturais), trabalho (recursos humanos) e
capital. Já os economistas neoclássicos retiraram os recursos naturais de seus
modelos e se concentraram em trabalho e capital. Quando essas teorias foram
aplicadas no Terceiro Mundo, depois da II Guerra Mundial, os recursos
humanos foram também deixados de lado, já que eram sempre excedentes, e o
desenvolvimento econômico passou a ser definido pela capacidade de
poupança e investimentos. Não é, portanto, difícil de entender por que a ciência
econômica passou a cometer uma série de equívocos na forma como analisou
e definiu o desenvolvimento, neles incluída a inexistência de contabilidade dos
recursos naturais.
Com base no trabalho de MÉRICO (1996), no cerne do novo
paradigma econômico-ambiental, colocam-se dois aspectos centrais:
162
– primeiro, a escassez dos recursos naturais e dos serviços ambientais
encontra-se em níveis elevados, constituindo ameaça à continuidade do padrão
de crescimento até aqui observado;
– segundo, um novo padrão, então, deve ser incentivado, por meio do
estabelecimento de novos preços relativos destes recursos naturais e serviços
ambientais.
É justamente nesse sentido que as análises têm procurado avançar,
incorporando a relação entre economia e ecologia, e, dessa forma, contabilizar
os custos da degradação ambiental e do consumo ilimitado dos recursos
naturais nos processos produtivos.
Essas vertentes da ciência econômica podem ser sintetizadas pela
chamada Economia de Recursos Naturais, bastante difundida nas décadas de
60 e 70, que tinha a sua ênfase na forma de utilização dos recursos naturais.
Seu principal objetivo era promover o desenvolvimento através do uso “ótimo”
dos recursos renováveis e não-renováveis. Percebeu-se, porém, que esse tipo
de exploração significava apenas maior retorno financeiro com menor custo,
não evitando a degradação ambiental e podendo levar os recursos naturais à
completa extinção.
Outra forma de análise que abordou questões relacionadas ao
ambiente natural, nas estruturas e modelos econômicos, foi a chamada
Economia Ambiental. Esta vertente alcançou grande destaque na década de 80
e teve sua ênfase voltada à questão da poluição. Nesse caso, os estudos
tratam a poluição como uma externalidade do processo de produção e
163
consumo, ou seja, uma falha dos mecanismos de mercado, cujos custos
ambientais podem ser incorporados aos preços dos produtos.
Mais recentemente, uma nova abordagem chamada de Economia
Ecológica propôs uma evolução das formas de análises do uso de recursos
naturais e as externalidades do processo produtivo, enfatizando e estendendo
o uso sustentável das funções ambientais; da mesma forma, avaliando a
capacidade de os ecossistemas suportarem a carga imposta pelos processos
econômicos, e considerando apropriadamente custos e benefícios da expansão
da atividade humana18.
Ainda que as análises apresentadas tenha se situado na interface entre
sociedade e natureza, não se mostraram suficientes para produzir uma ampla
introdução do ambiente natural na análise econômica, dado que não discute
em escala adequada o contínuo desenvolvimento das atividades econômicas
em relação aos ecossistemas, à própria bioesfera e, em última análise, em
relação às gerações futuras que habitarão o planeta.
MÉRICO mostra-se reticente quanto às análises da ciência econômica
diante das discussões atuais sobre desenvolvimento:
Não obstante esses esforços, a economia ainda se parece com uma grande máquina destinada a aumentar o consumo; e faz isso até independentemente da sociedade a que pertence, de suas aspirações e necessidades. Com a dimensão econômica colocada em primeiríssimo plano, não nos deve surpreender que uma forte característica do mundo atual seja a destruição de valores ecológicos, éticos e sociais. (MÉRICO, L.F.K., 1996, p. 15)
18
A leitura de MÉRICO, L. F. K. Introdução à Economia Ecológica. Blumenau: Ed. da FURB, 1996, fornece uma abordagem bastante esclarecedora sobre as vertentes da Ciência Econômica que tratam sobre os temas ambientais.
164
Se o instrumental conceitual e metodológico das teorias econômicas foi
considerado insuficiente na abordagem dos problemas do meio ambiente,
novas tentativas de aproximação entre economia, sociedade e natureza, vêm
sendo elaboradas, como mostram os estudos feitos por GÓMEZ (1996), que o
levaram a elaborar uma economia política do desenvolvimento sustentável.
Para a compreensão dessa orientação, entretanto, é necessário
primeiro o reconhecimento de que algo está errado: que as presentes políticas
econômicas não mais respondem aos desafios deste novo momento histórico,
no qual os limites da bioesfera foram encontrados e, em vários casos,
ultrapassados, provocando rupturas. As evidências econômicas e ecológicas
desses fatos precisam ser consideradas em profundidade, nas tomadas de
decisões.
Também é necessário o reconhecimento de que grande parte dos
problemas enfrentados pela humanidade estão hoje interligados: a queda da
produtividade econômica, queda da qualidade de vida e degradação ambiental
possuem vínculos muito estreitos.
Esta interação dos elementos que sustentam o processo de
desenvolvimento, pode ser resumida da seguinte forma:
– Qualidade ambiental e desenvolvimento econômico estão ligados, e o
meio ambiente e a economia devem estar integrados desde o início dos
processos de formulação de decisões, tanto dos indivíduos, como dos grupos
econômicos e, também, do Estado.
165
– Problemas ambientais e econômicos estão relacionados a muitos
fatores sociais e políticos. Por exemplo, o rápido crescimento populacional
causa um profundo efeito no desenvolvimento e no meio ambiente.
– Ecossistemas, poluição e fatores econômicos não respeitam
fronteiras nacionais, tornando imprescindível a cooperação regional, e até
mesmo internacional.
A percepção dessas relações explicitou a conveniência de que se
observem globalmente os sistemas econômicos e, em particular, os efeitos de
sua integração em escala planetária, o que torna clara a relação entre os fins e
os meios.
Reconhece-se, então, que o atual sistema econômico, baseado no
mercado e em uma ineficiente intervenção do Estado, é, em essência,
contraditório com a necessidade de conseguir equilíbrio entre o
desenvolvimento econômico-social e a reprodução e conservação dos recursos
naturais. Como esclarece TRIGO,
A situação atual de deterioração dos recursos não resulta da perversidade de setores individuais da sociedade, e sim do fracasso do mercado em fornecer os índices adequados para o acionamento correto dos agentes econômicos e da ineficiência do Estado em programar e implementar intervenções que corrijam a situação. (TRIGO, apud GÓMEZ, H., 1996, p. 149)
Os princípios da economia clássica supõem uma disponibilidade
ilimitada de recursos naturais e incentivam a sua exploração indiscriminada.
Portanto, as regras das economias de mercado não contemplam o
166
estabelecimento de critérios e mecanismos reguladores do manejo dos
recursos naturais.
Igualmente, as intervenções do Estado não têm se mostrado eficientes
na proteção do meio ambiente, cujas políticas de desenvolvimento global
deveriam estar voltadas para o ajustamento dos setores produtivos de bens e
serviços de forma harmônica e integrada com o bem-estar social e com a
preservação dos recursos naturais. Este é um dos complicadores no momento
em que são elaborados e institucionalizados os pacotes de políticas públicas,
nos quais é imperativo fazer coincidir o critério de rentabilidade econômica com
os critérios de eficiência social e ambiental.
FURTADO expressa sua idéia sobre esse impasse de forma mais
abrangente quando declara que
não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo que tome nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de autodestruição. Que possamos encarar esse desafio é indicação de que ainda temos a possibilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E, somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas. (FURTADO, C., 1998, p.67)
Deve-se lutar para que esta seja a tarefa maior dentre as que
preocuparão os homens no decorrer do próximo século: estabelecer novas
prioridades para a ação política, em função de uma nova concepção do
desenvolvimento, posta ao alcance de todos os povos e capaz de preservar o
equilíbrio ecológico.
167
A proposta, considerada de vanguarda, de responsabilidade dos países
industrializados do Primeiro Mundo sobre a destruição do patrimônio comum da
humanidade(constituído pelos recursos naturais e pela herança cultural), indica,
na verdade, um forte reducionismo da questão ambiental, ao apresentar a visão
de que os desequilíbrios ambientais causados pelo desenvolvimento capitalista
podem ser reduzidos a um valor monetário (impostos, preços).
Na própria Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, correntes de
ambientalistas defenderam a tese de que existe uma “fatura ecológica” a ser
paga pelos países que, ocupando posições de poder, se beneficiaram da
formidável destruição de recursos não-renováveis a elevados custos, a fim de
manterem o estilo de vida das populações ricas e de sustentarem o modo de
desenvolvimento difundido em todo o mundo pelas empresas capitalistas.
Porém, as ferramentas de análises do desenvolvimento econômico não
são adequadas para resolver os problemas de destruição ambiental e de
eqüidade social.
Segundo GÓMEZ (1996) existem, sob o enfoque da Ciência
Econômica, duas formas de entender as contradições de desenvolvimento
econômico, bem-estar social e preservação da natureza.
A primeira, considerada “otimista”, pensa ser possível aperfeiçoar a
teoria econômica para dar conta desse novo desafio. Os defensores dessa tese
reduzem a questão ambiental ao desequilíbrio na alocação de recursos e
afirmam que isso pode ser resolvido através da taxação desses recursos.
168
Acreditam que, incorporando o custo o qual a atividade empresarial inflige à
natureza, se estabeleceria o equilíbrio entre o “ótimo individual” e o “ótimo
coletivo”.
Assim, a determinação monetária dos elementos do meio ambiente
constitui o único caminho possível para que se alcance um desempenho
eficiente das empresas e um planejamento eficaz do Estado.
Dessa forma, o lucro continuaria a ser a alavanca do desenvolvimento,
preservando o mercado como mecanismo regulador.
Neste cenário, as restrições ambientais impostas pelo mercado externo
constituiriam barreiras no comércio internacional e poderiam transformar-se em
poderoso instrumento de competição.
BECKER confirma que esse é um processo irreversível dentro da
globalização da economia:
Esse novo padrão ambiental que se desenha e se avizinha desde fora, através de restrições ambientais crescentes a processos e produtos, compondo verdadeiras barreiras à entrada em determinados mercados, principalmente da Europa, eliminará quaisquer vantagens comparativas de determinados processos produtivos e de produtos de muitas regiões produtoras, distribuídas por esse mundo afora? (BECKER, O., 1996, p. 109)
A segunda forma de análise, considerada “pessimista”, afirma que o
pensamento econômico de desenvolvimento não será capaz de incorporar, no
seu arcabouço teórico e pragmático, a preocupação ambiental.
Questiona-se a validade de preservar os recursos naturais a partir da
determinação de preços sobre a degradação ambiental.
169
E pergunta-se: como calcular o preço da erosão dos solos e da
contaminação dos rios? do desmatamento e da extinção da fauna? Isso sem
falar nas conseqüências sobre a saúde da população.
A preocupação central dos “pessimistas” está em avaliar o grau de
irreversibilidade dos processos de destruição da natureza. Como diz VEIGA
reduzir os desgastes ambientais a simples custas de reposição, ou tentar estimá-los por meio de preços fictícios que lhes atribuem as sondagens, equivale a deixar de lado o essencial, uma vez que se trata de estragos nos mecanismos que asseguram a reprodução da biosfera. O fim de uma floresta, de um mar, ou de uma espécie, não é apenas o desaparecimento de um eventual valor mercantil, mas, sobretudo, o fim de determinadas funções em um meio natural. (VEIGA, apud GÓMEZ, H., 1996, p. 152)
Nos últimos anos, tem-se intensificado o debate pela sustentabilidade
do desenvolvimento econômico e social por parte de intelectuais das mais
diversas áreas do conhecimento (Economia, Biologia, Sociologia, Geografia,
entre outras). Entretanto, o ponto predominante em todas as análises é em
relação à busca de um modelo de desenvolvimento econômico e social que
esteja em harmonia com a natureza, permitindo a sustentabilidade e a vida das
gerações futuras, ou seja, um desenvolvimento global, que nos anos 70 e 80
ficou conhecido como ECODESENVOLVIMENTO.
4.2 - Princípios sobre ecodesenvolvimento: a visão de IGNACY SACHS
Espaço à criatividade e a consciência do possível. No nível teórico, abandono de veleidades e sofismas, estudando-se a realidade no maior número de suas facetas e de suas dimensões. (SACHS, I., 1986, p. 11)
170
Eis um resumo da trajetória de SACHS, o qual tem-se dedicado a
estabelecer uma concepção alternativa de desenvolvimento para a sociedade
atual.
A obra de SACHS, voltada desde o início para a interação
socioeconômica, vem-se aprofundando numa reconceptualização das teorias
de desenvolvimento que entraram em crise há três décadas, juntamente com a
crise do próprio desenvolvimento. Suas contribuições fecundas insistem na
busca de uma abordagem interdisciplinar, na qual se unam elementos de
economia, sociologia, antropologia e ecologia. E, graças à larga vivência que
teve com o Terceiro Mundo, esse socioeconomista encontrou uma posição
firme para poder transformar de imediato a crítica em indicações para a ação
possível.
Em síntese, pode-se dizer que SACHS definiu estratégias de
mudanças na relação homem e meio, apresentando suas idéias tanto contra o
crescimento econômico desenfreado do “capitalismo selvagem”, como contra
as atitudes radicais de um ecologismo abusivo.
A proposta de alternativas para um desenvolvimento socioeconômico
prevê um caminho de transição para, a longo prazo, minimizar a dilapidação
dos recursos não-renováveis e reorientar o aproveitamento dos recursos
renováveis. Assim, poderá garantir-se um desenvolvimento econômico cujo
produto terá uma utilização social eqüitativa, aliada a uma preocupação
ecologicamente consciente e sustentável.
171
Os princípios básicos do ecodesenvolvimento formulados por SACHS,
podem ser resumidos da seguinte forma:
a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade com as gerações futuras; c) a participação da população evoluída; d) a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a elaboração de um sistema social, garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas; f) programas de educação. (SACHS, I. apud GÓMEZ, H., 1996, p. 145)
No fundo, o ecodesenvolvimento, fundamentado nos objetivos acima
expostos, representa um apelo no sentido de ajudar as populações a
educarem-se e a organizarem-se, em vista da valorização sensata dos
recursos de cada ecossistema, com o propósito de atenderem as suas
necessidades fundamentais. Dessa forma, o conceito de desenvolvimento
adquire uma expressão qualitativa, ou seja, junto ao crescimento econômico
(crescimento de forças produtivas de bens produzidos, de necessidades e de
consumo), aparecem os custos ecológicos e os sociais, cujo resultado final
será o de chegar a uma vida digna de ser vivida, de acordo com o grau de
satisfação da população, e dotada de um senso de limite em relação à
utilização dos recursos naturais.
Nas palavras de SHRIMAN NARAYAN, uma idéia mais ampla de
desenvolvimento leva a redefinir a qualidade de vida ou nível de vida desejada
pela sociedade, quando assegura que
Há muito tempo que distinguimos entre o ‘nível de vida’ e o que MAHATMA GANDHI chamava o ‘grau da vida’. A primeira expressão abrange apenas a satisfação das necessidades materiais: alimentação, vestuário, moradia, equipamentos escolares e médicos, etc. Quanto à segunda expressão, implica necessariamente um nível de vida
172
razoável, no que se refere às necessidades físicas, mais uma certa qualidade de vida, fundamentada, entre outros, em valores morais, culturais e espirituais. Considerando-se que os recursos físicos e naturais dos diversos países não são ilimitados, devemos modificar radicalmente as nossas idéias sobre crescimento e desenvolvimento. A ‘mania do crescimento’ deveria doravante dar lugar à preocupação de assegurar um grau da vida decente para todos os habitantes de todos os países, desenvolvidos ou não. (NARAYAN, S apud BIROU, A. e HENRY, P., 1987, p. 292)
Não resta dúvida de que mudanças na produção e consumo, tomadas
no sentido mais amplo, englobando, pois, sistemas produtivos, tipos de
tecnologias, mercado e modos de vida, levam a profundas mudanças das
estruturas socioeconômicas e político-institucionais.
Segundo BECKER (1996), três princípios básicos fundamentam esse
novo padrão ambiental de produção e consumo, a saber: o princípio de uma
nova racionalidade no uso dos recursos naturais e humanos, significando uma
valorização das culturas locais; o princípio da diversidade, isto é o melhor
aproveitamento das potencialidades naturais e humanas de cada lugar,
representando uma valorização seletiva das diferenças regionais; o princípio
da descentralização, implicando não apenas a diferenciação da ocupação
espacial, baseada nas decisões de quem produz o espaço, mas sobretudo, a
forma renovadora de planejamento e gestão do território.
O último princípio pode ser entendido como um processo em que os
esforços de desenvolvimento encontram-se baseados na parceria construtiva
entre todos os setores da sociedade, porém, privilegiando o poder de decisão
local como base definidora do tipo de desenvolvimento que se deseja para
essa sociedade.
173
Portanto, o planejamento de estratégicas baseadas no ecodesen-
volvimento, vai exigir a participação democrática de diferentes escalas de poder
na tomada de decisões.
SACHS (1986) declara que as mudanças no rumo do desenvolvimento
decorrem da estreita imbricação dos objetivos estabelecidos pelo poder
institucional, com as escolhas das comunidades locais. O mesmo autor afirma
que:
Existem margens de escolhas importantes, mesmo nas situações de indigência material, em particular no que se refere à articulação dos diferentes níveis da economia nacional, à importância atribuída aos objetivos sociais, às modalidades de acesso aos recursos e de repartição de bens, deixado a parte real à iniciativa e à responsabilidade dos cidadãos. (SACHS, I., 1986, p. 25)
Caso se perceba que o desenvolvimento não é apenas um processo de
acumulação e de aumento do produto econômico, mas, principalmente, uma
via de acesso a formas sociais mais aptas para estimular a criatividade humana
e para responder às aspirações de uma sociedade, pode-se oferecer uma outra
visão de mundo, que está no centro do debate atual:
A idéia do desenvolvimento refere-se diretamente à realização das potencialidades do homem, é natural que ele contenha, ainda que apenas implicitamente, uma mensagem de sentido positivo. As sociedades são consideradas desenvolvidas na medida em que nelas o homem mais cabalmente logra satisfazer suas necessidades, manifestar suas aspirações e exercer seu gênio criador. A preocupação com a morfogênese social deriva dessa outra idéia simples de que é mediante a inovação e implementação de novas estruturas sociais que se cumpre o processo de desenvolvimento. (FURTADO, C., 1984, p. 105)
174
A partir desse pressuposto, o homem é visto como um fator de
transformação, tanto dos ecossistemas como das estruturas econômicas,
socioculturais e políticas. Nesse sentido, o ponto de partida conveniente para o
planejamento de ações baseadas no ecodesenvolvimento é o de harmonizar os
critérios de sustentabilidade social, econômica, ecológica, cultural e geográfica.
Os componentes e principais objetivos do ecodesenvolvimento, tal
como foi estruturado por SACHS, podem ser observados no quadro a seguir
(QUADRO 1):
SACHS (1993) propõe um conceito de sustentabilidade para o
desenvolvimento, a fim de que este possa melhorar as condições de vida das
comunidades humanas e, ao mesmo tempo, respeitar os limites da capacidade
dos ecossistemas. Convém ressaltar que essa noção de sustentabilidade
encontra-se fortemente alicerçada na, assim chamada pelo autor,
“extraordinária riqueza da cultura humana”; em outras palavras, nos
conhecimentos e tradições do homem em relação ao meio ambiente. A busca
de alternativas para atingir o ecodesenvolvimento passa, em primeiro lugar, por
uma tentativa de resgatar o que ainda se sabe e se conhece da riqueza
potencial de cada ecossistema e dos produtos que deles podem ser extraídos.
Certamente, na história ecológica da humanidade, podem-se encontrar
exemplos de como as diferentes culturas souberam aproveitar os elementos de
seus respectivos ecossistemas e extrair deles o necessário para sobreviver e
desenvolver-se.
175
QUADRO 1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: COMPONENTES E OBJETIVOS DE CADA UM DOS CINCO PILARES DO
ECODESENVOLVIMENTO
DIMENSÃO COMPONENTES PRINCIPAIS OBJETIVOS
SUSTENTABI-LIDADE SOCIAL
- Criação de postos de trabalho que permitam renda individual adequada (a melhor condição de vida e melhor qualificação profissional).
- Produção de bens dirigida prioritariamente às necessidades básicas sociais.
REDUÇÃO DAS DESIGUALDA-DES SOCIAIS
SUSTENTABI-LIDADE ECONÔMICA
- Fluxo permanente de investimentos públicos e privados (estes últimos com especial destaque para o cooperativismo),
- Manejo eficiente de recursos. - Absorção pela empresa dos custos
ambientais. - Endogeneização: contar com suas próprias
forças.
AUMENTO DA PRODUÇÃO E DA RIQUEZA SO-CIAL SEM DE-PENDÊNCIA EXTERNA
SUSTENTABI-LIDADE ECOLÓGICA
- Produção com respeito aos ciclos ecológicos dos ecossistemas.
- Prudência no uso dos recursos não-renováveis.
- Prioridade à produção de biomassa e à industrialização de insumos naturais renová- veis.
- Redução da intensidade energética e con- servação de energia.
- Tecnologia e processos produtivos de baixo índice de resíduos.
- Cuidados ambientais.
QUALIDADE DO MEIO AMBIEN- TE E PRESERVA-ÇÃO DAS FON-TES DE RECUR-SOS ENERGÉTI- COS E NATU-RAIS PARA AS PRÓXIMAS GE-RAÇÕES
SUSTENTABI-LIDADE ESPACIAL OU GEOGRÁFICA
- Desconcentração espacial de atividades da população...
- Descentralização e democratização local e regional do poder.
- Relação cidade-campo equilibrada (benefícios centrípetos).
EVITAR EXCES-SO DE AGLO-MERAÇÕES
SUSTENTABI-LIDADE CULTURAL
- Soluções adaptadas a cada ecossistema. - Respeito à formação cultural comunitária.
EVITAR CONFLI-TOS CULTURAIS COM POTENCIAL REGRESSIVO
FONTE: Ignacy Sachs, 1993.
176
O que vem acontecendo com a sociedade industrial é uma crescente e
acentuada uniformização dos padrões de produção e consumo, e, ao mesmo
tempo, uma perda do patrimônio cultural. Da mesma forma, a criatividade
humana encontra-se, hoje, orientada de forma obsessiva para a inovação
tecnológica a serviço da acumulação econômica.
Essa lógica, que orientou o desenvolvimento dos chamados países do
Primeiro Mundo, trouxe a países como o Brasil um modelo tecnológico
intensivo em capital (recurso escasso) e poupador de trabalho (recurso
abundante). Fica claro, então, que a racionalidade de um processo tecnológico
baseado apenas na instrumentalização dos ecossistemas (estes considerados
como mero insumos) é divergente da racionalidade do ecodesenvolvimento. A
dimensão ecológica, embutida nesse modelo de desenvolvimento, não é
somente um “capricho” de grupos descontentes com a sociedade capitalista de
consumo, mas surge como um profundo questionamento sobre o futuro das
sociedades frente à insustentabilidade do modo de produção vigente. SACHS
(1994) indica quatro premissas básicas para que se realize a transição para o
ecodesenvolvimento:
1º) Mudanças deverão cobrir um período de várias décadas.
2º) Mudanças no estilo de vida da sociedade capitalista deverão
ocorrer.
3º) Os países industrializados deverão assumir uma fatia mais que
proporcional dos custos de transição e do ajuste tecnológico.
4º) Deverá haver capacidade institucional para redicionar o modelo
tecnológico vigente.
177
Sabe-se que, no atual modelo de desenvolvimento, a produtividade é
resultado do incremento tecnológico (capital), depreciando as potencialidades
representadas pela mão-de-obra disponível e pelos ciclos naturais de formação
dos ecossistemas. Na lógica empresarial da produção capitalista, maximizar a
produção de cada trabalhador significa extrair o maior volume possível sem
elevar o custo, independentemente do volume produzido. Assim, o investimento
em tecnologia poupadora de mão-de-obra é o objetivo natural. Em outra
racionalidade, a busca é por maior auto-suficiência econômica das
comunidades e melhoria substancial das formas de consumo e qualidade de
vida, onde o emprego da técnica é visto como uma mediação necessária e
dinâmica entre a organização produtiva e os ecossistemas.
No caso específico da agricultura, considerada um agroecossistema19,
o modelo tecnológico, igualmente poupador de terra e mão-de-obra (o aumento
da produtividade ocorre pelo uso de maquinário, insumos químicos, sementes
selecionadas, etc) proporciona a manutenção da concentração fundiária, uma
vez que o recurso terra, mal aproveitado, permanece como reserva de valor.
Da mesma forma, a excessiva tecnificação do campo leva grandes
contingentes de pessoas ao desemprego rural e a situações de pobreza, bem
como provoca o êxodo rural para a periferia dos centros urbanos. Esses últimos
aspectos podem ser considerados como sendo impactos sociais.
19
Neste trabalho, define-se um agroecossistema como "um sistema ecológico e socioeconômico composto de plantas ou de animais domésticos e das pessoas que os administram, com o objetivo de produzir alimentos, fibras e outros produtos agrícolas". (CONWAY, G. 1998, p. 35)
178
No Brasil, o modelo de desenvolvimento da agricultura, instalado desde
a década de 50, denominado de Revolução Verde, tem-se baseado em altas
taxas de produtividade proporcionadas pela introdução de máquinas agrícolas,
fertilizantes químicos , agrotóxicos, sementes e mudas com material genético
melhorado e água para irrigação artificial. Somente nos últimos anos, vêm-se
reconhecendo e discutindo os resultados negativos introduzidos pela
modernização da agricultura.
Uma característica da agricultura que deve ser ressaltada é que, ao
funcionar em desequilíbrio, um agroecossistema tende a perder a capacidade
produtiva.
Para CAMPANHOLA (1996), o uso intensivo de fertilizantes e
corretivos, necessários à manutenção de níveis altos de produtividades, causa
alterações nas características químicas e biológicas naturais do solo, levando
ao desequilíbrio. As conseqüências disso vão desde a diminuição do potencial
produtivo deste solo, até a contaminação deste e, através da erosão, dos
recursos hídricos.
Já o uso intensivo de agrotóxicos tem um alto potencial de impacto
ambiental20 imediato, tanto dentro do agroecossistema, prejudicando a saúde
dos envolvidos na sua manipulação e alterando o equilíbrio biológico, o que
leva a uma diminuição do potencial produtivo, quanto fora deste, contaminando
20
Segundo Resolução do CONAMA (1986), impacto ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, atentam contra a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais (MULLER-PLANTENBERG, C. e AB' SABER, A. N., 1994, p. 54)
179
os produtos e causando danos à saúde do consumidor e da população em
geral, através da poluição ambiental.
A partir da percepção de todas essas conseqüências negativas,
começa a se observar uma convergência entre preocupações ecológicas,
sociais e econômicas, dado que, ao longo do tempo, os desequilíbrios
causados aos ecossistemas tenderão a limitar a capacidade de produção,
reduzir a eficiência tecnológica e, conseqüentemente, ameaçar o retorno
lucrativo dos recursos investidos. Como explicaram SILVEIRA e DALMORA
(1993), os processos de erosão e degradação dos solos, causados por
tecnologia inadequada, provocam perdas irreparáveis de toneladas de húmus;
os agrotóxicos ameaçam a saúde da população e degradam os ecossistemas,
passando a ser considerados como antieconômicos e insustentáveis a longo
prazo.
Por essas razões, o processo de desenvolvimento na agricultura tem
basicamente duas estratégias a seguir. A primeira é uma estratégia corretiva ou
reparadora, na qual os indicadores da presença de impactos ambientais e
sociais são de fundamental importância para avaliar as alterações promovidas
nos agroecossistemas, e, se necessário, para adotar medidas que mantenham
e/ou recuperem a qualidade dos recursos naturais e, ainda assim, alcançar a
produtividade em níveis adequados de eficiência econômica.
A outra estratégia é dirigida à sustentabilidade. Nesse sentido, os
indicadores de sustentabilidade fornecem os elementos a serem considerados
“ex-ante” à adoção de tecnologias ou sistemas de produção. Após as análises
180
das alterações produzidas pelas práticas agrícolas na estrutura e
funcionamento dos agroecossistemas, é que se pode adotá-los ou não. Nessa
perspectiva, a variável tempo passa a ter papel preponderante. Deve haver
harmonia temporal entre o sistema ecológico e o sistema social e econômico, e
destes com os aspectos tecnológicos e político-organizacionais.
Qualquer das duas estratégias servirá para um planejamento
agroambiental mais efetivo e levará a uma mudança de paradigma, visto que o
desempenho da Revolução Verde atingiu seu patamar, encontrando-se em vias
de esgotamento. Nesse processo de transição, vários caminhos encontram-se
sob análise; entretanto, o paradigma agroecológico parece ser o caminho mais
razoável a ser seguido.
O modelo agroecológico poderá orientar o desenvolvimento na
agricultura de forma mais harmoniosa por basear-se nos pilares de
sustentabilidade propostos por SACHS, os quais permitem incorporar as
complexidades da eficiência econômica e tecnológica, da eqüidade social
(qualidade de vida) e da preservação ambiental, assegurando a qualidade dos
recursos naturais e dos produtos.
Como esclarece ALTIERI,
Essa abordagem destingue-se daquela da Revolução Verde não apenas tecnicamente, ao reforçar o emprego de tecnologias de baixo uso de insumos, mas também por critérios socioeconômicos, no que tange às culturas afetadas, beneficiários, necessidades de pesquisa e participação local. (ALTIERI, M., 1998, p. 35-36)
181
Bastante ilustrativo é também o quadro comparativo elaborado por
ALTIERI (1998), demonstrando a importância da agroecologia como ponto de
partida para uma estratégia de desenvolvimento, fundamentada na noção de
ECODESENVOLVIMENTO. (QUADRO 2)
QUADRO 2 COMPARAÇÃO ENTRE AS TECNOLOGIAS DA REVOLUÇÃO VERDE E DA AGROECOLOGIA
CARACTERÍSTICAS REVOLUÇÃO VERDE AGROECOLOGIA
Técnicas Cultivos afetados
Trigo, milho, arroz, etc;
Todos os cultivos;
Áreas afetadas Na sua maioria, áreas pla-nas e irrigáveis;
Todas as áreas, especialmente marginais (dependentes da chuva, encostas declivosas);
Sistema de cultivo dominante
Monocultivos geneticamen-te uniformes;
Policultivos genetica-mente heterogêneos;
Insumos predominantes
Agroquímicos, maquinário; alta dependência de insu-mos externos e combustível fóssil;
Fixação de nitrogênio, controle biológicos de pragas, corretivos orgâ-nicos, grande dependên-cia nos recursos renová- veis;
Ambientais Impactos e riscos à saúde
Médios a altos (poluição química, erosão, saliniza-ção, resistência a agrotóxi-cos, etc.); Riscos à saúde na aplica-ção dos agrotóxicos e nos resíduos destes no alimento;
Nenhum;
Cultivos deslocados Na maioria, variedades tradicionais e raças locais;
Nenhum;
Econômicas Custos das pesqui-sas
Relativamente altos;
Relativamente baixos;
Necessidades financeiras
Altas; Todos os insumos devem ser adquiridos no mercado;
Baixas; A maioria dos insumos está disponível no local;
182
CARACTERÍSTICAS REVOLUÇÃO VERDE AGROECOLOGIA
Retorno financeiro Alto; Resultados rápidos. Alta produtividade da mão-de-obra;
Médio; Precisa de um determinado período para obter resultados mais significativos; Baixa a média produtividade da mão-de-obra;
Institucionais Desenvolvimento tecnológico
Setor semipúblico, empre-sas privadas;
Na maioria, públicas; grande envolvimento de ONGs;
Socioculturais Capacitações necessárias à pesquisa
Cultivo convencional e ou-tras disciplinas de ciências agrícolas;
Ecologia e especializa- ções multidisciplinares;
Participação Baixa (na maioria, métodos de cima para baixo); Utili-zados para determinar os obstáculos à adoção das tecnologias;
Alta; Socialmente ativa- dora, induz ao envolvi-mento da comunidade;
Integração cultural Muito baixa; Alta; Uso extensivo de conhecimento tradicional e formas locais de orga- nização;
Fonte: ALTIERI, M. 1998, p. 34 e 35.
Por outro lado, deve-se promover a diversificação da produção,
incorporando padrões de qualidade aos produtos (visto que a viabilidade
econômica não está baseada somente em um produto, mas em vários, e, se
possível, este deve atender a um mercado mais exigente). Ainda se deve
incentivar o emprego de sistemas de produção que exijam uso intensivo de
mão-de-obra, o qual pode ajudar a fixar o homem no campo, evitando um
aumento da população urbana.
183
Considera-se esse um modelo de desenvolvimento mais apropriado
para os produtores familiares. Isso vai exigir políticas de médio e longo prazos,
específicas para sua viabilização, que aliem diretrizes produtivas às diretrizes
do meio ambiente.
Para tanto, impõe-se agora mais do que nunca, um desenvolvimento
regional responsável. Responsabilidade com a sustentabilidade do processo
produtivo, que vai além de sua dimensão ecológica. É uma sustentabilidade
econômica, social, cultural, política e tecnológica do processo de
desenvolvimento de cada local, de cada região produtora.
4.3 A sustentabilidade na agricultura
O processo de mudança na agricultura exige, em fase de transição, o
atendimento de dois aspectos fundamentais: projetos baseados na teoria do
planejamento e pesquisas em sistemas de produção. A importância da teoria
do planejamento reside na ultrapassagem da fragmentação das políticas
públicas para a agricultura, incluindo crédito e incentivos de mercados, geração
e difusão de tecnologia, e correção da dispersão de ações motivada pela
incoerência de objetivos entre os vários agentes envolvidos.
No Brasil, os modelos de pesquisa voltados para a criação de novas
tecnologias introduziram uma racionalidade tecnocrática no campo – tecnologia
como força social transformadora – via maximização do capital. Esse processo
de modernização contribuiu substancialmente para o uso inadequado dos
184
recursos naturais. Como destacam SILVEIRA e DALMORA (1993), as
condições agroecológicas e os sistemas de produção potencializam ou limitam
determinada tecnologia; conhecê-la, portanto, deve ser fundamental para a
geração de processos produtivos adequados.
Em regra, a modernização da agricultura brasileira esteve calcada em
modelos alienígenas importados do chamado Primeiro Mundo, cujo principal
objetivo era recuperar, em curto espaço de tempo, os séculos de “atraso” em
relação às economias desenvolvidas; entretanto, os procedimentos de geração
e difusão de tecnologia não consideraram as particularidades regionais, tais
como condições edafoclimáticas, sistemas de produção, estrutura fundiária,
relações sociais de trabalho no campo, entre outras. Não foi considerado,
outrossim, que a mesma tecnologia pode produzir efeitos diferenciados em
diferentes contextos.
A negligência em relação às condições ambientais (no sentido social e
ecológico) permitiu que os processos de desenvolvimento fossem conduzidos
pela linearidade econômica sem, no entanto, considerar os reflexos na
qualidade de vida da população.
Em meados dos anos 80, começaram a surgir os primeiros
diagnósticos sobre os resultados da modernização da agricultura: era chegada
a hora de avaliar as décadas de progresso técnico e, paradoxalmente, de
fracasso dos projetos de desenvolvimento socioeconômico, e ainda, a
deteriorização ambiental das áreas rurais.
185
Nas análises elaboradas para explicar esse “fenômeno”, cujas causas
parecem residir na heterogeneidade da realidade agrícola, foram apontadas
propostas comuns para a afirmação e êxito de um novo modelo de
desenvolvimento; ou seja, cientistas de diversas áreas reconhecem que o
processo de desenvolvimento agrícola carece de um princípio básico, o da
sustentabilidade, no sentido de expressar a continuidade desejada para
fenômenos sociais, econômicos, políticos, culturais e ecológicos.
De acordo com ANDRAE (1994), embora já existissem ações visando à
sustentabilidade da produção agrícola, foi em referência à exploração de
florestas que o alemão Carlowitz cunhou o termo sustentabilidade, em 1713.
Desde sua criação, o conteúdo do termo em pauta passou por vários
desmembramentos, transformações, interpretações, não sendo, portanto,
considerado de uso exclusivo da atividade florestal. Vale dizer que o conceito
de sustentabilidade, hoje, é um princípio conhecido e aplicado na prática, onde
o uso do solo (qualquer que seja) possa garantir, a longo prazo, rendimentos
estáveis.
Os debates recentes em torno das estratégias para um
desenvolvimento sustentável na agricultura têm apontado, de forma clara, a
necessidade de se considerar, além da produtividade – enfatizada no passa-
do –, outros indicadores como a estabilidade e a sustentabilidade da produção,
associados à eqüidade social.
A eqüidade torna-se um indicador importante para avaliar os resultados
do desenvolvimento agrícola e refere-se à forma com que os benefícios da
186
produção agrícola são divididos na sociedade, podendo ser aferida pelo grau
de desigualdade dessa distribuição.
GLICO (1994), um dos autores que mais tem estudado os problemas
ambientais na América Latina, adiciona a esse contexto, o fato de que uma
estratégia voltada ao desenvolvimento sustentável deve ter como filosofia
minimizar os efeitos das “perturbações” antrópicas no meio ambiente.
Para o autor, tal estratégia deve levar em conta pelo menos os
seguintes pontos: a) coerência, que nada mais é do que o uso dos recursos
naturais segundo a sua aptidão; b) estabilidade da estrutura social,
especialmente importante em função da dinâmica do desenvolvimento
capitalista na agricultura (processo de diferenciação/decomposição social); c)
dotação de infra-estrutura básica, já que todos os processos de
desenvolvimento agrícola implicam necessariamente uma artificialização dos
sistemas e, em conseqüência, a intensificação dos fluxos de energia, matéria e
informação; d) estabilidade de vendas ao produtor, dados os condicionantes
externos (mercado, políticas agrícolas, etc) ou eventos naturais (secas, granizo,
pragas) que possam comprometer o uso sustentável dos recursos naturais.
Resta adicionar, ainda, um enfoque analítico, que permita demonstrar
as interconexões das várias dimensões envolvidas na sustentabilidade da
produção agrícola. Nesse sentido, o referencial exposto por GUIVANT apud
SILVEIRA e DALMORA (1993), destaca quatro dimensões da sustentabilidade,
quais sejam:
187
1º) a sustentabilidade agronômica, que diz respeito ao modelo de
organização técnica para a exploração dos recursos naturais e está relacionada
aos fatores físicos e biológicos que garantem a produtividade agrícola;
2º) a sustentabilidade microeconômica, que se relaciona à manutenção
de unidades de produção capazes de atender às necessidades mínimas da
família. Esse processo resulta da interação de condicionantes externos
(mercado, atividades complementares fora das unidades de produção) e
internos (superfície da área útil, capital e mão-de-obra disponíveis).
3º) a sustentabilidade ecológica, que parte da perspectiva de que a
atividade agrícola provoca alterações no ecossistema regional. Pretende-se
que a produção agrícola seja, nesse caso, parte de um complexo interativo de
matéria e energia, a fim de não romper com a dinâmica ecossistêmica;
4º) a sustentabilidade macroeconômica, que se relaciona a planos e
políticas dos quais depende a base de sustentação das populações rurais e
urbanas.
Em resumo, o desenvolvimento sustentável na agricultura significa uma
máxima produção, sob restrições de conservação da base dos recursos
naturais em que está assentada (ou seja, sem degradação), além de obedecer
aos critérios de viabilidade econômica e de eqüidade social na distribuição dos
seus benefícios e custos.
Há, no entanto, um intenso debate sobre qual segmento da agricultura
ou, de outra parte, sobre quais os atores sociais que serão beneficiados com a
implantação de uma agricultura sustentável. De um lado, o empresário agrícola,
188
detentor de capital disponível para investimentos em tecnologias alternativas e,
atualmente, motivado pelo crescente mercado de “produtos ecológicos”; de
outro, o produtor familiar, depositário de práticas tradicionais de cultivo,
próximas da dinâmica agroecossistêmica regional.
Reconhecendo argumentos relevantes nas duas situações, entende-se
que a agricultura familiar reúne condições necessárias a um processo de
transição rumo ao desenvolvimento sustentável no campo. Em linhas gerais,
esta hipótese é formulada a partir do seguinte pressuposto:
O conceito de viabilidade econômica na unidade de produção familiar não pode ser definido apenas por critérios econômicos; a estes devem ser acrescentados critérios sociais e ecológicos. (SILVEIRA e DALMORA, 1993, p. 67)
Esta forma de agir explica-se pela escassa disponibilidade de recursos
e pela preocupação permanente com as necessidades básicas do núcleo
familiar. Nessa situação, ao invés de tecnologias intensivas em capital, a
escolha do produtor recairia em técnicas que permitissem uma melhor
utilização da mão-de-obra e do “saber camponês”, dispensando muitos
insumos externos à propriedade. Potencializar a mão-de-obra disponível, em
consonância com os ciclos naturais de formação dos ecossistemas, tem como
objetivo buscar uma maior auto-suficiência econômica das unidades produtivas
e uma melhoria substancial das formas de consumo e qualidade de vida.
Essa racionalidade, tipicamente camponesa, assemelha-se ao modo de
gestão das unidades de produção familiar, conforme esclarecem as palavras de
FERREIRA et al., apud SILVEIRA e DALMORA:
189
O conjunto unidade de produção-família como sistema finalizado, onde as decisões tomadas são consideradas como meio de adequar, por um lado, os objetivos (o mais geral é a reprodução da unidade de produção e da família) e, por outro, os condicionantes bioclimáticos e os condicionantes referentes às características internas da unidade de produção e referentes ao meio socioeconômico
externo. (SILVEIRA e DALMORA, 1993, p. 67)
4.4 A produção familiar e o desenvolvimento rural sustentável
As características intrínsecas da produção familiar podem ser
associadas às principais necessidades de base para o estabelecimento de uma
agricultura sustentável. A importância estrutural do núcleo familiar, que se
orienta primordialmente à garantia de reprodução social, traz consigo pelo
menos duas decorrências, segundo CANUTTO at al. (1994): uma primeira e
fundamental decorrência é a visão sobre a preservação dos recursos naturais
numa perspectiva, não da próxima colheita, mas das próximas gerações; a
segunda é a versatilidade em manejar os recursos agrícolas disponíveis.
Do ponto de vista produtivo, a experiência adquirida em condições
muitas vezes de limite, confere um caráter de resistência e uma garantia
adicional de continuidade de reprodução desse tipo de agricultura, ou seja, a
produção familiar camponesa. Ademais, existe, nesse caso, um maior controle
no processo de trabalho, que permite tratar adequadamente os processos
biológicos, climáticos, edáficos e de reprodução dos cultivos agrícolas, o que
equivale a dizer que a produção de base familiar possui uma habilidade nada
desprezível para “lidar” com a complexidade de um ecossistema.
190
Num sentido complementar, dada a disponibilidade relativa de mão-de-
obra e facilidade na sua alocação para tarefas agrícolas que exigem um trato
artesanal, a produção familiar apresenta-se com grande potencial para
alternativas agroecológicas no campo e, ainda, para a garantia da
sustentabilidade da própria agricultura.
Diferentemente da produção capitalista, em que as opções
tecnológicas se definem em função de um objetivo único e comum para todos
os produtores – a rentabilidade econômica –, as unidades de produção familiar
organizam-se internamente e estabelecem as suas ações em função da
reprodução do grupo familiar.
Na produção familiar, os objetivos e os critérios de rentabilidade
dependem das características do grupo familiar, ou seja, as unidades
produtivas organizam-se internamente de acordo com a disponibilidade de
recursos (mão-de-obra, capital, terra, etc), segundo as relações sociais às
quais estão submetidas (proprietários individuais, meeiros, arrendatários, etc),
seu grau de integração com setores urbano-industriais, bem como segundo as
condições conjunturais com que produzem (acesso a crédito agrícola,
flutuações de preços). Entretanto, apesar das diferenciações internas e
externas, o produtor familiar, geralmente, não prioriza o interesse de maximizar
os lucros, mas, sim, de otimizar a jornada de trabalho e de minimizar os riscos.
Por outro lado, mesmo reconhecendo a presença de uma racionalidade
camponesa, aglutinadora das unidades de produção familiar, faz-se necessária
uma abordagem que leve em consideração a diversidade de formas de
191
ocupação do espaço, dos recursos e dos critérios de decisão dos produtores
familiares.
Considerando como pressuposto para um projeto de mudança na
agricultura a sustentabilidade a longo prazo, devem-se definir as necessidades,
limites e potencialidades dos produtores-alvo, em cada situação.
WHITE (apud SILVEIRA e DALMORA, 1993) enfatiza que qualquer
tomada de decisão sobre possíveis mudanças deve derivar do conhecimento
prévio do modo pelo qual os atores envolvidos no processo de implementação
das alternativas estão gerindo os recursos de que dispõem.
Desse modo, a pesquisa sobre sistemas de produção tem uma
contribuição relevante na busca de alternativas para a agricultura familiar. Os
sistemas de produção fornecem o diagnóstico da realidade, além das ações
passíveis de implementação, isto porque representam uma combinação
coerente, no espaço e no tempo, dos fatores de produção – Terra, Trabalho e
Capital –, tendo em vista a obtenção de diferentes produtos agrícolas. Além
disso, a combinação destes fatores traduz a racionalidade socioeconômica
adotada pelo produtor para adequar objetivos e condicionantes internos e
externos às unidades de produção.
Para NEUMANN (1993), um dos grandes aspectos fundamentais a ser
considerado nas ações de pesquisa e nas políticas a respeito do
desenvolvimento sustentável na agricultura, reside no conhecimento da
racionalidade do produtor familiar, a qual permeia as suas decisões produtivas.
E mais, segundo o autor, o problema não reside somente em oferecer a cada
192
tipo de agricultor as técnicas e os conhecimentos mais apropriados a cada
situação, mas sim, em conceber e criar novas condições que façam com que
eles (os produtores rurais) tenham interesse em adotar sistemas de produção e
práticas alternativas. Para que isso aconteça, é preciso que algumas condições
e políticas favoráveis permitam a implantação deste modo de produzir e de
organizar a produção.
Forjar estas condições, diz respeito ao Estado e à sua função de
responsável pelas políticas agrícolas adequadas à agricultura familiar; ao
mercado e à sua forma de organizar e garantir a comercialização dos produtos
agrícolas; à pesquisa de tecnologias voltadas ao produtor familiar, uma vez
que, para competir no mercado capitalista, há que se buscar alternativas
tecnológicas apropriadas à sua realidade econômica e ecológica; e ainda, a
mudanças na ideologia vigente, que deverá incorporar a dimensão ambiental,
juntamente com as dimensões socioculturais e econômicas.
Por fim, ALTIERI reforça a participação dos produtores rurais nesse
processo, quando afirma que,
... é evidente, então, que os requisitos de uma agricultura sustentável englobarão aspectos técnicos, ambientais, institucionais e políticas agrárias, pois há uma grande necessidade de que os planos de desenvolvimento agrícola coincidam com as necessidades do pequeno agricultor. (ALTIERI, 1995, p. 385)
Deve-se levar em consideração, nessa discussão, que o
desenvolvimento da agricultura se produz em conseqüência de uma
multiplicidade de fatores e que um maior conhecimento do contexto agrícola
193
requer o estudo das relações entre os sistemas agrícolas, o meio ambiente e a
sociedade. É, pois, dessa profunda concepção de desenvolvimento que se
abrirão as portas às novas opções de gestão, mais adequadas e adaptadas
aos objetivos de uma verdadeira agricultura sustentável.
4.5 Estratégias alternativas para os produtores familiares
O meio ambiente não representa somente a base e o entorno de sua
estrutura de produção, mas uma dimensão abrangente, relacionada à
totalidade da vida do agricultor e fundamento da lógica de reprodução social da
família. Em geral, esta lógica reprodutiva é assegurada pelo fato de destinar-se
importante parte da produção para o consumo interno e pela determinação em
permanecer na terra; em resumo, pelo esforço em manter a autonomia.
Nesse sentido, identifica-se na produção familiar um grande potencial
com vistas ao novo patamar que conduz à sustentabilidade dos agrossistemas.
Seguindo essa mesma linha filosófica, a agricultura sustentável, de base
familiar, apresenta-se como alternativa ao modelo convencional (capitalista).
Ou seja, a agricultura sustentável é aquela que reduz, através de novas
técnicas de práticas agrícolas, o uso de insumos químicos, tendo como objetivo
central a sustentabilidade dos agroecossistemas. Outras perspectivas mais
radicais enfatizam uma maior proteção à saúde e ao meio ambiente, garantindo
a produtividade a longo prazo, e não procurando a maximização imediatista,
própria do modo de produção capitalista. (SILVEIRA e DALMORA, 1993)
194
Torna-se, então, necessária a criação de estratégias alternativas,
interessadas na compatibilidade simultânea da viabilidade econômica, da
eqüidade social, da autonomia tecnológica e da conservação ambiental, num
único projeto de desenvolvimento rural sustentável – tendo como alvo as
propriedades familiares. Sabe-se que, apesar das dificuldades econômicas e
das contrariedades políticas que o produtor familiar tem enfrentado ao longo
dos anos, é, sem dúvida, devido à sua excepcional capacidade de adaptação
que a agricultura familiar resiste ao jogo contraditório do próprio capitalismo.
Como bem diz GORENDER, apud STÉDILE:
O desenvolvimento do capitalismo, em seu conjunto, não pode dispensar o setor da pequena produção agropecuária familiar. Sem ele, os alimentos se tornariam ainda mais caros e a força de trabalho urbana teria de ser paga com salários monetários mais altos, comprometendo a acumulação capitalista industrial. (GORENDER, apud STÉDILE, 1994, p. 42-3)
Ao se falar, portanto, em desenvolvimento rural sustentável, é preciso
(re)conciliar aspectos econômicos e sociais aos aspectos que se referem aos
recursos naturais e à própria capacidade dos diferentes ecossistemas, em
responder à demanda a que lhes submete a sociedade humana.
Sem dúvida, a agricultura desenvolvida de forma intensiva e com
utilização maciça de insumos químicos e tecnológicos tem provocado impactos
ambientais de magnitude considerável. Para contrapor-se à evolução deste
processo, surgem novas demandas de natureza econômica, tecnológica e
sociocultural, com propostas de agricultura alternativa.
195
Pode-se dizer que a chamada agricultura alternativa está baseada em
processos agroecológicos de produção, os quais deverão contemplar os
seguintes elementos: a) a manutenção, a longo prazo, dos recursos naturais e
da produtividade dos solos; b) o mínimo de impactos adversos ao meio
ambiente e à sociedade (por exemplo, a contaminação das reservas hídricas e
do solo pelo uso constante de agrotóxicos, a devastação florestal para dar lugar
às lavouras de monoculturas, entre outras); c) o retorno satisfatório aos
produtores (preços dos produtos agrícolas, políticas agrícolas, assistência
técnico-científica, ...); d) a otimização da produção com um mínimo de insumos
externos à propriedade; e) a satisfação das necessidades básicas de consumo
das famílias (alimentos, vestuário, educação, saúde, lazer); f) a valorização da
herança cultural dos produtores rurais, visando ao fortalecimento das ações
comunitárias; e, por último, g) o privilégio à busca da eqüidade social. (SACHS,
1986)
Na busca de alternativas para a agricultura, a produção familiar torna-
se alvo prioritário das novas propostas de sustentabilidade, a fim de que, dadas
as condições agroecológicas restritivas, essa não venha a tornar-se inviável
economicamente.
Tomando como referência a proposta de ALTIERI (1998), entende-se
que o processo de transição dos sistemas de cultivo empregados na agricultura
convencional, para sistemas agroecológicos, não se resume apenas na retirada
dos chamados insumos externos, mas também na adoção de “medidas
compensatórias” que mantenham os índices de produtividade da agricultura.
196
Segundo o autor, a conversão do sistema convencional em um sistema
alternativo de baixo uso de insumos, pode levar de um a cinco anos,
dependendo do grau de artificialização e/ou degradação do ecossistema
original. Além disso, devem ser observadas quatro fases distintas nessa
transição de um manejo para outro, a saber: 1º) retirada progressiva dos
produtos químicos; 2º) racionalização e melhoramento da eficiência no uso de
insumos modernos; 3º) substituição de insumos, utilizando tecnologias
alternativas e de baixo consumo energético (por exemplo, manejo integrado de
pragas, manejo integrado de nutrientes, adubação orgânica, plantio direto,
entre outros.); 4º) replanejamento do sistema agrícola atual, visando a uma
maior diversidade de cultivos e, ainda, uma integração entre lavoura e criatório
animal. (Ver FIGURA 3)
FIGURA 3 ETAPAS DA CONVERSÃO DO SISTEMA CONVENCIONAL PARA O SISTEMA AGROECOLÓGICO.
TEMPO
Fonte: ALTIERI, M., 1998, p. 71.
CONVENCIONAL ORGÂNICA
Eliminação progressiva
de insumos
Uso eficaz de insumos
Substituição de insumos
Replanejamento
do sistema
PR
OD
UT
IVID
AD
E
AUMENTO DA BIODIVERSIDADE
197
ALTIERI (1998) observa que, em alguns casos, durante o período
inicial de conversão, é comum registrar-se queda na produção e,
conseqüentemente, na renda líquida das unidades produtivas. Entretanto, as
avaliações econômicas recentes demonstram que os benefícios dos sistemas
orgânicos podem exceder os lucros proporcionados pelos sistemas
convencionais, uma vez que os custos com os insumos da agricultura ecológica
(ou orgânica) são menores. Se essa contabilidade for comparada durante mais
de dois anos, conforme afirma o mesmo autor, o retorno líquido para os
produtores agroecológicos será aproximadamente 22,4% maior que o obtido
pelo manejo convencional. (Ver FIGURA 4)
FIGURA 4 MODELO ILUSTRATIVO DA DINÂMICA DA RENDA DO AGRICULTOR DURANTE A CONVERSÃO PARA O MANEJO
AGROECOLÓGICO (EM DÓLARES POR HECTARE).
Fonte: ALTIERI, M., 1998, p. 73.
manejo convencional
perdas atuais
manejo agroecológico
Tempo
(ganhos futuros)
R
en
da
bru
ta (
$/h
a)
198
Por outro lado, convém ressaltar a importância de haver políticas de
incentivos e/ou subsídios para atender os produtores que adotam o modelo
alternativo de produção na agricultura, a fim de que estes possam ter garantida
a sua manutenção na atividade agrícola, enquanto esperam seus sistemas
produtivos gerarem os ganhos garantidos pelo modelo agroecológico de
desenvolvimento.
Após um amplo processo de degradação ambiental, em razão de um
modelo de exploração inadequado, a passagem para uma agricultura
sustentável exige, como primeiro passo, a recuperação da produtividade dos
ecossistemas. Esta transição já ocorre em algumas regiões do Brasil e em
graus variados.
No Rio Grande do Sul, é cada vez maior a implantação de alternativas
como, por exemplo, a chamada de “insumos reduzidos”, que busca a
substituição parcial dos insumos químicos e das fontes renováveis de energia,
diminuindo os custos de produção. Para viabilizarem-se economicamente, as
unidades de produção familiares adotam práticas de recuperação dos
agrossistemas, destacando-se o plantio direto e o manejo integrado de pragas.
(SILVEIRA e DALMORA, 1993)
Em muitos casos, começa a delinear-se o que alguns pesquisadores
chamam de “exploração mista”, na qual o produtor associa práticas da
agricultura convencional (insumos químicos), com a agricultura orgânica
(adubação orgânica, controle biológico de pragas, ...)
199
Independentemente de como são chamadas as “tecnologias” ou
“práticas” alternativas, enfatiza-se a utilização do fator conhecimento – ou seja,
o saber camponês, adquirido culturalmente ao longo das gerações, ou aquele
conhecimento apropriado pelos agricultores através da difusão da pesquisa
sobre os ecossistemas.
Neste sentido, as práticas alternativas priorizam o ser humano sobre os
recursos materiais e melhoram a formação do produtor para que ele esteja em
condições de usar racional e eficientemente as potencialidades do meio,
substituindo, até onde seja possível, os insumos externos à unidade de
produção pelos recursos próprios e, principalmente, valorizando seus
conhecimentos empíricos.
Ao se enfatizar o uso de tecnologias alternativas, não se está
argumentando contra os sistemas e pesquisas sobre tecnologias sofisticadas;
desde que estas sejam adequadas às condições econômicas e sociais dos
produtores, e não ofereçam riscos ao meio ambiente, não podem ser
consideradas restritivas à produção familiar. Na realidade, a busca de uma
agricultura sustentável deve contemplar os avanços do conhecimento científico
moderno, conjugados com elementos e aprendizagens do conhecimento
tradicional e dos sistemas naturais.
Com o advento da informática e da biotecnologia na agricultura, o
dilema não está na rejeição das modernas tecnologias, mas no modo de
transferi-las e adaptá-las às condições ecológicas, econômicas, sociais e
culturais dos agricultores.
200
Cabe aos pesquisadores, técnicos e produtores, a busca dos meios
que viabilizem a difusão e adoção desse projeto de sustentabilidade para a
agricultura, bem como de uma avaliação sistemática de suas conseqüências e
da sua coerência em relação aos objetivos pretendidos pelos agentes sociais
envolvidos nesse processo.
Faz-se necessária, assim, uma abordagem que leve em consideração
a diversidade de situações das unidades de produção familiar e torne
complementares as ações da pesquisa e extensão rural. Em suma, um enfoque
que não priorize os interesses econômicos e políticos de grupos que vêem na
atividade agrícola a possibilidade de lucro a curto prazo, mas o produtor e sua
família, na tentativa de garantir a sua reprodução social a longo prazo.
Ao longo das últimas décadas, dado o desenvolvimento das atividades
agrárias calcado em ações e concepções de cunho meramente econômico,
processaram-se graves e severos danos ambientais e sociais no espaço
brasileiro.
Parece que, ao contrário das expectativas, a experiência dos últimos
anos deixou claro que a agricultura capitalista baseada na monocultura,
tecnologias avançadas e maciços investimentos em insumos químicos não têm
sido capazes de sustentar a base de recursos naturais e de garantir a
qualidade de vida da população rural e urbana.
Hoje, sabe-se que a extensão territorial e as riquezas naturais não são
mais os únicos elementos que constituem a grandeza das nações. O poder das
sociedades está cada vez mais centrado no seu desenvolvimento cultural e
201
científico. A agricultura do futuro, conforme já preconizam os especialistas, vai
depender muito mais de uma postura inteligente por parte daqueles que com
ela estão envolvidos, do que da própria qualidade da terra.
Em vista disso, BRINCKMANN (1995) afirma que, ao se pensar em
propostas para a manutenção e garantia da sustentabilidade ambiental, e para
o desenvolvimento rural sustentável, deve-se partir dos seguintes princípios:
1º) criar modelos de gestão compatíveis com a satisfação das
necessidades dos seres humanos, em nível local (rural e urbano), regional e
global; e, ainda, compatíveis com as necessidades dos demais fatores
ambientais;
2º) propor atividades de gestão com ótica participativa e orientada para
as comunidades locais;
3º) garantir o total comprometimento dos gestores (agricultores,
técnicos, empresários, políticos, entre outros) com os conceitos essenciais do
desenvolvimento sustentável, que são a força motriz desse processo;
4º) promover e difundir a consciência ecológica na gestão empresarial
e territorial.
Por outro lado, não se pode deixar de considerar, como o fazem outros
autores, entre eles KITAMURA (1993) que a implantação de uma estratégia de
desenvolvimento sustentável traz para a discussão diversos questionamentos,
entre eles: um, do ponto de vista ambiental, que pergunta até que ponto a
adoção de práticas ambientalmente saudáveis implicariam mudanças radicais
na estrutura de produção na agricultura, e em que medida estas afetariam os
202
lucros das atividades agrícolas a curto e longo prazo; da mesma forma,
questiona-se sobre a eqüidade social na distribuição dos resultados da
agricultura, disto resultando a necessidade de mediação do Estado para
conseguir-se a reestruturação das condições de acesso e uso dos recursos
naturais, e a reestruturação das condições de acesso físico e econômico aos
benefícios da agricultura. Sem dúvida, isso implica vontade política para
implantar mudanças estruturais nos projetos de desenvolvimento voltados à
agricultura.
Diante desse contexto, acredita-se que a produção familiar na
agricultura representa o espaço que possui as condições adequadas para
realizar a transição para um processo de desenvolvimento rural sustentável.
O conhecimento empírico dos produtores familiares, relacionado às
condições climáticas, ao solo, à vegetação, aos ciclos naturais, pode ser mais
bem aproveitado em práticas alternativas na agricultura.
Hoje, a descoberta cada vez maior da dimensão ecológica na prática
agrícola permite uma melhor utilização da própria natureza no controle de
invasores através de inimigos naturais, predadores, espécies concorrentes, etc.
A pesquisa desenvolve a luta integrada, que emprega meios físicos, químicos e
biológicos. Todavia, essas ações ainda serão, salvo exceções,
complementares ao uso dos produtos químicos. Mas, mesmo nessa hipótese, a
pesquisa tem viabilizado uma maior racionalização e economia no uso desses
produtos.
203
A consagração dos resultados obtidos através do controle biológico na
soja e na cana-de-açúcar está viabilizando, também, novas perspectivas para
várias culturas alimentares. E, mesmo o combate às ervas daninhas, cujo papel
na conservação dos solos foi redescoberto, está sendo pesquisado a partir das
leis da fitodinâmica vegetal que regem estas comunidades. Até o ano 2000,
talvez os agricultores possam ter reduzido o uso de herbicidas e capinas em
favor da aplicação de fungos, combinada com uma gestão de adubação verde
e rotações culturais, feitas num solo ecologicamente manejado.
Algumas experiências têm demonstrado que a viabilização econômica
e social da produção familiar deve basear-se em propostas que aliem a
produção agrícola com a conservação dos recursos naturais.
Em vários Estados do Brasil, já é possível observar produtores
familiares que vêm utilizando tecnologias alternativas. A produção de sementes
próprias, aliada à utilização da adubação orgânica, adubação verde,
conjugadas com práticas de conservação de solo e com a não-utilização de
agrotóxicos, possibilitam a esses produtores a diminuição dos custos de
produção, uma maior produtividade, o melhor aproveitamento dos seus
recursos naturais, o respeito à saúde dos agricultores e consumidores e,
conseqüentemente, uma melhor relação com o meio ambiente.
Essas conquistas tecnológicas têm uma alta significância para os
consumidores urbanos, que se preocupam, cada vez mais, com a qualidade
dos produtos oferecidos. Na vanguarda dessas questões, a população
organizada impõe normas e até restrições legais ao uso e manejo de
204
praguicidas agrícolas. Essa realidade está sendo cada vez mais considerada
nos centros de pesquisa.
Sabe-se que o sistema de pesquisa e os serviços de assistência
técnica e extensão rural foram montados e atuaram tendo como modelo o
padrão tecnológico da agricultura americana e da chamada “Revolução Verde”.
Porém, posteriormente, devido, em parte, às críticas que recebeu, o sistema
EMBRAPA-Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária abriu um espaço um
pouco maior para a pesquisa de técnicas não-convencionais, destinadas à
agricultura familiar.
A razão principal para a utilização de práticas agrícolas ditas
apropriadas à produção familiar, reside no fato de que, somente onde existe
disponibilidade de trabalho familiar, é possível tornar mais complexo e mais
intensivo o sistema produtivo.
Trata-se, na verdade, do aprimoramento de práticas utilizadas
tradicionalmente pela agricultura familiar no Brasil. Cabe destacar a rotação de
culturas, que nada mais é do que um modo eficiente de se obterem os
benefícios ecológicos da associação de culturas (diversidade e,
conseqüentemente, redução da susceptibilidade ao ataque de pragas).
Também o controle integrado de pragas, que não exclui totalmente o uso de
praguicidas, mas reserva seu uso como alternativa na ausência de um
controlador biológico eficiente. Mais importante, ainda, é notar que o controle
químico tende a se tornar pontual e não sistemático.
205
Outro fator que conduziu à diminuição no consumo de insumos
industriais foi a forte redução da disponibilidade de crédito rural, que teve um
impacto mais decisivo sobre os produtores familiares. À medida que o efeito da
degradação dos ecossistemas agrícolas sobre os custos de produção eram
minimizados pelo forte subsídio à compra de insumos e equipamentos, sua
progressiva eliminação tornou esse segmento mais suscetível a práticas menos
agressivas ao meio ambiente.
Se quisermos evitar milhares de intoxicações anuais, as mortes e
mutilações, bem como todos os outros problemas ambientais que estão
crescendo e aparecendo todos os dias, é urgente que se modifiquem as
políticas científicas e agrícolas. Torna-se necessário, ainda, maximizar os
mecanismos de controle e fiscalização das normas de segurança, a fim de se
evitarem, pelo menos em parte, os efeitos danosos dos praguicidas. Essa seria
uma forma mais correta de, como diz o slogan de uma grande empresa, “pôr a
química a serviço da vida”.
Enfim, não se trata apenas de “resgatar” a tradição das práticas dos
agricultores, muitas vezes já inadequadas às novas condições ambientais,
econômicas, fruto das transformações recentes na ocupação do espaço rural.
Não se trata, também, apenas de conhecer a cultura popular, com o interesse
restrito de transformá-la. Trata-se, sim, de identificar as inovações e
adaptações idealizadas e executadas pelos produtores familiares frente às
modificações a eles impostas pelo universo ecológico e econômico que os
cerca e está em constante mutação.
206
Em outras palavras, como bem expressa BRINCKMANN, é a partir da
produção familiar
... que se poderá encarar o desenvolvimento sustentável como um processo de aprendizagem da sociedade, orientado para a identificação e satisfação, em base sustentável, das necessidades humanas, materiais e não-materiais, social e culturalmente determinadas. (BRINCKMANN, 1995, p. 68)
Em suma, o desenvolvimento sustentável tem como ênfase a busca da
sobrevivência do homem a longo prazo. No entanto, é possível captar
diferentes percepções acerca das estratégias propostas para a sustentabilidade
dos ecossistemas e da sociedade. Essas diferenças não são mais do que
reflexos da própria diversidade ambiental e das expectativas e interesses dos
grupos sociais em relação ao seu uso.
Vale dizer, finalmente, que, mesmo partindo de perspectivas diferentes,
centradas mais na biologia, na economia, nos aspectos sociais, culturais ou
políticos, há praticamente consenso de que o objetivo final é sempre o homem,
não fazendo sentido a sustentabilidade da biosfera sem a presença deste.
(KITAMURA, 1993)
Dessa forma, apesar das incertezas que permeiam a idéia de
sustentabilidade dos sistemas agroecológicos, o grande desafio é atingir a
compreensão das diversas formas de organização adotadas pela produção
familiar, a partir da sistematização dos condicionantes ecológicos, econômicos,
socioculturais e políticos presentes na mesma.
207
Por fim, cabe reconhecer os argumentos relevantes que identificam a
produção familiar, particularmente a produção familiar de Santa Silvana –
Pelotas, RS, como detentora de condições necessárias à implementação de
um processo de transição rumo à agricultura sustentável.
V A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO FAMILIAR EM SANTA
SILVANA – MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS
Parece ser característica de la naturaleza humana que la gente aprende más efectivamente de errores – tanto propios como ajenos – que de éxitos. Revelar nuestros errores puede ser penoso, pero debemos hacerto para que otros puedam evitarlos. (BUNCH, R. apud BROSE, M., 1999, s.p)
5.1 Caracterização geral do município de Pelotas – RS
O município situa-se próximo ao Oceano Atlântico e às maiores lagoas
do litoral brasileiro: dos Patos e Mirim. (Ver FIGURA 5)
A posição litorânea não só contribui para o desenvolvimento da cidade
como centro comercial mas, também, influi no clima do município, tornando-o
úmido e regular, isto é, sem alterações bruscas de temperatura e sem frio ou
calor muito intensos. A temperatura média anual em Pelotas é de 17,6 graus
centígrados. A amplitude anual é relativamente baixa (10,6 graus), pois a
média de julho, mês mais frio, é de 12,4 graus, e a de janeiro, mês mais
quente, é de 23 graus. (ROSA, M., 1985)
209
FIGURA 5 MAPA DA LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E NA MICRORREGIÃO
DA LAGOA DOS PATOS – 317
210
O município de Pelotas apresenta duas feições fisiográficas distintas,
ou seja, uma área de terrenos planos (parte da chamada Planície Costeira) e
outra de relevo mais ondulado (região denominada Encosta da Serra do
Sudeste). (Ver FIGURA 6)
A formação geológica da área de planície é constituída por sedimentos
recentes de origem fluvio-lacustre, arenosos em sua maioria.
Metade do município se inclui na planície costeira gaúcha, sendo, por isso, uma paisagem plana e baixa, resultante da sedimentação recente, que corresponde à faixa contígua ao canal São Gonçalo e a Lagoa dos Patos. (ROSA, M., 1985, p. 57)
Historicamente, essa área foi destinada à instalação das estâncias e
charqueadas. No contexto socioeconômico atual, a estrutura fundiária
permanece baseada nas grandes propriedades rurais e tem a utilização da
terra destinada às lavouras empresariais de arroz e à pecuária de grande porte.
A outra porção do município caracteriza-se por apresentar altitudes
mais elevadas (até 300 m), onde a declividade dos terrenos torna-se mais
acentuada. Os solos nessa área são oriundos da decomposição de rochas
cristalinas, como, por exemplo, granitos, gnaisses, basaltos, etc.
Cerca da metade da área municipal faz parte da Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul, representada, em Pelotas, por uma parcela da Serra dos Tapes. Trata-se da paisagem suavemente ondulada e mais elevada de morros, correspondente ao núcleo do Escudo Cristalino Sul-rio-grandense e característica de todo o inteior do município, sobretudo da parte noroeste. (ROSA, M., 1985, p. 57)
212
Essa área de serras foi ocupada por imigrantes não-portugueses
(italianos, franceses. alemães, pomeranos, entre outros), a partir da segunda
metade do século XIX. O processo de organização espacial e territorial, como
decorrência do traçado dos antigos lotes destinados aos imigrantes, propiciou o
desenvolvimento da agricultura familiar baseada na pequena propriedade,
tendo como traço marcante um sistema produtivo baseado na policultura.
Forma-se, desse modo, a chamada área colonial de Pelotas. De uso
corrente até hoje, o significado da palavra colônia vincula-se à história das
áreas que foram alvo de povoamento com imigrantes europeus no sul do
Brasil. O termo colônia, como observa SEYFERTH, G.
(...) designa toda a região colonizada ou área colonial, ou seja, o conjunto de lotes de uma área previamente estabelecida pelo governo, juntamente com um núcleo populacional mais denso (a vila), servindo como sede administrativa e local onde se realizam os serviços religiosos, comércio, vida recreativa. Com o mesmo têrmo – colônia – os imigrantes alemães e seus descendentes designavam a pequena propriedade agrícola de uma família. (SEYFERTH, G., 1974, p. 54)
Portanto, o município de Pelotas, tanto do ponto de vista das suas
características físicas, quanto dos aspectos socioeconômicos, apresenta duas
paisagens geográficas distintas: a paisagem “serrana”, mais elevada e
ondulada, corresponde à colonização européia não-portuguesa, principalmente
de alemães e pomeranos, formando a área de produção familiar. E a paisagem
de planícies baixas e planas, representa a produção empresarial, baseada na
orizicultura e na pecuária, cuja composição étnica é predominantemente de
luso-brasileiros.
213
Nos 2.205 km2 que compreendem a área total do município, existem
4.137 estabelecimentos rurais, que totalizam 147.686 hectares, segundo dados
do Censo Agropecuário do IBGE 1995 / 1996.
Os dados da TABELA 5 mostram a distribuição dos estabelecimentos
segundo os grupos de área. Como se pode perceber, 92,5% dos
estabelecimentos rurais do município têm até 50 hectares, ocupando uma área
de 44,5% do total da área dos estabelecimentos.
TABELA 5 ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS E NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE ÁREA NO
MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS – 1995/1996
Grupos de Área Área total (ha) Nº de Estabelecimentos
De menos 1 até 50 ha
De 50 a menos 200 ha
De 200 ha a menos de 1000 ha
De 1000 a mais de 10000 ha
65710,107
18892
10529,709
52553,8
4221
286
36
20
FONTE: Baseado no Banco de Dados da Zona Sul-RS. ITEPA – 1999.
Frente aos dados apresentados, pode-se afirmar que esse significativo
segmento, formado por estabelecimentos com até 50 hectares, constitui a
produção familiar da agricultura no município de Pelotas. Esse conjunto
encontra-se organizado em unidades produtivas individuais, onde o processo
produtivo está sob a responsabilidade do chefe e membros da família, sendo
que as principais características desse segmento são a presença da mão-de-
214
obra familiar e um sistema de produção parcialmente especializada para o
mercado.
Atualmente, além da sede municipal, Pelotas encontra-se dividida em
nove distritos. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Técnico de Pesquisa e
Assessoria-ITEPA, constata-se que 91,9% da população do Município reside
na cidade de Pelotas e nas sedes distritais (vilas), representando um
acentuado índice de urbanização. Em contrapartida, a população rural é de
apenas 8,1%. (Ver FIGURA 7)
FIGURA 7 POPULAÇÃO RURAL E URBANA
DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS
FONTE: Banco de dados da zona sul – ITEPA Pelotas: Educat, 1999.
0
20
40
60
80
100
Zona rural
Zona urbana91,9%
8,1%
215
Tais indicadores refletem a situação do município em termos da
concentração populacional urbana e suas consequências socioeconômicas e
ambientais. Na maioria dos casos, quando o crescimento urbano ocorre devido
ao afluxo dos “refugiados do campo”, como diz SACHS (1993), a tendência é
aumentar o déficit de necessidades não-atendidas à população.
É o que se observa na zona urbana de Pelotas, onde a maior parte
dessa população migrante não tem acesso nem à infra-estrutura e serviços
adequados, nem à moradia decente, devido aos altos índices de desemprego e
subemprego, e às baixas rendas per capita.
5.2 A Comunidade de Santa Silvana
Com o objetivo de melhor entender a configuração da produção
familiar, tanto no que se refere à organização interna das unidades produtivas,
quanto às relações desse segmento com os demais setores da economia, e de
encontrar nesse espaço produtivo possibilidades e restrições para uma
proposta de desenvolvimento sustentável, apresenta-se como campo de
análise o 6º distrito de Pelotas, denominado de Santa Silvana. (Ver FIGURA 8)
O distrito de Santa Silvana está localizado na região serrana do
Município, com uma área de 444 km2 e uma população de cerca de 5.600
habitantes.
216
FIGURA 8 MAPA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – DIVISÃO DISTRITAL
Município de Canguçú
Vila Lange
Colônia Z-3
Cerrito Alegre
LAGOA DOS PATOS
Est
.
Quilo
mbo
Est
. Q
uilo
mbo
Quilombo
Rincão da Cruz
2° D
7° D
8° D
3° D
BR 116
Arroio do Padre
10° D
BR 1
16
Município de Morro Redondo Monte
Bonito
Est. Q
uilombo
Cascata
9° D
5° D
BR 392
BR 392
P E L O T A S
ESCALA GRÁFICA
0 1 2 4 6 8 Km
PORTO ALEGRESÃO PAULORIO DE JANEIRO
4° D
BR
116
Legenda:
ÁREA DE ESTUDO
PERÍMETRO URBANO
DIVISÃO DISTRITAL
ESTRADA FEDERAL
ESTRADA MUNICIPAL
SEDE DOS DISTRITOS
Fonte: Prefeitura Municipal de Pelotas - Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SMUMA) - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural (SMDR) - Departamento Municipal de Estradas de Rodagem (DMER), 1990.
Município de São Lourenço do Sul
Santa Silvana
6° D
217
Conforme informações obtidas em pesquisa feita anteriormente sobre
essa área21, em torno de 60% da população de Santa Silvana é constituída por
descendentes de imigrantes de origem pomerana, formadores do que pode se
chamar de uma comunidade rural. Nas palavras de ETGES
(...) isto é, ao mesmo tempo, um território definido por oposição dos territórios vizinhos, e um território construído que serve a seus habitantes de residência, de instrumento de trabalho e de quadro de sociabilidade. Este habitat faz coincidir o local de vida e o de trabalho, e combina a vida doméstica e a vida coletiva. (ETGES, V. E., 1991, p. 87)
Ao mesmo tempo em que se observa uma acentuada homogeneidade
étnica nessa comunidade, vale lembrar as considerações de MENDRAS
(1978), quando afirma que, ao observador vindo de fora a impressão é a de
estar entrando num mundo fechado, no qual todos têm em comum a mesma
herança cultural, baseada num mesmo sistema de valores e um mesmo
“instrumental” intelectual e verbal. Portanto, trata-se de uma verdadeira
“comunidade”.
Na realidade, segundo o mesmo autor, é o contraste com a sociedade
envolvente que ressalta a unidade interna, apesar das diferenças existentes
entre os membros formadores de uma comunidade.
21
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. Valores Culturais da Família de Origem Pomerana no Rio Grande do Sul – Pelotas e São Lourenço do Sul. Coord. Giancarla Salamoni. Pelotas: EDUFPel, 1995.
218
De qualquer forma, essa “aparente” unidade vem sendo mantida entre
os descendentes dos imigrantes através de um código padronizado de valores
culturais (papéis sociais, práticas religiosas, festas comunitárias, hábitos
alimentares, entre outros) e, sobretudo, da manutenção de uma linguagem
comum, expressada, nesse caso, pelo uso do dialeto pomerano.
A comunidade de Santa Silvana tem sua organização espacial formada
por um pequeno aglomerado urbano22, representando a sede distrital, em torno
do qual se encontram localizadas as propriedades rurais de produção familiar
(até 50 ha).
Na sede da comunidade existe uma subprefeitura responsável pela
coordenação e execução de obras públicas, principalmente pela abertura e
conservação de estradas. A infra-estrutura é formada basicamente pela
presença de um estabelecimento comercial, uma central telefônica e um posto
de saúde.
A rede de ensino de Santa Silvana é composta por 12 escolas
municipais de 1º grau incompleto (1ª a 5ª séries), distribuídas pela área rural, e
por uma escola estadual de 1ª a 8ª séries do ensino fundamental, localizada na
sede da comunidade. Os filhos dos agricultores que decidem continuar seus
estudos, precisam deslocar-se até a cidade de Pelotas, distante 53 km da sede
de Santa Silvana.
22
Segundo o IBGE, define-se como situação urbana o conjunto de domicílios recenseados nas áreas urbanizadas, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. (IBGE, 1991)
219
Nessa comunidade, observa-se a existência de uma Igreja Católica e
outra Protestante (Confissão Livre), onde são realizadas as missas e cultos
dominicais. Aliás, é interessante ressaltar que os descendentes de pomeranos
pertencem à chamada Igreja de Confissão Livre.
Para a maioria dos membros da comunidade, esses encontros
dominicais representam os únicos momentos de lazer e descanso e, também, a
realização da sociabilidade entre as famílias dos produtores rurais e os
moradores da sede.
Os salões comunitários, construídos ao lado das Igrejas, são presença
marcante na comunidade. Esses locais são destinados à realização de festas
típicas (festa da colheita, quermesse e o “Stipper”23), além de casamentos e
batizados.
Essas festas comunitárias são, na verdade, um elemento característico
da cultura pomerana. A fartura de pratos originários da culinária trazida pelos
imigrantes se mantém até hoje, como o ganso defumado, carne de porco e
muitos doces, sendo servidos por ocasião dos festejos comunitários.
Recentemente, em 1998, foi inaugurado em Santa Silvana, um museu
etnográfico da cultura pomerana, fruto do trabalho de pesquisa e extensão
realizado por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Universidade
Federal de Pelotas.
23
É assim chamado pelos pomeranos o ritual religioso e festivo da "Serenata da Páscoa". No sábado de Aleluia um grupo de homens veste roupas femininas e pinta os rostos e mãos. Em silêncio, deslocam-se em procissão, visitanto as casas dos descendentes dessa etnia; na chegada saúdam os moradores anunciando a Ressurreição de Cristo, tocando instrumentos musicais e cantando hinos religiosos. (Ver UFPel, 1995)
220
Sabe-se, assim, que essa comunidade, formada a partir de uma rede
de relações sociais, culturais, econômicas e territoriais, encontra-se hoje
fundamentada nas atividades desenvolvidas pelos produtores familiares, esses
os verdadeiros agentes do desenvolvimento presente na área.
A organização das unidades de produção teve sua origem na
implantação da agricultura colonial pelos imigrantes:
O conjunto unidade de produção-família como sistema finalizado, onde as decisões tomadas são consideradas como meios de adequar, por um lado, os objetivos (o mais geral é a reprodução da unidade de produção e da família) e, por outro lado, os condicionantes referentes ao meio socioeconômico externo. (NEUMANN, P., 1993, p. 67)
Entretanto, a partir da década de 50, revertendo o quadro de uma
agricultura colonial que se baseava na consolidação de uma estrutura produtiva
capaz de assegurar, acima de tudo, a subsistência dos membros da família
(através da apropriação direta dos frutos de seu trabalho), vem ocorrendo em
Santa Silvana uma tendência crescente em direção à especialização produtiva
voltada para o mercado industrial.
Como apresenta QUESADA,
Se, no passado a pequena propriedade sustentava-se no policultivo, intensificando a reciclagem de seus recursos locais (com baixo custo), hoje dela é exigida uma produção especializada, capaz de fazer frente às economias de escla mais capitalizadas. E a especialização, com menor eficiência energética, vem sendo acompanhada de severos desajustes nos padrões de utilização de mão-de-obra, uma vez que os novos processos são poupadores do fator humano. Soma-se a isso o fato de que, antes, a família rural possuía tarefas mais equilibradas, distribuídas ao longo do ano, fruto da diversificação de cultivos. (QUESADA, G. M. et al., 1991, p. 17)
221
O marco fundamental desse processo, em Santa Silvana, foi a
introdução do cultivo do fumo, que se constitui em matéria-prima para as
indústrias de cigarros e empresas de exportação de fumo em folha. Essa fase
de mudanças no sistema produtivo coincide com o que as recentes publicações
sobre agricultura no Brasil mencionaram como - Revolução Verde.
De forma sintética, os diversos autores24 asseguram que a formação
dos chamados Complexos Agroindustriais - CAI’S passa a orientar os
processos de produção no agro brasileiro. De setor responsável pelo
fornecimento de alimentos e matérias-primas, a agricultura converte-se,
também, em mercado consumidor dos produtos industriais, envolvendo
máquinas, equipamentos, insumos químicos, enfim, o conjunto de elementos
que definem o modelo tecnológico moderno.
Gradativamente, os produtores familiares de Santa Silvana passam a
incorporar a chamada industrialização da agricultura e modificam os sistemas
de produção através da substituição dos produtos tradicionalmente cultivados,
os quais cedem espaço para o cultivo de fumo. Ao lado disso, os produtores
vão perdendo as atitudes e práticas herdadas dos seus antepassados e
passam a adotar os pacotes tecnológicos repassados pelas indústrias
fumageiras.25
24
Sobre esse assunto, ver especialmente MÜLLER, G. (1985) e (1989); SORJ, B. (1980); WILKINSON, J. (1975) 25
ANJOS (1995) explica que o agricultor introjetou a idéia de que "plantar na técnica" está sempre em oposição ao modo tradicional de produzir, como se não pudessem ser complementares entre si. Por exemplo, usar o esterco de vaca é visto como uma prática ultrapassada, em relação ao adubo químico divulgado pela indústria.
222
Nesse caso, as indústrias utilizam-se da assistência técnica para
alterar os antigos conceitos dos agricultores quanto às formas de cultivar a
terra. Como explica SILVA,
Um bom exemplo é o caso dos pequenos produtores de fumo do Rio Grande do Sul, ligados por contratos às grandes empresas multinacionais do setor. Estas apropriam-se do ‘saber camponês’ dos produtores de fumo, através da contratação de técnicos, filhos de pequenos produtores, gerando assim uma tecnologia adequada àquela relação de dominação que as empresas multinacionais tinham interesse em estabelecer. (SILVA, T.G., 1993, p. 15)
Paralelamente, na ânsia de adequar a produção às exigências do
padrão industrial, tanto em termos de produtividade da terra como do trabalho,
os produtores familiares tornam-se dependentes de insumos técnicos e
químicos de origem externa à propriedade.
CHAYANOV traduz esta vinculação ao mercado industrial e comercial
quando expõe que,
a “máquina comercial” interessada numa qualidade normal de mercadorias que reúne, também começa a interferir ativamente na organização da produção. Dita as condições técnicas, adota sementes e fertilizantes, determina a rotação e converte seus fornecedores em executores técnicos de seus objetivos e seu plano econômico. (CHAYANOV, A.V., 1974, p. 310-11)
Além da perda de autonomia frente ao processo produtivo, pode-se
dizer que a fumicultura em Santa Silvana restringe o desenvolvimento
sustentável da agricultura, na medida em que os níveis de produtividade e
rendimentos econômicos são obtidos às custas de enormes desperdícios
energéticos e da aceleração do processo de degradação ambiental.
223
Por outro lado, identifica-se na produção familiar dessa área um
enorme potencial com vistas ao novo patamar que conduz à sustentabilidade
dos agroecossistemas.
Evidentemente, esse processo de transição exige mudanças nas
tomadas de decisão por parte dos produtores familiares. Em linhas gerais,
O conceito de viabilidade econômica na unidade de produção familiar não pode ser definido apenas por critérios econômicos; a estes devem ser acrescidos critérios sociais e ecológicos. (SILVEIRA, P. e DALMORA, E., 1993, p. 68)
Para melhor entender as singularidades da organização da produção
familiar, tornou-se necessário incorporar, às analises teóricas, a caracterização
empírica da realidade agrária da comunidade de Santa Silvana,
especificamente dos produtores de fumo.
Procurando avançar nesse sentido, pensou-se em entrevistar todos os
produtores rurais existentes no Distrito de Santa Silvana. Mas, após uma
consulta prévia aos cadastros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Pelotas, abandonou-se esta idéia. Segundo essa fonte, encontram-se, na área
em questão, em torno de 700 produtores. Em vista disso, tal procedimento
ficou inviabilizado, dada a escassez de recursos financeiros e humanos, e a
própria disponibilidade de tempo para executar a tarefa.
Como alternativa, procedeu-se a um levantamento amostral referente a
80 produtores,no qual cada um deles representa uma unidade de produção
familiar, sendo, dessa forma, possível traçar um perfil quantitativo e qualitativo
224
destes. As informações foram obtidas através de contatos diretos, sob a forma
de entrevistas semi-estruturadas com as famílias. (Ver ANEXO 1)
Para proceder-se à escolha dos 80 produtores a serem entrevistados,
fez-se uma amostragem intencional baseada nos seguintes critérios:
1º) Os produtores deveriam estar localizados exclusivamente no distrito
de Santa Silvana - 6º distrito do Município de Pelotas;
2º) Os entrevistados deveriam ser de origem pomerana, conforme
identificação feita durante a realização de pesquisa antecedente26;
3º) Por último, deveriam ser identificados como sendo um produtor
familiar “típico”, isto é, um proprietário individual de sua terra, que trabalha
auxiliado pelos membros da família e, com eles, forma a unidade produtiva.
Nesse caso, em termos conceituais e empíricos, toma-se a “unidade
produtiva” como unidade básica de análise, tendo em vista que esta constitui o
espaço de produção, consumo e reprodução do grupo familiar.
Por grupo familiar entende-se o conjunto de todos os membros que
formam a unidade produtiva e participam direta e indiretamente do processo de
produção e reprodução camponesa. Desse modo, algum dos filhos que tenha
constituído nova família, se continua ligado à unidade produtiva, ou, ainda,
qualquer pessoa ligada por laços de parentesco na mesma situação, são todos
considerados como membros de um único grupo familiar.
26
Ver UFPel (1995)
225
Na elaboração do roteiro de entrevistas, procurou-se incluir vários
aspectos referentes à organização interna das unidades familiares (indicadores
sociais, econômicos, técnicos e de produção). Ainda, pretendeu-se identificar a
percepção dos produtores quanto aos processos de degradação ambiental
provocados pela fumicultura.
Nesse particular, percebeu-se a relevância de criar uma nova
“consciência social” sobre a produção, no seu sentido mais amplo. Ou seja, o
reconhecimento da correspondência existente entre as relações de produção e
a degradação ambiental.
Nas palavras de SILVA deve-se pensar além da “produção da
produção”, é necessário pensar, também, na “produção da consciência”. Este
autor complementa, afirmando:
As relações que se estabelecem entre os homens e a natureza são resultantes das relações que os homens estabelecem entre si. (SILVA, J. G. da, 1996, p. 13)
Dessa forma, torna-se relevante, nos estudos que abordam estratégias
de transição para um modelo sustentável de desenvolvimento, detectar-se
algumas das práticas sociais estabelecidas pelos produtores, cuja gênese
repousa no ideal de construção de uma vivência comunitária. Os principais
vínculos mantenedores dessa situação advêm da posição social homogênea
que os integrantes de uma comunidade têm. Conforme SANTOS,
Todos são proprietários privados da terra e todos utilizam força de trabalho familiar. Muitas vezes e, não casualmente, se lembrarmos a estabilidade geográfica de suas biografias, também têm relações de parentesco entre si. (SANTOS, J. V. T. dos, 1978, p. 158)
226
A seguir são analisados alguns dos elementos inerentes à organização
do processo produtivo da área em estudo, na qual se encontram inseridos os
produtores familiares e suas unidades de produção.
5.2.1 Organização da Terra: posse e uso das unidades produtivas
Na porção do Município de Pelotas onde se encontra localizada a
comunidade de Santa Silvana, a ocupação das terras esteve marcada pela
presença de propriedades de menores dimensões, uma vez que esta área
destinava-se ao projeto de colonização, implementado tanto pela iniciativa
pública quanto pela particular.
Desde o início da ocupação das terras, a norte e noroeste do
município, houve um flagrante predomínio, tanto em número quanto em área,
dos estabelecimentos rurais de 30 a 50 hectares.
Segundo dados da pesquisa de campo, o tamanho médio das unidades
produtivas familiares é de aproximadamente 21 hectares. Cabe lembrar que
vem ocorrendo, ao longo do tempo, um processo de parcelização das colônias
originais, através da divisão patrimonial por herança.
Observa-se, pela TABELA 6, que predominam as unidades familiares
com menos de 50 hectares, correspondendo a 90% delas, e apenas 8
unidades com mais de 50 ha, representando 10% do total.
227
TABELA 6 NÚMERO E ÁREA TOTAL DAS UNIDADES FAMILIARES
POR GRUPOS DE ÁREA, EM SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
GRUPOS DE ÁREA (ha)
Nº DE ESTABELECIMENTOS ÁREA (ha)
ABSOLUTO % ABSOLUTO %
Menos de 1
De 1 a 10
De 11 a 20
De 21 a 30
De 31 a 40
De 41 a 50
Mais de 50
-
14
29
24
05
04
04
-
17,5
36,25
30
6,25
5
5
-
80,5
443,5
594,5
180,5
173
215,5
-
4,78
26,28
35,23
10,70
10,25
12,77
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
Os produtores familiares da área de estudo são todos proprietários da
terra. A maioria dos produtores receberam parte de sua propriedade através de
herança e, posteriormente, aumentaram o patrimônio familiar com a compra de
novas parcelas de terra.
Ser proprietário é um aspecto supervalorizado pela ótica camponesa,
uma vez que a propriedade individual tem para o produtor um significado de
autonomia. É ele, na condição de proprietário, que tomará as decisões a
respeito do processo produtivo, tanto em termos da organização da produção,
como do controle do processo de trabalho. Isso significa, acima de tudo, que o
fator terra constitui a base sobre a qual irá empregar o trabalho coletivo do
grupo familiar.
228
Por outro lado, a segurança do acesso permanente à terra é um dos
condicionantes para que o produtor familiar tenha interesse em assegurar a
reprodução (simples e ampliada) das potencialidades dos recursos naturais e a
própria preservação do meio ambiente.
Os dados relativos à área pesquisada mostram a expressividade da
categoria de terras próprias (100%), sendo que alguns produtores (10%)
acumulam a condição de parceiros. Não se registra a presença de posseiros e
arrendatários. (Ver TABELA 7)
TABELA 7 CONDIÇÃO LEGAL DAS TERRAS ENTRE AS UNIDADES
FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS
CATEGORIAS
Própria
Parceria
Ocupada
Arrendada
Outras
ABSOLUTO RELATIVO
80 100
08 10
- -
- -
-
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
Quanto ao uso das terras, parte-se do princípio de que nem toda a área
da propriedade é efetivamente utilizada com atividades agropecuárias. É
comum encontrarem-se áreas de mata nativa ou com reflorestamento
229
(principalmente de eucalipto e pinus), onde o relevo apresenta declividades
mais acentuadas.
De maneira geral, ocorre um predomínio das culturas temporárias, mas
alguns cultivos permanentes e forrageiras também são comuns na área.
Uma prática freqüente na utilização das terras em Santa Silvana é a
associação no cultivo de alguns produtos da lavoura temporária, como é o caso
do consórcio feijão e milho. Como o feijão é cultivado nas entrelinhas do milho,
esse tipo de prática agrícola acaba impedindo o uso de mecanização. Com
isso, as tarefas empregadas na lavoura são essencialmente manuais.
Embora com menor freqüência, o cultivo do milho também encontra-se
consorciado com outros produtos de autoconsumo dos produtores familiares,
como é o caso da associação com a batata-inglesa, abóbora e mandioca.
Muito embora o uso da terra nessa área seja reconhecido
empiricamente pela especialização da cultura do fumo, o estudo realizado
mostra a permanência da diversificação de culturas. Esse fato pode ser
considerado como um dos fatores que permitem a reprodução da unidade
produtiva e das próprias famílias, porque: a) permite satisfazer, de forma
adequada, suas necessidades de consumo; b) torna possível, através da
comercialização dos excedentes, as entradas sucessivas de recursos
monetários necessários à aquisição dos demais bens, provenientes do setor
urbano-industrial; e c) favorece a ocupação plena da força de trabalho familiar
ao longo do ano agrícola.
230
5.2.2 Relações sociais de trabalho
O trabalho familiar: os membros pertencentes à unidade produtiva
camponesa, envolvidos diretamente no processo produtivo, são consignados
como mão-de-obra familiar. Esse termo engloba os pais, filhos e outros
membros consangüíneos ou não, que trabalham unidos e apresentam uma
característica em comum quanto à remuneração, ou seja, nenhum desses
trabalhadores recebe, em troca de seus serviços, um pagamento monetário,
pelo menos não na forma de salário.
Observa-se que, se por um lado é a participação direta dos membros
no processo de trabalho que os define como mão-de-obra familiar, por outro
lado, o resultado do seu trabalho é compartilhado por todos os membros da
família, estejam ou não envolvidos diretamente na produção. Esse é o caso
dos velhos e crianças que não têm condições físicas para trabalhar,
participando apenas do consumo familiar.
Na fumicultura, a família desempenha um papel decisivo na
organização do trabalho. Todos os membros, em condições de assumir tarefas,
executam algum tipo de trabalho, estabelecido de acordo com os princípios
específicos da divisão de trabalho por sexo e idade. Por exemplo, o chefe da
família, geralmente o pai, auxiliado por outros membros do grupo (quase
sempre os filhos maiores e do sexo masculino), assumem a responsabilidade
de gerenciar a unidade familiar e executar as tarefas mais “pesadas” do
processo produtivo, isto é, o trabalho na lavoura, principalmente o cultivo do
fumo.
231
De outro lado, aparece o trabalho feminino e dos filhos menores, estes
últimos sem distinção de sexo. Mesmo que o critério comumente utilizado para
designar os encargos dessa mão-de-obra seja a participação em atividades
“leves”, ligadas às tarefas domésticas, cuidados com a horta e pequenos
animais, sabe-se que as mulheres e crianças atuam diretamente em toda a
produção agropecuária.
Segundo WANDERLEY (1989), o trabalho desempenhado pelas
mulheres encontra-se marcado por três características básicas: é constante,
intenso e diversificado. Confirma-se, assim, que a jornada diária das mulheres
é específica, porque combina as atividades desempenhadas na produção
agropecuária com a execução de tarefas domésticas. Estas últimas são, quase
sempre, realizadas nos períodos intercalares do tempo destinado à lavoura e
ao criatório animal.
A verdade é que a mulher camponesa, seja ela produtora de fumo ou
não, tem sido duplamente explorada. Primeiro, porque o fato de executar
tarefas domésticas, como cuidar dos filhos, da casa, da horta, dos animais
domésticos, da alimentação, além de ser igualmente responsável pela
sobrevivência do grupo familiar, não é devidamente valorizado, e isso, muitas
vezes, nem mesmo é considerado como trabalho.
Por outro lado, o trabalho que a mulher dedica às tarefas agrícolas
propriamente ditas, é considerado apenas como “ajuda”. Na prática, esse
procedimento demonstra o não-reconhecimento da mulher como agente no
232
processo produtivo, o que contribui para subestimar ainda mais o valor da mão-
de-obra familiar quando da contabilidade de custos de produção.
O certo é que, tanto para as mulheres, quanto para os outros membros
do grupo familiar, a complementariedade do trabalho é imprescindível para
satisfazer as suas necessidades e para manter o patrimônio da família. Por
isso, todos trabalham e alguns até se sobrecarregam de funções, como é o
caso das mulheres.
Esse tipo de coletivismo no processo de trabalho faz parte do raciocínio
tipicamente camponês e acompanha os produtores desde as gerações mais
jovens até a velhice, explicando a extensão da vida produtiva existente na
produção familiar. No caso da fumicultura, essa característica é ainda mais
explorada, devido às especificidades desse cultivo, no que tange ao trabalho
desenvolvido durante a produção.
O processo do fumo é intensivo, com mão-de-obra utilizada de forma
contínua durante todo o ano agrícola. Algumas das etapas nas quais não se
exige grande esforço físico, permitem o aproveitamento da mão-de-obra
“precoce”, isto é, desde cedo os filhos e filhas menores ajudam em algumas
das tarefas relacionadas a esse cultivo. O mesmo raciocínio aplica-se para os
mais idosos, os quais encontram na fumilcultura a possibiIidade de prolongar a
sua participação como membro ativo na unidade familiar27.
27
Conforme esclarece ETGES, “consideramos as pessoas de até 60 anos como unidades de força de trabalho em pleno vigor, porque esta é a prática entre os camponeses, ou seja, as pessoas trabalham até o fim de suas vidas, só deixando de fazê-lo em caso de doenças”. (ETGES, V. E., 1991, p. 119)
233
O Trabalho Contratado: mesmo que o trabalho dos membros do grupo
familiar seja predominante na produção de fumo (100%), em determinadas
situações ocorre a demanda por mão-de-obra externa. (TABELA 8)
TABELA 8 TIPOS DE MÃO-DE-OBRA UTLIZADA NAS UNIDADES
FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM
CATEGORIAS
Familiar
Permanente
Temporário
Ajuda Mútua
ABSOLUTO
80
4
26
20
RELATIVO
100
5
32,5
25
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99
Até mesmo a utiIização de equipamentos e insumos industriais, cujo
objetivo é otimizar o trabalho dos membros da família, não elimina a
incompatibilidade entre o “timming” presente na produção agrícola e a mão-de-
obra disponível. Principalmente nos períodos críticos do ciclo agrícola, como,
por exemplo, durante a colheita, empregam-se trabalhadores externos. Entre
as 80 unidades familiares pesquidas, 37,5% utilizam mão-de-obra contratada,
sendo que, destas, 26 famílias empregam pessoal temporariamente, e apenas
4 utilizam trabalho externo de forma permanente. O trabalho de terceiros na
produção familiar representa a forma encontrada pelos produtores para suprir a
234
demanda suplementar de trabalho nas tarefas que exigem rapidez e muitos
braços, como é o caso da colheita do fumo. Porém, em nenhum momento,
implica a completa substituição da mão-de-obra familiar, mas é utilizada além
dela.
Ressalta-se que, entre 255 das famílias entrevistadas, é comum a
prática da ajuda mútua, ou seja, a troca de serviços entre parentes e vizinhos,
desde que não implique pagamento remunerado, mas sim a devolução dos
dias trabalhados sempre que for solicitado. Esse procedimento só acontece
nos períodos de safra agrícola ou em casos de situações emergenciais, como
doenças na família, perdas de patrimônio, etc...
5.2.3 Relações técnicas de produção: a modernização da unidade familiar
À medida que os fatores tradicionais – recursos naturais, principalmente
o fator terra, e suas combinações com mão-de-obra – são substituídos pelos
fatores modernos – recursos industriais e de serviços –, ocorrem profundas
repercussões, tanto de ordem econômica quanto social, na organização interna
da unidade familiar. O resultado dessa transformação, que faz surgir novas
combinações entre os fatores, é entendida como modernização da agricultura.
Uma das primeiras conseqüências desse processo é o aumento das
despesas monetárias, pois os itens embutidos na modernização são adquiridos
externamente às unidades produtivas, junto aos circuitos urbano-industriais.
Na área da produção familiar no distrito de Santa Silvana, o processo de
235
substituição de fatores tradicionais ocorreu paralelamente à expansão do
cultivo de fumo.
As empresas fumageiras, compradoras do produto, passam a exigir dos
produtores de fumo um cultivo adequado ao processamento industrial, forçando
a alteração das bases produtivas, como, por exemplo, o plantio de mudas
selecionadas, utilização de fertilizantes e adubação química, além de outras
prescrições técnicas, como o uso de inseticidas, herbicidas, etc...
Em regra, as despesas com custeio são financiadas com recursos
próprios, uma vez que o produtor familiar de fumo não tem obtido rendimentos
compatíveis com os elevados juros bancários. Isso configura uma relação de
interdependência existente entre o nível de renda dos produtores familiares e
os investimentos em tecnologia.
Tomando como referência as informações obtidas no campo (TABELA
9), constata-se que o uso de calcário é expressivo entre as unidades familiares:
85,9% delas realizam a correção do solo. Da mesma forma, os fertilizantes são
empregados por uma parcela significativa das famílias (80,77%), seguindo-se
os fungicidas, numa proporção de 67,85%. Por último, encontra-se a presença
dos herbicidas e inseticidas entre 66,67% das famílias.
Quanto à mecanização agrícola, percebe-se que não ocorreu uma
substituição total no emprego de técnicas tradicionais – tração animal em favor
do emprego da tração mecânica – nos trabalhos da lavoura.
236
TABELA 9 USO DE INSUMOS ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE
SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM
TIPOS DE INSUMOS
Fertilizantes
Inseticidas
Calcário
Herbicidas
Fungicidas
Sementes e Mudas
ABSOLUTO
63
52
67
52
53
52
RELATIVO
80,77
66,67
85,90
66,67
67,95
66,67
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
Pela TABELA 10, as informações da pesquisa de campo revelam que,
entre as 80 unidades produtivas estudadas, 83,3% utilizam a tração animal, e
em apenas 34 dessas (43,6%) emprega-se a mecanização, sendo que, nessas
últimas unidades, ocorre a utilização conjunta das duas modalidades de tração,
isto é, apesar de possuírem maquinaria agrícola, a tração animal não foi
eliminada.
237
TABELA 10 USO DE TRAÇÃO MECÂNICA E ANIMAL ENTRE AS
UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS –RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM
TIPOS DE TRAÇÃO
Mecânica
Animal
ABSOLUTO
34
65
RELATIVO
43,59
83,33
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
Para o produtor familiar, a aquisição de máquinas e instrumentos
representa um aumento no seu patrimônio que, juntamente com a propriedade
da terra, deve ser mantido como garantia da sua condição de proprietário
individual dos meios de produção.
Quanto aos serviços de assistência ao produtor, fornecidos pelo
Governo, encontram-se representados pela extensão rural exercida pela
EMATER e EMBRAPA. As agências locais têm como uma das suas filosofias
de trabalho o “atendimento ao pequeno produtor”. Porém, mesmo sendo o alvo
principal da ação dos técnicos, os produtores familiares não mantêm um
contato sistemático com esse tipo de serviço. Entre as 80 unidades
pesquisadas, somente 41% delas recebem assistência técnica sistemática,
enquanto 32 delas, na mesma proporção relativa, permanecem à margem dos
benefícios da pesquisa e extensão rural.
Já no que se refere ao crédito rural, os agricultores familiares, em regra,
deveriam beneficiar-se de financiamentos, a fim de terem acesso a meios mais
238
modernos de produção e, com isso, elevar seu padrão tecnológico. No entanto,
apenas 10,26% dos produtores pesquisados fazem uso sistemático do sistema
oficial de crédito. Muitos outros já o fizeram no passado e, atualmente, não o
fazem mais devido às altas taxas de juros cobradas pelos bancos. A maioria,
representada por 76,92% da amostra, não utilizam esta modalidade de
financiamento e, na faIta de recursos ou crédito, adquirem insumos industriais
e maquinaria agrícola no limite permitido pelos recursos obtidos com a
comercialização da sua produção. (TABELA 11)
TABELA 11 UTILIZAÇÃO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CRÉDITO RURAL
ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM
TIPOS DE SERVIÇOS
SISTEMATICAMENTE EVENTUALMENTE NUNCA
ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT.
Assistência Técnica Crédito Rural
32 8
41,04
10,26
17
11
21,80
14,10
32
60
41,03
76,92
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
No que diz respeito aos produtores de fumo, existe um tipo específico de
relacionamento entre produtor/indústria, mediado pelos chamados instrutores
do fumo. A orientação dada pelo instrutor refere-se substancialmente à forma
de aquisição dos insumos por parte do produtor, ao padrão tecnológico a ser
posto em prática sob a orientação e assistência técnica da empresa e, ainda,
ao controle quanto à exclusividade na entrega do produto à empresa
239
fornecedora dos insumos.
Na área das 80 famílias entrevistadas, 51,28% recebem orientação
técnica fornecida pelas indústrias fumageiras e, em segundo plano, aparece o
trabalho de assistência desenvolvido pela agência local da EMATER, a qual
atende 38,46% das unidades familiares. (TABELA 12)
TABELA 12 ÓRGÃOS QUE FORNECEM ASSITÊNCIA TÉCNICA E
CIENTÍFICA ENTRE ÀS UNIDADES FAMILIARES DE
SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM
TIPOS DE ÓRGÃOS
EMBRAPA
EMATER
Indústrias
Outros
ABSOLUTO
9
34
40
3
RELATIVO
11,54
38,46
51,28
3,85
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
A presença do técnico da indústria ultrapassa a esfera produtiva, uma
vez que, segundo ETGES, no manual do instrutor a regra básica é esta:
exercer atividades de relações públicas, com participação em festividades, auxílio aos produtores e seus familiares em caso de emergência ou no relacionamento com autoridades, etc; com a finalidade de manter uma posição de liderança na comunidade e, especificamente, junto aos produtores, visando a um bom nível de cooperação com a empresa. (ETGES, V. E., 1991, p. 112)
240
Geralmente, esse tipo de profissional reside na área produtora de fumo,
sendo, muitas vezes, ele próprio um fumicultor que possui um bom
relacionamento, capaz de inspirar a confiança das famílias produtoras.
Importa ressaltar a ação modernizadora corporificada pelos agentes da
extensão rural. A norma geral de conduta desses agentes consiste em negar o
saber tradicionalmente adquirido pelo produtor familiar, ou seja, o chamado
“saber camponês”, a fim de retirar dele o controle total sobre o processo
produtivo.
Não se deve perder de vista que os modelos tecnificados difundidos
junto aos produtores familiares fazem aumentar a dependência destes em
relação aos grupos comerciais e industriais fornecedores de insumos e
compradores da produção agrícola. O produtor rural passa a ter custos de
produção mais elevados, além de assumir os riscos associados à nova
conduta.
Em suma, esse processo de artificialização da agricultura assume um
caráter predatório de recursos naturais e humanos, impedindo o
desenvolvimento de sistemas produtivos sustentáveis a médio e longo prazo.
Porém, ainda observam-se casos em que a unidade produtiva familiar
adota indicadores da modernização tecnológica, mas, é o produtor quem coteja
dos recursos técnicos o que “serve” e o que “não serve”, de acordo com seus
interesses, possibilidades econômicas e condições específicas de sua terra,
em termos de potencialidades agroecológicas. Entretanto, essa situação
dificilmente é encontrada entre os produtores integrados às indústrias do fumo.
241
5.2.4 – A organização da produção
O cultivo do fumo: se, por um lado, as estratégias do processo de
modernização em nível nacional, levaram um contingente de produtores rurais
a serem excluídos do processo produtivo, por outro lado, uma parcela
considerável deles adaptou sua estrutura de produção, integrando-se aos
Complexos Agroindustriais, apoiados por políticas direcionadas aos produtos
que servem de matéria-prima para o setor industrial.
Assim, ao tomar parte desse processo de integração, os produtores
familiares passam a organizar sua produção considerando a exigência de
especialização para o mercado.
No caso do cultivo do fumo, ainda que este seja limitante em termos de
desenvolvimento tecnológico, representa uma opção viável diante da estrutura
agrária local, e, ainda, a possibilidade de equacionar um dos problemas
fundamentais enfrentados pelos produtores familiares – a comercialização.
Representa, portanto, a possibilidade de obtenção de recursos monetários
capazes de financiar a reposição e expansão dos bens industriais, ao mesmo
tempo em que ajuda garantir a reprodução do grupo familiar. Na área
pesquisada, dos 80 produtores familiares entrevistados, 52,6% são
fumicultores.
Cabe aqui explicitar mais detalhamente as especificidades relativas à
cultura do fumo.
O fumo é uma planta herbácea de ciclo anual (120 a 240 dias), cujo
porte vai de 0,8 até 2,8 metros de altura, conforme a variedade e o grupo de
242
fumo. Possui teor expressivo de um alcalóide chamado nicotina, cuja
porcentagem varia de acordo com a espécie cultivada.
Assim, a “Nicotina Tabacum” abrange um grande número de variedades
que se destinam ao fabrico dos tabacos comerciais.28
Em Santa Silvana, o grupo Estufa é, sem dúvida, o mais importante,
destacando-se o tipo Virgínia como o mais cultivado pelos produtores da área.
Esse tipo de planta requer um solo leve e se adapta bem a terrenos arenosos e
com baixos teores de matéria orgânica, necessitando apenas de algumas
correções de nutrientes (como fósforo e potássio) e sendo bastante resistente à
acidez dos solos.
Nos meses de maio e junho, inicia-se o processo de cultivo. Tais tarefas
envolvem o preparo da lenha a ser usada nas estufas, o preparo do viveiro de
mudas (desinfecção29, adubação e semeadura), o preparo do solo para onde
será feito o transplante das mudas, o plantio e tratos culturais da lavoura, como
capina, capação das flores e desbrote.30
28
Segundo ETGES (1991), pode-se classificar sob o ponto de vista comercial, os seguintes grupos de fumo: “a) Estufa: fumos curados com calor artificial em estufas. Nesse grupo, têm-se os tipos Virgínia e Amarelinho; b) Galpão: são curados com calor natural em ambiente de galpão. Os tipos desse grupo são Burley, Comum, Charuto e Aromático; c) Corda: fumos colhidos verdes, destalados e enrolados em forma de corda. Sua secagem é feita ao sol e a cura à sombra. Os tipos mais cultivados são Paulista, Rio Grande e Mineiro.” (ETGES, V. E., 1991, p. 97) 29
A preparação dos canteiros de fumo – retângulos de 50 m2 – demonstram o elevado poder
de contaminação ambiental desse cultivo. Para desinfecção, cobre-se o canteiro com uma lona plástica e aplica-se o “Brometo de Metila”, que age no solo, envenenando e destruindo os organismos prejudiciais ao desenvolvimento das mudas. O processo de aplicação desse produto químico exige muito cuidado, pois as conseqüências de um contato direto são fatais para o homem. (ETGES, V. E. 1991) 30
A “capação” consiste na eliminação das flores e de algumas folhas da ponteira da planta, e o “desbrote” é a retirada dos brotos laterais que prejudicam o desenvolvimento das folhas. Em geral, é feito com aplicação de produtos químicos. (ETGES, 1991)
243
Em dezembro e janeiro, inicia-se a colheita das folhas maduras. Esse é
um dos momentos mais trabalhosos no cultivo do fumo, pois ele é colhido em
etapas, conforme aconselham os instrutores das indústrias em publicação
distribuída aos agricultores:
As primeiras folhas a amadurecer são as da base do pé e as últimas são as da ponta (...). Cada vez que se colhe fumo para encher a estufa, deve-se passar a roça toda, não quebrando mais de duas folhas, em média, por pé. (LIEDKE, E. R., 1977, p. 72)
O fumo do tipo Virgínia, cultivado em Santa Silvana, apresenta uma
média de 2 a 4 folhas maduras por semana, o que faz com que a colheita seja
feita em intervalos de sete dias, em média.
Segundo os produtores entrevistados, a fase da colheita e, em seguida,
a da secagem do fumo, é o período em que o “colono mais sofre”, ou seja,
mais trabalha, e a “família toda precisa ajudar”.
Assim, após a colheita, faz-se a preparação das folhas para colocar na
estufa (são atadas em feixes de duas a três folhas e, depois, penduradas em
varas para a secagem).
Cada secagem leva, em média, de 4 a 5 dias, e durante esse tempo o
fogo precisa ser mantido permanentemente com temperaturas estáveis,
adequadas ao processo de retirada de toda a umidade das folhas. Na
secagem, as folhas passam por modificações físicas e químicas, que irão
244
determinar a qualidade final do fumo e sua classificação31.
Tanto na colheita como na secagem e classificação das folhas de fumo,
a jornada do grupo familiar torna-se mais intensa. As tarefas são realizadas
ininterruptamente, inclusive aos domingos, especialmente quando a família do
produtor é constituída de poucas pessoas, não permitindo um revezamento na
jornada de trabalho.
Pelas observações feitas, é justamente nesse período que o trabalho
infantil é mais utilizado, tanto que o calendário escolar deve ser cumprido até a
metade de dezembro, caso contrário as crianças simplesmente faltam às aulas,
porque são requisitadas para “ajudar” na colheita e classificação do fumo.
Outro aspecto relevante, observado junto aos produtores de fumo,
refere-se ao fato de não demonstrarem, estes, nenhum tipo de preocupação
em relação à possibilidade de contaminação através do manuseio do fumo,
principalmente por parte das crianças e idosos.
Sabe-se que, durante todo o processo de cultivo, o fumo recebe grandes
quantidades de agrotóxicos (inseticidas, herbicidas e fungicidas). Pode-se dizer
que a fumicultura, em todas as fases do seu cultivo, representa riscos de
intoxicação para o produtor e sua família.
31
Essa primeira classificação do fumo é feita pelo produtor, sendo as folhas agrupadas conforme sua posição no pé (baixeira, meeiras, ponteiras) e sua coloração (laranja-limão; laranja-limão-castanho; castanho-laranja-limão). Posteriormente, o fumo é reclassificado ao chegar à indústria. (Ver ANEXOS 2 e 3)
245
Não é raro observar-se, nessa área, as famílias fazerem suas refeições
nos galpões onde estão armazenado o fumo para a secagem.
Os produtores alegam que “não podem perder tempo”. Então, combinam
as tarefas de “amarração” do fumo com a sua alimentação.
Em Santa Silvana, o armazenamento dos insumos químicos é feito no
mesmo local que serve de depósito para o fumo. Trata-se de uma construção
de madeira, fechada pelos quatro lados, com uma porta e, às vezes, uma
janela. Como a ventilação é precária, o cheiro dos agrotóxicos é muito forte.
Observam-se, por exemplo, dentro do galpão do fumicultor, agrotóxicos,
aparelho de aplicação dos produtos, junto com produtos agrícolas (batata-
inglesa, feijão, milho, etc...). Em alguns casos, os produtos químicos, sobretudo
os altamente tóxicos, encontram-se armazenados nas próprias residências dos
produtores.
O fumicultor, quando faz as aplicações dos agrotóxicos, não toma
nenhuma medida preventiva contra possíveis intoxicações. Não se preocupa
com a posição em relação ao vento, nem com o horário do dia. Os
equipamentos de aplicação encontram-se, na maioria dos casos observados,
danificados (vazamentos nas mangueiras, nas válvulas de sucção, na tampa),
favorecendo um contato direito do produtor com os produtos químicos. É
freqüente, ainda, observar os produtores aplicando os agrotóxicos sem a
indumentária adequada.
Os equipamentos de proteção individual – EPI – são indicados de
acordo com o grau de toxicidade e vias de penetração dos pesticidas no
246
homem (ingestão, contato, inalação e abrasão). Os tipos de equipamentos
necessários, em cada situação de contato, como máscara, óculos, luvas,
chapéu, botas, macacão, são indicados nos rótulos das embalagens e nos
receituários agronômicos. (ALMEIDA e SOARES, 1992)
Em Santa Silvana, dificilmente os equipamentos de proteção são vistos
nas propriedades e, mais raro ainda, é ver o produtor utilizá-los. Tais
equipamentos não são adquiridos pelos fumicultores, e aqueles que possuem
algum dos itens, como botas de borrachas, usam-nas em épocas de chuvas
para outras atividades. As máscaras e óculos, quando excepcionalmente
encontrados nas propriedades, estão em desuso.
Sabe-se, também, que o lixo agrotóxico tem que ser eliminado para
evitar a contaminação do meio ambiente. As embalagens perecíveis podem ser
queimadas, e as demais devem ser enterradas em local específico para este
fim. Da mesma forma, são imprescindíveis os cuidados com restos dos
produtos químicos, os quais não podem ser despejados em cursos de água.
Na comunidade de Santa Silvana, as embalagens vazias são
abandonadas em qualquer lugar da propriedade ou jogadas nos arroios
próximos. Em um dos casos observados, o fumicultor reutilizava as
embalagens mais resistentes para outros fins (como depósito de sementes ou
como reservatório de ração e água para os animais), apesar da expressa
proibição nos rótulos dos produtos.
Outro aspecto importante é o relativo aos hábitos de higiene dos
produtores. Na comunidade, a higiene pessoal não é levada em consideração
247
pela maioria dos fumicultores, quando trabalham com agrotóxicos. Para se
alimentarem, raramente lavam as mãos e, no término das atividades, não se
preocupam em trocar de roupa ou tomar banho, para retirar resíduos
superficiais deixados pelos produtos químicos.
Pelo exposto, vê-se claramente que as normas e recomendações sobre
o uso correto de agrotóxicos na cultura do fumo, não são observados pelos
produtores rurais em Santa Silvana. Ficou comprovado que não existe uma
percepção clara por parte do produtor e de sua família, em relação às
conseqüências danosas dessa prática sobre o meio ambiente e à sua própria
saúde.
Segundo ALMEIDA e SOARES (1992), existem algumas variáveis
sociais que permitem explicar este comportamento, a saber:
a) o grau de escolaridade: a capacidade de leitura dos agricultores é
deficitária, pois estes não lêem ou lêem mal;
b) a linguagem técnica: os termos técnicos utilizados nos rótulos não são
de domínio congnitivo do produtor e, ainda, a quantidade de informações
existentes nos rótulos ocasiona confusão aos usuários;
c) a existência de problemas fisiológicos: refere-se à insuficiência visual
de grande parte dos produtores. Geralmente, as letras dos rótulos e do
receituário agronômico são pequenas, o que demandaria o uso de óculos para
serem lidas. Entretanto, poucos produtores rurais possuem esse meio de
correção da visão e, quando o possuem, limitam-se a utilizá-lo para assinar
documentos, assistir a programas de televisão, etc.
248
Ainda, segundo as informações dos fumicultores entrevistados, as
indústrias fumageiras responsáveis pela distribuição dos agrotóxicos não
oferecem uma orientação técnica eficiente sobre o correto manuseio desses
produtos. Tampouco responsabilizam-se pelo recolhimento e destino das
embalagens vazias, que se tornam, após o uso, lixo tóxico.
Fica evidente que as demandas externas à unidade de produção
familiar, baseadas em critérios puramente econômicos, produzem
irracionalidades ecológicas, tanto na organização interna das propriedades
rurais, quanto na degradação dos recursos básicos à reprodução da sociedade
como um todo (contaminação das reservas hídricas, dos solos e dos
alimentos).
Outra das restrições à sustentabilidade ambiental, impostas pelo cultivo
do fumo, é o acentuado desmatamento.
Segundo dados fornecidos pela Associação dos Fumicultores –
AFUBRA –, no Estado do Rio Grande do Sul, o consumo total de lenha a cada
safra equivale a 2.275.000 metros cúbicos, correspondendo à destruição de
6.070 hectares de matas. (ETGES, 1991)
As atividades relativas à produção de lenha para a fumicultura
concentram-se em dois períodos distintos durante o ano:
– o primeiro período é durante o inverno (junho, julho), quando é
efetuado o corte das árvores, seguido do armazenamento;
– o segundo corresponde aos meses de dezembro até março, quando a
lenha cortada no inverno é queimada nas estufas de fumo.
249
Conforme ETGES (1991), cada produtor, em média, enche a estufa de 8
a 10 vezes por safra, sendo que cada secagem leva de 4 a 5 dias, consumindo
de 5 a 8 metros cúbicos de lenha cada vez.
Cabe salientar que a maior parte do volume de lenha utilizado provém
do corte de matas nativas, uma vez que os próprios produtores admitem sua
preferência por espécies desse tipo, alegando que a lenha de eucalipto aquece
demasiadamente a tubulação das estufas. Esse superaquecimento provoca,
segundo os fumicultores, danos freqüentes na tubulação, aumentando as
despesas com reparos e manutenção das instalações.
Os dados da AFUBRA confirmam essa situação, pois estes dão conta
de que a mata nativa é, sem dúvida, a principal responsável pelo
abastecimento energético utilizado nas unidades fumicultoras do Estado do Rio
Grande do Sul. Já sobre as atividades de reflorestamento, as principais
espécies vegetais plantadas pelos produtores com destino específico para a
produção de lenha, são o eucalipto e a acácia negra.
Tomando como referência um levantamento feito sobre a situação
florestal dos fumicultores32 nas últimas safras, observa-se que a área de
florestas nativas tem superado expressivamente a área de matas artificiais na
produção de lenha. (Ver FIGURA 9)
32
Os dados obtidos referem-se à área média ocupada com florestas nativas e plantadas nas propriedades rurais produtoras de fumo, no RS. (Ver Cadernos de Pesquisa. Série Botânica, 1998)
250
FIGURA 9 SITUAÇÃO FLORESTAL DOS FUMICULTORES
FONTE: Caderno de Pesquisa Série Botânica, Santa Cruz do Sul, 1998, p. 62.
É oportuno esclarecer que os dados obtidos em relação à cobertura
florestal nativa referem-se não somente à floresta primária ou à floresta
secundária, ou, ainda, à floresta em formação, mas sim a toda a cobertura
florestal acima do porte arbustivo, que, na visão do produtor, passa a ser
caracterizada como “mato”. Isso também explica os altos índices de cobertura
florestal nativa nas propriedades dos fumicultores. (Cadernos de Pesquisa
Série Botânica, 1998)
Quando os produtores são inquiridos sobre se a produção de fumo está
causando danos às reservas florestais, eles são categóricos em concluir que,
uma vez feito o plantio de matas artificiais, como o reflorestamento com
eucalipto, não ocorre nenhum prejuízo ao meio ambiente. Também foi
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
FLORESTA NATIVA FLORESTA PLANTADA
Áre
a (
%)
251
salientado, pela maioria dos produtores (83% dos entrevistados), que o fato de
eles adquirirem lenha em outros locais, fora do distrito de Santa Silvana,
contribui para a preservação ambiental na sua comunidade.
Contrariamente, à visão dos fumicultores pode-se dizer que a cultura do
fumo representa um modelo insustentável e autofágico, decorrente da
exploração predatória adotada no manejo e uso dos recursos florestais.
As perspectivas colocadas diante dessa realidade passam por
formulação de propostas em novas bases para a agricultura de mercado,
fundamentada em práticas conservacionistas, adequadas a cada realidade fito-
edafoclimática e, principalmente, que não coloquem em risco a sobrevivência
do ecossistema natural e dos produtores rurais.
A comercialização do fumo nos mercados industriais é feita de modo
direto e, por isso, não envolve nenhum tipo de intermediação entre produtores
e industrias. Essa relação coloca face a face produtores familiares e
empresários, sendo que estes últimos assumem uma tripla função: primeira, a
de comerciantes compradores do produto; segunda, a de industriais
transformadores do produto adquirido; e, por último, a de fornecedores de
insumos industriais e assistência técnica.
Desse relacionamento surgem os “contratos” de integração entre
produtor e agroindústria. Na área pesquisada, os itens e cláusulas desse
compromisso são formulados oralmente, no período que antecede a safra,
sendo mais um “acerto” informal entre as partes, do que propriamente um
contrato legal.
252
ETGES esclarece ainda que,
antes de concretizar a relação, a empresa avalia a situação do produtor como, por exemplo, tamanho da propriedade, número de pessoas disponíveis na família para trabalhar, reservas de matas para fins de obtenção de madeira para secagem do fumo, etc... (ETGES, V. G., 1991, p. 122)
Essa avaliação do produtor é feita pelo técnico que trabalha para as
fumageiras, chamado de “instrutor do fumo”. O resultado dessa seleção vai
determinar uma diferenciação entre os produtores familiares, os quais passam
a ser divididos em dois grupos distintos: os integrados e os não-integrados.
Nos termos do acordo feito com os produtores integrados, a empresa
compromete-se a fornecer a assistência técnica e os insumos necessários à
produção do fumo; em contrapartida, o produtor compromete-se a entregar
todo o fumo produzido à empresa contratante.
Quanto às instalações necessárias ao cultivo do fumo, como estufa e
galpão, são construídas com financiamento bancário, avalisado pelas
indústrias. Os produtores levam, em média, de 3 a 5 anos para saldar a dívida
com o banco33 e, durante esse período, permanecem atrelados à indústria
fumageira que serviu de avalista no contrato de crédito com o banco. Enquanto
existir a dívida do produtor, este não tem autonomia para optar por outra
empresa que esteja classificando melhor seu produto e, conseqüentemente,
oferecendo preços mais elevados pelo fumo.
33
Segundo alguns depoimentos, quando um produtor não consegue saldar sua dívida junto ao banco, a empresa “força-o” a plantar até 100% a mais, para que o custeio da nova safra possa cobrir a dívida do ano anterior.
253
Entre as indústrias fumageiras que atuam no distrito de Santa Silvana,
destaca-se a Souza Cruz, com 64,3% do mercado, ou seja, 27 produtores
familiares da amostra comercializam sua produção com esta indústria. Em
seguida, aparece a Companhia Rio-grandense, que detém 16,7% da
comercialização do fumo na área pesquisada.
O restante dos fumicultores encontram-se integrados a outras
indústrias, cuja presença não é tão expressiva como a das anteriormente
mencionadas.
As indústrias responsabilizam-se pelo transporte do produto da
propriedade rural até o local de processamento (no caso, o município de Santa
Cruz do Sul, distante 400 km de Pelotas) e pelo fornecimento das sementes e
dos insumos químicos. É interessante ressaltar que é a indústria que decide
sobre a variedade a ser plantada, cuja semente, para desenvolver-se, exige o
uso de agroquímicos produzidos por empresas estrangeiras, associadas às
fumageiras34.
Dessa forma, para produzir fumo com classificação adequada às
exigências do mercado, é necessário que o produtor disponha de capital que,
via de regra, só é obtido através do sistema de crédito oficial, intermediado pelo
crivo das indústrias.
34
Esse controle monopolista sobre o processo produtivo fica evidenciado pelo fato de que nenhum estabelecimento comercial do ramo de sementes e agroquímicos comercializa os insumos da lavoura do fumo.
254
As palavras de ETGES esclarecem essa situação, ao afirmar que
verifica-se, portanto, que na medida em que é a empresa que fornece as condições para a produção, ela assume o papel de agente financeiro dos produtores. Mas, como este financiamento se dá predominantemente via Banco do Brasil, configura-se aí a presença do Estado como elemento fundamental, pois este viabilizando o processo de exploração, criando as condições socioeconômicas para a acumulação, cria também as condições para a associação ou articulação com o capital externo e para o avanço no sentido da centralização e dinamização do capital monopolista. (ETGES, V. E., 1991, p. 124)
Esse processo tem como conseqüência a subordinação do trabalho
familiar às empresas fumageiras, que não é apenas de natureza técnica, mas
também econômica, através da qual a indústria realiza a extração do valor da
mão-de-obra familiar.
Além disso, endividados ao final de cada safra com os adiantamentos
para compra de insumos, resta aos produtores pouca margem para barganhar
ou fazer reivindicações de preços justos para o fruto do seu trabalho – a
produção de fumo.35
Concorre ainda, para agravar a posição desfavorável dos fumicultores
frente ao poder econômico das indústrias, a própria condição do produtor
familiar, ou seja, a de ser um trabalhador individual, que estabelece uma
relação individualizada com as empresas. Como os acordos de compra e
venda do fumo são tratados separadamente com cada produtor, isso acaba
35
ETGES (1991) acrescenta que “a relação (dos produtores) com a instituição bancária não é algo tranqüilo e se dá muito em função do ‘fenômeno’ fumo. O banco significa desde a possibilidade de fomentar a capitalização (aquisição de bois, terras, construção da estufa, etc), até a expropriação de parte da renda da terra, via cobrança de juros; neste último caso, financiar é sinônimo de tornar o banco um sócio compulsório dos resultados da produção”. (ETGES, V. E., 1995, p. 17)
255
dificultando uma atuação de caráter coletivo, no momento de reivindicar
melhores preços para o fumo.
Todos os produtores do fumo entrevistados nesta pesquisa têm a
mesma reclamação, ou seja, a sua exclusão das discussões que estabelecem
as regras para a classificação do fumo e a determinação do preço feitas pela
indústria no momento da entrega do produto.
Entre outras razões, o fato de estarem localizados geograficamente
distantes das indústrias e, até mesmo, da sede da Associação dos Produtores
(AFUBRA), faz com que os fumicultores de Santa Silvana não tenham
condições de acompanhar a classificação do fumo e também, não tenham
representatividade política junto à associação que os representa.
Observa-se que a relação dos produtores de fumo de Santa Silvana
com a AFUBRA dá-se via adesão destes ao Seguro Mútuo36 oferecido por esta
Entidade de Classe, uma vez a maioria dos fumicultores optam pelo “seguro do
fumo”, ao invés de utilizarem o PROAGRO (seguro agrícola oferecido pelo
governo como item das políticas oficiais para a agricultura brasileira).
A relação entre produtor familiar e as agroindústrias, via
estabelecimento de preços, caracteriza-se por regras estabelecidas quase
36
Seguro Mútuo da AFUBRA: A AFUBRA, fundada em 1955, com sede em Santa Cruz do Sul-RS, mantém, através do Departamento de Mutualidade, um seguro da lavoura de fumo, que dá cobertura a prejuízos causados por granizo e vendaval. Oferece ainda um Auxílio de Queima de Estufa, mediante pagamento de uma taxa. O seguro, conforme documento explicativo da própria Entidade, é feito através do instrutor do fumo das empresas que, como agenciador, preenche a Ficha de Inscrição e envia a 1ª via, acompanhada de ordem de pagamento, para a AFUBRA. A empresa com a qual o produtor se encontra integrado, compromete-se em descontar deste o valor do Seguro, no momento da comercialização e, em seguida, repassá-lo à AFUBRA. Observa-se, pela forma como o seguro é feito, que a autonomia da AFUBRA em relação às indústrias fumageiras, é bastante limitada. (ETGES, V. E., 1991)
256
unilateralmente pela indústria, a qual faz valer sua dominação através dos
mecanismos de controle, seleção e retardamento no recebimento do produto.
O preço pago pelo fumo, diferenciado por categoria de classificação, é
estabelecido anualmente no período que antecede a safra, e resulta de
acordos firmados entre representantes das empresas (SINDIFUMO) e a
Associação dos Produtores de Fumo (AFUBRA). Os valores obtidos pelo
acordo deveriam, em princípio, resultar do levantamento de custos da
produção. Entretanto, essa avaliação esbarra nas dificuldades em mensurar
quantitativamente cada um dos itens presentes no custeio da produção do
fumo.
No caso dos produtores familiares, as despesas não estão
discriminadas, mas apresentam-se como “custo total”. Dentro desse cálculo, o
produtor estabelece uma visão dicotômica entre os itens obtidos externamente,
aos quais atribuem valores monetários, e a força de trabalho familiar, que não é
contabilizada nos custos totais. Isso ocorre precisamente porque o produtor
não atribui para si e para os demais trabalhadores da família uma remuneração
específica, isto é, o grupo familiar é remunerado com vestuário, saúde, lazer,
entre outros, e não com salários monetários.
Nesse caso, no cálculo econômico realizado pelo produtor, são
computadas apenas as despesas efetivamente realizadas, sejam elas compra
de sementes, fertilizantes, herbicidas, inseticidas, aquisição e manutenção de
maquinaria, ou ainda, despesas com a mão-de-obra contratada e as
relacionadas aos financiamentos bancários. Entretanto, apesar de o trabalho
257
familiar ter um custo e de este estar embutido na geração dos produtos, não é
contabilizado nos custos de produção.
Em outros termos,
O trabalhador é explorado, mas não vende a sua força de trabalho, pelo contrário, é o produto do seu trabalho, o fumo, que contém todo o trabalho (ou sobretrabalho) não-remunerado que é apropriado pelo capital. (ETGES, V. E., 1991, p. 128)
A fixação de preços do fumo é, sem dúvida, o momento em que tanto a
relação de subordinação dos produtores ao capital industrial, como a auto-
exploração da mão-de-bra familiar tornam-se mais evidentes, como explica
CHAYANOV,
A intensidade do trabalho e o alto ingresso bruto se tornam atrativos para as unidades econômicas campesinas, que aceitam uma remuneração muito baixa para cada unidade de trabalho. Como resultado, se cria uma situação de mercado de preços tão baixos para os produtos que se torna desvantajosa a competição com a unidade de exploração capitalista (...) (CHAYANOV, A. V., 1974, p. 284)
Em vista dessa especificidade da produção familiar, em que o fator
trabalho se encontra subvalorizado, é possível admitir que o preço do produto,
na realidade, não proporciona sequer o lucro médio e, não raro, situa-se abaixo
do custo real de produção.
Diante do exposto, pode ser óbvio concluir que o cultivo de fumo é
desvantajoso, do ponto de vista puramente econômico; entretanto, na lógica
das unidades produtivas familiares, a manutenção dessa atividade assume
funções específicas, justificadas da seguinte forma pelos produtores: para
258
alguns, a produção de fumo funciona como única fonte de renda externa, e o
fato de a produção não ser devidamente valorizada pelo mercado, não implica
sua eliminação do contexto produtivo. As relações desfavoráveis estabelecidas
com a agroindústria são compensadas pela auto-exploração da mão-de-obra
familiar. Nesse caso, a intensificação do trabalho substitui os gastos com
outros fatores, rebaixando os custos de produção.
Para outros produtores, o cultivo de fumo pode ser considerado
rentável à medida que os ingressos obtidos com a comercialização possibilitem
sua capitalização, a ponto de permitir maiores investimentos na unidade
familiar, sejam eles diretamente na esfera produtiva ou na melhoria das
condições de vida (acesso a bens de consumo, como eletrodomésticos,
automóveis e construção ou reformas nas habitações familiares, entre outros).
Por outro lado, apesar de permanecerem como fumicultores, dos
produtores familiares entrevistados, apenas 14,2% responderam que adquirem
maquinaria agrícola, eletrodomésticos e móveis para a casa, ou ainda, fazem
aplicações em caderneta de poupança, com os rendimentos da venda do fumo.
Enquanto isso 81,0% dos entrevistados declararam que “não dá mais para
comprar terra, nem animais, nem máquinas, muito menos ‘luxo’ para a família
(como antena parabólica, televisão, freezer) com o dinheiro do fumo”.
A cada safra, os gastos com insumos tornam-se mais elevados, e o
preço pago pelo fumo não é suficiente para cobrir as despesas com a
fumicultura.
259
Dentro do conjunto de fatores que viabilizam a permanência do cultivo
de fumo destaca-se, como de fundamental importância, a presença de
atividades complementares no interior das unidades produtivas, como, por
exemplo, a produção para autoconsumo e as atividades de fabricação caseira
de alimentos.
Essas atividades subsidiam, indiretamente, o cultivo do fumo, ao
garantirem a contínua reprodução do grupo familiar, este responsável pelo
processo de trabalho utilizado na fumicultura.
Pode-se afirmar que os rendimentos das unidades de produção familiar
são compostos por duas partes, a saber:
1ª) rendimentos monetários, obtidos com a venda do fumo e do
excedente da produção de subsistência;
2ª) rendimentos em espécie, obtidos com a produção de alimentos
para consumo da família e do rebanho animal.
A composição destes rendimentos permite cobrir as despesas com a
produção agrícola e os gastos utilizados para suprir as necessidades básicas
do grupo familiar.
Produção Agropecuária de Subsistência: uma das particularidades
da produção familiar na agricultura do distrito de Santa Silvana, é o fato de esta
ser “especializada de forma incompleta”, na medida em que produz para o
mercado industrial, mas mantém ativa a produção agrícola destinada ao
autoconsumo (subsistência).
260
A permanência dessa produção complementar, associada ao cultivo do
fumo, constitui, de fato, uma alternativa de sobrevivência diante da
instabilidade enfrentada pelos produtores em relação ao mercado de preços
pagos pelo fumo.
Segundo os produtores, a manutenção dos cultivos de subsistência e
da fabricação artesanal de produtos para o consumo familiar, depende de
alguns fatores: primeiro, a rentabilidade da lavoura de fumo, isto é, nas safras
em que há previsão de preços baixos para o produto, ou em casos de perdas
por intempéries, pragas, etc., a lavoura de subsistência assume maior
importância por garantir o abastecimento da unidade produtiva, e, ainda, por
representar uma possibilidade de ingressos monetários com a venda dos
excedentes; segundo, o número de pessoas que formam o grupo familiar, ou
seja, a disponibilidade de mão-de-obra para dedicar-se aos outros cultivos,
além do fumo. Nessa situação, observa-se a capacidade do produtor familiar
de submeter-se a jornadas de trabalho muito intensas, caracterizando o que
CHAYANOV chama de auto-exploração camponesa,
O grau de auto-exploração da força de trabalho se estabelece pela relação entre a medida da satisfação das necessidades e a do peso do trabalho. (CHAYANOV, A. V., 1974, p. 84)
Na verdade, a combinação de atividades da policultura com o criatório
animal não é um elemento novo entre os produtores dessa área. Desde o início
da colonização, associações desse tipo formavam a base produtiva das
unidades familiares.
261
Genericamente, os tradicionais produtos agrícolas cultivados pelos
agricultores desde a sua fixação na área, que permanecem até hoje, são o
milho, feijão, batata-inglesa e, entre os hortigranjeiros, a cebola, tomate e
abóbora. Todos estes são produzidos visando ao autoconsumo, mas
frequentemente geram um excedente comercializável.
WANDERLEY, explica que
A diversificação das culturas, como é sabido, caracteriza a produção familiar tradicional. Ela é a forma adequada de prover as necessidades da família. Isto porque, por um lado, permite a manutenção de um equilíbrio entre produtos destinados ao autoconsumo e produtos cuja comercialização assegura os meios para aquisição dos demais bens de consumo e de trabalho; por outro lado, a diversidade de culturas ocupa mais plenamente a força de trabalho familiar durante todo o ano. Finalmente, a venda de diversos produtos, inclusive o excedente ao auto-consumo, em diversos momentos torna possível as entradas sucessivas de recursos ao longo do ano, favorecendo, assim um melhor equilíbrio. (WANDERLEY, M. N. B., 1989, p. 32)
Para que se pudesse avaliar a presença da produção de subsistência
no interior das unidades produtivas, foi pesquisada a freqüência das principais
culturas agrícolas praticadas entre as 80 famílias entrevistadas. O resultado
pode ser observado na TABELA 13.
262
TABELA 13 PRINCIPAIS CULTIVOS DE SUBSISTÊNCIA PRESENTES
NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE CULTIVAM
TIPOS DE CULTIVOS
Cebola
Feijão
Morango
Milho
Batata-inglesa
Outros
ABSOLUTO
50
66
53
69
65
39
RELATIVO
64,10
84,61
67,95
88,46
83,33
50
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
Entre essas culturas, destaca-se o binômio milho - feijão. O milho é
cultivado por 88,5% das unidades familiares, tendo um duplo papel para estas.
Primeiro, servir à dieta alimentar dos produtores, depois de beneficiado, e, na
sua forma “in natura”, destinar-se à alimentação dos animais (especialmente
aves e suínos).
O feijão, cultivado por 84,6% das unidades familiares, seguido pela
batata-inglesa (83,3%) são produtos de grande expressividade na produção
agrícola da área, pois ambos representam os gêneros básicos na alimentação
dos descendentes de pomeranos que vivem em Santa Silvana.
A produção hortigranjeira também tem representantes significativos na
organização da produção das unidades familiares. Os hortigranjeiros são
importantes, não só do ponto de vista da alimentação (em pratos de preparo
263
simples ou na forma de doces, geléias e conservas), como também por serem,
freqüentemente, canalizados para o mercado, representado pelas feiras e pelo
comércio atacadista e varejista.
O envolvimento dos produtores com as atividades da horticultura e,
também, da fruticultura, requer uma utilização quase diária da mão-de-obra
familiar e proporciona um fluxo constante de ingressos monetários.
Conforme as informações da TABELA 14, vê-se que o fumo não
representa o único canal de comercialização entre os produtores familiares de
Santa Silvana. Apesar de parcela significativa das unidades familiares (53,7%)
praticar a venda de fumo, destacam-se também os altos índices de
comercialização do cultivo de morango. Nesse caso, 57,5% das famílias
entrevistadas fornecem esse produto para as indústrias de doces e conservas
locais.
TABELA 14 CANAIS DE COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ENTRE AS
UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM
TIPOS DE PRO- DUTOS
COM. ATACADISTA
COM. VAREJISTA FEIRAS LIVRES AGROINDÚS TRIAS
ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT.
Cebola
Batata
Fumo
Feijão
Milho
Morango
23
15
-
06
11
04
28,75
13,751
-
7,50
13,75
5
10
11
-
05
08
01
12,50
13,75
-
6,25
10
1,25
09
08
-
05
03
05
11,25
10
-
6,25
3,75
6,25
-
-
43
-
-
46
-
-
53,73
-
-
57,5
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.
264
Ainda o excedente das culturas de subsistência é transferido para o
setor urbano através da venda a intermediários, que comercializam nas feiras
livres, ou diretamente aos representantes do comércio atacadista. A cebola e a
batata inglesa aparecem como os produtos mais comercializados pelos
produtores familiares junto ao mercado atacadista, sendo que 28,75% das
famílias vendem a cebola e 18,75% vendem a batata inglesa.
A presença de culturas que servem tanto para a subsistência humana
como para o consumo alimentar do criatório animal, revela que este tipo de
atividade encontra-se associado à organização produtiva de caráter familiar.
A criação de animais de pequeno porte é bastante comum na área,
servindo tanto para abastecer a unidade produtiva com carnes e derivados
(leite, queijos, manteiga, ovos, banha e outros), quanto para servir como força
de trabalho, no caso do rebanho bovino, uma vez que a tração animal é
largamente utilizada nas tarefas agrícolas.
Com base no levantamento feito pela pesquisa de campo, a presença
do criatório animal encontra-se representada por diversas espécies, conforme
pode ser observado na TABELA 15.
A presença expressiva dos rebanhos bovinos (em 97,44% das famílias)
e eqüinos (70,51%) refere-se, além do atendimento às necessidades
alimentares, ao seu aproveitamento como força de trabalho.
265
TABELA 15 PRINCIPAIS TIPOS DE REBANHOS ANIMAL PRESENTES
NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS
TIPOS DE NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE POSSUEM
REBANHOS
Bovino
Equino
Aves
Suínos
Ovinos
ABSOLUTO
76
55
77
61
6
RELATIVO
97,44
70,51
98,72
78,20
7,70
FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99
Ainda com relação aos outros tipos de criatório, constata-se a
expressividade na criação de aves (principalmente galinhas, patos e gansos),
presente em 98,72% das unidades familiares. O consumo desse tipo de carne
segue uma tradição mantida pelos produtores familiares, tanto no que diz
respeito ao consumo diário, como na preparação de carnes defumadas.
A suinocultura é praticada por 78,20% das famílias e, assim como a
avicultura, destina-se basicamente ao autoconsumo.
A importância desse conjunto diversificado de atividades, evidenciada
pela concomitância da produção comercial, produção de autoconsumo e
produção caseira de alimentos, somente pode ser entendida quando se
extrapola o contexto interno (familiar) e se tomam, como referenciais de
análise, as especificidades da constituição do campesinato, vis-à-vis o tipo de
desenvolvimento capitalista gerado no campo brasileiro.
266
O fato de a economia familiar estar submetida a trocas excessivamente
desiguais com o setor urbano-industrial, faz com que o produtor se mobilize
para auferir uma renda maior, capaz de elevar seu poder aquisitivo junto ao
mercado capitalista. Uma das formas encontradas pelo produtor familiar para
alcançar esse objetivo é a de comercializar uma ampla variedade de produtos
de origem agropecuária, para, em troca, adquirir os bens industrializados de
que necessita.
Esse mecanismo de sobrevivência é inviabilizado a partir do momento
em que o produtor familiar (camponês) torna-se especializado completamente,
isto é, dependente de um único produto, passível de ser transformado em
mercadoria. Em oposição a esse tipo de situação, a produção de subsistência e
fabricação caseira de alimentos são vistas como elementos essenciais ao
equilíbrio da economia familiar, proporcionando, inclusive, uma certa
independência ao camponês, pelo menos no que diz respeito à sua reprodução
enquanto ser humano.
Nas palavras de ETGES ,
...é fundamental para as empresas que o produtor de fumo produza a sua subsistência. Ao tornar-se fumicultor contraditoriamente, tem que continuar sendo camponês, ou
seja, continuar produzindo, seus alimentos. (ETGES, V. E., 1991, p. 164),
Produção Caseira de Alimentos: não resta a menor dúvida de que
esta forma de “artesanato” esteve, desde o início da colonização, associada à
agricultura familiar, na forma de atividade complementar. Logo após ocuparem
os lotes adquiridos, através da compra ou por concessões oficiais, os
267
agricultores iniciaram suas atividades produtivas, inicialmente desmatando,
construindo moradias, formando as primeiras plantações, mas, também,
praticando o artesanato doméstico através da fabricação de produtos
alimentícios.
Passando de geração em geração, graças ao esforço e dedicação das
famílias, as aptidões trazidas dos países de origem dos primeiros imigrantes,
foram usadas como forma de melhor aproveitar os frutos de suas colheitas e
melhorar suas condições de vida, prolongando não só seu valor de uso, mas
propiciando gerar valor de troca.
A diversidade na produção caseira de alimentos encontra-se na direta
dependência dos recursos disponíveis na unidade familiar, seja na forma de
matérias-primas ou de instrumentos necessários à sua transformação. Além
disso, é importante ressaltar que o processo social que move tal produção, traz
embutido em si técnicas, costumes, valores simbólicos, concretizados no
produto final, que são fundamentais à reprodução do grupo familiar, no que diz
respeito ao domínio do conhecimento na elaboração dos produtos. Isso
significa a manutenção do saber camponês, o que lhe confere uma identidade
particular e diferenciada frente ao avanço do capital no meio rural, o qual tende
a homogeneizar os padrões de produção e consumo.
O artesanato rural que compreende, nesse caso, a elaboração de
alimentos para o autoconsumo, mantém a produção de gêneros
imprescindíveis à alimentação diária das famílias, como a banha e derivados
do leite.
268
Considerando a existência de produtos industriais similares, cujo
marketing alcança também a zona rural, seria de se esperar que ocorresse
uma substituição integral de gêneros alimentícios caseiros pelos encontrados
no mercado. Entretanto, grande parte dos produtores familiares optam por
investir mais esforço e tempo de trabalho na fabricação própria desses
gêneros, por conta dos cálculos efetuados para a relação preços/custos.
Obtém, assim, produtos a custos mais baixos do que se tivessem que adquiri-
los nos mercados urbano-industriais.
O produtor familiar considera mais econômico beneficiar os produtos
na própria unidade produtiva, uma vez que dispõe, de matérias-primas, de
instrumentos, até da mão-de-obra, isentando-se da maior parte dos itens que
implicam custos monetários.
Para a conservação e transformação de frutas e legumes, os
produtores adquirem somente os produtos não produzidos por eles, como, por
exemplo, o sal. No caso do vinagre e do açúcar, muitas vezes, estes são
oriundos da produção artesanal a partir da transformação da uva e da cana-de-
açúcar, respectivamente.
Essa prática de conservação de vegetais sempre esteve ligada aos
aspectos culturais da alimentação dos imigrantes pomeranos, que atualmente
os seus descendentes vêm tentando manter nas suas famílias.
Desde o início da colonização, os excedentes da produção vêm sendo
beneficiados pelos agricultores como forma de conservá-los para os períodos
269
de entressafra e, desse modo, atender as necessidades do consumo familiar
durante todo o ano.
As diversas formas assumidas pelo artesanato rural permitem dizer que
este funcione, portanto, mais como estratégia de sobrevivência do que como
solução para a descapitalização da propriedade rural. Isso decorre do fato de o
artesanato não estar voltado exclusivamente à comercialização, mas sim, de
representar uma forma de incrementar a eficiência do trabalho familiar e de
ampliar as opções de consumo próprio.
Quando questionados sobre o aproveitamento da produção agrícola,
49,7% dos produtores pesquisados responderam que produzem conservas
caseiras, geléias, banha e derivados do leite (manteiga, queijo, etc...), somente
para consumo próprio. Já 20,3% dos produtores, além de abastecer as
necessidades da família, também comercializam os produtos artesanais. E
ainda, 30% dos produtores informaram não terem produção caseira de
alimentos, adquirindo esses gêneros no comércio urbano local ou com os
vizinhos da própria comunidade.
Através do contato direto com os produtores familiares, constatou-se
que a parcela deles a qual não se dedica à produção artesanal é formada
exclusivamente por fumicultores. Essa situação é explicada pelos entrevistados
da seguinte forma: “a lavoura de fumo ocupa todo o tempo, não dá para cuidar
da horta, do pomar e das outras lavouras do ‘jeito’ que precisa”; “não sobra
tempo para fazer os produtos em casa, tem mesmo que comprar fora”; ou
ainda “, se não fosse o fumo a gente poderia diversificar a produção”.
270
Nesse sentido, dentre todos os fumicultores da área pesquisada, 32%
afirmaram que gostariam de deixar de plantar fumo e mudar para outros
cultivos, desde que tivessem garantias para a comercialização da produção.
Por outro lado, 20,6% responderam que não teriam condições de mudar de
atividade. Estes vêem na produção de fumo a condição para se manterem na
agricultura, dada a possibilidade de venda garantida para o produto.37
ETGES (1995) afirma que as perspectivas de mudanças para os
produtores familiares de fumo decorrem, principalmente, de dois aspectos:
1º) Uma das características dos camponeses é o apego à terra, à
propriedade da terra, e muitos deles estão se dando conta de que esta
condição lhes permite cultivar outros produtos, os quais, inclusive, podem gerar
novas fontes de renda para a unidade produtiva.
2º) O crescente empobrecimento desses produtores vem
demonstrando que a degradação das suas condições de vida é decorrente da
forma como esses vêm sendo integrados ao processo capitalista de produção,
presente no espaço agrário brasileiro.
Diante dessas constatações, apresentam-se algumas propostas de
desenvolvimento para a agricultura familiar, nas quais, além de considerar os
quesitos produtividade e eficiência no atendimento às demandas do mercado
urbano-industrial, enfatizados pelo modelo capitalista dominante, outros
indicadores como a sustentabilidade conômica e ecológica da produção e da
37
Os 47,4% restantes do universo de produtores entrevistados não são fumicultores.
271
eqüidade social, devem ser levados em conta na elaboração de projetos de
desenvolvimento para o setor primário.
Colocados frente a um novo cenário, os produtores familiares
percebem que a recuperação daquele “saber”, dominado por seus
antepassados, adquire importância fundamental.
As palavras de ETGES esclarecem que
Não se trata, no entanto, de fazer apologia do passado, resgatando afirmações do tipo ‘no passado tudo era melhor’ e sim de resgatar e, ao mesmo tempo, construir uma outra compreensão da natureza, da potencialidade do solo e das águas, transformando a incrível capacidade de trabalho e de produzir na terra em possibilidade de vida melhor, mais saudável e mais feliz. (ETGES, V. E., 1995, p. 24-25)
5.3 Alternativas de desenvolvimento para a comunidade de Santa Silvana
5.3.1 Agricultura ecológica
A agroecologia fornece as ferramentas metodológicas necessárias para que a participação da comunidade venha a se tornar a força geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento. O objetivo é que os camponeses se tornem os arquitetos e atores de seu próprio desenvolvimento.” (ALTIERI, M., 1998, p. 21)
O conceito de agroecologia quer sistematizar todos os esforços em
produzir um modelo tecnológico abrangente, que seja socialmente justo,
econômicamente viável e ecologicamente sustentável. Um modelo que seja o
embrião de uma nova forma de relacionamento com a natureza, onde se
proteja toda a vida, a vida toda, estabelecendo assim uma ética ecológica que
272
implica o abandono de uma moral utilitarista e individualista, em favor da
promoção da solidariedade e defesa dos bens da criação como valores
indispensáveis.
A rigor, pode-se dizer que a agroecologia é a base científico-
tecnológica para um projeto de desenvolvimento sustentável.
Desta maneira, segundo NEUMANN (1993), o ponto de partida para o
processo de transição rumo à sustentabilidade na agricultura reside no
reconhecimento das diferentes racionalidades de decisões produtivas
presentes na produção familiar, se é que se pretende oferecer algum aporte
eficaz para enfrentar os problemas existentes na organização interna das
unidades produtivas familiares.
Não basta, entretanto, oferecer a cada tipo de produtor as técnicas e os
conhecimentos mais apropriados a cada situação, mas sim, conceber e criar
novas condições para que eles tenham interesse em praticar sistemas de
produção diversificados, apoiados na própria herança cultural e nas
especificidades do meio físico, social e econômico. É indispensável, ainda, que
seja despertada nos produtores familiares uma visão holística da sua atividade,
na qul as questões o que produzir, como produzir, para quem produzir
atendam as suas necessidades e os interesses da sociedade em geral,
principalmente no que se refere à demanda por alimentos saudáveis e de boa
qualidade.
As características intrínsecas à produção familiar podem perfeitamente
ser associadas aos princípios básicos da agroecologia. A importância estrutural
273
do núcleo familiar, que se orienta primordialmente à garantia da reprodução
social, traz consigo pelo menos duas decorrências: uma primeira e fundamental
é a visão sobre a preservação dos recursos naturais em uma perspectiva, não
da próxima colheita, mas da próxima ou próximas gerações. A segunda
decorrência é a versatilidade para manejar os recursos agroecológicos
disponíveis. Do ponto de vista produtivo, a experiência adquirida em condições
muitas vezes limite, confere uma garantia adicional de continuidade de
reprodução econômica aos sistemas produtivos de caráter familiar.
Ademais, existe maior controle no processo de trabalho, que permite
tratar de processos e cultivos com características genéticas, épocas de plantio,
tratos culturais, exigências climáticas e edáficas diversas, o que equivale dizer
que a produção familiar na agricultura adquiriu uma habilidade nada
desprezível para lidar com a complexidade de um sistema produtivo. Num
sentido complementar, há mais disponibilidade relativa de mão-de-obra e
facilidade na sua alocação em atividades que requerem tratos artesanais, como
a horticultura e a fruticultura.
Salienta-se, ainda, que a produção familiar tem grande potencial para a
agroecologia, não somente no âmbito específico do sistema de produção em si,
mas no domínio dos seus valores culturais. Pode-se dizer que, mesmo dentro
de um processo de modernização da agricultura, persiste um patrimônio
cultural camponês, identificável através dos conhecimentos sobre a gestão dos
agroecossistemas e da sociabilidade camponesa, expressa nas formas de
solidariedade comunitária (ajuda mútua, mutirões, etc...) que se estabelecem
no momento de superar as dificuldades no interior das unidades produtivas
274
familiares e, num plano geral, os problemas da própria comunidade a que os
produtores pertencem.
A agroecologia como modelo alternativo para comunidades rurais deve
associar os conhecimentos empíricos dos produtores ao conhecimento
científico, para que, em conjunto – pesquisadores, técnicos agrícolas e
agricultores –, possam desenvolver uma produção com padrões ecológicos
(respeito à natureza), econômicos (eficiência produtiva), sociais (eficiência
distributiva) e com sustentabilidade a longo prazo.
Faz-se necessária, assim, uma abordagem que torne complementares
as ações de pesquisa, extensão rural e as demandas dos produtores. O
desafio é aproximar a realidade dos laboratórios e estações experimentais das
condições dos agricultores, contemplando a participação destes nas ações de
planejamento e desenvolvimento agrícola.
Segundo ALTIERI (1998), Centros Internacionais de Pesquisa em
Agricultura, Ministérios da Agricultura, Faculdades de Agronomia e
Organizações Não-governamentais ONG’s, têm participado do desenvolvimen-
to e difusão de técnicas agroecológicas38 direcionadas para a produção
familiar.
Apenas como referência, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária – EMBRAPA, já domina o controle integrado e biológico das sete
principais pragas da agricultura brasileira. Faltam, porém, programas de
38
Combinação e rotação de culturas, adubação verde, adubação orgânica, defensivos naturais, entre outras.
275
extensão que permitam ao agricultor ter acesso a esse tipo de tecnologia
alternativa.
Na tentativa de preencher as lacunas deixadas pelas Instituições
Oficiais, destaca-se o papel que vem sendo desempenhado pelas ONG’s39 no
que se refere ao desenvolvimento de práticas conservacionistas e à sua
difusão entre os produtores familiares.
No Rio Grande do Sul, cita-se como exemplo-modelo o Centro de
Tecnologias Alternativas e Populares – CETAP, localizado na Fazenda Anoni –
Sarandi (assentamento do projeto de reforma agrária, no norte do Estado).
Este núcleo foi criado em 1986, por ocasião de um encontro sobre tecnologias
alternativas, que reuniu pesquisadores de várias áreas, comprometidos com a
agroecologia e com movimentos populares (Sindicatos Rurais, Movimento dos
Sem-Terra – MST, grupos de mulheres, trabalhadores rurais e produtores
familiares).
Além do CETAP, podem-se destacar outros organismos de caráter
idêntico atuando no Estado, como é o caso da ASPTA – Assessoria e Serviços
de Projetos em Agricultura Alternativa (Ijuí), do CAPA – Centro de Assessoria
ao Pequeno Agricultor (São Lourenço do Sul), para mencionar alguns.
Em Pelotas, a partir de 1984, a Pastoral Rural (ligada à Diocese da
Igreja Católica) começou um trabalho de incentivo à agroecologia junto aos
39
QUESADA lembra que, “nos anos oitenta, cresce a consciência política da sociedade civil em relação a essas questões. Na agricultura, o surgimento dos organismos não-governamentais, gestados pelas lutas populares, representa essa consciência, tornando-se uma força que vem convergindo positivamente para reduzir, “quiçá” transformar a hegemonia da produção tecnológica, imposta ao país”. (QUESADA, G. M. et al., 1991, p. 22)
276
produtores familiares do município, através de cursos de formação, visitas a
Centros de Agricultura Ecológica e implementação de experiências locais40.
Passada uma década, no ano de 1995, a Pastoral Rural priorizou o
trabalho de assessoria na organização dos agricultores que adotaram o modelo
agroecológico, a fim de que pudessem comercializar adequadamente os
produtos. Também, firmou convênio de cooperação com o CAPA (São
Lourenço do Sul), com o objetivo de oferecer assistência técnica, na área de
agroecologia, aos produtores familiares de Pelotas.
Como resultado dessa ação conjunta, em outubro de 1995, foi fundada
a ARPA – Sul (Associação Regional dos Produtores Agroecologistas da Região
Sul) e, em novembro do mesmo ano, foi inaugurada a primeira feira de
produtos ecológicos da região sul do Estado, na cidade de Pelotas.
Atualmente, fazem parte da ARPA – Sul, em torno de 100 famílias de
produtores rurais, distribuídas em 14 grupos. Sabe-se que vários outros grupos
estão se formando.
Os produtores associados comercializam seus produtos, duas vezes
por semana, em feiras ecológicas na cidade de Pelotas. A ARPA – Sul possui,
ainda, um entreposto fixo de venda a varejo e um restaurante natural, ambos
abastecidos pelos produtores agroecológicos.
40
A propriedade do Sr. José Luís Portantiollo, situada na zona rural de Pelotas, foi pioneira na adoção de técnicas da agricultura ecológica. A partir dessa experiência, várias famílias foram aderindo à proposta e, atualmente, a Pastoral Rural presta assessoria a 14 grupos de produtores familiares, em Pelotas e municípios vizinhos. (PASTORAL RURAL – Diocese de Pelotas, 1998)
277
Em seu programa de agricultura ecológica, a Associação tem as
seguintes prioridades:
1º) Experimentação: apesar de já existirem pesquisas tratando da
agroecologia, especialmente no desenvolvimento de técnicas que utilizem
insumos alternativos aos produtos derivados da petroquímica, sabe-se que
qualquer tecnologia deve estar adaptada às características de cada região.
Diante disso, a ARPA – Sul tem feito convênios e fomentado a troca de
experiências com instituições como o Centro de Agricultura Ecológica de Ipê, a
Fundação Gaia (Porto Alegre e Pantano Grande) e a Universidade Federal de
Pelotas, no sentido de desenvolver tecnologias alternativas que atendam às
demandas concretas dos produtores familiares e, ao mesmo tempo, aproveitem
os recursos disponíveis na própria região.
Uma dessas experiências, desenvolvida em Pelotas, trata do
aproveitamento de resíduos produzidos pelas indústrias locais, que podem ser
utilizados como fonte de fertilização do solo e proteção contra pragas nos
cultivos ecológicos. Para citar alguns exemplos: a casca de arroz e serragem
(produzidas pelos engenhos de beneficiamento de arroz) são usadas como
cobertura morta para o plantio direto; as cinzas da casca de arroz e de madeira
servem como fonte de potássio e micronutrientes para o solo; resíduos das
indústrias de doces e conservas alimentícias transformam-se em adubo
orgânico; resíduos das indústrias de laticínios são utilizados como defensivo
natural e na fabricação de composto orgânico; restos da atividade pesqueira
são usados como biofertilizante.
278
2º) Sistematização e Difusão: trata-se da organização das experiências
feitas nas “propriedades-referência” que a Pastoral Rural orienta, a fim de
produzir cartilhas técnicas, filmes e cursos que sirvam de apoio nas atividades
de difusão junto ao público, especialmente nas comunidades rurais, escolas
técnicas agrícolas, assentamentos e nas associações de produtores familiares
da região.
3º) Assistência Técnica de Campo: o apoio técnico é dado através de
calendários de cursos, palestras, seminários e dias de campo. A equipe técnica
envolve profissionais de várias áreas (agrônomos, biólogos, ecólogos,
geógrafos, técnicos agrícolas e voluntários), que independentemente da sua
formação, devem ter em comum a identidade com o “Projeto Agroecológico”.
4º) Comercialização: a experiência tem mostrado que os projetos de
agroecologia avançam com mais vigor, no momento em que a comercialização
dos produtos ecológicos está garantida, em que pese ser este um dos
principais dilemas dos produtores familiares. Constatou-se que, no momento
em que os pontos de comércio, como as feiras livres, restaurantes e
supermercados começaram a comercializar a produção agroecológica, muitos
agricultores buscaram integrar-se à associação – ARPA-Sul.
5º) Agroindustrialização: com a comercialização relativamente
organizada, o próximo passo será a agregação de valor aos produtos
ecológicos, através da industrialização, na forma de microempresas familiares.
No Rio Grande do Sul, o governo aprovou os primeiros projetos do
chamado Programa da Agroindústria Familiar. Todos os projetos contemplam a
279
produção agroecológica, reforçando a proposta de políticas oficiais que
valorizem a prática da agricultura sem agressão ao meio ambiente.
O Programa para a Agroindústria Familiar, além de financiar
equipamentos e infra-estrutura, atua na organização de grupos de produtores e
na assessoria à formulação e gerenciamento dos projetos.
Inicialmente, será disponibilizado um total de R$ 110 mil, beneficiando
22 famílias. Esses recursos são obtidos através do PRONAF (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), com juros de 6% ao ano,
subsidiados pelo Governo do Estado, sendo que o prazo de pagamento é de
até 8 anos (três anos de carência e cinco para a amortização).
Esse Programa é acessível para agricultores familiares e assentados
de todo o Estado do Rio Grande do Sul, desde que preencham os seguintes
requisitos: tenham na atividade agropecuária, pesqueira e extrativista sua
principal fonte de renda; produzam a matéria-prima necessária, ou parte dela;
tenham a força de trabalho apoiada na mão-de-obra familiar; tenham até quatro
módulos fiscais; residam na propriedade ou em aglomerados rurais; tenham na
atividade agropecuária uma renda bruta anual de até R$ 27.500,00 por família.
(EMATER, 1999)
Propostas como essa podem apresentar-se como uma das alternativas
para acabar com a dependência dos agricultores integrados aos Complexos
Agroindustriais, em que o produtor familiar apenas “planta e colhe”, ficando
para a indústria a parte mais lucrativa – o fornecimento de insumos, o
280
beneficiamento e a distribuição da produção –, resultando numa remuneração
cada vez menor para o agricultor.
Da mesma forma, o redirecionamento produtivo, através do incentivo à
produção de alimentos, poderá vir a minimizar os problemas locais e regionais
de abastecimento e, em larga escala, combater a crise mundial da fome, que
assola parte considerável da população do planeta.
Nas palavras de LUTZEMBERGER, consta o alerta de que
Grande parte do que chamamos ‘modernidade’ é exatamente a causa da miséria, alienação, desestruturação e fome que hoje se alastram. (LUTZEMBERGER, J., 1993, p. 29)
Enfim, entende-se que os prejuízos econômicos, sociais, ambientais e
energéticos (para benefício imediato de poucos) causados pelo modelo da
agricultura moderna ou convencional, atingiram patamares de
insustentabilidade. Este, então, é o momento para a busca de estratégias
viáveis de desenvolvimento regional, fundamentadas nas potencialidades
naturais e tradições socioculturais de cada espaço, que poderão configurar-se
em ações competitivas economicamente e, ao mesmo tempo, capazes de
beneficiar eqüitativamente todos os setores envolvidos na cadeia produtiva,
sem esquecer a manutenção da diversidade dos agroecossistemas.
281
5.3.2 Fruticultura: a retomada de uma potencialidade regional
Em todo o mundo, nenhum outro país como o Brasil conta com esse
gigantesco território, onde é cultivada grande variedade de frutas. Devido a
condições favoráveis – diversidade climática e fertilidade natural dos solos –,
podem-se produzir frutos de regiões tipicamente tropicais (cujas espécies mais
comuns são a banana, mamão, abacaxi, ...), mas também frutificam aquelas
que se adaptam melhor ao clima temperado do sul do País, como é o caso do
pêssego, ameixa, maçã, uva e morango, entre outras.
A ocorrência de áreas com condições ecológicas favoráveis ao cultivo
de frutas de clima temperado no Estado do Rio Grande do Sul, é um fenômeno
extremamente localizado, diante da extensão do território brasileiro.
As regiões representadas na FIGURA 10 possuem características
físicas e socioeconômicas bastante similares. Ambas apresentam um relevo
acidentado (com altitudes que variam de 100 a 400 metros), são dotadas de
um clima ameno, com verões brandos e invernos sujeitos a geadas, além de
possuírem solos férteis, formados a partir da decomposição de rochas
eruptivas básicas. O equilíbrio pluviométrico nestes locais atinge índices
superiores a 1500 milímetros anuais. (SALAMONI, G., 1992)
Esse conjunto de fatores forma o quadro natural dessas duas regiões
coloniais do Estado gaúcho. A nordeste, na chamada Encosta Superior da
Serra Geral, apesar de a policultura vigorar plenamente, tanto o cultivo de uva
quanto o de maçã marcam com expressividade o contexto produtivo das
propriedades rurais.
283
Da mesma forma, ao sul do Estado, na Serra dos Tapes (porção
individualizada do sistema de relevo formado pelas Serras do Sudeste do Rio
Grande do Sul), a fruticultura sempre teve uma importância significativa na
organização produtiva das propriedades familiares, particularmente
representada pelo cultivo do pêssego.
Em Pelotas, a porção localizada a norte e noroeste do município,
encontra-se incluída na região de cultivo de frutas de clima temperado do Rio
Grande do Sul.
Sabe-se que, desde a sua introdução no município de Pelotas, em
1874, a produção de frutas representou um sistema de cultivo que se adaptou
às características das áreas de colonização européia não-portuguesa,
responsáveis pela consolidação da agricultura de caráter familiar no município.
Entre os aspectos que caracterizam a fruticultura, pode-se dizer que,
por necessitar geralmente de pequenas áreas para seu desenvolvimento, esta
atividade encontra-se localizada em propriedades de até 50 hectares,
associada à produção da agropecuária colonial.
Também pode-se destacar a importância que assume a mão-de-obra
familiar nessa atividade, uma vez que os tratos culturais da fruticultura são
realizados, quase exclusivamente, de forma manual. Para garantir uma boa
qualidade aos frutos, exigem-se cuidados, no manejo das plantas, que só o
trabalho familiar pode desempenhar com eficiência.
284
A produção de frutas em Pelotas também foi responsável pela inserção
dos produtos familiares no circuito da comercialização. Estes destinavam o
montante produzido para a venda “in natura” nos mercados locais, muitas
vezes em troca de outros produtos de origem urbano-industrial. Apenas uma
pequena parcela dessa produção era destinada ao consumo familiar.
No início da colonização, a fruticultura possibilitou o surgimento de
várias formas de artesanato doméstico, especializado em fabricar doces,
passas e compotas. Atualmente, esse tipo de atividade ainda pode ser
encontrada no interior das unidades produtivas familiares, mas já com menor
freqüência.
Foi justamente o artesanato doméstico, desenvolvido pelos produtores
familiares, que formou o embrião das primeiras indústrias de doces e
conservas vegetais no município. Desde as agroindústrias rurais – que os
imigrantes fundaram no final do século passado, até a década de 80, fase
áurea do setor – formou-se um parque industrial de 40 indústrias conserveiras.
A partir de então, Pelotas, que sempre teve a fruticultura como uma
atividade econômica tradicional, cuja origem pode ser encontrada nas
potencialidade agroclimáticas regionais, sofreu uma grave crise na década de
90, que afetou toda a cadeia produtiva, da produção agrícola à indústria e,
ainda, a comercialização, tanto dos produtos industrializados, quanto dos
vendidos “in natura”.
Depois de uma década de dificuldades, que provocou a queda
sucessiva na produção de frutas e reduziu o número de indústrias de doces e
285
conservas de 40 para 16, vem sendo implementada uma política de
recuperação dessa atividade no contexto produtivo regional.
Ao longo dos últimos três anos, o Programa Regional de Fruticultura
Irrigada da Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul vem consolidando
suas bases e, hoje, pode ser considerado um novo pólo do setor no cenário
brasileiro.
A relevância desse Programa, coordenado pelo Comitê de Fruticultura
da Metade Sul, tem reconhecimento do governo federal, tanto que já foi
incluído no Orçamento Plurianual 2000/2003 do “Programa Avança Brasil”, pelo
qual serão obtidos recursos para projetos de pesquisa e desenvolvimento nas
seguintes áreas: Produção Integrada de Frutas, Pós-Colheita, Estações de
Aviso de Pragas e Doenças, Estações Climatológicas.
Segundo o referido Comitê, existem hoje em solo gaúcho, cerca de 6
mil hectares de pomares irrigáveis, que apresentam uma produtividade média
de 15 mil toneladas por hectare. O objetivo é aumentar a área para 10 mil
hectares e, com a irrigação, aumentar a produtividade para 20 mil toneladas
por hectare.
A atividade da fruticultura irrigada baseia-se na produção de espécies
típicas de clima temperado, cultivadas com sistemas de irrigação por
gotejamento e adubação orgânica41. Complementarmente a essa atividade,
visando a aproveitar os insumos e a irrigação da área, podem ser cultivados,
41
Essa tecnologia trazida de Israel pelos pesquisadores da EMBRAPA-Pelotas, consiste em misturar fertilizante orgânico à água e, depois, distribuir essa mistura em toda a circunferência da raiz, por meio de mangueiras que percorrem as fileiras de pés de frutas, respingando planta por planta. (Comitê da Fruticultura da Metade Sul, 1999)
286
de forma associada ao pomar, abóbora e milho (este último funciona como
quebra-vento, durante a formação do pomar).
Segundo os pesquisadores da EMBRAPA – Clima Temperado de
Pelotas, esse sistema reduz os custos de produção e promove a preservação
do meio ambiente.
Conforme mencionado anteriormente, o pêssego é o principal produto
da fruticultura no município de Pelotas. Atualmente a área com pomares ocupa
5 mil hectares e a média de produtividade é de sete a oito quilos por hectare.
Para os pesquisadores e técnicos que orientam a produção, é possível dobrar
esses valores, desde que se façam investimentos em tecnologia,
principalmente com o sistema de irrigação difundido pela EMBRAPA.
A ausência de investimentos na cultura do pêssego, nos últimos anos,
foi decorrente da crise econômica pela qual passou a cadeia produtiva desse
setor, cujos reflexos, para o produtor, deram-se nas baixas remunerações
recebidas do setor urbano-industrial. Na fase atual de retomada da fruticultura
local, a fim de garantir uma valorização justa para o pêssego e demais
produtos agrícolas comercializados com as indústrias do setor conserveiro, foi
criada a Associação da Cadeia Produtiva de Frutas e Hortaliças de Pelotas,
que agrega representantes dos produtores rurais e das indústrias de doces e
conservas.
Essa ação conjunta vem produzindo resultados positivos em todos os
segmentos envolvidos, tanto que, com a expansão da capacidade de
processamento industrial, outros produtos da fruticultura e também da
287
horticultura, começam a ocupar um lugar de destaque no contexto da produção
familiar do município. O morango é um exemplo: sua produção passou de mil
toneladas para duas mil toneladas na última safra. E produtos como pepino,
couve-flor e aspargo surgem como um novo “filão” para o setor conserveiro
local.
De qualquer forma, em Pelotas, a produção de pêssego ainda
representa o “carro-chefe” das espécies da fruticultura que abastecem o
mercado urbano-industrial local.
No final do mês de janeiro de 2000, quando as indústrias do setor de
Doces e Conservas Alimentícias fecharam seus cálculos, o Estado do Rio
Grande do Sul confirmou um recorde que foi comemorado por produtores e
empresários. A safra de pêssego para conserva chegou a 40 mil toneladas,
sendo processadas 50 milhões de latas, resultado superior ao do ano de 1981,
quando foram fabricadas 48 milhões de latas, considerado o maior volume do
setor. (Ver FIGURA 11)
O otimismo diante desses resultados vai além da excelente quantidade
e qualidade dos frutos, mas deve-se sobretudo à reversão do processo de
decadência que a produção nacional de pêssego vinha enfrentando nos últimos
anos. O ingresso do pêssego de origem grega no mercado brasileiro foi um dos
principais fatores que desencadearam a crise na cadeia produtiva de frutas no
município de Pelotas.
289
Como lembra o pesquisador João Carlos Madail, supervisor da Área de
Negócios Tecnológicos da EMBRAPA Clima Temperado de Pelotas, o produto
vindo da Grécia, subsidiado no país de origem, era colocado nos
supermercados nacionais por R$ 1,00 a lata. (Zero Hora, jan. 2000)
Por outro lado, no Brasil, o custo de processamento era de R$ 0,90,
chegando às prateleiras por, no mínimo, R$ 1,50. Essa concorrência desigual
com o similar estrangeiro desestabilizou o setor.
Na safra de 1990, por exemplo, a produção nacional ficou abaixo de 20
milhões de latas e muitos produtores foram reduzindo os investimentos na
atividade, deixando de renovar os pomares e, em muitos casos, como pode ser
observado no município de Pelotas, erradicaram os pés de pêssego das suas
propriedades.
A partir de 1995, o Governo Federal passou a implementar medidas
com vistas a assegurar o desenvolvimento da fruticultura e do setor conserveiro
da indústria nacional. No caso específico do pêssego, todo o produto vindo de
fora do Mercosul foi taxado em 44% e, em 1996, exigiu-se dos importadores o
pagamento à vista.
Porém, segundo os representantes da Cadeia Produtiva do Pêssego
de Pelotas, essas regras não são suficientes e reivindicam que a taxa sobre o
produto importado seja elevada, passando dos atuais 44% para 60%; outra
alternativa proposta é a fixação de um valor por caixa importada, em torno de
24 dólares por unidade.
290
A manutenção dessas políticas de apoio e incentivo a produtores e
agroindústrias é indispensável, pelo menos até que a fruticultura nacional
alcance um melhor estágio de desenvolvimento. Isso somente será viável a
médio prazo se, além dos ajustes nas diretrizes do comércio externo, o
Programa Regional de Fruticultura Irrigada da Metade Sul do Estado se tornar
uma meta prioritária nos projetos de desenvolvimento propostos para a região.
Em Pelotas, as 16 indústrias de doces e conservas instaladas no
município respondem por 97% da produção brasileira. No entanto, esse volume
ainda não é suficiente para atender à demanda nacional, estimada em 70
milhões de latas por ano. (SINDUCOPEL, 1999)
O Presidente do Sindicato da Indústria de Doces e Conservas
Alimentícias de Pelotas – SINDUCOPEL – prevê, para o ano de 2002, a
instalação de outras duas indústrias no município. O Presidente ressalta que,
uma vez ultrapassado o volume de consumo interno, a meta do setor “é partir
para a exportação, uma vez que as indústrias já estão adequando seus
sistemas de produção às exigências do mercado internacional”.
A importância do Programa de Fruticultura Irrigada passa também
pelas repercussões sociais, principalmente sobre o mercado de trabalho local.
Somente nesta safra de 1999, as empresas de Pelotas contrataram mais de 6
mil trabalhadores entre efetivos e temporários, e esse número deve crescer
com a estabilização da atividade. (Ver FIGURA 12)
292
Outra conseqüência positiva é que os 6 mil hectares de pomares vêm
contribuindo para a fixação do agricultor no meio rural, possibilitando emprego
para todo o grupo familiar. Também tem relevância o fato de que as ações do
referido Programa objetivam organizar os produtores em associações, para
buscar mercados para a comercialização “in natura” das frutas. Ainda
pretendem auxiliar no direcionamento e investimentos das pesquisas; criar selo
de qualidade para os produtos agroecológicos; organizar a produção de mudas
de novas variedades a partir de convênios com a EMBRAPA e as
Universidades do município – Universidade Federal de Pelotas-UFPel e
Universidade Católica de Pelotas-UCPel. Com essas Instituições de Pesquisa e
Extensão, também estão previstos programas de assessoria nas áreas de
defesa sanitária e de mercado.
Ressalta-se que o associativismo dos produtores é “peça-chave” para
debelar, tanto as dificuldades internas na organização da produção, quanto as
relações externas da unidade produtiva com outros setores da economia. Além
disso, a integração, sob a forma de parcerias com Órgãos de Pesquisa e
Extensão Rural, é uma das estratégias a serem adotadas pelos produtores
familiares para solucionar um dos principais “pontos de estrangulamento” da
sua atividade: a comercialização.
A médio e longo prazo, o Programa Regional de Fruticultura Irrigada
pretende, também, a exportação de variedades “in natura” de clima temperado.
Nas importações, segundo o Comitê que coordena o Programa, o país
investe um volume médio de US$ 300 milhões por ano, em frutas de clima
293
temperado, como o pêssego, pêra, ameixa, e maçã. A cifra já chegou a ser de
US$ 500 milhões, em 1996. A intenção é ampliar as divisas no exterior com a
produção da fruticultura do Rio Grande do Sul.
Até 2002, o Governo Federal pretende atingir US$ 2 bilhões em
exportações de frutas “in natura”. No ano de 1999, o montante ficou em torno
de US$ 200 milhões. (Ver TABELA 16)
TABELA 16 VALOR DAS EXPORTAÇÕES DE FRUTAS BRASILEIRAS
ANO VALOR (US$) VARIAÇÃO
1997
1998
1999
2002*
109 milhões
120 milhões
200 milhões
2 bilhões
-
10%
66%
900%
* estimativas
FONTE: Comitê da Fruticultura da Metade Sul. Zero Hora, jan, 1999.
Finalmente, vale lembrar que a fruticultura representa uma opção viável
tanto sob o ponto de vista econômico, quanto ecológico e social.
No município de Pelotas, a atividade do cultivo de frutas e hortaliças
sempre esteve vinculada à produção familiar das áreas coloniais. E, desde o
momento da sua implantação, estas atividades produtivas assumiram um
caráter comercial, no contexto da policultura colonial.
294
Então, a importância da sua manutenção passa pela valorização do
patrimônio cultural herdado dos antepassados e, ainda, pela formação do
escopo, tanto da diversificação agrícola, quanto econômica.
Cabe aqui uma digressão sobre o entendimento do que se considera
como diversificação agrícola (policultura) e diversificação econômico-produtiva,
haja vista que vários autores adotam estes conceitos como equivalentes e de
igual significado.
Ao analisar a organização da produção familiar, ANJOS esclarece:
Podemos encontrar estabelecimentos rurais nos quais há um sem número de atividades agropecuárias executadas pelos membros da família, sem que se caracterize um quadro de diversificação, na medida em que existe uma, e somente uma fonte principal de ingresso de dinheiro. No extremo oposto, existe outro tipo de estabelecimento, que apresenta distintas formas de prover a reprodução familiar, mediante o aporte de várias fontes de ingresso econômico, sem ocorrer uma diversificação agrícola. (ANJOS, F. S., 1995, p. 83)
Na presente análise da produção de frutas em Pelotas, entende-se que
esta preenche ambos os significados da diversificação. Primeiro, por
representar um dos elementos da policultura que, junto com outras lavouras e
criatório animal, formam a estrutura produtiva da agricultura familiar.
Em segundo lugar, por possibilitar várias formas de ingresso monetário,
a fim de garantir a sustentabilidade econômica da unidade produtiva. A
diversidade de acesso ao mercado dá-se através da venda dos produtos “in
natura” no mercado interno (local, regional, nacional) e externo; da
comercialização dos produtos derivados da agroindústria caseira (doces,
295
passas, geléias, licores, entre outros); e ainda, do fornecimento de matérias-
primas para as indústrias de doces e conservas locais, favorecendo o
desenvolvimento da agricultura, bem como de outros setores da economia do
município.
No que se refere à sustentabilidade ecológica, a fruticultura é, sem
dúvida, uma das atividades que melhor se adaptam às potencialidades edafo-
climáticas do município de Pelotas. E, ainda, contribui para a manutenção da
biodiversidade nessa área, uma vez que os pomares são formados por várias
espécies, típicas de clima temperado.
Nesse sentido, o Programa de Fruticultura Irrigada, ao promover a
manutenção de sistemas complexos e diversificados, aliada à preservação do
conhecimento empírico dos produtores, sem deixar de incorporar inovações
científicas que não danificam o meio ambiente, como é o caso da irrigação por
gotejamento associada à adubação orgânica, representa um modelo de
desenvolvimento rural cujos princípios da sustentabilidade se encontram
valorizados.
Entretanto, programas de culturas irrigadas, como o da fruticultura,
devem ser considerados mais que um meio para aumentar a produção e
preservar os ecossistemas; devem vir acompanhados de ações
complementares, como obras de infra-estrutura (estradas, centrais de
armazenamento, ...), garantindo aos produtores familiares acesso ao mercado,
a fim de consolidar sua atividade produtiva.
296
Como bem lembra ABREU,
A irrigação sozinha não traz os benefícios que o agricultor espera. A irrigação é mais uma ferramenta. É um meio a mais para se produzir melhor, com segurança. Portanto, sua adoção precisa estar bem entrosada com as outras operações e práticas recomendadas. (ABREU, L. S., 1994, p. 87)
Outro aspecto importante relacionado à fruticultura é que esta permite
otimizar a utilização da mão-de-obra familiar no interior das unidades
produtivas. Isso ocorre tanto pelos tratos culturais exigidos para a manutenção
e formação dos pomares, os quais se encontram distribuídos ao longo de todo
o ano agrícola, como pelas tarefas complementares relativas ao artesanato
doméstico. Além disso, ao ampliar as possibilidades de aproveitamento do
trabalho familiar nas próprias propriedades, a fruticultura contribui para diminuir
o êxodo rural.
Da mesma forma, a fruticultura proporciona a oportunidade de viabilizar
a reprodução do produtor rural e da sua família, e também da sociedade como
um todo, visto ser essa uma atividade que produz bens essenciais à
sobrevivência humana, ou seja, alimentos.
GÓMEZ argumenta que é possível a combinação da produção de
alimentos e fibras, com a noção de sustentabilidade, desde que o sistema
produtivo familiar:
a) aumente a produtividade dos recursos naturais e dos sistemas agrícolas, permitindo que os produtores respondam aos níveis de demanda engendrados pelo crescimento populacional e pelo desenvolvimento econômico; b) produza alimentos sadios, integrais e nutritivos que permitam o bem-estar humano; c) garanta
297
uma renda líquida suficiente para que os agricultores tenham um nível de vida aceitável e possam investir no aumento da produtividade do solo, da água e de outros recursos; d) corresponda às normas e expectativas da comunidade. (GÓMEZ, H. W., 1996, p. 155)
Sempre que forem cumpridas as condições mencionadas, os
interesses em torno da sustentabilidade social serão compartilhados entre
agricultores e sociedade.
Sem sonhos, sem ilusões, com os pés na realidade, mas nem por isso pessimista e/ou fatalista, pois, embora dentro de limites muito claros e barreiras muito precisas, é aconselhável reconhecer que existe nas transformações atuais uma vaga possibilidade de a humanidade galgar a um patamar superior nas suas relações. Seja nas relações entre os homens com a natureza, seja nas relações de poder, há uma possibilidade de recuperar, mesmo que em parte, a capacidade criativa e inovadora dos indivíduos, recuperar o sujeito enquanto sujeito do processo. Principalmente, recuperar a energia decorrente da participação direta no processo de construção da diferença.
(Dinizar Becker, 1996)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Difícil é a tarefa de empreender, a esta altura, conclusões definitivas
quanto às diversas questões tratadas, devido, sobretudo, ao caráter exploratório
em que se enquadra esse trabalho. Pode-se afirmar que o objetivo principal foi o
de explicitar e pôr em destaque as idéias mais importantes relativas ao tema
pesquisado, na convicção de que elas possam suscitar novas investigações e
aprofundamentos.
Nesse sentido, pretendeu-se refletir, a partir de pressupostos teóricos e
empíricos, sobre as possibilidades e restrições de se formular um projeto de
desenvolvimento sustentável para a produção familiar na agricultura, e sobre a
forma pela qual uma comunidade pode ser o ponto de partida para a transição de
um modelo convencional para outro alternativo.
Como esclarece LEROY:
Ao refletir sobre comunidade local e desenvolvimento sustentável, estamos no cerne da questão. Colocamos como hipótese que a construção de um novo projeto para o desenvolvimento da humanidade passa pelos experimentos, lutas e contradições da sociedade. Mais do que um projeto, trata-se de múltiplos projetos que talvez possam, aos poucos, configurar um novo modelo de desenvolvimento. (LEROY, apud BECKER, B, e MIRANDA, M., 1997, p. 251)
300
Sabe-se que a idéia de comunidade é freqüentemente associada a uma
configuração espacial-territorial (bairro, localidade, município ou, até mesmo, uma
sub-região). (BECKER e MIRANDA. 1997)
Cabe esclarecer que, na análise realizada, essa noção foi ampliada para
que fossem consideradas as características sociais, culturais, políticas e
econômicas que formam o verdadeiro amálgama de uma comunidade. No
entanto, não foi descartada a dimensão espacial, pois qualquer projeto de
desenvolvimento exige que os diferentes segmentos da sociedade se encontrem,
dialoguem, negociem e construam um território42 numa perspectiva sustentável.
A abordagem adotada preconiza que os produtores familiares, nas
comunidades rurais, devem receber apoio e acompanhamento no seu processo
de organização, para se fortalecer a capacidade de resolução conjunta dos
problemas. Isso não significa que não haja limitações e restrições de toda ordem
para esse tipo de mudança; ao contrário, os conflitos e contradições inerentes ao
processo devem ser de conhecimento das famílias envolvidas, para que essas
possam tomar decisões com maior grau de realismo.
Paralelamente, as instituições prestadoras de assistência aos produtores,
como órgãos públicos (locais, estaduais e federais) e também organizaçãoes
não-governamentais, devem atuar de forma articulada para responder com maior
42
Falar de comunidade é também falar de um território onde a convivência permite o conhecimento mútuo e possibilita a ação conjunta. Segundo BECKER e MIRANDA (1997), na escala humana, é o espaço onde os cidadãos podem fazer algo ao seu alcance, passível de ser entendido e que produz efeitos visíveis. Ver mais sobre comunidades territoriais e desenvolvimento sustentável em BECKER, B. e MIRANDA, M. A Geografia Política do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997.
301
eficácia às demandas das comunidades, ao invés de implementar pacotes e
projetos “de cima para baixo”.
Por ser um tema relativamente novo, a noção de desenvolvimento
sustentável para a agricultura precisa responder a alguns desafios: no campo
científico, exige uma proposta mais consistente, através de estudos técnicos que
demonstrem as etapas necessárias para implementar a adoção do modelo; os
conhecimentos técnicos e científicos sobre agroecologia ainda precisam ser
integrados aos conhecimentos acumulados pelos produtores rurais, além de
desenvolvê-los e adaptá-los às condições atuais.
A tradição camponesa e o avanço do conhecimento científico devem
convergir para produzir tecnologias compatíveis com as condições econômicas,
sociais e ecológicas do mundo de hoje.
Vale ressaltar que tanto os produtores familiares, como as instituições
públicas e organizações não-governamentais que tratam, hoje, com as propostas
da agricultura sustentável, não adotam a perspectiva simplista de que basta
buscar, “no passado e nas tradições”, as soluções para o futuro. Percebe-se que
a valorização do “saber empírico” do camponês, um dos elementos do
desenvolvimento sustentável, não significa o atraso da agricultura, como explica
LEROY:
Se um modelo de agricultura sustentável para um país tropical está em gestação, ele deve apoiar-se sobre e se produzir (sic), tanto no plano agronômico, quanto no da gestão, por uma combinação de tradição e inovação, de saber adquirido pela experiência e de saber técnico-científico. (LEROY. apud BECKER, B e MIRANDA, M., 1997, p. 255)
302
Em resumo, o desenvolvimento sustentável da agricultura significa uma
produção sob restrições de utilização da base dos recursos naturais em que se
encontra assentada (ou seja, sem degradação ambiental), além de obedecer aos
critérios de viabilidade econômica e de eqüidade43 social na distribuição dos seus
custos e benefícios. (KITAMURA, 1993)
ALTIERI (1998) é explícito em afirmar que o desenvolvimento sustentável
deverá contribuir para a igualdade social e, para que isto aconteça, os produtores
deverão reduzir os investimentos em insumos químicos, deversificar a produção
agrícola e investir nas potencialidades agroecológicas do meio em que vivem e
produzem.
No exemplo analisado, sobre a produção familiar do distrito de Santa
Silvana – Pelotas, constatou-se que a introdução do cultivo do fumo e a
conseqüente integração dos produtores às agroindústrias fumageiras, foram os
elementos responsáveis pela consolidação do processo de modernização nessa
área.
Os principais reflexos dessa articulação entre a agricultura familiar e os
circuitos urbano-industriais foram os seguintes: a tendência à especialização
produtiva; a dependência externa em relação ao setor industrial; a perda da
autonomia do produtor sobre o processo produtivo da unidade familiar; e, por
último, mas não menos importante, o agravamento dos impactos ambientais
provocados pelo uso excessivo de produtos químicos na cultura de fumo.
43
Eqüidade: “disposição para reconhecer imparcialmente o direito de cada qual; igualdade; justiça;” MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
303
Como foi visto anteriormente, na fumicultura, quem “dita as regras” na
organização do processo produtivo e nas relações sociais de trabalho é a
indústria fumageira. A busca de um padrão de qualidade para o produto,
adequado ao processamento industrial, bem como a intensificação do trabalho,
são estabelecidos fora da unidade de produção. Com isso, o produtor familiar
passa a ter uma nova concepção de autonomia, de tempo de trabalho e da
própria natureza.
Em vista disso, a questão ambiental torna-se secundária. É a lógica da
agroindústria que permeia as escolhas tecnológicas dos produtores, a fim de
elevar a produção a curto prazo e obter lucros imediatos. O meio ambiente é
tratado como provedor de bens comercializáveis, e não como um patrimônio que
pode ser explorado, mas também deve ser recuperado e preservado.
Diante dessas constatações, o fundamental a ser enfatizado é que o
tratamento dado às questões sociais reflete-se nas questões ambientais, ou, de
outro modo, a superação dos impasses ambientais passa por questões sociais
relevantes, a saber: uma é propiciar aos produtores ruraus interessados em
converter seus sistema produtivo, baseado na cultura do fumo, condições para
que realizem a transição para sistemas diversificados e sustentáveis; outra
questão, ligada diretamente à anterior, refere-se a diminuir a dependência
econômica vivenciada pelos fumicultores em relação às indústrias fornecedoras
de produtos químicos e às agroindústrias compradoras do seu produto – o fumo.
Entende-se que as alternativas de desenvolvimento, mesmo que numa
escala local, não podem dispensar a atuação do Estado. É necessário que sejam,
304
estabelecidas políticas oficiais, através das quais o Estado atue concretamente,
subsidiando uma agricultura preocupada em conjugar objetivos econômicos,
sociais e de preservação ambiental.
A implementação de programas alternativos44, a partir de experiências
locais, pode desencadear dinâmicas realmente impactantes de desenvolvimento
regional, e até nacional.
O desafio que se coloca é o de apostar no desenvolvimento da produção
familiar que, apesar de ocupar somente um quarto das terras agriculturáveis do
país e sofrer todo tipo de dificuldades impostas pela grande parte das políticas
agrícolas, as quais privilegiam outros segmentos da agricultura, continua sendo o
responsável pela produção de alimentos e pela geração de trabalho para a
população que vive no meio rural brasileiro. (FAO/INCRA, 1994)
Conforme declara JEAN:
A exploração agrícola familiar soube demonstrar uma extraordinária plasticidade nas diferentes conjunturas econômicas, técnicas e políticas. Também, nossa opinião é que o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, hoje na agenda sócio-política da maioria das agriculturas nacionais, será realizado tão mais facilmente que se deixará os agricultores familiares convencionais operar uma transição para a agricultura ecológica, como se dizia ontem, a agricultura sustentável, como se diz hoje. e a agricultura integrada como se dirá, talvez, amanhã. (JEAN, B., 1994, p. 73)
Finalmente, foi muito interessante observar, na trajetória social dos
produtores familiares descendentes de pomeranos, o forte vínculo estabelecido
44
Cita-se como exemplo de iniciativa oficial, o Programa de Manejo Ecológico do Solo, oferecido pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul aos produtores familiares. (Ver ANEXO 4)
305
com a terra e, ao mesmo tempo, com a herança cultural dos seus antepassados,
expressos na importância atribuída à manutenção do patrimônio fundiário e à
permanência nas atividades da agricultura.
Apesar das dificuldades vivenciadas pelos produtores rurais, estes
manifestam o desejo de que os filhos continuem trabalhando nas unidades
produtivas. Acreditam, ainda, que a atividade agrícola oferece a garantia de
reprodução para o grupo familiar, e que, diante das possibilidades de alternativas
para seu desenvolvimento, esteja reservado um futuro melhor para seus
descendentes.
Nesse sentido, WANDERLEY sugere em seus estudos que a
persistência da produção familiar ou camponesa no agro brasileiro reside,
exatamente, na luta dos produtores para concretizar seus ideais de reprodução
social, quando afirma que:
Combinando trabalho, meios de vida e meios de produção, o produtor familiar constrói o seu patrimônio, condição de reprodução social da família, hoje e amanhã. Patrimônio, cujo elemento central é a propriedade da terra, mas que incorpora também as benfeitorias, os meios e os instrumentos de trabalho. É assim que capital e patrimônio familiar se confundem numa estratégia em que a forma de produzir hoje, baseada no próprio trabalho familiar, reflete as possibilidades, dadas e assumidas, a respeito das gerações seguintes. (WANDERLEY, M. N. B., 1989, p. 78)
Não resta, pois, dúvida sobre o caminho a seguir: garantir a permanência
da produção familiar e promover o desenvolvimento sustentável desta.
306
Esses princípios pertencem ao campo das “utopias concretas”, como
define ERNST BLOCH:
O espaço utópico passa a ser o laboratório e a festa dos possíveis. . (BLOCH apud SACHS, I., 1986, p. 23)
308
ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTAS
A – COMPOSIÇÃO DO GRUPO FAMILIAR
COMPONENTES IDADE SEXO M F
PAI
MÃE
FILHOS 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
NETOS
OUTROS
B – FORMA COMO A EXPLORAÇÃO FOI CONSTITUÍDA
COMPRA (nº / ha) HERANÇA (nº / ha) POSSE (nº / ha)
309
C – CONDIÇÃO LEGAL DA TERRA
PRÓPRIA PARCERIA OCUPADA OUTROS
D – UTILIZAÇÃO DAS TERRAS
LAVOURAS PASTAGENS MATAS Não aproveitadas e construção
PERM. TEMP. PERM. TEMP. NAT. ART.
E – ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS
TIPO DE CULTIVO
CULTIVO ÁREA QUANT.
Cebola
Fumo
Milho
Batata
Feijão
Morango
Outros
310
TIPO DE REBANHO
TIPO Nº DE CABEÇAS.
Bovino
Equinos
Aves
Suínos
Ovinos
F – SISTEMAS DE CULTIVO
TIPO SIM NÃO
Rotação de Terras
Rotação de Cultivo
Associação de Cultivo
Prática de Pousio
G – COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
TIPO DE DESTINO DA PRODUÇÃO
PRODUTO C. ATAC. C. VAR. F. LIVRE AGRO IND.
Cebola
Fumo
Milho
Morango
Batata
Feijão
Outros
311
H – RELAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO
DIVISÃO INTERNA DA MÃO-DE-OBRA FAMILIAR
NÚMERO DE PESSOAS
SEXO IDADES
MASC.
FEM.
MÃO-DE-OBRA EXTRA-FAMILIAR
TIPOS DE MÃO-DE-OBRA (nº)
Empreg. Temp. Empreg. Perm. Ajuda Mútua
I – RELAÇÕES TÉCNICAS DE PRODUÇÃO
TIPOS DE INSUMOS
FERTILIZANTES CALC. FUNG. INSET. HERB. SEM/MUD
QUIM. ORG.
USO DA FORÇA MECÂNICA OU ANIMAL
TIPOS DE FORÇA PRÓPRIA ALUGADA
Mecânica
Animal
312
J – ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CRÉDITO RURAL
ASSISTÊNCIA TÉCNICA
SISTEMÁTICA EVENTUAL NUNCA
CRÉDITO RURAL
SISTEMÁTICA EVENTUAL NUNCA
ÓRGÃOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CIENTÍFICA
ÓRGÃO SIM NÃO
EMBRAPA
EMATER
Indústria
Outros
313
A TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA E CULTURAL DA COMUNIDADE
POMERANA DE SANTA SILVANA, PELOTAS. DESENCADEADA PELA
PENETRAÇÃO ESPACIAL DA CULTURA DO FUMO
ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA AS ENTREVIUSTAS
01 – Há quanto tempo planta fumo?
02 – Quais as razões que o levaram a plantar fumo?
03 – A escolha tem alguma relação com o incentivo comercial das indústrias de
fumo?
04 – Fornece o produto para qual a indústria?
05 – O processo de comercialização é estabelecido direto com a indústria ou via
cooperativa associação de produtores?
06 – Que tipo de contrato de venda existe entre o produtor e a indústria?
07 – Como os produtores recebem o pagamento de sua produção?
08 – Como são estabelecidas as relações de preços? Existe a pré-fixação de
preços mínimos para o produto?
09 – A comercialização do Fumo como agroindústria é atividade rentável?
10 – Quanto representa no total dos rendimentos familiares?
11 – Com o resultado de sua produção de Fumo o Sr. adquire seus imóveis,
animais, etc...?
314
12 – Quais os produtos e culturas que o Sr. está tendo que adquirir fora para a
sobrevivência?
13 – A produção de Fumo está prejudicando a reserva florestal?
14 – Quantas escolas existiam na região antigamente?
315
ANEXO 2 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – POSIÇÃO DA FOLHA NA PLANTA
CLASSIFICAÇÃO DE FUMO – GRUPO ESTUFA
CLASSES Segundo a posição da folha na planta A – Ponteiras
Últimas folhas, em torno de 5
B – Meeiras Folhas do meio superior da planta, em torno de 7
C – Semimeeiras
Folhas do meio inferior da planta, em torno de 6 D – Baixeiras
Primeiras folhas, em torno de 5
FONTE: ETGES, V. E., 1991, p. 193.
316
ANEXO 3 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – COLORAÇÃO DAS FOLHAS
SUB-CLASSE: Segundo a cor das folhas L – Folhas cor limão O – Folhas cor laranja R – Folhas com mais de 50% de cor acastanhada com fundo laranja ou limão.
TABACO EM FOLHA – GRUPO ESTUFA
Sub-Grupo Segundo Acondicio-namento das Folhas
Classe Posição
na Planta
Sub-Classe Coloração
das Folhas
Tipos
Qualidade
Sub-Tipos Anormali-
dades
Resíduos
FM-Folhas Manocadas
FS-Folhas Soltas
T B C X
O – Laranja L – Limão
R – Acasta-nhado
1 2 3
K G2
G3
SC (Fragmentos
de Lâminas)
ST
(Fragmentos de
Talos)
CLASSIFICAÇÃO DE FUMO – GRUPO ESTUFA
Combinando-se Classe Sub-Classe, Tipos e Sub-Tipos, obtém-se
48 classificações
T01 TL1 TR1 CO1 CL1 CR1 TO2 TL2 TR2 T2K CO2 CL2 CR2 C2K TO3 TL3 TR3 T3K CO3 CL3 CR3 C3K BO1 BL1 BR1 XO1 XL1 XR1 BO2 BL2 BR2 B2K XO2 XL2 XR2 X2K BO3 BL3 BR3 B3K XO3 XL3 XR3 X3K G2 SC G3 ST
Classificação do tabaco em folha portarias 875 de 22/09/78 e 309 de 02/10/80 – Ministé-
tério da Agricultura.
FONTE: ETGES, V. E., 1991, p. 194.
317
ANEXO 4 PROGRAMA DE MANEJO ECOLÓGICO DO SOLO
O Manejo Ecológico do Solo é um programa do Governo do Estado para
corrigir a fertilidade do solo do Rio Grande do Sul. Para implementá-lo, foi criada
uma linha de crédito subsidiado.
Terão acesso ao crédito os pequenos agricultores familiares e
assentados da reforma agrária, organizados em grupos de, no mínimo, cinco
famílias, com renda e área conforme as normas do FEAPER – Fundo Estadual
de Apoio aos Pequenos Estabelecimentos Rurais.
O objetivo do Programa é aumentar a renda da agricultura familiar,
corrigindo o desgaste do solo e, com isso, aumentar de forma permanente a
produção e a produtividade da terra.
O financiamento terá um prazo de até 5 anos para ser pago, com até um
ano de carência, com juros de 8,75% ao ano. Terão, ainda, redução de 5,75%
nas taxas de juros aqueles grupos de agricultores que cumprirem as diferentes
etapas do programa, ou seja, fizerem a correção da acidez e fertilidade (calcário,
fósforo e potássio, conforme análise do solo), e também usarem a adubação
verde.
Cada família terá direito a um financiamento de R$ 500,00 a R$ 1.500,00
e assistência técnica da Emater.
A Secretaria da Agricultura e Abastecimento – SAA, do Estado do RS,
responsável pela implementação do referido Programa, firmará convênio com as
seguintes Instituições, a fim de melhor operacionalizar as etapas do Programa de
Manejo Ecológico do Solo: Federação dos Trabalhadores na Agricultura
(FETAG), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Departamento Rural da
318
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