UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
LUCIANA PORTES DE ALMEIDA
O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E A
BUSCA DO SUJEITO PELA AUTONOMIA EM SUAS
INTERAÇÕES
CUIABÁ
2021
LUCIANA PORTES DE ALMEIDA
O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E A BUSCA DO SUJEITO
PELA AUTONOMIA EM SUAS INTERAÇÕES
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem da
Universidade Federal de Mato Grosso
como requisito para obtenção de título de
doutor em enfermagem.
Área de Concentração: Enfermagem e o
cuidado à saúde regional
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mara Regina
Rosa Ribeiro
CUIABÁ
2021
LUCIANA PORTES DE ALMEIDA
O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E A BUSCA DO SUJEITO
PELA AUTONOMIA EM SUAS INTERAÇÕES
Esta tese foi submetida à avaliação por Banca Examinadora para obtenção do título de
Doutora em Enfermagem.
Aprovada na sua versão final em 30 de abril de 2021, atendendo às normas da legislação
vigente da UFMT, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Doutorado, área de
concentração: Enfermagem e o cuidado à saúde regional.
_________________________________________
Dr.ª Fabiane Blanco Silva Bernardino
Coordenadora do Programa
BANCA EXAMINADORA:
Dr.ª Mara Regina Rosa Ribeiro Presidente (Orientador) Dr.ª Dra. Claudia Capellari Membro Efetivo Externo Dr. Vagner Ferreira do Nascimento Membro Efetivo Externo Dr. Gimerson Erick Ferreira Membro Efetivo Interno Dr.ª Jocilene de Carvalho Miraveti Canova Membro Efetivo Interno Dr.ª Karen Jeanne Cantarelli Membro Externo Suplente Dr.ª Leonara Raddai Gunther de Campos Membro Interno Suplente
Cuiabá
2021
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me presenteado com a vida do seu filho Jesus, proporcionando-me
vida abundante.
Às mulheres da minha família, Aline, Fernanda, Vitória, Clara e Marina, pelos momentos de
descontração e apoio, que me faziam esquecer as pressões do dia a dia.
À minha orientadora, Professora Mara, que me agraciou com a honra de herdar suas ideias!
Jamais a esquecerei.
Às professoras do doutorado que contribuíram para o meu crescimento. Às companheiras do
GEFOR e à turma de 2016 pelo tempo que passamos juntos. Aos coordenadores e corpo
administrativo da Pós-Graduação da FAEN/UFMT, sempre atenciosos ao nos atender.
Aos enfermeiros docentes que lutam diariamente pelo aprimoramento dos processos de
ensino-aprendizagem em enfermagem.
Enfim... que fique registrado o meu muito obrigado!
EPÍGRAFE
“Doutora aos 30”. Por muito tempo essa frase ecoou dentro de mim,
construindo, com os títulos da academia, meu pódio de sucesso. Em
um processo de autocrítica moriniana, faço uso de Shakespeare:
“˗Pobre, envelhecestes antes de ficares sábio!”. Sucesso, qual
sucesso? Para quem? Para mim? Para os outros? Foi conhecendo meu
referencial teórico que a chama do pensamento complexo consumiu
meus pódios e desconstruiu minhas fronteiras. Reconstruí-me. Foi
investigando o desenvolvimento da autonomia que fui me tornando
autônoma, foi discutindo a introspecção necessária ao aluno que me
permiti viver a minha. Fui consentindo que a prosa científica moderna
perdesse espaço para a poesia e a arte pós-moderna. Minhas verdades
se tornaram pontos de vista. A vida, tecida em redes. O tempo, ah! De
inimigo este passou a ser meu aliado. Aprendi que uma tese de
doutorado ensina mais ao autor do que aos que a leem. Agora, não
mais desejo ser reconhecida como uma dessas pessoas de sucesso, que
se deixam levar pela loucura barulhenta da cidade. Assim como
Rubem Alves, quero deixar como herança a imagem da vela que
queima na solidão silenciosa, imagem serena, capaz de despertar
poesia. Que melhor herança é possível deixar ao mundo do que
despertar a filosofia, a poesia e a arte nos meus? Sábia? Velha?
Utópica? Ininteligível? Não sei. Quem precisa de rótulos? Quem
precisa de títulos? A estes quatro anos de formação a minha gratidão,
não por terem me tornado “doutora”, mas porque me ensinaram que o
título de nada vale. Eu não sou “doutora”, eu sou o cosmo aqui dentro! Luciana Portes de Almeida, 2021
RESUMO
ALMEIDA, L.P. O desenvolvimento da competência clínica e a busca do sujeito pela
autonomia em suas interações 2021. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Curso de Pós-
graduação em Enfermagem. UFMT, Cuiabá. 135f. Orientadora: Mara Regina Rosa Ribeiro.
INTRODUÇÃO: a competência clínica, entendida como a principal a ser desenvolvida pelo
profissional enfermeiro, possui teoria própria proposta pela enfermeira norte-americana
Patricia Benner e é padronizada internacionalmente como descritor em ciências da saúde
(DeCS) na literatura científica. OBJETIVO: este estudo objetivou analisar como um curso de
graduação em Enfermagem promove o desenvolvimento da competência clínica em seus
graduandos. MÉTODO: estudo descritivo exploratório que utilizou a complexidade e a
bricolagem como referencial teórico e metodológico, respectivamente. Os dados foram
produzidos e analisados por meio da tecitura de três técnicas: 1) Análise documental do
Projeto Pedagógico de Curso; 2) Grupo focal com graduandos de Enfermagem; e 3)
Entrevista semiestruturada com o coordenador do curso. RESULTADOS: defende-se a tese
de que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem se dá por
meio da busca do sujeito-graduando pela autonomia em suas interações, quais sejam: 1)
Interações interpessoais: professor, preceptor e pares; 2) Interação com a profissão; e 3)
Interação com o ensino, serviço e a comunidade. Para tanto, apresentam-se a subjetividade e a
autonomia como elementos constitutivos e base sobre a qual se ancoram as percepções acerca
da competência clínica, suas dimensões e seu processo de desenvolvimento. Evidencia-se a
relação recursiva entre competência clínica e autonomia, as quais são desenvolvidas por meio
do tetragrama: Prática - Erro/incerteza - Introspecção – Autoconfiança; em seguida, o
desenvolvimento da autonomia nas interações do graduando é explorado. 1) Sobre as
interações interpessoais: professor, preceptor e pares, destaca-se a interação com o preceptor
como a mais potente para o desenvolvimento da competência clínica e o uso da
mimese/imitação, da articulação entre teoria e prática e da ressignificação do erro como
estratégias potentes para a ativação do tetragrama; 2) A interação com a profissão é
ressignificada durante o período da graduação, principalmente por meio das interações com a
comunidade, com o preceptor e com o serviço. Assim, esta, por meio da mimese/ imitação,
articulação entre teoria e prática e estímulo ao papel da ajuda, ativa o tetragrama de
desenvolvimento da competência clínica e autonomia; 3) A interação com ensino, serviço e
comunidade ativa o tetragrama quando adota sistematicamente a avaliação formativa,
metodologias ativas, inserção precoce no campo de prática, estágio curricular, estímulo ao
papel da ajuda e a articulação entre teoria e prática. CONCLUSAO: finaliza-se apresentando
as interações entre as interações supracitadas, demonstrando que o todo é mais que a soma das
partes, ou seja, as interações entre as interações configuram-se como elemento fundamental
para que o desempenho da competência clínica aconteça. Em âmbito nacional, os resultados
deste estudo poderão subsidiar os processos de construção de Projetos Pedagógicos de Curso
e planos de disciplina de cursos de graduação em Enfermagem, além de auxiliar docentes que
buscam caminhos para sistematizar propositivamente o desenvolvimento da competência
clínica em graduandos de Enfermagem.
Descritores: Alunos de Enfermagem; Competência Clínica; Bacharelado em Enfermagem.
ABSTRACT
ALMEIDA, L.P. The development of clinical competence and the subject's search for
autonomy in their interactions 2021. Thesis (Doctorate in Nursing) - Postgraduate course in
Nursing. UFMT, Cuiabá. 135 p. Advisor: Mara Regina Rosa Ribeiro.
INTRODUCTION: Clinical competence, understood as the main competence to be developed
by the professional nurse, has its own theory proposed by the North American nurse Patricia
Benner and is internationally standardized as a descriptor in health sciences (DeCS) in the
scientific literature. OBJECTIVE: This study aimed to analyze how an undergraduate nursing
course promotes the development of clinical competence in its undergraduates. METHOD:
Descriptive exploratory study that used complexity and bricolage as theoretical and
methodological references, respectively. The data were produced and analyzed from de mix
of three techniques: 1) Documentary analysis of the Pedagogical Course Project; 2) Focus
group with nursing students and 3) Semi-structured interview with the course coordinator; and
analyzed using bricolage. RESULTS: It is defended the thesis that the development of clinical
competence in the nursing undergraduate occurs through the search for the undergraduate
subject for autonomy in their interactions, which are: 1) Interpersonal interactions: Teacher,
Preceptor and Peers; 2) Interaction with the profession and 3) Interaction with teaching,
service and the community. To this end, subjectivity and autonomy are presented as
constitutive elements and the basis on which perceptions about clinical competence, its
dimensions and its development process are anchored. The recursive relationship between
clinical competence and autonomy is defended, which are developed through the tetragram:
Practice - Error / uncertainty - Introspection - Self-confidence. Then the development of
autonomy in the student's interactions is explored. 1) On Interpersonal Interactions: Teacher,
Preceptor and Peers the interaction with the preceptor stands out as the most potent for the
development of clinical competence and the use of mimesis / imitation, the articulation
between theory and practice and the redefinition of error as powerful strategies for activating
the tetragram. 2) The interaction with the profession is reframed during the graduation period,
mainly through interactions with the community, with the preceptor and with the service,
which, through mimesis / imitation, articulation between theory and practice and stimulating
the role of aid, activates the tetragram of development of clinical competence and autonomy.
3) The interaction with teaching, service and community activates the tetragram when it
systematically adopts formative assessment, active methodologies, early insertion in the field
of practice, curricular internship, stimulating the role of help and the articulation between
theory and practice. CONCLUSION: Finally, it concludes by presenting the interactions
between the aforementioned interactions, demonstrating that the whole is more than the sum
of the parts, that is, the interactions between the interactions are configured as a fundamental
element for the performance of clinical competence happens. At the national level, the results
of this study may subsidize the processes of construction of Course Pedagogical Projects and
discipline plans for undergraduate nursing courses, in addition to assisting teachers who seek
ways to purposefully systematize the development of clinical competence in nursing students
Descriptors: Nursing students; Clinical competence; Bachelor of Nursing.
RESUMEN
ALMEIDA, L.P. El desarrollo de la competencia clínica y la búsqueda del sujeto de
autonomía en sus interacciones 2021. Tesis (Doctorado en Enfermería) - Curso de posgrado
en Enfermería. UFMT, Cuiabá. 135f. Asesora: Mara Regina Rosa Ribeiro.
INTRODUCCIÓN: La competencia clínica, entendida como la competencia principal que
debe desarrollar la enfermera profesional, tiene su propia teoría propuesta por la enfermera
norteamericana Patricia Benner y está estandarizada internacionalmente como descriptor en
ciencias de la salud (DeCS) en la literatura científica. OBJETIVO: Este estudio tuvo como
objetivo analizar cómo un curso de pregrado de enfermería promueve el desarrollo de la
competencia clínica en sus estudiantes de pregrado. MÉTODO: Estudio exploratorio
descriptivo que utilizó la complejidad y el bricolaje como referencia teórica y metodológica,
respectivamente. Los datos fueron producidos y analizados usando tres técnicas: 1) Análisis
documental del Proyecto del Curso Político; 2) Grupo focal con estudiantes de enfermería y
3) Entrevista semiestructurada con el coordinador del curso. RESULTADOS: Se defiende la
tesis de que el desarrollo de la competencia clínica en el pregrado de enfermería se produce a
través de la búsqueda del sujeto de pregrado de autonomía en sus interacciones, que son: 1)
interacciones interpersonales: profesor, preceptor y compañeros; 2) Interacción con la
profesión y 3) Interacción con la enseñanza, el servicio y la comunidad. Con este fin, la
subjetividad y la autonomía se presentan como elementos constitutivos y la base sobre la cual
se basan las percepciones sobre la competencia clínica, sus dimensiones y su proceso de
desarrollo. Se defiende la relación recursiva entre competencia clínica y autonomía, que se
desarrollan a través del tetragrama: Práctica - Error / incertidumbre - Introspección -
Confianza en uno mismo. Luego se explora el desarrollo de la autonomía en las interacciones
del alumno. 1) Sobre las interacciones interpersonales: profesor, preceptor y compañeros, la
interacción con el preceptor se destaca como la más potente para el desarrollo de la
competencia clínica y el uso de la mimesis / imitación, la articulación entre la teoría y la
práctica y la redefinición del error como estrategias poderosas para activar el tetragrama. 2)
La interacción con la profesión se replantea durante el período de graduación, principalmente
a través de interacciones con la comunidad, con el preceptor y con el servicio, que, a través de
la mimesis / imitación, articulación entre teoría y práctica y estimulando el papel. de ayuda,
activa el tetragrama de desarrollo de competencia clínica y autonomía. 3) La interacción con
la enseñanza, el servicio y la comunidad activa el tetragrama cuando adopta sistemáticamente
la evaluación formativa, las metodologías activas, la inserción temprana en el campo de la
práctica, las prácticas curriculares, estimulando el papel de la ayuda y la articulación entre la
teoría y la práctica. CONCLUSIÓN: Finalmente, concluye presentando las interacciones entre
las interacciones antes mencionadas, demostrando que el todo es más que la suma de las
partes, es decir, las interacciones entre las interacciones se configuran como un elemento
fundamental para el desempeño de la competencia clínica. sucede A nivel nacional, los
resultados de este estudio pueden apoyar los procesos de construcción de proyectos de cursos
pedagógicos y planes de disciplina para cursos de pregrado en enfermería, además de ayudar
a los maestros que buscan formas de sistematizar sistemáticamente el desarrollo de la
competencia clínica en estudiantes de enfermería.
Descriptores: Estudiantes de enfermería; Competencia clínica; Licenciado en Enfermería.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Ilustração do resultado quantitativo da busca na literatura 18
Figura 2 Categorias emergentes da análise qualitativa dos artigos
selecionados
19
Figura 3 Apresentação do marco teórico conceitual 27
Figura 4 Mapa conceitual sobre afinidades entre bricolagem e
complexidade
50
Figura 5 Processo de bricolagem para produção dos dados de pesquisa 53
Figura 6 Processo de bricolagem para análise e categorização dos dados
de pesquisa
59
Figura 7 Espiral ilustrativa da tese 60
Figura 8 O desenvolvimento da competência clínica no graduando de
enfermagem
61
Figura 9 Os eixos centrais: a subjetividade e a autonomia 62
Figura 10
Tetragrama da relação entre o desenvolvimento da
autonomia e da competência clínica
74
Figura 11 Interações interpessoais: professor, preceptor e pares 76
Figura 12 Relação entre o desenvolvimento da competência clínica e
a interação entre o graduando e o professor, o preceptor e
os pares
89
Figura 13 Interações com a profissão 90
Figura 14 Relação entre o desenvolvimento da competência clínica e
a interação entre o graduando e a profissão
97
Figura 15 Interações com o ensino, o serviço e a comunidade 98
Figura 16 Relação entre o desenvolvimento da competência clínica e
a interação entre o graduando e o ensino, serviço e
comunidade
99
Figura 17 As interações entre as interações 110
Figura 18 Relação entre o tetragrama e a mimese/imitação, a
ressignificação do erro, a articulação entre teoria e prática e
o estímulo ao papel de ajuda
115
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 14
2. REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 16
2.1 ESTRATÉGIAS QUE DESENVOLVEM A COMPETÊNCIA CLÍNICA ........ 19
2.2 AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA ... 22
3. OBJETIVO ..................................................................................................................... 25
3.1 OBJETIVO GERAL............................................................................................. 25
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 25
4. MARCO TEÓRICO CONCEITUAL .......................................................................... 26
4.1 DAS PARTES ...................................................................................................... 26
4.1.1 A competência ........................................................................................... 27
4.1.2 A clínica .................................................................................................... 29
4.1.3 A enfermagem ........................................................................................... 31
4.1.4 A competência clínica do enfermeiro ........................................................ 35
4.2 DO TODO: O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E SUA
TECITURA COM A COMPLEXIDADE MORINIANA ........................................ 39
4.2.1 As noções de Interação, Sujeito e Autonomia ........................................... 41
4.2.2 A cidadania ................................................................................................ 43
4.2.3 O conhecimento pertinente e a incerteza ................................................... 44
4.2.4 Multi/Transdisciplinaridade ...................................................................... 47
5. MÉTODO ....................................................................................................................... 49
5.1 TIPO DE ESTUDO .............................................................................................. 51
5.2 LOCAL ................................................................................................................. 51
5.3 PRODUÇÃO DE DADOS ................................................................................... 51
5.3.1 Análise documental ................................................................................... 53
5.3.2 Grupo Focal ............................................................................................... 54
5.3.3 Entrevista ................................................................................................... 55
5.4 ANÁLISE DE DADOS ........................................................................................ 56
5.5 ASPECTOS ÉTICOS ........................................................................................... 58
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 59
6.1 ASPECTOS SUBJETIVOS E A BUSCA PELA AUTONOMIA COMO EIXOS
CENTRAIS DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA ........... 62
6.1.1 A competência clínica do enfermeiro ...........................................................63
6.1.2 O desenvolvimento da competência clínica no ensino de graduação de
enfermagem ........................................................................................................ 65
6.1.3 Discussão ................................................................................................... 69
6.2 INTERAÇÕES INTERPESSOAIS: PROFESSOR, PRECEPTOR E PARES ... 76
6.2.1 Interação com o professor ......................................................................... 76
6.2.2 Interação com o preceptor .......................................................................... 80
6.2.3 Interação com os pares .............................................................................. 81
6.2.4 Discussão ................................................................................................... 82
6.3 INTERAÇÕES COM A PROFISSÃO ................................................................ 90
6.3.1 Discussão ................................................................................................... 93
6.4 INTERAÇÕES COM O ENSINO, SERVIÇO E COMUNIDADE .................... 98
6.4.1 Discussão ................................................................................................. 104
6.5 O TODO É MAIS QUE A SOMA DAS PARTES: AS INTERAÇÕES DAS
INTERAÇÕES ........................................................................................................ 110
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 116
8. REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 118
9. APÊNDICE ................................................................................................................... 128
10
APRESENTAÇÃO
O ser vivo, seja ele dotado ou não de um sistema neurocerebral, capta "informações de
seu meio ambiente e exerce atividade cognitiva inseparável de sua prática de ser vivo"
(MORIN, 2012, p. 119), ou seja, a dimensão cognitiva e inseparável do processo de viver.
Inicio esta tese evocando a noção de 'sujeito' daquele que é o principal autor do
pensamento complexo, Edgar Morin, pois relatarei nesta obra produtos da minha atividade
cognitiva a partir do meu meio e vivência.
A motivação para este trabalho, bem como a legitimação do objeto como área de
estudo pessoal, deu-se durante o processo de tornar-me enfermeira ainda na graduação.
Envolvi-me com a iniciação científica nos primeiros semestres da graduação, trabalhando
durante três anos com o grupo GEFOR - Grupo de Pesquisa sobre Gestão, Formação e
Educação em Saúde e Enfermagem. Após a graduação, continuei a participar das reuniões do
grupo de pesquisa, acompanhando, assim, os trabalhos desenvolvidos sobre a temática
competência.
Desafiei-me durante o mestrado acadêmico a pesquisar o desenvolvimento da
competência para Educação Permanente em Saúde no ensino de graduações da saúde. Após o
mestrado, já como servidora do município de Cuiabá, recebi o convite para tornar-me gestora
de pessoas de um hospital público da rede municipal. Minha prática profissional me
proporcionou descobrir, ainda que empiricamente, certas fragilidades assistenciais que
enfermeiros, egressos de uma Universidade Federal da região Centro Oeste, tinham em
comum. Inquietei-me com as descobertas e desejei aprofundar estudos em nível de doutorado
sobre o desenvolvimento da competência, que particularmente considero a principal a ser
desenvolvida na graduação em Enfermagem, a competência clínica.
Este trabalho compõe uma série de produções do grupo GEFOR, fazendo parte de um
conjunto de projetos intercomplementares, os quais têm como produtos duas dissertações e
duas teses versando especificamente sobre o desenvolvimento da competência clínica.
11
Quadro 01 - Estudos concluídos sobre o tema “O desenvolvimento de competências na formação de
enfermeiros” no grupo GEFOR
TITULO AUTOR E
ANO
OBJETIVO GERAL PRINCIPAIS RESULTADOS
Perfil de competências
na formação de
enfermeiros: validação
por docentes e
acadêmicos de
Enfermagem
ORMONDE
JÚNIOR, J. C.
2017
Validar o conteúdo de
um perfil de
competências para a
formação de
enfermeiros
generalistas.
O perfil foi validado com 26
especialistas em educação em
enfermagem, para as quatro
competências propostas: Atenção
à Saúde (96,20%), Administração
e Gerenciamento (92,30%),
Educação (88,50%) e Produção de
Conhecimento (96,20%). O perfil
gerado pode ser utilizado pelas
faculdades de enfermagem como
norteador de possíveis
reestruturações nos projetos
pedagógicos dos cursos.
Validação de perfil de
competências na
formação – perspectiva
de enfermeiros da área
profissional
CIOFFI, A. C.
S. 2017
Validar o conteúdo de
um perfil de
competências para a
formação do
enfermeiro nas áreas
atenção à saúde,
administração e
gerenciamento,
educativa, produção de
conhecimento e seus
critérios de avaliação,
que são desempenhos a
serem observados no
formando.
Perfil validado com enfermeiros
da área profissional: a
competência atenção à saúde e
critérios de avaliação foi aprovada
com 93%; a competência
administrativa e gerencial e
critérios de avaliação com 95%; a
competência educativa e critérios
de avaliação com 95%; e a
competência produção de
conhecimento foi validada com
92%. Os enfermeiros concebem a
importância da mobilização das
quatro áreas de competências na
prática, porém apontam diversas
dificuldades para implementá-las
no ambiente laboral.
Competência clínica
para realizar
procedimentos
técnicos de
enfermagem –
percepções de egressos
FINGER, A.
F. A. 2018
Analisar percepções de
egressos sobre o
desenvolvimento da
competência clínica
para realizar
procedimentos
técnicos, no curso de
graduação em
Enfermagem.
Os resultados desta dissertação
resultaram em três temas, a saber:
1) Religação de saberes no
desenvolvimento da competência
clínica em enfermagem, incluindo
compreensões sobre competência
clínica, religação de saberes,
práticas e interações durante a
graduação e religação de saberes,
práticas e interações no início da
carreira; 2) A dicotomia teoria-
prática na formação do enfermeiro
– ainda um desafio a ser superado,
com os temas – A dicotomia
expressa no Projeto Pedagógico
do Curso, "Tempo de juntar as
caixinhas" - o desafio de aprender
a ser enfermeiro já sendo e
Aprender mediado pela educação
continuada; e 3) Professor, o que
o enfermeiro faz? O papel docente
na construção identitária da
profissão - Professor, o que o
enfermeiro faz? E a interação
professor-aluno - impactos na
12
constituição identitária do ser
enfermeiro.
Desenvolvimento da
competência clínica do
enfermeiro nos
estágios
supervisionados –
elementos
constitutivos e
autonomização do
sujeito
POLO, M. J.
F. 2019
Analisar como ocorre o
desenvolvimento da
competência clínica
durante os estágios
curriculares
supervisionados, na
formação do
enfermeiro.
Da análise resultaram dois temas:
“Elementos constitutivos da
competência clínica -
convergências e divergências” e
“A (co)construção da autonomia
do enfermeiro nos estágios
curriculares supervisionados”.
Concluiu-se, portanto, que o
desenvolvimento da competência
clínica e da autonomia do
enfermeiro nos estágios
curriculares supervisionados é
processo de construção coletiva,
tanto do sujeito com ele mesmo,
suas vivências e conhecimentos
prévios, sendo fortemente
influenciada pelos elementos do
meio no qual se insere -
interações, organização do
trabalho, feedbacks - e pelas
oportunidades de assunção de
protagonismo ofertadas aos
alunos.
A autonomia de
docentes de
enfermagem na (co)
construção da
competência clínica
CAMPOS,
L.R.G. 2019
Compreender como
professores de
enfermagem
desenvolvem
competência clínica
para o ensino do
cuidado de
enfermagem.
Nos resultados, destaca-se no
primeiro nível de aproximação
com o objeto que o docente de
enfermagem tem propósito
universal no Ensino Clínico, em
conjunto com a
(co)responsabilidade pelo
desenvolvimento da CC do aluno.
O segundo nível apresenta que os
docentes são advindos em maioria
do ensino público, grande parcela
teve oportunidade de participar de
programas de Iniciação Científica
e como primeiro emprego em
enfermagem a atividade
assistencialista hospitalar, seguida
pela docência após formar-se. O
terceiro nível apresenta que a
noção de CC compartilhada segue
o processo de transição
paradigmática e, para tanto,
consideram muito importante a
experiência clínica anterior à
carreira docente, entretanto não
definidora.
Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.
É possível perceber, por meio do quadro apresentado, a trajetória de produções sobre o
tema do grupo de pesquisa ao qual este trabalho é vinculado. Finger (2018) objetivou analisar
percepções de egressos sobre o desenvolvimento da competência clínica para realização de
procedimentos técnicos. Polo (2019) ampliou a noção de competência clínica já utilizando a
teoria proposta por Benner (1984) e analisou a percepção de alunos sobre o desenvolvimento
13
desta durante o estágio curricular. Campos (2019), utilizando a bricolagem, descreveu o
desenvolvimento da competência clínica em docentes de enfermagem e o trabalho ora
apresentado analisa o desenvolvimento desta em graduandos, a partir da percepção destes, do
coordenador de curso e da construção do PPC - Projeto Pedagógico de Curso. Portanto, este
trabalho finaliza um ciclo importante de pesquisas sobre o tema.
Esta tese está organizada de maneira a apresentar: 1) Introdução; 2) Revisão de
literatura; 3) Objetivos geral e específicos; 4) Marco Teórico Conceitual do objeto, no qual, a
partir do princípio hologramático do pensamento complexo, aproxima-se a teoria do objeto;
5) Método; 6) Resultados e Discussão; e 7) Considerações Finais. Tais elementos visam
sustentar a tese de que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de
enfermagem se dá por meio da busca do sujeito pela autonomia em suas interações.
14
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, avanços na atuação profissional do enfermeiro exigem cada vez mais de
seus profissionais habilidades para tomada de decisões, pensamento crítico (DA COSTA
CARBOGIM, et al., 2016) e precisão nas atribuições diagnósticas e terapêuticas
(CARVALHO, 2008; MARTINEZ-MOMBLAN, et al., 2020). Faz-se necessário, portanto,
que o cotidiano do ensino no âmbito da graduação em Enfermagem seja constantemente
analisado a fim de que a formação acompanhe as transformações da prática profissional do
enfermeiro.
A competência clínica, entendida como a principal competência a ser desenvolvida
pelo profissional enfermeiro (BENNER, 1984), sugere, implicitamente, a articulação tanto das
cinco competências citadas nas DCNs (BRASIL, 2001) como das seis áreas para o processo
formativo do enfermeiro apreendidas na nova proposta (BRASIL, 2018).
Assim, apesar do termo 'competência clínica‟ do enfermeiro não ser citado pelas
DCNs, entende-se ser este o mais apropriado para definir a competência tratada neste
trabalho, uma vez que possui teoria própria na área de enfermagem e é padronizado
internacionalmente como descritor em ciências da saúde (DeCS) na literatura científica.
A literatura revela que as publicações internacionais sobre o desenvolvimento da
competência clínica na graduação em Enfermagem, além de mais numerosas, utilizam o
termo com maior frequência do que a literatura nacional e reconhecem que a formação do
enfermeiro deve ser norteada para desenvolvimento da competência clínica, uma vez que a
clínica é a essência da profissão de enfermagem (KELCÍKOVA, SKODOVA, STRAKA,
2012; GHOSH, et al., 2020; JOSEPH e JUWAH, 2012). Ainda, enquanto a literatura nacional
se desperta para as potencialidades de métodos inovadores como simulações presenciais e a
distância, aplicativos de celular, jogos online, dentre outros, a literatura internacional discute
instrumentos para avaliação destes e a articulação de um ou mais métodos a fim de
potencializar o desenvolvimento da competência clínica (JOHNSTON, PARKER, FOX,
2017; MIRANDA et al., 2017; KIBWANA et al., 2017; BRIGHTON, 2017; LEE, et al.,
2016; COYNE, et al., 2018).
O desenvolvimento da autonomia do graduando parece ter relação com o processo de
desenvolvimento da competência clínica. A autonomia, entendida no contexto da literatura
em enfermagem como liberdade em tomar decisão ou mesmo como independência no
exercício profissional (SANTOS et al., 2017a; SANTOS et al., 2017b; BONFADA, PINNO,
15
CAMPONOGARA, 2018; LEAL, et al., 2019), ganha aprofundamento teórico a partir do
pensamento complexo, em Edgar Morin.
Para Morin (2012), a autonomia não é liberdade absoluta do sujeito, emancipada de
qualquer dependência, mas pressupõe a interdependência com outros. Ou seja, a autonomia se
dá a partir de múltiplas dependências, que estão intimamente ligadas às interações do sujeito
com o mundo.
Desse modo, cientes de que há poucas publicações nacionais sobre o assunto e uma
lacuna de investigações quanto ao tema no campo da graduação em Enfermagem brasileira,
conforme revelado pela revisão de literatura a seguir apresentada, apresenta-se a seguinte
pergunta de pesquisa: como um curso de graduação em Enfermagem promove o
desenvolvimento da competência clínica em seus graduandos?
A fim de dar suporte a esta investigação, o pensamento complexo de Edgar Morin é
utilizado como referencial teórico e a bricolagem como método de pesquisa. Ambos oferecem
a estratégia, flexibilidade e criatividade necessárias à produção de conhecimento sobre o
objeto proposto. Morin diz que “complexo é tudo aquilo que é tecido junto” (MORIN, 2010,
p. 188), ou seja, o pensamento complexo enxerga um tecido de “acontecimentos, ações,
interações, retroações, determinações, acasos que constituem o nosso mundo” e entende que o
conhecer está diretamente ligado à compreensão da vida e de tudo que a envolve, permitindo-
nos uma aproximação mais fiel da realidade (MORIN, 2010, p. 20).
O objeto deste trabalho requer o olhar da complexidade moriniana, uma vez que, além
de estar inserido em um contexto de múltiplas interações entre atores, trata o graduando de
enfermagem como sujeito central do processo. Portanto, analisar o desenvolvimento da
competência clínica em graduandos de Enfermagem perpassa reflexões importantes quanto à
educação superior no Brasil, o processo de ensino-aprendizagem, a aquisição de
conhecimentos, o mundo do trabalho e o papel social do enfermeiro.
Os resultados deste estudo poderão contribuir com o avanço do conhecimento sobre o
tema, além de permitir explorar criticamente, à luz do pensamento complexo, a percepção de
graduandos e coordenador de curso sobre o desenvolvimento da competência clínica no
processo de formação do enfermeiro. Em nível local, pretende-se colaborar com o Núcleo
Docente Estruturante do curso de enfermagem da universidade em tela fornecendo elementos
para possíveis mudanças e reestruturações.
16
2 REVISÃO DE LITERATURA
A fim de identificar o panorama das publicações científicas internacionais e nacionais
sobre o desenvolvimento da competência clínica em graduandos de Enfermagem, fez-se uso
da estratégia PICO, a qual propõe que os problemas clínicos que surgem na prática
assistencial, de ensino ou pesquisa, sejam decompostos e a seguir organizados utilizando o
acrônimo PICO, que representa P- Paciente, I- Intervenção, C- Comparação e O- Outcomes
(desfecho). Segundo Santos, Pimenta, Nobre (2007), dentro da Prática Baseada em
Evidências esses quatro componentes são os elementos fundamentais da questão de pesquisa e
da construção da pergunta para a busca bibliográfica de evidências.
Também há adaptações para buscas exploratórias em pesquisas qualitativas. Para
Karina e Felli (2012), a formulação da pergunta segue pelo acrônimo PICo, em que o P
corresponde aos participantes, I ao fenômeno de interesse e Co ao contexto do estudo.
Determinou-se, portanto, para esta revisão de literatura, que os participantes (P) são os
alunos de enfermagem, representados pelo descritor “alunos de enfermagem”; o fenômeno de
interesse (I) é o desenvolvimento da competência clínica, representado pelo descritor
“competência clínica”; e, por fim, o contexto (C) é a graduação de enfermagem, representada
pelo descritor “bacharelado em enfermagem”. Utilizaram-se os operadores booleanos “and” a
fim de determinar os trabalhos que contemplam os três descritores. Os critérios de inclusão
foram ser artigo original, possuir resumo, publicado entre 2012 e 2017, escrito nos idiomas
inglês, português ou espanhol. Cabe ressaltar que esta revisão foi realizada em 2017 e
consistiu em estratégia de aproximação com o objeto de estudo.
Após os achados utilizando a estratégia PICO, notou-se que a amostra não possuía
artigos nacionais, portanto, visando à inclusão da literatura nacional, uma segunda busca foi
realizada e, desta feita, o método foi flexibilizado elegendo apenas dois descritores,
notoriamente essenciais à busca, quais sejam: “competência clínica” and “alunos de
enfermagem”. Os mesmos critérios de inclusão foram aplicados, exceto o critério da língua,
pois nesse momento o foco era levantar trabalhos nacionais sobre o tema, ou seja, apenas
trabalhos escritos na língua portuguesa foram selecionados.
Devido ao quantitativo elevado de artigos, a análise qualitativa foi realizada por meio
de leitura aprofundada dos resumos e quando restavam dúvidas era realizada a leitura do texto
na íntegra. As linhas da tabela foram recortadas e atribuídos números a cada artigo; em
seguida, os artigos foram agrupados por grandes temas, seguindo pela possibilidade de junção
em categorias.
17
A primeira busca utilizando a estratégia PICO com os descritores e operadores
booleanos “alunos de enfermagem” and “competência clínica” and “bacharelado em
enfermagem”, nas bases de dados Lilacs, Scielo e MedLine, obteve como resultado 1895
trabalhos. Artigos com resumo e texto completo (685), escritos nos idiomas inglês (678),
português (7) e espanhol (0). Aplicado o filtro de ano de publicação foram selecionados 420
artigos, todos escritos em língua inglesa e publicados na base de dados MedLine. Após a
leitura dos títulos e dos resumos, obteve-se uma amostra de 162 artigos para análise
qualitativa.
A segunda busca teve como objetivo a literatura nacional, utilizaram-se os descritores
e operadores booleanos “alunos de enfermagem” and “competência clínica”. A busca obteve
como resultado 3.390 trabalhos. Artigos com resumo e texto completo (1260), publicados
entre 2012 e 2017 (815), escritos no idioma português (9), publicados nas bases de dados
MedLine, Lilacs e Bdenf. Após a leitura dos títulos e dos resumos, a amostra de quatro artigos
foi selecionada para análise qualitativa. Apresenta-se uma figura (Figura 1) para demonstrar,
visualmente, ambas as buscas detalhando a aplicação dos critérios de inclusão e seus reflexos
nos quantitativos encontrados.
Os países que tiveram representação nesta revisão foram Austrália, Estados Unidos,
Canadá, Japão, Nova Zelândia, China, Coreia do Sul, Brasil, introduzido após a segunda
forma de busca, dentre outros. Dos 166 artigos, apenas 28,3% eram de abordagem qualitativa,
os demais utilizaram métodos quantitativos. O periódico com maior número de publicações
sobre o tema foi o Nurse Education Today com 36% das publicações; em seguida, Journal of
Nursing Education com aproximadamente 22%, Nurse Education in Practice com 21%, Nurse
Educator com 7% e os demais somaram, aproximadamente, 14%.
18
Figura 1 - Ilustração do resultado quantitativo da busca na literatura. Cuiabá, 2019
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
A seguir, apresenta-se a identificação qualitativa do teor dos 166 artigos selecionados.
As publicações sobre a temática são complexas e, portanto, não fragmentáveis, sendo
necessária a análise das categorias emergentes como um todo, porém, para fins didáticos, o
resultado foi apresentado em duas grandes categorias, a saber: 1) Estratégias que
desenvolvem a competência clínica e 2) A avaliação do desenvolvimento da competência
clínica. A figura a seguir mostra, visualmente, o resultado obtido após análise por categorias.
19
Figura 2 - Categorias emergentes da análise qualitativa dos artigos selecionados. Cuiabá, 2019
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
2.1 ESTRATÉGIAS QUE DESENVOLVEM A COMPETÊNCIA CLÍNICA
Esta categoria foi composta pela maioria absoluta dos trabalhos analisados, 128
artigos. Todos os trabalhos foram escritos em língua inglesa e nenhum desenvolvido no
Brasil, o que justifica a importância da temática da presente tese.
Por meio das análises, apreendeu-se que as estratégias citadas na literatura científica
capazes de desenvolver a competência clínica em graduandos de Enfermagem são: 1)
Metodologias ativas/Simulação; 2) Ambiente apropriado/Prática clínica; 3) Currículo voltado
para o desenvolvimento da competência clínica; 4) Instrumentos específicos; e 5) Outros. A
avaliação formativa foi encontrada tanto como estratégia potente para o desenvolvimento da
competência clínica quanto para a avaliação desta.
Sobre o tema metodologias ativas, observa-se que as simulações presenciais compõem
o tema de maior número absoluto de artigos (48). Os trabalhos objetivaram experimentar
simulações a fim de comprovar o desenvolvimento de alguma dimensão da competência
clínica, relatar experiências de simulações e/ou comparar o uso de simulações presenciais
com outros métodos para o desenvolvimento dessa competência. Os resultados mostram que
as simulações podem ser realizadas por meio de manequins/bonecos e/ou atores que
20
interpretam sinais e sintomas de um paciente-padrão. Tais simulações são capazes de
desenvolver o julgamento clínico, comunicação, conduta ética, liderança, gerenciamento de
enfermagem e habilidades psicomotoras, aumentar padrões de autoeficácia, autoconfiança e
atenção em situação crítica e diminuir níveis de estresse e ansiedade. As simulações podem
ser potencializadas com o uso de discussões pré e/ou pós-simulações, uso de PBL -
Aprendizagem Baseada em Problemas e simulação mental prévia à execução da simulação
realística.
O uso de simulações a distância e tecnologias apareceu em 21 artigos. As tecnologias
EaD, educação a distância, utilizadas no desenvolvimento da competência clínica são os jogos
online para computador e celular, vídeos, softwares, avatares e cursos online. Segundo os
artigos, tais estratégias são capazes de desenvolver o julgamento crítico, comunicação
profissional-paciente, habilidades psicomotoras, comportamento ético, julgamento clínico e
habilidades para transferência de cuidado para o cuidador familiar. Outro fato comprovado
pela literatura é que o uso de simulações e/ou tecnologias de ensino a distância potencializam
o desenvolvimento de competência clínica nas simulações presenciais.
Os artigos que trataram de outras Metodologias Ativas em sala de aula foram 13, estes
citaram como métodos capazes de desenvolver competência clínica a EBL - Aprendizagem
baseada em Evidencias, o mapa conceitual, a elaboração de trabalhos em pares, a PBL -
Aprendizagem baseada em Problemas, a CBL - Aprendizagem Baseada em Casos, a Sala de
Aula Invertida, o Ensaio Mental e a Autorreflexão. Tais métodos também podem ser
utilizados para potencializar o desenvolvimento de competência clínica em simulações
presenciais.
Um total de 25 artigos tratava sobre a utilização de espaço físico apropriado e prática
clínica. Quanto ao espaço físico, citaram-se os laboratórios de enfermagem nas universidades,
os complexos laboratoriais desenhados para o desenvolvimento de competência clínica, os
veículos-ambulâncias e um local tipo pousada para imersão dos alunos. Sobre os espaços, os
artigos referem a importância destes para o desenvolvimento de competências no graduando
de enfermagem, assim como dos materiais e instrutores/professores que os compõem. O local
do tipo pousada utilizado para imersão dos alunos por alguns dias foi utilizado a fim de
desenvolver a competência clínica para saúde mental.
Outro aspecto desse tema foi a importância do ambiente de prática clínica para o
desenvolvimento de competências. Os artigos relatam que são fatores que influenciam o
desenvolvimento do aluno: o ambiente organizacional, a organização do serviço, a
organização do estágio, o ambiente físico, a carga horária, a experiência em simulações
21
prévias e o relacionamento com o preceptor. A aferição do nível de dependência do aluno por
meio de escala específica, a promoção da autorreflexão e o bom relacionamento com o
preceptor e professor são fatores relatados como potencializadores para o desenvolvimento da
competência clínica.
O currículo também foi identificado por 17 artigos, sendo apenas 1 nacional, como
estratégia capaz de promover o desenvolvimento da competência clínica. Os trabalhos trazem
a composição do currículo com criação de disciplinas, cursos temporários, workshops como
estratégias potentes para desenvolver aspectos da competência clínica. O trabalho nacional
encontrado versa sobre um curso extracurricular capaz de melhorar o desenvolvimento de
atitude de estudantes de enfermagem diante do comportamento suicida. Também relata a
possibilidade de construção de currículos baseados em casos, competências, simulações,
liderança e habilidades para números.
O uso de instrumentos como estratégia para desenvolvimento da competência clínica
também foi discutido nos artigos. A criação de guidelines para o desenvolvimento de
competência clínica, instrumento de passagem de plantão capaz de melhorar o julgamento
clínico, e um formulário para exame clínico foram citados como potencializadores do
desenvolvimento dos alunos.
Apenas um artigo não apresentou relação com os demais temas, portanto foi
classificado na modalidade “outros”. Trata-se de artigo que relata a utilização de coaching
para alunos com baixas notas. A estratégia mostrou-se favorável à recuperação de notas e
desenvolvimento da competência clínica em alunos de enfermagem.
A busca ainda revelou três artigos que versavam sobre modelos de avaliação
formativa, que são capazes de desenvolver a competência clínica. Todos os artigos relatam o
método de avaliação por pares como estratégia que, além de ser capaz de atribuir nota ao
aluno, também é potente para desenvolver competências no graduando de enfermagem.
22
2.2 A AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA
Um total de 38 artigos analisados versava sobre avaliação do desenvolvimento da
competência clínica em graduandos de Enfermagem. Percebem-se dois grandes grupos nesta
categoria: 1) Avaliação do desenvolvimento de alguma dimensão específica da competência
clínica e 2) Avaliação do desenvolvimento da competência clínica geral.
Encontraram-se trabalhos que versavam sobre as seguintes dimensões específicas da
competência clínica: Aspectos relacionados à segurança do paciente; Saúde pública; Prática
por evidência; Habilidade para trabalho em equipe multiprofissional; Aspectos emocionais
como autoconfiança e controle de ansiedade/estresse; Liderança; Comportamento ético;
Habilidades psicomotoras; e Patologias específicas.
Os artigos que tratavam sobre Aspectos relacionados à segurança do paciente
versavam sobre o desenvolvimento da habilidade para lavagem das mãos, comportamento
seguro e habilidades relacionadas ao preparo, administração e cuidados com a medicação. A
competência clínica específica para a prática de enfermagem em Saúde pública também foi
avaliada por dois trabalhos.
Outro aspecto avaliado pelos artigos foi a capacidade de a graduação formar para a
Prática por Evidência discutindo sobre o uso de pesquisas para tomada de decisão na prática
clínica. Além disso, a Habilidade para o trabalho em equipe multiprofissional foi avaliada,
inclusive é relatado uso de escala específica para tal avaliação em alunos de graduação.
Aspectos emocionais como autoconfiança e controle de ansiedade/estresse foram avaliados e
também há relatos de uso de escalas e comparações dessa dimensão da competência clínica
em alunos submetidos ou não a simulações.
A avaliação do desenvolvimento de Liderança e Comportamento ético trouxeram a
importância da prática clínica para que o aluno alcance melhor performance em ambas. O
desenvolvimento de Habilidades psicomotoras durante a graduação também foi avaliado por
trabalhos que analisaram especificamente a habilidade para punção venosa, cateterismo e
cuidados com feridas. Nesse último tema, encontraram-se dois artigos nacionais que propõem
o uso de instrumentos para avaliar o desempenho de alunos no cuidado a feridas.
O julgamento clínico foi avaliado por um trabalho nacional que propõe instrumento
para caracterizar os aspectos do julgamento clínico de estudantes. Os trabalhos que
objetivaram avaliação de desenvolvimento da competência para cuidado de patologias
específicas versaram sobre diabetes.
23
Com relação aos trabalhos que objetivaram a avaliação do desenvolvimento da
competência clínica geral, encontraram-se os que exploraram o uso de instrumentos como
escalas para avaliação de competência em graduandos, escala para avaliação específica de
competência clínica em campo de prática e construção de um inventario que lista os aspectos
mais importantes da competência clínica que não podem faltar na avaliação do graduando.
Inclusive, há estudos que aplicaram instrumentos comparando escores relacionados ao
julgamento clínico, performance em simulações e performance em campo de prática a fim de
estabelecer conexões entre estes.
Por fim, as percepções de alunos e preceptores também foram discutidas nos
trabalhos. Há trabalhos que discutem a percepção de alunos sobre os fatores que afetam o
desenvolvimento da competência clínica, assim como percepção de preceptores sobre
avaliação por competências. Ainda, há artigos que propõem o uso de escala para avaliação de
competência clínica e artigos de discussão sobre as avaliações por competências.
Esta revisão foi capaz de promover importantes reflexões sobre o panorama atual de
publicações acerca da temática de competência clínica no ensino de graduação em
Enfermagem. Parece haver consenso na literatura sobre o conceito de competência clínica e as
dimensões que a compõem. A literatura internacional utiliza o termo com maior frequência e
profundidade do que a literatura nacional, e os artigos internacionais reconhecem que a
formação de enfermagem deve ser norteada para o desenvolvimento da competência clínica,
uma vez que a clínica é a essência da profissão.
Chama a atenção o número amplo de publicações internacionais sobre o tema
comparado ao quantitativo reduzido das publicações nacionais e estas demonstram desuso do
descritor “competência clínica”, assim como do termo nos trabalhos sobre educação em
enfermagem.
Outro aspecto importante refere-se aos temas discutidos nos trabalhos internacionais.
Enquanto a literatura nacional dá seus primeiros passos em direção à temática de métodos
inovadores como simulações presenciais e a distância, aplicativos de celular, jogos online,
dentre outros, a literatura internacional discute instrumentos para avaliação destes e a
articulação de um ou mais métodos visando potencializar o desenvolvimento da competência
clínica.
Ao contrário das produções internacionais, a competência clínica é pouco investigada
nacionalmente. E, apesar de muito explorada em trabalhos estrangeiros, é abordada no campo
das aferições de desempenho, e não na análise de como se dá o processo de aquisição dessa
24
competência para o sujeito-estudante. Portanto, há espaço para investigação nacional sobre o
tema.
Conclui-se, a partir desta revisão de literatura, a possibilidade de tomar alguns
pressupostos para este trabalho: 1) A competência clínica tem seu desenvolvimento
potencializado por meio de métodos (caminhos) de ensino-aprendizagem. As metodologias
ativas/simulações foram apontadas na literatura como as estratégias mais investigadas para o
desenvolvimento da competência, porém o ambiente apropriado para prática clínica e a
organização curricular também possuem evidências científicas como potencializadores do
desenvolvimento desta; 2) A competência clínica pode ser aferida em desempenhos práticos
por meio do uso de instrumentos como escalas para avaliação de competência em sala de aula
e/ou em campo de prática, mensurando julgamento clínico, performance em simulações e
performance em campo de prática; 3) A competência clínica é desenvolvida em processos
subjetivos dos indivíduos/estudantes. Apesar de não encontrado nesta revisão de literatura
como se dá o desenvolvimento da competência clínica no estudante de enfermagem, há
evidências de que a promoção da autorreflexão, o bom relacionamento com o preceptor e
professor, o ensaio mental repetitivo de procedimentos de enfermagem e a utilização de
coaching são fatores potencializadores para o desenvolvimento desta (SOARES &
FERREIRA, 2017; ROCHA et al., 2019; GHOSH et al., 2020; DE QUADROS & COLOMÉ,
2016).
25
3 OBJETIVO
3.1 OBJETIVO GERAL
Analisar como o curso de graduação em Enfermagem promove o desenvolvimento da
competência clínica em seus graduandos.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Compreender a partir da análise do PPC como ocorre o desenvolvimento da
competência clínica;
Compreender a percepção de graduandos e coordenador de curso sobre competência
clínica;
Compreender, na percepção dos graduandos e coordenador de curso, de que maneira o
curso de graduação promove o desenvolvimento da competência clínica.
26
4 MARCO TEÓRICO CONCEITUAL
A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento e a reforma do pensamento
deve levar à reforma do ensino. O significado de “uma cabeça bem cheia” é uma cabeça onde
o saber é acumulado, empilhado, fragmentado e não dispõe de um princípio de seleção e
organização que lhe dê sentido e possibilidade de interação. “Uma cabeça bem-feita” significa
que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor, ao mesmo tempo, de uma aptidão
geral para colocar e tratar os problemas e de princípios organizadores que permitam ligar os
saberes e lhes dar sentido (MORIN, 2012. p. 20).
O tema desta pesquisa é a competência clínica no ensino de graduação em
Enfermagem. Para desenvolver as ideias apresentadas neste trabalho, o tema será abordado
por meio das lentes de alguns princípios do pensamento complexo proposto por Edgar Morin.
Para Morin, o princípio sistêmico “permite ligar o conhecimento das partes com o
conhecimento do todo e vice-versa”, sendo o todo mais que “a soma das partes” e sendo este
igualmente menos que as partes (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2004, p. 35). Assim, para
fins didáticos, apresenta-se, inicialmente, uma aproximação das partes “a competência”, “a
clínica”, “a enfermagem" e “a competência clínica do enfermeiro” a fim de que, em seguida,
seja possível compreender o todo - o desenvolvimento da competência clínica na graduação
de enfermagem e sua tecitura com a complexidade moriniana. Importante ressaltar que o
termo tecitura é utilizado nesta pesquisa a partir da lógica complexa moriniana, a qual refere-
se a construir estrutura a partir do entrelace metódico, termo utilizado pelos artesãos na
produção como sinônimo de entrelaçar, compor, fiar.
4.1 DAS PARTES
Nesta tese, assume-se que as partes compõem o todo, assim como o todo também
compõe as partes (Figura 3). As linhas tracejadas representam a falta de fronteiras delimitadas
entre as partes e o todo, ou seja, há movimento contínuo de comunicação, interações e
interconexões entre as partes e entre as partes e o todo.
27
Figura 3 - Apresentação da estrutura do marco teórico conceitual. Cuiabá, 2019
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
4.1.1 A competência
Visando elucidar a competência, apresenta-se nos próximos parágrafos um breve
apanhado histórico, cabendo ressaltar que o termo tem referência teórica própria e que não é
objetivo deste trabalho explorar tal referencial, mas, sim, apenas contextualizar o leitor sobre
as nuances do objeto ora apresentado.
O termo competência tem sua origem no latim, “competentia”, e surgiu na França no
século XV, no âmbito do Direito; seu significado relacionava-se à capacidade das instituições
jurídicas em resolver problemas ou ainda sobre a qualidade de quem é capaz de apreciar e
resolver certo assunto (DIAS, 2010).
No século XVIII, o termo passou a referir-se à capacidade dos indivíduos de resolver
problemas e já na década de 1950 foi aplicado na área da psicologia para descrever a pessoa
que realizava uma tarefa eficaz de acordo com seu potencial biológico (DIAS, 2010).
28
Na Alemanha, a competência surge com o setor produtivo, sendo um conjunto de três
dimensões: Conhecimentos - informações com as quais o indivíduo entende o mundo;
Habilidades - saber utilizar o conhecimento adquirido; e Atitudes - querer fazer. Essas
dimensões são interligadas e interdependentes, porém em conjunto mobilizam-se gerando
ações eficazes em diferentes contextos (DEFFUNE; DEPRESBITERIS, 2019).
O trabalho de Santos e Ciampone (2007) vem corroborar com os autores acima
trazendo a competência profissional em três eixos: Conhecimentos, entendidos como saber
adquirido pelo profissional; Habilidades, como o saber fazer específico; e as Atitudes,
também entendidas como saber agir, julgar, escolher e decidir. Esses eixos referem-se ao
CHA da competência – designado como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes.
O termo competência apresenta-se na literatura científica com diferentes visões teóricas de
vários autores. Empregado em diversas áreas do conhecimento como psicologia, sociologia,
linguística, educação, dentre outras (DELORS et al, 2010).
Alguns estudiosos referem que a competência perpassa o conjunto de conhecimentos,
habilidades e atitudes, como exemplo Le Boterf (2006), para quem a competência é a
interação entre três domínios: o indivíduo, a formação e sua experiência. Para o autor, a
competência mostra-se por meio da realidade a partir do momento em que a pessoa está no
ambiente de trabalho e consegue extrair conhecimentos e habilidades adquiridos ao longo do
tempo para realizar determinada tarefa.
As competências se incorporam no mundo do trabalho buscando superar o conceito de
qualificação que se demonstra vinculado a aspectos mais restritos à formação dos
trabalhadores. Vale ressaltar que o conceito de competências é diferente do conceito de
qualificação, pois enquanto a qualificação remete aos saberes necessários à realização de
determinada ação, a competência requer a mobilização desses saberes que podem, não
necessariamente, estarem ligados à formação inicial (TANGUY & ROPÉ, 1997).
Seguindo as ideias de Le Boterf, porém agora voltado para a área da educação,
Perrenoud (1999) afirma que formamos seres autônomos que agem em contextos distintos e
define a competência como “a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de
situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. As competências
manifestadas não são necessariamente conhecimentos, mas os mesmos são mobilizados e
integrados na ação (PERRENOUD, 1999).
Essa definição apoia-se em três aspectos: 1) Acontece por meio do pensamento
organizado, que determina de forma consciente a realização de uma atividade que se adapte à
situação vivenciada; 2) As competências não são o mesmo que saberes ou atitudes, porém as
29
mesmas são mobilizadas e integradas a fim de organizarem os recursos; 3) Cada situação é
única, mesmo havendo outras semelhantes que foram vivenciadas. Trata-se, portanto, de
soluções rápidas e respostas criativas e eficazes para determinada ação (PERRENOUD,
1999).
Cientes de que o termo tem se apresentado sob diversas concepções, esta tese faz uso
do termo „competência' entendido como o saber agir, reconhecido pelos outros, que abrange o
saber integrar, recursos e habilidades em um contexto profissional (LE BOTERF, 2006).
4.1.2 A clínica
O termo clínica provém do grego klinikós, que se refere a klíno, inclinar ou kline, leito.
Entende-se que clínica é a prática da medicina ao leito do enfermo. Ela nasce do constante
olhar sobre o doente, todavia o sentido do termo pode ser mais amplo, há autores que afirmam
ser a interação complexa entre dois sujeitos singulares: um profissional e um doente
(BEDRIKOW e CAMPOS, 2011).
Para entender o sentido de clínica, faz-se necessário lembrar a história do hospital, que
nasce sem a função de cura, ou seja, constituía-se de um espaço destinado à assistência de
indivíduos pobres, como forma de exclusão e isolamento social, e ocupava função de
morredouro marcado como local de transição entre a vida e a morte. Para Foucault (1979),
entre os séculos XVII e XVIII, a formação médica era marcada pela característica cognitiva
de memorização de textos e de receitas, sendo a medicina exercida de forma totalmente
individualizada, não havia práticas médicas hospitalares nem de saúde coletiva.
A medicina passou a se tornar hospitalar não para intervir sobre o doente, “mas por
meio das anulações de efeitos negativos do próprio hospital”, ou seja, do seu efeito nocivo
para a própria sociedade. Naquela época, o hospital servia como ponto de tráfico de
mercadorias e especiarias, além de ponto de disseminação de pestes vindas com os viajantes
(FOUCAULT, 1979, p. 103)
Foucault (1979, p. 107) traz que a instauração da disciplina, entendida como técnica de
poder, é o que rearranja o espaço hospitalar, iniciando, assim, o processo de „medicalização‟.
Toda essa disciplina e, logo, poder são estabelecidos pela figura do médico que estabelece
consigo não só a mudança do espaço hospitalar, mas consequentemente mudanças
relacionadas ao saber e às práticas de cuidados de saúde.
30
A disciplina e a intervenção médica sobre o ambiente foram os principais motivos que
possibilitaram a evolução do hospital como centro de morte para centro de cura. Essa
evolução do saber e das práticas de saúde causadas pela imposição de disciplina/poder
ocorreu, principalmente, no fim do século XVIII e transferiu consigo o foco das intervenções
médicas do indivíduo, ou seja, do particular, para o meio ambiente que o circundava. Os
espaços físicos passaram a ser tratados e esse conhecimento passou a ser utilizado nos
ambientes hospitalares (FOUCAULT, 1979).
Portanto, há a consolidação do poder médico tanto sobre o ambiente hospitalar como
sobre a estrutura hierárquico-organizacional, passando a ter, inclusive, controle sobre o
funcionamento econômico da instituição, o que era antes atividade detida por ordens
religiosas. As visitas médicas, basicamente, compõem um ritual marcado pela disciplina e
poder, advindas do saber médico, seguido pelas demais estruturas hierárquicas - alunos,
enfermeiras assistentes, dentre outras (FOUCAULT, 1979).
Ainda para Foucault, as rotinas do hospital marcam o nascimento da clínica, composta
por um sistema de registro contendo "técnicas de identificação; entrada e saída - admissões e
altas; diagnósticos; local de alojamento; registros de botica e medicamentos; debates entre
médicos discutindo as melhores conduções para o quadro dos pacientes". Essa característica
marca fortemente o processo de formação em saúde, tornando o hospital um espaço não
apenas de cura, mas também de formação e transmissão de saber” (FOUCAULT, 1979, p.
111).
Assim, a clínica na enfermagem evoluiu a partir desse contexto disciplinar, ora
hierarquizada, subordinada ao saber médico, focada no trabalho técnico, mecânico e pouco
refletido pelo profissional, para não somente a produção de saúde por meio de meios
curativos, preventivos ou reabilitação, como também para aumentar a autonomia dos sujeitos.
Para Sundfeld (2010), a enfermagem clínica deve promover a capacidade de
autocuidado, de compreensão sobre o processo saúde/enfermidade, ampliando as capacidades
do sujeito de lidar com a doença ou condição debilitante em seu contexto social, cultural e até
sua subjetividade.
Atualmente, a visão mais ampla de clínica, a clínica ampliada, toma para si a
articulação de diversos diálogos e saberes entre diferentes profissionais de saúde, políticas
públicas e outros setores para compreender os processos de saúde e adoecimento, incluindo os
usuários como participantes nas condutas de saúde e até em seu projeto terapêutico
(SUNDFELD, 2010).
31
Jungles (2009) defende que a clínica ampliada produz cuidado centrado no sujeito e
em seu contexto e coletividade, não apenas com finalidade de alívio do sofrimento, mas
promovendo a autonomia a fim de que os profissionais de saúde utilizem tecnologias leves -
vínculo, autonomização, acolhimento - e a construção de diálogos entre usuário, família e
equipe de saúde.
Para Oliveira et al. (2009), a clínica se dá em uma relação entre aquele que busca o
serviço de saúde e o enfermeiro, ou seja, entre dois sujeitos. A enfermagem ocupa o papel de
manter a organização dos espaços e dos corpos, de desenvolver sua prática baseada em
evidências, de criar protocolos e normas de atuação e classificar diagnósticos e intervenções
de cuidado.
O julgamento clínico, uma das competências essenciais do enfermeiro (OLIVEIRA et
al, 2017) está ligado ao "ato de julgar as necessidades de cuidados de cada indivíduo" e
"elaborar o planejamento da assistência de enfermagem a ser realizada, de forma a atender as
suas necessidades e expectativas” (COSTA et al, 2016. p. 60). O julgamento clínico torna-se,
portanto, uma dimensão da clínica, sendo que a enfermagem, o cuidado e a clínica estão
interligados.
O cuidado clínico, assim como afirma Moreira et al. (2015), é o ato de cuidar com
responsabilidade, ética e compromisso social realizado pelo profissional enfermeiro que
articula o olhar clínico por meio dos seus conhecimentos científicos, a habilidade de escuta, o
toque e a fala terapêutica, atendendo o sujeito que solicita o cuidado, respeitando sua
individualidade.
Portanto, a clínica é entendida neste trabalho como a relação de cuidado estabelecida
entre o paciente, a família e a comunidade e o profissional de saúde, enfermeiro, que assiste a
tais demandas.
4.1.3 A enfermagem
É importante que um limite no campo de atuação do objeto deste estudo seja traçado,
uma vez que outras formações profissionais também requerem o desenvolvimento da
competência clínica, porém, este trabalho restringe-se a abordar a competência clínica no
âmbito da formação do enfermeiro. Os próximos parágrafos apresentam um breve contexto
histórico da profissão e da formação profissional em enfermagem de modo a contextualizar o
surgimento e a contextualização da clínica na profissão.
32
O processo de construção profissional da enfermagem no Brasil começa ainda no
período colonial, marcado pelo exercício baseado em conhecimentos empíricos, no qual o
cuidar era praticado por religiosos e voluntários. Os hospitais eram utilizados com o intuito de
abrigar órfãos, pobres e enfermos miseráveis, e é neste contexto que nascem as primeiras
Santas Casas de Misericórdia. O ensino era reproduzido de forma não sistematizada em
instituições religiosas até 1890, quando é criada a Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, construída junto ao Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, cujo
ensino centrava-se exclusivamente na assistência (GERMANO, 1985).
Em 1923, cria-se, ainda no Rio de Janeiro, a Escola de Enfermeiras do Departamento
Nacional de Saúde Pública, atual Escola Anna Nery, que seguia os princípios de Florence
Nightingale, quais sejam: submissão, espírito de serviço, obediência e disciplina. Uma crítica
ao então planejamento curricular da escola seria a falta de contextualização do conteúdo à
realidade brasileira e o foco no trabalho intelectual, formando enfermeiros exclusivamente
para o ensino (GIOVANINI, 2002).
As atividades técnicas da assistência direta ao paciente eram realizadas pelas
atendentes de enfermagem. Fato que se relaciona com a histórica dicotomia entre teoria e
prática no campo da enfermagem, pois parte de seus trabalhadores eram encarregados de
'saber', realizando atividades administrativas, gerenciais e educativas, e a outra parte
responsável por 'fazer', realizando o cuidado prático, diário e direto aos usuários de saúde
(GIOVANINI, 2002).
A partir da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação – LDB (BRASIL, 1996), um
currículo mínimo foi elaborado, executado de 1962 a 1972, visando aspectos técnicos,
individuais e curativos da atenção à saúde, centrado, portanto, em práticas curativas,
alicerçado no referencial biológico e na visão cartesiana. A formação do enfermeiro esteve
centrada, dessa forma, no polo indivíduo-doença-cura e na assistência hospitalar.
Importante ressaltar que nesse momento crescia a rede de atenção privada à saúde,
contudo o INAMPS - Instituto Nacional da Previdência Social ainda era o principal
responsável pela atenção à saúde no Brasil. Para a atuação da enfermagem, esse cenário
reforçou a divisão da categoria em diferentes níveis de escolaridade, pois os profissionais de
nível superior geralmente eram contratados para o setor público e o pessoal de nível médio e
operário absorvido para a iniciativa privada.
Freitas, Favero & Scatena (1993) afirmam que na década de 80 intensificaram-se as
discussões acerca do processo de formação do profissional enfermeiro, porém foi apenas em
1994 que o então Ministério da Educação e do Desporto, por meio de portaria, propôs
33
mudança no currículo mínimo de enfermagem, que então objetivava a formação de um
profissional „generalista‟, ou seja, com visão holística para atuar nas áreas de assistência,
gerência, ensino e pesquisa. Nesse momento, começam a intensificar a ideia de uma formação
técnico-científica e política com vistas à reflexão sobre o homem na sociedade a partir da
multiprofissionalidade.
Com as transformações advindas do século XXI, o campo da educação na área da
saúde foi marcado por uma visão transformadora com base em teorias críticas como o
construtivismo, as abordagens compreensivas e a problematização das práticas e dos saberes
(SENA, 2001). A formação para o Sistema Único de Saúde - SUS e seus princípios, a saber: a
universalidade, descentralização, equidade no acesso aos serviços de saúde e a abordagem
integral da pessoa inserida na família e na sociedade, demandam dos centros formadores
integração ensino-serviço-comunidade, assim como formação do aluno com vistas ao mundo
do trabalho.
Em 2001, formularam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de
enfermagem, trazendo em seu corpo textual as competências primordiais a serem
desenvolvidas durante a graduação de enfermagem, a saber: competência para o
gerenciamento e administração, liderança, tomada de decisão, comunicação, educação
permanente e atenção à saúde. Cabe frisar que as competências citadas nas DCNs se
relacionam aos princípios da competência clínica, apesar disso, especificamente, o termo não
é citado. Além disso, pode-se notar que as orientações são demasiadamente amplas, vagas e
teóricas, não proporcionando subsídios objetivos sobre a formação dos futuros enfermeiros.
A resolução 573, de 31 de janeiro de 2018, aprovou novas DCN para os cursos de
graduação em Enfermagem, a qual prevê que a educação em enfermagem deve ter como
"princípio básico o cuidado - ação terapêutica da Enfermagem”. O cuidado profissional em
enfermagem é conceituado nas DCNs como "uma das dimensões do cuidado humano" que se
realiza em ato no processo de trabalho em enfermagem e se expressa por meio da
Sistematização da Assistência de Enfermagem (BRASIL, 2018. p. 1).
As DCNs, ao contrário do currículo mínimo, dão liberdade às instituições de ensino
superior quanto à composição da carga horária, visto que apenas indicam de maneira ampla a
necessidade de utilização de campos de prática durante a graduação, o uso de metodologias de
ensino e aprendizagem que promovam a autonomia e a importância de realizar avaliações
periódicas sobre a qualidade do ensino.
A partir de 2004, presencia-se, no cenário brasileiro, uma ampliação vertiginosa dos
cursos de enfermagem. Fernandes (2012) aponta que, em 2004, a área da Enfermagem
contava com 415 escolas/cursos, quantitativo que passou para 838 em 2012, sendo 80,19% na
34
rede privada. Nesse contexto, apesar da ampliação quantitativa das vagas, a qualidade do
ensino foi prejudicada, uma vez que a expansão se deu de forma desarticulada aos cenários
das práticas em saúde, ocasionando desequilíbrio entre os espaços para o desenvolvimento
das práticas em saúde/enfermagem e o quantitativo de alunos nesses espaços.
Paralelamente ao aumento desenfreado do número de cursos de graduação e à queda
da qualidade de formação, observa-se, a partir do início do século XXI, uma crise
generalizada de sentido relacionada ao trabalho. A precarização e impotência da luta das
classes trabalhadoras reorganizaram o trabalho de maneira a desvalorizar o ser humano.
Como consequências desse processo, no mundo do trabalho, há insegurança, falta de proteção
social e desrespeito às limitações físicas e psicológicas do trabalhador.
Na enfermagem, Costa e Trambellini (2009. p. 962) afirmam que atualmente são
características do trabalho “a urbanização, especialização, a redução da remuneração, a
multiplicidade de vínculos empregatícios", elevado número de plantões e crescente
informalidade nas relações de trabalho. Isso indica que o mercado de trabalho brasileiro no
setor saúde vem reproduzindo a tendência global da economia dessa era, que é utilizar a
flexibilização da contratação da força de trabalho provocando uma geração de pessoas que
vivem doentes devido ao trabalho, porém sofrem com o medo de perdê-lo (ARAUJO-DOS-
SANTOS, 2018).
Para os enfermeiros, a precariedade, principalmente no trabalho assistencial, tem sido
o fator predominante de escolha pela área da docência em busca de melhor qualidade de vida.
Hellebrandt (2014) pontua iniciativas governamentais que preconizam a inserção precoce do
estudante na pesquisa científica e priorizam cada vez mais a formação de jovens doutores, ou
seja, recém-graduados já ingressam em cursos de mestrado e doutorado sem viver a realidade
prática de sua profissão, ocupando, posteriormente, a função de docentes de enfermagem.
Os cenários atuais tanto de educação como de atuação profissional da enfermagem são
ecos de suas condições históricas, socioeconômicas e culturais (DE OLIVEIRA CRUZ,
2017). Apesar de ainda ter muitos desafios, a educação em enfermagem avançou do currículo
mínimo, que definia cursos e perfis profissionais estáticos, tecnicistas, hospitalocêntricos, à
formação de profissionais que visa não apenas o conhecimento técnico e as habilidades
psicomotoras, mas também a criatividade, reflexão, flexibilidade, produção e consumo de
conhecimento científico e prática assistencial baseada em evidências, a fim de suprir as novas
demandas do mundo do trabalho.
Ayres (2017. p.1) afirma que a enfermagem herda o "manejo do cuidar em sua
operação concreta” e como área de conhecimento o "aspecto relacional toca de muito perto a
35
Enfermagem e o fazer técnico de enfermagem no cotidiano dos serviços”. Ou seja,
entendendo a clínica como a relação de cuidado estabelecida entre o paciente, a família e a
comunidade e o profissional de saúde, bem como o cuidado como o princípio básico da
atuação profissional de enfermagem (BRASIL, 2018), justifica-se a necessidade de ampla
exploração desse tema, tanto no processo de formação como na atuação profissional de
enfermagem.
4.1.4 A competência clínica do enfermeiro
Considerando as noções já tratadas neste trabalho, apreende-se que a competência
clínica do enfermeiro permeia o saber agir responsável, reconhecido pelos outros, que
sustenta a relação de cuidado estabelecida entre o paciente, a família e a comunidade, que
buscam o serviço de saúde, e o profissional que assiste tais demandas. Tal profissional está
inserido em um contexto profissional complexo permeado pelo desenvolvimento da
identidade profissional e lutas de classe ao longo das últimas décadas.
Para além da conexão entre os termos „competência', „clínica' e „enfermagem‟, a
competência clínica do enfermeiro ganha destaque em meados da década de 80, com teoria
própria, criada pela autora Patrícia Benner. Nascida em 1942, enfermeira e teorista norte-
americana, Benner afirma que a competência clínica de enfermagem é adquirida pela
experiência ao longo do tempo em determinado campo de atuação, focando em desempenhos
atualizados e em resultados esperados em situações particulares. Esse modelo de aquisição de
competências é baseado no modelo dos irmãos Dreyfus (BENNER, 1984).
Afirma que apesar de ser possível descrever a prática do profissional expert, não é
possível capturar desse profissional passos formais, o processo mental ou todos os elementos
que passam por sua reconhecida capacidade de fazer avaliações rápidas em pacientes. Assim,
técnicas de medição, não importa quão refinadas e/ou tecnológicas são, mostram-se incapazes
de identificar todas as competências a serem medidas em um profissional competente.
A partir dos seus estudos, estabelece que há sete domínios da competência clínica, a
saber: 1) O papel da ajuda; 2) Ensino e treinamento; 3) Diagnóstico e monitoramento; 4)
Gestão eficaz de situações de rápida mudança; 5) Administração e monitoramento de
intervenções e regimes terapêuticos; 6) Monitoramento e garantia da qualidade das práticas de
saúde; e 7) Competências organizacionais e de trabalho (BENNER, 1984). A autora lembra
que a proposta não é apresentar uma lista acabada/exaustiva das dimensões que compõem a
competência, pois como relatado anteriormente, sabe-se a complexidade desta.
36
O primeiro domínio, O papel de ajuda, diz respeito às intervenções do(a)
enfermeiro(a) por meio de apoio social, emocional e espiritual que visam promover a cura
e/ou auxiliar o paciente e sua família a se comprometerem com o tratamento
(co)responsabilizando-os pela evolução do quadro clínico. Refere-se a estar com o paciente,
oferecer o conforto que a situação permite, implica comprometer-se com o outro, envolver-se.
A interação do profissional com o paciente caminha no sentido de captar no outro o desejo de
melhora, ou seja, partir dos significados que o outro atribui ao seu processo de adoecimento,
de modo a fazê-lo perceber a necessidade de ajuda, que se manifestam como aceitação e
colaboração.
O Segundo domínio, Ensino e treinamento, envolve a capacidade do(a) enfermeiro(a)
ensinar e treinar o paciente/família por meio da situação de doença, reconhecendo o melhor
momento de intervir, utilizando diferentes abordagens para obter a interpretação do
paciente/família sobre a doença e auxiliá-los na compreensão do quadro de saúde, bem como
dos procedimentos necessários para manutenção dos cuidados imediatos e futuros. Versa
sobre o enfermeiro fornecer informações sobre a situação de saúde do paciente e tratamento,
isto é, interpretar e explicar os procedimentos. Para tanto, precisa fazer uso de comunicação
que facilite a compreensão da situação por parte do paciente com o objetivo de diminuir e/ou
controlar a ansiedade, preocupação e medo visando promover o encorajamento do paciente a
enfrentar a situação e participar do plano de cuidados.
O terceiro domínio, Diagnóstico e monitoramento, refere-se à habilidade do(a)
enfermeiro(a) de reconhecer e documentar alterações fisiológicas mensuráveis, alterações
perceptivas sutis, detectar, precocemente, problemas no quadro clínico do paciente, bem
como demonstrar segurança, firmeza e convicção no relato do estado de saúde a outros
membros da equipe multiprofissional. O enfermeiro é apto a reconhecer e aplicar ações que
visem atender às necessidades de atenção/cuidado do paciente, ou seja, gerenciar situações de
mudança rápida do estado do paciente até que o restante da equipe multiprofissional chegue.
No quarto domínio, Gestão eficaz de situações de rápida mudança, os enfermeiros
funcionam como „orquestradores‟ de situações complexas, por serem capazes de identificar os
problemas que precisam ser gerenciados, estabelecer prioridades rapidamente e delegar
responsabilidades à equipe. Sabem como trabalhar diante de situações imprevisíveis e ajustar
seus planos às contingências da situação. Além disso, eles têm confiança em sua própria
capacidade e raramente entram em pânico em face de uma avaria - segurança e calma. Este
domínio revela o desempenho esperado do enfermeiro em situações de urgência e
emergência, gerindo rapidamente um problema ameaçador para a vida do paciente, liderando
37
a equipe multiprofissional e gerenciando a crise do paciente até que o médico esteja
disponível.
O quinto domínio, Administração e monitoramento de intervenções e regimes
terapêuticos, envolve o conhecimento do(a) enfermeiro(a) para realizar e monitorar
intervenções terapêuticas no paciente, conduzindo-as de forma a permitir sempre a cura e/ou o
maior conforto possível ao paciente. Este domínio inclui não apenas a administração precisa e
segura de medicamentos, levando em consideração possíveis interações medicamentosas ou
incompatibilidades, mas também exige que o enfermeiro controle efeitos adversos, reações
terapêuticas, toxicidade e incompatibilidades. Tal monitoramento pode ter implicações para a
vida e a morte. A avaliação clínica especializada ao longo do tempo é crucial para a segurança
e recuperação do paciente.
O sexto domínio, Monitoramento e garantia da qualidade das práticas de saúde, está
relacionado às formas de atuação em que o(a) enfermeiro(a) garante os cuidados de saúde
com qualidade aos pacientes, utilizando seu julgamento clínico e poder de decisão para acatar,
excluir ou acrescentar cuidados à indicação médica, fornecendo retorno no processo
comunicativo, inclusive documentando formalmente as ações tomadas. Cabe ao enfermeiro
estar sempre que possível presente e coordenar múltiplas interações que a equipe de saúde
estabelece com o paciente, como também estar em posição de prevenir e detectar erros.
Necessita ter um senso aguçado para perceber o comportamento e a aparência usual do
paciente, identificar alterações sutis, mas significativas no seu quadro geral.
O sétimo domínio, Competências organizacionais e de trabalho, envolve a atuação
do(a) enfermeiro(a) sobre a organização das tarefas e funções a serem executadas pelo serviço
da enfermagem, bem com a importância de reconhecer e fazer o trabalho em equipe, suprindo
as necessidades do paciente. Esse último domínio implica em organizar, planejar e coordenar
necessidades e solicitações de múltiplos pacientes, bem como reorganizar suas prioridades em
meio a constantes rotatividades de pacientes. Para a conduta ser eficaz, cada pessoa envolvida
deve apresentar sua perspectiva aos outros integrantes da equipe. Essa troca é processo
contínuo, visto que o paciente muda de tempos em tempos e diferentes relacionamentos
suscitam diferentes perspectivas e, portanto, diferentes possibilidades de terapia.
Postula-se que o enfermeiro passa por cinco níveis de competência: novato, iniciante
avançado, competente, proficiente e expert. Esses diferentes níveis refletem em mudanças em
três aspectos gerais de uma atuação competente: o primeiro é o movimento de sair da
confiança em princípios abstratos para o uso de experiências concretas como paradigmas; o
segundo é a mudança na percepção da situação de demanda, na qual esta parece ser cada vez
38
menos um compilado de partes igualmente relevantes e mais com um todo no qual certas
partes são relevantes; e o terceiro é quando o indivíduo passa a fazer parte da situação, não se
atendo apenas a ser um observador (BENNER, 1984).
Para cada nível de competência, a autora descreve características dos enfermeiros,
comportamentos e implicações para o ensino-aprendizagem: no primeiro nível, o novato, o
enfermeiro é limitado em suas ações, não possui experiências do que virá a enfrentar e não
consegue discernir aspectos mais relevantes em determinada situação; geralmente é possível
reconhecer aqui a maioria dos estudantes de enfermagem, porém um profissional que integra
novo serviço em unidade desconhecida pode voltar a encontrar-se nesse nível (BENNER,
1984). Para que novatos consigam experiência, deve-se descrever as situações em parâmetros
mensuráveis para permitir-lhes melhor conhecimento das condições do paciente, sendo assim
um ponto de partida seguro para a aprendizagem em situações clínicas (BENNER, 1984).
Já o iniciante avançado enfrentou situações reais e consegue perceber alguns
componentes que se reproduzem em outras situações idênticas já vivenciadas, ou seja, ele traz
consigo uma experiência anterior, todavia ainda depende da vivência com enfermeiros mais
experientes (BENNER, 1984). Estes seguem parâmetros e tarefas que devem realizar, mas
apresentam dificuldades em dominar uma situação partindo de perspectiva mais ampliada;
dão importância para parâmetros mensuráveis; necessitam aprofundar-se na prática e serem
ajudados para estabelecer prioridades; geralmente, encontram-se nesse nível os enfermeiros
recém-graduados (BENNER, 1984).
No terceiro nível, apresenta-se o enfermeiro competente, geralmente profissionais que
estão trabalhando de dois a três anos em uma mesma clínica, conseguem classificar as ações
que precisam ou não de mais atenção e desenvolvem um planejamento consciente, metas de
cuidados em longo prazo, ganhando eficiência e organização dos seus serviços (BENNER,
1984). Beneficiam-se das suas ações por meio da prática coordenando os cuidados perante as
necessidades de cada paciente. Ao tornarem-se confiantes em sua prática são capazes de
antecipar e solucionar problemas clínicos em sua rotina com facilidade (BENNER, 1984).
No quarto e penúltimo nível, apresenta-se o enfermeiro proficiente. Esse profissional
utiliza-se da percepção, compreendendo aspectos mais relevantes de determinada situação por
meio de estudos de caso e de casos clínicos que surgem na prática do dia a dia, sendo eficazes
em diferentes níveis de complexidade e perante situações reais. Segundo a autora, há uma
estimativa de que o proficiente trabalha com a mesma população de pacientes entre três a
cinco anos, porém o estudo precisa ser aprofundado (BENNER, 1984).
39
O enfermeiro expert se encaixa no último nível de competência clínica; a partir de
situações reais já vivenciadas, não perde tempo e consegue antecipar ações com grande
assertividade, pois o mesmo possui vasta experiência e aborda situações de modo intuitivo,
mas não no sentido de ser uma adivinhação, nesse caso a intuição aqui permite ao expert
determinar o que é mais importante em dada situação (BENNER, 1984).
Na maioria das vezes, os experts proporcionam opiniões clínicas ou administram
situações complexas de forma admirável e podem ser consultores de outros enfermeiros. São
eficazes detectando de forma precoce alterações clínicas que precisam de avaliação médica,
detectando mudanças fisiológicas antes mesmo da alteração dos sinais vitais dos pacientes ou
que ocorram maiores intercorrências (BENNER, 1984).
Esse modelo é progressivo, porém não caminha em forma linear, às vezes o
profissional pode passar por retrocessos, estagnação ou saltos e até mesmo não chegar ao
nível expert, uma vez que não há prática clínica suficiente. Nesse contexto, não é coerente
culpar os profissionais por aquilo que não vivenciaram em sua prática clínica, sendo muito
importante a convivência e trabalho em parceria com outros colegas para partilharem
experiências clínicas (BENNER, 1984).
Desse modo, a partir dos cinco níveis propostos por Benner (1984), apreende-se que a
competência clínica, apesar de progressiva, não se desenvolve linearmente, mas em
movimentos contínuos de ir e vir e a depender do tempo e da área de atuação profissional. Os
domínios demonstram não apenas a necessidade de experiências práticas para o
desenvolvimento da competência, mas também que esta pode ser observada por meio de
desempenhos práticos.
4.2 DO TODO: O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E SUA
TECITURA COM A COMPLEXIDADE MORINIANA
Ao longo dos anos, a educação em enfermagem passou por várias fases de
desenvolvimento, tendo como reflexo de cada mudança o contexto histórico,
consequentemente o perfil de enfermeiros apresenta significativas mudanças em decorrência
dessas transformações (ITO et al, 2006).
Ressaltam-se alguns pontos fundamentais que sustentam a compreensão dessa linha do
tempo imaginária: a enfermagem inicia sua trajetória histórica atuando de maneira empírica,
em ambiente hospitalar e subordinada ao saber médico; em seguida, com a criação das escolas
40
de formação, há divisão entre o nível de escolaridade dos profissionais da área, fomentando a
dicotomia teoria-prática.
O currículo mínimo é proposto centrado na tríade indivíduo-doença-cura, contudo,
após a criação do SUS, a formação de um profissional generalista é apresentada (DUARTE,
VASCONCELOS E SILVA, 2017). Nos anos seguintes, as Diretrizes Curriculares Nacionais
oferecem liberdade às instituições de ensino descrevendo competências demasiadamente
amplas para a atuação do enfermeiro. Após isso, há a ampliação de cursos de graduação e
diminuição de maneira geral da qualidade do ensino, associados à crise de sentido relacionada
ao mundo do trabalho em enfermagem e fuga do profissional enfermeiro da assistência para a
docência em busca de melhor qualidade de vida (SANTOS et al, 2018).
Questiona-se aqui se a educação em enfermagem ao sair de um polo biologista/
tecnicista chegou ao polo oposto, repetindo um erro do passado de proporcionar uma
educação teórica/filosófica focada na produção e consumo de pesquisa científica, centrada no
'saber', porém distante da essência da profissão: a prática do cuidado clínico.
Este trabalho defende que o desenvolvimento da competência clínica deve ser o
norteador da graduação em Enfermagem, todavia esse norte precisa manter os princípios da
autonomia, criticidade e reflexão, sem retornar ao currículo mínimo e à formação tecnicista.
Para Morin (2012, p. 13), “há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave
entre os saberes [...] compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou
problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais,
globais, planetários”.
Torna-se contundente concordar com o autor que o retalhamento das disciplinas torna
impossível apreender “o que é tecido junto”, isto é, o complexo, segundo o sentido original do
termo. Os problemas essenciais nunca são parceláveis e os problemas globais são cada vez
mais essenciais. Além disso, todos os problemas particulares só podem ser posicionados e
pensados corretamente em seus contextos. A complexidade moriniana prevê noções básicas
para uma educação libertadora.
41
4.2.1 As noções de interação, sujeito e autonomia
A primeira definição de sujeito para Morin (2012) seria o egocentrismo, sentido literal
do termo, ou seja, o indivíduo que se posiciona no centro do seu mundo. O “Eu” e o ato de
ocupação de um espaço que se torna centro do mundo, assim um indivíduo é ao mesmo tempo
produto e produtor de um ciclo de reprodução. Biologicamente, um indivíduo é produto de
um acasalamento e esse próprio indivíduo é reprodutor desse ciclo ao se acasalar com outro
indivíduo – agora de sexo diferente - da mesma espécie (MORIN, 2012).
O fenômeno social também pode ser considerado sob o ponto de vista biológico. Os
indivíduos interagem e produzem a sociedade como nós a conhecemos, mas também a
sociedade com sua cultura, normas e valores retroage sobre os indivíduos humanos. Assim
sendo, os produtos da interação entre os sujeitos e a sociedade são, ao mesmo tempo,
produtores desses próprios sujeitos e sociedade (MORIN, 2012).
As ideias supracitadas são fundamentais para compreender a noção de sujeito, a qual
Morin chama de “computação”:
A computação que cada um faz de si mesmo, por si mesmo e para si
mesmo. É um cômputo. O cômputo é o ato pelo qual o sujeito se
constitui posicionando-se no centro de seu mundo para lidar com ele,
considerá-lo, realizar nele todos os atos de preservação, proteção,
defesa, etc. (MORIN, 2012, p. 119).
Para Morin, o sujeito é ser computante, isto é, analisa seus próprios dados internos e
os dados externos, sendo tais cômputos realizados para si, ou seja, na primeira pessoa. Por
essa ideia de cômputo que Morin (2005a) caracteriza a individualidade viva.
Portanto, a individualidade não conota apenas singularidade, mas também
subjetividade. Ser sujeito é dispor-se no centro do seu universo, sendo ser único,
independentemente da sua carga genética – como nos casos dos gêmeos homozigóticos – cada
um ocupa a sede do seu “eu”. O sujeito vivo é, ao mesmo tempo, egocêntrico, dedicado a si
mesmo; genocêntrico, dedicado aos seus ou à perpetuação da espécie; e também
sociocêntrico, dedicado à sociedade (MORIN, 2010).
Partindo do olhar moriniano sobre a realidade, compreende-se que o desenvolvimento
da competência clínica não objetiva apenas qualificar a assistência, o que teria como ação
finalística alcançar apenas o usuário do serviço, mas também o próprio trabalhador,
justificando o seu “eu profissional” em seus aspectos ontológicos, ou seja, do que se é frente a
si, frente ao outro e do seu papel na sociedade. O desenvolvimento da competência clínica ao
42
longo da vida profissional, assim como citada por Benner (1984), possui potencial para
contínua reconstrução humana e o trabalho estabelece papéis sociais, que justificam o “eu”
em sociedade. Sendo assim, a articulação permanente de aprender por meio da prática resulta
na reconstrução do “eu”.
O paciente atendido também é sujeito computante, ou seja, analisa seus dados internos
e externos, tendo percepções subjetivas do mundo e de si. É nesse encontro de sujeitos que a
clínica acontece diariamente. Segundo a teoria de Benner (1984), apesar de todos os domínios
permearem a noção de sujeito e também de autonomia, entende-se que o segundo domínio,
Ensino e treinamento, é o que mais representa o desenvolvimento da subjetividade tanto do
profissional como da pessoa assistida, uma vez que envolve a capacidade do(a) enfermeiro(a)
ensinar e treinar o paciente/família por meio da situação de doença utilizando diferentes
abordagens para obter a interpretação do paciente/família sobre a
doença/procedimentos/rotinas. Nesse encontro pedagógico, ambos precisam utilizar a
comunicação para compreender as percepções/cômputes do outro sujeito, em prol de diminuir
a ansiedade, preocupação e medo por parte do paciente/família e promover a coparticipação
no plano de cuidados.
A autonomia para Morin:
[...] depende de seu meio ambiente, seja ele biológico, cultural ou
social. Assim, um ser vivo, para salvaguardar sua autonomia, trabalha,
despende energia, e deve, obviamente, abastecer-se de energia em seu
meio, do qual depende. Quanto a nós, seres culturais e sociais, só
podemos ser autônomos a partir de uma dependência original em
relação à cultura, em relação a uma língua, em relação a um saber
(MORIN, 2012, p. 118).
A autonomia e o processo de aprender se articulam de maneira recursiva, sendo que a
autonomia estimula o processo de aprender e este estimula a autonomia. As múltiplas
dependências estão intimamente ligadas a nossa dependência da sociedade, na qual estamos
inseridos, do ambiente em que vivemos, da nossa ascendência genética e da cultura.
Ao primeiro olhar, pode causar certa estranheza conceituar autonomia como múltiplas
dependências, pois, na visão do pensamento simplificador, autonomia e dependências são
termos repulsivos (MORIN, 2012, p. 124).
Assim, uma equipe de saúde em seu cotidiano torna-se autônoma a partir de um „ciclo
virtuoso‟ de compartilhamento de experiências, pensamentos, buscas e tomadas de decisão
em equipe. Somente a partir de tal ciclo, capaz de desenvolver continuamente a competência
43
clínica, é possível estimular a autonomia pessoal de cada integrante da equipe – autonomia
das partes - e a autonomia do próprio grupo de trabalho – autonomia do todo.
A construção da autonomia do ser profissional de saúde inicia-se antes do período da
graduação e permanece em desenvolvimento durante toda a sua vida profissional. Na
graduação, cabe ao docente mediar as relações de dependências no processo de aprender a
tornar-se autônomo.
A autonomia de múltiplas dependências em Morin nos faz refletir que, no contexto da
graduação, o aluno, para desenvolver autonomia, depende dos professores, da instituição de
ensino, do seu conhecimento prévio, enfim, de uma série de fatores para tornar-se um
profissional autônomo. Já no ambiente de trabalho, o profissional precisará das competências
construídas no período de graduação, equipe de trabalho, de gestão do trabalho favorável, de
políticas de saúde que sustentam sua atuação, entre outros fatores para exercer seu trabalho de
maneira autônoma.
Auxiliando na compreensão de sujeito, Morin (2012) evoca a teoria de Jaynes,
segundo a qual os indivíduos da antiguidade possuíam mentes bicamerais. Uma câmara seria
a da subjetividade humana, ou seja, lidaria com assuntos referentes à casa, família, filhos,
dentre outros de cunho privado; a segunda câmara era ocupada por assuntos da cidade, do
poder teocrático político, do rei.
Jaynes afirma que a consciência nasce no momento em que uma brecha é aberta entre
as duas câmaras, que, dessa maneira, podem se comunicar. Ou seja, o indivíduo poderia se
questionar sobre o que seria a cidade e a política, colocando sua pessoalidade como integrante
destas. Quando a pessoa pensa dessa forma, eventualmente, nasce um cidadão. Portanto, a
noção de sujeito e as noções de cidadania – como exemplificadas pela teoria de Jaynes - são
recursivas, sendo o sujeito, ao mesmo tempo, produto e produtor da sociedade a partir da
cidadania (JAYNES, 2000).
4.2.2 A cidadania
Para Morin, a verdadeira cidadania reconcilia o sujeito com o mundo, transformando-o
em sujeito político, “atuante na sociedade e responsável não apenas por suas ações mas
também pelas ações do outro” (MORIN, 2012, p. 83). Ser cidadão significa ter sentimento de
responsabilidade, a qual não é alcançada com discursos cívicos, mas por meio de “um
44
profundo sentimento de filiação, sentimento matripatriótico que deveria ser cultivado de
modo concêntrico sobre o país, o continente, o planeta” (MORIN, 2012, p. 74).
A enfermagem por ter o cuidado como seu objeto principal é uma profissão cidadã. A
competência clínica do enfermeiro interage com essa cidadania por meio de todos os
domínios elencados por Benner (1984), visto que visam produzir a essência da profissão: o
cuidado (de si, do meio e do outro). Especificamente, o primeiro domínio da teoria de
Benner, o papel da ajuda, destaca-se nesse aspecto. O cuidado com o outro, descrito como
„ajuda‟, representa a construção de laços fraternos entre seres da mesma espécie, ou seja, a
construção da cidadania humana, terrena (MORIN, 2012).
Uma das características mais marcantes do sistema de saúde implantado no Brasil, a
qual inclusive o torna singular internacionalmente, é a participação efetiva da população nos
processos de tomada de decisão, o chamado controle social. A participação social no SUS não
se resume à avaliação de satisfação, em ouvidorias, ou até mesmo de maneira consultiva. No
Brasil, a população tem assento nas instâncias máximas da tomada de decisões em saúde
(CECCIM E FEUERWERKER, 2004).
Corroborando com tal característica do SUS, a formação também deve ser pensada
sobre a forte base da participação popular, integrada com as necessidades locorregionais e
embasada nas políticas nacionais constituídas. Dessa forma, a educação baseada nos moldes
do pensamento moriniano pretende desenvolver competências, e não somente transmitir
saberes, mas cultura, tornando possível compreender a condição humana e ajudando a viver à
medida que favorece um modo de pensar aberto e livre (MORIN, 2012).
Por fim, concordando com Benner (1984), entende-se que a graduação por si só não é
capaz de formar um enfermeiro expert - competente em último nível, uma vez que o tempo e
a vivência prática cotidiana são imprescindíveis para o desenvolvimento dos níveis de
competência. Contudo, pode-se partir do pressuposto de que o bacharelado em enfermagem é
capaz de desenvolver o aluno de enfermagem até o segundo nível da competência clínica -
Iniciante Avançado, já que a aquisição de competência para além desse nível demanda do
estudante vivenciar experiências de participação ativa no cenário de prática por tempo que a
graduação por si só não comporta.
4.2.3 O conhecimento pertinente e a incerteza
A necessidade de desenvolvimento da competência clínica durante a graduação de
enfermagem relaciona-se ao princípio do conhecimento pertinente proposto por Morin (2012),
45
que afirma ser a educação capaz de produzir o conhecimento que é capaz de situar qualquer
informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está. Para compreendermos
esse processo, Morin discorre sobre as diferenças entre a informação, o conhecimento e o
pensamento: "a informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve dominar e
integrar; o conhecimento deve ser permanentemente revisitado e revisado pelo pensamento; o
pensamento é, mais do que nunca, o capital mais precioso para o indivíduo e a sociedade”
(MORIN, 2012. p.17).
O pensamento complexo define o “pensar bem” e o "pensar mal”. Para Morin (2005.
p. 61), pensar mal fragmenta e compartimenta o conhecimento, ignora o contexto, ignora a
recursividade de passado/presente/futuro, privilegia o quantificável, rejeita ambiguidades e
contradições, “obedece ao paradigma de simplificação que impõe o princípio de redução para
conhecer e impede de conceber os vínculos de um conhecimento com o seu contexto e com o
todo do qual faz parte”. Já o “pensar bem” conecta partes-todo, supera o reducionismo,
considera os contextos “permitindo inserir a ação moral na ecologia da ação”, concebe uma
racionalidade aberta, considera a relação local-global e possui caráter antirredutor.
Morin afirma que o saber se tornou cada vez mais exclusivo aos especialistas e o
conhecimento técnico está "reservado aos experts cuja competência em um campo restrito é
acompanhada de incompetência, quando esse campo é perturbado por influências externas ou
modificado por um novo acontecimento” (MORIN, 2012. p. 18). Portanto, quando se discorre
sobre a necessidade do desenvolvimento da competência clínica durante a graduação em
Enfermagem, não se atém apenas à aprendizagem técnico-científica e psicomotora, mas
ressalta-se a necessidade de educar de modo a "favorecer a aptidão natural da mente para
colocar e resolver os problemas” (MORIN, 2012. p. 20), evitando as dicotomias -
teoria/prática, saber/fazer, pensar/sentir.
Especificamente, o quarto e quinto domínios da teoria de Benner sobre a competência
clínica, a saber: Gestão eficaz de situações de rápida mudança; e Administração e
monitoramento de intervenções e regimes terapêuticos, versam sobre a capacidade do
enfermeiro de contextualizar e lidar com situações de incerteza. Para Morin, pode-se ter uma
certeza em mente: a de que se está rodeado de incertezas (MORIN, 2002).
Benner afirma que o enfermeiro é capaz de identificar problemas, estabelecer
prioridades e delegar funções para si e para a equipe. Faz-se necessário saber avaliar o
problema e ajustar os planos às demandas da situação do paciente. Tais incertezas
caracterizam o ambiente de trabalho em saúde como provocador de um permanente
46
movimento de desequilíbrio ↔ equilíbrio exigindo do profissional flexibilidade, criatividade
e aceitação da incompletude dos seus conhecimentos.
A condição humana está marcada por duas grandes incertezas: a incerteza cognitiva e
a incerteza histórica (MORIN, 2012, p. 54). A incerteza cognitiva pressupõe que o
conhecimento nunca é um reflexo do real, é sempre tradução e construção singular, ou seja,
comporta em si risco de erro. A incerteza histórica seria a de que o futuro é imprevisível
(MORIN, 2012):
Os erros da predição futurológica, os inúmeros fracassos da predição
econômica (apesar e por causa de sua sofisticação matemática), a derrota do
progresso garantido, a crise do futuro, a crise do presente introduziram o vírus
da incerteza em toda parte (MORIN, 2012, p. 55).
Todos os dias prognósticos são confrontados, procedimentos e medicamentos
aprimorados ou até extinguidos e julgamentos clínicos de diferentes profissionais se
descobrem ambíguos ou, por vezes, antagônicos. Desse modo, é neste ambiente de incertezas
que estão inseridos o aluno, o profissional de saúde, o usuário do sistema, os gestores e as
instituições formadoras. No cotidiano de atenção à saúde, as respostas não são previsíveis,
sejam elas do sujeito atendido, da gestão do trabalho ou do próprio sistema de saúde. As
singularidades dos organismos humanos e institucionais e suas reações confrontam
diariamente o paradigma positivista de certo ou errado, verdade ou mentira, cura ou doença.
O desenvolvimento da competência clínica deve encontrar no ambiente natural das
incertezas – a prática cotidiana – sua fonte e objetivo. Esta estimula a ruptura da linearidade
da causa e efeito e a adoção de possibilidades circulares - retroatividade, recursividade:
Por que as mesmas causas não produzem sempre os mesmos efeitos, quando
os sistemas que elas afetam têm reações diferentes, e por que causas
diferentes podem provocar os mesmos efeitos (MORIN, 2012, p. 94).
Faz-se necessário, assim, que o enfermeiro desenvolva competências capazes de
enfrentar a complexidade do real, contextualizar suas vivências e lidar com as incertezas
inerentes à área da saúde para que, dessa forma, possa desenvolver inteligência estratégica,
criatividade e coerência entre como o sujeito pensa e como os fenômenos acontecem nesse
contexto.
47
4.2.4 Multi/Transdisciplinaridade
Disciplina caracteriza-se como “uma categoria organizadora dentro do conhecimento
científico; ela institui a divisão e a especialização do trabalho” (MORIN, 2012, p. 105). As
disciplinas possuem uma história, um nascimento, uma evolução e, consequentemente, um
esgotamento.
Na era atual, nota-se que os problemas vão além das disciplinas. Jacques Labeyrie
(apud Morin, 2012) sugeriu: “Quando não se encontra solução em uma disciplina, a solução
vem de fora da disciplina”. Sabe-se que a história das disciplinas está imbricada nas
universidades, que por sua vez está imbricada na sociedade, ou seja, “as disciplinas nascem da
sociologia das ciências e sociologia dos conhecimentos” (MORIN, 2012, p. 99).
Sendo assim, a disciplina não é construída apenas por reflexões internas sobre si
mesma, mas também por reflexões sobre um conhecimento externo, logo “não basta, pois,
estar por dentro de uma disciplina para conhecer todos os problemas aferentes a ela”
(MORIN, 2012, p. 105).
No contexto do desenvolvimento da competência clínica, entende-se por disciplina
tanto os conhecimentos próprios de cada profissão da área da saúde quanto as áreas de
conhecimento específico, como a anatomia, fisiologia, farmacologia, dentre outras. O terceiro,
sexto e sétimo domínios, especificamente, da teoria de Benner, a saber: Diagnóstico e
monitoramento; Monitoramento e garantia da qualidade das práticas de saúde; e
Competências organizacionais e de trabalho, remetem-nos à habilidade de pensar
multi/transdisciplinarmente. Ao formular um julgamento clínico coerente e acrescentar ou
excluir cuidados à indicação médica, o enfermeiro precisa articular conhecimentos variados
advindos das áreas de conhecimento da saúde, assim como quando o enfermeiro acessa,
reconhece a importância e interage com a equipe multiprofissional ele também age
multi/transdisciplinarmente.
Para a formação de um enfermeiro competente clinicamente, faz-se necessário que as
disciplinas se interajam, pois a instituição disciplinar, por si só, corre o perigo de
hiperespecializar-se, conhecendo profundamente o micro, porém ignorando que seus objetos
de estudo são construídos a partir do contexto macro, resultando na „coisificação‟ do objeto
estudado (MORIN, 2012, p. 106).
Assim, Morin afirma que interdisciplinaridade “trata-se frequentemente de esquemas
cognitivos que podem atravessar as disciplinas”, o que pode significar também “troca e
48
cooperação, o que faz com que a interdisciplinaridade possa vir a ser alguma coisa orgânica”
(MORIN, 2012, p. 115).
Já a multidisciplinaridade:
constitui uma associação de disciplinas, por conta de um projeto ou de um
objeto que lhes sejam comuns; as disciplinas ora são convocadas como
técnicos especializados para resolver tal ou qual problema; ora, ao contrário,
estão em completa interação para conceber esse objeto e esse projeto
(MORIN, 2012, p. 115).
Para promover a multi/transdisciplinaridade, precisa-se de um paradigma “que, ao
mesmo tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem os
reduzir às unidades elementares e às leis gerais” (MORIN, 2010, p. 138).
Percebe-se a necessidade de ações multi/transdisciplinares no espaço da atenção à
saúde. Desenvolver a competência clínica perpassa desenvolver consciência nos graduandos
de que os saberes são compartilhados com outros profissionais da saúde, os quais, em seus
ambientes de trabalho, não apenas dialogam, reunindo expertises para a resolução de um
problema em comum, mas promovem, a partir de processos de cuidado integral, o
engendramento de um organismo vivo autônomo, desprovido de vaidades.
As fronteiras disciplinares tendem a deixar de existir quando se cria um ambiente de
aprendizagem, capaz de democratizar a instituição e humanizar as relações interpessoais e
organizativas do trabalho (CECCIM e FEUERWERKER, 2004). Uma assistência à saúde de
qualidade implica na interação entre diversas disciplinas e profissões. A integralidade,
defendida como norteadora das ações e serviços de saúde, pressupõe promoção, prevenção e
recuperação da saúde em todos os níveis de atenção (do nível básico ao de maior
complexidade), tendo em vista os aspectos multidimensionais pessoais e coletivos dos
sujeitos.
49
5 MÉTODO
Na perspectiva complexa, a teoria está “intimamente ligada ao método que, para ser
elaborado, exige estratégia, iniciativa, invenção e arte” (MORIN, CIURANA E MOTTA,
2004, p. 23). Portanto, uma relação recursiva é desenvolvida entre o método e a teoria. O
método é produzido pela teoria e ao mesmo tempo é produtor desta.
Partindo dessa compreensão, neste tópico é apresentada a proposta da bricolagem
como método de pesquisa, a qual está intimamente ligada ao pensamento complexo. Para
Morin, o método é o caminho e este não é preexistente e acabado, mas, sim, dependente do
próprio ato de caminhar, ou seja, utilizando as palavras do poeta Antônio Machado: "O
caminho se faz ao caminhar” (MACHADO, 2008). É nessa perspectiva que a bricolagem
propõe a criação de novos significados/utilidades a partir da junção de objetos preexistentes.
Sua criação está vinculada aos movimentos dadaísta e surrealista durante e após a primeira
guerra mundial, configurando-se como um ato de negação racionalista que tinha como
objetivo romper com as concepções formais sobre „o que era considerado arte‟ pela
hegemonia burguesa (CAMPOS; RIBEIRO, 2016).
Pesquisadores apontam a bricolagem como uma inovação nos métodos de pesquisa
científica, autores como Denzin e Lincoln (2006), Nunes (2014), Campos e Ribeiro (2016),
Campos e Ribeiro (2017) afirmam que a bricolagem propõe aos pesquisadores o desafio de
ultrapassar processos científicos inflexíveis e os incentiva a utilizar diferentes conhecimentos,
teorias e técnicas com a finalidade de construir algo novo, ou seja, seu próprio caminho.
A complexidade e a bricolagem estimulam a criatividade, a flexibilidade e a estratégia
durante a produção de conhecimento. Morin (2010), inclusive, propõe a noção de „ecologia da
ação‟, afirmando que a ação é permeada de escolhas e apostas, imbricadas pela noção de risco
e incerteza, ou seja, quando empreendemos uma ação, nossas intenções iniciais ficam
dependentes do meio, e o pesquisador interage em um universo que pode desviar seu intento
inicial. Como “batidas de asas de uma borboleta”, não podemos prever com certeza os
resultados de nossas ações, a complexidade supõe o "aleatório, o acaso, a iniciativa, a decisão,
o inesperado, o imprevisto, a consciência de derivas e transformações” (MORIN, 2011, p.
76).
Nessa mesma perspectiva, para a bricolagem nem sempre é viável definir em antemão
uma metodologia. Kincheloe e Barry (2007, p. 17) afirmam que a relação entre “o
pesquisador e os objetos de suas investigações é sempre complicada, volátil, imprevisível e,
50
certamente, complexa". Essas condições apontam a incoerência da prática de planejar
antecipadamente o passo a passo de pesquisa.
Apesar da proposta de flexibilidade trazida tanto pela bricolagem como pelo
pensamento complexo, não significa que durante o caminhar da pesquisa não se organize
nenhum planejamento prévio, pelo contrário, há organização e planejamento, porém
utilizados com estratégia. Para Morin (2012), a estratégia inova e adapta as situações, elabora
um cenário que examina as certezas e incertezas, as probabilidades e improbabilidades. O
cenário pode e deve ser modificado de acordo com as novas informações, os acasos, os
contratempos e as oportunidades encontradas ao longo do caminho.
Figura 4 - Mapa conceitual sobre afinidades entre bricolagem e complexidade, 2019
Fonte: extraído de Campos LRG, 2019, p. 50.
Ambos, o pensamento complexo e a bricolagem, propõem o método como caminho
intuitivo, criativo, flexível, subjetivo e estratégico, o qual aceita a incerteza e religa o
conhecimento. A atuação do pesquisador no caminho é de sujeito ativo, político, teórico e
interpretativo. A figura acima demonstra de que maneira a bricolagem pode se tornar um
método de pesquisa coerente ao pensamento complexo.
51
5.1 TIPO DE ESTUDO
O estudo é do tipo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa que utiliza o
pensamento complexo e a bricolagem como referencial teórico e método da pesquisa. A
abordagem qualitativa foi escolhida devido ao paradigma constituir-se na complexidade, que,
por sua vez, revela como essencial a análise do contexto em que o objeto se insere, exigindo,
assim, a abertura que a pesquisa qualitativa proporciona.
A pesquisa qualitativa, para Minayo (2010), trabalha com os significados das ações e
relações humanas, suas crenças, valores e atitudes, adequando-se ao objeto do presente
estudo, já que se propõe a analisar percepções sobre o desenvolvimento da competência
clínica.
5.2 LOCAL
O local da pesquisa foi a Faculdade de Enfermagem de uma Universidade Pública da
região Centro-Oeste. Essa universidade foi escolhida por ocupar lugar de destaque entre as
instituições federais de ensino superior nessa região. Criada por meio da Lei 5.647, de 10 de
dezembro de 1970, conta com quatro campi, sendo o principal na capital e os demais nas
cidades do interior do estado. A universidade possui um hospital universitário, atualmente
administrado pela EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que possui papel
importante na rede atenção à saúde do estado.
5.3 PRODUÇÃO DOS DADOS
A bricolagem utiliza como elemento inicial da sua operacionalização o POETA, que
funciona como “elemento central para a rede de entretecimento na análise” (CAMPOS &
RIBEIRO, 2017. p. 1). Um POETA pode ser qualquer coisa que produza sentido – uma
imagem, um livro, uma fotografia.
O primeiro POETA deste trabalho constituiu-se a partir dos resultados da revisão de
literatura inicial sobre o tema cujo perfil demonstrou-se predominantemente internacional,
com abordagens quantitativas no campo das aferições de desempenho, e não na análise de
como se dá o processo de aquisição da competência clínica para o sujeito-estudante. Tal
POETA possibilitou questionamentos sobre o que foi instituído, em forma de documento,
pelo corpo docente do curso de Enfermagem pesquisado.
52
O segundo POETA constituiu-se a partir dos resultados da análise documental do
PPC. Notou-se que apesar da ausência do termo „competência clínica‟ esta era percebida em
vários elementos que constituem o documento, permeando transversalmente o curso de
graduação, porém de forma não sistematizada. Para além do planejado, tal POETA
possibilitou questionamentos sobre o que tem sido desenvolvido no cotidiano das práticas
educativas para aqueles que se configuram como elemento central do processo de ensino-
aprendizado, os estudantes.
As entrevistas dos grupos de estudantes formaram o terceiro e mais significativo dos
POETAS. As entrevistas permitiram a aproximação dos aspectos subjetivos do
desenvolvimento da competência clínica nos estudantes, além de suas percepções sobre seus
processos durante o período de graduação. Tal poeta exigiu um último nível de aproximação
com o objeto, a percepção do coordenador do curso sobre não apenas o documento produzido
pelo corpo docente – PPC, mas também o desenvolvimento da competência clínica ao longo
de todo o processo de formação oferecido pelo curso de graduação.
O quarto POETA - entrevista do coordenador do curso possibilitou visualizar a
complexidade do tema e adensar as tecituras das análises. A partir desse momento,
visualizaram-se potencialidades e limitações do estudo, que não tem por objetivo exaurir o
objeto de pesquisa, mas apenas a partir de um ponto de vista.
A utilização dos POETAS proporcionou o passo a passo, não fragmentado, da
produção dos dados deste estudo. As interações entre o graduando e os serviços, profissão,
preceptor, comunidade, pares, preceptor, professor e consigo mesmo (subjetividade), ainda
que desvinculadas umas das outras, começaram a surgir desde o primeiro POETA e ganharam
consistência ao longo do processo de produção de dados.
53
Figura 5 – Processo de produção dos dados por meio da bricolagem – utilização de POETAS, 2019
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
Portanto, utilizaram-se três técnicas de coleta de dados: 1) Análise documental do
Projeto Pedagógico de Curso; 2) Grupo focal com graduandos de Enfermagem; e 3)
Entrevista semiestruturada com o coordenador do curso. O trabalho de campo foi realizado
entre junho e setembro de 2018.
Todos os participantes foram contatados pessoalmente, sendo entregue o TCLE com o
convite para participar da pesquisa. O local da coleta foi escolhido pelos próprios
participantes, tendo como critério principal o conforto do participante.
5.3.1 Análise documental
Para Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), o uso de documentos em pesquisa precisa
ser valorizado e seu uso é justificado pela riqueza de informações que deles podemos extrair.
Ainda, a análise documental possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão
necessita de contextualização sociocultural (KRIPKA; SCHELLER; BONOTTO, 2015).
A partir da atribuição de valor à análise documental, é possível acrescentar que se
torna necessária para compreensão do objeto a análise do que foi instituído pelo corpo
docente, em forma de documento, e o que tem sido desenvolvido no cotidiano das práticas
educativas.
54
O PPC encontra-se disponibilizado ao público no sítio online da Universidade Federal
pesquisada. Um instrumento de análise foi construído artesanalmente pelo pesquisador, a
partir de quatro eixos, a saber: 1) Dados Gerais; 2) Bases Teóricas do PPC que se articulam
com a Competência Clínica; 3) Estratégias Pedagógicas; e 4) Dimensões da Competência
Clínica previstas. O documento foi analisado a partir desse instrumento. O instrumento
baseado nos quatro eixos supracitados encontra-se no Apêndice 1 e se configura como
estratégia para alcançar o seguinte objetivo específico: examinar o PPC do referido curso de
graduação a fim de compreender de que maneira aborda/prevê o desenvolvimento da
competência clínica.
5.3.2 Grupo focal
O grupo focal é uma técnica de coleta de dados que, a partir da interação grupal,
promove ampla problematização sobre um tema específico (KINALSKI, 2017). No processo,
os encontros grupais possibilitam aos participantes explorarem seus pontos de vista, a partir
de reflexões, e desse modo o grupo focal alcança um nível reflexivo que outras técnicas não
alcançam e traz o benefício da reflexão sobre o tema para os participantes da técnica
(BARBOUR, 2009).
Ao todo, realizaram-se nove encontros de grupo focal, que foram gravados e
transcritos na íntegra. Estes foram agendados em data e horário que melhor atenderam os
participantes e aconteceram nas instalações da própria universidade e no Hospital
Universitário, porém o próprio grupo pôde escolher outro local se assim fosse o desejo da
maioria dos participantes. Os grupos tiveram como coordenador o próprio pesquisador e
como redator/observador um integrante do grupo GEFOR que se voluntariou para a ação.
No total, 25 estudantes participaram da pesquisa. Os critérios de inclusão dos
participantes dos grupos foram estar legalmente matriculados no curso de graduação em
Enfermagem da universidade pesquisada e cursar o semestre escolhido para investigação.
A técnica do grupo focal foi a estratégia que alcançou os seguintes objetivos
específicos: compreender a percepção de graduandos sobre competência clínica; identificar
quais habilidades, conhecimentos e atitudes compõem a competência clínica na percepção dos
graduandos; compreender, na percepção dos graduandos, de que maneira o curso de
graduação desenvolve a competência clínica.
Para Barbour (2009), a quantidade mínima de encontros considerada apropriada para
grupos focais é de três encontros, assim sendo foram realizados três encontros de grupo focal
55
com graduandos dos semestres que finalizam cada etapa do curso de graduação, a saber:
terceiro, sétimo e nono semestres. Importante ressaltar que a grade curricular é dividida em
três grandes blocos: 1) Disciplinas básicas (primeiro, segundo e terceiro semestres); 2)
Disciplinas específicas (quarto, quinto, sexto e sétimo semestres); e 3) Estágios (oitavo e nono
semestres - Estagio Supervisionado 1 e 2). Portanto, realizaram-se nove encontros de grupo
focal. As reuniões tiveram duração de 33 a 54 minutos e os participantes foram convidados
presencialmente. Todos os alunos da turma que aceitaram o convite fizeram parte do grupo
focal. A média de participantes por grupo foi de oito participantes.
5.3.3 - Entrevista
Para Minayo (2010), é possível considerar as entrevistas como conversas com
finalidade. A entrevista semiestruturada obedece a um roteiro criado e aplicado pelo
pesquisador a fim de obter clareza e coerência das questões a serem investigadas.
O participante da entrevista foi o coordenador de graduação da Faculdade de
Enfermagem da universidade federal escolhida. A entrevista foi agendada previamente
segundo aceite do participante, em ambiente de escolha do entrevistado.
O roteiro para entrevista foi baseado em quatro eixos, a saber: 1) Perfil do
entrevistado; 2) Percepção sobre competência clínica; 3) Conhecimentos, Habilidades e
Atitudes que compõem a competência clínica; 4) A competência clínica e o ensino graduação.
Considera-se que esses eixos alcançaram os seguintes objetivos específicos: compreender a
percepção do coordenador de curso sobre competência clínica; compreender, na percepção do
coordenador de curso, de que maneira o curso de graduação desenvolve a competência
clínica. O roteiro para a entrevista semiestruturada encontra-se no Apêndice 2.
A entrevista foi gravada e transcrita na íntegra. Sabe-se que a entrevista permite ao
pesquisador a exploração do problema por meio do modo como as pessoas contextualizam o
objeto. A entrevista semiestruturada foi escolhida pela intencionalidade de trabalhar com as
percepções dos participantes sobre o tema.
Concebe-se aqui a percepção como algo subjetivo, próprio do ser que observa. Morin
por muitas vezes afirma a natureza subjetiva do conhecimento. Para Maturana, a existência de
algo depende do observador e este é o “ponto central da reflexão” e o “ponto de partida da
reflexão”. Assim, ao analisar as explicações dos participantes sobre o tema, os pesquisadores
tiveram em mente que o explicar é sempre uma “reformulação da experiência que se explica”,
56
ou seja, “o explicar é uma operação distinta da experiência que se quer explicar”, sofre
interferência da linguagem (MATURANA, 2001, p. 27-33).
Para Morin, Ciurana e Motta (2004), o espírito humano:
não reflete o mundo: vai traduzi-lo recorrendo a um sistema
neurocerebral por meio do qual os seus sentidos captam um
determinado número de estímulos que são transformados em
mensagens e códigos com a ajuda das ramificações nervosas e é o
espírito-cérebro que produz aquilo a que chamamos representações,
noções e ideias através das quais ele percebe e concebe o mundo
exterior (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2004, p. 25-26)
As ideias não são reflexos do real, mas antes traduções ou até construções que
ganharam forma de religiões, de ideologias e até de teorias. Todas suscetíveis a erro (MORIN,
2012).
O entrevistado possui responsabilidade pela condução do ensino de graduação na
Faculdade de Enfermagem, corresponsável assim pela formação de centenas de futuros
enfermeiros, por isso a busca pela percepção desse participante sobre competência clínica
possui relevante significado.
Os critérios de inclusão do participante da entrevista foram ser coordenador do curso
de enfermagem da universidade federal em tela - campus da capital - e não estar em gozo de
férias ou licença no período da coleta de dados.
5.4 ANÁLISE DE DADOS
O método/caminho e o paradigma são inseparáveis. “Toda atividade metódica existe
em função de um paradigma e dirige uma práxis cognitiva” (MORIN, MOTTA E CIURANA,
2004, p. 39). Desse modo, propôs-se traçar o caminho deste trabalho ao caminhar.
A Filosofia de Descartes durante toda sua obra realça a necessidade em toda pesquisa
de proceder partindo de certezas estabelecidas de uma maneira ordenada e nunca por acaso.
Porém, se admitirmos que a realidade não é determinada, ou seja, é mutável e possui potencial
transformador, um método programático não será o suficiente, torna-se necessário, portanto,
uma atitude estratégica. O método é o caminho „para‟ e „do‟ pensamento. O método/caminho
é ação pensante do sujeito vivo. Um sujeito pensante é capaz de “aprender e criar sobre e
durante o seu caminho” (MORIN, MOTTA E CIURANA, 2004, p. 16).
57
Para o pensamento complexo, a elucidação das circunstâncias e a compreensão da
complexidade humana exigem um pensamento que “transcenda a ordem dos saberes
constituídos e a trivialidade do discurso acadêmico”, assim como “uma escrita e um
pensamento que integrem a errância e o risco inerente à reflexão” (MORIN, MOTTA E
CIURANA, 2004, p. 22)
A seguir, apresenta-se o registro do passo a passo da estratégia de análise dos dados
utilizada.
O material gravado foi transcrito na íntegra, totalizando 49 páginas de transcrição. No
total, 25 graduandos participaram dos encontros de grupo focal e 1 coordenador participou da
entrevista, totalizando 26 participantes do estudo.
Importante ressaltar que a codificação dos materiais para análise seguiu o princípio do
sigilo, proporcionando, dessa forma, a organização necessária. A entrevista com o
coordenador recebeu como código “C1", a análise documental do Projeto Pedagógico de
Curso “PPCEnf” e a transcrição na íntegra dos áudios dos grupos uma codificação que
objetivou identificar apenas o semestre ao qual o grupo de estudantes pertencia, garantindo o
sigilo da fala individual dos participantes, sendo assim foram codificados como "G1", "G2" e
"G3".
Os primeiros processos de análise foram possíveis ainda durante a produção dos
dados, uma vez que produção e análise de dados não caminharam linearmente, mas, sim, em
tecitura ininterrupta, com a operação dos POETAS. Contudo, a categorização dos núcleos de
sentido só foi possível ao longo do processo de análise em profundidade dos dados.
Os dados provenientes da análise documental, dos encontros de grupo focal e da
entrevista com o coordenador foram lidos primeiramente em leitura flutuante e, em seguida,
em profundidade. Inicialmente, separaram-se três painéis, um para cada fonte de dados, que
tinham como objetivo o registro das unidades de significados apreendidas. As unidades de
significados comuns foram juntadas por semelhança e registradas nos painéis.
A composição formada pela junção das unidades de significados foi denominada
mapa. Estes foram construídos com „unidades-macro‟ de significados, criadas a partir da
junção, por áreas de afinidade, das unidades de significados comuns provenientes dos
resultados obtidos pelas três fontes de coleta de dados. Essas unidades-macro foram obtidas a
partir das congruências e divergências dos resultados provenientes das três fontes, de modo
que a fonte já não era o foco principal, mas, sim, a unidade macro de significado,
demonstrando, desse modo, tecituras temáticas entre os dados provenientes das diferentes
58
fontes. Almejou-se, dessa forma, analisar as dimensões do objeto conhecendo suas tecituras,
evitando o erro da simplificação e a perda da perspectiva complexa.
5.5 ASPECTOS ÉTICOS
Este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa por meio da plataforma
Brasil - sistema CEP/CONEP, obedecendo às recomendações das resoluções CNS466/2012 e
CNS510/2016, e aprovado por meio do protocolo 2.553.958 e CAAE 83083318.8.0000.8124.
59
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apesar de considerar que a análise dos dados não caminha linearmente, mas, em
movimento constante de idas e vindas do caminho, apresenta-se a figura a seguir que
demonstra, didaticamente, o processo de bricolagem no tratamento dos dados desta pesquisa.
Figura 6 - Processo de bricolagem para análise dos dados de pesquisa. Cuiabá, 2019
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
60
A partir das três diferentes fontes de dados, apreenderam-se três unidades-macro de
significado. Os conteúdos das três unidades-macro de significados estavam implícitos nas
fontes de dados, de maneira que, a partir da pergunta de pesquisa, o pesquisador os apreendeu
e os reorganizou, produzindo os mapas, que, por sua vez, foram tecidos em uma única
composição lógica, a partir da luz do referencial teórico.
A nova composição, produzida a partir dos movimentos do pesquisador, interage de
maneira autônoma com as fontes de dados originais, superando sua origem a partir de
múltiplas dependências. Portanto, almejando responder à pergunta de pesquisa (Como o curso
de graduação em Enfermagem promove o desenvolvimento da competência clínica em seus
graduandos?), apresenta-se o seguinte resultado: o desenvolvimento da competência clínica
no graduando de enfermagem se dá por meio da busca do sujeito pela autonomia em suas
interações, sendo estas: 1) Interações interpessoais: professor, preceptor e pares; 2) Interações
com a profissão; e 3) Interações com o serviço, ensino e a comunidade. A seguir, apresenta-se
uma figura que faz uso da noção da espiral construtivista para ilustrar o desenvolvimento da
competência clínica no graduando de enfermagem.
Figura 7 - Espiral ilustrativa da tese. Cuiabá, 2019
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
61
O sujeito em busca da construção de sua autonomia é o eixo principal do
desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem. As interações, como
representado na figura, são agrupadas em três, apenas para fins didáticos, uma vez que se
interagem constantemente tecendo-se em apenas uma, o que Morin chama de interação do
"espírito humano" com a vida (MORIN, 2005. p. 19).
É importante ressaltar que, de acordo com os resultados deste trabalho, o
desenvolvimento da competência clínica tem como plano de fundo e eixo central a
subjetividade e a busca pela autonomia, ambas ditas aqui, no sentido moriniano. As interações
são constituídas a partir/para o desenvolvimento da subjetividade e da autonomia, por isso
estas não se configuram apenas como conexões, mas, sim, como bases constitutivas das
interações do indivíduo com ele mesmo e com o mundo.
Apresenta-se este desenvolvimento da competência clínica por meio das interações
utilizando o movimento partes-todo, como já explicado anteriormente nesta tese. Assim, nas
próximas páginas, serão descritos os aspectos subjetivos do aluno e o desenvolvimento da
autonomia; em seguida, as interações são exploradas e, por fim, apresentam-se as tecituras
entre as interações, de modo que o princípio sistêmico moriniano, qual seja, o todo é maior
que a soma das partes, demonstre-se genuíno.
Figura 8 - O desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem, 2019
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
62
A figura acima demonstra o caminho lógico escolhido para apresentação dos
resultados. A subjetividade e a busca pela autonomia como eixos centrais da espiral do
desenvolvimento da competência clínica são constitutivos de todas as interações e estas não
possuem fronteiras delimitadas, sendo tecidas umas com as outras, não sendo possível
delimitação de 'quando' - espaço de tempo, nem „onde‟ - lugar físico, elas ocorrem, pois são
vividas em espiral, aproximam-se e afastam-se ao longo da vida do estudante
A seguir, a descrição dos resultados e as discussões são apresentadas em tópicos,
porém a tecitura entre os temas perpassa transversalmente todo o texto.
6.1 ASPECTOS SUBJETIVOS E A BUSCA PELA AUTONOMIA COMO EIXOS
CENTRAIS DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA
Este tópico descreve percepções apreendidas dos participantes sobre a competência
clínica e suas dimensões, assim como o processo de desenvolvimento desta. Ainda, explora-se
a percepção subjetiva do aluno sobre si mesmo e do que se pretende alcançar. Fez-se
necessária a abordagem dos resultados em dois momentos, a saber: 1) A competência clínica
do enfermeiro; e 2) O desenvolvimento da competência clínica no ensino de graduação de
enfermagem.
Figura 9 - Os eixos centrais: a subjetividade e a autonomia
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
63
6.1.1 A competência clínica do enfermeiro
É a principal, né? Para a enfermagem! (G2)
Para os estudantes, o termo competência clínica é a composição de dois distintos:
„competência‟ e „clínica‟. A partir da divisão dos termos, eles a definem como o ato de ser
designado a realizar o cuidado e agir com conduta adequada. Para isso, o profissional
competente clinicamente deve identificar sinais e sintomas, integrando teoria e prática, a fim
de tomar decisão e executá-la adequadamente.
A competência clínica pode ser definida como a habilidade de identificar o quadro
clínico com e/ou sem exames laboratoriais e/ou de imagem, relacionar o cuidado prático com
o que aprendeu na teoria, realizar a Sistematização da Assistência de Enfermagem – SAE
adequadamente, dar continuidade na linha de cuidado e estar preparado para resolver
problemas do paciente, da equipe e da família com julgamento clínico coerente e realizando
procedimentos técnicos com habilidade manual:
[...] resumindo, eu penso que é saber o que fazer com o paciente e fazer
corretamente, ali, na prática [...] (G3)
Já na percepção do coordenador, a competência clínica não é dissociada das outras,
seriam cinco: assistencial, gerencial, educacional, para pesquisa e ético/política. A
competência clínica é a principal, visto que exige a articulação de todas as demais em prol de
atuar com o paciente. O PPC não utiliza e, por consequência, não define o termo
„Competência Clínica‟, contudo registra, ao longo do documento, alguns princípios desta, ou
seja, apesar de não ser citada diretamente, é indiretamente tratada ao longo de todo o
documento, em sua apresentação, justificativa, nos princípios norteadores do PPC, no perfil
do egresso e na grade curricular (PPCEnf, 2010).
Conhecimentos específicos de enfermagem, habilidades técnico-científicas, aspectos
gerenciais do cuidado e criticidade ética são descritos como parte das competências
necessárias ao egresso, assim como a atuação interdisciplinar. Além disso, o enfermeiro deve
ser capaz de acolher o paciente, tendo em vista a humanização, fazer uso de pesquisa
científica e ter capacidade de aprender a aprender. Tais elementos também são mencionados
no PPC como importantes para a formação do enfermeiro.
É possível apreender que a percepção sobre competência clínica dos graduandos diz
respeito à ação prática, a desempenhos concretos na atuação profissional. Já o coordenador e
o PPC abordam elementos da competência clínica de maneira ampla e superficial, não
traduzindo em ações concretas os desempenhos esperados para a formação do enfermeiro.
64
Os alunos associam a ideia da necessidade de desenvolvimento de competências
profissionais à execução de ações práticas observáveis, próprias de um enfermeiro
competente clinicamente, tais ações são separar corretamente os materiais antes de ir para o
procedimento de modo que não faltem insumos durante a execução deste; manter as
prioridades da clínica, mesmo com muitas tarefas; demonstrar-se calmo, sóbrio e acessível à
equipe apesar dos afazeres; e delegar ações à equipe de enfermagem. O coordenador e o PPC
não estabelecem essa relação de causalidade entre o desenvolvimento de competências e o
desempenho de ações práticas observáveis.
Os conhecimentos que compõem a competência clínica para os graduandos são
anatomia, fisiologia, farmacologia, ou seja, conhecimento teórico de disciplinas básicas;
protocolos ministeriais quanto à segurança do paciente, segurança do trabalhador e
fisiopatologia e terapêutica das principais patologias que acometem a população. Porém, o
principal seria integrar os conhecimentos em prol de um julgamento clínico coerente. Os
conhecimentos citados pelo coordenador do curso convergem com a percepção dos
estudantes, sendo acrescidos os conhecimentos culturais e sociais do paciente assistido.
Para os estudantes, tais conhecimentos são adquiridos na graduação e/ou ao longo da
vida, já o coordenador cita que os conhecimentos são adquiridos durante a graduação em
Enfermagem, não citando as vivências cotidianas, para além do ensino formal, pré, durante
e/ou após o curso. Os participantes convergem na ideia de que os conhecimentos devem ser
atualizados permanentemente, em contínuo processo de aprendizagem pelo e para o trabalho,
uma vez que a atualização de conhecimentos também sustenta a competência clínica.
As habilidades que compõem a competência para os graduandos e para o coordenador
são palpação, percussão, observação e ausculta, habilidades manuais para procedimentos de
enfermagem, e ter ouvido treinado para sons emitidos pelos equipamentos de monitoramento
ao paciente. Estas são desenvolvidas com o tempo e dependem necessariamente da repetição
na prática.
Os aspectos atitudinais são mencionados como os mais importantes. As atitudes que
compõem a competência clínica na percepção dos estudantes são proatividade, ética
profissional, autocontrole, saber conviver com a equipe multiprofissional respeitando os
limites da sua atuação, assumir a liderança da equipe de enfermagem, resolver problemas e
evitá-los quando possível. Tais atitudes são desenvolvidas antes, durante e após o curso de
graduação e compõem o perfil de um enfermeiro competente.
65
Para o coordenador, a dimensão atitudinal é desenvolvida anteriormente ao curso de
graduação, ou seja, depende mais das vivências familiares do sujeito do que dos estímulos
oferecidos durante a formação profissional.
Porque esperar que em quatro anos e meio seja feita a formação do caráter é
impossível […] muitos alunos que […] que moram sozinhos […] quando
eles vêm de uma estrutura familiar desorganizada, desestruturada, eles não
vem com essa formação (C1).
O PPC registra que preza tanto com a excelência técnico-científica quanto com o
comprometimento social dos profissionais com a geração de saúde, segundo o eixo da
integralidade, e acrescenta que o egresso deve conhecer e atuar conforme o Código de Ética
da Profissão de Enfermagem, ou seja, a dimensão atitudinal é de extrema importância, pois é
sustentada no PPC e defendida por graduandos e coordenador do curso como a principal
dimensão da competência clínica, uma vez que sem esta as demais não são desenvolvidas.
O PPC do referido curso de graduação prevê que o egresso desenvolverá as seguintes
competências: 1) Atenção à saúde: diz respeito à intervenção no processo saúde-doença com
responsabilidade pela qualidade da assistência/cuidado de enfermagem; 2) Administrativas e
Gerenciais: relativas a tomar iniciativas, gerenciar a força de trabalho, recursos físicos e
materiais; 3) Educativas: dizem respeito a ser capaz de "aprender continuadamente para a sua
formação” e responsabilizar-se com a educação de futuros profissionais e da sua equipe; 4)
Produção de conhecimento: versa sobre a capacidade de produzir saberes em saúde e
incorporar os resultados técnico-científicos na assistência; 5) Ética profissional: sobre o
profissional conhecer e atuar conforme o Código de Ética da Profissão de Enfermagem; e 6)
Comunicação: saber comunicar-se de forma oral, escrita e cinestésica (PPCEnf, 2010).
6.1.2 O desenvolvimento da competência clínica no ensino de graduação de
enfermagem
Eu penso que para ter essa competência clínica precisa de teoria e prática,
mas... mais prática do que teoria [risos] porque a gente aprende mais na
prática sobre a clínica. Esse é o problema da graduação, não entendem isso!
(G3)
É possível perceber que a competência clínica se desenvolve a partir da busca dos
sujeitos, graduandos em enfermagem, pela autonomia. Na percepção dos graduandos, para o
desenvolvimento da competência clínica, fazem-se necessárias teoria e prática, porém a
última é mais importante que a primeira. A graduação, por oferecer momentos limitados de
66
prática, não é capaz de desenvolver a competência clínica para formar o perfil almejado ao
enfermeiro, todavia é capaz de construir as bases para o desenvolvimento desta, se o currículo
tiver esse objetivo central.
Apesar de compreenderem a competência clínica como a mais importante a ser
desenvolvida na graduação de enfermagem, os graduandos não a vislumbram como
prioridade no currículo. Quanto ao processo de desenvolvimento da competência clínica, os
estudantes, em movimento introspectivo, entendem que falta curiosidade e proatividade do
próprio aluno, ou seja, é necessária a busca individual, pois o interesse particular é decisivo
no desenvolvimento profissional de cada um. Como exemplo, foi citado que colegas de
turma, apesar de formados juntos, possuem conhecimentos diferentes, isto é, na percepção
dos estudantes, o próprio aluno tem corresponsabilidade no desenvolvimento de competências
e há falhas na busca individual por conhecimento.
Versando sobre a corresponsabilidade na aprendizagem, os estudantes apontam que
cada um precisa articular o conhecimento sozinho e que essa articulação se dá por meio do
resgate pessoal de conhecimentos anteriores, conectando o novo conteúdo ao conhecimento já
adquirido anteriormente. Tal movimento quando praticado individualmente é positivo. Ainda,
relatam que se arrependem de todas as faltas que tiveram durante a graduação no momento
que entram no estágio curricular, pois há pressão por parte dos pacientes, da equipe, do
professor e interna - dele para com ele mesmo - para conhecerem as patologias e os cuidados
de enfermagem que a comunidade demanda.
A percepção do coordenador converge em parte com a dos graduandos, pois para este
o graduando é o principal responsável pelo desenvolvimento da competência clínica, uma vez
que, se o estudante não tiver interesse, não é possível ocorrer o desenvolvimento desta.
Afirma que as oportunidades são disponibilizadas a todos, porém alguns se desenvolvem,
outros não. É notório, portanto, que enquanto os estudantes relatam que o desenvolvimento
depende da corresponsabilidade, o coordenador percebe que o graduando é o maior
responsável e a instituição deve proporcionar oportunidades.
Tendo em vista que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de
enfermagem se dá no âmbito da subjetividade por meio do desenvolvimento da autonomia do
sujeito, é importante registrar que os estudantes dos semestres iniciais afirmam que não se
consideram competentes clinicamente, justificando que estão no início do processo de
tornarem-se enfermeiros e esperam que até o fim do curso de graduação essa percepção
mude. Já os alunos dos semestres finais afirmam que apesar de terem desenvolvido
competências ao longo da graduação, terminam o curso inseguros, com a percepção de
67
possuírem pouca competência clínica, menos do que esperavam de um recém-graduado em
enfermagem.
A autoconfiança também tende a ser aspecto importante para os estudantes, os quais
relatam que nos momentos de prática o aluno não se sente confiante, já que ninguém da
equipe assistencial utiliza o que eles escrevem. Segundo eles, ninguém lê a evolução nem os
diagnósticos de enfermagem elaborados, assim como os técnicos de enfermagem não checam
as prescrições quando eles a elaboram. No momento de estágio, afirmam adentrar no campo
muito inseguros, temendo causar mal ao paciente, porém com o tempo, vivenciando o campo
de prática, desenvolvem autoconfiança em seus conhecimentos e habilidades técnicas:
Você entra pensando que vai matar alguem… depois vai melhorando. (G2)
Durante a prática, o aluno se sente um lixo. (G3)
Corroborando com o sentimento de menos-valia no campo de prática, o aluno não tem
seu nome cadastrado no sistema do hospital universitário, ou seja, precisa pedir login e senha
para algum profissional da unidade para registrar qualquer tipo de atividade. Toda produção
dos alunos no sistema é impressa e vista pelo profissional que, frequentemente ignora o que o
aluno fez e produz novo, no formato que entende ser o corriqueiro da unidade.
O medo de ser enfermeiro, o sentimento de despreparo e dúvidas quanto à escolha da
profissão também são aspectos de grande influência no processo de desenvolvimento da
competência clínica. Existe, inclusive, o medo de assumir-se estudante de enfermagem ao
utilizar camisetas com o nome do curso, pois em situações de urgência e/ou emergência o
aluno poderá ser solicitado pela comunidade a atuar e não se sente preparado para tal.
Portanto, a autoconfiança é fator essencial ao processo de desenvolvimento da
competência clínica, esta, na percepção dos graduandos, é desenvolvida com a introspecção -
olhar para si - no campo de prática. Quando surge uma demanda, o aluno reflete sobre seus
potenciais e fragilidades, assumindo o risco do erro, e coloca-se a executar a tarefa. A
repetição desses momentos gera autoconfiança, autonomia profissional e desenvolvimento da
competência clínica:
Eu estou sozinha na clínica. [...] ou eu coleto ou coleto! (G3)
Ainda versando sobre a introspecção, a busca pessoal do aluno é essencial para o
desenvolvimento de competências, uma vez que os momentos de prática são limitados
durante a graduação. Os estudantes buscam, individualmente, estratégias que simulem a
prática a fim de ter maior contato com o conteúdo abordado em sala. Um exemplo dado foi de
que os estudantes aprenderam na teoria, em sala de aula, sobre sons pulmonares, contudo,
68
apesar de ser explanado bem pelo professor, perceberam dificuldade em aplicá-los na prática.
Assim, buscaram em uma plataforma online de vídeos - Youtube®- um profissional
realizando exame físico que apresentava os tipos de sons pulmonares demostrando,
audivelmente, as diferenças entre eles.
O tempo na prática, a busca pessoal e o reconhecimento por parte da equipe e dos
pacientes são apontados como elementos potentes para o desenvolvimento dessa
autoconfiança:
Eu já estava há algum tempo em estágio quando notei a prescrição rotineira
de uma medicação que eu desconfiava ter reações adversas severas caso fosse
usada por tempo prolongado, eu pesquisei sobre a medicação, confirmei
minha preocupação e fui conversar com a equipe médica. Apontei o problema
e sugeri outra escolha de medicação para o paciente, a equipe agradeceu e
acatou a minha sugestão. Daí eu pensei… poxa, agora estou entrando no eixo,
agora sou enfermeiro de verdade! (G3)
Os estudantes relataram que a vivência pessoal do aluno, como empregos anteriores à
graduação e processos de adoecimento na família, pode ser relevante para o desenvolvimento
da competência clínica, uma vez que o aluno que possui tais vivências consegue relacionar a
prática aos conteúdos vistos na teoria em sala de aula. Dessa maneira, a vida cotidiana, antes,
durante e/ou depois da graduação, tem potencial para desenvolver aspectos da competência
clínica, a depender das vivências de saúde-doença que o graduando possui.
O afeto, descrito aqui como sentimento terno de afeição, foi relatado como fator
importante para o desenvolvimento da competência clínica. O afeto pela profissão, segundo
os graduandos, é desenvolvido a partir das interações com o campo de prática, ou seja, o
cotidiano do serviço tem potencial para promover o afeto pelo exercício da profissão. Durante
o período de estágio, o afeto faz o graduando trabalhar e aprender melhor, melhorando sua
produtividade e diminuindo o absenteísmo durante o estágio.
Referem ainda que a consciência de que o paciente precisa do enfermeiro faz o aluno
ansiar aprender mais a fim de se tornar um bom profissional. Algumas situações foram
citadas pelos participantes como momentos que desenvolvem este afeto:
O dia que para mim fez mais diferença foi quando eu pensei: Nossa! A minha
mão faz diferença! Foi no último dia de prática. Chegamos lá e tinha uma
mulher em trabalho de parto com 6 cm de dilatação, ficamos fazendo cuidado
para parto natural humanizado, ela não teve nenhum tipo de intervenção.
Pegávamos ela, levávamos para a bola, para chuveiro, minha atitude de pegar
na mão dela, andar com ela, levar para a bola, foi dando confiança para ela
evoluir com tranquilidade no trabalho de parto. Em todo momento a gente
falava: ˗ Calma! Você está indo ótimo! Olha tudo que você já passou! Falta
tão pouco! Quer ir ao banheiro jogar água quente no corpo? ˗ E foi
maravilhoso! Não fui a primeira mão a aparar o bebê, mas fiquei lá! Foi
69
ótimo! Depois que passou tudo, a mãe, já mais estabilizada, olhou pra mim e
falou: Nossa! Muito obrigado! Você não tem ideia da diferença que fez a sua
mão comigo [choro]! (G2)
6.1.3 Discussão
A percepção dos atores sobre a competência clínica e o processo de desenvolvimento
desta encontra-se no campo da subjetividade dos sujeitos. Para o pensamento complexo, o
nosso universo constitui-se em um tetragrama dialógico de interações, a saber: Ordem ↔
Desordem ↔ Interação ↔ Organização. As interações do sujeito com o mundo produzem
desordem, que por sua vez é organizada por meio das próprias interações, assim o tetragrama
se combina ao mesmo tempo de maneira antagônica e complementar (MORIN, 2005c. p. 93).
A computação interna do ser é essencialmente destinada às suas interações, as quais
garantem a sua própria integridade pela transformação de elementos do meio exterior em
internos. Originalmente, as interações entre o ser e o mundo visavam à organização de
problemas do viver-sobreviver, como alimentação, defesa em um ambiente, dentre outros.
Atualmente, nossas sociedades complexas exigem cada vez mais a computação de numerosas
informações - elementos externos para a (sobre)vivência em sociedade (MORIN, 2005a. p.
50).
A percepção dos estudantes sobre a competência clínica demonstra como a clínica é
essencial à construção da identidade profissional do enfermeiro, vinculando-a a ações práticas
do cotidiano da assistência de enfermagem ao afirmar que o enfermeiro competente identifica
sinais e sintomas, integrando teoria e prática, tomando decisão e executando-as
adequadamente. Assim, é possível perceber que a competência clínica para o graduando vai
além de articular conhecimentos no campo do pensamento, mas, sim, da necessidade de
evidenciar, por meio de ações práticas, a tomada de decisão clínica adequada (SMYTH &
MCCABE, 2017).
A falta de utilização do termo competência clínica e a diluição deste, de maneira
difusa ao longo do PPC, pode ser prejudicial para a compreensão desta por parte dos atores
envolvidos na formação do enfermeiro. Defende-se que o PPC, produto das intenções do
corpo docente para o ensino de graduação, deve expressar com clareza que a competência
clínica é a principal a ser desenvolvida no graduando de enfermagem (ROCHA et al, 2019),
assim como as estratégias que serão utilizadas para esse fim (COELHO et al, 2016).
70
O coordenador, por sua vez, também não define um conceito, mas também afirma que
competência clínica é a mais importante a ser desenvolvida no graduando de enfermagem.
Portanto, tanto a percepção de competência clínica impressa no PPC como a apreendida do
coordenador se mostram convergentes com os aspectos apontados por Benner (1984), porém
mais vagas e abstratas, divergindo da percepção dos graduandos, que possui como
característica principal a observação dessa competência em desempenhos práticos (DA
ROCHA TONHOM, MORAES, PINHEIRO, 2016).
Logo, um conceito estabelecido de competência clínica não foi encontrado nos
resultados desta pesquisa nem há consenso na literatura científica (KABIR & KABIR, 2014;
CARR, 2004). Patrícia Benner, apesar de estudar profundamente a competência, não delimita
um conceito/noção para o termo em sua obra. Importante ressaltar, portanto, a necessidade de
novas pesquisas capazes de explorar a temática e definir um conceito/noção para a
competência clínica do enfermeiro, uma vez que, como afirma ter clareza do termo, pode
auxiliar docentes, discentes e coordenadores a buscar o desenvolvimento propositivo desta
(DA SILVA NUNES, 2016).
Para graduandos e de acordo com o PPC, as dimensões (conhecimentos, habilidades e
atitudes) da competência são adquiridas ao longo da vida, não se restringindo ao momento de
graduação. Tal percepção remete à ruptura da epistemologia empirista, ou seja, a noção de
que o aluno é tábula rasa, comparado a um recipiente vazio (CARRARD & MONTAGNER,
2019). Morin (2005a, p. 19) afirma que todo conhecimento humano emerge incessantemente
do mundo da vida, ou seja, todo conhecimento filosófico científico ou poético emerge da vida
cultural comum, uma vez que "as sociedades só existem e as culturas só se formam,
conservam, transmitem e desenvolvem através das interações cerebrais espirituais entre os
indivíduos”.
Especificamente sobre os aspectos atitudinais, apesar de serem desenvolvidos ao longo
da vida do sujeito, autores afirmam que a ética deve ser abordada como tema transversal
durante a graduação (PACHECO et al, 2019; SANTOS et al, 2020). Para Morin (2005d, p.
36), “todo ato ético, vale repetir, é na realidade um ato de religação”, do sujeito com seu
próprio eu, com sua comunidade, com sua origem biológica e com seu planeta. Assim, há que
se dizer que a autonomia e a ética se desenvolvem simultaneamente, pois quanto mais o
sujeito toma consciência de que está perdido no universo, mergulhado em uma aventura
incerta e desconhecida, mais tem necessidade de religar-se com os seus irmãos e irmãs da
humanidade (MORIN, 2005d).
71
Desse modo, concorda-se com o coordenador de que o ensino de graduação por si só
não é capaz de desenvolver o aspecto atitudinal do aluno, afinal o desenvolvimento da ética
desse sujeito data do início do desenvolvimento da sua própria autonomia (BONFADA,
PINNO, CAMPONOGARA, 2018). Todavia, uma vez que se compreende o processo de
formação como uma fonte de vivências capaz de oferecer cômputos internos e externos aos
sujeitos envolvidos, é possível propor que o ensino de graduação deve ter o desenvolvimento
da autonomia - múltiplas dependências - como ação propositiva dessa vivência,
desenvolvendo, assim, o aspecto atitudinal do sujeito – religação (Morin, 2005d) .
Nesse particular, não há que se falar em desenvolvimento da autonomia sem que haja
processo de introspecção. Nossa sociedade entrega a terceiros, psiquiatras ou psicanalistas a
exploração dos nossos problemas interiores. Para Morin (2005d. p. 94), o outro é importante
para que possamos conhecer a nós mesmos, mas não nos dispensa a introspecção. O exercício
de olhar para si suscita uma nova consciência de nós mesmos capaz de nos descentrar, pois ao
medir o grau das nossas lacunas, carências e fraquezas, medimos também o grau do nosso
egocentrismo, logo, faz-se necessário ao ensino um processo de aprendizagem e
"enraizamento da reflexividade”.
Os estudantes se autoanalisam em relação ao processo de desenvolvimento da
competência clínica, afirmando que há falta de curiosidade e proatividade do próprio aluno,
ou seja, na percepção deles, para o desenvolvimento dessa competência, também é necessário
existir busca individual, uma vez que são corresponsáveis pelo processo juntamente com os
professores, preceptores, o ensino e o serviço. Bernardino et al. (2018) afirmam que a
autonomia dos estudantes de enfermagem é despertada pela motivação intrínseca destes.
É possível visualizar iniciativas autônomas e criativas nos relatos dos estudantes. Há
alunos que, percebendo os limites do cotidiano do ensino, buscam individualmente estratégias
que simulem a prática, sendo a internet citada como a principal delas. Ressalta-se que tal
movimento individual de busca pela superação dos limites da sala de aula e pelo contato com
a prática por meio de tecnologias demonstra que o estudante é capaz de buscar
individualmente conhecimentos que sustentam o desenvolvimento das suas competências
(DOS SANTOS BARROS et al., 2019; MELLO, ERDMANN, MAGALHAES, 2018).
Morin (2005c, p. 102) afirma que a atividade pensante comporta criação, ou seja, o
movimento criador do pensamento é um "complexo diálogo que aciona as competências
complementares e antagônicas da mente como distinguir/ligar, diferenciar/unificar,
analisar/sintetizar”. A utilização de metodologias ativas se apresenta como potencial para o
desenvolvimento da competência clínica (SILVA et al., 2020; QUADROS & COLOMÉ,
72
2016, FABBRO et al., 2018). Berbel (2015) afirma que as metodologias ativas possuem
potencial para o desenvolvimento da autonomia, uma vez que os alunos problematizam a
realidade associada ao foco do estudo; considera-se a realidade concreta para aprender com
ela e para nela intervir; o aluno aprende fazendo; a relação teoria–prática é constante; o
processo se completa com algum grau de intervenção; os alunos são estimulados a
"confirmarem suas crenças, seus valores e seus conceitos anteriores, ou a colocá-los em
dúvida, ou até reformulá-los, pelos novos aprendizados"; o professor atua como mediador, e
não como "fornecedor de todas as informações ou autoria de todas as decisões" (BERBEL,
2015, p. 25-40).
Portanto, as metodologias ativas admitem o processo criativo do pensamento,
desenvolvendo a autonomia e permitindo o pensamento complexo (DIESEL, BALDEZ,
MARTINS, 2017). Ou seja, a fim de promover o desenvolvimento da autonomia e, por
consequência, a competência clínica nos graduandos de Enfermagem, deve-se promover o
pensamento complexo, que segundo Morin (2005c) supera diferentes modos de inteligência
pela importância do seu componente reflexivo e pela sua aptidão organizadora e criadora.
Outro achado importante relacionado às percepções de si e do que se quer alcançar
versa sobre os aspectos emocionais. O medo de se tornar enfermeiro, o sentimento de menos-
valia no campo de prática, a sensação de despreparo e dúvidas quanto à escolha da profissão
também exercem grande influência no processo de desenvolvimento da competência clínica,
uma vez que a autoconfiança foi apontada como fator essencial para esse desenvolvimento.
Ao definirmos os seres humanos somente como Homo Sapiens os reduzimos. A
afetividade se apresenta na modernidade como "supérflua, parasita e perturbadora” (MORIN,
2005d, p. 135), de maneira que o exercício pleno da razão eliminaria por si mesmo a
afetividade. Estudos demonstram que não há razão sem afetividade (SANTOS, JUNQUEIRA,
DA SILVA, 2016; DAMASIO, 2003), ou seja, os seres humanos são ao mesmo tempo Homo
Sapiens e Homo Demens. Não existe fronteira clara entre razão e emoção, portanto ignorar a
análise dos sentimentos do sujeito no desenvolvimento da competência clínica torna-se
disjuntor/simplificador.
Cabete et al. (2016) apontam a importância de investigação sobre a relação entre os
sentimentos e emoções do graduando e o contato com a realidade profissional de
enfermagem. As emoções se articulam com todos os sete domínios da competência clínica
propostos por Benner (1984), uma vez que estas direcionam a tomada de decisão do
profissional. Para Guilhardi (2002), os sentimentos de autoconfiança se desenvolvem a partir
73
de contingências de reforçamento que podem ser positivas ou removedoras de condição
aversiva:
Se uma pessoa arremessa uma bola na cesta de basquete e acerta, a bola
entrando na cesta reforça positivamente o comportamento de arremessá-la.
[…] outro exemplo seria o de usar o extintor de incêndio adequadamente
(comportamento), a pessoa apaga o fogo (remove um evento aversivo)
(GUILHARDI, 2002, p. 14).
A autoconfiança é, portanto, um sentimento. “Diz-se que uma pessoa com sentimento
de autoconfiança é „segura‟, „confiante‟ e „tem iniciativa‟”, tais características significam que
a pessoa sabe quais comportamentos deve emitir para alcançar reforços positivos ou remover
eventos aversivos. Já a 'iniciativa' significa que, em um contexto determinado, a pessoa emite,
sem a ajuda de outro, a resposta adequada, ou seja, que produz consequências gratificantes
(GUILHARDI, 2002, p.14).
O sentimento de autoconfiança está associado à repetição de comportamentos bem-
sucedidos. Assim, os atores envolvidos no cotidiano do ensino precisam criar condições para
que os estudantes emitam comportamentos cujas consequências reforcem o sentimento de
autoconfiança. As metodologias ativas, principalmente por meio de simulações realísticas,
demonstram-se potentes para o desenvolvimento da autoconfiança (BRASIL et al, 2018;
BERGAMASCO, MURAKAMI, DINÁ DE ALMEIDA, 2018):
Assim, se uma mãe vai até a padaria e pede para o filho esperá-la no carro,
enquanto ela desce, compra o pão, o leite e um docinho que entrega para o
filho, essa mãe não criou condições para o filho emitir comportamentos. Se,
pelo contrário, ela lhe diz: “Filho, desça e compre pão, leite e um docinho
para você, enquanto estaciono o carro”, ela criou oportunidades para o filho
se comportar e ser consequenciado positivamente. Assim, a criança pede o
pão e a balconista a reforça entregando-lhe o pão. Vai até o caixa que a
reforça dando-lhe o troco etc. Ou seja, a mãe criou as oportunidades e a
criança emitiu vários comportamentos e todos foram reforçados. A criança,
então, se sente capaz, segura, autoconfiante (GUILHARDI, 2002, p. 15).
Os achados de Benner (1984) sobre a necessidade da prática assistencial para o
desenvolvimento da competência clínica do enfermeiro encontram respaldo nos resultados
deste trabalho. No cotidiano de atenção à saúde, as respostas não são previsíveis, sejam elas
do sujeito atendido, da gestão do trabalho ou do próprio sistema de saúde. O desenvolvimento
da competência clínica deve encontrar no ambiente natural das incertezas – a prática cotidiana
– sua fonte e objetivo.
Percebe-se que o contato com o erro e a incerteza da realidade é fundamental para o
desenvolvimento da autonomia e, consequentemente, da competência clínica do futuro
74
enfermeiro. A pressão por parte dos pacientes, da equipe, do professor e interna - dele para
com ele mesmo - para articular conhecimentos teóricos e práticos sobre os cuidados de
enfermagem que a comunidade demanda é fonte constante de cômputos ao sujeito,
promovendo autoanálise (olhar para si) e autonomia (percepção de suas limitações e de suas
múltiplas dependências). Um exemplo desse processo é observado quando os graduandos
afirmam que se arrependem de todas as faltas que tiveram durante a graduação no momento
que entram no estágio.
Ressalta-se aqui, assim como em outros estudos (ANDRADE et al, 2014;
CARVALHO, DUARTE, GUERRERO, 2015; TAKASE, YAMAMOTO, SATO, 2018,
BREHMER, 2017), a importância da interação entre o graduando e o ensino, o serviço e
comunidade no desenvolvimento da competência clínica. Tal interação, além de proporcionar
busca individual por conhecimentos, habilidades e atitudes que sustentam o desempenho
profissional do enfermeiro ainda proporciona ao estudante reflexões de aspectos subjetivos
traduzidos por identidade e afeto pela profissão. Assim, o contato com a comunidade, além de
"possibilitar a aproximação com a realidade sanitária e social do país, possibilita a "percepção
de uma riqueza cultural e de saberes imensuráveis", ou seja, essa interação proporciona ao
ensino formação integral, humanizada e de qualidade (MENDES, 2018, p. 113).
A figura abaixo demonstra visualmente a proposta de um novo tetragrama, agora com
o objetivo de estabelecer relação entre o processo de desenvolvimento da autonomia e da
competência clínica, apresentado nesta discussão. Conclui-se a partir dessa exploração que a
autonomia do graduando de enfermagem estabelece relação recursiva com o desenvolvimento
da competência clínica, ambos desenvolvidos por meio do tetragrama: Prática - Erro/Incerteza
- Introspecção - Autoconfiança. O contato com a realidade da assistência à saúde configura-se
como ambiente natural de erros e incertezas, que ativa no graduando de enfermagem
processos introspectivos, nos quais o sujeito olha para si analisando suas fragilidades e
potencialidades. É nesse movimento subjetivo do graduando que surge a autoconfiança, esta
se caracteriza como sentimento gerado a partir da computação interna do sujeito sobre
reforços positivos e/ou negativos alcançados por meio de ações executadas na realidade
assistencial do enfermeiro.
75
Figura 10 - Tetragrama que estabelece relação entre o desenvolvimento da autonomia e da
competência clínica. 2020
Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.
76
6.2 INTERAÇÕES INTERPESSOAIS: PROFESSOR, PRECEPTOR E PARES
A fim de abordar o papel das interações interpessoais do graduando de enfermagem,
os resultados desse núcleo de sentido são apresentados em três momentos, a saber: 1)
Interação professor-aluno; 2) Interação preceptor-aluno; e 3) Interação pares-aluno. Neste
tópico, a interação com o preceptor é destacada como a mais potente para o desenvolvimento
da competência clínica e uso da mimese/imitação, da articulação entre teoria e prática e da
ressignificação do erro como estratégias potentes para a ativação do tetragrama: Prática –
Erro/Incerteza – Introspecção – Autoconfiança.
Figura 11 - Interações interpessoais: professor, preceptor e pares. Cuiabá, 2020
Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.
6.2.1 Interação Professor-Aluno
Um professor bom é aquele que te faz ter confiança, leveza, te faz pensar „eu
quero ser enfermeiro, eu sei ser enfermeiro‟. (G3)
Para os estudantes, as interações entre eles e o professor são frágeis e conflituosas.
Apesar de o professor ter potencial para construir o desempenho profissional do futuro
enfermeiro, os resultados mostram que as interações mais dificultam o desenvolvimento da
competência clínica do que facilitam. Ainda, a interação entre o estudante e o professor foi
77
considerada a mais conflituosa, ou seja, a interação com o professor é mais difícil do que com
os preceptores ou com os pares.
Os estudantes entendem que os professores que não são enfermeiros não
compreendem a realidade da profissão, uma vez que frequentemente alegam que conteúdos
não serão utilizados no cotidiano profissional. Porém, quando o aluno adentra o campo de
prática, descobre que tais conteúdos eram necessários e são utilizados na prática de
enfermagem. Sendo assim, afirmam que ter professor enfermeiro e com experiência prática é
muito importante para o aprendizado.
Os aspectos da interação que facilitam o desenvolvimento da competência são
elementos de desempenho individual do professor. Para os estudantes, o professor capaz de
articular teoria e prática consegue promover o desenvolvimento de competência clínica no
estudante. Um exemplo citado foi o uso da ação da gravidade no trabalho de parto. Os alunos
aprenderam em sala que a banqueta era uma das estratégias para unir a força promovida pela
mulher e a força da gravidade. Em momento de prática, durante um parto, a professora leva os
alunos a se lembrarem do ensinamento em sala de aula e pede para que executem o que
aprenderam. Os estudantes avaliam que esta seria uma professora competente:
[...] ela mostra como é ser enfermeiro, nunca mais vamos esquecer da
banqueta. (G2)
São poucos os aspectos da interação professor - aluno que potencializam o
desenvolvimento da competência clínica, alguns professores utilizam a sua posição
hierárquica para perpetuar práticas, na percepção dos estudantes, inadequadas, criticando as
dúvidas que os alunos apresentam e fazendo piadas homofóbicas e/ou racistas em sala de
aula. Ainda foi citado que a maioria dos professores não está aberta a receber críticas, mas as
fazem aos alunos de maneira ríspida, intimidando e inibindo participações em sala. Falas
como „você já deveria saber, isso é básico‟ e o 'olhar intimidador' do docente foram citados
como frequentes inibidores do desenvolvimento pessoal do aluno.
De acordo com a análise do PPC, as interações entre o corpo docente e os graduandos
devem ser horizontais, pautadas no respeito mútuo e empatia. Já para o coordenador, as
relações entre o corpo docente e os alunos estão cada vez mais difíceis, os graduandos
possuem dificuldade em respeitar hierarquia e seguir comandos. Além disso, os desafios de
interação não são apenas entre o aluno e o professor, muitos alunos também não conseguem
se relacionar com os próprios pares, ou seja, a sala de aula tem se tornado um ambiente cada
vez mais conflituoso, na percepção do coordenador.
78
O desenvolvimento da competência clínica é dificultado também quando o professor
coíbe o aluno. Quando este não permite que o aluno execute atividades já ensinadas
teoricamente em sala de aula ou quando mostra constantemente os erros ao discente, este
percebe que só comete erros, gerando sentimento de menos-valia e questionamentos sobre a
escolha da profissão. Um exemplo citado foi de um professor que no momento de realizar o
procedimento de punção, ele mesmo o realizava e pedia ao aluno que apenas segurasse a
bandeja.
O erro é mal visto pelo professor e o aluno tem medo de errar, dúvidas não são bem
vistas no cotidiano do ensino, pois se consideradas não apropriadas para o semestre que o
aluno se encontra, são motivos de perda de nota em disciplina. Há professores que utilizam
como técnica a avaliação do aluno desde o primeiro dia de aula, sendo que este começa com a
nota máxima e vai perdendo no decorrer da disciplina, perguntas consideradas inadequadas
são motivos para retirada de nota.
Ainda, o desenvolvimento da competência clínica em sala de aula é dificultado não
apenas pela interação conflituosa entre professor-aluno, mas também pelas estratégias
pedagógicas utilizadas. Para os estudantes, a maioria dos professores só utiliza aulas
expositivas, o que dificulta a articulação entre o conteúdo abordado e a prática, além disso,
constatam que o professor vive em um ambiente diferente da prática profissional, intitulado
pelos alunos de „mundo perfeito‟, uma vez que a prática cotidiana da profissão constitui-se
em um mundo de incerteza e imprevisibilidade e o professor não pertence a esse ambiente.
Os estudantes preferem aulas práticas, porém o professor não utiliza os recursos da
própria universidade, como os laboratórios e o hospital universitário, para estimular as
práticas. Principalmente nos semestres iniciais, os conteúdos são ministrados em sala de aula
e, em momentos pontuais, a depender da disciplina, realizam visitas técnicas.
O coordenador do curso também percebe a subutilização dos recursos da própria
universidade, para este, os professores utilizam menos do que poderiam os laboratórios e o
hospital universitário, ainda problematiza que a sala de aula se configura como zona de
conforto para a maioria dos professores.
Também em campo de prática, as dificuldades na interação professor - aluno afetam o
desenvolvimento da competência clínica. Na percepção dos alunos, o professor é fundamental
no desenvolvimento da autoconfiança. A falta de liberdade é ruim, visto que promove medo e
a falta de autonomia no graduando. Um professor bom é aquele que deixa o estudante livre e
confia no conhecimento e discernimento deste, ainda o questiona sobre o paciente e mostra
quais estratégias podem ser utilizadas para o cuidado, porém o deixa livre, permitindo que
79
execute sozinho a atividade, demonstrando, assim, relação de confiança. O estudante que
desempenha a tarefa sozinho se sente autoconfiante e desenvolve o 'seu jeito' de realizá-la,
pois os erros o fazem aprender para a próxima oportunidade e os acertos o motivam.
Para os estudantes, os professores não demonstram familiaridade com o campo de
prática e não fazem parte da equipe de saúde. Há equipes que comentam que quando os
professores realizam plantão no hospital universitário, eles não preenchem os instrumentos
básicos e deixam várias pendências para o próximo plantonista, o que faz com que o
professor não seja uma boa referência profissional. Ainda, a falta de vivência na prática faz
com que o docente não entenda a rotina da clínica e queira realizar reuniões e/ou avaliação do
estudante em momentos de grande demanda, gerando comentários negativos entre a equipe
de saúde do local.
Não há perfil básico profissional padronizado pela instituição, ou seja, cada professor
tem um perfil e exige atitudes e comportamentos de acordo com o que entende adequado.
Assim sendo, os alunos se comunicam com seus pares/veteranos a fim de conhecer qual o
perfil do professor e como devem se comportar na frente deste durante a disciplina, em sala
de aula e em campo de prática. Por vezes, os comportamentos tidos como adequados para
dois professores são tão distintos que chegam a ser opostos, um exemplo citado foi o de
discutir prescrição com a equipe médica. Há professores que entendem ser necessário discutir
todas as prescrições com a equipe médica, outros veem com maus olhos o aluno de
enfermagem questionar prescrições médicas que entendem coerentes.
Para os graduandos, a instituição não possuir um perfil de egresso é negativo. O
professor sabe muito na teoria, mas não sabe atuar prática e, como o estudante acaba por
imitar o perfil do professor, entendem que possuem conhecimentos e habilidades para
explanar teoricamente sobre a maioria dos conteúdos, mas no cotidiano da prática são
inseguros e com pouca destreza manual. Ainda, falta-lhes a articulação de conhecimentos e
habilidades de comunicação necessárias à prática.
O coordenador aponta que, historicamente, na faculdade pesquisada, houve um lapso
temporal que supervalorizou os aspectos educacionais e gerenciais na formação do
enfermeiro, contudo pouco a pouco a graduação tem retomado a ênfase na assistência. Ainda,
percebe que apesar de todos do corpo docente perceberem a importância de priorizar o
desenvolvimento da competência clínica, os desempenhos não estão claros para o docente.
É notável tal lapso temporal quando o PPC descreve no momento de relato da história
do curso de graduação em Enfermagem a retirada do corpo docente das unidades assistenciais
a fim de melhor capacitá-los:
80
[…] para realizar o investimento na capacitação docente, necessária ao
avanço da enfermagem nas áreas de pesquisa, extensão e pós-graduação,
houve a substituição de docentes das atividades assistenciais e gerenciais do
Centro de Saúde Escola e Hospital Universitário, adotando-se o modelo de
contratação de profissionais técnicos para atuar na instituição hospitalar. No
caso do HU, a unidade administrativa de enfermagem continuou assumindo
os cargos de chefia, sendo estes gradativamente repassados para enfermeiros
do hospital, permanecendo essa vinculação no maior cargo hierárquico,
denominado de gerência de enfermagem (PPCEnf).
6.2.2 Interação Preceptor-Aluno
“Os preceptores são profissionais do serviço/assistência que, aliado a um
conhecimento pedagógico, acompanham o desenvolvimento profissional de futuros
profissionais de saúde” (SOUZA & FERREIRA, 2019. p. 15). É importante ressaltar que,
neste trabalho, a concepção de preceptor utilizada diz respeito ao profissional do campo de
prática que acompanha os estudantes durante certo período de tempo. Esse profissional pode
ou não ter formação específica para preceptoria e não possui vínculo empregatício com a
universidade, mas, sim, com a instituição de saúde em que atua. Sobre a interação preceptor-
aluno, esta é a mais potente, na percepção dos estudantes, para desenvolver a competência
clínica.
Ao discutirem essa interação e o desenvolvimento da competência clínica, os
estudantes relatam mais potencialidades do que dificuldades. As dificuldades permeiam o
campo das relações interpessoais, quando o preceptor com 'personalidade difícil' tem
dificuldade em dialogar com o aluno.
Cabe ressaltar que mesmo relatando dificuldades relacionais devido à „personalidade
difícil‟ do preceptor, os estudantes demonstram se esforçar para compreender os motivos da
dificuldade e buscam ativamente oportunidades para estabelecer vínculo. Tal movimento não
foi apontado pelos graduandos na interação professor-aluno:
[...] mas com o tempo fui mostrando pra ela [preceptora] meu valor! Hoje ela
me chama pra tudo [sorri]. (G3)
As potencialidades da interação no desenvolvimento da competência clínica são,
principalmente, relacionadas à autonomia e valorização profissional do estudante. Para os
alunos, o preceptor os oferece liberdade exigindo feedbacks pontuais sobre as atividades.
Quanto mais liberdade o preceptor oferece, mais desenvolvem a competência clínica.
81
O preceptor é visto como parceiro do aluno e essa relação facilita o desenvolvimento
de competências. As estratégias praticadas pelos preceptores e relatadas como potentes foram
convidar o aluno para participar das reuniões de equipe; elogiar na frente da equipe; em caso
de erros, colocar-se como parceiro e ajudar a sanar o problema; discutir a melhor conduta
ouvindo o que o aluno tem a dizer sobre o caso, em casos desconhecidos para ambos, o
preceptor se colocar como colega do aluno, assumindo que também não tem familiaridade
com a situação; e pesquisar junto o que pode ser feito.
Para o coordenador, os profissionais do campo, ou seja, os preceptores, costumam ser
despreparados e por vezes não são um bom exemplo profissional ao aluno. O coordenador
afirma que os preceptores frequentemente são incapazes de discutir caso clínico com
propriedade, assim esta é uma atividade mais proveitosa quando realizada pelo professor.
Na percepção dos alunos, um bom preceptor é inteligente; convida com frequência
para participar das atividades da clínica; compartilha o que deve ser realizado e, caso o aluno
não saiba executar um procedimento, coloca-o para o observar enquanto ele executa, tira
dúvidas após o término do procedimento e, na próxima vez que surge a necessidade, deixa o
discente fazer sozinho; não desautoriza o aluno na frente do paciente; vê o aluno como parte
da equipe e permite a execução de atividades que ele se sente confiante. Executar as
atividades sozinho gera confiança, reafirma o desejo de ser enfermeiro e aumenta a
produtividade do aluno, e tais momentos dependem da liberdade que o preceptor oferece ao
estudante.
As interações professor-aluno e preceptor-aluno são tão distintas que, na percepção
dos estudantes, a avaliação final do período de prática deveria ser realizada pelo preceptor, e
não pelo professor devido à proximidade e acompanhamento diário.
6.2.3 Interação Pares - Aluno
A interação entre os alunos também foi relatada como importante fator no
desenvolvimento da competência clínica. A possibilidade de erro entre os pares é potente para
o desenvolvimento da autoconfiança. Para os estudantes, discutir com os colegas é
fundamental para aprendizagem em sala de aula, ainda, o estudo em grupo e a prática de
procedimentos de enfermagem não invasivos em colegas também foram apontados como
estratégias potentes para o desenvolvimento da competência clínica.
82
A monitoria foi apontada como estratégia importante tanto para o monitor, que
desenvolve competências no processo de ensino-aprendizagem, quanto para os alunos, que,
por sua vez, sentem que o monitor “traduz" o que foi dito pelo professor para uma linguagem
compreensível.
O início das práticas e do estágio em duplas também foi apontado como
potencializador para desenvolvimento de competências. Apesar de a solidão ser importante
para o desenvolvimento pessoal, o início das práticas é momento de grande estresse e a
presença de um colega para dividir as pressões e responsabilidades é produtivo:
É bom ter um colega do lado, principalmente no início da prática, porque [...]
se você esquece alguma coisa o colega pega, e vice versa. (G2)
Sobre as interações com os pares, o coordenador converge com a percepção dos
graduandos sobre a monitoria afirmando que esta é potente para o desenvolvimento da
competência clínica.
6.2.4 Discussão
A busca do graduando pela autonomia é o eixo central das interações interpessoais
deste. A autonomia, para Morin, não pressupõe liberdade absoluta, emancipada de qualquer
dependência, mas autonomia que:
Depende de seu meio ambiente, seja ele biológico, cultural ou social. Assim,
um ser vivo, para salvaguardar sua autonomia, trabalha, despende energia, e
deve, obviamente, abastecer-se de energia em ser meio, do qual depende.
Quanto a nós, seres culturais e sociais, só podemos ser autônomos a partir de
uma dependência original em relação à cultura, em relação a uma língua, em
relação a um saber (MORIN, 2012, p. 118).
A autonomia e o processo de aprender se articulam de maneira recursiva, sendo que a
autonomia estimula o processo de aprender e este estimula a autonomia. O sujeito, indivíduo
que comporta o cosmo em si, ao mesmo tempo em que exerce criatividade única e se difere
do professor, do preceptor e de seus pares, também depende destes para exercer o movimento
de aprendizagem mais elementar do desenvolvimento humano, a mimese/imitação:
A mimese é um dos fenômenos mais importantes da vida animal […] insetos
imitam folhas de árvores […]. Também é na vida humana, aqui salientamos
uma mimese primeira, começa com a menina que brinca de boneca, ou seja,
de mamãe e com o menino que brinca de guerra (Morin, 2005c. p. 91).
83
Para Morin (2005c), cada um de nós se forma por meio de mil imitações, porém o
mistério reside no poder da mimese, pois não só imitamos o comportamento de outros, mas
entramos neles e deixamo-nos possuir por eles, ou seja, somos sujeitos únicos ao mesmo
tempo em que somos iguais a todos. Todavia, a era planetária, com os tempos modernos,
suscita enfraquecimento dos lados fraternos e da tutela comunitária. O individualismo, "fonte
de responsabilidade pessoal pela sua conduta de vida, é também fonte de fortalecimento do
ego-simplismo” (MORIN, 2005d. p. 26), este tende a inibir as potencialidades altruístas e os
laços solidários, o que contribui para a desintegração da noção de comunidade.
Os resultados apontam que a interação professor-aluno é frágil e conflituosa,
corroborando, o coordenador afirma que as relações entre o corpo docente e os alunos estão
cada vez mais difíceis, uma vez que estes não respeitam hierarquia nem seguem comandos.
O corpo docente e os estudantes pertencem e são pertencidos pelo que Morin (2012)
conceitua como "era planetária". Trata-se de uma época marcada pela globalização, que
estabeleceu um mercado mundial e uma rede de comunicações que se ramificou intensamente
por todo o planeta:
Os desenvolvimentos científicos, técnicos, econômicos propiciam um devir
comum para toda a humanidade. Ameaças de morte nuclear e ecológica
conferem a humanidade planetária uma característica de comunidade de
destino. Tornou-se vital conhecer o destino planetário em que vivemos, tentar
perceber o caos dos acontecimentos, interações e retroações nos quais se
misturam os processos economicos, políticos, sociais, etnicos, religiosos,
mitologicos que tecem esse destino (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2012,
p. 11).
Há cada vez mais necessidade de sabermos quem somos e o que nos determina. Há
cada vez mais necessidade de "espíritos aptos a apreender seus problemas fundamentais e
globais e a compreender sua complexidade” (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2012, p. 12).
Ou seja, apesar dos problemas da contemporaneidade exigirem cada vez mais o pensamento
que religa, nosso sistema de ensino continua a fragmentar os conhecimentos.
O professor e o aluno são sujeitos em conflito geracional. Segundo Prensky (2001), as
relações entre os estudantes, 'nativos digitais', ou seja, que nasceram na era digital, e os que
nasceram antes, conhecidos como “imigrantes digitais”, como é o caso da maioria dos
professores, gestores entre outros, podem gerar conflitos devido a diferenças culturais.
Contudo, apesar de conflituosa, essa relação também pode ter potencial para
transformação mútua, afinal é na interação com o cosmo e com o outro que a existência
84
humana se realiza, como afirma OLIVEIRA (1999, p. 1) “a constituição de uma pessoa como
sujeito social se dá [...] ao mesmo tempo em que o outro se constitui”.
Apesar de admitir-se o conflito geracional supracitado, a interação preceptor-aluno é
vista como menos conflituosa que a interação professor-aluno, ou seja, os conflitos desta
possuem características específicas que não são observadas naquela e que ultrapassam as
fronteiras da diferença geracional.
Nesse contexto, é importante ressaltar que as percepções do aluno sobre o professor de
enfermagem não se iniciam na graduação, são produtos de suas vivências ao longo da vida, ou
seja, as percepções registradas neste trabalho são marcadas por vivências pessoais, anteriores
à graduação, entre o sujeito e ele mesmo – com relação ao papel de aluno que este exerceu ao
longo da vida - e entre o sujeito e seus antigos professores.
Assim, os relatos de que o professor é uma figura de autoridade, temida, que percebe o
mundo diferente dos graduandos são carregados de cultura. A cultura é:
constituída pelo conjunto de hábitos, costumes, práticas, savoir-faire, saberes,
normas, interditos, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se perpetua
de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo, gera e regenera a
complexidade social (MORIN, 2005c, p. 35).
Faz-se necessário assumir que os mitos e normas inerentes à cultura são
potencializadores ou inibidores da aprendizagem, pois a cultura é o que permite aprender e
conhecer, mas também é o que impede de aprender e de conhecer fora dos seus imperativos e
das suas normas, isto é, há que se admitir o antagonismo entre o espírito autônomo e a cultura
(MORIN, 2005c).
Na percepção dos graduandos e do coordenador de curso, o erro e a incerteza devem
ser evitados. O erro, que nos resultados deste trabalho aparece como punido pelo professor e
temido pelos graduandos, é inerente ao ser humano. É essencial enfatizar que "o problema do
erro transforma o problema da verdade, mas não o destroi” (MORIN, CIURANA E MOTTA,
p. 28).
O pensamento complexo não nega a verdade, mas considera que o caminho da verdade
e uma busca sem fim e tais caminhos passam pelo ensaio e pelo erro. Ou seja, a busca da
verdade, esta subjetiva e dependente das percepções individuais sobre a realidade, so pode ser
feita por meio do vagar e da itinerância. Não há busca pela verdade sem a experimentação do
erro por meio da incerteza. "É um erro buscar a verdade sem buscar o erro” (CARLOS
SUARES APUD MORIN, CIURANA E MOTTA, p. 28).
85
Penazzo (2003) afirma que se encontram indícios nas obras de Vygotsky que podem
levar a concluir que o 'erro' no contexto da psicologia da aprendizagem escolar vygotskyana é
visto como "parte integrante do processo dialetico de apropriação do conhecimento, podendo
ainda ser utilizado como ferramenta útil ao professor em seu papel de mediador do
conhecimento" (PENAZZO, 2003, p. 1). Na assistência de enfermagem, o reconhecimento do
erro pelos profissionais contribui para a sua prevenção favorecendo assistência segura e de
qualidade (DUARTE et al, 2018).
Portanto, assume-se que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de
enfermagem ocorre por meio da busca do sujeito pela autonomia do pensamento, ou seja, por
sua verdade. Se for possível compreender que não há busca pela verdade sem a
experimentação do erro por meio da incerteza, é imperativa ao ensino a oferta de vivências ao
graduando que permitam o contato com o erro, o real e o incerto. No campo do ensino, a
possibilidade de aceitação do erro passa necessariamente pela aceitação da incerteza, que para
o pensamento complexo materializa-se na realidade, afinal, se temos uma certeza é a de que
estamos rodeados de incerteza e a realidade é a maior fonte desta (MORIN, CIURANA E
MOTTA, 2012).
Quanto ao perfil do docente na percepção dos graduandos, os achados deste estudo
coadunam com resultados semelhantes encontrados na literatura que afirmam que o professor
ideal deve ter domínio do conteúdo teórico-prático, possuir habilidades didático-pedagógicas,
ser paciente, tolerante, amigo, flexível e afetuoso (GABRIELLI & PELÁ, 2004; CHAVES et
al, 2017). Semelhante, no estudo de López et al. (2010), os estudantes universitários afirmam
que as qualidades que mais valorizam em um professor universitário são a competência, a
capacidade comunicacional, a responsabilidade, a atitude de respeito, aberta e com capacidade
de escuta e a pontualidade no cumprimento dos horários.
Agnelli (2018) afirma que a experiência prática profissional do enfermeiro que está/e
professor contribui positivamente para o domínio do repertório de conhecimentos deste, pois,
apesar de não ser a única experiência capaz de garantir uma boa prática docente, a experiência
profissional possibilita o domínio de repertório teórico-prático que fundamenta a prática do
enfermeiro-docente.
Compreende-se, portanto, que a imagem de "boa referência profissional" para o
graduando de enfermagem relaciona-se a quem demonstra competência por meio de
desempenhos práticos no cotidiano da assistência à saúde. Ou seja, quando o enfermeiro-
docente desempenha sua competência apenas na teoria, não no campo prático, este não se
configura como “boa referencia profissional”.
86
Dessa forma, considerando que, segundo Benner (1984), o desenvolvimento da
competência clínica se dá na vivência prática da assistência à saúde e que o curso de
graduação em Enfermagem almeja o desenvolvimento desta em seus graduandos, torna-se
necessário aprimorar a prática docente por meio da inserção da prática assistencial (real ou
simulada) no cotidiano do ensino (AUED et al, 2016; DE LIMA et al, 2018).
No que se refere à interação com os pares, os graduandos apontam que esta é
importante para o desenvolvimento da competência clínica na medida em que o erro é aceito
entre os atores. As discussões em grupo, a prática de procedimentos de enfermagem nos
colegas, a monitoria e as atividades no campo de prática em dupla são estratégias que
promovem troca de conhecimentos, treino de habilidades e desenvolvimento do aspecto
atitudinal.
No decorrer do curso de graduação, os acadêmicos de Enfermagem vivenciam
momentos de dificuldade pessoal e interpessoal e, com o passar do tempo e o
amadurecimento emocional, os momentos conflitantes tornam-se menos frequentes e mais
simples. Ainda, concorda-se com Garro (2006), em seu estudo sobre a depressão em
graduandos de Enfermagem, que a formação acadêmica destes e um processo de
desenvolvimento, no qual o aluno deve aprender a lidar:
com sentimentos de vulnerabilidade; com o gerenciamento do crescente
volume de informações; com o planejamento da carreira profissional; com o
estresse decorrente de certas características dos estágios práticos (fadiga,
pacientes difíceis); com problemas relativos a qualidade do ensino e ao
ambiente educacional; com o estresse que está vinculado a características
individuais e situações pessoais (vulnerabilidades psicologicas, situação
socioeconomica [...] (GARRO, 2006. p. 163).
A relação entre os graduandos e seus pares é uma estratégia não apenas para fomentar
a troca de conhecimentos e o treino de habilidades, mas também como desenvolvimento dos
aspectos atitudinais do sujeito, ou seja, do 'saber ser' (DELLORS, 1998). Freitas (2007)
entende que as modificações que ocorrem no indivíduo durante o tempo que permanece nas
instituições de ensino superior se processam nas diferentes áreas de desenvolvimento, mais
concretamente em nível cognitivo e psicossocial.
Ainda, o papel do preceptor neste estudo foi marcado como potente para o
desenvolvimento da competência clínica. Na percepção dos alunos, o preceptor promove esse
desenvolvimento quando o convida com frequência para participar das atividades da clínica;
compartilha o que deve ser realizado; vê o aluno como parte da equipe e o deixa sozinho para
praticar a execução das atividades que ele já é capaz.
87
Duenas, De Paula Brito e Da Cruz Veneno (2015) afirmam que o preceptor tem papel
fundamental no desenvolvimento do graduando de Enfermagem, podendo este, inclusive,
influenciar na decisão do aluno seguir ou não na profissão de enfermagem. Para Thomson,
Docherty e Duffy (2017), o graduando que possui experiência positiva com o preceptor
tornou-se parte da equipe de saúde, tem feedback constante e sente-se encorajado a aproveitar
oportunidades de aprimoramento clínico.
Valida-se aqui a atuação do preceptor no desenvolvimento de competências na
formação do enfermeiro, porém, tendo em vista que o enfermeiro-docente está presente do
início ao fim do ciclo de formação e que a educação superior em enfermagem brasileira o
prevê como principal facilitador do processo de ensino-aprendizagem, faz-se necessário o
resgate do papel profissional desse professor.
Logo, tendo em vista a complexidade das interações supracitadas, entende-se que há
estratégias possivelmente capazes de promover desenvolvimento da competência clínica do
graduando nesse cenário. Após os resultados desse núcleo de sentido e as discussões que se
seguiram, defendemos que as interações interpessoais são potentes quando utilizam as
seguintes estratégias: o uso do mimetismo, a ressignificação do erro; e a articulação teoria e
prática.
Para a primeira estratégia, ou seja, o uso propositivo do mimetismo, faz-se necessário
que o professor, que interage diretamente com o aluno, seja enfermeiro, possua identidade
com a profissão e seja capaz de demonstrar desempenhos específicos esperados para o
profissional enfermeiro, pelo menos, no terceiro nível de competência de Benner (1984), nível
competente. Tais desempenhos se referem a profissional que trabalhou de dois a três anos em
uma mesma clínica e já consegue classificar as ações que precisa ou não de mais atenção e
desenvolve um planejamento consciente, metas de cuidados em longo prazo, ganhando
eficiência e organização dos seus serviços. Esses profissionais beneficiam-se das suas ações
por meio da prática coordenando os cuidados perante as necessidades de cada paciente. Ao
tornarem-se confiantes em sua prática são capazes de antecipar e solucionar problemas
clínicos em sua rotina com facilidade (BENNER, 1984).
A segunda estratégia, ou seja, a articulação entre teoria e prática, sustenta-se na noção
de autonomia - dita no sentido moriniano - e na possibilidade do professor ofertar
oportunidades ao graduando de emitir comportamentos no campo de prática e lidar com os
feedbacks advindos destes. Para Guilhardi (2002), uma pessoa com sentimento de
autoconfiança e „segura‟, „confiante‟ e 'tem iniciativa”, tais características significam que a
88
pessoa sabe quais comportamentos deve emitir e os coloca em atuação concreta a fim de
alcançar reforços positivos ou remover eventos aversivos.
A terceira estratégia, a ressignificação do erro, possibilita ao estudante expressar-se
sem silenciamentos. O cotidiano do ensino deve basear-se na resolução de problemas práticos
visando promover ambiente que acolhe o erro como estratégia pedagógica, de modo a
favorecer a aprendizagem significativa. Há, portanto, necessidade de mudança de paradigma
no ensino, que precisa sair do pensamento reducionista, binário, simplificador para o
pensamento que religa e contextualiza. É necessário criar ambiente pedagógico seguro no
qual o erro é visto como estratégia de ensino-aprendizagem e a avaliação como parte da
formação do futuro enfermeiro.
Entendendo que a autoconfiança é o sentimento associado à repetição de ações, que
comportam risco de erro, praticadas pelo próprio sujeito com feedbacks satisfatórios
(GUILHARDI, 2002), e o mimetismo como estratégia pedagógica forte e natural do ser
humano, defende-se que o professor é fundamental no processo de desenvolvimento da
competência clínica do graduando, uma vez que é capaz de não só oferecer vivências nas
quais este o observará e imitará seus desempenhos como enfermeiro, mas também possibilitar
vivências concretas aos futuros enfermeiros de execuções de comportamentos que produzirão
feedbacks.
Conclui-se que a interação entre eu e o outro exige a percepção do outro como ser
simultaneamente diferente e igual a mim. Sabe-se que esses movimentos de interação entre o
eu e o outro, entre o professor e o aluno e entre o preceptor e o professor são reflexos das
relações sociais inseridas na era planetária, uma vez que tais sujeitos contêm e, ao mesmo
tempo, estão contidos na sociedade contemporânea. É possível afirmar que há uma carência
introspectiva nessas relações. Morin (2005d, p. 94) declara que o trabalho da introspecção é
extremamente difícil em razão da nossa tendência para o egocentrismo e autojustificação, que
sempre transfere para o outro o erro ou a falha.
Portanto, a autoanálise é uma exigência primordial e deveria ser ensinada desde o
começo do ensino fundamental para se tornar uma prática costumeira. Analisar a si mesmo,
encontrar suas limitações e dependências é exercício de autonomia, esta que comporta,
portanto, a honra, a tolerância e a tomada de responsabilidade por si, pelo outro e pelo cosmo
(MORIN, 2005d).
Ao facilitar a busca pelo desenvolvimento da autonomia, o professor transforma o
ambiente acadêmico em ambiente ético, uma vez que a busca do graduando pela autonomia,
no sentido moriniano, possui potencial para desenvolver a autoética, pois o exercício da
89
autoanálise suscita a consciência do “eu” e das suas múltiplas dependências - autonomia". A
autoética é, antes de tudo, uma ética de si que desemboca naturalmente em uma ética para o
outro” (MORIN, 2005d. p. 93). A imagem a seguir apresenta o papel das interações
interpessoais no desenvolvimento da competência clínica do graduando de Enfermagem.
Figura 12 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação entre o
graduando e o professor, o preceptor e os pares, 2020
Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.
As interações interpessoais entre o graduando e o professor, o preceptor e seus pares
são potentes para desenvolver a competência clínica quando ancoradas em estratégias que
ativam o tetragrama: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. As estratégias
90
apontadas pelos resultados desse núcleo de sentido são a força pedagógica da
mimese/imitação, a articulação entre teoria e prática e a ressignificação do erro.
Conclui-se que o contato do graduando com a realidade da assistência à saúde, quando
mediado pelo preceptor e/ou professor, pode configurar-se como ambiente de aprendizagem a
partir de erros e incertezas inerentes ao cotidiano do serviço. Esse contato ativa no graduando
de Enfermagem processos introspectivos, nos quais o sujeito olha para si, analisando suas
fragilidades e potencialidades, gerando autoconfiança.
6.3 INTERAÇÃO COM A PROFISSÃO
Eu queria fazer enfermagem para cuidar das pessoas, pensar que você pode
aliviar a dor de alguém é muito bom! (G3)
Antes de ingressar no curso de graduação, os alunos já possuem uma noção do que faz
o profissional enfermeiro, ou seja, a interação entre o sujeito-graduando e a profissão de
enfermagem inicia-se antes do curso de formação e é ressignificada ao longo da vida.
Figura 13 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação com a
profissão. 2020
Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.
91
Durante o curso, o sujeito prioriza a aprendizagem do que compreende fazer parte das
ações de um enfermeiro, o que por vezes difere do que o currículo propõe para o momento.
Um exemplo citado é o empenho dos docentes em formar enfermeiros competentes para
produção de pesquisa científica. Compreendem que o enfermeiro não precisa saber realizar
pesquisa na prática assistencial, apenas consumi-la, e que o primordial para o desempenho da
função é conhecer as principais patologias encontradas no cotidiano da assistência e os
cuidados de enfermagem para cada uma delas.
Ainda, a vivência pessoal do aluno, como vida profissional anterior à graduação e
processos de adoecimento próprios e na família, pode ser positiva para o desenvolvimento da
competência clínica, visto que o discente que possui tais vivências consegue relacionar o
papel da enfermagem com os conteúdos vistos na teoria em sala de aula. Assim, a vida
cotidiana, antes, durante e/ou depois da graduação, tem potencial para desenvolver aspectos
da competência clínica, a depender das vivências de saúde e doença que a pessoa possui.
Na percepção dos graduandos, o enfermeiro é “o dono da clínica” e líder da equipe de
enfermagem, ou seja, é referência para a equipe multiprofissional no que tange aos cuidados
do paciente. O enfermeiro precisa ser ponderado e calmo, ter bom julgamento clínico, boas
habilidades manuais/técnicas e saber fisiopatologia e terapêuticas indicadas para as principais
patologias conhecidas. Também deve saber o que fazer em situações de urgência e
emergência, bem como conhecer os aspectos da rede de atenção à saúde e orientar a
comunidade quanto a esta:
Um enfermeiro mantém a calma e toma decisão certa mesmo na urgência.
Não dá para ter um branco na hora, né? (G2)
Interações com o preceptor, com o serviço e a comunidade foram citadas pelos
graduandos como essenciais para o desenvolvimento da familiaridade entre o estudante e o
cotidiano do serviço de enfermagem, uma vez que estas ressignificam a interação entre
graduando e profissão, ou seja, na percepção dos graduandos, a interação graduando-
profissão é ressignificada pelas interações com o preceptor, com o serviço e com a
comunidade.
O preceptor se configura como o principal exemplo profissional a ser seguido, aquele
que apresenta a profissão ao estudante, observá-lo, portanto, promove no graduando um
comparativo entre os desempenhos dele e do preceptor, inclusive características pessoais
também são observadas e imitadas pelos estudantes:
Eu vi que eu precisava falar mais com o paciente, não ter vergonha,
enfermeiro não pode ser tímido assim. (G3)
92
Comecei a fazer do jeito que ela fazia. Me ajudou demais! (G3)
Dialogar e assistir o paciente em sua necessidade são ações que fazem com que o
graduando deseje aprender cada vez mais. O paciente frequentemente faz perguntas ao aluno
e este, desejando oferecer a melhor assistência ao paciente e temendo ser envergonhado,
estuda o caso a fundo a fim de ser capaz de sanar suas dúvidas. Portanto, apesar de o PPC não
pautar a relação direta entre a interação comunidade-aluno e o desenvolvimento da
competência clínica, percebe-se que a interação com comunidade é potente para ressignificar
a interação do aluno com a profissão, desenvolvendo a autonomia e competência clínica.
Considera-se que existem situações de interação paciente-aluno que marcam o
graduando de tal forma que este as revisita mentalmente, sentindo-se encorajado a
desenvolver a competência clínica e desenvolvendo afeto pela profissão:
Pensar que tem alguém que precisa de você faz você querer ser melhor
enfermeiro. [...] eu fiz enfermagem para isso! (G2)
O estágio é visto pelos estudantes como a vivência mais importante da graduação, pois
é nele que o seu eu - enfermeiro é construído. Para os graduandos, o tempo inserido no
cotidiano da assistência mostra a realidade da enfermagem. A vivência do estágio ainda tem o
potencial de fazer com que o educando perca o medo de atuar profissionalmente como
enfermeiro. Na percepção dos estudantes, inteirar-se da rotina de atendimento do serviço faz
com que ele se sinta produtivo e confiante em sua decisão de tornar-se enfermeiro:
Eu, eu estou no bloco nove (nono semestre), então eu sou a enfermeira da
clínica agora… (G3)
O PPC valoriza a aproximação precoce com o mundo do trabalho e com diferentes
cenários de prática, compreende também que é na prática que o graduando pode visualizar
como se concretizam processos de vida e saúde-doença. Ainda, é possível apreender que o
documento valoriza a articulação entre o ensino e a realidade da profissão, assim como a
articulação profissional da enfermagem com as demais profissões da saúde. Portanto, a
construção da identidade com a profissão é de extrema importância para o aluno e é prevista
pelo PPC, que afirma que esta se dá no campo de prática, em contato direto com o mundo do
trabalho (PPCEnf).
93
6.3.1 Discussão
Para o pensamento complexo (MORIN, 2005b. p.19), a cultura caracteriza as
sociedades humanas, "é organizada/organizadora via o veículo cognitivo da linguagem a
partir do capital cognitivo coletivo dos conhecimentos adquiridos, das competências
aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica das crenças míticas de uma
sociedade". Assim, esta se manifesta por meio de "representações coletivas”, "consciência
coletiva” ou "imaginário coletivo".
O desempenho do trabalho profissional é carregado de cultura, assim o aluno de
graduação, antes mesmo de iniciar seu primeiro dia de aula, já interage com a profissão por
meio das representações coletivas da profissão enfermeiro. O sujeito possui percepções, estas
que são ao mesmo tempo produtos e produtoras do imaginário coletivo de sua cultura, sobre
competências e desempenhos específicos para o profissional enfermeiro que se relacionam
com as percepções do que se é e do que se quer ser no futuro.
Tais representações do sujeito sobre a profissão enfermeiro configuram-se ainda como
horizonte normativo para o desenvolvimento de competências profissionais. Horizonte
normativo “entendido como uma inescapável referência ética e moral que orienta qualquer
formação discursiva, e [...] reclama ativamente processo de validação intersubjetiva, de
legitimação social” (AYRES, 2005, p. 550).
A competência clínica é essencial para a atuação do profissional enfermeiro na
percepção dos participantes desta pesquisa. Portanto, é possível associar recursivamente a
competência clínica e a interação com a profissão, uma vez que uma é ao mesmo tempo
produto e produtora da outra.
A interação profissão-aluno é produzida pelo desenvolvimento da competência clínica,
assim como o desenvolvimento da competência clínica é produzido pela interação com a
profissão, ou seja, um é necessário ao outro simultaneamente. Assim, se há intenção por parte
do corpo docente de cursos de graduação em Enfermagem de estimular um destes,
impreterivelmente, precisa estimular o outro.
Compreende-se que a interação aluno-profissão é ressignificada ao longo da vida e o
momento da graduação é essencial na produção de vivências. Os resultados deste estudo vão
ao encontro de achados de Oliveira (2016), que investigou a construção da identidade
profissional do enfermeiro. Os participantes da pesquisa de Oliveira (2016) mostraram que
iniciaram a construção da sua identidade profissional antes de adentrar o curso de graduação,
tendo iniciado esse processo simultaneamente ao processo da sua identificação juvenil,
94
deparando-se com a força da opinião da família, questões políticas e o poder de influência da
mídia.
As percepções dos graduandos sobre o que é ser um “bom enfermeiro” repercutem
diretamente no desenvolvimento da competência clínica durante a graduação, uma vez que o
aluno prioriza a aprendizagem do que compreende fazer parte das ações de um bom
enfermeiro, o que por vezes difere do que o currículo propõe para o momento. O exemplo
citado foi o da pesquisa científica, em que os estudantes afirmam que o enfermeiro deve
aprender a consumir pesquisa, mas não elaborar a mesma, o que difere das competências
esperadas pelo PPC que possui como perfil do profissional formado "produzir e inovar
conhecimentos e outras ferramentas tecnológicas em saúde e enfermagem" (PPCEnf. P.04).
Para os estudantes, o bom enfermeiro é o líder da equipe e a referência para a equipe
multiprofissional no que tange aos cuidados. Achados de De Oliveira et al. (2017, p. 6)
coadunam com os resultados deste trabalho afirmando que as ações do enfermeiro como líder
são “reconhecidas não apenas no âmbito da enfermagem, mas também pelos demais
profissionais hospitalares”.
A percepção dos estudantes sobre o enfermeiro ser ponderado e calmo, assim como ter
bom julgamento clínico, boas habilidades manuais/técnicas, dentre outros, direciona-nos à
necessidade de desenvolvimento da competência clínica como expectativa do sujeito-aluno
sobre sua futura atuação profissional. Ou seja, o desenvolvimento da competência clínica
torna-se necessário para alcançar os desempenhos que sustentam a consciência coletiva dos
graduandos sobre o "bom enfermeiro".
Durante o tempo da graduação, o preceptor se configura como o principal exemplo
profissional a ser seguido na percepção do graduando, inclusive características pessoais do
preceptor também são observadas e imitadas pelos estudantes, observá-lo, portanto, promove
no graduando um comparativo entre os desempenhos dele e do preceptor.
A interação com o preceptor, que é exemplo profissional para o graduando, constitui-
se como vivência capaz de confirmar ou refutar antigas percepções deste sobre a profissão.
Assim, o enfermeiro-preceptor é a corporificação do mito da profissão enfermeiro e a
interação entre o sujeito-aluno e o enfermeiro-preceptor também se configura na interação
entre esse sujeito-aluno e a profissão.
A interação com o preceptor tem sido estudada na área de Enfermagem (SOARES &
FERREIRA, 2017; FERREIRA, DANTAS, VALENTE, 2018; BARROS, et al, 2018) e os
resultados deste estudo coadunam com Carvalhal (2003) que afirma que o ensino clínico é o
cerne da formação em Enfermagem e o orientador clínico, ou seja, o preceptor, é essencial
95
para esse processo, uma vez que tem a capacidade de melhorar a qualidade da formação. Já
Carvalho (2006) afirma que a participação dos enfermeiros na educação dos futuros
profissionais de enfermagem possui importante papel no sucesso ou insucesso do estudante no
processo de ensino-aprendizagem. Ainda para Abreu (2007), os preceptores são vistos pelos
estudantes como um modelo profissional quando são seguros das suas competências, amigos,
atenciosos, pacientes e quando sabem como gerir o tempo e organizar o trabalho.
Para Morin, o sujeito que comporta o cosmo em si, ao mesmo tempo em que exerce
criatividade única e se difere de outros sujeitos, também depende destes para exercer o
movimento de aprendizagem mais elementar do desenvolvimento humano, a
mimese/imitação. A “mimese é um dos fenômenos mais importantes da vida animal […]
insetos imitam folhas de árvores […]. Também é na vida humana”, cada um de nós se forma
por meio de mil imitações, contudo o mistério reside no poder da mimese, pois não só
imitamos o comportamento de outros, mas entramos neles e deixamo-nos possuir por eles, ou
seja, somos sujeitos únicos ao mesmo tempo em que somos iguais a todos (Morin, 2005c, p.
91).
Desse modo, faz-se necessário que o ensino faça uso propositivo dessa "força
pedagógica elementar da vida humana” (MORIN, 2005, p. 91) e estimule a interação aluno-
preceptor em campo de prática, de modo que possibilite ao futuro enfermeiro mimetizar e
exercer, ao mesmo tempo, criatividade única em relação aos desempenhos profissionais do
preceptor.
A interação com o serviço também é potente para ressignificar a interação com a
profissão, logo, defende-se aqui a inserção precoce do graduando de Enfermagem no serviço
de saúde, visto que é na prática assistencial que o aluno tem a possibilidade de se perceber
profissional enfermeiro. Nesse sentido, os resultados deste estudo concordam com os de
Marran, Lima, Bagnato (2015), Da Rocha Tonhom (2016) e Da Silva Teodosio & Padilha
(2016) que defendem que os estágios curriculares supervisionados se constituem como
principal lócus de aproximação do graduando com a profissão, uma vez que é potente para o
desenvolvimento de competências profissionais do enfermeiro.
Complementarmente, compreende-se que a tomada de decisão do enfermeiro na
prática assistencial é construída a partir das situações vividas e das teorias apresentadas ao
profissional, assim a articulação entre teoria e prática é essencial a construção do eu -
profissional do graduando de Enfermagem. A experiência “não significa a mera passagem do
tempo, eis que representa o refinamento de noções e teorias preconcebidas através do
96
encontro com várias situações da prática que adicionam nuances à teoria” (ASSAD &
VIANA, 2003, p. 45).
Defende-se, portanto, que ambos os processos, de interação com a profissão e de
desenvolvimento da competência clínica, dão-se de forma paralela e contínua, uma vez que a
aprendizagem da profissão de enfermeiro se dá por meio da religação teoria-prática, por
tempo prolongado e em cenários reais de assistência à saúde (BENNER, 1984; PARRA et. al.
2016).
Dentre as percepções sobre a profissão, o papel de ajuda (BENNER, 1984) parece ser
relevante na construção da consciência coletiva sobre o profissional enfermeiro. Sabe-se que
sentimentos religiosos associados à obediência, respeito à hierarquia, humildade, espírito de
servir, abnegação, disciplina, dentre outros, marcaram a construção social da enfermagem
(GERMANO, 1985, p. 24).
Em estudo realizado por Pereira (2015) acerca da concepção de graduandos de
Enfermagem sobre o que é a enfermagem, observa-se que grande parte dos sujeitos possui
uma concepção de enfermagem permeada de valores religiosos, sendo que a concepção de
ajuda, serviço, doação e o caráter caritativo estiveram presentes nas falas de todos os sujeitos.
Nota-se, portanto, que os achados deste estudo corroboram com resultados do autor
supracitado.
Continuando a abordagem sobre a interação com a comunidade, constata-se nos
relatos dos graduandos que a percepção de desenvolvimento da competência clínica está
vinculada como, ao mesmo tempo, causa e consequência a esse papel de ajuda, ou seja, o
graduando busca o desenvolvimento da competência clínica a fim de ajudar o paciente, assim
como percebe que desenvolveu a competência clínica quando consegue ajudá-lo em suas
necessidades. Assim, é possível estabelecer relação recursiva entre o desenvolvimento da
competência clínica e o domínio papel de ajuda, estabelecido por Benner (1984).
Dos Santos Lima et al. (2018) e Beck et al. (2009) também confirmam os resultados
do estudo ora apresentado. Segundo os autores, a imagem caritativa de útil e necessário
refletiu-se sob diversos prismas e em diferentes intensidades no desenvolvimento da
identidade profissional do enfermeiro. Os participantes do estudo de Beck et al. (2009)
consideraram seu trabalho importante e, ao se definirem como cuidadores, sentem-se
motivados em seu trabalho e confiantes na efetividade de suas ações. Já Dos Santos Lima et
al. (2018) concluíram que as representações sociais de estudantes de Enfermagem se iniciam
nos aspectos caritativo e tecnicista, modificando-se com o avançar da academia.
97
Apresenta-se a seguinte figura a fim de elucidar visualmente os achados desse núcleo
de sentido:
Figura 14 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação entre o
graduando e a profissão, 2020
Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.
Nessa perspectiva, durante a graduação em Enfermagem, o sujeito ressignifica sua
interação com a profissão principalmente por meio das interações com o preceptor, com o
serviço e com a comunidade, por meio das seguintes estratégias: 1) A força pedagógica da
mimese, possibilitada principalmente pela interação preceptor-aluno; 2) A articulação teoria e
É POTENTE PARA O DESENVOLVIMENTO
DA
98
prática, promovida pelo cotidiano do serviço em enfermagem; e 3) O papel da ajuda, inerente
à interação entre o aluno e a comunidade. Estas são potentes para desenvolver a competência
clínica por meio da ressignificação da interação entre o aluno e a profissão do enfermeiro.
Conclui-se que o sujeito aprende uma profissão pelo desejo de tornar-se alguém, ou
seja, a aprendizagem do graduando de Enfermagem se dá no âmbito da subjetividade, na
busca de quem se é e de quem se quer ser. Ao ensino cabe a compreensão complexa de tais
fenômenos, uma vez que se torna cada vez mais essencial articular as expectativas dos
sujeitos-graduandos com as propostas atuais de formação do enfermeiro.
6.4 INTERAÇÕES COM O ENSINO, SERVIÇO E A COMUNIDADE
A gente dá a sugestão, mas eles [corpo docente e coordenador] não escutam!
Falta conversa entre as disciplinas, por exemplo, tem uma disciplina que é
muito necessária para outra, então elas deveriam ser feitas ao mesmo tempo,
juntas, para você [o aluno] conseguir conectar um assunto com o outro. E
não tem isso! É tudo jogado! Você que tem que articular sozinho. (G3)
O estágio curricular foi citado pelos estudantes como momento crucial para o
desenvolvimento da competência clínica. Essa vivência possui potencial para promover a
reflexão do aluno sobre sua trajetória durante a graduação, avaliando suas potencialidades e
fragilidades. Relata-se, ainda, que quando os alunos entram no estágio se arrependem de todas
as faltas que tiveram durante a graduação devido à perda de conteúdos que consideram
importantes para a atuação de enfermagem.
Figura 15 - Interações com o ensino, o serviço e a comunidade, 2020
99
Fonte: elaborado pelas autoras. 2020.
Os semestres de estágio exigem que o aluno conecte todo o conhecimento apreendido
de forma fragmentada ao longo da graduação, portanto as vivências de estágio são diferentes
do restante da graduação e decisivas para o desenvolvimento de competências:
A gente entra no estágio e se arrepende de ter faltado… não ter prestado
atenção na aula [...] faz muita diferença na hora da prática. (G3)
O estágio é visto como a vivência mais importante da graduação, pois é nele que o eu -
enfermeiro é construído. A prática mostra a realidade da enfermagem e coloca o aluno como
enfermeiro da unidade, promovendo, assim, autonomia. A vivência do estágio ainda tem o
potencial de fazer com que o aluno perca o medo de atuar profissionalmente como
enfermeiro:
Eu, eu estou no bloco nove (nono semestre), então eu sou a enfermeira da
clínica agora... eu concordo com a equipe agora, eu acho que o aluno dos
outros blocos (semestres) acabam atrapalhando a rotina da clínica mesmo.
(G3)
A grade curricular foi citada como fator dificultador para o desenvolvimento da
competência, pois ainda é rígida e fragmentada por disciplinas básicas (anatomia, fisiologia,
biologia etc.) e específicas (processo de cuidar, saúde do adulto, saúde da criança etc.). Os
semestres iniciais são distantes da realidade de enfermagem, sendo que o aluno só se percebe
enfermeiro nos últimos semestres - semestres de estágio supervisionado, a saber: oitavo e
nono semestres:
Essa grade é muito ruim, porque a gente só vira enfermeiro na prática, e a
prática só é oferecida, de verdade, no fim da graduação. (G2)
A percepção do coordenador converge com a dos graduandos a respeito das falhas da
grade curricular. Afirma que a graduação falha quando não proporciona ao aluno momentos
de interligação de saberes que o foco da formação deve ser a clínica e que o currículo deve ser
direcionado ao desenvolvimento da competência clínica, o que não ocorre atualmente. O PPC
aponta que o planejamento das disciplinas deve ser participativo, sistemático e flexível,
prevendo outros elementos que auxiliem o aluno em seu processo de aprendizado. Ainda,
valoriza a integração das disciplinas, afirmando que tal integração deve ser buscada por meio
de atividades sistemáticas e coletivas de planejamento e reflexão.
100
Os estudantes sugerem que uma disciplina de primeiros socorros seja ofertada logo
nos primeiros semestres, visto que seria atrativa e útil, aproximando a atuação clínica do
estudante, além de ser positiva para o desenvolvimento da competência clínica, pois afirmam
que a disciplina desenvolveria o afeto pela profissão e daria segurança ao aluno para se
assumir como estudante de enfermagem na comunidade.
Os laboratórios de enfermagem e de medicina são pouco usados durante a graduação
em Enfermagem, sendo praticamente privativos a um único semestre, estes permanecem
trancados, o que na percepção dos estudantes é fator dificultador para o desenvolvimento da
competência clínica.
Para os graduandos, o curso não promove momentos de prática suficientes, o tempo
em campo não é o bastante para apreender da rotina do serviço, ainda, há falta de interação
entre o Hospital Universitário e a Faculdade de Enfermagem, que é notada quando os
professores enfermeiros não compreendem as rotinas do serviço e não dialogam bem com a
equipe de enfermagem, ou seja, apesar do hospital possuir vínculo institucional com a
universidade, na percepção dos alunos são como dois mundos diferentes.
Outros elementos do cotidiano do ensino também foram citados como capazes de
potencializar ou fragilizar o desenvolvimento da competência clínica. As metodologias ativas
são, na percepção dos estudantes, estratégias potencializadoras para o desenvolvimento da
competência, mas poucos docentes utilizam metodologias ativas em sala e quando as utilizam,
apesar da proposta ter características inovadoras, falta orientação quanto aos objetivos a
serem alcançados com a atividade e a relação professor-aluno continua verticalizada.
Convergente à percepção dos graduandos, o PPC aponta em seus fundamentos que são
necessários a integração curricular, os modelos pedagógicos interativos, o uso de
metodologias ativas de ensino-aprendizagem, abordagem interdisciplinar e a atuação do
professor como facilitador do processo de construção de conhecimento. No PPC, há registros
de defesa de posturas pedagógicas críticas que permitam a revelação das contradições sociais
e a formação do homem consciente e crítico (PPCEnf, 2010).
O que facilita o desenvolvimento da competência clínica em sala de aula são os
exemplos práticos que o professor cita durante a explicação do conteúdo, quanto mais
exemplos da prática, melhor para fixação do conteúdo e compreensão de como utilizá-lo na
atuação profissional:
Pode até ser slide, mas tem que dar exemplo de como vou usar isso [o
conteúdo] quando eu virar enfermeiro. (G1)
101
O professor, na percepção dos graduandos, deve utilizar diferentes estratégias a fim de
promover a aprendizagem. Citaram-se como estratégias facilitadoras desse desenvolvimento
os estudos de caso, discussão de casos clínicos que abordem não apenas fisiopatologia, mas
também os cuidados de enfermagem, discussões de assuntos em grupo, uso do laboratório,
uso de vídeos/filmes, visitas técnicas, treino de procedimento entre os alunos e simulação
realística. Para o desenvolvimento de habilidades manuais, os estudantes relatam que o
melhor método é a observação do professor executando a atividade, seguida da execução pelo
aluno em parceria com o professor e finalizando com a execução da atividade completa pelo
aluno e, posteriormente, discussão final dos resultados.
As estratégias que dificultam o desenvolvimento da competência clínica para os
graduandos são a leitura solitária de material de referência sem debate prévio ou posterior,
uso de apenas uma estratégia pedagógica durante toda a disciplina, poucos momentos práticos
e o uso de muitos slides com textos e sem exemplos do cotidiano.
A avaliação da aprendizagem pode ser concorrente ou não para o desenvolvimento da
competência clínica. As avaliações frequentes com baixo valor quantitativo de nota foram
referidas como mais adequadas ao processo de desenvolvimento de competências na
percepção dos graduandos. A avaliação apenas no fim da disciplina com alto valor de nota é
percebida como um aspecto dificultador, já que não possibilita feedback a tempo do aluno
refletir e melhorar seu desempenho.
Quanto às avaliações durante o estágio, estas são as mais criticadas pelos estudantes
devido ao alto grau de subjetividade. Além do instrumento avaliativo do estágio não possuir
desempenhos claros a serem alcançados, exige-se demasiadamente o desenvolvimento de
atividades gerenciais. Contudo, a rotina da clínica possui mais demandas de atividades
assistenciais do que gerenciais, assim, a fim de ser bem avaliado, o aluno, apesar de não
compreender como importante para o seu desenvolvimento, elabora Procedimentos
Operacionais Padrão - POP para que o professor se sinta contemplado e lhe atribua nota
correspondente.
Concordando com o estudante acerca da necessidade de diálogo sobre o processo
avaliativo, o PPC afirma que o diálogo deve abrir espaço para a troca em torno do
desenvolvimento do graduando, do processo de ensino e suas condições, Ainda, o processo
avaliativo “deve promover a valorização e autonomia de alunos e professores”
proporcionando momentos de coleta de “indícios que sinalizam problemas nas inter-
relações”, estimulando, dessa forma, os processos de autoavaliação de alunos e professores
(PPCEnf).
102
No que tange à interação com o serviço de saúde, o coordenador de curso, os
graduandos e o PPC convergem acerca da noção de que a aproximação precoce com o mundo
do trabalho e com diferentes cenários de prática é benéfica ao estudante e potencializa o
desenvolvimento de competências.
Para os estudantes, só é possível desenvolver competência clínica vivenciando o
cotidiano do serviço. A equipe multiprofissional de saúde, as rotinas e a interação com a rede
de serviço são fundamentais nesse desenvolvimento. Para o coordenador do curso, o campo
de prática precisa ser compatível com os conteúdos abordados no semestre, um exemplo dado
foi a escolha de UPAs – Unidades de Pronto Atendimento e Policlínicas para o
desenvolvimento da prática do quarto semestre - semestre que tem o ensino de procedimentos
técnicos de enfermagem como principal objetivo. Para os estudantes, cada setor do serviço de
saúde proporciona vivências diferentes e todas são muito valiosas. O tempo de atuação do
graduando no serviço, portanto, é visto como essencial para o desenvolvimento da
competência.
O Hospital Universitário, por acolher muitos alunos, torna-se um ambiente de disputas
por procedimentos. Em virtude de a maior parte das atividades do curso ser concentrada no
período matutino, quando surge alguma demanda, a equipe de enfermagem dá preferência aos
residentes de enfermagem e depois aos estagiários do último semestre. Os estudantes dos
semestres iniciais acabam por perder as oportunidades de aprendizagem prática, restando
apenas a observação da realização dos procedimentos. A solidão no âmbito do serviço é
apontada como fator que potencializa o desenvolvimento da competência clínica. Há relatos
de que o momento em que o aluno mais percebeu que se desenvolveu foi quando o enfermeiro
da clínica entrou de férias e os residentes entraram em recesso, ou seja, o aluno assumiu os
cuidados dos pacientes sozinho com a equipe de enfermagem:
É, só tem eu! Ou eu coleto, ou eu coleto. (G3)
A autonomia do estudante em relação à prática clínica é estimulada durante a inserção
do aluno no campo e, na percepção dos estudantes, quanto maior o tempo de inserção, maior
o desenvolvimento da competência. O aluno se sente encorajado a se aprofundar nos
conteúdos vistos na prática quando a equipe de saúde o convida para as discussões de caso,
pergunta algo ao estudante e quando o elogia. Tais momentos desenvolvem afeto pelo
exercício da profissão e estimulam o graduando a aprimorar seu desempenho profissional.
Apesar de potente para o desenvolvimento da competência clínica, a interação com a
equipe também pode ser conflituosa. Os alunos relatam que a equipe de saúde vê o aluno da
103
Universidade Federal como inteligente, que conhece muito da teoria e que não erra com
frequência, todavia são considerados ruins para execução de procedimentos técnicos e não
confiáveis quando há necessidade de execução de atividade que requer habilidades manuais.
A interface ensino - serviço é dialogicamente conflituosa e profícua ao
desenvolvimento da competência. Os graduandos percebem que antes do oitavo e nono
semestres, ou seja, antes dos semestres de estágio, o aluno atrapalha a rotina do serviço
porque não assume o cuidado integral do paciente e não acompanha os horários rotineiros dos
plantões. Os estudantes e o professor entram na clínica depois da equipe de enfermagem,
escolhem alguns pacientes, realizam apenas os cuidados que o professor julga como
importantes para a aprendizagem do aluno naquele momento e deixam os outros
procedimentos para a equipe realizar após deixarem o campo de prática. Assim, os próprios
alunos percebem que atrapalham a rotina do serviço.
Há falta de integração entre o Hospital Universitário da universidade em tela e a
Faculdade de Enfermagem. O aluno é visto como visita e não faz parte do cotidiano do
serviço. Ainda, as produções são pouco valorizadas, uma vez que apesar de os alunos
registrarem evolução, diagnóstico e prescrição de enfermagem, o enfermeiro da unidade
também os produz, sendo apenas estes afixados no prontuário. Ou seja, na percepção dos
alunos, eles não são parte da equipe, já que ninguém lê seus registros:
[...] a gente termina de evoluir e coloca na bancada do posto de enfermagem
após terminarmos o período, eu mesmo já vi elas sendo descartadas no lixo
pela equipe de enfermagem... ou seja, a gente é um nada ali, com o aluno ou
sem o aluno é a mesma coisa. (G3)
O cotidiano do ensino não prepara o estudante para a real atuação do enfermeiro. Na
prática, o volume de demanda absorvido pelo enfermeiro é intenso e há falhas na rede de
atenção e na equipe multiprofissional, portanto os estudantes percebem que a graduação os
formou com competências para atuar apenas em um campo ideal e que somente durante a
inserção integral no serviço, ou seja, durante os semestres de estágio supervisionado, o mundo
real da atuação de enfermagem é apresentado a eles.
O aluno percebe que chega ao estágio com o perfil do professor, ou seja, apesar de
saber falar sobre as demandas e prioridades de um setor, na prática, perde o controle destas e
ao término do dia é pouco produtivo e resolutivo. O tempo de vivência no campo proporciona
interações com os pacientes, com a instituição de saúde e com a equipe multiprofissional,
assim o discente vai modificando esse perfil em prol de um perfil menos teórico, mais prático
104
e resolutivo, adapta-se às demandas do serviço e ganha o respeito da equipe multiprofissional
da unidade.
A interação com a comunidade assistida foi citada como fonte de desenvolvimento da
competência clínica pelos graduandos. O coordenador do curso e o PPC não pautam a relação
direta entre interação paciente-aluno e o desenvolvimento da competência clínica. Para os
estudantes, perceber que o paciente precisa do enfermeiro faz com que ele deseje aprender
cada vez mais e há situações nessa interação que marcam o graduando de tal forma que este
revisita mentalmente a vivência, sentindo-se encorajado a desenvolver a competência clínica e
o afeto pela profissão:
[...] aquilo que ele falou me marcou tanto, que eu fiquei pensando nisso a
semana inteira. (G3)
Pensar que tem alguém que precisa de você faz você querer ser melhor
enfermeiro. [...] eu fiz enfermagem para isso! (G2)
Os alunos relatam que na própria comunidade em que estão inseridos, ou seja,
familiares e amigos, demanda do graduando de enfermagem, mesmo que recém-admitido na
universidade, conhecer as principais patologias locorregionais, principais fármacos e
primeiros socorros, ou seja, a lógica da graduação de abordar todas as disciplinas teóricas nos
semestres iniciais para que somente após dois anos de curso aborde aspectos práticos da
profissão acaba por não corresponder às expectativas do aluno e da sua comunidade perante o
desenvolvimento da graduação:
[...] uma vizinha minha tentou suicídio, cheguei lá e ela estava com os pulsos
cortados, eu liguei pro SAMU e chamei o vizinho que estuda medicina, mas
me senti um inútil. Estou há um ano e meio cursando enfermagem e não fiz
nada. Não sei fazer nada. Não sei nem primeiros socorros. Morro de
vergonha! (G1)
6.4.1 Discussão
Os resultados apontam que a interação entre o sujeito-graduando e o ensino, o serviço
e a comunidade são potentes para o desenvolvimento da competência clínica. Para Morin
(2012), o sujeito é ser computante, isto é, analisa os dados externos e seus próprios dados
internos, sendo que tais cômputes são realizados para si, ou seja, na primeira pessoa. Portanto,
a interação entre o graduando e o ensino, o serviço e a comunidade é capaz de desenvolver a
competência clínica, pois se dá no âmbito da subjetividade do graduando/sujeito.
No cotidiano de atenção à saúde, as respostas não são previsíveis, sejam elas do
sujeito atendido, da gestão do trabalho ou do próprio sistema de saúde. As singularidades dos
105
organismos humanos e institucionais e suas reações confrontam diariamente o paradigma
positivista de certo ou errado, verdade ou mentira, cura ou doença. Ao deparar-se com a
incerteza, o sujeito olha para si, movimento de introspecção (MORIN, 2005d), a fim de
perceber suas potencialidades e limitações diante da realidade que o cerca.
O estímulo por parte dos pacientes, da equipe, do professor e interna - dele para com
ele mesmo - para articular conhecimentos teóricos e práticos sobre os cuidados de
enfermagem que a comunidade demanda é fonte constante de cômputos ao sujeito. Ou seja, a
prática da assistência em enfermagem, por meio do contato com o erro e a incerteza, promove
introspecção (olhar para si), autonomia (percepção de si, de seus potenciais e de suas
múltiplas dependências) e, consequentemente, o desenvolvimento da competência clínica.
O estágio curricular foi apontado como a estratégia mais potente da graduação para o
desenvolvimento da competência clínica, corroborando com tais resultados, Dalcol et al.
(2019) apontam que não apenas o aprendizado do estudante de Enfermagem está intimamente
ligado ao estágio, mas também a integração ensino, serviço e comunidade deve ser vista como
transversal ao curso de graduação em Enfermagem.
Os resultados coadunam ainda com pesquisa de Rocha et al. (2019) que aplicou a
escala “Clinical Competence Questionnaire - Questionário de Competências Clínicas (QCC)”
em graduandos de último ano de Enfermagem. Os resultados apontam que os discentes
perceberam melhora na competência clínica ao final do estágio, afirmando serem capazes de
realizar atividades sozinhos ou com alguma supervisão. Assim, é possível apreender que o
estágio curricular é a estratégia mais potente para o desenvolvimento da competência clínica,
uma vez que essa interação aproxima teoria de prática e propicia reflexão e criticidade
(CARVALHO, DUARTE, GUERRERO, 2015).
A grade curricular do curso de graduação em estudo separa o processo de formação
em três momentos, a saber: disciplinas fundamentais, disciplinas específicas e estágios. Tal
grade foi criticada por alunos e coordenador, pois reforça a dicotomia teoria e prática e não
contempla as expectativas dos discentes em relação ao curso. Morin (2012) afirma que o
retalhamento das disciplinas torna impossível apreender o que é tecido junto, isto é, o
complexo, segundo o sentido original do termo. Assim, precisa-se analisar o problema do
ensino considerando os efeitos da compartimentação dos saberes e a necessidade de
desenvolvimento da capacidade de contextualizar e integrar conhecimentos.
A proposição de uma grade curricular, norteada pelo desenvolvimento da competência
clínica, estimula a ruptura da linearidade da causa e efeito e a adoção de possibilidades
circulares (retroatividade, recursividade), uma vez que as mesmas causas não produzem
106
sempre os mesmos efeitos, quando os sistemas que elas afetam têm reações diferentes, e
porque causas diferentes podem provocar os mesmos efeitos (MORIN, 2012, p. 94). Faz-se
necessário, assim, que o sujeito/futuro enfermeiro desenvolva competências capazes de
enfrentar a complexidade do real, contextualizar suas vivências e lidar com as incertezas
inerentes à área da saúde para que, dessa forma, possa desenvolver inteligência estratégica,
criatividade e coerência entre como o sujeito pensa e como os fenômenos acontecem nesse
contexto.
Bensfield, et al. (2012) apontam que a elaboração do currículo possui impactos
significativos no desenvolvimento da competência clínica. Propostas construtivistas (JOSEPH
& JUWAH, 2012), o norte por competências (SILVA-GALLEGUILLOS, 2016), assim como
a incorporação sistemática de metodologias ativas (DALCOL et al., 2019; JOHNSTON,
PARKER, FOX, 2017; PITON-GONÇALVES, 2020), são reformas importantes para que o
ensino de graduação promova a aprendizagem significativa e desenvolva competências
profissionais necessárias à atuação do enfermeiro.
A fim de significar a aprendizagem, os participantes apontam que o uso de
metodologias ativas no cotidiano do ensino é potente para o desenvolvimento da competência
clínica. Para Diaz-Bordenave & Pereira (2007), a metodologia ativa estimula processos
críticos-reflexivos de aprendizagem, uma vez que promove a aproximação crítica do aluno
com a realidade.
Percebe-se que a proposta de utilização de metodologias ativas no cotidiano do ensino
significa a ruptura dos modelos de ensino tradicionais. Sobral (2012) afirma que as propostas
metodológicas usadas na formação dos profissionais de saúde precisam integrar teoria e
prática, serviço e ensino. A associação entre o uso de metodologias ativas de ensino-
aprendizagem e a autonomia foi apontada por Paiva et al. (2016) em revisão sobre o tema. Os
autores afirmam que autonomia, criatividade e reflexão são questões centrais no processo de
aprendizagem por meio de metodologias ativas.
Metodologias ativas fomentam a integração entre teoria e prática possibilitando um
processo de formação mais sólido, coerente e efetivo. O pensamento crítico é desenvolvido a
partir da relação entre o graduando e a realidade e esta facilita a fixação dos conteúdos, uma
vez que ganham significado e força (CARRARO, 2016).
Ademais, estudos demonstram a efetividade de metodologias não tradicionais para o
desenvolvimento de competências. O uso de linha do tempo (DE CARVALHO, 2016),
estudos de caso (QUEMEL, 2019), aprendizagem baseada em problemas - ABP,
problematização (BERBEL, 1998), aprendizagem baseada em times - TBL (VIEIRA,
107
OLIVEIRA, MENDES, 2019), dentre outros, são estratégias importantes para processos de
aprendizagem mais significativos e integração entre teoria e prática.
Portanto, utilizar metodologias pedagógicas que ultrapassam os limites da sala de aula
é estreitar a relação entre teoria e prática. Faz-se necessário que as instituições de ensino e de
saúde se alinhem, de modo que a parceria entre os enfermeiros (docentes e assistenciais)
ultrapasse o simples trabalho em conjunto (DE OLIVEIRA, ARAUJO E RIBEIRO, 2017).
Apreende-se que apesar da avaliação formativa ser preconizada pelo PPC, os
resultados deste estudo demonstram que ainda há desafios para a execução desta na prática.
Defende-se que a competência profissional norteadora da graduação em Enfermagem deve ser
a competência clínica e, uma vez que o desenvolvimento desta se dá por meio da busca do
sujeito-aluno pela autonomia em suas interações, torna-se fundamental a institucionalização
da avaliação formativa, uma vez que o principal componente desta, segundo Borges (2014), é
o feedback (DOS SANTOS & DA SILVEIRA KROEFF, 2018).
O feedback determina o processo de ensino-aprendizagem, promovendo,
continuamente, informações para que o aluno perceba o quão próximo, ou distante, está dos
objetivos almejados. No caso da avaliação formativa, o feedback contínuo permite que o
estudante realize os ajustes necessários precocemente para melhor qualidade da aprendizagem
(BORGES, 2014; CESARIO, et al., 2016; MONTES, RODRIGUES & AZEVEDO, 2019).
Assim, a avaliação formativa promove o olhar para si, ou seja, a introspecção moriniana,
fundamental para o desenvolvimento da autonomia e competência clínica.
Ainda, defende-se aqui a inserção precoce do graduando de Enfermagem no serviço de
saúde. Para Benner (1984), o desenvolvimento da competência clínica depende do tempo de
inserção do enfermeiro na prática assistencial, ou seja, não há como se falar em competência
clínica sem prática. Ainda, a prática assistencial promove vivências de interação profissão-
aluno, ou seja, é na prática assistencial que o aluno tem a possibilidade de se perceber
profissional enfermeiro.
Contudo, muitos são os desafios na integração entre ensino, serviço e comunidade.
Não basta apenas transferir o ambiente do ensino para a rede de atenção à saúde, o sentido da
palavra integrar deve referir-se a processos complexos em busca de objetivos comuns, os
quais requerem de cada ente comprometimento com a educação e com a saúde (ANDRADE,
et al, 2014).
Santana (2015) problematiza o distanciamento entre teoria e prática no âmbito da
enfermagem relacionando a priorização de atividades relacionadas à pesquisa, por parte do
docente, em detrimento das atividades assistenciais do enfermeiro. Esse maior envolvimento
108
com as atividades inerentes à área de educação distancia o professor das situações cotidianas
da atenção à saúde no SUS. Concomitantemente, o profissional do serviço se dedica tanto ao
dia a dia do serviço que acaba por preterir as questões do ensino.
São desafios a serem superados para que a integração ensino-serviço avance: falta de
investimentos públicos; recursos humanos escassos; projetos curriculares
descontextualizados; e dificuldade de inserção de alunos em algumas áreas
(VENDRUSCOLO et al, 2018). Esses aspectos interferem na diversificação de cenários e
desenvolvimento docente. Ir além desses limites, de desigualdades e contradições entre ensino
e serviço “[...] pressupõe construção de projetos coletivos, responsabilidade compartilhada,
espaços de diálogo solidário e, sobretudo, negociação” (CARVALHO; DUARTE &
GUERRERO, 2015, p. 139).
A partir dos resultados é possível estabelecer relação recursiva entre os movimentos de
distanciamento entre serviço e ensino. Em outras palavras, o distanciamento da academia está
vinculado como, ao mesmo tempo, causa e consequência do distanciamento do serviço.
Quanto mais o ensino se afasta da rede de atenção, mais o serviço distancia sua rotina do
cotidiano da prática docente e vice-versa. Daí a necessidade da criação de ambientes
pedagógicos capazes de potencializar a prática assistencial, promovendo, assim, educação do,
pelo e para o trabalho, ou seja, espaços de educação permanente em saúde (CECCIM &
CARVALHO, 2005). É impossível o ensino objetivar o desenvolvimento da competência
clínica do enfermeiro sem planejar a interação entre o graduando e o ensino, o serviço e a
comunidade. A integração ensino, serviço e comunidade se dá quando ocorre o trabalho
coletivo. O quadrilátero da formação – formação- gestão-atenção- participação - é apontado
como fundamental para estabelecer processos de articulação entre os atores envolvidos
(CECCIM; FERLA, 2011; DE SOUZA, TORRES & DANTAS, 2017).
Especificamente, a interação entre o graduando e a comunidade demonstra ser
essencial ao processo de desenvolvimento da competência clínica. O papel de ajuda é o mais
relevante na construção da consciência coletiva (MORIN, 2005) sobre o profissional
enfermeiro. Benner (1984) afirma que o papel de ajuda diz respeito às intervenções do(a)
enfermeiro(a) por meio de apoio social, emocional e espiritual que visam promover a cura ou
auxiliar o paciente e sua família a se comprometer com o tratamento. A interação do
profissional com o paciente caminha no sentido de captar no outro o desejo de melhora, ou
seja, partir dos significados que o outro atribui ao seu processo de adoecimento.
Nesse contexto, observa-se que a integração ensino, serviço e comunidade oportuniza
vivências de articulação entre teoria e prática, uma vez que a experiência “não significa a
109
mera passagem do tempo, eis que representa o refinamento de noções e teorias preconcebidas
através do encontro com várias situações da prática que adicionam nuances à teoria” (ASSAD
& VIANA, 2003. p.45).
A figura abaixo apresenta o papel da interação com o ensino, serviço e a comunidade
no desenvolvimento da competência clínica.
Figura 16 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação entre
o graduando e o ensino, serviço e comunidade, 2020
Fonte: elaborado pelas autoras. 2020.
Conclui-se que a integração entre o graduando e o ensino, o serviço e a comunidade é
potente para desenvolver a competência clínica quando prioriza estratégias que ativam o
tetragrama: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. As estratégias apontadas
foram: 1) a ressignificação do erro, por meio da avaliação formativa; 2) articulação entre
110
teoria e prática, por meio, principalmente, do uso de metodologias ativas, inserção precoce no
campo de prática e estágio curricular, 3) estímulo ao desenvolvimento do papel de ajuda à
comunidade; e 4) mimese/imitação, relacionada principalmente à interação entre o graduando
e o preceptor.
6.5 O TODO É MAIS QUE A SOMA DAS PARTES: AS INTERAÇÕES ENTRE AS INTERAÇÕES
Apresenta-se neste momento, por meio de mais um princípio moriniano - princípio
sistêmico, que o todo é mais que a soma das partes, de maneira que o „todo‟, ou seja, o
desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem se dá não apenas pela
soma das interações já explanadas, mas também por meio das intersecções entre essas
interações. Tais intersecções podem ser observadas como as tecituras das interações umas
com as outras ou, ainda, como as interações das interações, ora apresentadas.
Figura 17 - As interações entre as interações
Fonte: elaborado pelas autoras. 2020.
A interação professor-aluno desempenha papel fundamental no desenvolvimento da
interação entre o graduando e a profissão. Na percepção dos alunos, há professores que fazem
com que o estudante se apaixone pela profissão, outros que desista de ser enfermeiro. O
111
professor que não dá liberdade e que monitora demasiadamente as ações do aluno durante a
prática leva este a se sentir inseguro e despreparado para ser enfermeiro. Tal comportamento
do professor diminui a vontade do discente de se tornar enfermeiro:
O professor que fica em cima, que não deixa a gente fazer as coisas, faz a
gente achar que não sabe ser enfermeiro. Parece que a gente não sabe nada e
está na profissão errada. (G2)
MOTA (2018) também encontra relação entre o papel do docente com o graduando no
campo de prática de enfermagem e o desenvolvimento da autonomia profissional deste. Os
entrevistados de Mota afirmaram que "há interferência dos professores quanto a eles [os
graduandos] exercerem a prática das atividades, especialmente no que concerne ao fazer".
Essa interferência acaba por impedir ou limitar a liberdade e autonomia do futuro enfermeiro.
A autoconfiança desenvolve-se a partir da repetição de ações práticas, resultando em
estímulos positivos (GUILHARDI, 2002), ou seja, se o corpo docente de graduação objetiva o
desenvolvimento da autoconfiança dos futuros profissionais enfermeiros, precisa deixar o
centro do processo de ensino-aprendizagem e passar para o sujeito em formação a posição de
protagonista desse processo.
Os resultados apontam que professor não é visto como principal modelo profissional a
ser seguido pelo estudante, ainda, afirmam que por vezes o docente espera que o graduando
tome decisões como ele, porém essa decisão não seria a mais adequada, uma vez que um
„bom enfermeiro‟ não tomaria a mesma decisão do professor:
[...] às vezes o professor quer uma decisão minha que seja igual à dele, não a
que eu acho que um bom enfermeiro faria, o meu preceptor não faria desse
jeito, então eu acho que não é a melhor decisão. (G3)
Por outro lado, o preceptor é visto pelos graduandos como principal modelo
profissional, o que os leva a desenvolver autoconfiança e afeto pela profissão a partir do
reconhecimento por parte do preceptor. Esse reconhecimento é observado quando o preceptor
o elogia, solicita-o para as reuniões de equipe e conta com o aluno para a divisão diária de
tarefas. O papel do preceptor como modelo profissional também foi destacado por outros
autores (CUNHA et al, 2010; CARVALHAL, 2003; PACZEK & ALEXANDRE, 2019; DOS
SANTOS et al, 2020), os quais também encontraram a interação entre o aluno e o preceptor
como potente para o desenvolvimento de competências profissionais.
Na percepção dos graduandos, o processo de tornar-se enfermeiro majora-se a partir
da experiência do estágio, antes deste, o discente não se vê como enfermeiro e se mostra
inseguro em relação a sua escolha profissional. O nono semestre, último da graduação, parece
112
ser o grande responsável pelo desenvolvimento da percepção de que o aluno é um enfermeiro,
os demais não são capazes de desenvolver tal percepção devido a problemas de interação
entre os estudantes e o serviço. Para os estudantes, como o aluno dos semestres anteriores é
pouco útil para o serviço e para equipe, ele não é enfermeiro, de modo que se retoma aqui a
construção coletiva do “ser enfermeiro” na cultura:
Eu sou do bloco 9 (nono semestre), eu sou o enfermeiro da G.O (clínica de
ginecologia obstétrica) agora, eu vou falar... os alunos do B6 só atrapalham a
rotina, pegam só os cuidados que eles querem, enrolam, chega 11 horas vão
embora, tenho que checar os procedimentos que fizeram e nem banho a
paciente tomou. (G3)
O relato de alunos com receio de ir e voltar da universidade com camiseta na qual está
escrito o nome do curso, pois se alguma situação de urgência e emergência acontecer no
percurso ele não saberá tomar conduta, demonstra mais uma vez que a graduação se apresenta
distante da prática assistencial do enfermeiro. Para Benner (1984), a prática é essencial ao
desenvolvimento da competência clínica, ou seja, aproximar o graduando precocemente da
prática demonstra-se favorável ao desenvolvimento da autoconfiança e autonomia deste, em
relação a sua escolha profissional:
Essa grade é muito ruim, porque a gente só vira enfermeiro na prática, e a
prática só é oferecida, de verdade, no fim da graduação. (G2)
A literatura (DUARTE E VASCONCELOS, 2017; MONTEIRO E PIMENTEL,
2019) apresenta a relação entre a grade curricular proposta por cursos de graduação em
Enfermagem e o perfil de atuação desses profissionais, ou seja, a interação entre o graduando
de enfermagem e a realidade profissional é estimulada ou reprimida a depender do currículo
proposto pela instituição de ensino. Defende-se, portanto, neste trabalho, o currículo norteado
para o desenvolvimento da competência clínica a partir da autonomia do futuro enfermeiro.
Para tal, torna-se essencial a inserção precoce do graduando em campo de prática assistencial
e a integração ensino-serviço-comunidade.
As interações interpessoais: professor, preceptor e pares se relacionam diretamente
com as interações com o ensino, o serviço e a comunidade. O professor que não proporciona
liberdade ao aluno e não o estimula a executar o cuidado integral de pacientes gera problemas
na rotina de cuidados do setor, atrapalhando o serviço e trazendo conflitos à interação do
aluno com o ensino, serviço e comunidade.
O aluno percebe que chega ao momento de estágio com o perfil do professor, ou seja,
apesar de saber falar sobre as demandas e prioridades de um setor, na prática, perde o
113
controle destas e ao término do dia é pouco produtivo e resolutivo. O tempo de vivência no
campo proporciona interações com os pacientes, com a instituição de saúde e com a equipe
multiprofissional, desse modo o aluno vai modificando esse perfil em prol de um perfil menos
teórico, mais prático e resolutivo, adaptando-se à demanda real do serviço e ganhando o
respeito da equipe multiprofissional da unidade.
A interação com o preceptor ensina o aluno a focar na assistência em saúde, e ele
compreende que a assistência direta ao paciente é a principal demanda do enfermeiro, porém
o professor não compreende essa demanda e foca sua avaliação em aspectos gerenciais. Tal
divergência de prioridades gera conflitos entre a equipe multiprofissional e o professor, que
frequentemente é visto como alheio à realidade da assistência de enfermagem.
Outro problema referente à interação professor-aluno que se relaciona diretamente
com a interação serviço-aluno é que o professor não estimula a (co)responsabilização pelo
cuidado integral do paciente nos semestres anteriores ao estágio, ou seja, o graduando não
vivencia todas as etapas do processo de cuidar. Como exemplo, relatou-se que os alunos de
Enfermagem após evoluírem o paciente, no momento de irem embora da unidade, deixam as
evoluções na bancada do posto de enfermagem, não colocando no prontuário, pois a equipe
realizará a evolução independente da presença do discente na unidade:
Eu aprendi na prática: se você fez, o lugar que do que você fez não é na
bancada, nós aprendemos, os professores falavam: ˗ Terminando, você
coloca na bancada aqui, daí o técnico ou a enfermeira vão colocar no
prontuário. Não! Ele vai jogar fora. Vai jogar fora! Eu que estou no nove
[nono semestre] se deixar em cima da bancada vou jogar fora! A não ser que
você peça pra alguém. […] se você escreveu alguma coisa coloca no
prontuário! […] Ninguém tem a obrigação de guardar suas coisas dentro do
prontuário. (G3)
Os desafios para a integração ensino e serviço perpassam o âmbito das relações
interpessoais entre equipe de saúde e corpo docente (BERNARDINO et al, 2018). Lima e
Pereira (2014) também encontraram como resultado de pesquisa sobre estágio curricular
dificuldades de relacionamento interpessoal com o supervisor e resistência por parte da equipe
da unidade de saúde. Para Morin (2005d, p. 103), o sujeito-humano carrega um duplo
programa: altruísta e egocêntrico. A rejeição do outro fora da identidade estabelece relação
recursiva com o fechamento egocêntrico, ou seja, ao mesmo tempo produz e é produzido por
este. Assim, um comportamento ético exige religação com o outro a partir do "sentimento de
identidade comum".
A competência diz de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que
sustentam ações práticas (PERRENOUD, 2002), assim há que se dizer que a presença da
114
dimensão ética/atitudinal é essencial à competência profissional. O profissional enfermeiro
docente ou assistencial é ético ao religar-se com o outro, diminuindo o egocentrismo impresso
na rejeição ao diferente e aumentando o sentimento de identidade comum entre eles
(VENDRUSCOLO et al, 2018).
As três interações se relacionam entre si, tendo a busca pela autonomia como o eixo
central das interações. Os estudantes afirmam que o professor e o preceptor que estimulam a
autonomia tornam o cotidiano do ensino, em sala ou em campo de prática, mais leve e
profícuo, despertando o afeto pela profissão de enfermagem e desenvolvendo a competência
clínica no graduando.
O processo de desenvolvimento da autonomia individual por meio tetragrama talvez
seja a grande proposta deixada por este trabalho para novas pesquisas no campo da formação
em enfermagem. Uma profissão essencialmente exercida no âmbito das interações deve ter o
sujeito humano como fonte e objetivo dos seus estudos.
Várias estratégias demonstraram-se potentes para ativar esse tetragrama, porém
ressalta-se a importância de quatro destas: 1) A mimese/imitação; 2) Ressignificação do erro;
3) Estímulo ao papel de ajuda; e 4) Articulação entre teoria e prática. Tomando a figura da
espiral como referência, essas estratégias permeiam o eixo central da espiral, ou seja, a busca
do sujeito pela autonomia como interface das camadas de interações.
115
Figura 18 - Relação entre o tetragrama e a mimese/imitação, a ressignificação do erro, a articulação
entre teoria e prática e o estímulo ao papel de ajuda, 2020
Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.
116
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Respondendo à pergunta de pesquisa (Como um curso de graduação em Enfermagem
promove o desenvolvimento da competência clínica em seus graduandos?), este trabalho
demonstrou que o desenvolvimento da competência clínica se dá na busca do sujeito-
graduando pela autonomia em suas interações, quais sejam: Interações interpessoais:
professor, preceptor e pares; Interação com a profissão; Interação com o ensino, serviço e a
comunidade.
O desenvolvimento da autonomia e da competência clínica estabelece-se como
recursivos, uma vez que um é ao mesmo tempo produto e produtor do outro. Propõe-se o
tetragrama, para fins pedagógicos, como caminho lógico para desenvolvimento destas, este é
composto por: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. O contato com a
realidade da assistência à saúde configura-se como ambiente natural de erros e incertezas, que
ativa no graduando de enfermagem processos introspectivos, nos quais o sujeito olha para si
analisando suas fragilidades e potencialidades. É nesse movimento subjetivo do graduando
que surge a autoconfiança, esta se caracteriza como sentimento gerado a partir da computação
interna do sujeito sobre reforços positivos e/ou negativos alcançados por meio de ações
executadas na realidade assistencial do enfermeiro.
Algumas estratégias, presentes nas interações do sujeito, demonstraram-se potentes
para ativar esse tetragrama, porém ao longo das discussões ressalta-se a importância de,
especificamente, quatro destas: 1) A mimese/imitação; 2) Ressignificação do erro; 3)
Estímulo ao papel de ajuda; e 4) Articulação entre teoria e prática.
Ainda, percebeu-se que as percepções de graduandos de Enfermagem sobre a
competência clínica convergem e divergem das percepções do coordenador e do PPC da
graduação em estudo. Convergem-se, uma vez que é possível assimilar nessas percepções os
princípios da teoria de Benner sobre competência clínica do enfermeiro, e divergem-se na
medida em que as percepções do coordenador e do PPC abordam elementos da competência
clínica de maneira ampla e superficial; já as percepções dos graduandos dizem respeito à ação
prática, ou seja, a desempenhos concretos na atuação profissional do enfermeiro.
Há relação recursiva entre a interação com a profissão e o desenvolvimento da
competência clínica do graduando de enfermagem. A interação com a profissão é permeada
por representações coletivas da profissão, apreendidas pelo sujeito-cultural antes mesmo do
início da graduação em Enfermagem e que podem ser ressignificadas ao longo da vida. As
discussões sobre tais representações são importantes para o contexto da formação
117
profissional, visto que se configuram como horizonte normativo para o desenvolvimento da
competência clínica.
Durante a graduação em Enfermagem, o sujeito ressignifica sua interação com a
profissão principalmente por meio das interações com o preceptor, com o serviço e com a
comunidade. A força pedagógica da mimese possibilitada pela interação preceptor-aluno; a
articulação teoria e prática promovida pela interação entre este e o cotidiano do serviço em
enfermagem; e o papel da ajuda inerente à interação entre o aluno e a comunidade são
potentes para desenvolver a competência clínica por meio da interação entre o aluno e a
profissão do enfermeiro.
As interações interpessoais entre o graduando e o professor, o preceptor e seus pares
são potentes para desenvolver a competência clínica quando ancoradas em estratégias que
ativam o tetragrama: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. As estratégias
apontadas pelos resultados deste estudo são a força pedagógica da mimese/imitação, a
articulação entre teoria e prática e a ressignificação do erro. Tais estratégias são capazes de
priorizar o desenvolvimento da autonomia do graduando de enfermagem e por consequência
estimular o desenvolvimento da competência.
A integração entre o graduando e o ensino, o serviço e a comunidade desenvolve a
competência clínica do graduando quando prioriza estratégias que ativam o tetragrama. As
estratégias apontadas nesta pesquisa foram a ressignificação do erro, articulação entre teoria e
prática, estímulo ao desenvolvimento do papel de ajuda e a mimese/imitação.
Assim, conclui-se que a autonomia é suscitada pela ação reflexiva da introspecção e
autoanálise, essenciais no desenvolvimento da ética - religação com o outro, com o cosmo e
consigo mesmo. Portanto, sugere-se aqui que, sob o olhar do pensamento complexo, sejam
realizadas futuras explorações científicas relacionadas tanto ao desenvolvimento da
autonomia de atores como aos processos de aprender dos envolvidos no ser/tornar-se
enfermeiro.
As limitações deste trabalho encontram-se na impossibilidade de definir um
conceito/noção de competência clínica do enfermeiro, assim como elaborar um instrumento
capaz de aferir o desenvolvimento da competência clínica do graduando ao longo da
graduação que seja compatível com os achados desta tese. Assim sendo, fazem-se necessários
novos estudos a fim de sanar tais lacunas.
Esses achados contribuíram com o avanço do conhecimento sobre o tema, uma vez
que permitiram explorar, à luz do pensamento complexo, o PPC e a percepção de graduandos
e coordenador de curso sobre o desenvolvimento da competência clínica no processo de
118
formação do enfermeiro. Em âmbito nacional, os resultados desta tese poderão subsidiar os
processos de construção de Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) e planos de disciplina de
cursos de graduação em Enfermagem, além de auxiliar docentes da área que buscam
caminhos para sistematizar propositivamente o desenvolvimento da autonomia e da
competência clínica em graduandos de Enfermagem.
119
8 REFERÊNCIAS
ABREU, W.C. Formação e aprendizagem em contexto clínico. Coimbra: Formasau, 295 p.
2007
AGNELLI, J. C. M.; NAKAYAMA, B. C. M. S. Constituição docente do enfermeiro:
possibilidades e desafios. Revista@ mbienteeducação, v. 11, n. 3, p. 328-344, 2018.
ANDRADE, S. R.; BOEHS, A. E; MTTIA, D; BOEHS, C. G. E, DAUSSY, M. F. S.
Cooperação e relacionamento entre instituições de ensino e serviço de saúde: o Pró-Saúde
enfermagem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014.
ARAÚJO-DOS-SANTOS, T. et al. Precarização do trabalho de enfermeiras, técnicas e
auxiliares de Enfermagem nos hospitais públicos. Revista da Escola de Enfermagem da
USP, v. 52, 2018.
ASSAD, L. G.; VIANA, L.O.. Saberes práticos na formação do enfermeiro. Revista
Brasileira de Enfermagem, v. 56, n. 1, p. 44-47, 2003.
AUED, G. K. et al. Competências clínicas do enfermeiro assistencial: uma estratégia para
gestão de pessoas. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 69, n. 1, p. 142-149, 2016.
AYRES, J. R. Cuidado: trabalho, interação e saber nas práticas de saúde. Rev. baiana
enferm, v. 31, n. 1, 2017.
AYRES, J. R. Hermenêutica e humanização das práticas de saúde. Ciência & saúde coletiva,
v. 10, p. 549-560, 2005.
BACKES, D. S, et al. Educação de qualidade na enfermagem: fenômeno complexo e
multidimensional. Texto & Contexto-Enfermagem, p. 273, 2018 .
BARBOUR, R. Grupos Focais. Trad. Marcelo F. Duarte. Porto Alegre: Artmed, 2009
BARROS, M. A. A., et al. Perfil acadêmico do preceptor de enfermagem na atenção primária
à saúde. Revista Expressão Católica Saúde, v. 2, n. 2, p. 62-68, 2018.
BECK, C. L. C., et al. Identidade profissional de enfermeiros de serviços de saúde municipal.
Cogitare Enfermagem, v. 14, n. 1, p. 114-119, 2009
BEDRIKOW, R. et al. Clínica: a arte de equilibrar a doença e o sujeito. Revista da
Associação Médica Brasileira, 2011.
BENNER, P. From novice to expert: Excellence and Power in Clínical Nursing Practice.
New York (USA): Addison Wesley Publishing; 1984.
BENSFIELD, L. A.; OLECH, M.J.; HORSLEY, T.L. Simulation for high-stakes evaluation
in nursing. Nurse Educator, v. 37, n. 2, p. 71-74, 2012.
BERBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de
estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, v. 32, n. 1, p. 25-40, 2011.
120
BERGAMASCO, E. C.; MURAKAMI, B. M.; DINÁ DE ALMEIDA, L. M. Uso da Escala
de Satisfação dos Estudantes e Autoconfiança com a Aprendizagem (ESEAA) e da Escala do
Design da Simulação (EDS) no ensino de enfermagem: relato de experiência. Scientia
Medica, v. 28, n. 3, p. 12, 2018.
BERNARDINO, A. O et al. Motivação dos estudantes de enfermagem e sua influência no
processo de ensino-aprendizagem. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 27, n. 1, 2018.
BONFADA, M. S.; PINNO, C.; CAMPONOGARA, S. Potencialidades e limites da
autonomia do enfermeiro em ambiente hospitalar. Rev. enferm. UFPE on line, p. 2235-2246,
2018.
BORGES, M. C, et al. Avaliação formativa e feedback como ferramenta de aprendizado na
formação de profissionais da saúde. Medicina (Ribeirão Preto. Online), v. 47, n. 3, p. 324-
331, 2014.
BRASIL, G. C. et al. Utilização de escalas de design e autoconfiança na avaliação da
simulação realística materno-infantil. Revista de Enfermagem Referência, n. 19, p. 117-
125, 2018.
BRASIL, LDB. Lei 9394/96–Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação, Câmara da Educação Superior. Parecer nº 3, de 7
de novembro de 2001 - institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Enfermagem. Brasília (DF): Ministério da Educação e Cultura; 2001.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação, Câmara da Educação Superior. Resolução nº 573,
de 31 de janeiro de 2018 - Aprova o Parecer Técnico nº 28/2018 contendo recomendações
do do Conselho Nacional de Saúde (CNS) à proposta de Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para o curso de graduação Bacharelado em Enfermagem. 2018.
BREHMER, L. C. F; RAMOS, F. R. S. Experiências do programa de reorientação da
formação profissional na enfermagem-avanços e desafios. Texto & Contexto-Enfermagem,
v. 2, 2017.
BRIGHTON, R. et al. Introduction of undergraduate nursing students to an objective
structured clinical examination. Journal of Nursing Education, v. 56, n. 4, p. 231-234, 2017.
CABETE, D. et al. A primeira experiência clínica do estudante de Enfermagem. Pensar
Enfermagem, v. 20, n. 2, p. 3-25, 2016.
CAMPOS, L. R. G. A autonomia de docentes de enfermagem na (co) construção da
competência clínica [tese]. Cuiabá: Faculdade de enfermagem, Universidade Federal de
Mato Grosso; 2019.
CAMPOS, L. R. G; RIBEIRO, M. R. R. A bricolage na pesquisa em educação em
enfermagem: Relato de experiência. Escola Anna Nery, v. 20, n. 3, 2016.
121
CAMPOS, L. R. G; RIBEIRO, M. R. R. O Método Da Bricolage Em Pesquisas Em Saúde E
Enfermagem–Construindo O Caminho Ao Caminhar. Texto & Contexto Enfermagem, v.
26, n. 4, p. 1-8, 2017.
CARRARD, V. C; MONTAGNER, F. A iminente revolução no ensino: estamos preparados?.
Revista da ABENO, v. 19, n. 3, p. 1, 2019.
CARRARO, T. E, et al. Socialização como processo dinâmico de aprendizagem na
enfermagem: uma proposta na metodologia ativa. Investigación y educación en enfermería,
v. 29, n. 2, p. 248-254, 2011.
CARVALHAL, R. Parcerias na formação. Papel dos orientadores clínicos: perspectivas
dos actores. Loures: Lusociência. ISBN 972-8383-40-1. 2003
CARVALHO, A. C. O ensino clínico de enfermagem. Enfermagem. II série, N.o 42/43.
2006. Lisboa. ISSN 0871-0775. 2006
CARVALHO, E. C. Desafios no desenvolvimento de competências de enfermeiros. Revista
Latino-Americana de Enfermagem, v. 16, n. 5, p. 801-802, 2008.
CARVALHO, S. B. O.; DUARTE, L. R.; GUERRERO, J. M. A. Parceria ensino e serviço em
unidade básica de saúde como cenário de ensino-aprendizagem. Trabalho, Educação e
Saúde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 123-144, abr. 2015.
CECCIM, R. B e FEUERWERKER, L.C. M. O quadrilátero da formação para a área da
saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. p. 41-65; 2004.
CECCIM, R. B.; FERLA, A. A. Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde: o
ensino e o trabalho. In: MARINS, J. J. N.; REGO, S. (Org.). Educação médica: gestão,
cuidado, avaliação. São Paulo: Hucitec, p. 258-277. 2011.
CECCIM, R.B, CARVALHO, Y.M. Formação e Educação em Saúde: aprendizados com a
Saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, Abrasco; p. 161-80, 2005.
CESÁRIO, J. B. et al. Portfólio reflexivo como estratégia de avaliação formativa. Revista
Baiana de Enfermagem , v. 30, n. 1, p. 356-364, 2016.
CHAVES, L. D. P. et al. Nursing supervision for care comprehensiveness. Revista Brasileira
de Enfermagem, v. 70, n. 5, p. 1106-1111, 2017.
COELHO, M. P. et al. O ensino do cuidado nos cursos de graduação em enfermagem do
Brasil: revisão integrativa. Rev. enferm. UFPE on line, p. 647-656, 2016.
COSTA, D. O.; TAMBELLINI, A. T. A visibilidade dos escondidos. Physis: Revista de
Saúde Coletiva, v. 19, p. 953-968, 2009.
COSTA, M. H. A; et al. Julgamento clínico em Enfermagem: a contextualização do
desenvolvimento de competências e habilidades. Rev Univap on line, v. 22, n. 40, p. 68,
2016.
122
COYNE, E, et al. Investigation of blended learning video resources to teach health students
clinical skills: An integrative review. Nurse education today, 63: 101-107, 2018.
CUNHA, M., et al. Atitudes do enfermeiro em contexto de ensino clínico: uma revisão da
literatura. Millenium, p. 271-282, 2010.
DA COSTA CARBOGIM, F; DE OLIVEIRA, L. B; DE ARAÚJO PÜSCHEL, V. A.
Pensamento crítico: análise do conceito sob a ótica evolucionista de Rodgers. Revista
Latino-Americana de Enfermagem, v. 24, p. 1-12, 2016.
DA ROCHA TONHOM, S. F.; MORAES, M. A. A.; PINEIRO, O. L. Formação de
enfermeiros centrada na prática profissional: percepção de estudantes e professores. Revista
Gaúcha de Enfermagem, v. 37, n. 4, 2016.
DA SILVA NUNES, N. J. et al. Educação baseada em competências na enfermagem. Journal
of Nursing and Health, v. 6, n. 3, p. 447-63, 2016.
DA SILVA TEODOSIO, S. S. C.; PADILHA, M. I. A formação e a (re) construção da
identidade profissional de enfermeiros (anos de 1970). Enfermagem Uerj, v. 26, 2018.
DALCÓL, C., et al. Integração ensino-serviço-comunidade: concepções atribuídas pelos
estudantes de enfermagem. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, v. 40, n. 1, p. 47-
62.2019.
DAMASIO, A. R. Spinoza avait raison: joie et tristesse, le cerveau des émotions. Odile
Jacob, 2003.
DE CARVALHO, M. B. Linha do tempo: estratégia de avaliação. Revista Compartilhe
Docência (ISSN 2447-8903), 2016.
DE LIMA, M. M. et al. Relação pedagógica no ensino prático-reflexivo: elementos
característicos do ensino da integralidade na formação do enfermeiro. Texto & Contexto
Enfermagem, v. 27, n. 2, 2018.
DE OLIVEIRA COSTA, R. R, et al. Positivismo e complexidade: interfaces e influências no
contexto do ensino na graduação em enfermagem. Revista Baiana de Enfermagem, 2017.
DE OLIVEIRA CRUZ, R. A. et al. Reflexões à luz da Teoria da Complexidade e a formação
do enfermeiro. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 70, n. 1, p. 236-239, 2017.
DE OLIVEIRA, A. G.; ARAÚJO, A; RIBEIRO, L. C. C. Caracterização da integração ensino
e serviço: dizeres de docentes, discentes e enfermeiros. Boletim Técnico do Senac, 2017.
DE QUADROS, J. S.; COLOMÉ, J. S. Metodologias de ensino-aprendizagem na formação
do enfermeiro. Revista Baiana de Enfermagem, v. 30, n. 2, 2016.
DE SOUZA, D. F. D.; TORRES, M. J. F.; DANTAS, S. F. Percepção da relação teoria e
prática no trabalho docente: um estudo com professores da área da saúde. Revista Brasileira
da Educação Profissional e Tecnológica, v. 1, n. 12, p. 125-139, 2017.
123
DEFFUNE, D; DEPRESBITERIS, L. Competências, habilidades e currículos de educação
profissional: crônicas e reflexões. Senac, 2019.
DELORS J, organizador. Educação: um tesouro a descobrir. 8ª ed. São Paulo: Cortez.
[Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI,1998.
DENZIM N. K; LINCOLN Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa – Teorias e
Abordagens. 2ª ed. Porto Alegre – RS: Artmed; 2006.
DIAS, I. S. Competências em Educação: conceito e significado pedagógico. Revista
Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v. 14, n. 1, p. 73-
78, 2010.
DIAZ-BORDENAVE, J.; PEREIRA, A. M. Estratégias de ensino-aprendizagem. 28ª ed.
Petrópolis: Vozes; 2007.
DIESEL, A.; BALDEZ, A. L. S.; MARTINS, S. N. Os princípios das metodologias ativas de
ensino: uma abordagem teórica. Revista Thema, v. 14, n. 1, p. 268-288, 2017.
DOS SANTOS BARROS, W. C. T. et al. Aplicativo para avaliacao do nivel de consciencia
em adultos: Producao Tecnologica em enfermagem. Cogitare Enfermagem, v. 24, 2019.
DOS SANTOS LIMA, R. B. et al. Representações sociais de estudantes na construção da
identidade profissional do enfermeiro. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, v. 19,
2018.
DOS SANTOS, C. M.; DA SILVEIRA KROEFF, R. F. A contribuição do feedback no
processo de avaliação formativa. EDUCA-Revista Multidisciplinar em Educação, v. 5, n.
11, p. 20-39, 2018.
DOS SANTOS, E. P et al. Preceptoria de graduação em enfermagem: uma discussão da
enfermagem. Archives of Health, v. 1, n. 5, p. 237-242, 2020.
DUARTE, A. P. R. S.; VASCONCELOS, M. V. L.; SILVA, S. E. V. A trajetória curricular
da graduação em Enfermagem no Brasil. Revista Electrónica de Investigação e
Desenvolvimento, v. 1, n. 7, 2017.
DUARTE, S. C. M. et al. Segurança do paciente: compreendendo o erro humano na
assistência de enfermagem em terapia intensiva. Revista da Escola de Enfermagem da USP,
v. 52, 2018.
DUEÑAS, C. V. M.; DE PAULA BRITO, J. C; DA CRUZ VENENO, F. J. Ótica do
acadêmico de enfermagem frente ao contato com o paciente hospitalar: discutindo a qualidade
do estágio e participação do preceptor. Saber Científico, v. 4, n. 2, p. 55-64, 2015.
FABBRO, M. R. C. et al. Estratégias ativas de ensino e aprendizagem: percepções de
estudantes de enfermagem. REME rev. min. enferm, p. e-e, 2018.
124
FERNANDES, J. D. Expansão de cursos/vagas de graduação em enfermagem e a qualidade
do processo de formação da (o) enfermeira (o). Revista Brasileira de Enfermagem, v. 65, n.
3, p. 395-396, 2012.
FERREIRA, F. C.; DANTAS, F. C; VALENTE, G. S. C. Saberes e competências do
enfermeiro para preceptoria em unidade básica de saúde. Revista Brasileira de
Enfermagem, v. 71, p. 1564-1571, 2018.
FINGER, A. F. A. Competência clínica para realizar procedimentos técnicos de
enfermagem – percepções de egressos [dissertação]. Cuiabá: Faculdade de enfermagem,
Universidade Federal de Mato Grosso; 2018.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio
de Janeiro: Edições Graal, 1979.
FREITAS D. M. V; FÁVERO N; SCATENA M. C. M. O ensino de graduação na Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto da USP: suas perspectivas. Rev Latino-am Enfermagem. 25-
34. 1993.
FREITAS, H. C. N. M.; RAPOSO, N. A. V.; ALMEIDA, L. S. Adaptação do estudante ao
ensino superior e rendimento académico: um estudo com estudantes do primeiro ano de
enfermagem. Revista portuguesa de pedagogia, p. 179-188, 2007.
GABRIELLI, J. M. W.; PELÁ, N. T. R. O professor real e o ideal na visão de um grupo de
graduandos de enfermagem. Revista da Escola de Enfermagem USP. Vol. 38, n2, p. 168-
174. 2004.
GARRO, I. M. B. et al. Depressão em graduandos de enfermagem. Acta Paulista de
Enfermagem, v. 19, n. 2, p. 162-167, 2006.
GERMANO R. M. Educação e ideologia da enfermagem no Brasil. São Paulo (SP):
Cortez, 1985.
GHOSH, R et al. Simulation and team training embedded nurse mentoring programme and
improvement in intrapartum and newborn care in a low-resource setting in Bihar,
India. Journal of Global Health, v. 10, n. 2, 2020.
GIOVANINI T; MOREIRA A; DORNELLES S; MACHADO W. C. A. História da
enfermagem: versões e interpretações. Rio de Janeiro (RJ): Revinter; 2002.
GUILHARDI, H. J. Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. Comportamento humano:
tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. ESETec Editores
Associados. p. 63-98, 2002.
HELLEBRANDT, H.D.O. et al. Maneiras de aprender em enfermagem no contexto da
iniciação científica. [dissertação]. Cuiabá: Faculdade de enfermagem, Universidade Federal
de Mato Grosso 2014.
ITO, E. E et al. O ensino de enfermagem e as diretrizes curriculares nacionais: utopia x
realidade. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 40, n. 4, p. 570-575, 2006.
125
JAYNES, J. The origin of consciousness in the breakdown of the bicameral mind.
Houghton Mifflin Harcourt, 2000.
JOHNSTON, S; PARKER, C. N.; FOX, A. Impact of audio-visual storytelling in simulation
learning experiences of undergraduate nursing students. Nurse education today, v. 56, p. 52-
56, 2017.
JOSEPH, S; JUWAH, C. Using constructive alignment theory to develop nursing skills
curricula. Nurse education in practice, v. 12, n. 1, p. 52-59, 2012.
KABIR, S. A. & KABIR, S. I. Competency based surgical training. International Surgery
Journal, 1.v. 3 p.116-122. 2016.
KELCÍKOVA, S; SKODOVA, Z; STRAKA, S. Effectiveness of hand hygiene education in a
basic nursing school curricula. Public Health Nursing, v. 29, n. 2, p. 152-159, 2012.
KIBWANA, S et al. Trainers' perception of the learning environment and student
competency: A qualitative investigation of midwifery and anesthesia training programs in
Ethiopia. Nurse education today, v. 55, p. 5-10, 2017.
KINALSKI, D. D. F. et al. Grupo focal na pesquisa qualitativa: relato de experiência. Revista
brasileira de Enfermagem, v. 70, n. 2, p. 443-448, 2017.
KRIPKA, R. M. L; SCHELLER, M; BONOTTO, D. L. Pesquisa documental na pesquisa
qualitativa: conceitos e caracterização. Revista de investigaciones UNAD, v. 14, n. 2, p. 55-
73, 2015.
LE BOTERF, G. Três dimensões a explorar. Pessoal, v. 6, p. 60-63, 2006.
LEAL, L. A, et al. Competências profissionais para enfermeiros hospitalares: uma análise
documental. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, 2019.
LEE, Y; MOON, M. Utilization and content evaluation of mobile applications for pregnancy,
birth, and child care. Healthcare informatics research, 22.2: 73-80, 2016.
LIMA, D.; PEREIRA, O.. Contribuições do estágio supervisionado para a formação do
profissional de enfermagem: expectativas e desafios. Revista Enfermagem Contemporânea, v.
3, n. 2, 2014.
MACHADO, A. Proverbios y Cantares XXIX. In.: Machado, A. Campos de Castilla. Madrid:
Catedra. 2008.
MARRAN, A. L; LIMA, P. G.; BAGNATO, M. H. S. As políticas educacionais e o estágio
curricular supervisionado no curso de graduação em enfermagem. Trabalho, Educação e
Saúde, v. 13, n. 1, p. 89-108, 2015.
MARTINEZ-MOMBLAN, M. A. et al. Análise da evolução de competências da prática
clínica no curso de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.
28, e3231, 2020.
126
MATURANA, H. R. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte - MG: Ed.
UFMG, 2001.
MELLO, G. R. D.; ERDMANN, A. L.; MAGALHÃES, A. L. P. Sepsiscare: avaliação de
aplicativo móvel no cuidado de enfermagem ao paciente com sepse. Cogitare Enfermagem,
v. 23, n. 2, 2018.
MENDES, T. M. C., et al. Interação ensino-serviço-comunidade no brasil e o que dizem os
atores dos cenários de prática: uma revisão integrativa. Revista Ciência Plural, 2018, 4.1:
98-116.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed.
São Paulo: Hucitec, 2010.
MIRANDA, R. P. R et al. The effectiveness of a simulated scenario to teach nursing students
how to perform a bed bath: A randomized clinical trial. Nurse education today, v. 57, p. 17-
23, 2017.
MONTES, L. G.; RODRIGUES, C. I. S; AZEVEDO, G. R. Avaliação do processo de
feedback para o ensino da prática de enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 72,
n. 3, p. 663-670, 2019.
MOREIRA, T.M.M. et al. O Cuidado Clínico De Enfermagem. Fortaleza: EdUECE, 2015.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 20 ed. Rio
de Janeiro. Bertrand Brasil, 2012
MORIN, E. O Método 3: Conhecimento do conhecimento. 3 Edicao. Porto Alegre: Sulina.
286p, 2005a.
MORIN, E. O Método 4: As ideias. 4 Edicao. Porto Alegre: Sulina, 320p. 2005b
MORIN, E. O Método 5: A humanidade da humanidade. 3 Edicao. Porto Alegre: Sulina,
312p. 2005c.
MORIN, E. O Método 6: Ética. 2 Edicao. Porto Alegre: Sulina, 222p. 2005d.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez;
Brasília: UNESCO, 2010.
MORIN, E; CIURANA, E. R.; MOTTA, R. D. Educar na era planetária – o pensamento
complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo:
Cortez, 2004.
MOTA, D. B. et al . Representações sociais da autonomia do enfermeiro para acadêmicos de
enfermagem. Rev Cuid, Bucaramanga, v. 9, n. 2, p. 2215-2232, Aug. 2018.
NUNES A. Sobre a pesquisa enquanto bricolagem, reflexões sobre o pesquisador como
bricoleur. Rev Digital do LAV [periódico na internet]. 7(2):30-41, 2014;3
127
OLIVEIRA, C. D. et al. Revisão integrativa sobre a formação do enfermeiro baseada em
competências. Rev. baiana saúde pública, p. 9-23, 2017.
OLIVEIRA, D. C. et al. O processo de trabalho e a clínica na enfermagem: pensando novas
possibilidades. Rev enferm UERJ, v. 17, n. 4, p. 521-6, 2009.
OLIVEIRA, P. S. Vidas compartilhadas: cultura e co-educação de gerações na vida
cotidiana. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1999.
PACHECO, F. C, et al. Análise curricular do ensino da bioética nos cursos de graduação em
enfermagem no brasil. Revista Baiana de Enfermagem, v. 33, 2019.
PACZEK, R. S.; ALEXANDRE, E. M. Preceptoria em enfermagem em um serviço público
de saúde. Rev. enferm. UFPE on line, p. 1-6, 2019.
PAIVA, M. R. F., PARENTE, J. R. F., BRANDAO, I. R., & QUEIROZ, A. H. B.
Metodologias ativas de ensino-aprendizagem: revisão integrativa. SANARE-Revista de
Políticas Públicas, v. 2, 15. 2016.
PARRA, I. P.; LOZA, D. C. T.; NARINO; C. C. D.; TORRES, J. N. Evaluation De Las
Competências Clínicas Em Estudiantes. Revista Cuidarte, v. 7, n. 2, p. 1271-1278, 2016.
PENAZZO, A. A. et al. I Simposio Desenvolvimento, Aprendizagem e Educação. Interações,
v. 8, n. 16, p. 127-138, 2003.
PERRENOUD P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed; 1999.
PITON-GONCALVES, J. Testes adaptativos para o Enade: uma aplicação
metodológica. Revista Meta: Avaliação, v. 12, n. 36, p. 665-688, 2020.
POLO, M. J. F. Desenvolvimento da competência clínica do enfermeiro nos estágios
supervisionados – elementos constitutivos e autonomização do sujeito [dissertação].
Cuiabá: Faculdade de enfermagem, Universidade Federal de Mato Grosso; 2019.
PONTES, E. A. S. O ato de ensinar do professor de matemática na educação básica. Ensaios
Pedagógicos, 2(2), 109-115. 2018.
PRENSKY, Marc. Nativos digitais, imigrantes digitais. On the horizon, v. 9, n. 5, p. 1-6,
2001.
QUEMEL, G. K. C. et al. Metodologias Ativas de Aprendizagem: construção de diagnósticos
de enfermagem sobre um estudo de caso. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 25. p. e826-
e826. 2019.
ROCHA, E. N. et al. Percepção de competências clínicas por acadêmicos de
enfermagem. REME rev. min. enferm, p. e-1179, 2019.
SANTANA, B. M. Estágio supervisionado na rede de saúde/SUS: análise de documentos do
Ministério da Saúde. 2015. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia.
128
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió,
2015.
SANTOS, A. F. N. et al. A bioética como tema transversal na formação do enfermeiro em um
currículo integrado: análise documental/Bioethics as a cross-theme in nursery training in an
integrated curriculum: documental analysis. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 1, p.
2463-2477, 2020.
SANTOS, A. O.; JUNQUEIRA, A. M. R.; DA SILVA, G. N. A afetividade no processo de
ensino e aprendizagem: diálogos em Wallon e Vygotsky. Perspectivas em Psicologia, v. 20,
n. 1, 2016.
SANTOS, C. M. C; PIMENTA, C. A.M, NOBRE, M. R. C. A estratégia PICO para a
construção da pergunta de pesquisa e busca de evidências. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, v. 15, n. 3, p. 508-511, 2007.
SANTOS, E. I. et al . Autonomia profissional e enfermagem: representações de profissionais
de saúde. Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre , v. 38, n. 1, e59033, 2017a .
SANTOS, E. I. et al . Estudo comparativo sobre representações da autonomia profissional
elaboradas por estudantes de enfermagem iniciantes e concluintes. Rev. Latino-Am.
Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 25, e2927, 2017b.
SANTOS, E. P; CIAMPONE, M. H. T. Avaliação de competências gerenciais: a percepção de
alunos do curso de graduação em enfermagem da USP. REME rev. min. enferm, v. 11, n.
4,p. 395-401, 2007.
SANTOS, F. B. O. et al. História da enfermagem brasileira (1950-2004): o que tem sido
discutido na literatura?. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, v. 8, 2018.
SÁ-SILVA, J. R; DE ALMEIDA, C. D; GUINDANI, J. F. Pesquisa documental: pistas
teóricas e metodológicas. Revista brasileira de história & ciências sociais, v. 1, n. 1, 2009.
SILVA, R. P et al. Estratégias do uso de metodologia ativa na formação de acadêmicos de
enfermagem: relato de experiência. Research, Society and Development, v. 9, n. 6, p.
e160963543-e160963543, 2020.
SILVA-GALLEGUILLOS, A. Formación por competencias en Enfermería. Experiencia de la
Universidad de Chile. MedUNAB, v. 19, n. 2, p. 134-141, 2016.
SMYTH, O.; MCCABE, C. Think and think again! Clinical decision making by advanced
nurse practitioners in the Emergency Department. Int Emerg Nurs, v. 31, p. 72-4, 2017.
SOARES, S. M. B; FERREIRA, H. C. A práxis do enfermeiro preceptor em enfermagem
obstétrica: um desafio cotidiano. Revista Pró-UniverSUS, v. 8, n. 2, p. 148-152, 2017.
SOBRAL, F. R., & CAMPOS, C. J. G. Utilização de metodologia ativa no ensino e
assistência de enfermagem na produção nacional: revisão integrativa. Revista da Escola de
Enfermagem da USP, 46(1), 208-218. 2012.
129
SOUZA, S. V.; FERREIRA, B. J. Preceptoria: perspectivas e desafios na Residência
Multiprofissional em Saúde. ABCS health sci, p. 15-21, 2019.
SUNDFELD, A. C. Clínica ampliada na atenção básica e processos de subjetivação: relato de
uma experiência. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 20, p. 1079-1097, 2010.
TAKASE, M; YAMAMOTO, M; SATO, Y. Effects of nurses‟ personality traits and their
environmental characteristics on their workplace learning and nursing competence. Japan
Journal of Nursing Science, v. 15, n. 2, p. 167-180, 2018.
TANGUY, L; ROPÉ, F. Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na
empresa. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Campinas: São Paulo, 1997.
THOMSON, R. T; DOCHERTY, A; DUFFY, R. Nursing students' experiences of mentorship
in their final placement. British Journal of Nursing, 26.9: 514-521. 2017.
VENDRUSCOLO, C. et al. Integração ensino-serviço em saúde: diálogos possíveis a partir da
cogestão de coletivos. Esc. Anna Nery Rev. Enferm, 2018.
VIEIRA, M. A. L; DE OLIVEIRA, L. L; MENDES, I. C. Metodologia ativa/aprendizagem
baseada em equipes (team-based learning): um relato de experiência. Encontro de Extensão,
Docência e Iniciação Científica (EEDIC), 2019.
130
9 APÊNDICES
9.1 APÊNDICE_1_ROTEIRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL
Objetivo geral: analisar como o curso de graduação em Enfermagem de uma universidade
pública da região Centro-Oeste desenvolve a Competência Clínica em seus graduandos.
Objetivo específico: examinar o PPC do referido curso de graduação a fim de compreender de
que maneira aborda/prevê o desenvolvimento da competência clínica.
GERAL
Curso de graduação: ______________________
Ano de vigência do PPC:____________
O texto deixa clara a concepção de „competência‟ utilizada na construção do projeto?
O texto deixa clara a intenção de integrar teoria e prática?
O PPC deixa claro sua concepção ao tratar do termo „Competência Clínica‟? Qual seria?
DIMENSOES DA COMPETÊNCIA CLÍNICA
Consta no PPC aspectos relacionados a desenvolvimento de:
Conhecimento técnico-científico / Cognição
b) Habilidades técnicas / psicomotoras
d) Atitude / ética
e) Julgamento clínico / Tomada de decisão clínica
f) Auto confiança / auto controle
COMPETÊNCIAS PREVISTAS QUE DIALOGAM COM A COMPETÊNCIA
CLÍNICA
O PPC cita competências a serem desenvolvidas no graduando? Quais?
Quais dessas competências dialogam com a competência clínica?
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS
2. Faz menção sobre:
131
Utilização de práticas pedagógicas inovadoras que articulam teoria e prática ?
Utilização de metodologias ativas? (problematização/ABP)
132
9.2 APÊNDICE_2_ PERGUNTAS NORTEADORAS PARA ENTREVISTA
SEMI-ESTRUTURADA
Objetivos:
Compreender a percepção do coordenador de curso sobre competência clínica
Compreender, na percepção do coordenador de curso, de que maneira o curso de
graduação desenvolve a competência clínica e em quais momentos este
desenvolvimento é mais intencional.
PERFIL
Nome: _____________________________________________ idade: ___________
Tempo de Formado: __________
Titulação:______________________________________________________________
Há quanto tempo na função de coordenador? _________________________________
Inicio: ________________ Fim: _____________
COMPETÊNCIA CLÍNICA
O que é Competência clínica? O que entende do termo ‘competência clínica’?
DIMENSOES PARA COMPETÊNCIA CLÍNICA
Na sua opinião, quais são as dimensões da competência clínica? Quais dimensões
compõem a competência clínica?
Quais habilidades, conhecimentos e atitudes são necessários ao graduando para ser
considerado um aluno competente clinicamente? Quais habilidades, conhecimentos,
atitudes compõem a competência clínica de um aluno?
COMPETÊNCIA CLÍNICA E O ENSINO DE GRADUAÇÃO
1. Em sua percepção, o PPC referente à graduação que coordena contempla a Competência
Clínica? Por quê? A competência clínica está prevista no PPC? Como?
133
2. As estratégias pedagógicas utilizadas dialogam com a intenção de desenvolvimento da
competência no graduando? Como? As práticas pedagógicas utilizadas no dia-a-dia são
adequadas para desenvolver a Competência Clínica?
3. Que elementos do cotidiano do ensino facilitam ou dificultam o desenvolvimento da
competência clínica no graduando? O que acontece no dia-a-dia da graduação que dificulta
ou facilita desenvolver competência clínica no aluno?
134
9.3 APÊNDICE_3_ PERGUNTAS NORTEADORAS PARA GRUPO FOCAL
Objetivos:
Compreender a percepção de graduandos de Enfermagem sobre competência clínica
Compreender, na percepção de graduandos de Enfermagem, de que maneira o curso
de graduação desenvolve a competência clínica e em quais momentos este
desenvolvimento é mais intencional.
VINHETA PARA INICIO DO ENCONTRO DE GRUPO FOCAL
ENCONTRO 1 - PERCEPÇAO SOBRE COMPETÊNCIA CLÍNICA
1- O que é Competência clínica? O que você entende do termo ‘competência clínica’?
2- Quais habilidades, conhecimentos e atitudes são necessários ao graduando para ser
considerado um aluno competente clinicamente? Quais habilidades, conhecimentos, atitudes
compõem a competência clínica de um aluno? Na sua opinião, quais são as dimensões da
competência clínica? Quais dimensões compõem a competência clínica?
ENCONTRO 2 - A COMPETÊNCIA CLÍNICA E O COTIDIANO DO ENSINO
1. Na sua opinião, as estratégias pedagógicas utilizadas na graduação dialogam com a
intenção de desenvolvimento da competência? Como? Para você, as práticas pedagógicas
utilizadas no dia-a-dia são adequadas para desenvolver a Competência Clínica?
2- Na sua opinião, que elementos do cotidiano do ensino facilitam ou dificultam o
desenvolvimento da competência clínica? O que acontece no dia-a-dia da graduação que
dificulta ou facilita desenvolver competência clínica no aluno?
ENCONTRO 3 - EXPERIENCIA PESSOAL DE DESENVOLVIMENTO DA
COMPETÊNCIA CLÍNICA
1. Relate brevemente alguma situação que vivenciou durante a graduação que acredita ter
desenvolvido a competência clínica em você. Alguma situação específica foi importante para
desenvolver a competência clínica em você? Qual?
Top Related