UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE – MESTRADO
LINHA DE PESQUISA – TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
O COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA:
O papel da educação jesuíta nos projetos de restauração católica no Recife
(1917-1930)
LIZABETHLI PETRONIO DA SILVA
Recife, 2015
1
LIZABETHLI PETRONIO DA SILVA
O COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA:
O papel da educação jesuíta nos projetos de restauração católica no Recife
(1917-1930)
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de título no Curso
de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco - UFPE
Orientador: Prof. Dr. André Gustavo Ferreira da Silva
RECIFE, ABRIL 2015
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Catalogação na fonte
Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460
B586c Silva, Lizabethli Petronio da.
O Colégio Manuel da Nóbrega: o papel da educação jesuíta nos
projetos de restauração católica no Recife (1917-1930) / Lizabethli
Petronio da Silva. – Recife: O autor, 2015.
131 f. ; 30 cm.
Orientador: André Gustavo Ferreira da Silva.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.
Programa de Pós-graduação em Educação, 2015.
Inclui Referências e Anexos.
1. Educação - História. 2. Jesuítas – Educação - História. 3.
Restauração católica. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Silva, André
Gustavo Ferreira da. II. Título.
370.9 CDD (22. ed.) UFPE (CE2015-66)
3
LIZABETHLI PETRONIO DA SILVA
O COLÉGIO MANUAL DA NÓBREGA: O PAPEL DA EDUCAÇÃO
JESUÍTA NOS PROJETOS DE RESTAURAÇÃO CATÓLICA NO RECIFE
(1917 – 1930)
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal
de Pernambuco, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação.
Aprovada em: 30/04/2015.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. André Gustavo Ferreira da Silva (Orientador) Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Dr. Luiz Carlos Luz Marques (Examinador Externo) Universidade Católica de Pernambuco
Prof.ª Dr.ª Adriana Maria Paulo da Silva (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco
4
A Deus, em quem nos apoiamos em todos os momentos de
aflições.
À Marilin Ferreira, minha mãe, sem ela não teria sido possível
conseguir completar esta tarefa tão árdua. Sinto orgulho de
você e de suas palavras.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Deus Pai, forte protetor, que me guarda em todos os momentos de
minha vida. Ao Deus Filho, misericordioso, que segura minha mão todas as vezes
quando estou prestes a desmoronar. Ao Deus Espírito Santo, meu eterno consolador,
que me faz ter a certeza da concretude e presença desta Santíssima Trindade nos mais
difíceis ou gloriosos dias.
À grande professora Marilin, minha mãe, que não só me ensinou as primeiras
letras, mas também me abriu um universo de possibilidades, dando-me os livros como
melhores amigos desde a mais tenra idade, doutrinando-me a encarar e buscar o
conhecimento acadêmico como uma incansável colheita que nos fornece os mais
preciosos frutos. A essa minha grande matriarca, que nas limitações de unidade
conseguiu se fazer múltipla, sendo minha mãe, pai, professora, médica e terapeuta.
Somado a ela, agradeço a Ilson Lagedo, um pai de outra vida, que em sua
infinita paciência esteve sempre pronto a me escutar. Esse que, além de aguentar
cotidianamente minhas falácias e partilhar as loucuras da minha cabeça, vive numa
incansável tentativa de ajudar o próximo e de ser solícito a quem lhe bate a porta.
À Jaqueline Ferreira, minha tia/mãe que, com seu carinho e seu afeto mais doce,
não mede esforços para estar presente nos mais importantes momentos da minha vida.
Sempre me encorajando a continuar nos caminhos que escolho seguir, se alegrando e se
entusiasmando com minhas conquistas, mais até do que se dela fossem.
Ao meu amor, Otávio Vinícius, por sua infinita compreensão nos meus
momentos de ausência. Por me incentivar a nunca parar de buscar o futuro com o qual
sonhamos juntos, por estar sempre lá quando mais preciso e, principalmente, por me
fazer esquecer tudo nos momentos que eu mais necessitei.
A minha melhor amiga, irmã e companheira de jornada acadêmica, Rafaela
Ribeiro, responsável por 90% do valor da minha conta telefônica, que mesmo quando
não pode, me atende, sendo muitas vezes até minha orientadora. Agradeço-lhe a
amizade e até as sábias palavras.
A minha querida “diva acadêmica” Olívia Tereza, grande amiga que muitas
vezes abdicou dos únicos momentos livres que tinha para me ajudar, demonstrando com
6
sua prontidão em me socorrer, uma amizade e afeto que um dia espero ter o privilégio
de retribuir.
Aos meus primeiros Orientadores e queridos amigos Emanuela Ribeiro e Luiz
Carlos Marques, que demonstraram, desde muito cedo, em seus atos cheios de afeto,
cuidado e atenção, grandes exemplos de excelência acadêmica a seguir. Orgulho-me de
lhes ter na história de minha vida, me ensinando não só a empenhar-me em ser uma boa
profissional, mas um ser humano melhor.
A André Ferreira, meu querido orientador, que sempre se esforça a quebrar as
barreiras entre professor/aluno, sempre acessível e pronto para ajudar, tornando muito
mais leve esta etapa para mim e meus companheiros, fazendo sempre o possível e o
impossível para nos auxiliar.
Aos professores que compuseram a banca de defesa, André Ferreira, Adriana
Paulo e Luiz Carlos Marques, que num compromisso altruísta pelo desenvolvimento
educacional e científico do país, estiveram sempre de prontidão, amparando-me neste
início de vida acadêmica.
Aos meus companheiros do PPGE, Ramon de Oliveira, Amaury, Clara Angeiras,
Alex Lins, Reginaldo, etc. que tornaram esta etapa extremamente prazerosa de ser
vivenciada. A amizade de vocês foi aquilo que de mais importante ficou desta
experiência.
Aos funcionários da Biblioteca da Universidade Católica de Pernambuco, que
extremamente solícitos e competentes, sempre se comprometem a facilitar o máximo
possível a vida dos pesquisadores que a eles recorrem, montando, sem sombra de
dúvida, uma das melhores estruturas entre os arquivos do Estado de Pernambuco.
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RESUMO
O objeto desta dissertação encontra-se na investigação do envolvimento da
Companhia de Jesus nos trabalhos desenvolvidos em nome da restauração católica. Os
recortes estão delimitados através da análise das atividades dos Jesuítas no Colégio
Manuel da Nóbrega no Recife, no período entre 1917 a 1930, na tentativa de
compreender a função desempenhada por esta instituição e qual a natureza deste
processo de restauração. Para tal, os fundamentos teóricos que direcionaram nosso olhar
foram, em especial, aquele encontrado no conceito de habitus de Pierre Bourdieu.
Assim, as questões cotidianas, encontrados principalmente nos diários do Colégio
Nóbrega, foram examinadas pelas ligações com seu contexto histórico, no intuito de
decifrar a realidade social que envolveu aquela prática, o que, ao longo deste trabalho,
nos fez deduzir o Colégio Nóbrega como um espaço de produção e reprodução de
discursos, aliado aos mais diversos setores sociais, inclusive e especialmente o político,
vinculado a uma realidade que não demonstrou a necessidade de uma restauração da
instituição, no sentido literal da palavra.
Palavras-chave: Estado, Igreja, Restauração Católica, República Velha
8
ABSTRACT
The object of this work is to investigate the involvement of the Society of Jesus in work
on behalf of Catholic restoration. The side view is delimited by the review on the
activities of the Jesuits at the Manuel da Nobrega College, in Recife, in the period from
1917 to 1930, in an attempt to try understanding the role played by this institution and
the nature of this restoration process. Therefore, the theoretical foundations that were
directed our gaze, are especially those found in the concepts of social place of Michel
De Certeau and habitus of Pierre Bourdieu. So the everyday issues were examined by
the links with their historical context in order to decipher the social reality involving
this practice, which made us deduce, during this paper, the Nobrega College as a place
of production and reproduction of speeches, connected with the various social sectors,
including and especially the political one, linked to a reality that did not seem to need a
restoration, at least in the literal sense of the word.
Keywords: State, Church, Catholic Restoration, Old Republic
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10
1.1 Transposição do Atlântico ........................................................................................ 10
1.2 Destaques sobre Jesuítas e relações Igreja/Estado na historiografia contemporânea 15
2. CAPÍTULO 1: O LUGAR DO COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA .............. 23
2.1 Em defesa da moral e dos bons costumes................................................................. 27
2.2 Relação entre ricos e pobres ..................................................................................... 33
2.3 Liberalismo, Socialismo e Comunismo .................................................................... 38
2.4 Maçonaria ................................................................................................................. 42
3. CAPÍTULO 2: UM HABITUS CIVILIZANTE: QUESTÕES DE
HIERARQUIA, DISCIPLINA E HIGIENE .............................................................. 46
3.1 Disciplina: subjetivação e naturalização do credo para o futuro Militante Católico 51
3.1.1 Liga para a Restauração dos Ideais........................................................................ 53
3.1.2 Práticas disciplinares para a formação de um modelo padrão de moço cristão
combatente ...................................................................................................................... 58
3.2 Higiene: principal confluência com a modernidade ................................................. 63
4. CAPÍTULO 3: ENTRE PESSOAS, LUGARES E INSTITUIÇÕES: UM
ESTREITAMENTO DE LAÇOS COM A ELITE PERNAMBUCANA COMO
ESTRATÉGIA POLÍTICA? ....................................................................................... 68
4.1 Rede católica de intercâmbio do CMN..................................................................... 70
4.2 Deveres sagrados de mãe e esposa: o posicionamento estratégico da mulher católica
........................................................................................................................................ 75
4.3 Relação com as Forças Armadas .............................................................................. 77
4.4 Aproximação política ............................................................................................... 81
5. CAPÍTULO 4: O QUE PODEMOS PENSAR PARA O RECIFE, UM
PROJETO DE RESTAURAÇÃO CATÓLICA OU MANUTENÇÃO DO PODER?
........................................................................................................................................ 93
5.1 Laicidade e Restauração Católica ............................................................................. 96
5.2 Onde esta O Movimento de Escola Nova? ............................................................. 104
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 109
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 113
ANEXOS ..................................................................................................................... 121
10
1. INTRODUÇÃO
1.1. Transposição do Atlântico
Nesta dissertação, investigamos o envolvimento da Companhia de Jesus no
Recife nos esforços de restauração do poder aparentemente perdido pela Igreja com a
implantação do Estado Laico. Através da análise das atividades dos Jesuítas no Colégio
Manuel da Nóbrega, no período de 1917 a 1930, tentamos compreender qual a natureza
desse processo de restauração e decifrar a realidade social que envolveu aquela prática
vinculando as questões cotidianas ao contexto histórico,
Antes, é necessário transpormos o Atlântico para visualizar os republicanos
portugueses que eram contrários ao Cristianismo Católico, descartando a possibilidade
de que o catolicismo pudesse contribuir de alguma forma à vida nacional. Eles
miravam, entre outros, a Companhia de Jesus, como um adversário visível, cujas
atividades desviavam radicalmente Portugal do caminho para onde a República
apontava. No fim do século XIX e no início do século XX, os Republicanos estavam
lutando contra o catolicismo e suas expressões culturais em Portugal.
Essas ideias tornaram-se mais fortes, após implantação do Regime Republicano
em 04 de outubro de 1910, período em que se destacaram as medidas do então Ministro
da Justiça Afonso da Costa, que em 08 de outubro do mesmo ano, expulsou os Jesuítas
de Portugal e restabeleceu a legislação pombalina, abolindo as ordens e expressões
religiosas. Assim, estigmatizada por uma série de mudanças históricas, a década de
1910 foi demasiado turbulenta para a Igreja Católica em Portugal, que se viu sem
significativas influências num estado Laico a partir de 20 de abril de 1911, através da
Lei de Separação do Estado e da Igreja.
Exilados, os Jesuítas veem no Brasil, não apenas um país com afinidades
culturais, linguísticas e religiosas, mas um excelente refúgio proporcionado por um
contexto histórico-político favorável para onde, não só eles, mas, muitos outros clérigos,
iam buscar asilo da legislação “anti-católica” que orbitava a Europa no início do século
XX:
Os Jesuítas exilados refletiam o exemplo de milhares de imigrantes que,
noutros tempos, vieram às Américas, perseguidos por causa de suas crenças
religiosas e buscando um lugar onde pudessem praticá-las. Além disso, os
Jesuítas portugueses encontravam-se num estado psicológico muito especial:
Como lusitanos, buscavam uma terra anteriormente parte de Portugal, mas
11
dele separada com a proclamação da sua independência em 1822. Como
Jesuítas, estavam retornando a uma terra marcada maciçamente pela ação
cultural de seus correligionários na época colonial. Mas então e na mesma
terra o iluminismo pombalino suprimira a Companhia de Jesus e, mais de
século e meio mais tarde, o mesmo iluminismo na sua forma republicana
expulsou a Companhia de Portugal. Numa doce ironia, esse mesmo
iluminismo, desta vez, na sua forma republicana brasileira, recebe os Jesuítas
portugueses que, de maneira imprevista, iriam fruir, como a Igreja, a
liberdade da Velha República. (AZEVEDO, 1986. p. 01)
Embora existissem campanhas portuguesas solicitando a não aceitação dos
Jesuítas no Brasil e sendo aqui também a Igreja separada constitucionalmente do Estado
desde a instauração do Regime Republicano, alguns estudos apontam que, para a elite o
importante era evitar a incompatibilidade entre os seus ideais e os da nação. Toda a ação
nesse sentido estava centralizada na criação de um conjunto de valores identificados
com as bases tradicionais da Pátria que se mostrasse como um elemento dinamizador e
arregimentador das riquezas históricas do povo, daí retirando os valores que guiariam o
seu processo e a sua elevação moral numa unidade mais coesa, assim como o
crescimento intelectual dos indivíduos que integram a nação. O que indica que no Brasil
as influências católicas aparentemente se davam nos âmbitos político, social, econômico
e cultural, tornando possível a vinda da Companhia de Jesus.
Chegando ao Brasil, fora nomeado, em 02 de fevereiro de 1911, o Pᵉ Antônio
Menezes como Superior da Missão Jesuíta Brasileira Septentrional da Província
Portuguesa que abrangia os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba,
Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas, para quem a maior
preocupação era garantir que não se dispersasse a Ordem Jesuíta (AZEVEDO, 1986).
Estabelecidos, os Jesuítas no Brasil receberam inúmeras solicitações para o
aproveitamento profissional dos religiosos considerados exilados, uma vez que se
tratavam de educadores entre os mais qualificados para o ensino primário e secundário
de toda a Europa, o que fez dos colégios católicos, especialmente de ordens religiosas,
como a dos Jesuítas, empreendimentos eficientes e lucrativos.
`É importante salientar que somente com a implantação do Estado Novo o
ensino primário e o ensino secundário tornaram-se dever da Federação, de modo que
este era de responsabilidade da União e dos Governos Estaduais e o primário dos
Estados e municípios, os quais raramente conseguiam manter instituições que
atendessem a demanda da sociedade que acabava recorrendo a grande oferta das
instituições privadas e, especialmente, as de ordens religiosas. Sendo assim, várias
instituições de ensino foram estabelecidas no Brasil pela Companhia da Jesus., entre as
12
principais delas no Nordeste estão: o Instituto São Luiz Gonzaga e o Colégio Antônio
Vieira na Bahia, a Escola Apostólica em Baturité no Ceará e o Colégio Manuel da
Nóbrega em Pernambuco.
Acompanhando as tendências nacionais, em 1912, foi solicitado aos Jesuítas
pelo Arcebispo de Olinda e Recife, D. Luiz Correia da Silva Britto, que fundassem um
colégio no Recife. Entretanto, essa solicitação só foi atendida na gestão do Arcebispo D.
Sebastião Leme, que reiterou o pedido feito pelo bispo anterior. Então, em março de
1917, os jesuítas fundaram o Colégio Manuel da Nóbrega, estabelecido no Palácio da
Soledade1, prédio antes pertencente à Arquidiocese de Olinda e Recife.
Não só o Colégio Manuel da Nóbrega, mas o ensino secundário em todos os
colégios fundados no Nordeste pelos Jesuítas neste período, desde o seu planejamento,
já possuíam um público alvo muito bem definido: os grupos pertencentes à elite local.
De modo que o projeto pedagógico dessas instituições continha disciplinas que
preparavam seus alunos para os cursos universitários, especialmente, o de Direito, já
que dois terços da elite republicana era composta por advogados (HEINZ, 2006). Além
disso, desde 1915 a Reforma Maximiliano instituiu o exame do vestibular e a
obrigatoriedade do diploma de conclusão do ensino secundário para o ingresso no
ensino superior, excluindo assim, as classes proletárias que, quando muito, só
conseguiam ter acesso ao ensino primário e ao profissionalizante.
Durante toda a República Velha, a Igreja Católica empreendeu um projeto
intitulado, na época, de recatolização com o objetivo de “retomar” sua influência na
sociedade, já que, como instituição, teria perdido grande parte do seu suposto poder
político de intervenção após a instauração do Estado Laico. Como a Igreja precisava
aumentar sua abrangência de influência, uma das maneiras mais eficientes foi iniciando
uma reaproximação com as elites, primeiro no âmbito local, depois expandindo o raio
de alcance do discurso Católico para os espaços extra- católicos, em sentido amplo
(MICELI, 1988).
Como término de nosso recorte cronológico, escolhemos a Revolução de 1930,
por entendermos que essa mudança sistemática nas relações políticas, trouxe às
1 Localizado na Rua Oliveira Lima, nº 824, Bairro da Boa Vista, Recife-PE. Atualmente a
edificação do Palácio da Soledade serve como filial ao Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN-Recife), enquanto o Colégio Manuel da Nóbrega, atual Colégio
Liceu Nóbrega, encontrasse no mesmo terreno do Palácio mas em um edifício diferente, com
sua fachada voltada à Rua do Príncipe, em frente à Universidade Católica de Pernambuco
13
discussões em torno das relações Igreja/Estado um novo elemento, que tiveram
repercussões no cotidiano do colégio, inaugurando um novo período, ao qual não
desejamos nos ater nesta fase da pesquisa.
Auxiliado pelo contexto do pós 1ª Guerra e a “ameaça comunista”, o discurso
anticomunista, antes apropriado pela Igreja, é incorporado ao ensino, e, num pacto com
o Estado após a Revolução de Trinta, a Igreja consegue colher os frutos do processo de
romanização e recatolização empreendidos na República Velha. Assim sendo, a
construção do Estado vai se basear na trindade “Pátria, Catolicismo e Família”, em que
um nacionalismo com profundas conotações moralistas é instaurado e vai se utilizar do
discurso da Igreja, como auxiliar na formação de um povo ordeiro (ANDRADE;
ALMEIDA, 2001).
Desse modo, durante as primeiras décadas do século XX, a Igreja Católica e o
Estado viam na Educação um meio de legitimação do poder, com interesses que se
confluíram, fecharam um “pacto” que atendia a ambos. Por conseguinte, caberia, pois,
aos profissionais da educação, a missão de implantação de um saber positivo, ordeiro,
disciplinador e legitimador das tradições patrióticas, de caráter profético e restaurador a
serviço da naturalização do caráter hierárquico da sociedade elitista, que dualizasse e
dicotomizasse o contexto político, colocando os detentores do poder como salvadores
da sociedade, excluindo qualquer ideologia que se afastasse destes objetivos
(ANDRADE; ALMEIDA, 2001).
Portanto, o Colégio Manuel da Nóbrega representa um lugar social (CERTEAU,
2000) muito significativo para uma análise das relações sociopolíticas entre o
catolicismo e os ideais estatais de ordem social vigentes no período. O que nos leva a
indagar a seguinte questão: na vinculação dos Jesuítas do Colégio Manuel da Nóbrega
aos supostos esforços de recristianização política empreendidos por membros da Igreja
Católica no Estado Laico Republicano, qual seria o conceito de recristianização que as
práticas sugerem?
Para tanto, ainda como introdução ao nosso estudo, destacaremos no próximo
tópico, na historiografia contemporânea, quais conceitos e correntes estamos filiados
dentre os inúmeros estudos que tratam das amplas relações estabelecidas entre a Igreja e
Estado, principalmente, aquelas mais específicas sobre a Companhia de Jesus.
No primeiro capítulo, partiremos especialmente do Arcebispo D. Leme, pela
vinculação do Colégio Manuel da Nóbrega (CMN) ao seu pensamento, segundo nossas
fontes, e das ideologias papais em que se apoia, pois, uma vez sendo um ambiente de
14
produção de discursos, precisamos compreender a seguinte pergunta: em que contexto
ideológico se fundava a educação jesuíta do Nóbrega?
Já a indagação, encontra-se o aparelhamento do colégio jesuíta do Recife a
serviço da formação do Católico militante, pois, é aquele que impulsiona as análises
feitas no capítulo “um habittus Civilizante: questões de hierarquia, disciplina e higiene”
onde a partir das análises feitas no primeiro capítulo em comparação com os dados
encontrados nas Consultas2, nos Diários do CMN e nas obras Institucionais da
Congregação Mariana, partimos para investigação de como se planejava construir a
subjetividade de um futuro católico militante.
No capítulo intitulado “Entre pessoas, lugares e instituições: um estreitamento de
laços com a elite pernambucana como estratégia política?”, partimos das análises das
encíclicas3 Rerum Novarum, tomando-a como pensamento impulsionador e a
Quadragésimo anno, como contexto resultante, reafirmado o marco da doutrina social
Leonina, que juntamente com as anteriores ordenanças do ensino da doutrina cristã de
Pio X formam o pensamento basilar do Episcopado de D. Sebastião Leme, observando
onde situa-se o Colégio Manuel da Nóbrega em confluência com esse programa.
Em vista disso, faremos uma comparação dos discursos proferidos nestes
documentos com as relações estabelecidas com agentes políticos, das Forças Armadas e
da Elite Eclesiástica e Leiga no cotidiano do Colégio Nóbrega, encontrados nos Diários
de Fundação do colégio para questionarmos: estariam as relações estabelecidas entre os
agentes do Colégio Manuel da Nóbrega e uma dita Elite Pernambucana, encontradas
nos Diários de Fundação do CMN, a serviço de um amplo projeto de Recristianização?
Estariam os jesuítas se somando aos esforços da Igreja em manter-se como um dos
principais atores políticos nacionais, em reação à suposta laicidade da República?
Esta investigação do envolvimento católica política, também nos leva a
questionar: será que podemos pensar para o Recife um projeto de Recatolização ou
simplesmente uma Manutenção do Poder? E é aqui que nos permitimos uma certa
ousadia, contudo, com a humildade que cabe a qualquer pesquisador, não podendo
fechar os olhos àquilo que encontramos em nossa documentação (além do não dito),
que sinceramente nos fez duvidar de trabalhos mais gerais, que pensam para o Brasil
uma investida de retomada da política para a Igreja, perdida com a implantação do
2 Anexo C
3 Todas elas disponíveis no acervo da Biblioteca Central da Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP).
15
Estado Laico e com o crescimento dos pensamentos liberais. Pois, acreditamos que
quando falamos na República Pernambucana, não podemos pensar nos mesmos moldes
da República Carioca e Paulista. Partindo disso, demostraremos aqui as conclusões com
que as práticas do cotidiano do CMN nos permitiram chegar.
Começamos, então, com os diários de Fundação do Colégio Manuel da Nóbrega,
nossas fontes principais, que até onde sabemos, ainda não foram usados em nenhum
trabalho acadêmico semelhante ao nosso, depois com o livro de registro intitulado
Consultas, dado ao quase ineditismo do seu uso4. De acordo com tais fontes, há vários
indícios da inexistência de uma ruptura significativa entre Igreja e Estado pensados para
uma República Laica. Também utilizamos como uma extensão de nossas fontes
primárias usando as encíclicas.
É necessário destacar também, que ao explorarmos os Diários5 de Fundação do
Colégio Manuel da Nóbrega, notamos a ausência de certos registros, como as dos anos
de 1923, 1925 e 1926. Logo, a falta de tais registros nos fazem levantar algumas
questões ,como sobre quais foram os motivos que levaram ao não registro dessas datas,
no que concerne às atividades cotidianas, uma vez que os diários são cadernos corridos
e, no que se refere à conservação e preservação deste material, não notamos nenhum
dano que indicasse a supressão das páginas com esse conteúdo?.
1.2 Destaques sobre Jesuítas e relações Igreja/Estado na historiografia
contemporânea
Antes de qualquer coisa, é necessário esclarecer que partimos de análises gerais
com o intuito de chegarmos às correntes historiográficas educacionais, mesclando
estudos em História das Religiões e História da Educação, contribuindo-se, assim, com
as concepções que pautam a compreensão do contexto influenciador da formação de
determinado pensamento pedagógico.
Partindo-se desse pressuposto, é interessante ressaltar, que a partir da mudança
paradigmática instalada na História com o movimento dos anos de 1970, um novo olhar
foi estabelecido a respeito do papel da religião na sociedade. Antes diagnosticada como
4 Ferdinand Azevedo chega a citá-los na obra A missão portuguesa da Companhia de Jesus no
Nordeste 1911-1936 em um dos capítulos sobre a criação dos Colégios Jesuítas no Nordeste 5 Anexos A e B.
16
“retrocesso” para as sociedades modernas, a religião começou a ser entendida como um
importante aspecto da vida social.
O Dicionário das Ciências Históricas, Franco Pierini, aponta o estabelecimento
de um “setor de pesquisa de não secundária importância” na Itália, que acompanha esse
movimento de releitura de estudos sobre a História da Igreja e do Cristianismo, o qual
não ocorreu só na Itália, mas em outras partes do mundo. Historiadores laicos italianos,
de “sólida formação marxista”, dirigiram um trabalho sobre História do Cristianismo, os
quais admitiram que “a milenar experiência cristã constitui um dado inalienável do
nosso patrimônio cultural e histórico” (MARQUES, 2006.).
Na América Latina esse movimento é acompanhado pela criação, em 1973, da
Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina e no Caribe (CEHILA).
Aqui, tal movimento é confirmado com a criação do CEHILA-Brasil, fundado em 1980,
que possui entre seus principais trabalhos, destacados nas obras coletâneas de História
da Igreja no Brasil, destacam-se os que focam os diversos ciclos econômico-religiosos,
através dos quais a Igreja expandiu-se no Brasil, e aqueles cujas obras compõem as
coletâneas de História das Religiões no Brasil, que antes de tudo, promovem o
escoamento de uma enorme rede de núcleos de estudos críticos sobre as manifestações
religiosas vislumbradas no Brasil.
Quando avaliamos sobre qual pensamento formador da elite burguesa
republicana, que era embasado na ordem e hierarquia, recorremos a Marilena Chauí,
em o Brasil o Mito Fundador e sociedade autoritária, no qual é mostrado que o
imaginário nacional foi construído simbolicamente em torno da ordem, em que um
político não é visto como estando a serviço do povo, mas sim a serviço do Estado.
Em torno da instauração do Estado Laico na República, precisamos evidenciar
duas grandes correntes interpretativas, das quais a mais recorrente é aquela que acredita
ter havido uma enorme perda de poder com este fato. Já outros autores, numa corrente
inaugurada ainda em sua contemporaneidade, pelo Padre Júlio Maria, acreditam que a
partir disso a Igreja vai ter a liberdade e a independência institucional para atuar, uma
vez acabado, juntamente a vinculação estatal o regime do padroado.
Recorremos às inúmeras obras do seminarista salesiano Riolando Azzi, nascido
em 1928, que cursou História Eclesiástica na Pontifica Universidade Gregoriana, foi
professor de história do Instituto Teológico Pio XI e trabalhou como assessor em
movimentos, como, o MEB por exemplo, para uma visão geral da acentuada
participação da Igreja Católica em todos os setores da sociedade brasileira, em especial
17
nas suas influências na formação da elite burguesa em seus esforços de não perder o
espaço político e a influência social, além de visões mais específicas em torno do
estabelecimento salesiano no Brasil e algumas interpretações sobre a atuação dos leigos
e do bispado brasileiro.
É importante, nesse caso, destacar o que entendemos por elites. Utilizamos a
concepção de “administradores” dos negócios públicos das sociedades organizadas,
conceito apresentado por Flávio Heinz, em Por outra História das elites. Seus estudos,
partem de análises historiográficas de pesquisas sobre as elites, centrados especialmente
na análise das metodologias utilizadas desses estudos. Heinz, usando a metodologia de
biografias coletivas, pontua algumas perspectivas sobre os mais diversos tempos
históricos, demostrando que os estudos sobre as elites são tradicionalmente entranhados
de valores dicotômicos que muitas vezes impedem análises mais objetivas.
Segundo o estudioso, antes do início da República, os cargos mais altos eram
reservados para uma pequena elite escolhida pela monarquia hereditária e seus
sucessores, “(...) procedimentos democráticos somente eram empregados para preencher
cargos locais, provinciais e alguns parlamentares.” Com a Constituição de 1891, ficou
estabelecido que se realizassem eleições para praticamente todos os postos dos poderes
executivos e legislativos.
Também utilizamos suas concepções no entendimento de que no início do novo
regime essa intenção, de modo geral, não fora plenamente cumprida, haja vista os
líderes estivessem sempre tentando se reeleger ou colocar seus sucessores como forma
de manter-se no poder. A democracia passou todo o século XX numa gradual tentativa
de aperfeiçoamento. Segundo Heinz:
Nos primórdios do século XX, a elite política coincidia bastante com as elites
sociais, econômicas e intelectuais. Cada vez mais, porém, disponibilizou-se o
acesso ao cargo público a indivíduos da classe média, de modo que a elite
política não mais se sobrepunha tanto às outras. Carreiras políticas tornaram-
se meios de mobilidade ascendente para pessoas talentosas com qualificações
certas. Essa tendência trouxe um certo grau de democratização à sociedade
brasileira, porque a liderança não mais estava restrita a um pequeno número
de pessoas. (HEINZ, 2006, p. 28)
Podemos intuir a partir de Heinz que “as elites políticas coincidiam bastante com
as elites sociais, econômicas e intelectuais” são intelectuais católicos que estavam
presentes nas mais diferentes rodas de discussão, tinham contato com pessoas
18
pertencentes aos mais diferentes setores da esfera pública, já que, como foi dito, a Igreja
e o Estado tinham se separado.
Embora diversas obras não tratem diretamente dos jesuítas, são importantes para
análise das relações entre as ordens e congregações religiosas católicas, o estado e a
sociedade do período em questão, entre elas destacam-se: o Historiador cearense João
Alfredo de Sousa Montenegro, na obra Evolução do catolicismo no Brasil, nos
fornecendo as pistas necessárias ao entendimento contextual de como a Igreja consolida
sua influência nessa sociedade republicana:
Consolidada a organização republicana, acomoda-se a Igreja ao novo regime
político começando a plantar as bases de um trabalho pastoral duradouro e
marcante, o qual é orientado pela concepção religiosa da vida, não de todo
uniforme ao longo de sua ascendência, mas desdobrando-se com
extraordinária capacidade de resistência às pressões da secularização, num
conservadorismo recebido das fontes católicas europeias com o pontificado
de PIO IX. (MONTENEGRO, 1972 p. 154)
Ainda de acordo com Montenegro, percebemos que através de uma herança
cultural, o moralismo, juntamente a necessidade de “ordem”, formou-se um sistema de
valores, que já vinha de longe e ia se consolidando na república, integrando-se como
elemento-chave numa concepção religiosa da vida. Entretanto, esse sistema de valores
nasceu em meio à ebulição nacionalista, sofrendo o impacto da crise da quebra da
hegemonia católica no Brasil, o pensamento católico não pode fugir à influência das
novas correntes ideológicas.
A partir daí e com base em Emanuela Sousa Ribeiro, na sua tese de Doutorado
Modernidade no Brasil, Igreja Católica, Identidade nacional – Práticas e estratégias
intelectuais: 1889-1930, vimos que a Igreja se adaptou-se à modernidade, usando uma
abordagem da religião adaptada aos novos preceitos modernos para manter o moralismo
cristão e a modernidade atrelados.
Isso nos levou a necessidade do entendimento de outro aspecto: a importância do
catolicismo na formulação de uma identidade nacional. A noção de nacionalidade na
República Velha supervalorizava os modelos estrangeiros, passando o nacional a ser
mais forte só na década de 30 e 40. Embora a separação entre Igreja e Estado tivesse
sido feita e houvesse essa supervalorização do modelo estrangeiro, existia uma busca
pela formação de uma identidade nacional. Símbolos que unissem a nação naquele
momento eram de imprescindível importância, pois, caso contrário, as elites
republicanas veriam a nação fragmentada em pouco tempo.
19
Essa busca por algo que unisse a nação é abordada no livro A formação das
almas: o imaginário da República no Brasil, de José Murilo de Carvalho. Usando como
fontes documentos históricos, tratados políticos e obras literárias, o historiador e
cientista político ligado à UFRJ, possui por temática a busca por símbolos e mitologias
a serviço do sistema político. A busca de “Heróis” para esta nova República e a não
aceitação da cópia da simbologia francesa, representada em forma de mulher, contribui,
inevitavelmente, para a manutenção do povo como coadjuvante da vida política do
Estado. Tais fatos provam a imutabilidade de valores e estruturas na dinâmica
institucional, com a proclamação da República, uma vez que a cultura do patriarcado já
estava arraigada em nossa sociedade. Entre os vários exemplos retratados pelo autor, há
a figura de Tiradentes, “O Cristo cívico”, tido como a representação do modelo
patriarcal cristão, que continuava a vigorar no Brasil, legitimando, assim, os homens
brancos e cristãos católicos do poder.
Percebendo o quanto essa busca de uma identidade nacional era importante, pois
a modernidade tinha trazido a falta de interesse do homem para com a esfera pública. O
catolicismo vem, assim, como auxílio para a construção da nação utilizando as
influências sociais como ferramentas para se fazer presente nas instituições políticas.
Isso pode ser percebido no Programa de Ação Católica, no capítulo que mostra os
deveres dos cristãos diante da política e dos ramos da esfera pública:
(...) Lacordaire: ‘depois do serviço desinteressado de Deus, não conheço nada
mais heróico que o serviço público do homem de Estado. Seria comparável a
renuncia dos católicos a colaborar na política, até certos respeitos, ao chefe
de família que negligenciasse o andamento e bem estar do seu lar. Que outra
cousa é a Pátria sinão o prolongamento da Familia? Demais, cooperar no
governo de um país é para o catolico uma ocasião oportuna de restaurar o
domínio de Cristo na Sociedade. Ensina-o o Papa atual quando disse: ‘Bem
que se abstenha da política de partido, a Ação Catolica quer preparar-se
para fazer a boa política; quer formar politicamente as conciencias dos
cidadãos, forma-los política e cristianamente... Não só a Ação Catolica não
dificulta aos particulares a participação na boa política, mas até lhes inculta
isso como dever rigoroso, pondo-os em condição de intervir na política com
uma conciencia mais iluminada e mais profunda. A Ação Catolica como
ação católica não faz política, ela quer apenas ensinar aos catolicos a
fazer da política o melhor uso, ao qual são obrigados todos os cidadãos e
os catolicos de um modo particular. (grifo nosso) (NERY, 1933, p.107)
Pode-se ver que o projeto de Recristianização, Recatolização e Restauração
Católica, podia servia de estratégia de reaproximação política Esse fato fica evidente
em outras obras da historiografia brasileira que embora divirjam quanto ao especto
cronológico e a questões de nomenclatura, sustentam esse entendimento, sendo,
20
portanto, quase unânimes de que a ideia de esses projetos foram gestados no fim da
República Velha e consolidados na Era Vargas, mostrando que o termo Restauração
foi o termo usado pelos próprios agentes da época, sendo encontrado na própria
documentação, e sobre o qual nos aprofundaremos no decorrer do texto.
Na verdade alguns historiadores atribuem a Bruneau a inauguração de uma
corrente historiográfica que afirma que nos trinta primeiros anos da República houve
uma brusca separação entre Igreja e Estado, ocorrendo uma reaproximação apenas em
1921, com a criação da revista A Ordem que implanta as bases da aproximação da
Igreja, que é consolidada apenas no Estado Novo (RIBEIRO, 2009).
Quanto aos aspectos do projeto de Romanização, alguns autores mais clássicos,
como Bruneau, por exemplo, acreditam que “por volta dos anos 20 (num espaço de duas
a três gerações) o Catolicismo romano já estava implantado no Brasil, deixando
sobreviver o antigo catolicismo brasileiro apenas em setores marginais” (Bruneau,
1974. p. 140). Segundo o autor, por volta de 1922 corresponderia também o fim do
período de consolidação do catolicismo romanizado no país.
Já para Alípio Casali, cuja interpretação nos filiamos, existem sinais muito
anteriores aos acima citados, como, por exemplo, a Carta Pastoral ao Clero a aos Fieis
da Arquidiocese de Olinda de D. Sebastião Leme da Siqueira Cintra em 1916 e sua
atuação posterior como Cardeal no Rio de Janeiro que servem de marcos para a
reaproximação da Igreja com o Estado no Brasil.
D. Leme, por sua vez, com a Carta Pastoral de 1916 tornou-se, segundo certa
corrente, _cujos alguns autores serão mais destacados a seguir_, aquele que inaugura os
trabalhos de Restauração Católica no Recife, estabelecendo as diretrizes daquilo que
seria o programa da Ação Católica responsável pelo incentivo e criação de uma série de
instituições católicas leigas, assistencialistas, de intelectuais, de caridade, escolas, etc.
Consideramos também Sérgio Miceli, que em vários estudos sobre o processo de
Romanização do catolicismo brasileiro defende que era clara a noção que os projetos
clérigos nacionais, em especial do episcopado, em conjunto com as autoridades romanas
faziam parte de um conjunto de ações para regeneração da Igreja Brasileira.
Ainda nessa linha de pensamento, citamos o livro Fé, Saber e Poder – os
intelectuais entre a Restauração Católica e a política no Recife (1930-1937) de Carlos
André Silva de Moura, que ao abordar a figura de D. Leme e a história da recatolização
do Recife, que vem desde publicação da Carta Pastoral de 1916, mostra a contribuição
21
dos “letrados” e leigos da Faculdade de Direito do Recife às empreitadas da Igreja na
restauração da política para o pensamento católico.
A obra Igreja Católica e a política no Brasil, de Scott Mainwaring, brasilianista
de nova geração, traz à historiografia esse tão importante olhar estrangeiro sobre a
interação entre Igreja Católica e a política brasileira. Além disso, o status de não
católico o deu ainda mais autonomia e o necessário distanciamento à análise de suas
fontes, coletadas na época que trabalhava no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
econômico e Social (IBRADES), centro jesuíta no Rio de Janeiro. Scott analisou a
temática a partir de documentos e entrevistas coletados em várias cidades do Brasil,
inclusive em Recife, aos quais teve acesso enquanto trabalhava no instituto.
O argumento-chave de sua obra é o de que a Igreja é uma instituição, e como tal
defende seus interesses. Logo, qualquer análise sobre ela deve partir dos aspectos que
compõe essa instituição. No caso da Igreja Católica, devemos levar em conta que as
maiores tensões internas não se dão entre a base e a hierarquia, mas entre as inúmeras
concepções de missão da Igreja. Diferentes modelos geram diferentes interesses, de
modo que o desenvolvimento político foi o especto que Mainwaring mais deu ênfase,
haja vista a instituição (ou a missão que a representa) acreditar que o é. Essa crença
pode derivar dos mais diferentes contextos, pois inserida na sociedade, a Igreja
acompanhará as mudanças sociais nela ocorridas, ou servirá de componente inspirador
ao questionamento da ordem.
No caso do período Neocristandade, que toma como marco inicial a publicação
da Carta Pastoral de 1916 do cardeal D. Leme (periodização a qual nos filiamos). A
partir de então, dissolvido o regime do padroado, a Igreja possuí maior autonomia para
atuar nas mais diferentes esferas. Os movimentos de base social da Igreja naquele
momento não podiam ser negligenciados, pois eram uns dos mais importantes canais de
manutenção política da Igreja. Uma aproximação das elites governamentais era
realizada através das estratégias de estreitamento e inserção do católico leigo na defesa
dos interesses institucionais.
Para Scott, (concordamos com ele), a questão não é “se” a Igreja estava
envolvida na política, mas sim “como”. Ele parte do pressuposto de que a Igreja em
muitos de seus segmentos no período denominado por Neocristandade estava
abertamente envolvida com a política, além de enxergarem o modelo educacional como
pertencente ao grupo de interesses indispensáveis ao aumento da influência católica na
sociedade.
22
Já em relação ao enfoque de nossa pesquisa, é interessante lembrar que diversos
trabalhos já foram publicados sobre os Jesuítas e a Companhia de Jesus, abordando as
polêmicas em torno da validade das ações desta Ordem religiosa. Em relação aos
autores pernambucanos mais recentes que trabalharam esse tema, como por exemplo,
Nilo Pereira6, e as contemporâneas Giselda Brito
7 e Zuleica Dantas
8, Newton Cabral e
Ferdinand Azevedo.
Entretanto, em relação à proximidade de nosso objeto, destacamos dois autores:
o primeiro é Ferdinand Azevedo9 com a obra A Missão Portuguesa da Companhia de
Jesus no Nordeste 1911-1936, cuja tese central, orbita em torno das razões pela escolha
do Brasil como refúgio do restabelecimento da Legislação Pombalina em Portugal,
relatando que os Jesuítas viam o Brasil, não apenas um país com afinidades culturais,
linguísticas e religiosas, mas um excelente refúgio proporcionado por um contexto
histórico-político favorável.
Já o segundo, é Newton Cabral10
com a obra Memórias de um cotidiano escolar:
A Universidade Católica de Pernambuco, 1943-1956, cuja abordagem sobre a fundação
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manuel da Nóbrega, em 1943, atual
Universidade Católica de Pernambuco, inicia-se com as discussões sobre a tendência
nacional de criação de instituições de Ensino Superior católica e a mudança de enfoque
do Colégio Manuel da Nóbrega, considerado por essa faculdade o “centro do trabalho
dos Jesuítas em Pernambuco. A faculdade era considerada, não apenas a “continuação
do apostolado educacional para alunos do Colégio Nóbrega”, em sentido estrito, mas
também o “coroamento do projeto de recatolização” em sentido amplo.
6 Foi Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco, Membro da Academia de Letras
Jurídicas, Membro da Academia Nordestina de Letras e Arte, Vice presidente da Academia
Pernambucana de Letras “Conflitos entre a igreja e o estado no brasil”, “A Encíclica 'Rerum Novarum' e a
condição operária”, “ A expulsão dos Jesuítas de Pernambuco”. 7 Possui publicações como: A base cristã do integralismo em Pernambuco; Política e Religião: a
construção da ordem feminina no Brasil e em Portugal do séc. XX; O universo católico como espaço
circulante da produção de sentido dos discursos integralistas no pós-1930 8 Possui trabalhos como: Religião e Sociedade: identidades ou singularidades?;Marianos
Recatequizando Pernambuco; Mercado e Religião na América latina. 9 Era graduado em Filosofia pela Gonzaga University (1963), mestre em História pela Loyola
University of Los Angeles (1968) e doutor em História pela CatholicUniversityofAmerica (1974). Norte-
americano, entrou na Companhia de Jesus em 1957 e chegou à Universidade Católica de Pernambuco em
75, tendo sido Provincial do Nordeste de 96 a 2001. 10
Entre seus trabalhos encontramos: A Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica no Recife:
uma atuação religiosa, política e social, Repercussões da romanização da Igreja nos anos iniciais da
Universidade Católica de Pernambuco e Nascida do coração da Igreja no centro do Recife: Universidade
Católica de Pernambuco, 70 anos de educação superior católica.
23
2. CAPÍTULO 1: O LUGAR DO COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA
Entendemos que o CMN, como um dos muitos outros, posicionou-se como
legítimo porta-voz da visão de mundo católico cujo aparente objetivo final, naquele
momento, de seu conjunto de esforços era sacralizar a política, segundo apontam nossos
documentos. Contudo, ao encararmos o CMN como um espaço de produção destes
discursos de recristianização da política, precisamos estudar também as relações sócias,
econômicas e culturais mantidas pelo colégio, assim como as questões que envolvem
essas esferas. Foi então que percebemos que os discursos produzidos pelos sujeitos que
compõem esse meio não são apenas “corpos flutuantes” (CERTEAU, 2000), são falas
que enquanto subjetivavam o seu tempo, estavam situados no seu tempo.
Além disso, não podemos entendê-lo puro e simples como ambiente que produz,
pois, ao estar situado num determinado contexto social, econômico, político e cultural
ele acaba por se submeter a imposições deste contexto, assim como se liga aos
privilégios que estão enraizados em cada particularidade. Afinal, que instituições
formaram o sujeito? Quais têm relação direta com sua visão de mundo? É, pois,
impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função do
qual ele se organiza silenciosamente (CERTEAU, 2000), ou se pensar no discurso,
única e exclusiva pela sua fala, sem analisar de suas práticas, e vice versa.
Desta forma os principais debates em que os agentes do CMN se envolveram, ou
que eram recorrentes no período histórico que estudamos estão presentes neste capítulo
com o intuito de dar o primeiro passo em situar as práticas cotidianas da educação
jesuíta recifense ao contexto ideológico a que se vincula, tentando determinar qual o
papel desta instituição num campo político que abraça os ideais ditos de restauração
católica.
Veremos como os sujeitos do CMN pareciam ocupar um lugar privilegiado junto
às ordens diretivas políticas por conseguirem, através de sua capacidade discursiva,
“construir” simbolicamente um governo. E aqui me entendo fazendo apenas uma
conclusão lógica natural, daquilo que tradicionalmente não seria nenhuma novidade ao
mundo acadêmico, apenas indicando aquilo que historicamente já se tornou natural e
elementar: instituições religiosas e de ensino quase sempre ocuparam o papel de
produtoras de sentido dos tempos históricos.
24
Sendo assim, eles ocupam naturalmente um posicionamento de destaque num
“lugar social” carregado de pressupostos, ao se colocarem na defesa daqueles interesses
políticos e da estrutura a que estão vinculadas, e acabando por colocar em risco a lógica
de qualquer sistema de governo que tendam a negligenciá-las, uma vez que um governo
muitas vezes necessita do apoio de um capital simbólico para legitimá-lo.
Usamos, neste capítulo, documentações como encíclicas papais publicadas desde
o Pontificado do Papa Pio IX ao de Pio XI, o programa de Ação Católica em D. Leme, e
uma série de documentos oficiais proclamados pela Igreja com o intuito de neles,
encontramos as pistas iniciais dos interesses confluentes que permitiram a aproximação
dos dirigentes da dita república laica a segmentos que de inicio poderiam parecer
antagônicos.
Ao analisarmos o CMN, levamos em consideração também sua condição de
vinculo a uma instituição secular que por maiores contradições que possam existir
internamente, acaba trazendo consigo uma serie de posicionamentos previamente
estabelecidos por um ordenamento hierárquico que, segundo encontramos nos diários,
era obedecido. Especialmente pela força do movimento de Romanização no Recife, ao
menos em relação aos Jesuítas, referendamos documentos romanos em nosso texto, que
em sua maioria não se tratam especificamente do caso pernambucano, mas que parecem
ter sido, ao estudarmos nossas fontes, inspiração para uma série de ações no Colégio
Nóbrega.
Um ótimo exemplo introdutório é a carta encíclica Syllabus, que foi elaborada
por uma comissão de cardeais, possuindo 80 proposições reunindo condenações que o
Papa Pio IX já havia feito em vários escritos. Nele, que foi escrito na metade do século
XIX, encontramos posicionamentos claros e objetivos de afirmações que oficialmente
eram considerados “Erros destes tempos”, que tocaram nos mais diversos assuntos,
consolidando o posicionamento da Igreja em debates que se tornaram comuns mais
tarde, no fim do século XIX e início do XX:
18. O protestantismo nada mais é do que uma forma diferente da mesma
verdadeira religião cristã, e nesta, como na Igreja Católica, é possível agradar
a Deus.
45. Todo regime de escolas públicas nas quais se educa a juventude de
qualquer estado cristão, feita exceção apenas de algum modo aos
seminaristas diocesanos, pode e deve ser atribuída à autoridade civil, de tal
modo que não seja reconhecido a qualquer outra autoridade nenhum direito
de imiscuir-se na organização as escolas, no regulamento dos estudos, nas
colações de graus e nas escolhas e aprovações dos professores.
25
47. A condição ideal da sociedade civil requer que as escolas populares – que
estão abertas a todas as crianças de qualquer classe popular, e dos institutos
públicos em geral, destinados ao ensinamento das letras e disciplinas mais
rigorosas e aos cuidados da educação da juventude – sejam esvaziados de
toda autoridade, força de regulamentação e ingerência da Igreja, sendo
submetidas ao inteiro controle da autoridade civil e política, segundo o
beneplácito dos soberanos e em conformidade com as opiniões comuns do
tempo.
49. Os católicos podem aceitar aquele sistema de educação da juventude que
seja separado da fé católica e do poder da Igreja, e que diga respeito somente,
de modo exclusivo ou ao menos primário, ao conhecimento das coisas
naturais e aos âmbitos da vida social terrena.
55. A Igreja deve ser separada do Estado e o Estado da Igreja
66. O sacramento do matrimônio outra coisa não é do que elemento acessório
ao contrato e deste separável, e o sacramento consiste apenas numa benção
nupcial.
67. Por direito natural o vínculo do matrimônio não é indissolúvel, e em
diversos casos o divórcios pode ser sancionado pela autoridade civil.
68. A Igreja não tem o poder de introduzir impedimentos dirimentes no
matrimônio, mas tal poder compete à autoridade civil, da qual devem ser
removidos os impedimentos existentes.
73. Um verdadeiro matrimônio pode subsistir apenas sustentado pelo contrato
civil, sendo falso que o contrato de matrimônio entre cristãos seja sempre o
sacramento, ou que o contrato é nulo se for excluído o sacramento
74. As causas matrimoniais e os esponsais por sua própria natureza dizem
respeito ao foro civil. (IGREJA CATÓLICA, 1846)
Com o intuito de compreender os trabalhos desenvolvidos no Recife pelos
Jesuítas no CMN, nossas análises começam com a Encíclica Rerum novarum no
exercício do magistério divino a ele confiado, por ter sido sob seu impulso que nasceu
uma verdadeira ciência social católica. A partir daí foram surgindo por toda a parte e
cada vez mais numerosas as associações, fundadas segundo os conselhos e diretivas da
Igreja e ordinariamente sob a direção do clero de mútuo socorro aos mais diversos
estratos sociais, inclusive para operários (LEÃO XIII, 1891).
Em seguida, o Papa Pio X, trouxe grande influência aos trabalhos desenvolvidos
em grande parte do Nordeste após o seu Pontificado. Aqui, precisamos destacar seu
papel como uma das grandes inspirações à formulação das estratégias posteriormente
desenvolvidas por D. Sebastião Leme. Citado várias vezes pelo próprio clérigo, ele
encontra no Sumo Pontífice grandes inspirações em relação ao ensino da doutrina cristã,
além de percebemos grandes confluências em relação ao modo de ensino da doutrina
através do catecismo de adultos (auxiliado pelos leigos quando necessário), e da enorme
necessidade da construção de escolas ligadas a este propósito. Por isso, algumas
encíclicas do Prelado, ganham destaque em nosso texto.
Considerado o marco inicial dos trabalhos da ação católica desenvolvidas em
Pernambuco, a Carta Pastoral de 1916, escrita por D. Sebastião Leme da Siqueira
26
Cintra, saudando a diocese de Olinda, será supracitada nesta pesquisa, pela relação de
proximidade que os Jesuítas do Nóbrega possuíam com ele e o apoio completo que
forneciam a seus projetos.
A partir disso, analisaremos primeiramente os mais fortes posicionamentos
oficiais da Igreja com as quais o colégio, segundo nossa documentação, compactua,
visando encontrar neles, os fios condutores que levaram uma ligação entre as
comunidades eclesiásticas e os leigos, para que através deles ocorresse uma ligação, a
primeira vista improvável, entre Igreja e Estado Laico.
Delimitando mais este recorte espacial, trazendo-o a realidade brasileira iremos
notar a série de reafirmações destes dispositivos nas posteriores pastorais coletivas e
especificamente em Recife através do programa de Ação Católica.
A validade da Ação Católica em seu estreitamento de laços políticos e da
eficiência na incorporação do apostolado leigo, nos trabalhos iniciados na Arquidiocese
de Olinda e Recife é reconhecida mais tarde pelo Papa Pio XI em carta ao clérigo
Sebastião Leme
Estamos convencidos de que a Ação Católica é uma grande graça de Deus
para os fiéis que são chamados a colaborar mais estreitamente com a
hierarquia eclesiástica, com os bispos e os sacerdotes, que irá sempre
encontrar pessoas dispostas nas fileiras da Ação Católica para ajudá-los de
forma eficaz na sua tarefa sagrada diária. Na verdade, quem não vê que,
mesmo nos países católicos, o número de sacerdotes é insuficiente para dar a
todos os fiéis a assistência necessária? (PIO XI, 1935)
Sua validade não foi reconhecida apenas pelo auxílio ao clero, mas pela forma
como ampliou e ordenou estes trabalhos, coordenando este reforço de forma estratégica
a alcançar os mais variados setores, convencendo-os através do auxílio mútuo – e ainda
sim numa relativa harmônico no convívio com os outras esferas sociais para defender
seus interesses, o que até a década de 30 vai consolidar o trabalho da Igreja com as
associações leigas:
Deve também reconhecer que as associações nascentes não só vivem em
perfeita harmonia, mas também ser devidamente coordenada em unidade
orgânica mais perto e mais; associações da paróquia, a diocese eo Conselho
Nacional de Diretores estão unidos e conectados. Como membros de um só
corpo, como as coortes de um exército invencível. Forças da União, não
espalhar; não um concurso ocasional funciona, mas ordenada colaboração
para o bem comum; sem compressão da floração espontânea de associações
individuais, mas o desenvolvimento dos partidos e forças, para que a
dignidade e beleza, em uns componentes orgânicos complexos, brilhar em
todo o corpo. Seria, portanto, um erro e um dano grave se paróquias ou
27
dioceses surgir associações de fiéis com fins semelhantes aos da Católica,
mas completamente independentes e de forma coordenada para a Acção
Católica, ou pior, entrando em conflito com ele. Os benefícios especiais, ou
limitada a um pequeno círculo de fiéis de tais associações permanecem
completamente eliminados do dano que causaria com dispersa e quebrar e,
por vezes, colocá-los em uma colisão entre as forças católicas; estes, como
dito acima, nos tempos atuais deve ser acordado e associados, sob a
orientação dos Pastores, para o benefício da Igreja. (PIO XI, 1935)
O Programa de Ação Católico, oficialmente só ganha esta roupagem na década
de 1930. Todavia, como já demonstramos através de nossos destaques historiográficos,
e pelos indicativos de nossa documentação, os projetos de recristianização e
recatolização no Recife dentro da Ação Católica são muito anteriores aos anos 30,
tendo de fato por marco inicial o apostolado de D. Sebastião Leme, em 1916, com a
publicação da Carta Pastoral de saudação.
2.1. Em defesa da moral e dos bons costumes
Em referência aos costumes da modernidade, tanto os de cunho moral quanto os
advindos com o saber científico, disse o Papa Pio XI: “Somente uma rígida disciplina
dos costumes, energicamente apoiada pela autoridade pública, poderia ter afastado ou
mesmo prevenido tão graves inconvenientes” (PIO XI, 1931). Esta lógica utilizada por
Pio XI, tem aplicabilidade especial no Brasil pós-império, onde pelo seu contexto de
militantismo combinado a de hierarquia e de elites, faz parecer que as únicas
alternativas viáveis de projetos pensados pelo catolicismo só alcançariam eficácia se
formulados e dirigidos sempre de cima para baixo (GONÇALVES, 2008).
Contudo, as hierarquias católicas não podiam atuar isoladamente, num sistema
de cunho ditatorial, pois, elas foram construídas por meio de uma ação conjunta dos
mais variados setores sociais que apoiavam a intelectualidade. Isso significa dizer, que
suas ações de cunho hegemônico, não necessariamente, impunham seus preceitos
usando os mecanismos legais do Estado absolutamente. O poder simbólico das mais
variadas esferas que compunham a estrutura social, em sua maior parte, se mostraram
eficientes a esse propósito (ANDRADE; ALMEIDA, 2001).
Segundo o historiador Walter Valdevino do Amaral, nas primeiras décadas do
século XX, a modernidade urbana vivida pela elite recifense longe de se chocar com o
catolicismo, confluiria quando o assunto era reordenar e disciplinar a sociedade. Essas
elites queriam constantemente delimitar seus espaços sociais e estabelecer modelos de
28
comportamento e família, além de criar referências que as diferenciassem de outros
setores da sociedade (AMARAL, 2012).
Ocorre uma hierarquização dos costumes, trazendo um correto “modo de ser”,
extremamente ligado ao movimento de “boa imprensa”, principal instrumento de
comunicação com as massas. Apoiado pela Ação Católica, esse movimento era de
extrema relevância, pois, “ao pé da escola, o apostolado moderno toparia com a
imprensa”, porque eles não eram apenas folhas de tinta, eram “o livro do operário e do
burguês” (NERY, 1933. pg. 92) perpassando pelos mais diversos espaços.
Ainda segundo Walter Amaral, naquele período, muitos esforços da Igreja se
intensificaram com o intuito de criação de uma imprensa que estivesse a serviço da
defesa da moral, da ética e da fé cristã. De forma que a comunidade católica começou a
difundir e preservar um jornalismo que defendesse uma “verdade católica” (a boa
imprensa), para que ela fosse usada em combate a um jornalismo que a cada dia mais
difundisse a “irreligião” e a “imoralidade” (má imprensa) (AMARAL, 2012).
Sabe-se por exemplo que a sensualidade ameaça arruinar a constituição
juvenil dos estudantes; torna-los membros raquíticos, definhados, inúteis à
sociedade e a privar a nossa pátria de seus filhos, levando-os a senilidade
precoce. A esse inimigo nacional a nossa Liga declara guerra de morte,
procurando premunir os seus membros contra ele por muitos modos.
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1924-1927. pg.45)
Foi por causa desse pensamento que em janeiro de 1910 foi criado o Centro da
Boa Imprensa. Aprovado pelo Cardeal Arcoverde e pelo episcopado brasileiro, possuía
entre as finalidades de seu estatuto, a de “favorecer a fundação e manutenção de bons
jornais e revistas. Formar jornalistas e escritores; amparar jornalistas católicos na
indigência” (SOARES, 1988. pg. 186 apud AMARAL, 2012).
Logo após, no Congresso dos Jornalistas Católicos, foi criada a Liga da Boa Imprensa,
que tinha como principal função o auxílio financeiro e administrativo do Centro da Boa
Imprensa. Nela, grupos de católicos deveriam contribuir mensalmente com a quantia de
dez mil réis.
Isso ocorria porque os periódicos católicos representavam muito mais que um
projeto de comunicação social, pois se havia percebido que o jornalismo influía na
consciência de parte da sociedade urbana no século XX. Logo, era imprescindível a
organização de jornais e revistas que compactuassem com o modo de ser católico. Fato
29
que resultou, ainda em 1913, num total de 140 publicações periódicas, segundo dado
estatístico encontrado por Walter Amaral em seus estudos.
A partir disso, um conjunto de ações solicita que instituições primárias de ensino
incentivassem a formação de jornalistas, muitas das quais com o tempo evoluíram,
tornando-se elas próprias instituições superiores de formação de jornalistas. O que
torna mais explícito o Programa de Ação Católica: “é necessário ir mais adiante, criar e
sustentar a imprensa católica” (NERY, 1933. pg. 93) e criar “uma escola formadora de
jornalistas” (NERY, 1933. pg. 94).
Sendo a imprensa usada como difusora da verdade católica, alguns debates
calorosos na imprensa sobre o ensino entre liberais e católicos são citados em vários
livros. Um dos argumentos que nos chama atenção nesse momento é a referência ao
constante crescimento dos índices de criminalidade, atribuindo isto a falta da disciplina
e da moral, antes fornecida pelos clérigos, e falta da formação na escola de uma
instrução corretiva dentro da religião católica (CARVALHO, 2007).
A “boa imprensa”, além de difusora da verdade católica, justificava e blindava a
moral dos agentes da Igreja, por esse motivo a proximidade direta entre produtores da
imprensa e os sujeitos das mais diversas comunidades eclesiásticas tomaram um papel
estratégico na ação católica nos espaços urbanos, tornando-se “usufrutuários de
vantagens sociais” (GONÇALVES, 2008. pg. 73).
Essa justificativa ia além dos jornais católicos, aqui em Recife a lógica de
“Contra a Imprensa, Imprensa” usadas nos estudos de Walter Valdevino, chega não só à
imprensa católica como aos jornais seculares. Nos recortes de nossa pesquisa, seus
estudos foram usados em especial para cobrir os ataques relacionados à venda do
Palácio da Soledade11
à Companhia de Jesus.
De toda a Imprensa local, apenas o ‘Jornal do Recife’ se atreveu a censurar
ligeiramente o Arcebispo por ter cedido o seu Palácio aos Jesuítas; mas
vendo-se só sua lucta, depressa se calou. E mais tarde todos os jornaes do
Recife se recusaram a aceitar contra o Arcebispo e contra nós, de modo que
os maçons se viram obrigados a crear um jornaleco em Pau d’Alho, por nome
Radical, para extravasarem a sua bílis. (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-
1929 p. 08)
Alguns anos mais tarde, o Jornal da Noite publicou uma matéria criticando a
venda do Palácio da Soledade aos Jesuítas, e algumas discussões voltaram sobre a
11
Anexo D.
30
questão, a qual, segundo alguns autores foram um dos principais motivos a por em crise
o apostolado de D. Leme na Arquidiocese de Olinda e Recife.
14/06/1921 – “O Jornal a Noite[?] publicou uma carta do Conego[?] Azevedo
censurando a _________[?], pelo Arcebispo, aos Padres Jesuítas do Palácio
da Soledade, protesta e diz que Palácio tem de voltar para a ________[?]. O
jornal ___________[?] a _______[?] do Conego e levanta contra o Sr.
Arcebispo numa campanha nesse sentido. A imprensa unanimemente não
______[?] parte e alguns, como o Diário de Pernambuco e o Jornal do
Comercio escreveriam algo de _______[?] para os Jesuítas. (DIÁRIO DE
FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 135)
Esta publicação a qual se referiu o diário de Nóbrega foi respondida em nota
publicada no Jornal do Comércio no exemplar do dia seguinte:
O Palácio archiapiscopal – Remette-nos o Padre João Baptista Golçalves
diretor do Collegio Nóbrega: ‘A directoria do Collegio Nóbrega roga a v.
exc. A fineza de mandar publicar no seu conceituado jornal o seguinte, em
referência ao editorial d’’A Noite’ do dia 13 do corrente, favor pelo qual se
confessa desde já agradecida:
1) Os Jesuítas não cogitam nunca em negociar com firma alguma
conhecida, ou desconhecida, qualquer parcela do terreno da chacara do
Palacio da Soledade;
2) Quando os Jesuítas entraram em posse do referido Palácio, não
encontramos nele, nem na Capella, quadros alguns, ou objectos
artísticos;
3) Da biblioteca do Palacio archiapiscopal nenhum livro passou ao uso dos
Jesuítas;
4) Os Jesuítas não se apossaram do Palacio da Soledade com altivez ou em
represalia de quaesquer factos precedentes: encontraram na posse dele
mediante prévio contracto, e pelo preço estipulado. (JORNAL DO
COMÉRCIO, 15/06/1921)
Poucos dias depois, em 18 de junho de 1921, outra opinião foi emitida em
matéria publicada ainda sobre o assunto. Intitulada “A venda do palácio da Soledade”,
ela traz argumentos defendendo a moral jesuíta, de D. Leme e mostrando como a
aquisição do palácio pela Companhia de Jesus só beneficiou os recifenses, quão injusta
e anacrônica é a “campanha” agitada naquele momento contra eles.
Em primeiro lugar falou-se do inoportuno momento da oposição à compra da
propriedade, pois a venda já tinha sido realizado há quatro anos, não ocorrendo na época
nenhum protesto significativo. Portanto, contraditoriamente eram “protestos violentos
por parte daquelles mesmos que a nada se oppuzeram, dando-lhe pelo contrário, o seu
assentimento”. Em segundo, expôs-se a legitimidade da aquisição, acordada a quantia
de 300 contos de réis pelo bem (JORNAL DO COMÉRCIO, 18/06/1921).
31
Depois, mostrou-se como a capital pernambucana só teve a lucrar com o
negócio, pois ganhou um “collegio onde o ensino é ministrado com solicitude e
dedicação”, por isso o argumento de “suposta revolta da consciência católica” não se
sustentava, uma vez que a propriedade não foi utilizada como “sede de qualquer clube
profano, onde as jogatinas e a orgia desrespeitassem a antiga residência dos bispos desta
diocese”, porém o oposto ocorreu, lá “funciona uma casa de instrucção, e de instrucção
religiosa entregue a sacerdotes competentes e do mesmo credo” (JORNAL DO
COMÉRCIO, 18/06/1921). Isso significava a:
(…) maior prova de que a familia pernambucana se encontra satisfeitíssima
está no prestígio de que tem cercado os jesuítas, confiando-lhe os filhos para
o ensino, de modo que ultrapassa de 500 o numero de crianças cursando o
estabelecimento. (JORNAL DO COMÉRCIO, 18/06/1921)
A manutenção da moral dos Jesuítas e de tantos outros ligados à Igreja era
necessária por serem eles primeiros anunciadores da verdade católica. E foi assim que
terminou aquela reportagem, com ares de revolta pronunciando o quão inaceitável eram
os ataques aos Jesuítas e a figura de D. Sebastião Leme pelo posicionamento sagrado
que eles ocupavam, os quais falavam sempre da boca do próprio cristo.
Através da imprensa secular, também muitos setores da Igreja, inclusive os
Jesuítas do Nóbrega, davam um maior alcance aos trabalhos desenvolvidos, como, por
exemplo, as comemorações do Mês Mariano, que possuíam missas diárias na Capela do
Palácio da Soledade12
.
Ademais, encontramos sinais sutis no Jornal de Comércio do Recife como, por
exemplo, o aumento da coluna de Seção Religiosa, que no início da década de 20 não
chegava a 1/16 por página, dividida com outros credos, passando em meados da mesma
década a grandes colunas de mais de 1/3 da página, praticamente restrita à Igreja
Católica, utilizadas, inclusive, para as publicações das cartas pastorais do Bispo,
chegando a mais de uma página nessas ocasiões.
Além de algumas publicações sobre a “impossibilidade moral” de alguns agentes
públicos de exercerem funções de chefia, inclusive no exército, embora que não nos
deteremos ao assunto por não ser o foco principal desta pesquisa, apontamos isso como
demonstração de grandes espaços de disputas, resultando em vitórias simbólicas
significativas do catolicismo.
12
Anexos E e G.
32
Voltando a ideia da existência de uma verdade católica, nesse período ela tinha
como primeiro alvo a recristianização da família, sendo esta uma prioridade da Igreja
que mobilizou ações conjuntas e interligadas. Isso ocorria por ser ela a semente da
sociedade, na qual se encontravam as bases da formação dos sujeitos. Note-se que aqui,
a família ganha uma nova configuração, passando do formato patriarcal de clã das
sociedades rurais para a família patriarcal nuclear (pai, mãe e filhos) dos centros
urbanos.
Sendo assim, a primeira proteção devia ser dada a esse modelo de família
ameaçada pelas lutas a favor do divórcio. Posicionamento que era totalmente contrário
ao defendido pela Igreja, seja em suas esferas locais ou internacionais, que mantinha
posicionamento enfático durante nas primeiras décadas do século XX.
(…) sua [do casamento] consequência primária é a indissolubilidade. Os que
se casam deviam meditar bem estas palavras: o matrimônio não é só
felicidade, mas responsabilidade. Antes dele, é o direito de se amarem,
homem e mulher; depois de contraído é o dever de se amarem os cônjuges.
(NERY, 1933. pg. 80) (grifos originais)
Além disso é direito inalienável da Igreja, e simultaneamente seu dever
indispensável vigiar por toda a educação de seus filhos, os fiéis, em qualquer
instituição, quer pública quer particular, não só no atinente ao ensino aí
ministrado, mas em qualquer outra disciplina ou disposição, enquanto estão
relacionadas com a religião e a moral. (PIO XI, 1937)
Nesse modelo de família nuclear protegida pelo catolicismo se pautava nas
formas de distinção baseadas no papel das mulheres, que segundo o Historiador Walter
Amaral, passaram a ter uma nova identidade e um papel definido, promovendo-se, em
certa medida, uma inclusão social feminina. (AMARAL, 2012).
Embora, as mulheres, passassem a figurar como beneméritas, religiosas,
educadoras e protetoras dos pobres, tornando-se participantes assíduas de atividades
culturais e religiosas beneficentes, não deixaram, por isso, de serem alvos constantes da
rígida disciplina para que as tentações vindas através do cinema e da moda, nas classes
mais abastadas, principalmente, as advindas dos contatos com homens nas fábricas, para
aquelas das classes mais baixas, não as desviassem de seus papeis de imaculadas mães
de família. Isso pode ser observado no seguinte trecho:
Sentimo-Nos horrorizados ao pensar nos gravíssimos perigos a que estão
expostos nas fábricas modernas os costumes dos operários (sobre tudo
jovens) e o pudor das mulheres e donzelas. (PIO XI, 1931)
33
Por muitas delas não terem acesso à educação formal, um dos principais veículos
de doutrinamento dessas mulheres eram aqueles periódicos católicos que circulavam na
época. Grandes receptoras dessa modalidade de imprensa, um grande número de
revistas especializadas no público feminino começaram a surgir.
Mais que receptoras, as mulheres também acabaram por se tornarem grandes
fomentadoras desses projetos, pois trabalhavam como arrecadadoras de assinaturas,
chegando em 1919 a Ação Católica Feminina apresentarem 708 assinaturas da revista A
Tribuna ao Arcebispo. (AMARAL, 2012)
Portanto, caberia à boa imprensa difundir um modelo de moral pré-estabelecido
pela Igreja e às elites tanto nas esferas domésticas quanto nas públicas, desestimulando
o consumo daquilo produzido pela má imprensa, para que esta não infectasse a
sociedade com maus costumes, pois era “O dever do católico deante dos abusos é não
assinar tais folhas, nem compra-lás, (…) não consentir que seus subalternos e amigos a
retenham.” (NERY, 1933. pg. 92).
2.2. Relação entre ricos e pobres
Trazendo um individualismo mais centrado no homem e uma progressiva
adaptação às novas formas de interação social, o século XX faz com que a Igreja precise
adaptar os mais diferentes princípios articulando-os num todo orgânico. Neste período,
também existia uma resistência em se abandonar o lugar central que a sociedade
colocava a igreja, haja vista que a partir de então, tanto a ordem vigente pela ideologia
liberal, quanto à alternativa proposta pelos socialistas e comunistas, eram prejudiciais à
instituição. (CAMACHO, 1995).
Defendendo a ideia de que para o comum exercício da economia, uns deveriam
contribuir com o capital, outros com o trabalho; no tópico intitulado “Não luta, mas
concórdia das classes”, a Igreja, manifestada pela encíclica de Leão XIII, tenta
estabelecer seu papel de maior conciliadora dos conflitos sociais.
O primeiro princípio a pôr em evidência, é que o homem deve aceitar com
paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam
elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas;
mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente que
estabeleceu entre os homens diferenças tão múltiplas quanto profundas;
diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força;
diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das
34
condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos,
tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um
organismo muito variado e funções muito diversas. (LEÃO XIII, 1891.
pg.18)
Entretanto, vários grupos questionavam a ordem social e queriam uma
flexibilização dela, o que deu margem a uma série de “novas” doutrinas que pretendiam
abolir a propriedade privada (CAMACHO 1995). Mas a Igreja estava inserida numa
corrente que a defende, mostrando que o fim da propriedade só fere o direito natural de
quem se tenta socorrer. (LEÃO XIII, 1891)
O que pretendemos destacar aqui é o posicionamento de defesa à ordem natural
adotado pela Igreja, que incentivava o auxílio mútuo entre os cristãos através da criação
de associações, pois a ordem natural é irmão auxiliando irmão, contribuindo, assim,
para o nascimento de uma sociedade civil com o auxílio mútuo dos seus pares. Tanto
profissionais liberais quanto empresários, assim como os operários (LEÃO XIII, 1891)
tinham o direito, segundo a Igreja, de criar associações e aquilo que hoje conhecemos
como sindicatos:
(…) não certamente por preconceitos ideológicos nem por uma mentalidade
de classe, mas porque o associar-se é um direito natural do ser humano e
portanto, anterior à sua integração na sociedade política. De fato, “o Estado
não pode proibir a sua formação, por que ele deve tutelar os direitos naturais,
não destruí-los. Impedindo tais associações, ele contradiz-se a si mesmo.
(LEÃO XIII, 1891)
Diante do quadro, a Igreja se vê obrigada a criar sindicatos “neutros” (LEÃO
XIII, 1891) para acompanhar as reivindicações dos trabalhadores, ao mesmo tempo que
não se indispõe com a classe dominante vigente. Assim, a Igreja em seu papel
conciliador, estabelece a “Tríplice relação do salário”, que seria aquela na qual se deve
considerar: o sustento do operário e da família (mulher e filhos); a situação da empresa
(não se pode pôr em perigo o lucro da empresa de forma que ela possa fechar) e as
exigências do bem comum (não se pode pôr em risco a economia pública). (PIO XI,
1931)
Segundo Leão XIII, com a Rerum Novarum, que precisou lidar com o socialismo
e o liberalismo, Pio XI com a Quadragesimo Anno, e lidar com um movimento social
emergente, a solução definitiva para acabar com os conflitos e lutas de classe seria a
caridade, pois esta findaria com o ódio e o despeito do pobre.
35
Não sendo uma obrigação legal que deveria ser exigida em tribunais de Justiça, a
caridade era uma obrigação instituída pelo próprio Deus. Sendo assim, não caberia ao
Estado mediá-la, mas à Igreja no exercício de suas competências de representante da
divindade. Dessa forma, se restabeleceria uma harmonia entre as diferentes classes, uma
vez que a raiz dos males da sociedade moderna foi o abandono dos princípios cristãos
(CAMACHO, 1995).
É dentro deste contexto de separação imposta pelo direito natural que a educação
se localiza. Uma vez da impossibilidade de uma educação “amoral” ou neutra, a divisão
social existia e a educação deveria adaptar-se a esta divisão, sendo assim, somente a
Igreja poderia fornecer às crianças a oportunidade de crescimento dentro de sua
realidade, além de estar o ensino religioso nas escolas como um apaziguador dos
conflitos sociais.
Quanto a Igreja, ela recebeu a missão de ensinar da própria boca do Cristo.
(…) Daí o interesse que tem para todos os católicos a introdução do ensino
religioso nas escolas e por conseguinte a obrigação do apostolo leigo de
promover esta reivindicação todas as vezes que houver ocasião para tal. (…)
Amputar o ensino religioso nas escolas é mutilar o homem (…) a educação
amoral, conveniente apenas aos animais irracionais ofende a natureza livre e
moral do homem. (NERY, 1933. pg. 88)
Nota-se que uma educação dualista era mantida entre secundário e ensino
superior contra primário e profissionalizante, no qual o discurso do Estado estava em
fornecer uma educação para todos, “ricos e pobres”. Apoiado pela Igreja, que afirmava
que esse tipo de educação visava atender a demanda socioeconômica das massas, que
era diferente das elites, pois esta era formada para o trabalho, o qual as dignificaria, ao
contrário da igualdade de ensino e a “aristocratização das massas” que criariam um
“proletário de intelectuais sem trabalho”. (ANDRADE; ALMEIDA, 2001) A
legitimação do regime nas massas, logo, efetuou-se através da aliança entre Igreja e
Estado, apoiada em um sistema de representações dos quais os valores católicos se
faziam presentes. Essas relações entre campo religioso e o campo de poder político, a
ordem simbólica assegura e legitima a ordem imposta.
Os espaços escolares, oficiais ou não, se destacavam dentro dos projetos da
Igreja recifense, pois se dariam através delas a manutenção desta ordem específica
apoiada pela restauração católica.
36
Para alcançarmos a sua importância basta refletirmos que nella passam longo
tempo os meninos. Bem orientada, desempenha papel nobilíssimo; infiltrada
de máu espirito, torna-se um fóco de infecção para a vida popular. É
evidente, por isso mesmo, que o Episcopado e o Clero não se podem
desinteressar pelos destinos da escola. Trairíamos a nossa missão de pastores.
Official ou não, a escola não pode prescindir do ensino cristão. (LEME,
1916)
O que não impede o sustento da existente divisão entre ricos e pobres,
perpetuada pela própria educação. Mesmo a educação popular deveria ficar a encargo
da Igreja, pois ela já seria tradicionalmente a responsável por isto.
Paul Barbier, em seu estudo sobre o assumpto, mostra como devemos nunca
perder de vista a consideração preciosa de que as escolas populares e
gratuitas, hoje a cargo de governos e municípios, são de instituições
puramente Ecclesiastica. Quando em instrucção popular nem de longe
pensavam os governos, já à sombra das cathedraes e dos presbyterios
floresciam as escolas populares da Igreja. Reconhecem-na os próprios
adversários do Christianismo. Augusto Conte escreveu: O catolicismo foi o
mais eficaz promotor do desenvolvimento popular da intelligencia humana.
(LEME, 1916)
Em tópico especial da carta pastoral D. Leme fala sobre as pregações, e como
elas são feitas de forma errada. Nelas, os padres deveriam aproveitar a oportunidade e
ir além da pregação, pois era necessário que houvesse “ensinamento”, já que
representavam oportunidades que deveriam ser aproveitadas para o doutrinamento das
massas. (LEME, 1916)
Sendo assim, em Recife, projetos mais específicos foram criados para educação
dos mais desfavorecidos, desde a educação escolar formal, através de cursos técnicos
oferecidos de forma gratuita, especialmente desenvolvidos pela ordem dos Salesianos
na República Velha (ARAÚJO e SANTOS, 2013). Contudo, os Jesuítas só se
ofereceram cursos dessa natureza apenas no fim da década de 20 (CONSULTAS, 1917-
1943), dedicando-se com mais ímpeto ao magistério social através de trabalhos externos
de catequese nos bairros mais pobres do Recife (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-
1929).
Quando falamos do convívio entre as classes mais abastadas e os setores mais
pobres da sociedade Brasileira pós-escravocrata do início do século XX, muito antes da
relação entre burguesia e classe operária, não podemos deixar de citar o quase que
intrínseco apartheid, que delimitava aqueles que pertenciam a este ou aquele espaço
usando como único critério a cor da pele.
37
O Colégio Manuel da Nóbrega, de acordo com nossos registros, fazia parte de
uma rede de colégios implantados pelos Jesuítas no Brasil naquele período. Estes
colégios eram constantemente supervisionados pelas mais diferentes escalas
hierárquicas de “superiores de missão” de forma que as decisões tomadas estavam quase
sempre interligadas a cadeia de comando responsável. No Colégio do Recife aconteciam
uma série de assembleias, intituladas, segundo a documentação investigada, de
“consultas”, nas quais “consultores” decidiam sobre os mais diversos assuntos que
envolviam o cotidiano do Colégio, em particular, e as vezes o de outros centros da
Companhia de Jesus.
Neste momento, gostaríamos de destaque uma determinada consulta ocorrida no
Nóbrega que discutia sobre a necessidade de aceitação de negros em um colégio da
Companhia no Ceará:
“Consulta do dia 20 de fevereiro (ano de 1927) ________[?] fazer pelo R. P.
Superior da Missão, para tratar se devia ser admittida gente de cor em
Baturité, ou, pelo contrário, se se devia negar-lhe a admissão.
Todos os CC concordaram que a face do Leste[?], facto não se podia
admittir uma tal exceção; que, portanto se devia suprimir, no prospecto
de Baturité, aquela clausula exclusiva, que só serveria para nos tornar
odiosos num paiz, onde entre o clero secular, ha sacerdotes não só mulatos,
mas de cor e feições __________[?] africanas.
Os NN de França admittem na Companhia de Melgaches[?], que afinal não
______[?] muito dos africanos quanto as cores e feições.Na prática, caso
haja inconveniente em admitir os que se apresentam, existem muitos meios
de se lhe negar a admissão sem recorrermos a uma excepção estabelecida
como um princípio[?] de direito na legislação da Missão Lusitana do Norte
do Brasil. (CONSULTAS, p. 167) (grifos nossos)
Confirma-se, assim, como esse colégio é um ótimo exemplo para análise dos
elementos de produção de um discurso, com a qual podemos ao menos ensaiar algumas
especulações básicas, como, por exemplo, a percepção de que existia uma mudança
paradigmática no cenário pós-sociedade escravocrata, onde mudanças reveladas
aconteciam, mas que montando-se um discurso inclusivo apenas de fachada que velava
outro exercício, no qual “Na prática (...) existem muitos meios de se lhe negar a
admissão”.
Fugindo da lógica que circundava as novas repúblicas europeias, as quais viam
no catolicismo uma ameaça a um “novo iluminismo”. A Companhia de Jesus não
significava mais um lugar social benéfico àquela dinâmica, tão pouco seus agentes
puderam permanecer junto àqueles que ocupavam um espaço de poder em Portugal.
Entretanto, aqui no Recife, eles puderam não só desfrutar da nossa república, como
38
conseguiram ocupar um espaço diplomático que não lhe pusesse declaradamente contra
as “evoluções de pensamento”, tampouco contra os estratos do poder a que se
associaram.
Scott Mainwaring pode nos ajudar a entender isso ao mostrar que “A fé é um
fenômeno supra-racional que se proclama pairar sobre todos os outros valores. A igreja
tem início nessa fé, mas como toda instituição, ao desenvolver interesses, então tenta
defende-los” (MAINWARING,1989. pg. 15). Embora esteja situado na sociedade, e
precise mudar, essas mudanças, ainda assim, serão direcionadas para o interesse de
expandir a influência da instituição.
Assim, concordamos com Scott quando diz que as “práticas sociais e as
identidades institucionais não se modificam porque surgem novas ideias, mas, sim,
porque o conflito social leva a uma nova maneira de se compreender a realidade”.
(MAINWARING, 1989. pg. 25)
2.3. Liberalismo, Socialismo e Comunismo
Precedidos de uma atmosfera intelectual que os deu suporte, não houve, segundo
o historiador filósofo Michel Zaidan Filho, em Pernambuco, nos meios operários
recifenses um anarco-sindicalismo ortodoxo ligado de fato aos moldes tradicionalmente
inspirados pela Revolução Russa. (ZAIDAN FILHO, 2012). Muito antes disso, “essa
atmosfera intelectual se transferiu da cena política republicana para as cátedras das
faculdades de Direto como um sopro renovador do liberalismo jurídico então
predominante” (ZAIDAN FILHO, 2012. pg. 113). Essas ideias acabaram por criar
ambientes de disputa entre polos que perpassavam pelo marxismo-leninismo,
liberalismo e por um catolicismo social.
Interessando-nos mais aqui o polo do catolicismo social, iniciamos destacando
as bases intelectivas da doutrina que serviram de embrião aos trabalhos desenvolvidos
no Recife no fim da República Velha.
Estas doutrinas foram condenadas com extrema veemência em cartas encíclicas,
como a Qui Pluribus, de 1846; Quibus quantiste, 1849; Nostiset Nobiscum, 1849;
Singulari quandam perfusi, 1854; Quanto conficiamur, 1863, entre outras. Ainda no
Pontificado de Pio IX, a preocupação eclesiástica especialmente sobre os livros que
propagavam as doutrinas,
39
Por isso dileto filho e veneráveis irmãos, não sejais cães mudos incapazes de
latir; mas de um lado com a palavra, de outro com os escritos uteis e
adequados, não cesseis de desmascarar as insídeias dos adversários, de
refutar os erros, de opor-vos corajosamente às iniciativas ímpias. Não cesseis
de retirar das mãos dos fiéis os livros danosos, obscenos e ímpios e de
advertir e estimular os fiéis a permanecer firmes cada dia mais na profissão
da religião católica e a não se deixar nunca enganar e arrastar ao erro pelos
fabricantes da mentira e pelos anunciadores de doutrinas perversas. (PIO IX.
1848, pg. 121)
Em argumento tradicionalmente usado pela Igreja para vários assuntos, ela alega
que o ideário comunista é contrário ao “direito natural” instituído por ordenança divina.
(…) apontam aqueles perversos ensinamentos sobretudo da filosofia que
enganam e corrompem miseravelmente a desprotegida juventude, fazendo-a
beber o fel do dragão no cálice da Babilônia. Essa doutrina funesta – mais do
que nunca, contrária ao direito natural – aponta para o que chamam
comunismo. (grifos nosso)(PIO IX, 1846. pg. 89)
Os mais importantes argumentos, todavia, vieram em discurso que usou uma
série lógica extremamente coerente do Papa Leão XIII, o qual demostra que o colapso
do sistema capitalista e a emergência do comunismo prejudicariam em especial o
próprio operariado, pois,
O fim imediato visado pelo trabalhador é conquistar um bem que possuirá
como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe a disposição de outrem
as suas forças e a sua indústria, não é evidentemente, por outro motivo senão
para conseguir com que possa prover ao seu sustento e às necessidades da
vida, e espera do seu trabalho, não só o direito ao salário, mais ainda um
direito estrito e rigoroso para usar dele como entender. Portanto, se reduzindo
as despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua
conservação, as emprega por exemplo, num campo, torna-se evidente que
esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno , assim
adquirido, será propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração
do seu trabalho. Mas quem vê que é precisamente nisso que consiste o direito
de propriedade mobiliária e imobiliária? Assim, esta conversa da propriedade
particular em propriedade coletiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria
outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-
lhes a livre disposição do seu salário e rouando-lhes, por isso mesmo, toda a
esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu patrimônio e
melhorarem a sua situação (LEÃO XIII, 1891. pg. 12)
Para remediar este mal (a injusta distribuição das riquezas e a miséria dos
proletários) os socialistas excitam, nos pobres, o ódio contra os ricos, e
defendem que a propriedade privada deve ser abolida, e os bens de cada
um tornem-se comuns a todos (…) mas esta teoria, além de não resolver a
questão acaba por prejudicar os próprios operários, e é até injusta por
muitos motivos, já que vai contra os direitos dos legítimos proprietários,
falseia as funções do Estado e subverte toda a ordem social (grifos nosso)
(LEÃO XIII, 1891 pg, 99)
40
O socialismo era, para eles, considerado um comunismo mitigado, mas não é por
isso, todavia, que deixa de possuir uma natureza anticristã. Segundo uma série de Papas
da época essa lógica deveria ser seguida, como posteriormente pontuou o Papa Pio XI
que “Socialismo religioso, socialismo católico são termos contraditórios: ninguém pode
ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista” (PIO XI, 1931). Dessa forma
os cristãos não podiam de forma alguma deixar de combater qualquer expressão dessa
modalidade de pensamento em nome de uma racionalidade diplomática.
Embora, essas correntes tivessem como principal inimigo o sistema capitalista,
para a Igreja o verdadeiro mal não seria o capitalismo em si, pois aquilo que provocava
as desigualdades tão discrepantes e os estados de semiescravidão era a “anarquia do
mercado” que veio com o liberalismo, trazendo “a facilidade dos lucros, que levam
muitos a darem-se ao comércio desejoso unicamente de enriquecer sem grande
trabalho”. (PIO XI, 1931). Desse modo, o liberalismo se mostrou, de um modo geral,
incapaz de resolver convenientemente a questão social (LEÃO XIII, 1891), pois ele
tirava do controle a mão forte e justa do Estado.
Essa esfera intelectual desembocou em Recife, enquanto o posicionamento
filantrópico da Igreja tentava amenizar a tensão social. Mas, embora que, em linhas
gerais, a Igreja estivesse associada à classe dominante em listas de esmolas e realizações
de festivais, nada mudou de fato a situação do operariado que teve suas mais sérias
reivindicações entre 1914-1922. (REZENDE, 2012).
Entretanto, esse posicionamento apaziguador e de caráter apenas reformista é
extremamente criticado pelos setores mais radicais da luta operária, ganhando vários
destaques em A Hora Social, ao denunciar aquilo que para eles seria uma tentativa de
harmonização entre explorados e uma classe parasitária, prejudicando, assim, de forma
catastrófica o caminho em direção à revolução (REZENDE, 2012). Dessa forma, a
solução Leonina da caridade foi criticada com veemência por vários intelectuais
socialistas e comunistas, chegando a alguns deles a solicitar aos pobres que não
aceitassem a caridade, mas que pelo contrário, se revoltassem contra ela. (ZAIDAN,
2012)
Um destaque extremamente importante que precisamos fazer é em relação ao
fato de as manifestações e as greves envolvendo o operariado recifense em sua maioria
tinha um caráter extremamente reformista e tratavam quase sempre de questões
pontuais. Além disso, em certos momentos, elas se transformaram em manifestações
generalizadas pelos altos impostos e carestia do custo de vida, porém, não se
41
transformaram mesmo assim em movimentos de caráter revolucionário (REZENDE,
2012).
No Jornal A Ordem, de apoio ao Governo de Manuel Borba, é publicado um
projeto-lei do Deputado Andrade Bezerra sobre a responsabilidade dos patrões nos
acidentes. Ele era católico defensor dos princípios da Rerum Novarum, (REZENDE,
2012) também era professor da Faculdade de Direito e mantinha estreitas relações com
os diretores e alunos do Nóbrega (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929).
Ao que parece, o envolvimento dos Jesuítas do Nóbrega se limitavam às mesmas
práticas desenvolvidas pela maioria das ordens ligadas à Igreja, promovendo em
especial séries de missas para solicitar a providência divina para “acalmar os ânimos”
em vários bairros do Recife e Olinda, tanto naqueles tradicionalmente de elite como os
de classes mais baixas (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929).
Nos relatos do CMN sobre a greve geral de 1919 que começou com os operários
da Tramways, não só a paralisação do serviço de transporte por si só interrompe a rotina
do colégio, como também o estado de violência e o caos em que se encontrava a cidade.
No mês de junho a falta de luz nas ruas e especialmente a ameaça de falta de alimentos
(DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929, pg. 89),a queima de alguns carros e
depredações na Usina Central no mês de julho (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929,
pg. 90), puseram em alerta os jesuítas que temiam especialmente a segurança dos alunos
internos.
A Força Nacional se estabeleceu no bairro da Boa Vista e, aquelas estabelecidas
no Quartel se estende da Rua do Riachuelo à Rua do Príncipe começando uma série de
operações que mudaram completamente a rotina do CMN
29/05/1922 – “Esta Manhã apareceu a rua Riachuelo ocupada militarmente
pela força federal, que esta aquartelada no quartel da Soledade. O transito
estava[?] impedido temporariamente; e os padres que chegavam ________[?]
fora eram acompanhados por praças que estavam na _________[?] _____[?]
___[?] ___[?] até os portões do colégio. Não houve aulas. A noite veio um
oficial da força observar o collegio e o ______[?], verificar[?] a[?]
possibilidade[?] de alguma agressão; pediu que vigiássemos o lado posterior
da casa para o caso de alguma invasão por este lado para atacar o quartel;
mas que em todo o caso, _____[?] maneira fazer fogo para o lado do
collegio.” (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929, pg. 151)
Com essa mudança, o antigo temor pela segurança dos alunos tornou-se mais
forte, pois o Colégio situava-se no centro das disputas, colocando o colégio numa
inevitável posição geográfica de risco.
42
30/05/1922 – “Esta madrugada por volta das 3 horas, foi o collegio alarmado
por vários tiros[?] nações[?] em frente. Os alunnos maiores levamtaram-se
________[?] fugindo para o interior. Uma bala tinha atravessado[?] o
dormitório, felizmente a altura de não ocasionar desastre[?]. Verificou-se
depois que mais balas tinham penetrado também na capella. Atribui-se o
posto/parte[?] a sentinela, medrosa[?] ter visto luz e galhos a janela,
mandando apagar as luzes, não o fizeram, então a sentinela,
____________[?], fez fez[?] para o collegio. Pela manhã o comandante veio
informar-se do que houve, lamentando o ocorrido, pedindo desculpas e
garantindo que não mais se repetiria tal fato, que só por providência especial
não teve graves consequências. (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929, pg.
152)
Embora a visita do Comandante tivesse “esclarecido” o ocorrido, não podemos
descartar a possibilidade de investidas nas redondezas da escola, uma vez que desde
1920 era comum a ocorrência de conflitos entre exército e ativistas na calada da noite,
além de não ser incomum a depredação das sedes sindicais, assim como a busca e a
prisão de líderes dos movimentos em suas casas no meio da madrugada (FRANCISCO,
2012).
Em junho de 1922 o inevitável aconteceu: “algumas famílias de alunnos
aterrorizados com boatos de futuras [?] desordens ente os partidos começaram a retirar os alunos
internos”. (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929, pg. 154)
Um dado interessante é que tanto nos movimentos iniciados 1919 e 1922, conta-
nos os relatos do Nóbrega, foram acalmados após as eleições e os partidos entrarem em
acordo.
2.4. Maçonaria
As discórdias entre maçons e católicos não são nenhuma novidade para os
estudiosos do Império. Entretanto, precisamos destacar em relação aos centros urbanos
pernambucanos da época, a existência de uma real preocupação quanto ao espaço de
poder que os maçons estavam ocupando.
Durante o fim Império e início da República percebeu-se um aumento no
“poder” dos participantes da “seita maçônica. Esse fato é interessante para nossa
discussão, porque aponta a preocupação demonstrada pela Igreja com o espaço ganho
no “poder civil” pelos integrantes. Diante disso, a igreja precisou se submeter a certas
43
ordens emanadas do poder civil, pois neste espaço estavam infiltrados elementos da
“seita”.
Na carta “Exortae inista”, sobre a maçonaria, endereçada aos Bispos do Brasil
em 29 de abril de 1876, o Papa Pio IX pretendia que chegassem ao “venerável irmão de
Olinda”, as instruções de combate dessa “perversão infiltrada nas comunidades cristãs”.
Para nós, esta carta vale como orientação do que mais tarde foi se tornando uma
das estratégias mais importantes para a Igreja no Brasil Republicano, pois neste havia
um crescente aumento de instituições leigas que representavam a atuação eclesiástica
indireta no governo laico, uma vez que o “ser católico” poderia trazer uma série de
tendências a posicionamentos que influenciariam de forma decisiva em deliberações
legislativas:.
Afinal, os leigos não foram postos como cabeça do governo eclesiástico, mas
para sua utilidade e salvação devem estar submissos aos legítimos pastores,
sendo sua função oferecer-se como ajudantes do clero para as situações
particulares, não devendo se intrometer naquelas coisas confiadas por Cristo
aos sagrados pastores. (…) Para alcançar essa meta, veneráveis irmãos,
considerados os intercâmbios que ocorrem entre as comunidades e o poder
civil, naquilo que ocorrem entre as comunidades e o poder civil, naquilo que
concerne à sua constituição e ordenamento nas coisas temporais, já as
concedemos ao nosso cardeal secretário de Estado os devidos mandatos para
agir com governo imperial, buscando reunir com ele os esforços úteis para
obter os resultados desejados. Confiamos que a autoridade civil unirá o seu
solícito interesse ao nosso. (PIO IX, 1876)
A visão da Igreja e da política do Papa Pio XI (1922-1939) aproximava-se com
as de D. Leme (MAINWARING, 1989. pg. 43,) assim como a visão doutrinal do
Pontificado do Papa Pio X possui grande influência naquela que consideramos o marco
inicial dos trabalhos do nosso antigo Arcebispo através da Carta Pastoral de 1916.
O principal destaque às lojas maçônicas, aqui são dadas devido ao seu
posicionamento nos espaços de poder civil, que colocava o poder político legal a serviço
delas através dos seus correligionários, ameaça que preocupava imensamente a Igreja,
não só no fim do império como também durante toda a República Velha. Isso pode ter
servido como reforço aos esforços de (re)aproximação das elites dirigentes leigas com
as mais diversas comunidades eclesiásticas, por deterem eles a máquina pública ao seu
comando.
Basta saber que as Lojas Maçonicas andam empenhadas na consecução desse
açambarcamento, para desde logo se suspeitar da ortodoxia dele. As Lojas
reclamam o estabelecimento da Escola Única e o monopólio do ensino, é o
44
que se lê numa decisão da Grande Loja da França. Bem claras são as
afirmações de M. Ducos, relator do projeto da Escola Única na Comissão de
Ensino: ‘é preciso que o Estado tenha amanhã o direito de fechar todos os
estabelecimentos onde se continuaria a envenenar moral e socialmente (as
escolas) pelo fato de uma educação especial separada’. A estatização assim
consumada seria a ruína do ensino livre, único reduto onde ainda se pode
abertamente falar nos direitos do homem para com Deus. Seria a derrocada
dos nossos colégios católicos e consequentemente o veto de ensino para as
congregações religiosas. (NERY, 1933. pg. 87)
Os Jesuítas do Nóbrega no alto da sua imodéstia diziam que “do Palácio da
Soledade partiu para todos os recantos do Brasil o primeiro movimento católico para se
libertar do Liberalismo e da tirania maçônica” (CONGREGAÇÃO MARIANA
ACADÊMICA, 1925. pg. 07), e de fato não estão errados. Do interior daquele
monumento saíram grandes movimentos católicos, e com a Ação Católica promovida
pelos Jesuítas não seria diferente.
Durante toda a década de 20, especialmente nos debates do início dos anos 30, a
loja maçônica parece ter sido considerada o maior e mais direto inimigo do Colégio
Nóbrega, aparecendo como seu declarado opositor em relação às questões que
compunham o jogo político, mas não passando de suas citações em eventos.
Ao comparar o discurso contido na carta do Papa Pio IX e os movimentos
católicos nos anos que se seguiram, aqui especialmente se referindo ao nosso objeto,
percebemos uma mobilização em torno da associação dos detentores do poder civil de
uma forma diferente daquela que aconteceu no império com o regime do padroado, na
qual os “leigos foram postos como cabeça do governo eclesiástico”.
Sendo uma das grandes preocupações a perda do monopólio da educação e a
campanha em torno da abolição do ensino religioso, um dos primeiros passos das
ordens católicas, inclusive a jesuíta, foi montar uma alternativa de escoamento do seu
pensamento através da Boa Imprensa católica para assim atingir o “burguês e o
operário” contra os elementos maçônicos infiltrados na educação.
A partir daí, a Igreja se associou aos setores conservadores da elite
demonstrando a não intenção no rompimento drástico da “ordem natural”, ao mesmo
tempo em que não se declarou elitista, antes disso, defendeu o pobre através de uma
educação dualista, que os abrangessem e abrangessem também os sindicatos “neutros”
que defendiam o patrão e o operário através da “tríplice relação do salário”.
Assim, ficou demonstrada uma prática restauradora, que possuía como a
principal meta os “intercâmbios entre as comunidades eclesiásticas e o poder civil” sem
que houvesse uma subordinação da instituição eclesiástica, demonstrando, portanto, que
45
uma instituição como o CMN, por exemplo, pode representar um lugar social válido na
nossa República, não na República portuguesa, e como os sujeitos do Nóbrega podem
representar metaforicamente bons historiógrafos à nossa “corte” republicana – leiam-se
numa lógica comparativa com aqueles que podem, discursivamente, “fazer o homem de
governo” do século XVI na concepção de Certeau –, sem conseguir a mesma
receptividade dos detentores do poder na República de Portugal.
Assim, fica demonstrado o pensamento restaurador produzido e reproduzido no
Nóbrega, que possuía entre suas principais metas os “intercâmbios entre as
comunidades eclesiásticas e o poder civil” sem que houvesse uma subordinação da
instituição eclesiástica, demostrando que uma instituição como o CMN, por exemplo,
pode representar uma válida instituição intelectual na nossa República, e não na
República portuguesa, e como os sujeitos do Nóbrega podem representar
metaforicamente bons historiógrafos à nossa “corte” republicana – leiam-se numa lógica
comparativa com aqueles que podem, discursivamente, “fazer o homem de governo” do
século XVI na concepção de Certeau –, sem conseguir a mesma receptividade aos
detentores do poder na República de Portugal.
46
3. CAPÍTULO 2: UM HABITUS CIVILIZANTE: QUESTÕES DE
HIERARQUIA, DISCIPLINA E HIGIENE
Nesse capítulo, nossas lentes referenciais estarão em Bourdieu, referentes as
questões de habitus como práticas que naturalizam a regulação do sujeito. Aqui,
pretendemos compreender os aspectos axiológicos que orbitam em torno da prática
cotidiana que levaram os sujeitos componentes do CMN aproximação das metas
recristianizadoras, assim como definir de forma mais clara a práxis que as envolveram.
Pierre Bourdieu, na teoria do construtivismo estruturalista ou estruturalismo
construtivista esclarece que:
O estruturalismo é um ponto de vista objetivista, no sentido em que as
estruturas são consideradas como realidades que existem objetivamente e que
impõem sua lógica, do exterior aos agentes, que estarão mais estreitamente
submetidos a ela quanto menos consciência disso tiverem. (BONNEWITZ,
2003, p. 24)
Além de suas referências como conceito explicativo da estrutura das relações
sociais e de sua intermediação de conflitos e relacionamento, o conceito de campo nos
remete aos processos de convivência dos sujeitos históricos em diversos âmbitos da
sociedade, permitindo que os conflitos por interesses diversos sejam mediados pela
localização dos indivíduos em diversos setores da sociedade. Sendo assim, a produção
dentro qualquer espaço social pode significar relações objetivas com o que é produzido
em outro espaço, desde que exista um intercâmbio de indivíduos entre eles, que possam
levar aquilo que é produzido em uma esfera para a outra.
Dentre os vários campos que compõem a estrutura social, o CMN será mais
intimamente analisado em sua perspectiva de campo intelectual, se vinculando nesse
aspecto aos interesses e interações que interligam este campo aos demais:
(...) para construir realmente a noção de campo, foi preciso passar para além
da primeira tentativa de análise do ‘campo intelectual’ como universo
relativamente autônomo de relações específicas: com efeito, as relações
imediatamente visíveis entre os agentes envolvidos na vida intelectual –
sobretudo as interações entre os autores ou entre os autores e os editores –
tinham disfarçado as relações objetivas entre posições ocupadas por esses
agentes que determinam a forma de tais interações (BOURDIEU, 1998. P.
65).
47
Para Bourdieu, a sociedade é composta por estruturas, e a cultura, usada como
sistema de dominação, é também um “sistema de significações hierarquizadas. A
cultura se torna um móvel de lutas entre grupos sociais cuja finalidade é manter os
distanciamentos distintivos entre classes sociais”. Bourdieu enfatiza, principalmente,
que a cultura é um capital produzido num campo particular. Ele considera que:
(...) a cultura não apenas como acesso a um patrimônio artístico e cultural,
mas também como uma hierarquia de valores e de práticas. (...) a cultura tem
todas as propriedades de um capital. Como tal, ela é móvel de lutas num
campo que se automatizou. (BONNEWITZ, 2003 p. 25)
Partindo de alguns pensamentos semelhantes aos de Marx, Bourdieu defende a
que a luta de classes toma proporções simbólicas através da cultura, que funciona a
partir de uma espécie de lógica de mercado, lei da oferta e da procura, com a qual os
produtos tornam-se “códigos simbólicos” de acordo com as necessidades de sistemas
culturais que podem ser constituídos de “maneiras de ver, maneiras de sentir e maneiras
de raciocinar”. Esses conflitos simbólicos são utilizados como uma espécie de arma
manipuladora da mentalidade das massas.
É importante compreender que o conceito de habitus como a naturalização das
coisas que regulam o sujeito, é, antes de tudo, um processo dialético de construção da
sociedade, na qual a convivência dos sujeitos históricos em diversos âmbitos da
sociedade permite que os conflitos por interesses diversos sejam mediados pela
localização dos indivíduos em diversos campos; sendo que cada campo lida com uma
dinâmica entre pessoas e grupos, na qual a realidade é um conceito social. Existir é
existir socialmente, em relação aos outros. O que é real é relacional (BONNEWITZ,
2003).
Sobre essa mesma lógica, nos reportamos a Camacho que enfatiza que quando
se pensa nas questões econômicas com que teve que lidar a Igreja no período de
crescentes movimentos sociais, a solução estabelecida através da caridade faz com que a
questão social, além de econômica seja moral e religiosa. Dessa forma, a Igreja através
de Leão XIII propõe que as ações de caridade devem ter caráter permanente e ser
estruturadas, o que põe hierarquicamente a Igreja como coordenadora (CAMACHO,
1995. pg. 93).
Consequentemente, nas mais diversas práticas cotidianas os sujeitos que compõe
o CMN estavam cercados de signos e símbolos que os elevariam numa hierarquia social
48
afigurando suas leituras de mundo estruturadas dentro das especificidades de
determinado campo, como “a verdade”.
Emanuela Ribeiro, no trato metodológico de suas fontes, traça um paralelo entre
a atuação da Igreja que procurava se alinhar com as diretrizes romanas e a atuação desta
parcela dominante que idealizou a modernidade brasileira, mostrando de que maneira os
distintos grupos sociais foram coagidos a manter a ordem e os bons costumes impostos
pela “moral de direito e do Evangelho, ou seja, pela moral do Estado/das elites e da
Igreja.” (RIBEIRO, 2009. p. 18)
Embora alguns autores como Scott Mainwaring acreditem que exista uma
enorme discrepância entre a Igreja institucionalizada e as práticas religiosas populares,
até eles admitem que este modelo de crença religiosa ainda influenciou e muito a visão
de mundo de grande parte da população (MAINWARING, 1989).
Já Ribeiro mostra que um dos principais pontos de confluência entre Catolicismo
e Modernidade, era o disciplinamento da sociedade, com o qual as questões de
normatização dos costumes era usada na “tentativa de adequação ao modus vivendi”
(SOUSA, 2004. p.11) e de normatização de higiene, é entendido por nós, como
extensivo às questões disciplinares.
No dizer dos bispos os leigos praticavam uma religião que se conserva como
herança, que se pratica por habito, que se segue sem convicção. Deste modo,
compreendemos que a elite eclesiástica considerava necessário o
disciplinamento religioso da maior parte da população brasileira. Neste ponto
convergiam os dirigentes da sociedade civil e os da sociedade religiosa,
ambos pretendiam evitar desordem, confusão, perturbação da paz social,
inquietação das consciências. (SOUZA, 2004. p. 18)
Segundo Montenegro, a ordem é vista de forma convergente entre Igreja e
Estado que constituía um dogma a inspirar mais de perto o positivismo e o catolicismo,
facilitando a formação de uma liga implícita entre ambos em torno do problema da
separação entre a Igreja e o Estado (MONTENEGRO, 1974.p. 141).
Precisamos lembrar que a Carta de 1916 de D. Leme, inaugurou um novo
momento para a Igreja, e este período da neocristandade trouxe novos olhares para uma
sociedade que também estava em constante mudança. É a partir daí que pensamos a
necessidade de instituições como o CMN que se utilizou deste novo período, no qual as
instituições religiosas desfrutavam de uma formação tradicional, e com as novas
estratégias alienantes que este momento histórico pedia, formavam intelectuais,
políticos e burocratas católicos.
49
Em suas interpretações sobre o período, a historiadora Margareth Rago, trabalha
com ênfase no projeto de “moralização dos costumes e redefinição da família”,
mostrando que o catolicismo possui estratégias para impor-se, dando enfoque especial a
dois tipos de sujeitos: a mulher e a criança. Mais uma vez, a necessidade de instituições
como o Nóbrega foi reiterada, transcendendo não só o seu papel principal de instituição
de ensino, mas se posicionando como auxiliadora no movimento da neocristandade.
Recorrendo a Certeau, percebemos que existe um uso do elemento social da
diferenciação religiosa, no qual os sujeitos se reagrupam em função desse critério:
(...) A determinação daquilo que se conhece, quando se é Católico ou
Reformado, fornece à comunidade seu modo de identificação e distinção. “Os
catecismos mudam, remodelados pela urgência dessas definições que
circunscrevem ao mesmo tempo os conteúdos intelectuais e os limites sócio
institucionais”. (CERTEAU. 2000. p.36)
Nesse sentido, vemos que a religião é usada como forte elemento de
agrupamento e constituição de relações sociais.
A igreja começou a formular uma doutrina social mais progressista durante o
papado de Leão XIII (1878-1903) Esta encíclica marcava a aceitação tardia
do mundo moderno pela Igreja depois de seu combate aberto contra a
modernização durante grande parte do século XIX. (…) O papa Pio X (1903-
1914) repudiava os esforços no sentido de se fazer uma adaptação ao mundo
moderno e Benedito XV (1914-1922) e o papa Pio XI (1922-1939) eram
fundamentalmente conservadores. (MAINWARING, 1989. pg 43)
Ao encontrarmos em nossa documentação citações como esta: “Fez-se
Juramento contra a modernidade, como ordenou o Santo Padre Pio X no Motu [?]
próprio “Sacrorum Antistitem”[?] (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929. pg.22),
percebemos que trata-se de “uma crise de sentido” e de uma “aceitação tardia” da
modernidade. Pois, aqui, a “modernidade” tem um sentido mitigado, uma vez da
existência de campanhas higienistas dentro do colégio, consequentes do espaço já
consolidado pela ciência médico farmacêutica e até uma leitura sobre aspectos da
modernidade médico-legal que podem demonstrar um caráter dinâmico e metamórfico
desse habitus, como de uma necessidade de adaptação da Igreja.
Autores das mais diversas correntes historiográficas contemporâneas, como por
exemplo, Lêda Sellaro, Scott Mainwaring e Lyndon Santos, atribuem às mudanças
conjunturais ocorridas no início do século XX uma “crise de sentido”, que colocam em
xeque vários aspectos da vida em sociedade.
50
Desta forma, quando abordamos em um dos diários do Nóbrega sobre a
“modernidade”, podemos especular, baseando-se nas discussões historiográficas, as
implicações, significados e especialmente o “sentido” deste termo para época, além de
compreender a necessidade de mitigar não só aquele “juramento” como também a
“ordenança”.
Por isso a Igreja está tão longe de se opor à cultura das artes e das disciplinas
humanas que até a auxilia e promove, porque não ignora nem despreza as
vantagens que delas provêm para a vida da humanidade e até ensina que elas,
assim como provêm de Deus, Senhor das ciências, assim também, se tratadas
rectamente, conduzem a Deus com a sua graça. E de nenhum modo ela
proíbe que tais disciplinas, cada uma na sua esfera, usem do método e
princípios próprios, mas reconhecida esta justa liberdade, provê
cuidadosamente a que não caiam em erro, opondo-se aventurosamente à
doutrina divina, ou ultrapassando os próprios limites, ocupem e revolucionem
o campo da fé (PIO XI, 1929)
Ao considerarmos o habitus dos agentes do CMN, devemos levar em
consideração primeiramente a existência de um poder simbólico que os colocava, em
certos campos, como os locutores da verdade. E, como tais, caberia a eles o
disciplinamento social, tanto das futuras elites dirigentes como, até certo ponto, da
população em geral. Assim sendo, a praxe presente no cotidiano do colégio continha
ações e atividades voltadas para este sentido. Logo, quando comparamos o juramento
contra a modernidade por ordem de Pio X e a aceitação de certos aspectos da
modernidade, como a do conhecimento científico em Pio XI, com as práticas dos
sujeitos do CMN descritas ao longo de nossa documentação, observamos que essa
“oposição” à modernidade desde Pio X já era complexa e relativa.
Nessa lógica, veremos que pelo contexto parecia se referir tanto à centralização
no conhecimento científico, quanto às mudanças de hábitos na vida social cotidiana – já
em sua contemporaneidade apresentavam práticas de certa aceitação e adaptação aos
aspectos que eles consideravam menos nocivos da modernidade, sendo estes, contudo,
tutelados pela própria Igreja, como vemos depois em Pio XI.
51
3.1. Disciplina: subjetivação e naturalização do credo para o futuro Militante
Católico
Dois aspectos precisam ser antes de tudo destacados. O primeiro deles é que
entendemos disciplina como uma ação dirigente que, por meio dos mais variados
processos de doutrinamento e instrução, regem certas coletividades a um conjunto
normativo de leis, ordens e costumes. Dito isto, pedimos auxílio à Emanuela Ribeiro
que fala que a noção de “exclusão da Igreja do domínio público” pode ser relativizada,
pois, a “posição de detentora das grandes massas da população” não é negada.
Assim, quando falamos do aparelho disciplinar do Nóbrega, nos remetemos a
uma naturalização do disciplinamento pelas elites e pelo Estado, que necessitava do
auxílio da Igreja, que tratou de tecer seu “principal ponto de ligação com o Estado,
construindo, através da ordem sua nova forma de se posicionar no domínio público.”
(RIBEIRO, 2009).
É preciso deixar claro que reconhecemos o grande poder de influência de
instituições como o Nóbrega, o que não nos faz negar, de forma alguma, os outros tipos
e níveis de poder simbólico presentes na sociedade, apenas os citamos por não
configurar objeto deste estudo. Nele, admitimos e reconhecemos, a luz de Bourdieu, que
existem instituições que detêm grande poder de prestígio, e que o CMN concentra nele
aquele poder pertencente às instituições de ensino e às religiosas.
Entre seus empreendimentos extramuros de disciplinamento social, os mais
comuns eram aqueles de ordem mais generalizada como as missas, catequeses, cruzadas
e comícios públicos. As missas promovidas pelos padres do Nóbrega – podemos dizer
sem receio nenhum de cometer exageros – eram celebradas em praticamente todo o
Estado Pernambuco, desde cidades vizinhas a Recife até as mais remotas do Interior
(DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929).
Essas missas ocorriam nas mais diversas épocas do ano e pelos mais diversos
motivos, especialmente para comemoração das datas tradicionalmente festivas como
Natal, Páscoa, São João, etc. Entretanto, desde o início que o objetivo catequético da
maioria dessas missas estava claro: 23/06/1917 – O Pe. Geral da Missão oferece 100
missas para que o Collegio “crescateat ad M. Dei Gloriam atsalutemnobilis gentis
Brasilienses13
” (?) (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 18)
13
Para a glória de Deus e a salvação do nobre brasileiro.
52
Já os trabalhos catequéticos pareciam estar também vinculados a esta ordenança
de D. Leme:
Não basta ensinar o catecismo às crianças, deante do povo. É necessário,
determina a lei, ensina-los directamente ao povo,em hora diferente da que se
destina aos meninos. Não basta a homilia ou pratica do evangelho. É
necessário fazer uma explicação do catecismo, que não é a simples alocução
ou a prédica, mas verdadeiro Curso de Instrucção da Doutrina Cristã.
(LEME, 1916)
Outro tipo de arma usada eram os famosos Retiros do Nóbrega. Eles começaram
como eventos internos, mas ganharam força e fama entre as rodas de conversas no
Recife. Com o tempo esses retiros foram ampliados para atender os mais diversos
públicos, desde turmas de acadêmicos das diversas instituições superiores que contavam
com personalidades como, por exemplo, Andrade Bezerra, Nilo Pereira14
e Barreto
Campello (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.139), a retiros operários15
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 108). Esses retiros chegaram aos anos
30 com 14 turmas já realizadas (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.108)
tendo mais que dobrado no fim dos anos 30, chegando a alguns anos as turmas lotaram
e eles solicitaram aos beneditinos que tomassem alguns em suas turmas.
Foi assim que, baseado nos Retiros do Nóbrega, e por não terem condições
financeiras de garantir a locomoção dos seus moços para Recife, a Vila Nóbrega,
congregações, ordens e instituições de diversos lugares, que começaram seus próprios
retiros em lugares como Pau D’alho, Bezerros, João Pessoa, Piauí, Campina Grande
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 119), entre outros.
Já os comícios, analisando a totalidade de nossos documentos, ficaram mais
comuns a partir da segunda metade da década de 20 e contavam com a participação de
alunos do Nóbrega, que em muitos casos eram os próprios organizadores dos eventos.
Antes, porém, deste disciplinamento social pelas elites sirva aos interesses da
Igreja, é necessário que sejam elas – as elites – àquelas doutrinadas nos preceitos e
normas que as façam militar pela causa católica, nos diversos espaços sociais. Dessa
maneira, estruturas educacionais como o CMN serviam de verdadeiros centros de
“doutrinadores”, pois a partir dele processos formais e não formais doutrinavam os mais
diversos atores sociais, tanto de forma direta como indireta.
14
Anexo H. 15
Comunhão com os operários, anexo T.
53
Para tanto, o envolvimento Jesuíta nos esforços de restauração católica, em que
as mais diversas ordens estavam envolvidas, tem em suas conquistas período com maior
repercussão a Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica e a Liga para a
Restauração dos Ideais (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 09). Através dos
trabalhos disciplinadores desenvolvidos por estes programas, os próprios jesuítas
reconheciam possuir os recursos para a restauração católica no Recife, como veremos
de forma mais clara no item 3.1.2 (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.55).
A biblioteca foi elemento que também foi reconhecido como forma
indispensável à conquista pela recristianização Jesuíta. Os documentos diz que “uma
biblioteca moderna adequada à nossa ação”, a qual “Foi sempre um ponto de carinho
especial do nosso programa. Tanto assim, que, depois de unida a Liga para a
Restauração dos Ideais à Congregação Mariana, a nossa biblioteca é a melhor do Recife
em autores modernos Católicos.” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.55)
Por enquanto o que de mais importante precisamos destacar neste tópico é que
existia um longo raio de alcance nos métodos doutrinários dos jesuítas do CMN, e que
eles de alguma forma conseguiam adeptos de sua metodologia nos mais variados
centros de trabalhos com leigos, em seus mais variados tipos de trabalhos: “Até as
outras agremiações que se fundavam em volta da Congregação tiveram o influxo dos
Exercícios Espirituais da Vila Nóbrega16
: são elas o Centro D. Vital, a Ação
Universitária Católica por Deus e pela Pátria.” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-
1923 pg.115).
3.1.1. Liga para a Restauração dos Ideais
Ao longo dos inúmeros trabalhos desenvolvidos pelos jesuítas do CMN, esse foi
o que mais nos chamou atenção, por ter sido ele idealizado por alunos, configurando
para nós um ótimo exemplo do tipo de impacto que o habitus de colégios como o
Nóbrega podia causar em seus estudantes.
O foco em trabalhos com a “mocidade” ganhou mais força e forma no período
de direção do Pe. Antônio Fernandes, os quais constam na introdução da obra
Institucional “Arquivo da Congregação Mariana” como, por exemplo, a experiência da
16
Anexo J.
54
reconciliação de um sargento, que serviu de inspiração para o enfoque de trabalhos com
a juventude (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923).
Nessa obra, o padre fala da necessidade de formação de uma mocidade
acadêmica, que lidere trabalhos de restauração católica se aliando a trabalhos seculares.
Cita, como exemplo, um agente público chamado Salazar, que assumiu as “Finanças
Nacionais”, consideradas irremediáveis à época, meados da década de 20 e que
conseguiu as controlar (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 16), para
pontuar que a competência profissional do católico é algo de extrema importância, não
devendo ser negligenciada, mas que se deve ir além dessa competência e levar cristo a
todos os lugares.
Foi com esse empenho, de formar uma futura liderança católica leiga que
militasse pela causa católica nas mais diferentes esferas, que a partir de 1924, foi criada
a Congregação Mariana de Mocidade Acadêmica, onde as reuniões eram feitas no
Nóbrega com os “jovens mais entusiasmados” e com professores do CMN
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.30).
Neste trabalho não daremos nenhum destaque à Congregação Mariana em si,
pela infinidade de pesquisas já existentes sobre o assunto17
. O que é importante saber
aqui é que seus trabalhos eram desenvolvidos pelos Jesuítas do Nóbrega e que uma de
suas maiores contribuições à Ação Católica em Pernambuco, em nossa opinião, foi a
Liga para a Restauração dos Ideais.
A Liga foi idealizada por três jovens em um colégio da Bahia – colégio não
especificado na fonte – que ao assistirem um sermão entenderam receber um chamado
divino de atuação nos tempos tão difíceis de Estado Laico para fazer a partir de seu
convívio acadêmico ações que reaproximassem os jovens dos ideários cristãos e assim
retomar a sociedade para Cristo. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 68-)
Um desses jovens era Clóvis Leal, ex-aluno do Colégio Manuel da Nóbrega, que
pouco tempo após se mudar para a Bahia escreve uma carta, datada de 20 de agosto de
1926, endereçada ao Pe. Fernandes, na qual relata esse acontecimento e fala sobre a
Fundação da LRI18
na Bahia e pede a fundação de uma Liga no Nóbrega.
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 68)
17
Para aprofundamento sobre a CMMA ler autores como Sílvia Cortez Silva, Ferdinand Azevedo,
Andrea Carla Pinto, Zuleica Dantas, entre muitos outros. 18
Anexo O.
55
Na carta ele diz como a ideia da Liga para a Restauração dos Ideais foi fruto do
tempo que passou com o Pe. Fernandes na CMMA, e fala da existência de muitas sub
ligas na Bahia e em São Paulo. Conta o auxílio que lhe foi dado pelo Pe. Torrend19
,
também professor do Nóbrega, que estava passando um tempo na Bahia. Além de
apontar os ideais da Liga:
Transformar a sociedade! Modificar costumes que se mostram como
verdadeiras leis a dominar o mundo! Reconstruir os alicerces dessa multidão
numerosa de indivíduos inteiramente cego no caminho da vida,
completamente ignorantes dos mais rudimentares preceitos da moral e da
religião! (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 68)
Recebida a carta, o Pe. Fernandes a lê para os alunos do 4º ano, segundo a carta
resposta datada de 22 de setembro de 1926, com orgulho e entusiasmo leva a proposta
aos integrantes do Nóbrega, que aceitam a fundação de uma LRI no colégio jesuíta do
Recife. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 68)
Os primeiros trabalhos da Liga são internos, apenas com os próprios alunos do
Nóbrega, que envoltos em uma atmosfera particular de práticas, desenvolvem os mais
diversos exercícios para desenvolver as competências acadêmicas e morais (só
destacaremos no próximo subtópico).
O escolhido para patrono da Liga foi D. Vitalem como reconhecimento e
memória de seus trabalhos no Palácio da Soledade, além de uma homenagem ao Centro
D. Vital e a admissão da compatibilidade ideológica com o mesmo (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1916-1923 pg.72) e o estabelecimento de correspondência com o Centro D.
Vital do Rio de Janeiro por intermédio do Presidente Dr. Jackson de Figueiredo
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.76).
A ata de abertura da primeira sessão solene da Liga para a Restauração dos
Ideais foi realizada no dia 10 de outubro de 1926, presidida pelo Superior da Missão
Setentrional dos Jesuítas, Revmo. P. Luiz Gonzaga. Participaram “alunos, professores
deste Colégio, doutores e acadêmicos de Direito e Medicina” e “várias outras pessoas
gradas” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 75).
Na ata da segunda sessão solene da LRI, em 01 de novembro de 1926, presidida
por Andrade Bezerra está registrada entre outras, as discussões “A Igreja e a ciência” e
“Refutação do Darwinismo” e, terminando a sessão, “em eloquentes palavras, externou
a sua admiração pela geração atual que não negligenciava os problemas essenciais da
19
Anexo F.
56
religião e da ciência”, lamentando que não haja o mesmo acontecido com as gerações
passadas que “descuraram” o estudo da religião. Dá como exemplo dessa falta o
eminente médico brasileiro Dr. Miguel Couto, o qual por lamentável ignorância
religiosa aplaudiu, em entrevista, a implantação do divórcio no Brasil, quando se
discutia a possibilidade de decretação no Brasil” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-
1923 pg. 77).
Após ganhar mais credibilidade, as notícias sobre a LRI eram publicadas nas
revistas Maria e a Tribuna que, em confluência daquilo que se espera de uma “boa
imprensa”, se tornaram porta-vozes da liga trazendo desde notícias e calendário de
atividades, sendo verdadeiros escoadores da ideologia restauradora da Ação Católica do
Nóbrega. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.77).
Com o tempo, as sessões solenes públicas se tornaram cada vez mais comuns e
contavam quase sempre com a presença de grandes personalidades, como a do diretor
da Faculdade de Direito do Recife (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 41).
Em uma delas, compareceram o Arcebispo D. Miguel de Lima Valverde, acompanhado
de alguns bispos. Ele proferiu vários elogios à Liga (CONGREGAÇÃO MARIANA
1916-1923 pg.78). Milton Cabral, aluno, apresentou um trabalho intitulado “Prece”
reflexão religiosa e patriótica falando sobre a pátria. (CONGREGAÇÃO MARIANA
1916-1923 pg. 81). Também participaram dessa sessão o Sr. Dr. João Viana Pais,
magistrado e Procurador Geral do Estado, que proferiu algumas palavras como um
sermão, e os acadêmicos das Escolas superiores do Recife. (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1916-1923 pg.82)
Já consolidada a ideia da Liga, em potest. de 24 de outubro de 1927 eles
declaram um Ato de consagração ao Sagrado Coração de Jesus, adotado pela Liga para
a Restauração dos ideais fundados no Colégio Nóbrega, onde se comprometeram a fazer
a vontade de Deus que é, entre outras coisas, a que eles aprendam a fundo sobre a
religião, que a pratiquem, que a defendam e exerçam um apostolado leigo em volta
deles. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 59).
Com o tempo, os projetos desenvolvidos pela Liga foram se expandindo cada
vez mais, especialmente os retiros, provendo dentro deles conferências e palestras para
que os alunos tivessem contato com católicos leigos que se empenhavam em
empreendimentos em prol da Ação Católica no Recife. Só o relatório dos retiros da
segunda metade da década de 20, contavam com uma listagem de cerca de 450 nomes,
só entre visitantes externos que fizeram parte das turmas dos retiros mensais, divididos
57
entre: Bacharéis, Médicos, Engenheiros civis, Químicos Industriais, Padres,
Engenheiros mecânicos, Agrônomos, Professores, Funcionários públicos, Banqueiros,
Farmacêuticos, Jornalistas, Industriais, Comerciantes, Acadêmicos de Direito,
Acadêmicos de Engenharia, Acadêmicos de Agronomia, Acadêmicos de Medicina,
outros estudantes e Senhores (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 137-151)
Entre os destaques de frequência e relevância nesses retiros são dados a Andrade
Bezerra e Nilo Pereira. Aquele, um dos mais envolvidos nas atividades com a Liga
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.74), chegou a ter uma sessão
extraordinária da LRI em sua homenagem no dia 13 de Novembro de 1932, que contou
como um dos oradores foi Nilo Pereira (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923
pg.87).
Em discurso proferido em outubro de 1929, o secretário do Nóbrega José Mariz
de Moraes traduz o sentimento de orgulho que a Liga trouxe aos alunos e professores do
Nóbrega: “(…) este entusiasmo, esta vida, este calor, que faz com que a nossa Liga uma
associação conhecida em vários pontos do Brasil e até da Europa, como modelo.”
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 56). Este sentimento advém do
reconhecimento da Liga Recifense como referência não só de cunho local, como
internacional.
Um dos episódios que mais demonstrou esse espírito foi o fato de que era
comum os pontífices autografarem os mais diferentes pedidos, fotos e projetos em sinal
de apoio a eles, entretanto Pio XI julgou mais razoável tornar mais raras essas
concessões. Porém, por meio do Pe. José de Oliveira Dias, antigo professor do Nóbrega
que a época era Magister da Universidade Gregoriana o Pontífice tomou conhecimento
da LRI, assinou uma petição a eles e ainda escreveu “muito afetuosamente e da melhor
boa vontade no Senhor”. Dizem os mais próximos a ele que “são o máximo que ele
costuma escrever, e isto mesmo só em casos muito excepcionais”. (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1916-1923 pg.62)
O que se pode tirar de lição é que embora aquele ideário inicial, de “Transformar
a sociedade! Modificar costumes que se mostram como verdadeiras leis a dominar o
mundo!”, não tenham sido alcançados, a idealização, construção e manutenção de uma
Liga por alunos, auxiliado e influenciada por professores, que teve por objetivos
restaurar aqueles ideais católicos de uma sociedade laicizada se configurou uma das
maiores visualizações da contínua força e influência do pensamento católico no Recife.
58
Formando, assim, os futuros militantes católicos que iriam atuar em projetos que
tomaram potência e se traduziram em grandes conquistas de retomadas no Estado Novo.
3.1.2. Práticas disciplinares para a formação de um modelo padrão de moço cristão
combatente
Ao longo de nossas análises documentais, encontramos vários indicativos de
como eram organizadas as práticas do CMN em relação à Ação Católica, entretanto,
uma delas consegue deixar mais claro como esta instituição tinha, aparentemente,
objetivos bem definidos quanto a contribuição e as ações que eles consideravam como
práticas restauradoras. Portanto, “pelo que fica dito, deduz-se que ao pensarmos em
restauração nos pautamos em dois recursos : 1) Retiros fechados; 2) Personificação de
um modelo moço de cristão combatente, digno de ser tomado como padrão.”
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.55)
Neste subtópico descreveremos as práticas que faziam parte das atividades
cotidianas dos agentes do CMN e tentaremos analisar como essas mesmas práticas
contribuíam para o principal objetivo restaurador jesuíta de estabelecer aquilo que eles
entendiam como a “Personificação de um modelo moço de cristão combatente, digno de
ser tomado como padrão.” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.55)
Para tanto, os projetos de restauração do Nóbrega vão “empregar meios naturais
e sobrenaturais” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.17) para alcançar a
confluência entre a formação de um alto padrão de profissional secular com o ativo
militante católico.
A carta a Europa o P.C. Torrend, em 17 de outubro de 1925, nos fornece grandes
pistas de como eles direcionavam atitudes comportamentais a estudantes
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 57-59) a partir da compreensão de um
“estado psicológico naturalmente inerente na sua subconsciência”.
Se o educador souber apelar para eles para construir, mostrar confiança no
seu valor, compreender os seus ímpetos generosos, em vez de os contradizer
ou em vez de abafar a sua personalidade principiante, como isso infelizmente
acontece ainda a tantos pedagogos ignaros da psicologia moderna, é
assombroso como esses moços tomam consciência do seu valor e das suas
qualidades. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 58)
59
Segundo ele, o educador precisa, pois, “falar a estas crianças grandes como a
homens de experiência, deixar-lhes o cuidado de se treinar intelectualmente e
moralmente de se corrigirem mutuamente” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923
pg. 58). Desse modo o seu papel se limitará a ganhar plenamente a confiança delas, para
assim, dirigir o seu entusiasmo, temperar o seu ardor, alimentar os seus ímpetos
generosos, e especialmente ajudá-las a “fazer uma guerra sem trégua ao desânimo, que é
a pior das tentações no dizer de S. Francisco de Sales que conhecia a fundo a psicologia
humana embora Freud ainda não tivesse inventado a psicanálise moderna”.
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 58).
Conforme o Pe. Torrend é especialmente sobre este “terreno da psicologia
prática que se deve exercitar o principal trabalho do educador, quero dizer, do diretor
espiritual.” Ele dá o exemplo: quando um associado que esteja desanimado porque
contra todos os seus propósitos cometeu uma falta, é preciso fazer-lhe encarar a falta
sob o lado otimista, “obfelix culpa que lhe permite estudar os fatores destruidores de
sua vontade precisamente na idade em que pode reagir e mudar as más tendências em
bons hábitos.” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 58)
É interessante deixar claro que ao analisarmos o nosso conjunto de fontes,
concluímos que a aplicação dessa postura de aproveitar-se de um “estado psicológico”
já existente do aluno não significou, de forma alguma, uma educação voltada à
autonomia do sujeito. Muito pelo contrário, aquelas práticas voltadas a uma disciplina
rígida, com um acompanhamento cotidiano, feita sobre os alunos nunca foram
abandonadas.
Um bom exemplo disso é que toda a estrutura arquitetônica do Palácio da
Soledade sofreu uma série de reformas no início da década de 20 para facilitar a
vigilância aos alunos (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929), elas iam desde aberturas
nos dormitórios à torres de vigilância (CONSULTAS).,Além disso, medidas
disciplinares corretivas eram constantemente tomadas, especialmente em relação aos
comportamentos considerados, de uma forma geral, indesejados. Mas, nada que
diferisse muito de qualquer outro colégio de cunho tradicional do início do século XX.
A atuação dos jesuítas não se dava apenas nas relações envolvendo estados
psicológicos dos alunos, teriam relação especial, dado ao período histórico por eles
vivido, também com a forma de encarar seu patriotismo. Para isso, o diretor Pe. Antônio
Fernandes, que também era o professor de história do CMN, realizava conferências e
exortações “seguindo a risca o programa patriótico-religioso” procurando educá-los,
60
especialmente os envolvidos com a LRI, nos “verdadeiros sentimentos de patriotismo”
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 45):
O verdadeiro patriotismo deve estar no Brasil, baseado na religião católica e
nortear-se pelos seus princípios. Ora existem muitas forças, umas ocultas,
outras manifestas, que lutam sem cessar para examinar a Igreja de Deus. E
quem deve preparar-se para a frente se não a mocidade estudiosa?
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.45)
Segundo o Pe. Fernandes o patriotismo não pode consistir simplesmente em dar
vivas ao Brasil, soltar foguetes, celebrar festas, pronunciar discursos altissonantes. Tudo
isso é muito bom e louvável, mas não basta. O verdadeiro patriotismo visa mais alto:
Digo verdadeiro, e torno a dizer que ela move um patriotismo verdadeiro e
real, e não um patriotismo fictício, artificial, efêmero, superficial. Esforça-se
por estudar quais os fatos que possam concorrer para o engrandecimento do
Brasil, e quais os germens demolidores que por ventura venham no seu
organismo, a fim de promover os primeiros, e combater os segundos.
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.45)
Ainda na linha de construção ideológica, percebemos o quanto a formação de
um pensamento católico militante nos alunos era importante para os jesuítas do CMN.
Por essa razão, eles consideraram uma de suas principais conquistas, intimamente
ligadas ao espírito de restauração católica, a construção de sua biblioteca. Creditada
como fruto do trabalho conjunto da LRI e da CMMA, nela eles dão destaques aos livros
de autores como “Mercier, Psichari, Termier, Hello, La Prune, CHesterton, Pastor, etc.,
juntamente com a enciclopédia Espasa, e os dicionários de Apologética, Teologia,
Geografia e História Eclesiástica” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.55).
Entretanto, o primeiro questionamento que naturalmente nos ocorreu foi: Qual a
garantia de que os alunos de fato liam essas obras e autores? Essa indagação, ao que nos
parece também foi um ponto de preocupação dos dirigentes jesuítas, que, segundo um
discurso proferido pelo secretário do CMN, José Mariz de Maraes, essa apreensão
resultou numa satisfatória surpresa, pois eles tinham “tido um registro de leitura e
consulta bem animador. Exatamente o contrário do pessimismo, até certo ponto
razoável, antigamente proclamava entre nós, isto é, que os livros jazeriam sem leitores.”
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.55)
Como dissemos no início, a instrução dos estudantes do Nóbrega envolvia o
emprego de “meios naturais e sobrenaturais” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-
1923 pg.17). Dessa maneira, a formação acadêmica dos alunos estava sempre associada
61
a atividades de cunho religioso. Assim, uma praxe que merece atenção nas atividades
cotidianas do CMN era a constante realização dos denominados exercícios espirituais
(DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929).
Os exercícios espirituais tinham por finalidade levar os indivíduos a
“aprenderem o domínio de si, a disciplina, a formação necessária para exercerem
qualquer função na sociedade” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 115).
Pode-se dizer que a fonte principal da formação interior dos congregados e da
sua atividade externa são os Exercícios de Santo Inácio. É na Vila Nóbrega
que nós haurimos a coragem para vencermos as paixões, para guardarmos a
castidade (espetáculo novo nos acadêmicos), para professarmos a nossa fé em
comícios públicos, para lutarmos contra a maçonaria e para exercemos a ação
católica em outros sectores”. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.
115)
Alguns exercícios seguindo essa mesma linha funcionavam assim: para os
problemas espirituais práticos eram feitas reuniões de grupos onde cada um podia
confessar publicamente suas dificuldades, como desânimo, falta de controle do gênio,
etc. e na reunião seguinte, trechos de textos sagrados eram escolhidos para serem
aprofundados por todos. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 59)
Já nos atritos entre os componentes da LRI, o Diretor Espiritual, que
acompanhava de perto o progresso de cada um, analisava os fatores inconscientes que
de longa data influíam no inconsciente dos seus espíritos para fomentar antipatias, que
poderiam se exteriorizar em brigas. Dessa forma eles aprenderiam a estimar-se
mutuamente, a perdoarem algumas palavras irrefletidas e serem otimistas nas
interpretações das opiniões alheias. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 59)
Sobre esses exercícios, João Paulo Temporal traz um ótimo comentário em
publicação na revista Maria:
Esta juventude sintetiza em si o que há de mais nobre e mais e mais forte
entre os católicos brasileiros e os exercícios espirituais são a arma mais forte
que dispõe o cristianismo para aquele fim, e o seu exemplo vem do próprio
Cristo para regenerar o homem. São eles feitos com fervor e entusiasmo
produzem estes gigantes de Fé e santidade, que, como o sangue dos primeiros
mártires, são verdadeiras sementes cristãs.” (CONGREGAÇÃO MARIANA
1916-1923 pg. 121)
Notem que, como já demonstramos, publicações como essas fazem parte do
movimento restaurador da “boa imprensa”. Aliás, ao longo dos anos as ações do CMN
eram divulgadas na imprensa, especialmente na revista Maria e na Tribuna. Como
62
mostra, por exemplo, uma reportagem sobre a Liga em A Tribuna em 2 de Novembro
de 1926, que falava, entre outras coisas sobre “o desejo dos Jovens do Colégio Nóbrega
organizar uma biblioteca para os seus estudos e adquirir um retrato a óleo de D. Vital, o
grande bispo da Igreja, para honrar a sala dos seus trabalhos. (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1916-1923 pg.78)
Outro evento que virou notícia e foi publicado por Oswaldo Moura em matéria
da Revista Maria da edição de setembro de 1928 foi a “comunhão reparadora entre os
estudantes do curso superior, do Recife.” Essa comunhão era realizada nas primeiras
sextas-feiras na capela do Colégio Nóbrega (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923
pg. 56) e se ampliava a cada ano, resultando em uma série de jovens das Escolas
Superiores do Recife “madrugando cedo a fim de poderem vir ao Colégio Nóbrega e,
após a comunhão, ainda chegarem as aulas das 8 h” (CONGREGAÇÃO MARIANA
1916-1923 pg.64).
Ademais, suas relações com essas revistas iam muito além do anúncio dos
trabalhos jesuítas. Os agentes dirigentes do CMN queriam ampliar o envolvimento dos
alunos do colégio com essas revistas. Eles pretendiam com isso cultivar as “faculdades
comunicativas” dos estudantes, começando com a “propaganda pela imprensa” através
de cursos preparatórios pela revista católica Maria. Eles se baseavam no ideal de “Não
se pode ser cristão sem ser apóstolo” para estimular o desenvolvimento das capacidades
retóricas que os militantes católicos iriam precisar na “propaganda” do evangelho.
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 55)
Nas análises mais gerais de nossa documentação, percebemos como a educação
jesuíta valorizava estas experiências que pusessem os alunos em contato com católicos
leigos atuantes e com instituições que cooperassem entre si para a constituição de um
programa de Ação Católica. Logo, em um julgamento simplicista podemos incluir como
praxe contributiva à construção do “moço cristão atuante” as inúmeras atividades
extracurriculares, se é que aqui cabe o termo, e a inclusão numa comunidade cristã que
ultrapassasse os muros do Palácio da Soledade.
Entre os frutos desses empreendimentos doutrinadores desenvolvidos pelo
Colégio, estavam o Congresso Católico da Mocidade, que a princípio era um evento
estadual, se expandido e se tornando um congresso de toda a região nordeste. Para ele se
pensava uma perspectiva mais prática, contendo em seu programa campanhas e
discussões pontuais, com objetivos claros e bem definidos. Entre os quais destacamos:
63
I Formação Religiosa:
A) Desenvolver o estudo do Catecismo e da apologética nos colégios, estimulando
os alunos com prêmios grandes.
B) Introdução do estudo de problemas religiosos nos cursos livres das Escolas
Superiores e nas organizações acadêmicas particulares.
C) Ensino do Catecismo nas Escolas Públicas primárias.
D) Incluir no programa das associações piedosas masculinas e femininas o dever
do catecismo principalmente as crianças pobres e descuidadas.
II Formação Moral:
D) Cinemas Educativos Católicos
E) Campanha contra a pornografia
III Formação Intelectual:
A) Desenvolver o mais possível o ensino da filosofia escolástica, afim de suprir a
falta de uma Universidade Católica.
C) Organização do trabalho intelectual em outros ramos de influência católica,
como sociologia, etc.
D) Fundação de um Instituto Católico para comerciantes
IV Formação Política:
A) Iniciar os nossos jovens mais talentosos nos princípios católicos que devem
informar, orientar e dirigir a ciência do governo das nações
V Formação Física:
A) Organização de associações desportivas terrestres e náuticas com atmosfera
católica
VI Campanhas:
A) Propaganda de livros de cultura católica, folhetos Jornais, etc.
B) Com operários (CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg.117)
Antecipando algumas considerações conclusivas, nos arriscamos a dizer que o
disciplinamento jesuíta demonstrou resultados esperados, tendo alguns alunos, de fato,
incorporado o espírito rescristianizador, de querer restaurar todas as coisas em Cristo.
A constituição da Liga, criada por pelos alunos, para a Restauração dos Ideais é um dos
melhores exemplos disso.
Por fim podemos usar como exemplo da absorção dessa praxe a campanha
realizada em setembro de 1932 pela LRI de “horror as conversas imorais” onde os
integrantes tinham o “compromisso sobre ponta de honra de não só se evitar todo gesto,
palavra ou conversa imoral”, como também fazer campanha de “propaganda contrária a
fim de libertar a nossa estremecida pátria deste vergonhoso hábito que mata as almas
das crenças inocentes e desdoira o nome do querido Brasil” (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1916-1923 pg.86).
3.2. Higiene: principal confluência com a modernidade
A partir de alguns autores percebemos que as questões de higienização eram
uma das maiores incorporações dos discursos modernizantes da igreja. Já no cotidiano
do Nóbrega, através da nossa documentação, encontramos uma infinidade de textos
64
preocupados a higiene, nos quais o discurso médico-cientista foi incorporador numa
série de práticas, que vão desde dedetizações, cuidados contra epidemias, a criação de
diretorias específicas responsáveis pela higiene do colégio (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO
1917-1929).
A confluência com o discurso da modernidade não seria, portanto uma novidade.
Ainda em tempos agostinianos percebe-se que aceitações da razão e das inovações
advindas de suas contemporaneidades fazem-se necessária para a adaptação da Igreja. O
que, claro, não a impede de delimitar o uso da racionalidade à ótica da fé.
Com o tempo, tornou-se comum em alguns textos publicados pela Igreja, a aceitação da
razão, da modernidade, e das inovações benéficas, especialmente nas áreas de saúde.
Com argumentos totalmente ilógicos e enganosos, não deixam de invocar a
força e superioridade da razão humana, e de destacá-la contra a santíssima fé
de Cristo; e resmungam descaradamente que tal fé é contrária a razão
humana. Não se pode sequer imaginar e cogitar nada que seja mais
desconsiderado de tudo isso, mais ímpio e repugnante à razão mesma.
Embora a fé seja superior a razão, todavia não se pode nunca afirmar que
entre elas exista dissídio e conflito, porque as duas provêm da única idêntica
fonte de imutável e eterna verdade, ótimo e máximo Deus, e se auxiliam
mutuamente. (PIO IX, 1846. pg. 84)
Segundo José Gonçalves Gondra, na obra “Artes de civilizar – Medicina,
Higiene e Educação Escolar na Corte Imperial”, foi em meio a um jogo de afastamento
e aproximação entre religião e ciência, e a partir da dinâmica interna entre dois modelos
mais gerais, um francês, outro inglês e inúmeras correntes médico-acadêmicas, que a
medicina vai se institucionalizando no Brasil no século XIX (GONDRA, 2004).
Destacando, contudo, o que concerne ao nosso foco, Gondra mostra como o
higienismo estava ligado a um discurso utópico de um modelo escolar integral que
concentrou numa instituição a educação física, moral e intelectual (GONDRA, 2004).
E é esse um dos pontos que se concentra uma das confluências entre a
racionalidade acadêmica positivista médica, o social do Estado e a moral da Igreja: “A
escola enquanto lugar de cura para uma sociedade descrita sob marcos da incivilidade,
desordem, feitiçaria, curandeirismo, práticas mágicas, curiosidade e desrazão”
(GONDRA, 2004. pg. 12).
Embora indiscutivelmente ameaçada pela crescente racionalidade de alguns
modelos, a Igreja se posiciona de uma forma a abraçar aquilo que de forma inevitável já
tinha conquistado certo espaço de credibilidade social, e durante o fim do século XIX e
início do XX vai tentando flexibilizar a negação da modernidade:
65
Assim como o Estado, também a ciência, o método e a investigação
científica, nada têm a temer do pleno e perfeito mandato educativo da Igreja.
Os institutos católicos, a qualquer grau de ensino e de ciência a que
pertençam, não têm necessidade de apologias. O favor de que gozam, os
louvores que recebem, as produções científicas que promovem e multiplicam,
e mais que tudo, os sujeitos, plena e excelentemente preparados que oferecem
à magistratura, às várias profissões, ao ensino, e à vida em todas as suas
actividades, depõem mais que suficientemente em seu favor (PIO XI, 1929)
A admissão da validade do conhecimento científico na modernidade traz um
novo discurso da Igreja, numa faixada mais desenvolvimentista que abandona ideias
arcaicas de sociedade, mostrando que a defesa da tradição da Igreja não significa
necessariamente uma negação do bom progresso:
Uma sciencia existe, mas que todas necessária; sciencia que as crianças,
novas ainda no mundo lhes ensina o donde ellas vêm, o porque vêm, e para
onde vão; sciencia que revela ao homem a sua missão, o seu valor e o seu
destino; sciencia que única possue o segredo de uma moral eficaz; é a
sciencia da Religião. Si a escola moderna, pois, é o templo da sciencia, não
pode deixar de fora o ensinamento da mais importante das sciencias: a
Religião. (LEME, 1916)
Trazendo isto ao cotidiano recifense, Augusto Lins e Silva, é um ótimo exemplo
para mostrar que essa confluência com a modernidade em seus discursos higienistas não
era exclusividade do Nóbrega, mas sim do pensamento católico, que também podia se
manifestar com moldes mais “racionais”. Mostrando que o catolicismo republicano não
nega a validade científica, ele discursava sobre como a responsabilidade médico-legal
pode levar para as discussões que envolvam conceitos éticos e morai influências da
doutrina católica. Ele o faz na formulação de uma linha do tempo sobre a
responsabilidade médico-legal, em que dá mérito à Igreja por aceitar as pesquisas acerca
do assunto, viável apenas pela desvinculação delas das superstições, dando a ela
credibilidade:
(...) depois, o direito eclesiástico, acceitando intelligentemente as pesquisas
medico-legais dá importância honrosa à medicina, pela media edade, a
despeito das praticas cahoticas, abstrusas e superticiosas que enchem o
terreno menos vasto das jurisdicções e são o apanagio consolador do seu
tempo sem depurar a ordem dos factos accresce que já por esse tempo, o
casamento (...) (SILVA, 1913, pg. 6) ·.
E isso não se limita aos olhares da Igreja sobre o assunto. Segundo Lêda Sellaro,
no início do século XX a ideia de que só por meio da educação haveria a assimilação de
hábitos higiênicos pelos sujeitos sociais e as iniciativas ligadas à política sanitária
66
surtiriam os efeitos possíveis e desejáveis se aplicadas de forma correta. (SELLARO,
2009). Então, com o intuito diretivo a códigos “cristãos, brancos, europeus e
masculinos” no que se refere a corpo e espírito, os jesuítas desde a chegada ao Brasil
ainda no período colonial atendem a população física e espiritualmente (GONDRA,
2004):
O socorro aos corpos tornou-se um mecanismo cuja finalidade era amparar a
alma daqueles indivíduos considerados selvagens. Eminentemente
missionários, os jesuítas também se tornaram médicos, boticários e
enfermeiros. Num país marcadamente representado pelo signo da falta,
puderam preencher múltiplas funções assistindo igualmente índios, brancos e
negros, o que implicava cuidar dos doentes, hospitalizar, fornecer e ministrar
medicamentos, lancetar, sangrar, sarjar e partejar. (GONDRA, 2004. pg. 35).
Essa postura de “salvação” do “gentio” indicando-lhe o padrão a seguir não
parece mudar na vinda dos jesuítas no início do século XX (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO
1917-1929).
No CMN visualizamos a vinculação a um trabalho dentro do programa social de
Ação Católica de assistência moral e religiosa aos doentes, existindo até guias sobre o
assunto no arquivo do colégio20
. Além disso, o cotidiano dos alunos do colégio era
cercado de atividades disciplinadoras voltadas ao cuidado do corpo21
, nas quais estava
incluída a higiene.
Entretanto, periodicamente ondas de “peste” assolavam a cidade do Recife na
República Velha, e consequentemente o Colégio por sua posição geográfico central.
(DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929). As que mais causaram impacto no CMN
foram as ocorridas nos anos de 1918 e 1919, levando, em14/05/1919, o diretor de
higiene do colégio a solicitar o fechamento do CMN por questões de segurança. Esse
reabriu três dias depois, após o Dr. Otávio de Freitas, a pedido do Diretor do CMN,
enviar uma equipe para desinfetar o colégio. (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929.
pg. 82)
Continuando nossa exposição, ao longo deste capítulo visualizaremos outras
práticas cotidianas que envolviam o colégio e que não encontraram dificuldades de
serem aplicadas, seja pelo apoio de uma grande parcela da sociedade ou pela ausência
20
COSTA, Joaquim Pinto Da. Assistencia moral e religiosa aos doentes: Notas de teologia
pastoral pratica e accao social catolica. 1. ed. Porto: Biblioteca utiledulci, 1924. 495 p 21
Associação Desportiva Acadêmica, anexo Q.
67
significativa de um movimento opositor de cunho mais radical como encontraram em
Portugal.
Embora tenha havido a necessidade de adaptação ao discurso da modernidade,
as ações do CMN denominadas por seus próprios agentes como restauradoras, nem
precisaram serem de fato “restauradas”, uma vez que o discurso de uma moral
“civilizante” vindo “de baixo para cima” já era algo ordinário na cultura da sociedade
recifense. As ações “catequizadoras” elitistas ocupavam o espaço público sem grandes
dificuldades, usando instituições de ensino religiosas para, ao mesmo tempo, instruir os
futuros militantes católicos, e realizar um disciplinamento social das massas.
E é justamente na promessa de instauração da “ordem pública”, que o discurso
produzido pelos agentes do CMN ganha mais receptividade nos setores de elites
políticas, que precisavam lidar na época com uma série de revoltas pontuais e
necessitavam do apoio de um discurso diplomático que contivessem os ânimos e
agissem como razão conciliadora entre eles e as massas.
Assim, garantindo a manutenção da ordem para as elites e exercendo sua divina
obrigação de auxílio ao pobre por meio das mais variadas campanhas de caridade e de
ensino profissionalizante gratuito, que o CMN consegue se instaurar como mediador
dos conflitos entre essas camadas sociais, garantindo um lugar de destaque na sociedade
recifense, o que os permitiram ir além, fazendo com que os discursos moralizantes
representassem uma força real que não poderiam ser ignoradas pelos setores
políticos/legislativos.
68
4. CAPÍTULO 3: ENTRE PESSOAS, LUGARES E INSTITUIÇÕES: UM
ESTREITAMENTO DE LAÇOS COM A ELITE PERNAMBUCANA COMO
ESTRATÉGIA POLÍTICA?
Esse capítulo tratará, além das aproximações culturais, das pistas indicativas de
aproximações de forma prática, muitas delas aparentemente sutis, mas que se vinculam
às estratégias maiores, que em pleno Estado Laico, inauguraram ou apelaram para
manutenção de práticas até os dias atuais e que são difíceis de serem abandonadas.
Aqui abordaremos a Instituição redirecionando o olhar para os sujeitos e os
agentes que a compõem, analisando o trânsito entre lideranças eclesiásticas e leigos,
destacando suas inserções sociais e chamando atenção ao fato de seus discursos e ações
estarem cobertos de sentido, não com o intuito de esgotar suas análises, mas apenas
como sinais indicativos de direções conclusivas, as quais esta pesquisa pretende chegar.
Quando falamos de um período como a República Velha, a confissão de uma fé
católica é algo que traz prestígio social mesmo na república, “(...) logo são restituídas à
hierarquia as marcas exteriores de prestígio e respeito, e mesmo acrescidas. Os homens
políticos, mesmo antigo livre pensadores como Rui Barbosa, sentem-se obrigados a
fazer pública confissão de fé em suas campanhas”22
Sérgio Miceli, que acabou se tornando um autor clássico dos estudos dessa
temática ( citado ao longo do texto), vem demonstrando que para continuar relevante e
próxima aos detentores do poder no Brasil a Igreja precisou reagir as mudanças
impostas no período republicano: recrutando seus quadros entre a elite do país,
tornando-se a principal entidade da rede de ensino privada no país, criando novas redes
de imprensa e abrindo novas dioceses no país (MICELI, 2009).
Desse modo, ela se beneficiou do Estado Laico Brasileiro para retomar o
controle sobre a formação e a disposição do pessoal religioso, que a muito perdera em
função do regime do padroado no Império, e não hesitou em usar as solenidades dos
cultos romanizados para legitimar e fortalecer o sistema de poder das elites a que
estavam associadas. (MICELI, 2009). Nesse sentido todo “plano” de ação da Igreja
22
MOURA, e ALMEIDA in FAUSTO1977Vol. 2., p. 329
69
parece obedecer uma lógica de etapas, que vão desde sua restauração institucional, até a
conquista simbólica de vários setores socioculturais e políticos.
A expansão organizacional da Igreja tomou o feitio de um processo de
‘estadualização’ do poder eclesiástico. Com a Igreja tendo perdido o status
oficial de ‘ramo da administração pública’, destituída dos privilégios
inerentes à condição de corporação subsidiada e sem poder contar com o
respaldo de qualquer segmento de peso na coalizão à testa do novo regime
republicano, os detentores dos postos de decisão na alta hierarquia
concentraram esforços e investimentos na área mais próxima de influência.
(MICELI, 2009. pg.65)
Com o objetivo de formar um “cerco territorial” montado no Nordeste visando,
sobretudo, acordos políticos com setores dirigentes, uma série de dioceses foram criadas
e de gestões de prelados como D. Leme que serviram de forma estratégica aos interesses
da Igreja (MICELI, 2009):
A política de ‘estadualização foi implementada através de estratégias
diferenciadas conforme o peso político e a contribuição econômica de cada
unidade federativa para a manutenção do pacto oligárquico e, por
conseguinte, uma função da margem de influência e prestígio á conquistada
pela Igreja, do grau de receptividade à sua contribuição por parte dos círculos
dirigentes locais e do potencial de mobilização dos católicos como grupos
articuladores de pressão a ponto de influir sobre decisões governamentais
suscetíveis a afetar as áreas vitais de interesse para organização eclesiástica.
(MICELI, 2009. pg.66)
Essa não foi uma particularidade do Nordeste, nem da gestão de D. Leme. Com
o intuito de uma política expansionista da Igreja, cada estado do Brasil ganhou uma
diocese, foram feitas alianças com setores de peso da oligarquia em troca,
principalmente, da prestação de serviços educacionais e controle de ordem das massas
subversivas (MICELI, 2009).
Colégios contemporâneos ao CMN, abrigaram uma gama de interesses sócio-
políticos em sua criação. Eles não só serviam aos interesses econômicos de empresários
que viam grandes possibilidades de lucros ao apoiar financeiramente esses
empreendimentos, com tinham o apoio de um setor oligárquico que via no prestígio
social da Igreja uma forma de promoção, especialmente na política, além da alternativa
à demanda não suportada pelo governo de instituições de ensino que atendessem a
população.
Em contrapartida, a Igreja se fazia presente nas mais diversas esferas da
estrutura ideológica do país, travando batalhas simbólicas de “tomada de território” dos
70
espaços públicos, que iam desde benzer prédios públicos, gerir hospitais, etc. e que
culminou na retomada do ensino religioso nas escolas públicas na Era Vargas (MICELI,
2009).Como, por exemplo, a reposição do Jesus Cristo Crucificado no salão do Júri de
Olinda, no dia 09/11/1919, realizada pelos Jesuítas do Nóbrega (DIÁRIO DE
FUNDAÇÃO 1917-1929.pg. 97). Embora pareça se tratar de simples rotina, está
carregado de sentido, pois, segundo o historiador Marcos Gonçalves, aparentemente
estava ligada ao movimento “Cristo no Júri”, da década de 1910, encabeçado pela
Revista Ave Maria; um movimento fundamentalista, que visava reintroduzir a figura do
Cristo nos lugares onde se produz a justiça dos homens. Segundo o pesquisador:
implica-se ao destaque dado a determinada visão ou símbolo primitivo,
original, como principal e mesmo único foco da tradição. O crucial, segundo
Eisenstadt, não é apenas a seleção de certo tema ou símbolo da tradição em
prejuízo dos demais, e sim, a subordinação dos diferentes aspectos e camadas
da tradição às presumíveis implicações desse princípio único e a sua
concomitante hierarquização (GONÇALVES, 2008. pg. 78)
´É interessante frisar que a prestação de serviços educacionais, como aqueles
fornecidos pelo CMN para as elites, passou a constituir a diretriz-mor da política
expansionista seguida pela organização eclesiástica.
A criação de escolas secundárias femininas e masculinas, se tornaram um dos
principais itens dos programas de governo dos dirigentes oligárquicos. (…)
Não podendo arcar diretamente com os encargos financeirose institucionais
requeridos pela formação de quadros docentes e administrativos, e sem
contar com o respaldo de políticas públicas adequadas na área educacional,
os governantes estaduais e alguns setores de peso dos grupos dirigentes locais
preferiram dar mão forte aos empreendimentos confessionais.
Emprestandoou fazendo cessão de terrenos e prédios em condições
vantajosas, concedendo subsídios financeiros diretos ou sob a forma de
bolsas de estudos, convênios, contrato de serviços, e, sobretudo, matriculando
seus próprios filhos, os grupos dirigentes se mostraram particularmente
empenhados no sucesso desta política educacional entregue nas mãos de
autoridades diocesanas e das ordens religiosas, sobretudo das estrangeiras,
especializadas na prestação desse tipo de serviço. (MICELI, 2009. pg.29)
Notem, que a prestação de serviços educacionais a política pública aproximou a
igreja dos setores oligárquicos mais estratégicos do país, que por sua vez, constituíam
um canal participativo da Igreja no Estado.
4.1. Rede católica de intercâmbio do CMN
71
Como vimos, durante o processo de “estadualização” empreendida pela Igreja na
República velha, as instituições de ensino tinha um importante papel de aproximação
política. Aqui, entretanto, destacaremos algo que precede a isso, a vinculação do CMN
ao papel de articuladora das ordens religiosas, clérigas e leigas, nas campanhas que
exigiram uma maior convergência de esforços.
No tópico sobre a aproximação política veremos os agentes componentes do
Nóbrega se associando às principais campanhas político-legislativas em que o Nóbrega
se envolveu diretamente no período estudado: a campanha contra legalização do
divórcio e a em prol do ensino religioso nas escolas públicas.
Em tais campanhas, vemos os padres jesuítas, alunos e congregados da
Congregação Mariana de Mocidade Acadêmica e da Liga para a Restauração dos Ideais
do Nóbrega, encabeçando grandes atividades que mobilizaram e articularam o
catolicismo pernambucano, e em certas vezes até nacional.
A Congregação Mariana, desenvolvendo, no Recife e no interior do Estado,
um movimento de tamanha amplitude espiritual, não fazia mais do que dar
um eloquente testemunho de compreensão dos seus deveres perante Deus e a
Nação. Ela quis demonstrar que uma restauração nacional não pode ser
conseguida sem os fundamentos da educação cristã. (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1924-1927. pg. 100)
Em relatório sobre a campanha em prol à CMMA, Nilo Pereira fala aos moços
congregados da CMMA
sentiram que havia chegado a ocasião oportuna de agir em nomedos Direitos
de Deus, esquecidos e postergados em má hora de quase divinização dos
chamados direitos do homem. (…) juventude católica saísse a rua para
mostrar ao agitado povo que a solução dos males não estava no golpe
revolucionário; ela estava antes de tudo, na educação cristã da nossa gente,
que expiava tragicamente as culpas da sua ingratidão (…) com acervo de 40
anos de regime o doloroso fardo de uma longa e causuística
experiência”(CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940. pg. 116)
Os trabalhos que ganharam mais proporção foram os comícios em prol do ensino
(detalhados no tópico sobre aproximação política), que se espalharam na virada para
década de 30, nos quais os professores e os alunos distribuíam boletins de propaganda
católica de ensino, vinculados a uma série de congregações:
72
as forças ponderáveis do catolicismo pernambucano, ligadas pela ação
constante e eficiente desta Congregação, prepararam o advento do ensino
religioso, conquista há muito desejada por quantos anseiam ver nossa
estremecida pátria liberta do laicismo perversor e separatista
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 126)
Outra ação que ganhou grande adesão, desta vez nacional, foi a “Cruzada de
orações pela Restauração cristã do Brasil”23
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940
pg. 107). Nela, os jovens Marianos primeiramente solicitaram um “tríduo de preces” em
preparação à festa de Cristo Rei através da imprensa e depois percorreram pessoalmente
hospitais e associações piedosas. Em Seguida, enviaram um telegrama “aos bispos do
Brasil”, solicitando nominalmente à adesão de cada diocese brasileira ao movimento.
Logo em seguida, uma série de cartas, endereçadas ao Pe. Fernandes chega ao Colégio
confirmando a adesão à ação e o parabenizando pelos trabalhos desenvolvidos com a
juventude (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 107-113).
Abaixo, transcrevemos algumas instituições eclesiásticas e Leigas que se
vincularam a estas ações promovidas pelos agentes do Nóbrega:
1. Colégio Salesiano do
Recife
2. Instituto N. S. do
Carmo
3. Colégio do Coração
Eucarístico
4. Conferencistas de São
Vicente de Paulo
5. Colégio S. Margarida
6. Noelistas Brasileiras
7. Colégio de S. José
8. Redação da A.
Tribuna e todas as
associações do
Colégio do Coração
Eucaristico
9. Comité Noelista de
Pernambuco
10. Centro D. Vital 11. Paroquia de Gravatá 12. Companhia de Caridade
23
Não está especificada na documentação a data do evento
73
13. Centro do Apostolado
da Oração para as
Faculdades
Superiores do Recife
14. Associações Católicas
de minha paroquia
15. Apostolado da Oração
16. Liga dos Católicos de
Olinda
17. Irmandade de S.
Pedro dos Clérigos
18. Pia União do Hospital
das Doenças Nervosas e
Mentais
19. Centro Social
Católico de Afogados
20. Ordem 3a.de Nossa
Senhora do Carmo do
Recife
21. Filhas de Santa Ana
22. Hospital Português de
Beneficência
23. Pelo Convento de S.
Francisco do Recife
24. Associação das
Senhoras de Caridade
do Recife
25. Circulo Católico de
Pernambuco
26. Paróquia da Soledade
27. Associações da Matriz
da Graça
28. Asilo do Bom Pastor
29. Associação de Bôa
Imprensa
30. Centro Social Católico
31. Conferência de Nossa
Senhora do Rosário
da Várzea
32. Liga para a
Restauração dos
Ideais
33. Colégio da Sagrada
Família
34. Apostolado da Oração
da Várzea
35. Apostolado da Oração
dos alunos externos e
semi-internos do
Colégio Nóbrega
36. Associação dos Santos
Anjos
37. Obra dos Batizados
38. Lazaristas do Recife 39. Pia – União das Filhas
de Maria do Colégio da
Sagrada Família de
Casa Forte
40. Colégio Salesiano do
Recife
41. Ordem Terceira do
Convento da Penha
42. Colégio das Dâmas da
Instrução Cristã
74
43. Associação dos Ex-
alunos de D.Bosco
44. Convento de S.
Francisco
45. Pia – União das Filhas
de Maria
46. Associações da
Paróquia da Torre
47. Ordem 3a.de S.
Francisco
48. Associações da
Freguesia da Várzea
49. Conselho Central
Metropolitano da
Sociedade de S.
Vicente de Paulo em
Pernambuco
50. Associações da Igreja
do Convento de S.
Francisco Olinda
51. Conferência de Nossa
Senhora das Dôres
52. Colégio Marista da
Imaculada Conceição
53. Seminário de Olinda
54. Associações religiosas
da Fabrica de
Camaragibe
55. Ginásio do Recife
56. Religiosas
Beneditinas em
Olinda
57. Associação de N. S. de
Lourdes
58. Academia S. Luiz de
Gonzaga
59. Academia de S.
Gertudes em Olinda
60. Conferência de S.
Vicente
61. Conferência do SS.
Sacramento
62. Abadía de S. Bento
em Olinda
63. Associação da Sagrada
Família da Matriz de
Santo Antônio
64. União de Moços
Católicos da Torre
65. Instituto anexo dos
Oblatos de S. Bento
66. Mães Cristãs
67. Pritaneu
68. Conferência das mães
Cristãs
69. Pia – União das Filhas
de Maria
70. Congregação Mariana
de S. Luiz
71. Ordem Carmelitana
de Pernambuco
72. Pia – União das Filhas
de Maria da Matriz da
Piedade
75
73. Santos Anjos
74. Associações que
funcionam nas suas
Casas Religiosas
75. Conselho Particular da
Sociedade de S.
Vicente de Paulo em
Recife
76. Cruzada Eucaristica
77. Colégio N. S. de
Pompeia
78. Pia – União das Filhas
de Maria da Madre de
Deus
79. Religiosas da Sagrada
Família de
Camaragibe
80. Congregação das
Filhas de Maria
81. Pia – União das Filhas
de Maria da Matriz de
S. José
82. Centro Acadêmico de
Agricultura de S.
Bento
83. Conferência Vicentina
de S. Salvador em
Olinda
84. Paróquia de S. José do
Recife
Percebemos até aqui as proporções que o CMN conseguiu atingir através de seu
empreendimento; seja liderando, articulando ou participando. Precisamos destacar, que
à rede de relações do Colégio conseguia assegurar às Ações de Recristianização a que se
dispunha promover tamanha magnitude, constituindo-se um dos principais sinais
indicativos do posicionamento sociopolítico nas campanhas políticas que ocorreram
durante a República Velha.
4.2. Deveres sagrados de mãe e esposa: o posicionamento estratégico da mulher
católica
No capítulo anterior, nos detivemos sobre a questão da moralização de vários
setores empreendida pela Igreja no período e como, a partir de esse objetivo, ela
conseguiu se aliar a uma elite conservadora que viu nessa associação uma grande
oportunidade de disciplinamento social.
Constatamos que, indo além da lógica extensiva daquilo que Sérgio Miceli
falava sobre a reestruturação da Igreja enquanto instituição durante a República Velha e
sua sólida aliança com setores estratégicos oligárquicos, para chegar à política a igreja
precisou passar pelas mulheres católicas. Buscando constantemente as marcas sociais
76
para uma distinção aristocrática, a alta sociedade recifense via num modelo de família
nuclear aquela urbanidade intelectualizada, mas ainda conservadora, que era um modelo
a ser seguido tanto pelas mais distintas famílias pernambucanas, como também pela
mulher comum.
Destacava-se a “Mãe marina”, “esposa consagrada”, “católica devota”, “mulher
virtuosa” em algumas das descrições encontradas na documentação acerca das mulheres
que transitavam no cotidiano do Colégio. Seu papel político também ficou claro, uma
vez que representando aquilo que de mais “puro e santificado” que existe na sociedade,
deveriam partir delas as principais lutas protetivas da família.
Embora o CMN fosse originalmente uma escola masculina, as mães de seus
alunos, assim como as “distintas senhoras” da sociedade pernambucana contribuíam
com os trabalhos do colégio, seja ornamentando a capela do Palácio seja fazendo
cruzadas beneficentes, angariando donativos, fazendo levantes em assuntos políticos e
demonstrando seu apoio ou repúdio às decisões legislativas que envolviam a
moralidade.
É interessante notar que Mãe e esposa dedicada pode significar e várias vezes ser
reproduzidas como um personagem mártir que honra a todo custo os preceitos católicos,
e que por isso esteve sempre pronta a sacrificar até a vida em nome de seus deveres
cristãos.
D. Lilia pode ser apontada como modelo às senhoras pernambucanas. As
suas afirmativas categóricas, recusando-se a atender aos conselhos médicos,
que lhe indicavam perigosa a maternidade, bem provam em que conta tem
esta matrona virtuosa o dever sagrado de esposa católica, no século do
comodismo e do descaso para os mais santos preceitos de Deus e da Igreja.
Ela tem sofrido tanto nessas ocasiões, chegando mesmo às portas da morte,
respondeu àqueles conselheiros: ‘eu sei morrer para cumprir o meu dever de
maternidade’” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 12)
No entanto, aquele que aparentemente melhor coube às mulheres foi a atribuição
de criar com os homens mais influentes dos setores políticos uma ligação e conexão
entre eles e a Igreja. D. Lilia Barreto Campelo, esposa do deputado Dr. Barreto
Campelo, com quem teve 13 filhos, é um ótimo exemplo disso. Descrita como uma das
maiores incentivadoras das causas católicas, foi citada na documentação em contextos,
onde figura como grande incentivadora do marido, que mesmo quando adoentado
recebia estas palavras da célebre esposa: “Barreto, a sua vida não pertence a você,
77
pertence a Igreja Católica. Trate de levantar e se por a caminho”. (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1928-1940 pg. 12)
Parece que o apelo a influência das esposas é bastante recorrente no cotidiano da
instituição. Isso ocorria pelo conhecimento dos jesuítas sobre a necessidade da adesão
dos setores simbolicamente mais influentes da sociedade para que as diligências em prol
da causa fossem consideradas prioridades no novo programa de governo. Foi o que
aconteceu com a campanha em prol do ensino:
Assim preparada, iniciou a Congregação Mariana o movimento para se obter
o ensino religioso o ensino religioso no Estado de Pernambuco. Para este fim
recorreu primeiro às Mães Cristãs, e por meio do colégio de São José, a um
grupo, a um grupo de professoras para mediante aprovação do Senhor
Arcebispo, conseguir a assinatura dos homens. Preparou também um livro de
ouro para arquivar opiniões dehomens notáveis sobre o ensino religioso.
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 113 )
Nesse esforço para a volta do ensino religioso nas escolas, cogitou-se então
enviar, ao Interventor Federal, em outubro de 1930, um longo documento memorial,
assinado por altas senhoras da sociedade pernambucana, tendo à frente Madame Lima
Cavalcante. “Através desse importante documento vibraria, em justos anseios de
reivindicação, a alma feminina desta heroica terra” (CONGREGAÇÃO MARIANA
1928-1940 pg. 117).
Assim, no período estudado, as mulheres também demonstraram ser um campo
estratégico rumo à política. E o CMN cumpriu bem o seu papel de fomentador dos
trabalhos femininos, seja diretamente, ou em cooperação com outras instituições, como
aconteceu de forma recorrente com as Doroteias do Recife, cuos trabalhos geraram
ótimas alianças e laços afetivo-familiares à oligarquia política recifense.
4.3. Relação com as Forças Armadas
Inaugurado ainda nos tempos da Primeira Guerra Mundial, o Nóbrega deu início
e consolidou seus trabalhos à sombra de um contexto de guerra e entre guerras, o que
torna plausível a extensão da aproximação com as elites políticas às forças armadas.
Mesmo assim, para nós, essa associação inusitada entre Jesuítas e comandos do
78
Exército e Marinha recifenses, além dos aviadores24
militares da futura Força Aérea
Brasileira, registradas nos documentos analisados, nos chamou atenção e nos incitou
várias dúvidas, as quais preferirmos dar certo destaque neste tópico.
No espírito da restauração católica, pode ter havido uma aproximação do CMN
com as forças armadas a pedido de D. Leme, pois desde a inauguração de seus trabalhos
como Bispo da Diocese de Olinda que ele demonstrou interesse na retomada católica da
engrenagem do Brasil oficial
Na verdade, nós catholicos, somos a maioria do Brasil e, no entanto,
catholicos não são os princípios e os orgams da nossa vida política. Não é
catholica a lei que nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da
autoridade. Leigas são as nossas escolas, leigo o ensino. Na Força Armada da
República, não se cuida da Religião. Enfim, não vemos uma só manifestação
de vida catholica (LEME, 1916. pg.)
Segundo o Programa de Ação católica as “blasfémias laicistas” pronunciadas
pelos “vermelhos defensores da Fé Leiga” foram aquilo que sistematicamente excluíram
da vida pública todas as práticas religiosas, “ateisando” a marinha, o exército, a justiça e
o magistério (NERY, 1933. pg. 109). Com isso, ações conjuntas foram estruturadas com
o intuito de retomar uma aproximação com essas estruturas.
E, como já foi comentada, parece não conseguir se pensar para aquele momento
histórico qualquer projeto de modelo de sociedade que não fosse posto “de cima para
baixo”. Assim, a recristianização das forças militares aparentemente não fugiu a regra,
fazendo com que, ao menos a aproximação Jesuíta, se desse com os altos comandos do
Exército e da Marinha no Recife.
Falando em especial de instituições com uma disciplina hierárquica tão rígida,
sem querer neste momento entrar na complexidade existente em qualquer interação
social, usaremos a máxima de que a lógica da época seria a de estabelecer relações com
os altos postos para conseguir otimizar o alcance do discurso dentro daquela instituição.
Isso explica o porque de encontrarmos registrados no cotidiano do colégio,
relações que iam desde todos os quatro filhos de um Comandante estudando no Nóbrega
(DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 19), as mais comuns como todos os alunos
do colégio sendo levados para assistir as paradas militares (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO
1917-1929. pg. 30). Aliás, registros da participação dos alunos do CMN e dos jesuítas
24 Anexo N
79
em eventos militares se mostraram uma constante em nossos documentos, como por
exemplo: “13/05/1919 – “O General de Divisão convidou para irmos assistir ao
juramento da bandeira dos novos recrutas no Quartel General” (DIÁRIO DE
FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 81); ou quando em 11/06/1919 – “foram alguns alunnos
com o Pe. Superior à festa que os Aprendizes da Escola de Marinheiros promoveram,
em comemoração da batalha do Riachuelo” (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929. pg.
84)
Entre os anos de 1919 e 1930 um destaque especial também foram dadas às
celebrações de missas pelos jesuítas ou a que contavam com sua participação em
eventos militares, como, por exemplo, a missa campal em “ação de Graças pelo regresso
da esquadra que tinha seguido para a Grande Guerra” (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO
1917-1929. p. 83).
Outro evento dessa ordem que merece destaque era a “Páscoa dos Militares”,
comunhão que se tornou entre os militares e o Nóbrega “uma fortíssima praxi”
(CONGREGAÇÃO MARIANA ACADÊMICA, 1925. pg. 178). Segundo os
documentos por nós analisados, essa tradição cresceu e se tornou “uma grande marcha
dos militares do exército e da marinha todos unidos, obedientes ao mesmo rufo do
tambor marchando em demanda para o bairro do Derby. E, ao chegar, são recebidos
com pétalas de rosas e flores, jogadas pelas senhorinhas de nossa melhor sociedade, as
noelistas” (CONGREGAÇÃO MARIANA ACADÊMICA 1916-1924. pg. 181)
Assistências mais específicas como o auxílio aos doentes e benções em leitos de
morte, um hábito à época, também eram dadas: “19/04/1917 – Visita do Pe. Dignam a
um marinheiro no hospital Português que ‘Graças a Deus o enfermo reconciliou-se com
a Igreja Catholica’” (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929. p. 12)
Entretanto, um tipo de vinculação nos deixou completamente intrigados. Alguns
escritos encontradas nos Diários de Fundação do Nóbrega nos levaram a pensar num
possível novo perfil de Jesuíta, que até o presente momento, não era permitido pela
instituição.. Entretanto, ainda permitindo que professores seculares ensinassem em suas
salas, houve a introdução de comandantes militares, durante às aulas, para ver as
instruções que eram dadas aos seus alunos:
09/05/1919 – “Veio ao Collegio pela tarde o Capitão Inspetor dos Tiros de
Guerra. Formou o Collegio todo, fazendo gynnastica sueca e depois o tiro fez
varias evoluções. O inspetor gostou muito dos alunos; felicitou o instrutor e
os alunos pelo modo como se apresentaram” (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO
1917-1929. pg. 80)
80
Diante disso nos indagando sobre as conjunturas responsáveis por esse tipo de
relação. Por isso, esse tipo de situação recorrente entre os anos de 1919 e 1927, nos fez
duvidar se de fato era algo aceitável nas ordens religiosas, uma vez que o Papa Pio XI
em 1929 faz um pronunciamento que tocou no assunto de militares ministrando
atividades físicas em colégios religiosos:
Todavia, é claro que, em todos estes modos de promover a educação e
instrução pública e privada, o Estado atêm de observar a justiça distributiva,
deve também respeitar os direitos congénitos da Igreja e da família sobre a
educação cristã. Portanto é injusto e ilícito todo o monopólio educativo ou
escolástico, que física ou moralmente constrinja as famílias a frequentar as
escolas do Estado, contra as obrigações da consciência cristã ou mesmo
contra as suas legítimas preferências.
c) Qual educação pode reservar-se
Isto porém não impede que para a recta administração do Estado e para a
defesa externa e interna da paz, coisas tão necessárias ao bem comum e que
requerem especiais aptidões e peculiar preparação, o Estado se reserve a
instituição e direção de escolas preparatórias para o exercício dalgumas das
suas funções, e nomeadamente para o exercito, desde que não ofenda os
direitos da Igreja e da família naquilo que lhes pertence. Não é inútil
repetir aqui, dum modo particular, esta advertência, visto que nos nossos
tempos (em que se vai difundindo um nacionalismo tão exagerado e falso
quanto inimigo da verdadeira paz e prosperidade) costuma o Estado
ultrapassar os justos limites, organizando militarmente a chamada
educação física dos jovens (e às vezes mesmo das meninas, contra a própria
natureza das coisas humanas), absorvendo muitas vezes desmesuradamente,
no dia do Senhor, o tempo que deve ser dedicado aos deveres religiosos e ao
santuário da vida familiar.
Não queremos, de resto, censurar o que pode haver de bom
relativamente ao espírito de disciplina e de legitima ousadia, em tais
métodos, mas semente todo o excesso, qual é por exemplo o espírito de
violência, que não deve confundir-se com o espírito de intrepidez nem com o
nobre sentimento do valor militar em defesa da Pátria e da ordem publica,
qual é ainda a exaltação do atletismo que marcou a decadência e a
degenerescência da verdadeira educação física, mesmo na época clássica
pagã.
Em geral pois, pertence à sociedade civil e ao Estado a educação que pode
chamar-se cívica, não só da juventude mas também a de todas as idades e
condições, que consiste na arte de apresentar publicamente tais objectos de
conhecimento racional, de imaginação e de sensibilidade, que atraiam a
vontade para o honesto e lho inculquem por uma necessidade moral, tanto
pela apresentação da parte positiva de tais objectos, como pela da negativa,
que impede os contrários.
Tal educação cívica, tão ampla e múltipla que compreende quase toda a acção
do Estado pelo bem comum, assim como deve ser informada pelas normas da
rectidão, assim também não pode contradizer a doutrina da Igreja que foi
divinamente constituída e é mestra destas normas. (PIO XI. 1929) (grifos
nossos)
O que nos fez indagar se havia uma “intervenção” estatal militar “forçada”, no
período entre guerras, nas escolas, como um possível fomento de ingressos nas carreiras
81
militares. Infelizmente nossa documentação não subsidia nenhum tipo de resposta mais
concreta, por isso como não configura objeto de nossa pesquisa, nos resignamos a abrir
questionamentos para novos estudos.
Na verdade, objetivamos mostrar o espaço de prestígio que configurava o
Colégio Manuel da Nóbrega, e que por isso era usado para uma aproximação das elites
dirigentes da máquina pública, inclusive as forças armadas, na concretização dos mais
diversos intuitos de recristianização social.
Reforçamos, mais uma vez, que esse objetivo foi de fato cumprido pela
Companhia de Jesus, pois as associações dos jesuítas do Nóbrega com os militares se
deram com os mais altos postos, gozando de incrível prestígio social, uma vez que eram
visitados por personalidades de alto prestígio social local e algumas vezes nacional e
internacional, como foi o caso do aviador Ribeiro de Barro, pioneiro na travessia aérea
do Atlântico Sul em 1927
11/07/1927 – “Vieram ao Collegio os aviadores brasileiros Ribeiro de
Barrose seus companheiros. De tarde foi feriado e revelaram-se os visitantes
em pátio[?] preparado de ante mão ofereceram-lhes alunnos uma taça e
fizeram evoluções de gynnastica sueca” (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-
1929. pg. 171)
4.4. Aproximação política
Até aqui visualizamos como se manifestavam as aproximações das elites
conservadoras do Recife e como elas pretendiam chegar àquelas oligarquias políticas.
Mainwaing mostra que essa “relação de proximidade com as elites governamentais era
parte do modelo de Igreja na neocristandade” (MAINWARING,1989. pg. 19), tal
aproximação política era importante porque essa configuração da Igreja acreditava que
ela era. O que não exclui, claro, os conflitos dentro da própria Igreja e também a
possibilidade de que as ideologias políticas da sociedade brasileira tenham influenciado
a concepção de fé e os interesses da Igreja.
Especificamente em Recife, os trabalhos para aproximação política nesses
moldes tinha por eixo a Carta Pastoral de 1916 de D. Sebastião Leme, sendo ele um dos
prelados posto de forma estratégica para este fim (MICELE, 2009). Ela daria início ao
chamado lemista, que concocavam os católicos para que tomassem seu lugar na
sociedade e fizessem valer em nome do espírito democrático que rege a república
82
brasileira, o respeito ao catolicismo nos espaços públicos por ser esta a religião da
maioria do povo:
Na verdade, os catholicos, somos a maioria do Brasil e, no entanto,
catholidos não são os princípios e os orgams da nossa vida política. Não é
catholica a lei que nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da
autoridade. Leigas são as nossas escolas, leigo o ensino. Na força armada da
República, não se cuida da Religião. Enfim, na engrenagem do Brasil oficial
não vemos uma só manifestação de vida catholica. O mesmo se pode dizer de
todos os ramos da vida pública. (LEME, 1916)
Por sua vez as conexões de instituições como o CMN se davam porque
ambientes Educacionais nesse período representavam grandes demarcadores sociais, e
eventos em um colégio considerado marcadamente de elite como o Nóbrega era o
responsável, entre outros, pela formação das futuras elites dirigentes do Estado, além de
aproximar naturalmente das elites políticas que já estavam no poder.
19/03/1917 – Inauguração do colégio com missa celebrada pelo Pe. Diretor.
Presentes as família, o Rev. Pe. Do Salesiano, Mons. Casimiro, Dr. Barata,
Pe. Ambrosino, Pe. Ferreira, e mais tarde vieram os padres Felix
(?),subdiretor do Colégio Arquidiocesano João Olímpio - Coadjutor da Boa
Vista, Eduardo Dubeme (?) Barcellos: reporte do diário de Pernambuco
DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929.
Para nós, o Colégio era não só um espaço de prestígio, mas também o formador
das intelectualidades que davam suporte ao discurso político. Certeau, citando Gramsci
fala dos “intelectuais orgânicos”, grupo particular sobre o qual analisa a relação entre
sua “posição” social e os discursos que eles “produzem” (CERTEAU, 2000. p. 40).
Nos documentos do CMN, não raros momentos, vemos sinais que indicam a
tentativa de formação de militantes para as causas por eles defendidas, sendo mais que
natural a uma instituição de ensino influenciar em todos os aspectos da formação do
homem sociopolítico.
13/05/1917 – “O Pe. Superior foi com uma deputação de allunos assistir a
sessão solene que fez realiza no theatro de Santa Izabel a Liga da defesa
Nacional. O Sr.(?) Arcebispo fez ali um discurso de abertura” (DIÁRIO DE
FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 13).
83
Na formalidade das práticas “as instituições políticas utilizam as instituições
religiosas, infiltram nelas seus critérios, dominam-nas com sua proteção e destinam-nas
aos seus objetivos”. Para Certeau, o que é novo, portanto, não é a ideologia religiosa (o
poder impõe um retorno à ortodoxia católica), mas a prática que, de ali em diante, faz a
religião funcionar a serviço de uma política da ordem. A investidura religiosa de que
esta ordem é credora está destinada a captar as organizações existentes e consolidar a
unidade política. De forma que a consciência cristã fica a serviço da moralidade pública,
na qual contratos efetuam uma razão política para revelar a ordem nova que se inscreve
nos comportamentos tradicionais (CERTEAU, 2000. p. 161).
Assim vemos uma série de membros das elites, agentes políticos, de saúde, etc.
sendo citados nos Diários do Nóbrega e no Arquivo da Congregação Mariana, com os
quais, em sua imensa maioria, o colégio mantém relações amistosas e de estreita
cumplicidade. Isso se explica, como já fora visto acima, porque no período da
neocristandade “clérigos destacados cultivavam amizades com políticos com o fito de
extrair favores do estado” (MAINWARING, 1989. pg. 11), além do catolicismo
brasileiro, naquele momento, ter caminhado na direção de uma instituição mais voltada
para o leigo (MAINWARING, 1989).Os quais deveriam:
Permanecer firmes e inabaláveis em nossa divina religião, única e verdadeira,
única que prepara para a vida eterna, que salva e torna próspera a sociedade
civil. Por isso não cesseis – sobretudo com a ajuda dos párocos e dos outros
eclesiásticos estimados pela integridade de vida, austeridade nos costumes, sã
e sólida doutrina – de anunciar a divina palavra, de catequizar os povos
confiados aos vossos cuidados, de ensinar a eles continuamente e com zelo os
mistérios, a doutrina, os preceitos e a disciplina de nossa augusta religião
(PIO IX, 1864. pg. 239)
A importância do estabelecimento forte dessas ligações de forma esquemática
iniciada por D. Leme no Recife vai se expandindo de forma eficiente, tendo sua
validade reconhecida mais tarde pelo Papa Pio XI em carta endereçada ao cardeal:
Queremos mostrar que, uma vez mais, como explicar da colaboração, que os
leigos podem dar ao clero, não só para defender a verdade ea vida cristã
de tantas armadilhas que a ameaçam, mas também para tornar-se, sob a
liderança de seus pastores, uma grande ajuda para um progresso cada vez
mais religioso e civil. (grifos nossos) (PIO XI, 1935.
Logo, a importância dos leigos se vincula principalmente ao fato de não serem
exceções entre membros dirigentes da Política ou associações com grande influência
política que possuíam alguma ligação específica com o Nóbrega ou com a Companhia
de Jesus, a Congregação Mariana ou seus componentes.
84
Marco importante, estavam os enunciados de D. Leme, os quais estavam ligados
a tais discursos. Especialmente aqueles críticos ao ensino leigo nas escolas públicas.
Pela lógica lemista, o Estado não podia entrar nas competências parentais, infringindo
assim o direito natural que possuem os pais de decidirem o tipo de educação que seus
filhos terão:
Não se diga que o Estado, impondo o ensino leigo, defende a liberdade do
menino, para que não o prendam a uma religião que pode ser mais não queira
abraçar.
Não, porque essa singular defesa da liberdade infantil importa em substituir a
influência do Estado, o que representa uma tyrannia sem nome.
Se, na primeira idade não está o homem em condições de, por si mesmo,
escolher uma crença ou crença nenhuma, uma influição é fatal que sobre ele
se há de exercer: ou a influição do Estado, por meio do ensino leigo, ou a
paterna, por meio do ensino religioso. Entre uma e outra, - não há logar para
hesitações – prevalece a influência paterna.
É um collorario incontrovertível dos princípios inconcussos do Direito
Natural. (LEME, 1916. pg. 91)
O clérigo também apontava uma grave violação do direito à liberdade de
pensamento e à liberdade de culto através desse ato:
Não é depois de quatro séculos de vida nacional, que um golpe ousado, em
antinomia com todas as leis de evolução histórica, consegue estabelecer um
divorcio o dizendo entre o coração da pátria e o seu organismo político.
Embora separado da Igreja, o Estado não tem o direito de prohibir o ensino
religioso nas escolas públicas. (LEME, 1916. pg. 94)
Além disso, com esse tipo de atitude, segundo o pároco, não respeitaria o Estado
a vontade da maioria dos pais brasileiros, que são católicos. Logo, incorreria numa
atitude antidemocrática, além de condicionar suas práticas em desarmonia com as
tradições e sentimentos do povo, o que incorreria num erro social e político. Sendo o
mínimo aceitável às escolas o ensino religioso facultativo
Mas, se de nada valem os direitos de uma maioria absoluta, que nos valha, ao
menos, o espírito liberal de nossos estadistas. Dê-nos a nós, que somos a
quase totalidade da nação, aquilo que a mais livre das repúblicas, a Norte
Americana, não nega aos seus subsídios catholicos, em minoria: o ensino
religioso facultativo. (LEME, 1916.)
Caso isso não acontecesse, os republicanos laicistas estariam indo contra o
ideário libertário republicano, assim como, mostrariam também a incompetência
gerencial dos laicitas, que em nome da não vinculação religiosa, usariam o dinheiro
público para fins divergentes ao da vontade do povo
Não é admissível que, em pleno regime de liberdade e hyperliberdade, como
apregoam que é o nosso, obrigados sejam pais catholicos a contribuir com
impostos sem fim, para que aos seus filhos se distribua um ensino que eles
85
detestam. Bem seu que respondem logo: o governo não obriga os pais
catholicosa se aproveitarem de suas escolas; que abram eles escolas de ensino
religioso. Esta evasiva é a prova mais evidente da injustiça clamorosa do
ensino laico. É injusto, porque, apezar de mantido por catholicos, não pode
ser utilizado por eles. (LEME, 1916)
Embora a retórica lemista pareça uma inofensiva tentativa de retomada de
direitos perdidos, ela está muito mais vinculada à busca da reconquista da hegemonia
católica em certos espaços sociais, como é o caso do educacional
Urge lutar para que seja proscrito das nossas escolas o ensino leigo. Enquanto
não o conseguimos, reclamemos o ensino religioso facultativo e não
esqueçamos das escolas livres, com ou sem subvenção governativa. O que
não convém é que vivamos inactivos de olhos pregados num futuro que nos
sorri ou a chorar um passado que se foi. Esperando os dias esplêndidos,
melhoremos os nossos actuaes. Escolas secundárias – Deveres dos pais –
Preferência dos collegios catholicos – Condenação dos collegios
protestantes e outros – Os Gymnasios officiais – Obrigação grave das
directorias dos collegios de orientação catholicas. (grifos nossos) (LEME,
1916)
Quando falamos aqui dessa retomada política, não desconsideramos as
complexidades dentro da própria Igreja em relação a essa “restauração” católica que
pretendia reaver para Igreja seu lugar de destaque na política, nem tão pouco os
posicionamentos como os de Júlio Maria, por exemplo. Apenas enfatizamos que o
modelo de restauração católica ao estilo lemista se dá pelos sinais de uma forte
conexão entre os trabalhos desenvolvidos por D. Leme e pelos jesuítas do Nóbrega.
Para frisar como ocorria na prática o envolvimento do CMN na política, citamos
os maiores nomes do conservadorismo católico ligados ao Colégio, uma vez que eram
através de seus agentes, especialmente os congregados à Congregação Mariana e a Liga
para a restauração dos ideais, que esta “interferência” se manifestava. Nas diversas
ações políticas que ganharam repercussão no Nóbrega, destacam-se, em especial,
Andrade Bezerra e o de Barreto Campelo muito atuantes nos debates de maior
envolvimento do Colégio, como, por exemplo, na ação contra legalização do divórcio e
a campanha em prol do ensino religioso (destacados mais a frente).
É importante pontuar que ao nos referirmos as instituições como o Círculo
Católico de Pernambuco, podemos associar suas ações as do Nóbrega, uma vez que
vários congregados da CMMA, da LRI, os professores, o diretor do Colégio na época
dessas campanhas, Pe. Fernandes, participavam na condição de sócios fundadores do
círculo.
86
Feitos tais esclarecimentos, um dos primeiros apontamentos deve ser com
relação à afinidade do CMN com a Liga Eleitoral Católica. O Nóbrega não tomou parte
coletivamente no movimento da LEC. Entretanto, os congregados da CMMA Dr.
Andrade Bezerra, Dr. Barreto Campelo, José Inácio, Dr. Nilo Pereira, Dr. José Pimentel,
Dr. José Vieira Coelho, João Temporal, João Andrade e o vigário de São Lourenço.
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg.11) participaram da organização da
LEC.
Lembremos que a Liga Eleitoral Católico tinha o objetivo de articular e dá força
política ao grupo católico conservador, apontando aos eleitores os candidatos políticos
aprovados pela Igreja. Embora o CMN não se vinculasse diretamente a LEC,
os congregados [da CMMA], apoiados nos conselhos de instrução que na
congregação fartamente lhes foram ministrados, constituíram-se pessoas
salientes, já encabeçando a atividade da Liga, já cooperando desinteressada e
eticamente na realização do seu vasto e patriótico plano” (CONGREGAÇÃO
MARIANA 1928-1940 pg. 10).
Chegando a certo momento, um congregado da CMMA à presidente da
LEC:“Dr. Andrade Bezerra “como presidente imprimiu com o prestígio de seu nome
grande alcance aos atos da Liga” (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 11).
Já os destaques a Antônio Vicente de Andrade Bezerra25
, não começaram na LEC, mas
muito antes, quando estavam envolto nas campanhas conservadoras de mobilidade e
união dos católicos fala em Conferência do Círculo Católico de Pernambuco:
A constante preocupação com esses assuntos, e, o que muito mais vale, o
devotamento em lhes achar adequada e equitativa solução, decorrem, como
corolários naturais, das duas grandes virtudes eminentemente sociais do
cristianismo, a justiça e a caridade, (...) Vejamos agora, numa breve síntese,
quais os traços dominantes da orientação católico-social nestes últimos
tempos. A primeira inspeção, verifica-se que nela o aspecto social vai cada
vez mais sobrelevando ao político. Ele disse que “cuida a atividade católica
de influir nas instituições livres, criando, mantendo e inspirando sindicatos,
cooperativas, associações de socorro, obras de patronato de todo gênero e
sobretudo obras de instrução”. Porque o que não se deve perder de vista é o
caráter essencialmente moral e religioso de cada um dos problemas que se
enfeixam na chamada questão social (BEZERRA, 1920, p. 7).
25
Presidente da Academia Pernambucana de Letras no período compreendido entre 29/03/1932 e
22/02/1933, tornando-se PATRONO da Cadeira nº 34, sócio Remido do Círculo Católico de Pernambuco,
Diretor do Jornal “A Tribuna” em 1925, redator em 1927 e colaborador principal em 1932, Diretor da
Associação da Boa Imprensa em 1928, Professor da Faculdade de Direito do Recife, Secretário da Justiça
de Pernambuco em 1911, Secretário de Finanças de Pernambuco em 1916, Secretário Geral (em nível de
gabinete) em 1916 e 1917 e Presidente da Assembléia em 1933, tendo assumido o Governadordo Estado
entre 12/10 e 06/12/1935
87
Recorremos também a Andrade Bezerra para falar o que, finalmente, motivava
esses intelectuais a levar tal proposta aos distintos ramos da sociedade:
Uma das maiores belezas do catolicismo é a identidade de sentimentos que a
proxima os que professam a mesma fé, animados pelo mesmo ideal de
perfeição, como uma só família universal, guardada e protegida pelo amor do
mesmo Pae Comum. (...) nossas regras espirituais nos impõem a resignada e
alegre aceitação dos mesmos deveres, individuais e coletivos, e nenhum laço
mais forte há de união fraternal entre homens. (...) Quisera, tendo em vista as
condições do momento e do meio, traçar (a nosso modo) um programa de
obras sociais. (...) Na medida do possível, vamos cumprindo as árduas
obrigações que nos impõem as regras da ética cristã, em face das tristes
misérias sociais dos tempos presentes. (BEZERRA, 1920 p. 4)
O prestígio de Bezerra aponta sua importância estratégica nas relações com o
CMN, pois como contato era Membro Fundador do Círculo Católico de Pernambuco,
Instituição criada para auxiliar a formação de Jovens, e professor da Faculdade de
Direito do Recife que era o encaminhamento natural dos ex-alunos do Colégio Nóbrega.
Pudemos perceber o posicionamento estratégico de Andrade Bezerra
considerado uma dos “grandes elementos de êxito” da congregação do Recife
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1916-1923 pg. 31) dentro das campanhas
moralizadoras da política empreendidas pelos militantes católicos. As Instituições
Leigas e os discursos nas Assembleias eram de suma importância para o escoamento do
pensamento desenvolvido, entre outros, pelo Colégio Nóbrega.
As principais influências Católicas parecivam ocorrer principalmente em
assuntos políticos que necessitavam do auxílio do discurso moralista da Igreja para se
embasarem. É o que podemos perceber com os embates sobre o projeto de Lei do
Divorcio com Manuel Netto Carneiro Campello26
, que publicou na obra intitulada “Á
Margem do Parlamento” alguns discursos proferidos no Parlamento Nacional, dos quais
três deles possuíam como pauta opiniões acerca do projeto do divórcio, externando a
indignação dos associados do Círculo Católico de Pernambuco, concordando com eles e
fazendo discursos expondo argumentos para que o projeto fosse rejeitado, pois, em sua
concepção, provocaria a infelicidade da família brasileira. Netto Campello embasa sua
concordância com os membros do Círculo Católico de Pernambuco sob o ponto de vista
religioso, ético e social:
26
membro da Academia Pernambucana de Letras, sócio fundador do Circulo Católico, Lente
Catedrático da Faculdade de Direito do Recife e sócio efetivo do Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico Pernambucano, além de político brasileiro, publicou livros como “História parlamentar de
Pernambuco”, “Barão de Lucena: escorço biographico”.
88
Deputado Netto Campello – Rio – em sessão da directoria foi resolvido
telegrafar aos dignos consócios pedindo o obsequio de apresentar o protesto
do Circulo Catholico de Pernambuco contra o projecto de divorcio, que é
offensivo aos sentimentos e direitos da maioria da sociedade brazileira –
Corrêa de Brito, presidente27
( CAMPELLO, 1913, p.19).
O deputado afirmou várias vezes em sessão oficial no Parlamento, ser “catholico
liberal e Republicano”, expondo em outro discurso trechos de uma carta que recebeu do
Bispo da Diocese de Floresta, que retomava a discussão sobre o divórcio, que ainda
estava em pauta. Isso nos concluir que relações informais entre os representantes da
Igreja e os seguidores da doutrina católica, era uma forma mais bastante eficiente do
pensamento católico influenciar nas decisões tomadas pela elite republicana:
(..) do Exmº, e Revdmº Sr. D. Augusto Alvaro da Silva, eminente bispo da
Diocese de Floresta (...) ‘Beberibe, 3 de outubro de 1912 – caríssimo amigo
– Quanto a sua attitude nesta malfadada questão do divorcio, era já de se
esperar a rectidão e a nobreza do seu procedimento em vista da rectidão e
nobreza de seu alto caracter patriótico e chistão (...) e se puder fazer ouvir
mais um protesto em nome da diocese de floresta, mais reconhecido lhe
ficarei. Felizmente nós temos na Camara do paiz homens de envergadura do
caro amigo e da maioria dos membros do Parlamento Nacional. E deixe-lhe
fallar a verdade: eu estou certíssimo de que ainda esta vez não vingara o
attentado que se procura fazer à religião e à Patria’ (...) essas declarações
traduzem bem o protesto da diocese de Floresta em perfeita comunhão de
vistos com o arcebispo de Olinda, para não dizer (...) com os sentimentos
catholicos do altivo povo pernambucano28
(CAMPELLO, 1913, p.29).
Quando cruzamos aquilo que encontramos nos documentos do Nóbrega com
outras documentações e com as conclusões de outros estudos similares ao nosso,
percebemos, inicialmente, que a relação com professores da Faculdade de Direito do
Recife possuía extrema importância estratégica para a garantia de continuação da
formação de alunos como os do Colégio Nóbrega, especialmente antes da fundação da
Faculdade Manuel da Nóbrega (atual Universidade Católica de Pernambuco).
Recorremos aos estudos de Heinz para refletir sobre a composição das mais
diferentes esferas das elites brasileiras, as quais sendo elites políticas, intelectuais,
econômicas, etc. em vários momentos eram formadas por agentes comuns entre si, de
forma que esse tipo de aproximação com Professores da instituição, declaradamente
católicos, membros fundadores de instituições católicas leigas para jovens, envolvidos
na política, como é o caso de Neto Campello, que ocupou o cargo de Deputado Federal,
27
“Discurso pronunciado na 118ª sessão em 4 de outubro de 1912 em virtude do protesto do
circulo catholico de Pernambuco contra o projecto de divorcio”. 28
“Discurso pronunciado na 128ª sessão em 17 de outubro de 1912 a proposito do protesto da
Diocese de Floresta contra o projecto do divorcio”.
89
além de enunciadores de discursos a favor de um catolicismo como ideal salvacionista
político, forneciam eficazes portfólios para a ideologia Jesuíta.
Era comum personalidades, como, por exemplo, Neto Campello, participarem
cotidianamente das atividades do Nobrega, presidindo, em várias ocasiões, no Colégio
Nóbrega, as Festividades que incluíam: um Festival Literário, Festa de Independência e
uma espécie de Campeonato de Jogos29
, para os quais, serviram de sede o Nóbrega e
entre outros, o Colégio do Recife e o Ginásio Pernambucano (DIÁRIO DE
FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 157).
O discurso católico era declaradamente contra o divórcio, dado ao fato de ser a
família uma instituição divina, a base da sociedade. Isso fica claro no capítulo “A
Recristianização da família” do livro “Programa de Ação Católica”, que foi escrito em
forma de manual instruindo sobre como deveriam ser as práticas e ações dos indivíduos
à luz da doutrina:
A família é a semente da sociedade. Quem se propuzer restaurar a sociedade
tem que começar conseguintemente pela família. Ora segundo o conceito
cristão, o matrimonio não é apenas um agregado de dois seres que se
propõem agradar mutuamente, nem tampouco um mero contrato humano que
poderá ser desfeito quando os contraentos assim no entenderem. E’ uma
ligação sagrada que escapa á competencia do tabelião ou do juiz civil. E’ um
sacramento instituído por Cristo, e realizado em face da Igreja, para a
propagação da humanidade. Ele não é, não pode serum laço efêmero que se
possa desamarrar ao capricho dos sentimentos ou á mercê das idades. (...)
Muitos se insurgem, contra as repetidas advertências da Igreja, esquecidos de
que a proibição do divorcio vem do próprio Cristo. (NERY, 1933 p.74)
Não sabemos se de fato esse foi o “manual” propriamente dito da Ação Católica,
mas através do registro de um discurso numa conferência do Círculo Católico de
Pernambuco, percebemos a necessidade da publicação de um “Programa de Ação
Católica”. Dessa forma, como já havia a preocupação de incluir os jovens em um
programa didático da doutrina, deduzimos que poderia ter sido aquele manual que
atendeu a solicitação dessa carência, além de percebermos como seus pensamentos já
estavam embutidos nos discursos de alguns intelectuais:
(...) para esses estudos, faltam-nos, sobretudo, bons livros e até
manuais em que eles estejam ao alcance de toda a gente. Para remediar
a essa falha, seria preciso formar bibliotecas circulantes, exigindo-se
contribuição módica dos associados. (...) E’ ainda mais do que em livros, é
nas revistas que acompanha o movimento das ideias. Proveitosíssimo
resultado colheriam os jovens católicos sociais lendo assiduamente as
grandes revistas dirigidas ou orientadas pelos jesuítas, as quais abordam os
mais importantes assuntos doutrinários e práticos, com a notável competência
de seus maiores especialistas. (NERY, 1933, p. 105)
29 Anexos R e S
90
Outra campanha que ganhou o envolvimento dos agentes do CMN, tornando-se
a mais interessante para o nosso trabalho, haja vista pertencer aos estudos de história da
educação, foi a campanha em prol do ensino religioso nas escolas públicas, promovida,
diretamente, pelo CMN. Desde 1925, com as discussões nacionais em torno da Emenda
Plínio Marques que os debates sobre o assunto começaram no CMN através dos círculos
de Estudo dirigidos pelo Pe. Fernandes (CONGREGAÇÃO MARIANA 1924-1927).
Ainda na virada do regime no ano de 1930 e com a medida que se aproximou a
escolha dos deputados para formação da constituinte que o envolvimento do Nóbrega
nas diligências se intensificou, visando, através do prestígio social que detinha e a rede
de relações que conseguira formar até então, retomar uma das maiores perdas trazidas
pelo regime republicano:
Aproximando-se as eleições de deputados à constituinte, o povo católico de
Pernambuco bem conheceu quão grande seria um erro de se postar
indiferente à escolha dos homens a quem se ia a elaboração da lei básica do
país (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 10).
Feito isso, procurou dispor, por meio do congregado Dr. Barreto Campelo, um
dos principais nomes do CMN naquele momento, o “ânimo do senhor Interventor
Federal em Pernambuco” em favor dessa campanha para obter do “Diário da Manhã,
folha governamental, a manchete de 1930 defendendo o ensino do catecismo.”
(CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 113)
O Sr. Interventor a fim de se apoiar na opinião pública para o decreto que
prometia publicar, manifestou desejo de se promover um grande comício na cidade em
prol do ensino de catecismo (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 114)
Logo após, para conseguir a propaganda de ensino religioso propôs a ideia de se fundar
um Diário Católico. Houve uma tentativa de comprar o Diário de Pernambuco, que com
“o entusiástico apoio do Con. Lyra, seu proprietário em grande parte” foi antecipado
sobre esse projeto. Contudo, abatido por uma doença na época, o Dr. Barreto Campelo,
cabeça desse empreendimento, ficou impossibilitado de realizar a compra, o que fez
com que o projeto não se concretizasse (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg.
113)
Barreto Campelo participava como orador dos comícios públicos pelo ensino
Religioso, dos quais um dos mais vigorosos foi o comício da Torre, com cerca de 4 mil
pessoas (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 122)
91
Esses comícios públicos em pró do Ensino Religioso promovidos pela CMMAforam
realizados em São José, Olinda, Torre, A.D.A , Soledade, Largo da Paz, Pau d’Alho,
São Lourenço, Graças, Santo Amaro e Encruzilhada (CONGREGAÇÃO MARIANA
1928-1940 pg. 126). Neles, também participaram outras personalidades, além dos
padres e alunos do CMN como oradores. O resultado foi a vitória de uma série de
candidatos católicos, inclusive o do Dr. Barreto Campelo, congregado da CMMA e da
LRI, e dos principais nomes do Nóbrega na política:
O Dr. Barreto Campelo, candidato católico, em que a Congregação e o Povo
pernambucano punham os suas maiores esperanças (…) e esta vitória foi
brilhantíssima, conseguindo-se para o Dr. Barreto Campelo uma votação
superior, colocando-o como candidato mais votado dos eleitos por
Pernambuco (CONGREGAÇÃO MARIANA 1928-1940 pg. 11)
Marcos Gonçalves, no artigo da Revista Brasileira de história afirma que
“Iniciativas conjuntas anteriores de hierarquia e elites leigas traduziram a expectativa e
a persistência da ‘maioria católica’ em produzir uma redução de distância entre
demandas políticas e religiosas” (GONÇALVES,2008. pg.74).
Vê-se, assim, que desde a instituição do Estado Laico, novas estratégias de
aproximação política foram incentivadas pela Igreja, e a crescente importância do
apostolado leigo faz com que dos agentes ligados à hierarquia católica seja esperada
uma aproximação e o doutrinamento daqueles que se tornaram os novos representantes
dessa instituição tradicional na política.
Com nossos destaques, esperávamos demonstrar a vinculação do Nóbrega à
política, através dos sujeitos que compuseram esse colégio, que assim como muitas
outras instituições religiosas e de ensino da época, teve suas atividades cotidianas
cercadas pelos interesses e significados, que influenciavam a mentalidade não só de
seus estudantes, mas também de todas as diferentes esferas em que atuava.
Isso só foi possível graças a imensa rede de mobilização que o CMN conseguia
através de seu poder de articulação com várias instituições que faziam com que suas
ações repercutissem nas mais diversas esferas através de discursos que representaram
fontes de ameaça ou de aliança política.
A aproximação política dos jesuítas em sua contemporaneidade foi dada graças
aos laços afetivos criados com famílias de personalidades importantes, que militaram e
se envolveram em campanhas pelos mais diversos interesses com o CMN. Já a
manutenção desta aproximação, era feita pelo doutrinamento dos filhos dessa elite,
cultivando os próximos representantes leigos dos interesses eclesiásticos.
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Assim, percebe-se declaradas ações restauradoras católica aos modos lemistas
no Nóbrega, que tem por principal inclinação as aproximações políticas, mas que ainda
assim conseguem se articular nesse propósito, somente graças, contraditoriamente, a
separação entre a Igreja e o Estado, que trouxe possibilidade da quebra do regime do
padroado e de uma reorganização institucional na Igreja.
Necessária a esses projetos de restauração, essa reorganização institucional
forneceu suporte a uma influência política da Igreja sem os moldes de “repartição
pública”, que se preocupava Pio IX, muito antes disso, com os “leigos como cabeças do
governo eclesiástico. Assim, a Igreja parece ficar livre a recristianizar suas efetivas
perdas, entre elas o monopólio do ensino ou ao menos a volta do ensino religioso nas
escolas públicas, como aconteceu na Era Vargas.
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5. CAPÍTULO 4: O QUE PODEMOS PENSAR PARA O RECIFE, UM
PROJETO DE RESTAURAÇÃO CATÓLICA OU MANUTENÇÃO DO
PODER?
É importante destacar a nossa filiação a corrente historiográfica pouco explorada
que estuda a aproximação, entre Estado e Igreja pós implantação do Estado Laico.
Entretanto, o analisarmos a documentação, especialmente de alguns autores,
percebemos que o destaque que uma determinada ideologia religiosa ganha na política
pernambucana, dita laica, vai muito além do simples confronto que certo segmento da
historiografia contemporânea diz existir.
Pareceu-nos haver, aqui no Recife, algo que ultrapassou aquele receio de
negação às raízes culturais, aquela na qual até “Os homens políticos, mesmo antigos
livre pensadores como Rui Barbosa, sentem-se obrigados a fazer pública confissão de fé
em suas campanhas”30
. A nosso ver, aqui não se chegou nem a haver uma ruptura real
dos segmentos tradicionais, patriarcais e religiosos com a política, mas, apenas, no
máximo, uma modificação da interface desta, de modo que onde antes víamos a
Instituição Igreja atuando, agora vemos seus agentes.
Sabendo do risco que enfrentamos ao assumir esse posicionamento, indicamos
neste capítulo as fontes que nos levaram a pôr em duvidar os ramos mais unificadores
da história que acreditam numa grande ruptura com a Igreja a partir da vigência da Lei
de Separação da Igreja e do Estado em 1891 em Pernambuco.
Logo, refletimos sobre a existência de uma série de influências dos segmentos
cristãos na política hodiernamente. É difícil imaginarmos que a República Café com
Leite, do Voto de Cabresto, das Elites Rurais, num contexto propício à abertura de
grande espaço na política para discursos como o de D. Leme e instauração de várias
instituições de Católicos Leigos, abandonarem aqui o Catolicismo, de forma que fosse
necessário um projeto com moldes de “Restauração”. Haja vista a manutenção da
ordem ser aquilo que Montenegro falava: “Em prol da “ordem”, os republicanos
liberais sacrificam um tanto a “Liberdade”, procurando restringir a ação da Igreja”.
“(MONTENEGRO, p. 142)”,podemos pensar nisso como o próprio contraponto que faz
com que eles venham pra cá, como Ferdinand dizia: como Igreja, eles vem gozar da
liberdade de nossa República (AZEVEDO, 1986)
30
MOURA,e ALMEIDAin FAUSTO1977Vol. 2., p. 329
94
Alguns autores já apontam a necessidade de uma análise mais cuidadosa das
relações políticas da Igreja na República, que embora tenha perdido seu lugar de
destaque como religião oficial do Estado, ganhou mais autonomia institucional a partir
da libertação do regime do padroado.
Embora oficialmente considerasse a separação legal entre a Igreja e o Estado
como sendo uma heresia a modernidade, no Brasil esse desmembramento
legal libertou a Igreja de uma relação de subserviência ao Estado. O fato de
sentir-se ameaçada levou a Igreja a realizar reformas internas que ajudaram a
melhorar sua imagem. Auxiliada por um novo fluxo de clero estrangeiro, a
Igreja começou a reverter a decadência institucional das décadas anteriores.
As ordens religiosas, que haviam sido enfraquecidas pelo decreto de 1855,
começaram a recrutar e a importar novos membros. Foram criadas novas
dioceses e o controle episcopal sobre as atividades clericais cresceu.
(MAINWARING, 1989. pg. 42)
De um lado vemos autoras como, por exemplo, Lêda Sellaro, que entende que
emerge nesse período histórico específico uma “tentativa de renovação e/ou adaptação
da educação à nova realidade, pela mediação do Estado brasileiro, via legislação
educacional” (SELLARO, 2009. pg. 23); de outro, autores, como, por exemplo, Scott
Mainwaring que afirma que a Neocristandade é um período de investida da Igreja.
Nosso posicionamento se encontra próximo ao de Mainwaring, pois não
acreditamos que reformas legislativas iriam de fato mudar o panorama educacional do
Estado, e por mais que essas reformas tenham tido importância, se analisarmos de um
ponto de vista do processo de longo crescimento histórico, ainda assim, não acreditamos
na real eficácia dessas medidas, pois vemos essas reformas como meramente de cunho
emergencial, em respostas as tensões vividas na época e, principalmente, a necessidade
de mão de obra gerada pela modernidade.
Além disso, indagamos se essa ampliação de acesso à educação não veio em
moldes que em si não se diferenciaram muito daquilo que D. Leme trouxe como
“educação para todos, ricos e pobres”. Pois nos parece, apoiados em certa medida pela
Sellaro, para a qual “os chamamentos da modernidade criam expectativas de
participação e a educação começa a desenvolver ilusões de uma mobilidade social que
possibilite tal participação minimizando as frustrações decorrentes das discriminações
então impostas” (SELLARO, 2009. pg. 23) (grifos nossos).
Ainda se pensarmos no tradicionalismo do ensino, perceberemos como a
dualidade no ensino permanecia, como, por exemplo, os cursos tradicionais que ainda
permaneciam preparando a elite para áreas tradicionais, como o de Direito, por
exemplo. Em 1916 eram 16 faculdades de Direito em todo o país, sendo o curso que
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ainda trazia mais prestígio ao país, mesmo com o crescimento de outros cursos advindos
da modernidade, “éramos um país de doutores e analfabetos” (SELLARO, 2009).
Com o fim do Regime do Padroado, a Igreja estava mais autônoma, gozando da
liberdade de nossa república. Com essa maior liberdade, em 1899, o Papa Leão XIII
convocou em Roma um encontro do episcopado Latino-americano, onde um dos
objetivos principais era que o Concílio de Trento fosse introduzido na vida eclesiástica
americana (SELLARO). Além disso, embora tenha significado de fato certas perdas,
mesmo com a laicização do estado a orientação católica em relação ao ensino manteve
suas concepções e objetivos (WEREBE, 1997).
Precisamos deixar claro que não negamos a indiscutível perda de espaço em
muitos setores, apenas apontamos que isso já vinha ocorrendo a muito tempo,
especialmente, naquele papel de único fornecedor da significação do mundo, que no
século XIX já preocupava os segmentos eclesiásticos, haja vista a difusão de novas
doutrinas religiosas e o contínuo crescimento de novas ideias de formas de governo.
(…) é expressamente proibido publicar livros ou escritos que não tenham
sido antes examinados e aprovados pela autoridade eclesiástica. Todavia a
ânsia de escrever e de ler faz com que o número de livros, e sobretudo de
jornais, aumente dia a dia em nossa época, a tal ponto que já se tornou de fato
muito difícil aos censores eclesiásticos examiná-los todos com adequada
tempestividade, e abriu-se um caminho ainda mais largo aos que se lançavam
a propagar doutrinas perversas e nocivas à religião e ao Estado com folhetos
e especialmente com opúsculos publicados clandestinamente. (PIO IX. 1848.
pg. 121)
Pontuamos, usando principalmente autores que partem ou se aproximam de uma
linha de pensamento como a de Sergio Miceli. O autor demonstra que a igreja para
continuar relevante e próxima aos detentores do poder no Brasil, precisou tornar-se
plural, se estruturando para reagir as mudanças impostas no período republicano,
recrutou seus quadros entre a elite do país, tornando-se a principal entidade da rede de
ensino privada no país, onde criou novas redes de imprensa e abriu novas dioceses
(MICELI, 2009).
Assim, ela se beneficiou do Estado Laico Brasileiro para retomar o controle
sobre a formação e a disposição do pessoal religioso, que a muito não tinha em função
do regime do padroado no Império, não hesitando em usar as solenidades dos cultos
romanizados para legitimar e fortalecer o sistema de poder das elites a que estavam
associadas. (MICELI, 2009).
96
5.1. Laicidade e Restauração Católica
Em seus estudos, César Alberto Ranquetat Júnior aponta que o termo laicidade
foi utilizado pela primeira em um voto que o conselho geral de Seine na França, no
século XIX, expediu a favor do ensino laico, não confessional e sem instrução religiosa,
contra os obscurantismos presentes no sistema escolar (RANQUETAT JÚNIOR,
2008.pg. 64).
Considerando suas origens, nada mais plausível que um dos pontos mais
delicados ao falarmos das relações entre Igreja Católica e estados laicos, no início do
século XX, seja o ensino. Ranquetat Júnior ao fazer um estudo teórico conceitual sobre
os termos laicidade e secularização, faz comparações entre as mais diferentes praxes de
estados laicos, inclusive o Brasil.
[a laicidade] pode ser compreendida como a exclusão ou ausência da religião
da esfera pública. A laicidade implica a neutralidade do Estado em matéria
religiosa. Esta neutralidade apresenta dois sentidos diferentes, o primeiro já
destacado acima: exclusão da religião do Estado e da esfera pública. Pode-se
falar, então, de neutralidade-exclusão.(RANQUETAT JÚNIOR, 2008. pg.
63)
Ele aponta como esse fenômeno não é de forma alguma linear e irreversível, não
podendo ser confundido com tolerância e liberdade religiosa, pois a laicidade é um
processo que pretende de fato excluir qualquer religião da política. Nessa lógica, ele
conclui que em alguns países, assim como o Brasil, o fato da Igreja Católica se fazer
presente em vários aspectos da vida social e evitando um processo de secularização –
exclusão e/ou diminuição da pertinência religiosa na esfera sócio-cultural – acabou
chegando num estado de “quase laicidade”, ou seja, sua influência sócio-cultural não
permitiu sua completa exclusão da política (Ranquetat Júnior, 2008. pg. 69).
Assim, os pontífices que precisaram lidar com a onda de laicização dos Estados
no fim do século XIX e início do XX, tiveram uma postura de respeito às autoridades
civis, o que não quis dizer que não tenham incitado uma séria de investidas de
retomadas aos seus espaços perdidos, entre eles o educacional.
Desse modo, se aproveitando de tal carência de instituições e profissionais na
área de educação em alguns países, um dos primeiros passos da Igreja foi reclamar para
si o direito, que já lhe seria natural, de espaço no cenário educacional:
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Deus dividiu entre dois poderes o governo do gênero humano, o eclesiástico
e o civil, um para prover às coisas divinas e outro às humanas: ambos
supremos, cada um na sua esfera; ambos têm confins determinados, que lha
limitam, e marcados pela própria natureza e fim próximo de cada um; de
modo que chega a descrever-se como que uma esfera dentro da qual se
exerce, com exclusivo direito, a ação de cada um. Mas como a estes dois
poderes estão sujeitos os mesmos subditos, podendo dar-se que a mesma
matéria, embora sob aspectos diversos pertença à competência e juízo de
cada um deles, Deus providentíssimo, de Quem ambos dimanam, deve ter
marcado a cada um os seus caminhos. Os poderes que existem são regulados
por Deus (LEÃO XIII, 1885)
Essa ordenança, originalmente de Leão XIII, foi reiterada pelo Papa Pio XI, em
1929, ao falar sobre os limites das escolas mantidas pelo Estado e a relação entre Estado
e Igreja, acrescentou:
Ora a educação da juventude é precisamente uma daquelas coisas que
pertencem à Igreja e ao Estado (...) a qual é comparada e com razão àquela
pela qual a alma e o corpo se unem no homem (PIO IX, 1929).
Tendo Jesus Cristo mandado que se “dê a César o que é de César e a Deus o que
é de Deus”, se alguém recusasse admitir estes princípios e consequentemente aplicá-los
à educação, chegaria necessariamente a negar que Cristo fundou a sua Igreja para a
eterna salvação dos homens, e a sustentar que a sociedade civil e o Estado não estão
sujeitos a Deus e à sua lei natural e divina.
e) Necessidade e vantagens do acordo com a Igreja
Pois que, enquanto o superior eclesiástico procura formar um bom cristão
com a autoridade e os meios espirituais, segundo o seu fim, procura ao
mesmo tempo e por necessária conseqüência formar um bom cidadão, como
ele deve ser sob o governo político. O que verdadeiramente se dá, porque na
Santa Igreja Católica Romana, cidade de Deus, é absolutamente uma e a
mesma coisa, o bom cidadão e o homem de bem. Pelo que grave é o erro
daqueles que separam coisas tão unidas e pensam poder conseguir bons
cidadãos por outras normas e por meios diversos daqueles que contribuem
para formar o bom cristão. (PIO IX, 1929)
A Igreja tenta mostrar como um pacto com a ela traz benefícios de ordem para o
Estado, principalmente levando em consideração o contexto do entre guerras, as
ameaças das “doutrinas subversivas”, pois “Com efeito nunca deve perder-se de vista
que o sujeito da educação cristã é o homem, o homem todo” (PIO XI, 1929).
Nessa defesa, chamasse atenção ao fato de “O bom católico, precisamente em
virtude da doutrina católica, é por isso mesmo o melhor cidadão, amante da sua Pátria e
lealmente submisso à autoridade civil constituída em qualquer legítima forma de
governo” (PIO XI, 1929). À vista disso, a grande moeda de troca da Igreja seria a
98
entrega, através da educação, de um povo ordeiro. Aalgo de extrema importância
naquele contexto.
c) Escola
- Neutra, laica - Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou
laica, donde é excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da
educação. De resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato
torna-se irreligiosa. Não ocorre repetir aqui quanto acerca deste assunto
disseram os Nossos Predecessores, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, em
cujos tempos começou particularmente a dominar o laicismo na escola
pública. Nós renovamos e confirmamos as suas declarações, e juntamente as
prescrições dos Sagrados Cânones pelas quais é proibida aos jovens católicos
a freqüência de escolas acatólicas, neutras ou mistas, isto é, daquelas que são
abertas indiferentemente para católicos e não católicos, sem distinção, e só
pode tolerar-se tal freqüência unicamente em determinadas circunstâncias de
lugar e de tempo, e sob especiais cautelas de que é juiz o Ordinário. (PIO XI,
1929)
- Mista, única - E não pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior
se única e obrigatória para todos), na qual, dando-se-lhes em separado a
instrução religiosa, eles recebem o resto do ensino em comum com os alunos
não católicos de professores acatólicos. Pois que uma escola não se torna
conforme aos direitos da Igreja e da família cristã e digna da freqüência dos
alunos católicos, pelo simples fato de que nela se ministra a instrução
religiosa, e muitas vezes com bastante parcimônia. (PIO XI, 1929)
Em nossas primeiras análises documentais no Nóbrega, percebemos um pouco
da não superação daquilo que Michel De Certeau fala sobre “usar o mundo como uma
página em branco (selvagem) para nela escrever o querer ocidental. Transformar o
espaço do outro num campo de expansão para o sistema de produção” (CERTEAU,
2000. p.11) De forma que percebemos, não só a forte a vinculação a “Missão” , uma
forte implementação do processo de Romanização, obediência ao Papa, etc, como
também a não superação da colonização Portuguesa que ainda pretendia a salvação do
“gentio”.
Segundo alguns historiadores, como Wellcherline Miranda Lima, por exemplo, a
própria associação República e Laicidade argumenta que a laicidade garantiria uma
liberdade de crença e de culto dentro dos limites das leis comuns e da ordem pública. A
questão de maior choque à laicidade é quando ela se opõe a esse clericalismo, que
preconiza discriminações ou tenta apropriar-se da totalidade ou de uma parte do espaço
público. (LIMA, 2012)
Isso é o que ocorre no Brasil, que não permite o afastamento do catolicismo dos
espaços de destaque, especialmente o público, por ele representar uma demarcação do
território que pode ser empregada para explicar elementos importantes dos mitos, dos
99
ritos, das crenças, da fé em sua eficácia, da ilusão, da alucinação religiosa e estética, do
delírio coletivo e de suas correções (LIMA, 2012. pg. 123).
Para D. Leme uma “causas do Grande Mal” eram os católicos não praticavam os
dogmas, não participavam das liturgias, e, principalmente, não militavam pelas causas
do catolicismo. Eles eram os “[...] católicos de nome, por tradição” (LEME, 1916. pg
III). Esse foi um dos maiores trunfos usados por D. Sebastião Leme ao reivindicar o
direito político da Igreja no estado laico, pois sendo a maioria absoluta de brasileiros
católica, seria mais que natural que eles pudessem em nome do espírito democrático
respeitar essa maioria. E para tanto os maiores esforços da Igreja aqui em Recife se
priorizavam tornar os “católicos de tradição e de nome” verdadeiros militantes do
catolicismo.
Para construção de uma elite que fosse os “olhos e ouvidos” da Igreja, o projeto
de recristianização de D. Leme tenta instrumentalizar a formação de um grupo coeso
que representaria a quebra da ruptura entre Estado e Igreja, pois uma vez na política
essa elite católica inseriria a Igreja no contexto político (MOURA, 2012).
Assim, de meados para o fim da República Velha, os trabalhos com o apostolado
leigo, como vimos, vão crescendo no Recife, trazendo aquela intervenção indireta do
Catolicismo na política que deu sinais mais claros durante a Era Vargas e demonstrou
seu auge com influências de personalidades como, por exemplo, Pe. Fernandes, e as
atuações de Nilo Pereira no governo de Agamenon.
É de fato incontestável que houve algumas perdas significativas para Igreja com
a Laicidade, como aquelas supracitadas em trabalhos sobre o tema: laicização dos
cemitérios, casamento civil e a retirada do ensino religioso das escolas, etc. Todavia,
apontamentos contemporâneos ao período estudado, como os de Júlio Maria, por
exemplo, já demonstravam que o ganho de autonomia organizacional com a declaração
do Estado Laico mostrou ser extremamente benéfica para a Igreja. Além disso, muitos
concordam que até o fim da suposta hegemonia do ensino confessional diante da
laicidade não passou de entusiasmo inicial, uma vez que ao chamar para si as
responsabilidades de ensino, o Estado não conseguiu dar conta dessa demanda,
acabando por não conseguir dar fim ao monopólio desse aspecto das oligarquias
regionais. (CARVALHO, 2007)
Isso pode ter sido a causa e/ou o efeito de uma aproximação em outros aspectos
estruturais na sociedade, pois a hierarquia da Igreja foi se organizando ao longo da
primeira república com o objetivo de aproximação do poder, que iam além das questões
100
mais imediatas em torno do liberalismo e governo republicano, etc., demostrando que
ambas, Igreja e República, não pretendiam alterações profundas nos quadros sociais,
mas possuíam o objetivo em comum de uma política de manutenção da ordem
(GOMES, 2009).
Para se manter institucionalmente forte, entre as manobras da Igreja, estava a
disposição estratégica de dioceses com o intuito de controlar os focos de reação do
catolicismo popular, considerado ignorante pela elite intelectual e eclesiástica da época,
e o fortalecimento político através dos laços afetivos familiares entre o quadro
eclesiástico e as elites regionais (GOMES, 2009).
Marcos Gonçalves publicou uma análise sobre esse panorama, em artigo na
Revista Brasileira de história, resumindo bem as impressões que ele e uma série de
outros autores produziram após suas análises sobre o assunto:
Se por um lado, o estatuto jurídico do Estado republicano disposto na
Constituição de 1891, ao afirmar a neutralidade em matéria religiosa,
colocava em pé de igualdade todas as confissões e desprestigiava o
catolicismo hegemônico, por outro lado acenava com a possibilidade de
plena liberdade de movimentos para a Igreja católica, desincumbindo-a
de ser um apêndice religiosoda política ou de exercer o papel de “repartição
pública” tal como observado no regime de padroado extinto pela
República.(GOLÇALVES, 2008. pg. 65) (grifos nossos)
Ele aponta como essa restauração católica da sociedade foi muito mais que uma
restauração das instituições católicas com o fim de reformular novas estratégias
operacionais para o catolicismo:
Durante, pelo menos, as três primeiras décadas da República ocorreu um
notável empenho das instituições católicas para (re)construírem, ou
imaginarem, os mecanismos sociais sob normas morais que dessem
expressão aocatolicismo como necessidade coletiva. As vantagens materiais e
simbólicasconseguidas no início da década de 1930, ratificadas pela
Constituição de1934, e os estreitos vínculos de interesse — na educação, nas
subvenções assistencialistas,no combate à ‘subversão’ etc.— pronunciados
entre Estado ecatolicismo dentro desse mesmo período testemunham a
adesão das esferaspolíticas dominantes às teses católicas e a contrapartida na
forma de apoioexplícito dos governantes religiosos às fases mais autoritárias
e excepcionaisda vida republicana. (GOLÇALVES, 2008. pg. 74) (grifos
nossos)
A limitação de ação da Igreja imposta pela primeira constituição republicana não
parece ter sido em nada pior que àquelas impostas pelo império. A impossibilidade
prática de se tornarem efetivas as propostas de reforma de ensino que fizeram com que
os governos dos estados da federação e as oligarquias continuassem estimulando e até
subsidiando o ensino católico, acabaram por manter a Igreja ainda no papel de
formadora de opiniões (GOMES, 2009).
101
Nessa mesma linha de pensamento, Emanuela Ribeiro explica como as
constantes interdições impostas pelo governo imperial a vinda de noviços da Europa,
causaram sérios danos estruturais às ordens mais antigas no Brasil: “Para a maioria das
antigas ordens religiosas, a separação entre Igreja e Estado significou uma oportunidade
para a sua restauração” (RIBEIRO, 2009. pg. 123).
Dessa forma, a laicização do estado descaracterizou a Igreja como “repartição
pública” e deu a ela autonomia para reestruturar as ordens religiosas ainda estabelecidas
no país e restaurar a presença de outras. A partir daí, o catolicismo precisava mostrar a
sociedade que também era capaz de atender as necessidades dos tempos modernos,
especialmente àquelas trazidas pela ciência e pela educação (RIBEIRO, 2009).
Edgar Gomes também pontua a importância da manutenção do credo na
sociedade através do ensino, e como ele foi um dos pontos chaves para o sucesso nos
empreendimentos da Igreja no início do século XX:
Oligarquias e Estado permitiram a reaproximação da hierarquia eclesiástica
durante a República Velha mantendo a influência do catolicismo na
sociedade brasileira. Formadores de uma identidade nacional, o catolicismo
consegue imprimir mesmo naqueles que não confessam sua fé, certas
particularidadespertencentes ao seu credo (GOMES, 2008. pg. 110)
Especialmente com a finalidade educacional, o episcopado nacional durante a
República Velha se esforçou para montar gestões que garantissem o fomento à
restauração e a vinda de novas ordens que garantiriam um aumento de mão de obra
eclesiástica nas atividades cotidianas das arquidioceses (missas, confissões, batismos,
etc.)(RIBEIRO, 2009). É aí que gestões como a de D. Leme, que impulsionaram a
restauração de ordens como a dos Jesuítas no Recife, se enquadram num panorama
nacional.
As ordens restauradas e as congregações trabalharam prioritariamente com
elementos que interessavam a todos os intelectuais, católicos e leigos: a
educação de ricos e pobres. As escolas destinadas à atender os pobres faziam
questão de demonstrar o seu compromisso com a educação popular e o
desenvolvimento nacional. Enquanto as escolas católicas destinadas às elites
faziam questão de apontar sua afinidade com a ciência e a razão. (RIBEIRO,
2009. pg. 126).
Assim, quando se fala de uma concorrência com o Estado a Igreja não possui
necessariamente um posicionamento rival, mas sim aquela ideia da doutrina do Direito
de complementaridade das funções do Estado através da Igreja. Pois, como já dissemos
baseado em estudos de outros autores, passado aquele entusiasmo da laicidade o Estado
102
não conseguiu dar conta da demanda educacional e não findou na prática o monopólio
das oligarquias regionais nesse campo (CARVALHO, 2007).
Para ser capaz de operar um trabalho molecular, uma das principais ferramentas
era o enquadramento dos leigos nas mais diversas associações. Elas eram eficazes para
difusão dos conceitos éticos e morais estabelecidos pela Igreja Católica tanto para
atingir as grandes massas populares, como também as elites sociais e culturais
(AMARAL, 2013).
Em seus estudos, Walter Amaral aponta como os laços formados com as elites
regionais e com as massas eram especialmente formados através das associações
católicas:
Na vida social, as associações católicas tornaram-se notórias devido a sua
capacidade de conseguir reunir membros das principais famílias em um
mesmo grupo de interesses, multiplicando cada vez mais seus adeptos em
defesa da tradição familiar, da ética e da moral, não só cristã, mas também
civil, destacando-se também pelas atividades beneficentes. As associações
cumpriram um papel de cimentação social, de conservação da unidade
ideológica das camadas sociais, especificamente da elite. (AMARAL, 2013.
pg. 299)
Ainda segundo o historiador, esses laços forneciam um maior espaço à atuação
do fiel dentro da Igreja, o que consequentemente dava maior sentido ao sentimento de
identidade elaborada a partir de ritos e práticas.
O processo de criação dessas associações aumentou a capacidade de reunir
um maior número de pessoas em torno de um objetivo comum, proporcionou
aos líderes eclesiásticos uma posição mais privilegiada na sociedade civil
brasileira, possibilitando, assim, o surgimento de uma nova comunidade
católica, mais fortalecida diante de um Estado laico(AMARAL, 2013. pg.
300).
Tanto o discurso do clero quanto do laicato mais intelectualizado, davam ênfase
a preservação de valores familiares e do bem-estar da sociedade, valores padrões,
muitas vezes, difundidos através do ensino e da “boa imprensa”:
ao insistir na tradição familiar, os líderes eclesiásticos e as elites sociais
desejavam efetivamente construir um caminho que reordenasse a sociedade,
em oposição àquelas transformações socioculturais, as quais eram
responsáveis pela desordem e anarquia social e, ao mesmo tempo, favorecer
o surgimento de uma tradição da família nuclear com papéis bem definidos,
de forma que ela fosse normatizada (AMARAL, 2013. pg. 293)
Logo, a ênfase nas associações das tradições familiares – principalmente aquela
de composição nuclear, com papeis bem definidos – começou a constituir uma das
grandes marcas de diferenciação das elites sociais pernambucanas, não só as militantes
103
católicas. Todavia, a defesa desse padrão de família começou a ser um dos símbolos da
defesa dos ideários políticos de ordem do catolicismo (AMARAL, 2013).
Essa característica política pode ter atraído um maior número de homens para
as associações, pois ser membro de uma alguma associação católica, além de
status na sociedade, poderia significar um verdadeiro trampolim para a vida
política ou mesmo uma ameaça para aqueles que tivessem e/ou pretendessem
entrar na vida política (AMARAL, 2013. pg. 301).
Com plena noção da força de alcance do discurso católico, construtor ou
destruidor da imagem pública, as elites políticas mantiveram uma relação de “boa
vizinhança” (AMARAL, 2013. pg. 290) com as associações católicas e todas as outras
instituições formadoras de opinião vinculadas à Igreja.
Um ótimo exemplo disso foi um fato histórico relatado por Emanuela Ribeiro
sobre o assunto: Desde o Império que a Assembleia Legislativa de Pernambuco recebia
convites de várias Irmandades católicas para suas procissões. E era costume o
presidente da Câmara nomear uma comissão de três deputados para representar a casa
(RIBEIRO, 2009. pg.163).
Em 1908, um desses episódios virou polêmica quando a Irmandade Bom Jesus
dos Passos da Graça em Olinda enviou o costumeiro convite e um dos deputados
questionou a legalidade do ato. Em resumo, em uma sessão foi julgada a
constitucionalidade do ato, por 15 votos a um, ficando decidido manter a tradição por se
considerar, entre outros argumentos, uma questão de cortesia e a constituição não
permitir que “nenhum poder deixe de ser respeitado” (grifos nossos) (Annaes da
Câmara dos Deputados in RIBEIRO 2009. pg. 165)
Esse contexto parece que fez com que os Jesuítas aceitassem o papel de
primeiros formadores das futuras gerações da intelectualidade católica militante no
Recife com esforços de uma Ação Católica desenvolvida tanto pelos seguimentos de
ordem nacional e regional /local, como pela cúpula central da Igreja.
Pois instituições como o CMN no desenvolvimento de seus papéis de construtoras de
ideários, se tornaram um terreno fértil para emigração de ideologias do campo das ideias
para o campo da práxis (MOURA, 2012). Nela percebemos um enorme trânsito de
pessoas através das atividades de ensino do Colégio e da vinculação à associações
fornecendo a formação daqueles laços afetivos familiares, especialmente, com as elites,
mas também de forma secundária com as massas.
Temáticas extremamente comuns ao período contemporâneo do estabelecimento
dos primeiros trabalhos dos jesuítas no Recife eram abordadas das mais diversas
104
formas, moldando o cotidiano do colégio de acordo com as necessidades estratégicas da
Igreja, tanto em cunho local como internacional.
Além disso, o engajamento dos agentes do Nóbrega na difusão do projeto
católico através da organização de eventos acadêmicos e religiosos, publicação de
textos, formação de futuros jovens militantes católicos e o doutrinamento social das
massas, que vimos ao longo deste trabalho constitui a fonte histórica dessa vinculação
ao projeto de restauração católica adaptada a esta laicidade do Recife.
A criação da Congregação Mariana de Mocidade Acadêmica e a Liga para
Restauração dos Ideais, além de atribuir a vinculação e/ou o status de sócio-fundador a
associações, como, por exemplo, o Circulo Católico de Pernambuco, Centro D. Vital e
Liga Eleitoral Católica dos agentes do Nóbrega, criaram uma conexão a uma Identidade
Católica que os inseriu das mais diversas formas na luta por aquela restauração católica
na sociedade, pretendida pela Igreja para Pernambuco no Estado Laico.
5.2. Onde esta O Movimento de Escola Nova?
Quando pensamos em educação no início do século XX, logo nos vem à mente o
movimento escola novista, ganhando força e implantando novos paradigmas no fazer
educacional. Reformas políticas nacionais e locais são lembradas como esquentando os
debates com as escolas confessionais.
Entretanto o que vemos em nossa documentação são as amistosas relações do
Colégio Manuel da Nóbrega mantidas com as escolas laicas. Embora existam em nossa
documentação campanhas que de forma clara se opõem ao protestantismo e liberalismo,
que seria aquilo que mais se aproximaria dos embates com escolanovistas, estas não
parecem ultrapassar os campos religioso e político-econômico, respectivamente. Assim
nosso intuito de chamar atenção a Escola Nova neste tópico está em demonstrar a
inexistência de conflitos com este segmento, além de visualizar como o contrario
aconteceu, instituições escolares que não deveriam, enquanto laicas, não manter
relações com instituições como o CMN, permitindo que os discursos do colégio e de
seus agentes se associassem a sua prática.
Em relação ao protestantismo e a suas manifestações, não percebemos nem ao
menos a vinculação a colégios como o Americano Batista e o Agnes. O que talvez,
possa ser um indicador de que esses conflitos com o movimento tenham de fato um
105
cunho religioso e não pedagógico, ou então, que esses Colégios que pareciam trazer ao
Recife aquele pensamento, na verdade só incorporaram algumas técnicas, não chegando
a ser de fato representantes desse modelo educacional.
Percebemos que o mesmo aconteceu com a declarada guerra ao Liberalismo, que
em suas relações se limitavam às referências leoninas de combate político e econômico,
mostrando que ele era o grande vilão dos tempos modernos, já que pretendia tirar a mão
forte do estado do mercado e deixá-la a mercê da ganância de certos homens.
Não descartando, claro, a importância dos novos pensamentos que surgem no
fim do século XIX e já preocupavam a Igreja, como vimos com o Papa Pio IX, não
percebemos grandes ameaças do movimento progressista no Recife, no qual a
Maçonaria, o Protestantismo, o Liberalismo, o Comunismo, o Socialismo e até a
modernidade parecem representar uma ameaça muito mais significativa que aqueles.
Até aquilo que mais se aproximou de combates foram feitos de forma
extremamente generalizada pelo sumo pontífice, e defendo que elas não traziam nada de
novidade, eram apenas tentativas de exigências da natureza pseudo- autônoma, pelas
quais a própria Igreja já lutava.
Tais são na sua generalidade aqueles sistemas modernos, de vários nomes,
que apelam para uma pretendida autonomia e ilimitada liberdade da criança,
e que diminuem ou suprimem até, a autoridade e a acção do educador,
atribuindo ao educando um primado exclusivo de iniciativa e uma actividade
independente de toda a lei superior natural e divina, na obra da sua educação.
(…) Diriam, sim, a verdade, se com algumas daquelas expressões quisessem
indicar, ainda que impropriamente, a necessidade cada vez mais consciente,
da cooperação activa do aluno na sua educação, e se entendessem afastar
desta o despotismo e a violência (a qual, de resto, não é a justa correcção),
mas não diriam absolutamente nada de novo e que a Igreja não tenha já
ensinado e atuado na prática da educação cristã tradicional, à semelhança do
que faz o próprio Deus com as criaturas que chama a uma activa cooperação,
segundo a natureza própria de cada uma, visto que a sua Sabedoria « se
estende com firmeza de um a outro extremo, e tudo governa com bondade »
(PIO XI, 1929)
A quase regra de importar modelos estrangeiros progressistas e caricaturar a
moda do conservadorismo Pernambucano, parece se aplicar aqui com perfeição, pois a
existência desse movimento aqui é inquestionável, como provam diversos autores das
mais distintas correntes historiográficas, mas, mais uma vez, o tradicionalismo
oligárquico pareceu moldar e/ou sufocar isso, que visto como um processo histórico
representou um bom começo, mas que porém não teve grandes repercussões em sua
contemporaneidade.
Até mesmo alguns estudiosos desses movimentos no período, reconhecem a
complexidade de se falar deles nesse período, onde o pensamento católico ainda era
106
muito influente, que tendia a impedir a propagação de movimentos mais radicais no
Recife. Segundo Lêda Sellaro, isso parece ter acontecido com a ação chamada de
Escola do Recife sob a liderança de Tobias Barreto, que acabou adaptando o
modernismo a um regionalismo mais ligado à tradição pernambucana:
Além das personalidades supracitada, a Escola do Recife envolveu nomes
como Martins Jùnior, Capristrano de Abreu, Oliveira Lima, Nina Rodrigues,
Arthur Ramos e Graça Aranha, um dos inspiradores do modernismo. Por
estes e outros fatos ligados à tradição local, o Recife mostrava-se mais
propenso para o regionalismo, no sentido de restauração ou conservação do
antigo, do que para o rompimento que marcava o modernismo. Já São Paulo,
sem tradição literária de maior envergadura, envolvido na construção do seu
futuro industrial, seria mais receptivo às mudanças. (SELLARO, pg. 119)
Os indícios encontrados em nossa documentação que confirmam esse fato,
apontam para a existência de uma aproximação, e até quem sabe aqueles laços afetivos -
familiares, que os agentes da hierarquia eclesiástica tentaram cultivar com as elites
políticas, com as personalidades envolvidas nesses movimentos.
Era bastante comum as visitas dessas personalidades ao Nóbrega ou as relações
de amizade mantidas entre eles e os jesuítas do CMN. Um bom exemplo disso é o fato
de Oliveira Lima, fazer parte da ação da Escola do Recife, participando de conversas no
Nóbrega:
23/05/1917 – “Veio visitar-nos Ex-ministro Dr. Oliveira Lima. O Pe.
Superior foi ao Palácio Archiepiscopal assistir a reunião de vigários e
superiores regulares, que vessou sobre o ensino da doutrina christã, e
adoração diária do S.S. Sacramento na cidade do Recife.” (DIÁRIO DE
FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 14)
Além disso, relações com outras instituições educacionais laicas eram mantidas
de forma cotidiana. Os padres do Nóbrega constantemente frequentavam essas
instituições para celebrar missas, assistir cerimônias, participar ou ministrar cursos e
palestras, envolvendo-se em campeonatos esportivos, etc. (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO
1917-1929.), normalmente a convite de diretores ou professores:
24/02/1919 – “O Pe Superior foi assisti a solene instalação do instituto dos
professores de humanidades no Gynnasio Pernambucano. Vieram professores
convidar os NN para o acto” (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 69)
Listamos outros exemplos de instituições não confessionais com as quais o
CMN mantinha relações:
Carneiro Leão
Faculdade de Direito
Escola de Aprendizes de marinheiro
Gynnasio Pernambucano
107
Colégio da Torre
Ginásio do Recife
Percebemos que essas relações não se davam apenas no âmbito local. Clóvis
Leal, ex-aluno do colégio Nóbrega da Bahia e um dos fundadores da Liga para a
Restauração dos Ideais, em carta escrita em 20 de agosto de 1926, conta (entre muitas
coisas que já citamos no tópico sobre a LRI, sobre uma sessão solene em comemoração
ao aniversário do Pe. Torrend, da qual participou o Diretor-Geral de ensino, Anísio
Teixeira, que chegou em outro momento, ao que parece até a participar de uma turma
dos retiros da CMMA31
:
Realizamos já diversas sessões e entre elas a sessão solene no dia 21 de
junho, aniversário do nosso diretor, Pe. Torrend, S.J., à qual assistiram
pessoas de destaque como o Diretor Geral do ensino, o Dr. Anísio Spínola
Teixeira que ficou admiradíssimo de ver uns Ideais tão levantados numa
geração tão nova como a nossa! Por toda parte em todos os colégios e entre
as altas famílias da capital só se ouve o grito de combate da nossa
Liga…(CONGREGAÇÃO MARIANA pg. 68)
Essa disputa ficou mais nítida próxima a elaboração da constituição de 193,
com o surgimento de oportunidades para diversos grupos envolvidos em debates que
antecederam a concretização constitucional de seus princípios. A partir daí, os dois
grupos se destacaram nos conflitos: “os educadores profissionais identificados como
Pioneiros da Escola nova e os líderes intelectuais católicos juntamente com os membros
da hierarquia católica” (CURY, 1945. pg. 11).
Apesar das sucessivas reformas do ensino empreendidas ao longo da República,
contendo muitas vezes óbices consideráveis ao desenvolvimento do ensino
confessional, e da concorrência crescente das escolas protestantes, o mercado de ensino
secundário constituiu ainda a alavancada mais dinâmica e rentável dos
empreendimentos eclesiásticos no período (MICELI, 2009. pg. 28).
Como já dissemos, mesmo os embates com o protestantismo, que em muitos
locais estavam intimamente ligados à escola nova, com os seus supostos representantes
em nossa capital, como, por exemplo, o Colégio Americano Batista e o Agnes, nos
parecem de fato restringir-se às disputas no campo Religioso. De forma que a
materialização do escola-novismo em Recife parece ter sido ofuscado por outros
movimentos.
Embora conscientes que as documentações não são suficientes para se afirmar a
inexistência de conflitos entre os escola-novistas e as escolas confessionais no período
31
Foto datada de 15 de agosto de 1926 no Anexo K
108
republicano, elas servem para questionarmos se boas relações do CMN com esse
segmentos laicos eram uma exceção?
Não pretendemos alcançar respostas, com tal questão, pois ele não configura
objeto de nossa pesquisa, porém gostaríamos apenas de destacar, como fizemos em
inúmeros tópicos desse estudo, a imersão do Nóbrega, ou falta dela, em debates
contemporâneos ao nosso período, pois poderia de alguma forma nos auxiliar na
compreensão do que pode ter influenciado a formação do pensamento da época e em
que debates estavam envolvidos os agentes do CMN.
Acreditamos que a definição que melhor cabe para explicar as relações que
acabamos de apontar, foi dada por Alceu Amoroso Lima, em prefácio de uma obra que
analisando a composição da Ideologia Educacional no Brasil fala sobre a relação entre
católicos e escola- novistas:
Dois amigos sustentam vivamente teses opostas em relação a determinado
tema. No dia seguinte se encontram de novo. E, mesmo de longe, um deles
diz ao outro: ‘você sabe que ontem me conveceu?’. E o outro respondendo
sem hesitar: ‘não senhor, foi você que me convenceu’. E retomam a
discussão, em posições antagônicas às da véspera… Se não houvesse isso,
entre ‘católicos’ e ‘pioneiros’, houve pelo menosuma compreensão recíproca
da finalidade pedagógica comum, de tirar de cada ser humano o que há de
latente no sentido de aperfeiçoamento pessoal e coletivo. (LIMA in CURY.
1945 pg. XI)
Pela observação dos aspectos analisados, podemos interpretar que não houve
com a proclamação da república, grandes rupturas com o poder e seus representantes
que justificassem uma ação restauradora. Elas buscavam, ao menos nominalmente, a
restauração de um poder que, na prática, tinha sido perdida muito antes da instauração
do Estado Laico no Brasil, que ao parece nos remeter a uma perda muito anterior, ainda
em épocas de contra -reforma. O que não quer dizer, que houve perdas de cunho
material, monopólios que a Igreja e o CMN, em particular, não estavam prontos a abrir
mão.
Por isso que os projetos, então denominados de restauradores, promoviam ações
que auxiliavam o ganho de uma força simbólica e cultural que se expressava em
posicionamentos políticos e com a volta ou instauração de garantias legislativas que
servissem aos seus interesses.
109
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de nossas pesquisas, nosso foco esteve nas funções dos sujeitos do
CMN, dentro do projeto de restauração católica, denominação dada pela própria
documentação. Entretanto, nossas análises nos conduziram para o questionamento sobre
a natureza das ações que envolviam tais sujeitos, de forma que as praticas ligadas a aos
esforços restauradores nos fizeram duvidar da essência do processo em si, e se a
restauração, no que se refere aos nossos recortes cronológicos e espaciais, se manifestou
de forma, a de fato restaurar, no sentido textual da palavra, o que pressuporia a perda
de algo.
Para decifrar essa realidade usamos como base alguns documentos oficiais da
Igreja Católica, especialmente encíclicas papais e acordos pastorais, na montagem de
um cenário, tanto no âmbito internacional como no nacional mais generalizado, visando
entender o que consiste esse cenário e as motivações que levaram a necessidade dessa
restauração. Nesse contexto, passamos a traçar a proposta local que mais tinha
coerência com o discurso do CMN, que, segundo nossas fontes, estava em maior
confluência com as proposições lemistas da época.
Visualizamos, no primeiro capítulo, que os discursos que estavam ligados as
práticas em si foram montados a partir da influência do ponto de vista do lugar que o
colégio ocupa no campo da restauração católica, e que os sujeitos que dele faziam parte
reproduziam e produziam certa verdade histórica, e como tais eram importantes aliados
aos atos que possuíam necessidade do apoio deste discurso legitimador, especialmente
na esfera política.
Como era de se esperar, os discursos mais latentes em nossa documentação
mantinham relação com as questões contemporâneas da época. As questões em torno
das relações entre ricos e pobres não ficaram de fora. Além de opiniões emitidas sobre o
Comunismo, Socialismo e Liberalismo, que guardavam ligação com aqueles das
sentenças proferidas nos registros e da maçonaria, que usava a posição de seus
seguidores para destruir a sociedade.
110
Lembrando bem, a riqueza e a pobreza, segundo os documentos, eram inerentes
às sociedades organizadas, pois era um nexo permitido por Deus. De forma que
questionar sua existência, seria questionar a própria ordem natural das coisas, pois ser
rico ou ser pobre guarda relação direta com a espiritualidade, já que o próprio Cristo
veio como um pobre. Isto posto, num posicionamento contrário a moral divina, o
Comunismo e o Socialismo instigam o ódio do pobre pelo sistema, demandado de uma
insatisfação que foi iniciada quando o Liberalismo impediu a mão forte do estado de
atuar no mercado, o deixou entregue à ganância dos maus ricos, que desequilibraram o
sistema e exploravam em excesso o pobre. A solução para a diminuição dos conflitos
seria o fomento a caridade, que por sua vez estaria ligada a moral da Igreja e a colocaria
como intermediária e conciliadora entre essas camadas sociais.
Já a posição dos maçons como os principais opositores da moral cristã, foi
encontrada de forma mais demarcada, entretanto, se limitando a citações nos escritos do
próprio CMN. Tendo a documentação um cunho mais geral, apontando, principalmente,
para como a maçonaria conseguia a legitimação de seus preceitos a partir da
proximidade com os agentes detentores do poder civil, especialmente no fim do século
XIX. Foi talvez por essa razão, que as estratégias com ênfase no “retorno” das alianças
e do fortalecimento dos laços familiares com as elites dirigentes ganharam tanto espaço
nos esforços restauradores do início do século XX.
Ao Nóbrega, coube, inicialmente, o papel de formar elites católicas militantes,
pois partilhavam dos esforços de D. Leme em conseguir que o católico por tradição, que
somavam a maioria no país, se tornassem católicos por ação.
Os trabalhos recristianizadores mais comuns, no cotidiano do CMN, estavam ligados a
uma proposta principal da “Personificação de um modelo moço de cristão combatente,
digno de ser tomado como padrão”, sendo a este ligado a instauração de “Retiros
fechados”, e, posteriormente, a fundação de uma biblioteca para a formação intelectual
desses autores católicos. Para isso, um imenso aparelho e rede de relações foram
montados, tendo como principais agremiações do CMN a Congregação Mariana de
Mocidade Acadêmica e a Liga para a Restauração dos Ideais.
Isso não excluiu trabalhos específicos com mulheres e operários, que chegaram a
ganhar retiros próprios no fim da década de 20. A mulher, em especial, ganhou uma
função de destaque nas atividades do colégio, especialmente por serem, através dela,
111
fortalecidos e criados os laços familiares com as elites, tão importantes aos esforços
recristianizadores. A mulher, cabia a missão de organizar os eventos, angariar fundos
para a caridade, educar os filhos nos preceitos cristãos e aproximar os maridos dos
trabalhos do CMN.
Em um segundo momento, o Nóbrega começou a atuar de uma forma mais
“extramuros” do Palácio da Soledade, através de comícios, catequeses, trabalhos na
comunidade e da realização com mais frequência durante o ano de retiros mais
tradicionais .Isso fez com que seu apoio, em assuntos políticos, se tornasse cada vez
mais importante. Os grandes destaques se encontraram na campanha contra o divórcio e
a favor do ensino religioso nas escolas públicas.
Uma vez que definimos o papel do CMN, com base nas nossas fontes, como
sendo fomentador de trabalhos específicos nas mais diversas esferas de atuação social,
formador de elites militantes, defensor político de assuntos de cunho moral através dos
congregados da CMMA e da LRI, entre outros, passamos a questionar a manifestação
da laicidade e da necessidade de restauração católica no Recife.
Quando voltarmos ao início de nossos estudos, nos deparamos com a
Companhia de Jesus e outras irmandades sendo expulsas de Portugal. Lá, a onda de
laicização dos estados entendia que essas instituições não tinham nada a oferecer às
novas configurações da política, mas, muito pelo contrário, elas eram vistas como
ameaças a um “novo iluminismo” que estava se estabelecendo em alguns países da
Europa naquele momento.
A oposição à vinda dos refugiados que chegaram ao Recife não encontrou
nenhum obstáculo que impedisse o estabelecimento deles em nossa capital. Pelo
contrário, a mão de obra qualificada de educadores logo os fizeram ser amplamente
aproveitados para suprir as carências de instituições de ensino que ainda não
conseguiam ser atendidas pelo poder público.
As ligações com a alta elite recifense e com as famílias de altos políticos, se
fizeram ainda nos primeiros anos, elevando o prestígio dos jesuítas, que crescia de
forma a passarem a ter cada vez mais uma certa influência nas questões políticas. A
Campanha pela volta do ensino religioso às escolas públicas, em parte encabeçada pelo
CMN, e dentro dela a vitória de Barreto Campello, congregado mariano, na campanha à
112
formação da constituinte no pós 30, foi um dos maiores indícios que o colégio não era
alheio às questões políticas de sua época.
De modo que ao observar nossas fontes, podemos afirmar que a laicidade do
estado no Recife não se manifestou de forma absoluta, uma vez que questões que
guardavam relação à moralidade católica – e se destaque a católica, pois outras religiões
não tiveram este mesmo espaço – conseguiram entrar no debate político e colecionar
certas vitórias em um estado dito laico.
Da mesma forma a recristianização, no sentido de “retomar tudo para Cristo”
aqui pareceu ser irrelevante. Dito de forma simplista, nunca deixamos de ser cristãos, a
política era tranquilamente regida por questões que passavam unicamente pelo cunho
religioso, como até os dias atuais não parece ser difícil colecionar exemplos desses
fatos. Assim, a restauração católica se manifestou muito mais como manutenção e
fortalecimento de laços, do que como um restabelecimento no sentido literal da palavra.
Em fim, tais conclusões não indicam que perguntas não tenham ficado sem
respostas após nossos estudos. Muito pelo contrário, de imediato podemos destacar a
nossa incapacidade de responder o porquê dos jesuítas representarem valiosos aliados
aqui e serem considerados ameaças em Portugal. O fato do movimento escola novista
não ter sido considerado um ator histórico pelas nossas fontes, que consegue declarar os
maçons como seus inimigos e mantém amistosas relações com as escolas laicas do
Recife e com figuras como Oliveira Lima e Anísio Teixeira, ainda representa, também,
um enigma que só outros estudos específicos poderão apontar.
113
REFERÊNCIAS
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partidários e da democracia-ufpe, 2012, v. 01
ANEXOS
Diários de Fundação do Colégio Manuel da Nóbrega
Anexo A Anexo B
Anexo C - Livro Consultas do Colégio Manuelda Nóbrega
122
Archivo mariano academico (1916 a 1923)
Anexo D
123
Anexo E
Anexo F
124
Anexo G
Anexo H
125
Anexo I
126
Anexo J
127
Anexo K
Anexo L
128
Anexo M
Anexo N
129
Anexo O
Archivo Mariano Acadêmico (1924 A 1927)
Anexo P
130
Anexo Q
Anexo R
131
Anexo S
Anexo T
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