UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE SADE COMUNITRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA
LVIA DE ANDRADE MARQUES
DISTRIBUIO ESPACIAL DA VIOLNCIA SEXUAL CONTRA CRIANAS E
ADOLESCENTES EM ESTADOS BRASILEIROS E MUNICPIOS CEARENSES
FORTALEZA
2016
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LVIA DE ANDRADE MARQUES
DISTRIBUIO ESPACIAL DA VIOLNCIA SEXUAL CONTRA CRIANAS E
ADOLESCENTES EM ESTADOS BRASILEIROS E MUNICPIOS CEARENSES
Dissertao apresentada ao Mestrado de Sade
Pblica da Universidade Federal do Cear-
UFC, como requisito parcial para obteno de
Ttulo de Mestre em Sade Pblica.
Orientador: Prof. Dr. Jos Gomes Bezerra
Filho.
FORTALEZA
2016
B
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LVIA DE ANDRADE MARQUES
DISTRIBUIO ESPACIAL DA VIOLNCIA SEXUAL CONTRA CRIANAS E
ADOLESCENTES EM ESTADOS BRASILEIROS E MUNICPIOS CEARENSES
Dissertao apresentada ao Mestrado de Sade
Pblica da Universidade Federal do Cear-
UFC, como requisito parcial para obteno de
Ttulo de Mestre em Sade Pblica.
Orientador: Prof. Dr. Jos Gomes Bezerra
Filho.
Aprovada em: 29/08/2016.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Jos Gomes Bezerra Filho (Orientador)
Universidade Federal do Cear (UFC)
_____________________________________________
Prof. Dra. Samira Valentim Gama Lira
Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
_____________________________________________
Prof. Dra. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira
Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por Seu flego de vida em mim, por me
guiar, iluminar e me dar foras para seguir em frente com os meus objetivos e no desanimar
com as dificuldades. Essa vitria foi concedida por Ele!
Dedico esta dissertao s pessoas mais importantes para mim, minha filha Hanna
Lara pelo amor, carinho demonstrados durante a presena e compreenso pela ausncia, ela
um dos meus principais estmulos para essa conquista!
A minha querida me Ireuda, a principal responsvel pela minha vida e a quem devo
meu carter e a disciplina para com o trabalho, minha primeira e maior referncia profissional
na docncia! Que em todos os sentidos possveis, permitiu que eu chegasse at aqui.
Obrigada por ter feito do meu sonho o nosso sonho! Ao meu pai Jos Iris, que embora
distante sei que estou presente em suas oraes, agradeo pelos conselhos de vida e torcida,
meu exemplo de honestidade e humildade. Ao meu padrasto Bruno, meus infinitos
agradecimentos! Talvez hoje no tenha mais tanta noo do significado que teve no incio e
em grande parte da minha trajetria acadmica e pessoal, sendo apoio e suporte bem presente
com o seu incentivo, bondade e generosidade, mas sei que consegue reconhecer o meu
carinho.
Ao meu irmo Hugo, a minha cunhada Crys, aos meus sobrinhos Nathan e Sarah,
Eliete pelo cuidado, dedicao, incentivo e apoio em todas as minhas decises. Que alm de
me motivar, entenderam as minhas faltas e momentos de afastamento e recluso. S foi
possvel chegar at aqui porque todos eles sempre acreditaram em minha capacidade e me
acharam A MELHOR de todas profissionais, mesmo no sendo. Isso s me fortaleceu e me
fez tentar no ser A MELHOR, mas a fazer o melhor de mim. Obrigada pelo amor
incondicional.
Ao Professor Gomes, que alm de orientador nesse percurso do mestrado teve uma
grande representao, foi um marco na minha vida acadmica por me apresentar de fato a
epidemiologia e a bioestatstica, possibilitando ampliar o meu conhecimento nessa rea e
passando a estudar a temtica da violncia nessa perspectiva. A este devo a confiana em
minha capacidade como pesquisadora e docente, respeitando e considerando sempre minhas
opinies, possibilitando o meu crescimento atravs do estgio docncia, alm da pacincia e
tranquilidade para me transmitir os ensinamentos da complicada bioestatstica. Sempre
disponvel, querendo que eu aproveitasse cada segundo dentro do mestrado para absorver
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algum tipo de conhecimento. Despertando sempre o meu olhar para a ideia de que existe mais
do que pesquisadores e nmeros por trs de uma dissertao, mas vidas humanas...tornando-
se uma referncia! Costumo dizer, que ganhei o meu pai acadmico.
Agradeo muito a Professora Jane Eyre da Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Resumi-la em minha primeira e eterna orientadora muito pouco, como costumo dizer minha
me acadmica, amiga, confidente, parceira, irms em Cristo, conselheira que sempre est
ali e at nas horas em que parece que nada est dando certo, ela sabe que preciso no s de um
opinio ou consolo, mas de um colo. Que com toda pacincia e humildade me ensinou desde
as pequenas s grandes coisas. Por isso, faz parte do que sou e do que pretendo ser! Meu
exemplo de dedicao e competncia em todos os aspectos. O meu muito obrigada pela
compreenso, carinho e torcida de sempre. Tenho certeza de que ela sente a importncia que
teve e tem para mim!
Gostaria de agradecer tambm com especial afeto e admirao, a Professora Samira
Lira, pela honra com a qual me brinda com suas esmeradas sugestes e, acima de tudo,
valiosa amizade. Tambm uma das minhas referncias. E a todos os membros da banca, de
forma geral pela disponibilidade e perspicazes direcionamentos tericos e metodolgicos
desde a qualificao at s contribuies na defesa;
Agradeo a coordenao do mestrado na pessoa do Professor Carlos Henrique
Alencar, que com excelncia conduziu a organizao em maior tempo deste acompanhamento
que teve incio em 2014, no qual foi possvel estabelecer parcerias em iniciativas como o Dia
do bem, para a qual desejo o rendimento de bons frutos. Quanto aos professores, agradeo no
nome do Professor Alberto Novaes a todos do Programa de Ps-graduao em Sade
Coletiva, pelos ensinamentos que passaram durante o mestrado, os quais foram, so e sero
muito importantes para mim e para a minha vida profissional. Assim como agradeo aos
demais funcionrios que fazem com que tudo funcione da melhor maneira possvel, em
especial, as secretrias Dominik e Zenaide pela disponibilidade, simpatia e gentileza.
Obrigada pela ajuda sempre que precisei.
Aos meus amigos do mestrado, pelos momentos compartilhados juntos, vivenciando
momentos de estudo e de escrita, de desafios como o estgio docncia e de tenso, como a
prova de qualificao, no decorrer desta jornada. Especialmente a Naianny, Edir e Carol que
alm de colegas de turma, aos poucos nos tornamos mais que amigos, parceiros, quase irmos
e tornaram mais leve esse processo. Agradeo por ter pessoas to especiais ao meu lado, sem
as quais certamente no teria dado conta! Incluo tambm os demais orientandos Marcos e
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Jarli, que apesar de no serem da mesma turma, agradeo a todos por dividirem comigo as
angstias e alegrias. Foi bom poder contar com vocs!
Ao Grupo de Pesquisa sobre Violncias e Acidentes - Ao pela Paz pela receptividade,
reflexes e aprendizados agregados. Ao subgrupo com alunos da graduao, que com a
permisso e incentivo do Coordenador Professor Gomes, tive a oportunidade de conduzir nesse
ano, com a colaborao dos meus colegas. Agradeo a todos os alunos que fizeram parte pelo
interesse, dedicao e pela troca nesse processo de ensino-aprendizagem que permeia a pesquisa e
docncia. Tambm preciso agradecer no nome de Poliana Magalhes, aos membros do Ncleo
de Estudos e Pesquisas sobre Acidentes e Violncias NEPAV /UNIFOR, os quais me
conduziram nos primeiros passos da vida acadmica e at hoje instigaram, questionaram,
apoiaram e colaboraram com as reflexes aqui expostas. Obrigada pela parceria e amizade!
Ao final dessa trajetria, agradeo tambm pelas oportunidades que surgiram e
acrescentaram em minha vida profissional, a Faculdades Nordeste FANOR|Devry Brasil
nos nomes de Laurineide Diniz e Aline Pereira pela confiana para a funo, esprito de
trabalho em equipe e onde amadureci muito como profissional. Ao Centro Universitrio
Christus - UNICHRISTUS na pessoa da Deborah Moreira e UNIFOR nos nomes de Geisy
Luna e Samira Lira, com as quais tenho aprendido cada vez mais o significado e os desafios
da educao, pela confiana com que me acolheram na equipe de preceptores/docentes e que
me ensinam e inspiram muito do que ser professor.
Agradeo as minhas primas Priscilla, Jackeline, Rayanne, Tuyra e os demais
familiares, amigos e amigas no nome de Juliana Fonseca que sempre fizeram propaganda
positiva ao meu respeito, por s quererem o meu bem e me valorizarem tanto como pessoa e
profissional. Obrigada pela fora e amizade! Aos amigos da Comunidade das Naes, por me
ajudarem a manter a f e pelas oraes, obrigada por estarem ao meu lado.
A todas as pessoas que participaram direta ou indiretamente desse percurso, queles
que tiveram perseverana para batalhar ao meu lado, fora para me incentivar ou
simplesmente pacincia para esperar meu momento.
Agradeo tambm, a CAPES pelo apoio financeiro durante os 24 meses, me
possibilitando dedicao ao mximo nesse perodo para o mestrado.
Finalmente, gostaria de agradecer a Universidade Federal do Cear UFC, ao
Departamento de Medicina e Sade Comunitria, por abrirem as portas para que eu pudesse
realizar esse sonho que era a minha DISSERTAO DE MESTRADO. Proporcionaram-me
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mais que a busca de conhecimento tcnico e cientfico, mas UMA LIO DE VIDA, sendo
uma realizao profissional e pessoal.
Ningum vence sozinho... OBRIGADA A TODOS!
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa com a distribuio espacial da violncia sexual no Brasil em 2014, segundo
dados disponibilizados pela Secretaria de Direitos Humanos. Disque 100, 2016.
Figura 2- Mapa com a distribuio da taxa de abuso sexual no Cear, no perodo de 2011 a
2014. Fortaleza, Cear, 2016.
Figura 3- Mapa com a distribuio da taxa de explorao sexual no Cear, no perodo de 2011
a 2014. Fortaleza, Cear, 2016.
Figura 4- Mapa com a sobreposio da taxa de analfabetismo 15 anos ou mais e a taxa de
explorao sexual dos municpios cearenses.
Figura 5 - Mapa com a sobreposio do percentual de extremamente pobres e a taxa de
explorao sexual dos municpios cearenses.
Figura 6 - Mapa com a sobreposio do percentual dos ocupados nos setores industrial e de
utilidade pblica e a taxa de explorao sexual dos municpios cearenses.
Figura 7 - Mapa com a sobreposio de unidade mista e a taxa de explorao sexual dos
municpios cearenses.
Figura 8- Mapa com a sobreposio do percentual de domiclios com saneamento inadequado
e a taxa de explorao sexual dos municpios cearenses.
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Perfil das vtimas sobre denncias de violncia sexual contra crianas e
adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).
Tabela 2 Perfil dos suspeitos sobre denncias de violncia sexual contra crianas e
adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).
Tabela 3 Relao entre suspeito e vtima sobre denncias de violncia sexual contra
crianas e adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).
Tabela 4 - Relao entre demandante e vtima sobre denncias de violncia sexual contra
crianas e adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).
Tabela 5 Local da violao sobre denncias de violncia sexual contra crianas e
adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).
Tabela 6 - Distribuio da taxa de abuso sexual apresentando um ranking dos dez Municpios
Cearenses em destaque, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear, 2016.
Tabela 7 - Distribuio da taxa de abuso sexual apresentando um ranking dos dez Municpios
Cearenses com os mnimos valores, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear, 2016.
Tabela 8: Distribuio da taxa de explorao sexual apresentando um ranking dos dez
Municpios Cearenses com maiores valores, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear,
2016.
Tabela 9: Distribuio da taxa de explorao sexual apresentando um ranking dos dez
Municpios Cearenses com os menores valores, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear,
2016.
Tabela 10- Taxas de abuso e explorao sexual dos Municpios Cearenses com base no
perodo entre 2011 a 2014.
Tabela 11 - Indicadores de renda nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.
Tabela 12 Indicadores de vulnerabilidades nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a
2014.
Tabela 13- Indicadores de sade nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.
Tabela 14 Indicadores demogrficos nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.
Tabela 15 Indicadores da educao nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.
Tabela 16 Indicadores de desenvolvimento humano nos municpios cearenses, no perodo de
2012 a 2014.
Tabela 17 Indicadores de trabalho nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.
Tabela 18 - Correlaes e significncia entre taxa de explorao sexual com indicadores
sociais sobre Renda, Vulnerabilidades, Sade, Demogrficas, Educao, Desenvolvimento
Humano e Trabalho dos Municpios Cearenses.
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Tabela 19 - Modelo explicativo para taxa de explorao sexual nos municpios cearenses no
perodo de 2012 a 2014.
Tabela 20 Indicadores socioeconmicos dos cinco estados com maior nmero de denncias
de violncia sexual, no Brasil.
Tabela 21 Indicadores socioeconmicos dos cinco estados com menor nmero de denncias
e violncia sexual, no Brasil.
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1- Distribuio das cinco maiores taxas de violncia sexual, durante o perodo de
2012 a 2014, no Brasil.
Grfico 2 - Distribuio das cinco menores taxas de violncia sexual, durante o perodo de
2012 a 2014, no Brasil.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEI Comunidade dos Estados Independentes
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente
CRAS Centro de Referncia de Assistncia Social / CREAS Centro de Referncia
Especializada de Assistncia Social
CREAS Centro de Referncia Especializada de Assistncia Social
CTs Conselhos Tutelares
DECECA Delegacia de Combate Explorao da Criana e do Adolescente
DSTs Doenas Sexualmente Transmissveis
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
ESCA Explorao sexual comercial adolescente
ESF Estratgia de Sade da Famlia
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IPECE Instituto de Pesquisa e Estatstica Econmica do Cear
OMS Organizao Mundial da Sade
ONU Organizao das Naes Unidas
PIB Produto Interno Bruto
PROSAD Programa de Sade do Adolescente
SER Secretaria Executiva Regional
SGD Sistema de Garantia de Direitos
SINAN Sistema Nacional de Agravos de Notificao
SIPIA - Sistema de Informao para a Infncia e Adolescncia
SUS Sistema nico de Sade
TICs Tecnologias da Informao e Comunicao
TSPT Transtorno do Stress Ps-Traumtico
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
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SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................... 17
1.1 Justificativa .......................................................................................................... 20
1.1.1 Acadmica e Social ................................................................................................ 20
1.1.2 Pessoal ................................................................................................................... 21
1.2 Problema ............................................................................................................... 23
1.3 Pergunta norteadora ........................................................................................... 23
2 HIPTESES ......................................................................................................... 24
3 OBJETIVOS ........................................................................................................ 25
3.1 Objetivo Geral ...................................................................................................... 25
3.2 Objetivos Especficos ........................................................................................... 25
4 REVISO DE LITERATURA ........................................................................... 26
4.1 Garantia dos direitos aos adolescentes em situao de violncia sexual............ 26
4.2 Violncia sexual contra crianas e adolescentes..................................................... 29
5 METODOLOGIA ................................................................................................ 42
5.1 Abordagem e tipo de estudo ............................................................................... 42
5.2 Contextualizao do local de estudo ........................................................... 43
5.3 Fonte dos dados .................................................................................................... 44
5.3.1 Registros dos casos de violncia sexual do disque denncia 100 - SDH............... 44
5.3.2 Banco com indicadores sociais renda, sade, educao, ao social,
infraestrutura e segurana pblica de cada Municpio ........................................
45
5.4 Anlise dos dados ................................................................................................. 45
5.4.1 Variveis para anlise ........................................................................................... 45
5.4.2 Processo de anlise dos dados .............................................................................. 46
5.5 Aspectos tico-legais ............................................................................................ 47
B
14
6 RESULTADOS ................................................................................................. 48
7 DISCUSSO.................................................................................................. 75
8 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................. 89
9 RECOMENDAES........................................................................................ 91
10 REFERNCIAS ................................................................................................... 92
11 APNDICES........................................................................................................... 101
12 ANEXOS................................................................................................................ 106
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RESUMO
Objetiva-se investigar os Estados Brasileiros e os Municpios Cearenses de maior risco para
violncia sexual contra crianas e adolescentes. Para tanto, ser realizado um estudo
descritivo, observacional, analtico do tipo ecolgico, com base em dados secundrios de
2014 (retrospectivo) sobre a taxa de violncia sexual no Brasil e as taxas de abuso e
explorao sexual dos municpios cearenses, relacionando com indicadores sociais. Parte dos
dados foram obtidos atravs dos registros de violncia sexual do disque denncia 100 - SDH.
Na anlise, a tabulao foi por meio do programa Excel e os dados processados por meio do
software STATA, verso 13.0 e Arcgis, verso 10. De acordo com os dados obtidos, foi
possvel identificar que entre os adolescentes em situao de violncia sexual observou-se
predomnio do sexo feminino no Brasil (21281 / 68,2%) e no Estado do Cear (807 / 68,6%).
A faixa etria de 12 a 14 anos no Brasil (9282 / 29,7%) e no Cear (340 / 28,9%), j a raa/cor
foi no informado como a maioria no Brasil (12538 /40,2%) e no Cear (446 /37,9%) seguido
por parda (8892 / 28,5%) Brasil e Cear 376 (376 / 31,9%). Os dados referentes ao local da
violao, evidenciam a casa da vtima como o local onde foi mais frequente a ocorrncia da
violncia sexual no Brasil (9352 / 38,6) e no Cear (371 / 38,9%). Ao analisarmos a
distribuio espacial no Brasil, verificamos uma variao no perfil de desenvolvimento
socioeconmico tanto nos Estados com maiores, como nos que possuem menores taxas,
evidenciando a ocorrncia da violncia sexual muitas vezes em Estados que possuem um bom
desenvolvimento nessa perspectiva. O que sugere a ideia de que no a pobreza que est
relacionada com a violncia, mas as desigualdades sociais. Assim como os Estados
Brasileiros, no Estado do Cear apesar de um aparente bom desenvolvimento econmico de
modo geral, tambm existe a m-distribuio de renda nos municpios Cearenses, alm disso,
apresentam correlaes de indicadores sobre vulnerabilidades, sade, dados demogrficos,
educao, desenvolvimento humano e trabalho com a explorao sexual. Essas evidncias
requerem ateno para polticas e intervenes que melhorem a distribuio de renda e
igualdade social, atividades direcionadas aos adolescentes e jovens visando reduzir
vulnerabilidade. Alm disso, foi identificado uma relao entre conhecimento, poder e
violncia. Que refere a necessidade abordar com a sociedade em geral juntamente com a
educao, a formao de valores ticos e de cidadania, desconstruo da cultura androcntrica
e discusses de gnero.
PALAVRAS-CHAVE: Violncia sexual. Abuso sexual na infncia. Defesa da Criana e do
Adolescente. Distribuio Espacial da Populao. Adolescente. Assistncia integral Sade.
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ABSTRACT
The objective is to investigate the Brazilian States and Municipalities Cearenses higher risk
for sexual violence against children and adolescents. Therefore, there will be a descriptive,
observational, analytical ecological type, based on 2014 secondary data (retrospective) on the
rate of sexual violence in Brazil and abuse rates and sexual exploitation of Cear
municipalities, relating to social indicators . Part of the data were obtained from the sexual
violence records dial termination 100 - SDH. In the analysis, the tab was through the Excel
program and data processed using STATA software, version 13.0 and Arcgis, version 10.
According to the data obtained, it was identified that among adolescents in situations of
sexual violence observed if female predominance in Brazil (21,281 / 68.2%) and in the State
of Cear (807 / 68.6%). The age group 12 to 14 years in Brazil (9282 / 29.7%) and Cear (340
/ 28.9%), as the race / color was not informed as most in Brazil (12,538 / 40.2% ) and Cear
(446 / 37.9%) followed by mixed (8892 / 28.5%) and Cear Brazil 376 (376 / 31.9%). The
data relating to the location of the breach, show the victim's home as the place where it was
more frequent occurrence of sexual violence in Brazil (9352 / 38.6) and Cear (371 / 38.9%).
By analyzing the spatial distribution in Brazil, we see a variation in socioeconomic
development profile both in states with larger ones like us that have lower rates, showing the
occurrence of sexual violence often in states that have a good development in this perspective.
This suggests the idea that it is not poverty that is linked to violence, but social inequalities.
As the Brazilian States, in the State of Cear despite an apparent good economic development
in general, there is also the income bad distribution in Cearenses municipalities also have
indicators of correlations on vulnerabilities, health, demographics, education, human
development and work with sexual exploitation. This evidence requires attention to policies
and interventions to improve income distribution and social equality, activities directed at
adolescents and young people to reduce the vulnerability. Furthermore, a relationship between
knowledge, power and violence has been identified. Which refers to the need to address
society in general along with education, the formation of ethical and civic values,
deconstruction of androcentric culture and gender discussions.
KEY-WORDS: Sexual Violence. Child abuse, sexual. Child Advocacy. Adolescent.
Residence Characteristics. Comprehensive Health Care.
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1 INTRODUO
Dentre os tipos de violncia, a sexual traz grandes desafios para a sociedade e para
os profissionais que lidam com esse problema, devido as suas consequncias e magnitude,
pois envolve o assdio sexual, atentado violento ao pudor, abuso sexual, estupro, explorao
sexual e a explorao sexual comercial adolescente ESCA.
Diante do exposto, imprescindvel destacar a conceituao de violncia sexual,
que, apesar de abordar uma questo cuja repercusso e visibilidade no se limitam a fronteiras
nacionais, apreendida como sendo todo ato ou jogo sexual com inteno de estimular
sexualmente a criana ou o adolescente, visando utiliz-lo para obter satisfao sexual, em
que os autores da violncia esto em estgio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado,
podendo abranger relaes homo ou heterossexuais (BRASIL, 2001; LOWENKRON, 2010).
Essa violncia entra em discusso nas polticas pblicas de diversos pases e
diferentes contextos socioculturais, sejam desenvolvidos ou em desenvolvimento,
mobilizando os governos a buscarem mecanismos eficientes para investigar os casos, cumprir
as leis e responsabilizar os envolvidos (OLIVEIRA et al., 2009).
Segundo um relatrio do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF),
lanado em 2014, cerca de 120 milhes de garotas com idade inferior a 20 anos em todo o
mundo, uma em cada 10, estiveram sujeitas a relaes ou outros tipos de atos sexuais forados
apenas em 2012. O mesmo relatrio aponta, ainda, para um inqurito realizado na Sua, em
2009, com moas e rapazes com idades entre 15 e 17 anos, que 22% e 8%, respectivamente,
tinham vivido pelo menos uma experincia ou um incidente de violncia sexual envolvendo
contato fsico. Entretanto, destaca-se a vitimizao no espao virtual como a forma mais
comum de violncia sexual para ambos os sexos (UNICEF, 2014).
Apenas no ano de 2014, foram registradas 24.575 denncias de violncia sexual
contra crianas e adolescentes no Brasil (ABRINQ, 2015). No Estado do Cear, foram
registrados 4.766 casos de violncia sexual entre 2012 e 2014, por meio do Sistema Nacional
de Agravos de Notificao SINAN (BRASIL, 2015a). Um levantamento indito do
Ministrio da Sade com dados preliminares de 2011 mostra a violncia sexual ocupando o
segundo lugar nas notificaes com valor aproximado de 30% entre os diferentes tipos de
violncia, na faixa etria de 10 a 19 anos, ficando atrs apenas da violncia fsica com 65,3%
(BRASIL, 2011a).
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Corroborando com o exposto, a literatura aponta que a violncia sexual sobrepe-
se em crianas e adolescentes, o que torna-os vulnervel a este tipo de agresso, influenciando
diretamente na incidncia de violncia sexual nessa faixa etria, sendo atribuda por
estudiosos imaturidade biopsicossocial, dependncia econmica, o no conhecimento de
direitos e a dificuldade de serem ouvidas (ANTONIO; FONTES, 2012; MONTEIRO et al,
2012; SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011).
Alm do mais, esse tipo de ocorrncia reincidente, principalmente quando no h
evidncias fsicas e a criana e o adolescente possuem proximidade com o agressor; deste
modo, so vivenciados sentimentos de vergonha, medo, raiva, humilhao e, muitas vezes,
atribuio da culpa pelas agresses a si prprias, uma vez que vivenciam uma fase de
transio da infncia para a vida adulta (JUSTINO et al, 2011). Por isso, a violncia sexual
contra crianas e adolescentes destaca-se como a forma mais cruel de todas, tanto pela
condio de indefesa de suas vtimas, quanto pelas consequncias que podem causar vrios
danos ao seu crescimento e desenvolvimento (SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011).
Estudos apontam graves consequncias do abuso sexual, incluindo os traumas
fsicos, graves leses, prtica sexual desprotegida com riscos de adquirir Infeces
Sexualmente Transmissveis ISTs e gravidez decorrente deste ato. Quanto aos traumas
psicolgicos, todos esses aspectos envolvidos podem propiciar uma viso do prprio corpo
como algo profano, desenvolvendo sentimento de perda de integridade fsica, despertando,
alm dos sentimentos supracitados, angstia, depresso e baixa autoestima, vivenciando
momentos de conflitos e pavor, tais como dificuldade de lidar com o sexo oposto, vendo a
atividade sexual como uma punio, estando mais suscetveis prostituio, ao uso de drogas,
sofrer outros tipos de violncia e, no extremo do comportamento autodestrutivo, chegar ao
suicdio (BRASIL, 2006a; JUSTINO et al, 2011; SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011;
TEIXEIRA; TAQUETTE, 2010).
Vale ressaltar que crianas e adolescentes em situao de violncia sexual, alm
de terem sido feridos a integridade fsica e psicolgica, tambm tem violados os seus direitos
ao respeito, dignidade e sexualidade vivida de forma responsvel e protegida,
constituindo-se como uma grave violao da garantia de direitos individuais e sociais.
No h meno do percurso histrico de ganhos de direitos entre as crianas e
adolescentes e do quo esta violao mundial e desafia os rgos governamentais e
sociedade. Destaca-se que o Brasil signatrio no enfrentamento da violncia sexual contra
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crianas e adolescentes e que busca, por meio de planos e programas, enfrentar esse grave
problema. Nesta perspectiva, destaca-se o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), que
foi transformado na Lei n 8.069 em 13/06/1990 e discorre sobre a proteo integral, visando
a preveno e ao enfrentamento de qualquer forma de violncia envolvendo esses grupos
societrios (BRASIL, 1990).
Em outubro de 1991, a partir da Lei n. 8.242 foi criado o Conselho Nacional dos
Direitos da Criana e do Adolescente CONANDA. (BRASIL, 1991). Cria-se em 2002, o
Comit Nacional de Enfrentamento Violncia Sexual contra Crianas e Adolescentes com a
misso de articular e monitorar permanentemente (BRASIL, 2013).
A partir de 2003, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica,
passou a contar com uma rea para lidar especificamente com a violncia sexual contra
crianas e adolescentes, com a criao do Programa Nacional de Enfrentamento da Violncia
Sexual contra Crianas e Adolescentes PNEVSCA. A partir deste programa foram
implementados o Disque 100 e o Programa de Aes Integradas e Referenciais de
Enfrentamento Violncia Sexual Infanto-juvenil no Territrio Brasileiro PAIR (BRASIL,
2016).
Vale ressaltar como um principal canal de comunicao da Ouvidoria Secretaria
de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica (SDH/PR) para demandas relativas a
violaes de Direitos Humanos, em especial as que atingem populaes com vulnerabilidade
acrescida, como: Crianas e Adolescentes entre outros, o Disque Direitos Humanos
Disque 100, servio de atendimento telefnico gratuito, que funciona 24 horas por dia, nos 7
dias da semana. As denncias recebidas na Ouvidoria e no Disque 100 so analisadas, tratadas
e encaminhadas aos rgos responsveis. O servio inclui ainda a disseminao de
informaes sobre direitos humanos e orientaes acerca de aes, programas, campanhas e
de servios de atendimento, proteo, defesa e responsabilizao em Direitos Humanos
disponveis no mbito Federal, Estadual e Municipal (BRASIL, 2016).
Por sua natureza de instncia de dilogo e registro de manifestaes da populao,
onde as denncias podem ser annimas, e o sigilo das informaes garantido, quando
solicitado pelo demandante, o Disque 100 que tem sido amplamente divulgado como uma
importante ferramenta nas campanhas relacionadas preveno e o enfrentamento de abuso e
explorao sexual contra crianas e adolescentes, tem se consolidado como um importante
instrumento de dados estatsticos sobre violaes de Direitos Humanos e a Ouvidoria tem
20
buscado a cada dia tornar essas informaes pblicas para pesquisadores e interessados
(BRASIL, 2016).
1.1 Justificativa
1.1.1 Acadmica e Social
O estudo justifica-se pela necessidade referida no Plano Nacional de
Enfrentamento a Violncia Sexual Infanto-Juvenil (BRASIL, 2013), que, por meio do eixo
Anlise da Situao, objetiva conhecer o fenmeno da violncia sexual contra crianas e
adolescentes em todo o pas. Sugere a elaborao do diagnstico da situao do
enfrentamento da problemtica, alm de demandar a divulgao de todos os dados e
informaes sociedade civil brasileira.
Considerando ainda, que apesar de o ECA tratar sobre o tema das violaes de
direitos de crianas e adolescentes, condenando qualquer atentado a seus direitos
fundamentais, passados 20 anos da promulgao, tais violaes ocorrem em nmero
significativo, dentre os casos mais recorrentes est a violncia sexual (CONANDA, 2010).
Alm do que j foi dito, a literatura aponta que a crescente ocorrncia dessa
violncia est presente na sociedade, principalmente em grandes centros (ANTONIO;
FONTES, 2012; MINAYO; DESLANDES, 2009). Neste contexto, destaca-se o Brasil e em
especial o Estado do Cear, permeado por aspectos de desenvolvimento socioeconmico, tais
como: indstrias, obras civis, preferncia turstica, contudo, prottipo de desigualdades.
Considerando ainda, o fato recente de ter sediado eventos de carter mundial (Copa das
Confederaes de Futebol 2013, Copa do Mundo de Futebol 2014 e seminrios/eventos
internacionais), o que pode contribuir para o aumento desse fenmeno.
Vale ressaltar, que em uma nao federativa as unidades sub-nacionais possuem
autonomia administrativa e poltica na oferta de bens e servios pblicos, contando, para
tanto, com fontes de receitas prprias e de transferncias para financi-los (IPECE, 2013).
Portanto, considerando as desigualdades que existem entre os nveis de recursos
disponveis para o financiamento dos governos estaduais brasileiros, sendo constatado que os
estados mais pobres dispem de um volume de recursos per capita bem inferior ao dos estados
21
mais ricos. Uma importante implicao dessa constatao que os Estados pobres possuem
uma restrio oramentria maior, para a prestao de servios pblicos, do que a dos estados
mais ricos. Isto , os estados mais pobres, assim como os mais ricos, tm que oferecer
servios como os de educao, sade, saneamento etc., porm dispem de um menor volume
de recursos per capita disponvel para esses servios (IPECE, 2013).
Sendo de suma relevncia destacar que muitos servios prestados pelos governos
estaduais podem contribuir de forma significativa para o desenvolvimento econmico de seus
territrios e para a melhoria do bem-estar de sua populao. Assim, o menor volume de
recursos para os estados mais pobres pode estar contribuindo para que eles se desenvolvam
mais lentamente (IPECE, 2013).
Diante das informaes e considerando que as desigualdades sociais pode
comprometer a qualidade de vida da populao, influenciar no processo de adoecimento e
ocorrncia de agravos, possvel realizar alguns questionamentos, sendo de grande relevncia
averiguar a vulnerabilidade de crianas e adolescentes que vivem nesse contexto, sofrerem
algum tipo de violncia com nfase na violncia sexual que estaria permeada por questes
que abrangem o contexto familiar e/ou financeiro, no necessariamente em ordem pr-
estabelecida.
Dentre outros objetivos, essa pesquisa visa fornecer subsdios que possam
contribuir com o desenvolvimento e a implementao de polticas pblicas voltadas
preveno desse tipo de violncia contra o grupo social em questo, bem como instigar
reflexes para uma melhor orientao sobre sistema de informao e o atendimento dos casos
e compromete-se a realizar devolutivas dos dados analisados aos servios envolvidos como
fonte de dados, bem como sociedade e comunidade acadmica.
1.1.2 Pessoal
O meu interesse pela temtica da violncia e sade surgiu quando estava no
terceiro semestre da graduao em Enfermagem da Universidade de Fortaleza (UNIFOR),
quando me inseri no Ncleo de Estudos em Acidentes e Violncias (NEPAV), da linha de
pesquisa Polticas e Prticas na promoo da sade, que, posteriormente, passou a ser o grupo
de pesquisa Violncias e repercusses na sade individual e coletiva (Diretrio-CNPq),
coordenado pela Prof. Dr. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira.
22
Desde ento, comecei a participar de pesquisas sobre o assunto, tomando-o como
objeto de estudo no trabalho de concluso de curso (TCC) da graduao em Enfermagem,
intitulado Notificao de maus-tratos em crianas e adolescentes por profissionais da equipe
sade da famlia em municpios cearenses. Mantive contato com o tema no TCC do curso de
Especializao em Sade Coletiva, com a produo do trabalho Notificao de violncia
sexual contra a mulher nos servios de sade: Percepo de profissionais e gestores.
Foi de extrema relevncia o envolvimento propiciado como bolsista de apoio
tcnico pesquisa, atravs da Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico FUNCAP, ao projeto "Violncia, Criana e Adolescente: Ato Notificatrio e
Percepes dos Gestores da Educao, Ao Social, e Segurana Pblica em Municpios
Cearenses" e seus desdobramentos, coordenado pela Prof. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira,
do Programa de Ps-graduao em Sade Coletiva UNIFOR. O que me direcionou, durante
esses anos, a dedicar-me a apresentar trabalhos em eventos, ministrar, organizar palestras e
seminrios, participar de eventos, cursos e capacitaes, produzir artigos, captulos de livros e
relatrios de pesquisa na rea.
Toda essa caminhada contribuiu bastante para minha vida acadmica. Entretanto,
foi de grande valia a oportunidade de participar de duas pesquisas multicntricas, sendo a
primeira intitulada Metodologias de avaliao para o enfrentamento municipal da violncia
familiar e sexual, realizada pela Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz) Instituto Nacional de
Sade da Mulher da Criana e do Adolescente Fernandes Figueira e Centro Latino Americano
de Estudos de Violncia e Sade Jorge Carelli com apoio do Fundo das Naes Unidas para
a infncia UNICEF e coordenada pela Prof. Dr. Suely Ferreira Deslandes. A segunda
pesquisa intitula-se Anlise dos servios de sade na ateno s mulheres em situao de
violncia sexual: estudo comparativo em duas capitais brasileiras, mediante o Ncleo de
Polticas Pblicas, Identidades e Indicadores (NUPPII) da Escola de Servio Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, coordenado pela Prof. Dr. Ludmila
Fontenele Cavalcanti.
Essas vivncias motivaram-me e despertaram-me para a necessidade de investigar
o atual objeto de estudo durante o Mestrado Acadmico de Sade Pblica da Universidade
Federal do Cear UFC, sob uma nova perspectiva (epidemiolgica), ao inserir-me na linha
de pesquisa Epidemiologia de violncias e outras causas externas, sob a coordenao do Prof.
Jos Gomes Bezerra Filho, do Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva UFC,
23
estimulando a continuidade de investigaes na temtica e o desejo de dedicar-me vida
acadmica.
1.2 Problema
Conhecimento cientfico insuficiente sobre perfil, magnitude e distribuio
espacial da violncia sexual contra crianas e adolescentes no Brasil e no Estado do Cear e a
relao da ocorrncia do abuso e explorao sexual com indicadores/desigualdades sociais
dos municpios cearenses.
1.3 Pergunta norteadora
Qual o perfil, magnitude e distribuio espacial da violncia sexual contra
crianas e adolescentes no Brasil e no Estado do Cear e a relao da ocorrncia do abuso e
explorao sexual com os indicadores/desigualdades sociais dos municpios cearenses?
24
2 HIPTESES
A maioria das crianas e adolescentes que sofrem violncia sexual so do sexo feminino,
tendo como perpetradores algum conhecido e com maior ocorrncia em ambiente
intrafamiliar.
Os Municpios com a maior taxa de explorao sexual supe ser aqueles com grande
influncia socioeconmica advinda do turismo.
Viver em um municpio desfavorecido, do ponto de vista das desigualdades sociais,
aumenta os riscos de uma criana e/ou adolescente sofrer violncia sexual;
25
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
Investigar a distribuio espacial da violncia sexual contra crianas e adolescentes
nos Estados Brasileiros e nos Municpios Cearenses registrados pelo Disque 100.
3.2 Objetivos Especficos
Descrever o perfil dos casos de violncia sexual contra crianas e adolescentes no Brasil
e no Estado do Cear atravs dos dados do disque denncia da SDH, conforme perfil das
vtimas, perfil dos suspeitos, relao entre suspeito e vtima, relao demandante e vtima
e local da violao, no ano de 2014.
Calcular a taxa apresentando uma srie espao-temporal, no perodo de 2012 a 2014,
dando nfase aos cinco estados brasileiros com maior e os cinco com menor nmero de
denncias.
Descrever os indicadores sociais sobre renda, vulnerabilidade, sade, demogrficos,
educao, desenvolvimento humano e trabalho dos municpios do Cear.
Apresentar a distribuio da taxa de abuso sexual e a taxa de explorao sexual dos
Municpios Cearenses com base no perodo entre 2011 a 2014, com nfase aos dez
Municpios com maior e os dez com menor nmero de denncias.
Verificar os fatores associados entre taxa de abuso sexual e taxa de explorao sexual
com indicadores sociais sobre vulnerabilidade, sade, demogrficos, educao,
desenvolvimento humano e trabalho dos Municpios Cearenses.
26
4 REVISO DE LITERATURA
4.1 Garantia dos direitos s crianas e adolescentes em situao de violncia sexual
Os referenciais que concedem sustentao para a elaborao de Polticas Pblicas
de sade da criana e do adolescente e/ou que visam, diretamente, ao enfrentamento da
violncia sexual partem da Legislao vigente. Todavia, a violncia sexual contra esse grupo
uma das formas mais cruis de violao de direitos adquiridos e no exercidos e que esto
continuamente ameaados.
Sabe-se que no exerccio da tentativa de cumprimento da garantia desses direitos,
so observados fatores sociolgicos, jurdicos, psicolgicos, dentre outros. Como se v, os
dilogos da sociedade entre os seus mais diversos setores orientam a ao do Estado,
competente por promover o enfrentamento de tal cenrio. Esse aspecto multidisciplinar e
intersetorial, inerente temtica, possibilita sua maior compreenso, o que refora que tal
fenmeno no pode ser abordado de forma isolada, para que seja apurada a real dimenso do
problema (ALBERTO et al, 2012; MUNGUBA- MACEDO et al, 2013).
Desse modo, somente com a compreenso do direito que transgredido e da sua
razo de ser, possibilitar um melhor entendimento sobre a garantia de sua implementao na
sociedade. Considerando essa premissa, dentre as Leis existentes, destacam-se as mais
relevantes abordadas na Constituio Federal de 1988, no Cdigo Penal e no ECA e do que
elas dispem. Vale ressaltar que, visando a essa proteo da criana e do adolescente contra
qualquer forma de violncia, esse aparato legal determina penalidades, no apenas para os que
praticam o ato, mas tambm para aqueles que se omitem (BRASIL, 1990, 2000).
A Constituio Federal evidencia, em seu artigo 227, essa prioridade de
enfrentamento, alertando, em seu inciso 4, que a Lei punir severamente o abuso, a violncia
e a explorao sexual da criana e do adolescente, atribuindo o dever famlia, sociedade e
ao Estado em assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,
dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los
a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e
opresso (BRASIL, 2000).
27
Alm da legislao instituda especificamente para as situaes de violncia
sexual, foi criado por esse Estatuto e pela Constituio Federal um sistema de garantia de
direitos (SGD), como uma forma de proteo geral de direitos de crianas e adolescentes para
a consolidao da poltica de atendimento e de proteo integral (BRASIL, 2006b), sendo
efetuadas pelo poder pblico em suas trs esferas: Unio, estados, Distrito Federal e
municpios, pelos poderes Executivo, Legislativo e Judicirio e pela sociedade civil, atravs
de trs eixos (promoo, defesa e controle social), aes integradas referentes aos direitos
desse grupo social (MUNGUBA-MACEDO et al, 2013). De acordo com que estabelecido
no inciso V do artigo 88, do ECA, O SDG tem por princpio integrar as polticas pblicas
(BRASIL,1990).
Desse modo, a rede de proteo dos direitos da criana e do adolescente funciona
da seguinte forma: existem as chamadas portas de entrada, tais como, Disque-denncia,
abordagem de rua, Delegacia, Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social -
CREAS, Abrigo, Unidade de Sade, Escola, Centro de Referncia de Assistncia Social -
CRAS e Comunidade. Esses rgos devem atender a demanda imediata e encaminhar /
comunicar ao Conselho Tutelar.
Seguindo o que est preconizado no Art. 13 do ECA, que diz que os casos de
suspeita ou confirmao de maus-tratos contra a criana ou o adolescente sero
obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuzo de
outras providncias legais (BRASIL, 1990). Devendo haver uma articulao de informaes,
com base na referncia e contrarreferncia, o que, muitas vezes, na realidade no ocorre entre
a lei e o fazer, sendo que a falta de integrao entre os servios de atendimento tambm um
problema, podendo colaborar para a revitimizao da criana e do adolescente.
A partir de ento, os CTs atuam como mediadores entre o Estado e a sociedade,
cujo objetivo principal o de fazer cumprir os direitos da criana e do adolescente, proteo
contra a violao destes e garantir que sejam restitudos, quando violados. Dentre as
atribuies, destaca-se atender crianas e adolescentes e aplicar medidas de proteo,
promover a execuo de medidas destinadas s famlias, realizar o devido acolhimento,
permeando com o envolvimento de autoridade judiciria, como Juiz da Infncia e da
Juventude e encaminhar ao Ministrio Pblico (Estadual ou Federal), sendo que esta ao
citada por ltimo pode gerar uma denncia processual, encaminhada para autoridade
judiciria Juiz Criminal, Vara especializada. Pode ainda gerar inqurito policial envolvendo a
Polcia Civil, nos casos de abuso ou explorao sexual. O mesmo ocorre com um inqurito na
28
Polcia Federal, quando envolve os crimes de pornografia na internet e trfico interestadual e
internacional (MARTINS, 2013; ROCHA; VIEIRA; MARTINS, 2013).
Na maioria dos casos, a presena de violaes de direito acontece multifacetada, e
caracterstica da conjugao de determinaes que expressam violaes, vulnerabilidades
diversas, resultantes das manifestaes da desigualdade social e vnculos de responsabilidade
e de afetividade, sobretudo no espao sociofamiliar, o que requer aes intersetoriais e
interdisciplinares (SILVEIRA, 2012).
Pois quando no mbito familiar que os problemas so expressados, prejudicando a
vida dos filhos, ento os pais so identificados como responsveis por situaes
constrangedoras, e no cumprem com seus papis de cuidadores. Mas, a famlia no pode ser
identificada como nica responsvel pelos problemas relacionados aos filhos, ainda mais se
observarmos que enquanto trabalhadores passam de oito a dez horas fora de casa, o que exige
uma rede de servios para assegurar a proteo necessria aos filhos e aos seus direitos
(UNICEF, 2007).
A realidade das famlias brasileiras tem sido marcada pela excluso social, desta
forma, as famlias no tm encontrado respostas para os desafios que lhes so postos. E esta,
desprotegida socialmente, fica sem condies de cuidar de suas crianas e adolescentes,
resultando, muitas vezes, no distanciamento de pais e filhos e na violao do direito a
convivncia familiar e comunitria (SILVEIRA, 2010).
Com base no exposto, faz-se necessrio o desenvolvimento de aes integradas que
favoream a superao dos processos geradores, a recomposio de vnculos afetivos e
comunitrios, quando for o caso, e a reconstruo de projetos de vida, alm de condies
socioeducativas facilitadoras da construo de protagonismos dos sujeitos de direitos.
Contudo, os dados mostram a necessidade de discusses conceituais acerca do papel
do Estado, da Famlia e da Sociedade na garantia dos direitos fundamentais, de forma que as
denncias possam ser melhores interpretadas, para serem notificadas da maneira correta.
O registro das notificaes muito importante, pois a partir desses dados que se
pode monitorar a situao dos municpios produzir polticas pblicas, alm de atuar no mbito
da produo de medidas protetivas e de preveno. Permite tambm reconhecer os servios
existentes e saber como estar o funcionamento da Rede de Proteo (GODOY; MELLO,
2009; BRITO et al., 2014; SANTOS et al., 2014)
29
4.2 Violncia sexual contra crianas e adolescentes.
A violncia contra crianas e adolescentes um fenmeno histrico, relatado
desde os primrdios da humanidade, constituindo-se, ainda, como um grave problema da
atualidade, que preocupa diversos setores da sociedade.
Existem vrias naturezas desse fenmeno contra esse grupo societrio. De acordo
com classificao da Organizao Mundial de Sade (OMS), temos as situaes de violncia
fsica, sexual, maus-tratos e negligncia (OMS, 2004). Dentre essas modalidades, a violncia
sexual evidenciada devido complexidade de suas consequncias, envolvendo aspectos
fsicos, psicolgicos e morais.
A violncia sexual entendida como o contato entre uma criana ou um
adolescente e um adulto, no qual se utiliza a criana ou o adolescente como objeto gratificante
para as necessidades ou desejos sexuais do adulto, causando danos a esse indivduo. Por
conseguinte, essa experincia poder interferir no seu desenvolvimento, considerando que a
criana ou adolescente ainda no tm maturidade emocional plena, de forma que essa situao
ocorre mediante coero fsica ou psicolgica, violando os direitos que lhes foram
estabelecidos e corrompendo os papis sociais e/ou familiares (FERRARI, 2011; LUGO et
al, 2012).
Existe certa subdiviso dessa forma de violncia e suas respectivas definies. O
assdio sexual definido como a insistncia inoportuna, independentemente do sexo ou
orientao sexual, com perguntas, propostas, pretenses ou outra forma de abordagem forada
de natureza sexual. o ato de constranger algum com gestos, palavras ou com o emprego de
violncia, prevalecendo-se de relaes de confiana, de ascendncia, de superioridade
hierrquica, de autoridade ou de relao de emprego ou servio, com o objetivo de obter
vantagem sexual (BRASIL, 2011b).
O estupro, de acordo com o Art. 213 da Lei n 12.015/2009, significa constranger
algum, mediante violncia ou grave ameaa, a ter conjuno carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso (BRASIL, 2009). Inclui conjuno carnal
(penetrao peniana ou de outro objeto no nus, vagina ou boca), independentemente da
orientao sexual ou do sexo da vtima (BRASIL, 2011b). Vale ressaltar a diferenciao em
relao a abuso sexual, quando os atos podem variar desde um contato fsico com ou sem
penetrao at diferentes atos em que no h esse contato (voyeurismo, exibicionismo).
Reiterando o que foi supracitado, esse ato ou jogo sexual acontece em ocasio cujo agressor
30
est em estgio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a vtima (CECOVI,
2013; LUGO et al, 2012).
J o atentado violento ao pudor um conceito desabilitado com a implantao
dessa Lei, sendo que os tipos de eventos antes assim classificados passaram a ser
considerados como estupro (BRASIL, 2009, 2011b).
Por sua vez, a explorao sexual consiste na prtica do abuso sexual com fins
comerciais, seja em espcie, servio ou favores, como a pornografia infantil, que consiste na
exposio de crianas e adolescentes atravs de material audiovisual com conotao sexual,
como, por exemplo, fotografias de sexo explcito, projees, revistas, filmes, vdeos etc. A
explorao envolve, alm disso, o turismo sexual, ou seja, a explorao sexual de crianas e
adolescentes por visitantes em geral, procedentes de outros pases ou mesmo turistas do
prprio pas. Por fim, a explorao sexual comercial do adolescente consiste no uso de uma
criana ou adolescente para fins sexuais em troca de dinheiro ou favores em espcie, entre a
criana ou adolescente, o cliente, o intermedirio ou agenciador e outros que se beneficiam do
comrcio de crianas para esses propsitos (CECOVI, 2013; FERRARI, 2011).
Um relatrio divulgado pelo UNICEF, intitulado "Hidden in plain sight"
(Escondido vista de todos), que rene dados de 190 pases, apresenta um panorama
epidemiolgico da violncia sexual no mundo. Estimou-se que cerca de 120 milhes de
garotas com menos de 20 anos de idade j foram vtimas de abusos, significando que uma em
cada dez jovens do mundo foi exposta a relaes ou atos sexuais forados. Porm, ressalta que
provvel que as adolescentes que vivem em determinadas partes do mundo correm maior
risco do que outras (UNICEF, 2014).
Como exemplo, coeficientes de prevalncia de sexo forado da ordem dos 10 por
cento ou mais verificam-se em 13 dos 18 pases na frica subsaariana com dados disponveis.
Em sentido oposto, em todos os pases da CEI, com dados comparveis (exceto na Repblica
da Moldvia), onde A CEI uma organizao criada em 1991, que integra 12 das 15
repblicas que formavam a Unio Sovitica (URSS), menos de um por cento das adolescentes
reportaram situaes de violncia sexual (UNICEF, 2014). Entretanto, os adolescentes que
vivem em pases de elevado rendimento tambm correm perigo de violncia sexual. Nos
Estados Unidos, o segundo Inqurito Nacional sobre a Exposio das Crianas Violncia
(NatSCEV II), realizado em 2011, registrou taxas de vitimizao sexual prolongada em
adolescentes do sexo feminino e masculino entre os 14 e 17 anos da ordem dos 35 por cento e
20 por cento, respectivamente, o que evidencia que a ocorrncia desse fenmeno se apresenta
31
de formas diferentes de acordo com a realidade pesquisada e com possvel influncia
socioeconmica atribuda (UNICEF, 2014).
Em relao idade em que ocorreu a primeira experincia de violncia sexual em
21 pases com dados comparveis, a maioria das adolescentes afirma ter sido sexualmente
abusada pela primeira vez entre os 15 e os 19 anos de idade. No entanto, um percentual
significativo foi vtima de violncia sexual pela primeira vez em idades mais jovens,
considerando que dos 21 pases, exceto ndia, Libria, Repblica da Moldvia, So Tom e
Prncipe e Zimbabwe, pelo menos uma em cada cinco adolescentes, que relataram no mnimo
um incidente de violncia sexual, afirmam que este ocorreu pela primeira vez entre os 10 e os
14 anos, o que refora a realizao de estudos com abrangncia total entre essa faixa-etria
(UNICEF, 2014). Corroborando com esses achados, um estudo realizado por Trindade et al
(2014), apresenta a ocorrncia da violncia sexual em menores de 18 anos de idade
(TRINDADE et al, 2014).
De acordo com esse mesmo relatrio, os adolescentes do sexo masculino tambm
so vtimas de violncia sexual, mas em grau menor do que as adolescentes do sexo feminino,
de acordo com os dados de quatro pases. Isso tambm pode estar relacionado omisso
provavelmente ligada vergonha e ao receio de estigma e preconceito, como, por exemplo,
Uganda, em que a probabilidade de os adolescentes relatarem incidentes de relaes sexuais
ou outro tipo de atos sexuais forados duas vezes menor do que a das adolescentes do sexo
feminino. De modo idntico, em Moambique, um nmero muito menor de rapazes do que
moas dizem ter sido vtimas de violncia sexual (3% contra 9%, respectivamente).
Entretanto, assim como acontece com as adolescentes do sexo feminino, os incidentes de
violncia sexual em rapazes ocorrem majoritariamente, pela primeira vez, entre os 15 e os 19
anos e os perpetradores mais frequentes para ambos so os parceiros ntimos atuais ou
anteriores (UNICEF, 2014).
Diferentemente, um estudo realizado nos Estados Unidos por Hart-Johnson e
Green (2012), aponta que a prevalncia de homens que relataram j ter sofrido abuso sexual
durante a vida foi maior em relao s mulheres, sendo que estes relataram sofrer esse tipo de
abuso ainda jovens, enquanto as mulheres na vida adulta (HART-JOHNSON; GREEN, 2012).
Corroborando com o que j foi exposto, em outro estudo desenvolvido no Brasil, que
investigava fatores associados violncia sexual contra homens e mulheres com transtornos
mentais, prevalece o sexo feminino; contudo, tambm refora que os homens afirmaram ter
32
sofrido esse tipo de violncia na juventude, o que sinaliza ateno para esse perodo de vida
(OLIVEIRA; MACHADO; GUIMARES, 2012).
O relatrio da UNICEF apresenta, ainda, com relao aos autores mais comuns de
violncia sexual contra adolescentes, os atuais ou anteriores maridos, parceiros ou namorados,
fato que merece ateno e surge diante da realidade de unies estveis cada vez mais
precoces. Uma parte significativa de adolescentes na Bolvia, na Repblica Dominicana, na
Guatemala, no Qunia, na Repblica da Moldvia, nos Estados Unidos da Tanznia e na
Uganda tambm relata ter sido vtima de violncia sexual por parte de um amigo ou
conhecido, sendo que uma em cada trs jovens que tenham sido casadas na faixa etria entre
15 e 19 anos afirmaram ter sido vtimas de violncia fsica, sexual ou emocional cometida por
parceiros ou maridos (UNICEF, 2014).
Ainda de acordo com o documento referenciado, os casos em que o responsvel
pelo abuso era o prprio marido da vtima chegaram a 70% em pases como a Repblica
Democrtica do Congo e a Guin Equatorial. Ao mesmo tempo, segundo o documento, cerca
de 50% das adolescentes dessa faixa etria (aproximadamente 120 milhes) dizem acreditar
que ser agredida pelo marido justificvel sob certas circunstncias. Essa taxa sobe para 80%
em pases como Afeganisto, Guin, Jordnia, Mali e Timor Leste (UNICEF, 2014). J o
estudo de Oliveira, Machado e Guimares (2012) mostra a violncia sexual frequentemente
perpetrada contra mulheres por parceiros ntimos e no ambiente domstico e, entre os homens,
por estranhos e nas ruas (OLIVEIRA; MACHADO; GUIMARES, 2012).
Ao todo, no Brasil, foram registradas 24.575 denncias de violncia sexual contra
crianas e adolescentes em 2014. Desses casos, 19.165 foram de abuso e 5.410 de explorao
sexual (ABRINQ, 2015a). De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da
Repblica (SDH/PR), j nos trs primeiros meses de 2015, foram denunciados pelo do disque
100, 4.480 casos de violncia sexual, sendo 85% dos registros casos de abuso sexual e 23%
casos de explorao sexual (BRASIL, 2015b).
De acordo com a literatura, a violncia sexual tambm acomete mais o sexo
feminino, apresentando um nmero expressivo de adolescentes, sendo a maior prevalncia
entre 10 e 19 anos, tornando esses grupos vulnerveis devido s questes de desigualdades de
gnero e relaes de poder (ANTONIO; FONTES, 2012; GIRGIRA; TILAHUN; BACHA,
2014; MONTEIRO et al, 2012; TRINDADE et al, 2014).
33
Alguns fatores sociais e psicolgicos so apontados pela literatura como
determinantes da violncia sexual, tais como a natureza do fenmeno. Em relao
psicodinmica da famlia que apresenta as seguintes caractersticas abusivas: duplas
mensagens na comunicao, induo ao silncio, uso intenso de mecanismos de defesa e
autoestima rebaixada. Sobre a dificuldade com limites incluem-se o abuso do poder, omisso
na funo interditora, fronteiras intergeracionais frgeis e isolamento social acentuado.
Quanto aos fatores familiares: experincia de socializao dos pais, histria pessoal de abuso,
histria de desarmonia e ruptura familiar e ignorncia sobre o processo evolutivo da
criana/adolescente. Relacionado aos fatores individuais: caractersticas patolgicas dos pais -
desordens fsicas e psquicas, alcoolismo, drogadio, baixa autoestima, baixa tolerncia
frustrao, despreparo para o papel de pai/me e impulsividade. Caractersticas dos filhos:
prematuridade, deficincia fsica ou mental, problemas graves de sade, hiperatividade,
rebeldia e apatia (FERRARI, 2011).
Outros fatores merecem destaque e esto relacionados diretamente a condies
sociais e econmicas, como violncia estrutural, pobreza, excesso de filhos, isolamento social,
crises familiares e desemprego, pouco contato com famlia extensa, pouca interao social,
pouco acesso a instituies disponveis na comunidade, pouca expectativa e mobilidade
social. H, ainda, fatores que, por intensificarem a manuteno dos adolescentes na
dependncia qumica e explorao sexual, dificultando seu rompimento social, so
considerados de alto risco: histrico de violncia sexual intrafamiliar durante a infncia, uso
abusivo de drogas e presena marcante do aliciador em sua vida. Existem, alm dos j citados,
os fatores polticos atribudos s falhas na elaborao ou execuo de polticas pblicas. Por
fim, existem os fatores culturais envolvendo atitude perante infncia referente violncia,
castigo, mulheres, sexualidade e regulamentao das relaes entre sexos e entre geraes
(FERRARI, 2011; SOUZA et al, 2013).
Esse fenmeno complexo e causa sria preocupao, devido s graves
consequncias que podem ser causadas criana/adolescente. Em relao s consequncias
fsicas, podem haver leses, hemorragias vulvares ou anais; presena de smen na roupa, boca
ou genitais; dor e infeces urinrias e vaginais recorrentes; Infeces Sexualmente
Transmissveis - ISTs, gravidez precoce e aborto e at mesmo a morte. Alm disso, as
consequncias psicolgicas, como Transtorno do Stress Ps Traumtico (TSPT); baixa
autoestima, apatia, agressividade; medo e isolamento social; enurese, encoprese; dificuldades
escolares; comportamento sexualizado; fuga de casa, delinquncia; toxicomania e alcoolismo;
34
fobias e pnico; depresso e suicdio; homicdio; dupla personalidade, psicoses; explorao
sexual infanto-juvenil e repetio do padro abusivo (BRASIL, 2006a; FERRARI, 2011;
JUSTINO et al, 2011; SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011; TEIXEIRA; TAQUETTE,
2010).
Ainda segundo Ferrari (2011), certos fatores que influenciam a qualidade e
intensidade das consequncias, sendo eles relacionados idade da vtima e do agressor:
quanto mais jovem a criana, menor sua capacidade de compreenso e suas defesas. Quanto
mais velho o agressor, mais forte a hierarquia de poder e mais evidente a fragilidade da
barreira intergeracional. Tipo de relao entre agressor e vtima: quanto mais ntima a relao
entre eles (pais/mes-filhos), maior o paradoxo entre proteo e abuso e, portanto, maior o
dano. Personalidade da vtima: crianas tmidas e inibidas comunicam menos seus
sofrimentos. Durao e frequncia da agresso: quanto maior a frequncia e a durao dos
abusos, maior o dano. Quanto maior a dor e o sofrimento psquico causado pela impotncia,
desamparo, medo da morte e erotizao, maior o dano. Os danos so menores comsiderados
menores quando ocorre a crena e acolhimento da criana, j so maiores quando existe a
desateno aos apelos da criana; dvidas de sua palavra; culpabilizao da criana; exames
mal conduzidos ou dolorosos; depoimentos repetidos; acareaes com seus agressores
(FERRARI, 2011).
Diante desse contexto, diversas organizaes internacionais e rgos
governamentais brasileiros reconhecem a complexidade do fenmeno, atuando em busca de
estratgias e aes para o seu enfrentamento. Por conseguinte, foram criadas polticas e planos
abordando esse assunto como um grave problema de sade pblica, que merece ateno e
articulao multidisciplinar e intersetorial. Alm do mais, a sade da criana e do adolescente
de um modo geral, at ento, era algo pautado por certa invisibilidade, somente na dcada de
1980, tiveram incio as primeiras discusses com enfoque nesse grupo. O marco inicial foi em
1985, considerado pela Organizao das Naes Unidas (ONU) o Ano Internacional da
Juventude, quando 78% dos pases participantes pactuaram definies de polticas pblicas
para esse grupo social. Entretanto, apenas 40% desenvolveram um programa nacional de ao
nos anos seguintes (LAGE; MOURA; HORTA, 2012).
Seguindo essa perspectiva, no Brasil, com base tambm no referencial da
Constituio Federal de 1988, que evidencia o papel do Estado de assegurar a implementao
de programas e de assistncia integral sade da criana e do adolescente, foi criado o
Programa de Sade do Adolescente (PROSAD) com foco na promoo, integrao, apoio e
35
incentivo a atividades de sade, identificao de grupos de risco, deteco precoce de
agravos, tratamento adequado e reabilitao da faixa etria de 10 a 19 anos (BRASIL, 1989).
A partir de 1990, as polticas pblicas para os jovens so direcionadas ao enfrentamento da
criminalidade e narcotrfico envolvendo esse grupo social, da surge o Plano de Integrao e
Acompanhamento de Programas Sociais de Preveno da Violncia (PIAPS), programa do
Gabinete de Segurana (BRASIL, 2002).
Ainda na dcada de 1990, o Brasil foi o primeiro pas a promulgar um marco
legal, em consonncia com a Conveno sobre os Direitos da Criana (1989), o ECA, que foi
institudo como a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990). O ECA foi
inspirao para mais de 15 reformas legislativas, em especial na Amrica Latina, tornando-se
um passo relevante na garantia legal dos direitos desse grupo social, reconhecendo-os como
sujeitos de destaque e de proteo integral por parte da sociedade e do Estado. Em todos os
seus captulos, o Estatuto dedica-se a especificar o que considera proteo integral, mostrando
como essa premissa deve ser provida e indica penalidades para os transgressores (BRASIL,
1990). A abordagem trazida pelo ECA veio redirecionar as polticas pblicas voltadas para as
crianas e adolescentes at ento, onde geralmente trabalhavam os problemas da infncia e
adolescncia como condies patolgicas, contribuindo para uma viso discriminatria sobre
a compreenso devida nessas faixaetrias, passando a existir uma preocupao com os
aspectos biopsicossocial, condio e estilo de vida.
Contudo, posteriormente, o cenrio internacional tambm sinalizou iniciativas
atravs da Declarao e Agenda para Ao, com foco no enfrentamento da explorao
sexual, no I Congresso Mundial Contra Explorao Sexual Comercial de Crianas em 1996,
como tambm as recomendaes do II Encontro ocorrido no Brasil 1998 (BRASIL, 2013).
Em 1999, no Brasil, mais uma ao foi desenvolvida, foi criada a rea de Sade
do Adolescente e do Jovem (ASAJ) pelo Ministrio da Sade, como uma ampliao do
PROSAD e responsvel por aes e programas com foco no crescimento e desenvolvimento,
da sexualidade, sade mental, sade reprodutiva, sade escolar do adolescente, preveno de
acidentes, violncia, maus-tratos e famlia (LAGE; MOURA; HORTA, 2012).
At ento, ocorreram alguns avanos, contudo, a partir da dcada de 2000,
tivemos melhorias significativas na criao de polticas, aes e programas diretamente
relacionados violncia sexual, com a aprovao, nesse ano, pelo Conselho Nacional dos
Direitos da Criana e do Adolescente (CONANDA). Surgiu, ento, o Plano Nacional de
Enfrentamento da Violncia Sexual contra crianas e adolescentes, tornando-se referncia
36
para uma metodologia objetiva de estruturao de polticas, programas e servios por parte do
governo e tambm para organizaes no governamentais, no que concerne mobilizao
social e ao monitoramento dessas polticas pblicas para o enfrentamento da violncia sexual
(BRASIL, 2013).
O Ministrio da Sade, reconhecendo essa demanda, torna obrigatrio, por meio
da portaria n 1.968/2001, o preenchimento da ficha de notificao compulsria de violncia
contra crianas e adolescentes pelas instituies pblicas de sade ou conveniadas ao Sistema
nico de Sade (SUS), em todo o territrio nacional, com consequente encaminhamento aos
rgos competentes (BRASIL, 2001; MOREIRA et al, 2013).
Com o intuito de elaborar indicadores para monitoramento e avaliao do impacto
desse plano, na formulao de polticas pblicas envolvendo a temtica, em 2003, teve incio
um processo de atualizao dessa medida. Nesse mesmo ano, foi criada a Comisso
Intersetorial de Enfrentamento da Violncia sexual contra Crianas e Adolescentes, tendo sua
composio por mais de 20 ministrios, 12 parceiros da sociedade civil organizada e agncias
internacionais. Essa comisso, at o ano de 2006, foi coordenada pelo Ministrio da Justia,
sendo, nesse mesmo ano, integrada ento Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidncia da Repblica (BRASIL, 2013).
Nessa mesma dcada, com base em uma proposta durante o encontro realizado em
Natal (RN), no ano de 2000, onde foi elaborado o Plano Nacional de Enfrentamento da
Violncia Sexual contra Crianas e Adolescente, cria-se o Comit Nacional de Enfrentamento
Violncia Sexual contra Crianas e Adolescentes com a misso tambm de articular e
monitorar sua implementao (BRASIL, 2013).
Nesse mesmo ano, com o objetivo de uma sensibilizao da sociedade brasileira e
para o seu engajamento contra a violao dos direitos sexuais de crianas e adolescentes, foi
institudo o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Explorao Sexual
de Crianas e Adolescentes, atravs da Lei Federal N. 9970/00 (BRASIL, 2000). Neste dia,
ocorreu um caso que tomou grande repercusso no ano 1973, em que uma menina de 8 anos,
em Vitria (ES), foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada. Seu corpo apareceu
seis dias depois, carbonizado e os seus agressores nunca foram punidos. Deste ento, esse
tornou-se o smbolo dessa luta, para que a populao brasileira se una e se manifeste contra
esse tipo de violncia (ABRINQ, 2015b).
37
Em relao instituio do Comit e da Comisso em esfera federal, foi
perceptvel que esse fato veio fortalecer as redes locais / estaduais, assim como as diversas
campanhas de sensibilizao sistemticas, realizadas em perodos como o carnaval e o 18 de
maio, proporcionando adeso maior de organizaes pblicas e privadas ao enfrentamento da
violncia sexual, incluindo a visita ao Brasil do Relator Especial das Naes Unidas para
tratar sobre venda, prostituio infantil e utilizao de crianas na pornografia, alm da
adoo da experincia de Cdigos de Conduta contra a Explorao Sexual em diferentes
segmentos econmicos (turismo, transporte, dentre outros). Ressalta-se a criao do servio
de disque denncia nacional gratuito e annimo, intitulado "Disque 100", que possibilita que
sejam realizadas denncias dos casos de violncia sexual ao poder pblico para que sejam
tomadas as devidas providncias e encaminhamentos (BRASIL, 2013).
Em 2005, destaca-se o lanamento do Marco Legal da Sade de Adolescentes que
contribuiu para a construo de instrumentos legais de proteo aos direitos desse grupo
social, com nfase naqueles que garantem o seu direito fundamental sade em mbitos
nacional e internacional (LAGE; MOURA; HORTA, 2012). J em 2006, foi elaborada a
Cartilha sobre Direitos sexuais, direitos reprodutivos e mtodos anticoncepcionais, sendo, no
ano seguinte, estabelecido marco terico e referencial: sade sexual e reprodutiva de
adolescentes e jovens, no qual so discutidos marcos nacionais e internacionais, bem como
garantia de direitos sobre essa temtica (BRASIL, 2007).
Ainda em 2007, foi instituda a Poltica Nacional de Ateno Integral Sade de
Adolescentes e de Jovens, compreendendo que a ateno deve perpassar pelos diversos
aspectos, tais como biolgicos, fisiolgicos e sociais da sade do adolescente e do jovem,
bem como o conhecimento e a valorizao da sua insero no contexto familiar, social e
cultural (BRASIL, 2010b).
Essas conquistas voltadas para o enfrentamento da violncia sexual podem ser
atribudas ao Plano Nacional de Enfrentamento da Violncia Sexual, sendo reforadas pela
instituio de planos temticos, como o Plano Nacional de Promoo, Proteo e Defesa do
Direito de Crianas e Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria (2006) e o Plano
Nacional de Enfrentamento ao Trfico de Pessoas (2008). Apesar disso, a realizao do III
Congresso Mundial de Enfrentamento da Explorao Sexual de Crianas e Adolescentes no
Brasil, em 2008, gerou discusses apontando para a necessidade de atualizao/reviso do
referido Plano, com o intuito de atender s referidas novas demandas de violncia sexual, tais
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como os crimes transnacionais e os delitos facilitados pelas tecnologias da informao e
comunicao (TICs) (BRASIL, 2013).
Com enfoque na sade, a publicao "Sade do adolescente: competncias e
habilidades em 2008" abordou aspectos ticos, legais e clnicos do adolescente e jovem,
fornecendo subsdios para conhecimento e reflexo sobre a prxis do profissional da ateno
bsica (BRASIL, 2008). No ano seguinte, como um dos instrumentos voltados para conduzir
essa ateno, foi elaborada a Caderneta de Sade do Adolescente.
Em 2010, foi elaborado, no Brasil, o Plano Decenal de Direitos Humanos de
Crianas e Adolescentes, no mbito do CONANDA, tendo como base os princpios, eixos e
diretrizes da Poltica Nacional dos Direitos Humanos de Crianas e Adolescentes, com prazo
de vigncia para as aes at 2020. Vale ressaltar que ficou prevista a constituio de um
Comit Gestor do Plano Decenal para avaliao bienal do processo de implementao do
Plano e que, ao final dos primeiros cinco anos, dever ser realizada uma avaliao geral pelo
CONANDA, principalmente para redefinio de metas de resultados e prazos (CONANDA,
2010).
Nesse mesmo ano, foram elaboradas pelo Ministrio da Sade Diretrizes
Nacionais para a ateno Integral Sade de Adolescentes e Jovens na promoo, proteo e
recuperao da sade, baseadas na Poltica Nacional de Ateno Integral de Adolescentes e
Jovens. Essas diretrizes sinalizam a necessidade de elaborar aes e estratgias voltadas a essa
populao, enfatizando a integrao das trs esferas de governo e de forma intersetorial com
outras aes, programas e polticas voltadas para a promoo da sade e preveno de agravos
(BRASIL, 2010b).
A Secretaria de Vigilncia Sade lanou, em 25 de janeiro de 2011, a Portaria n
104, que define a relao de doenas, agravos e eventos em sade pblica de notificao
compulsria em todo o territrio nacional, estabelecendo fluxos, critrios, responsabilidades e
atribuies aos profissionais e servios de sade. Essa portaria dispe sobre a violncia
domstica, sexual e/ou outras violncias como o 45 evento de notificao compulsria
(BRASIL, 2011c; MOREIRA et al, 2013). Alm disso, especificamente para o ato
notificatrio desses tipos de violncias, os servios e profissionais da sade contam com um
guia instrutivo para notificao por meio do Sistema de Notificao de Agravos de
Notificaes SINAN (BRASIL, 2011c).
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Em 2012, foi lanado um guia sobre Preveno e tratamento dos agravos
resultantes da violncia sexual contra mulheres e adolescentes - Norma Tcnica, com
elementos que estabelecem e orientam os aspectos importantes relacionados atuao dos
servios e profissionais de sade diante do atendimento de pessoas em situao de violncia
sexual (BRASIL, 2012a).
Pautado pelo Comit Nacional de Enfrentamento da Violncia Sexual contra
Crianas e Adolescentes e pela Coordenao do Programa Nacional de Enfrentamento da
Violncia Sexual contra Crianas e Adolescentes da Secretaria Nacional de Promoo dos
Direitos da Criana e do Adolescente, Secretaria de Direitos Humanos/PR, a reviso do Plano
Nacional de Enfrentamento da Violncia Sexual suscitou a diversidade das vrias realidades
das regies brasileiras e da dimenso continental do pas, a fim de garantir a legitimidade das
aes previstas e facilitar o monitoramento de sua implementao, que demandam uma
execuo com base na transversalidade. Assim, surge, em 2013, o novo Plano Nacional de
Enfrentamento da Violncia Sexual (BRASIL, 2013).
Destaca-se que durante esse processo de reviso houve a inteno de fazer uma
interface direta com as diretrizes do Plano Decenal, alm do seu perodo de vigncia, com as
diretrizes contidas no Eixo 2 - Proteo e Defesa dos Direitos, objetivo Estratgico 3.9, que
discorre sobre ampliar e articular polticas, programas, aes e servios para o enfrentamento
da violncia sexual contra crianas e adolescentes (BRASIL, 2013; CONANDA, 2010).
A participao do CONANDA durante todo esse processo foi de suma relevncia
para dar ao Plano Nacional o carter de orientar as polticas pblicas nessa rea. De acordo
com o ECA, em seu artigo 88, cabe ao CONANDA formular as polticas pblicas voltadas
para a garantia dos direitos de crianas e adolescentes em nosso pas, ou seja, estabelecer os
princpios, diretrizes e bases para a sua operacionalizao. Contudo, assim como acontece
com as polticas pblicas de um modo geral, que so planejadas de maneira generalizada, com
o intuito de uma aproximao maior de enfrentamento para cada realidade, a formulao e
deliberao desses marcos referenciais podem e devem envolver os conselhos locais
(estaduais, distrital e municipais), uma vez que de responsabilidade dos conselhos dos
direitos da criana e do adolescente, nos trs nveis, formular e deliberar a respeito das
Polticas e Planos em seu mbito de interveno, para uma implementao efetiva destes
(BRASIL, 1990, 2013).
Sobre os avanos e desafios do Plano Nacional, nos 15 anos desde que foi criado
o Comit Nacional de Enfrentamento Explorao, contribuiuram para que essa temtica
40
fosse abordada dentro de alguns ministrios e de algumas reas, ampliando o que j existia e
ganhando espaos em diversos setores, desde sade, educao e turismo at assistncia,
esporte e lazer. Com isso, trouxe maior visibilidade ao problema existente devido a uma
maior mobilizao social, atravs de campanhas e sensibilizao da sociedade para a
denncia. Entretanto, assumem-se as limitaes apresentadas, reconhecendo que precisam ser
superadas para que seja possvel atingir os resultados desejados (ABRINQ, 2015b).
Dentre as dificuldades, aponta a falta de garantia de aes preventivas para
crianas ou adolescentes em situao de abuso ou explorao sexual e demora muitas vezes,
para conseguir um primeiro atendimento em rede (ABRINQ, 2015b). Alm disso, discorre
que extremamente necessrio aumentar o investimento na rea, aumentando os recursos do
oramento, para que sejam implementados mais servios direcionados. Para tanto, necessita-
se ainda de conscientizao poltica, por parte dos gestores, de que essa uma prioridade
(ABRINQ, 2015b).
No mbito da sade, de acordo com um estudo realizado por Paixo e Deslandes
(2010), o qual faz uma anlise das Polticas Pblicas de enfrentamento da Violncia Sexual
Infantojuvenil, apesar de todos esses instrumentos norteadores e normatizaes, poucos so os
servios estruturados com equipes habilitadas para fornecer um atendimento adequado para
crianas e adolescentes em situao de violncia sexual. E embora o atendimento
especializado j possa beneficiar muitas crianas, adolescentes e familiares em situao de
violncia sexual, j demanda, tanto na rea da sade, como na social, maiores investimentos e
reestruturaes para o preenchimento das lacunas ainda existentes (PAIXO; DESLANDES,
2010).
Pesquisa desenvolvida em municpios cearenses com profissionais da Estratgia
Sade da Famlia (ESF), revelou que os participantes apresentaram dificuldades na
notificao de violncia contra crianas e adolescentes e que existem lacunas no
conhecimento e fragilidades na instrumentao para essa prtica. Ou seja, assim como o setor
sade de um modo geral, na Ateno Bsica Sade, existe a necessidade de que sejam
promovidas aes efetivas para o enfrentamento da violncia sexual (MOREIRA et al, 2013).
Para que essas aes destinadas a esse pblico-alvo sejam satisfatrias, faz-se
necessria a aproximao com o contexto de vida e subsdios para construes de aes que
levem em conta os determinantes sociais em sade. Nessa perspectiva, fundamental
considerar as diretrizes do Ministrio da Sade (MS), com as propostas pactuadas pelos
estados brasileiros, redirecionando-as o mximo possvel para as especificidades locais,
41
capazes de validar e efetivar esses projetos considerando as demandas e necessidades de cada
municpio ou comunidade (BARATA, 2012; LAGE; MOURA; HORTA, 2012).
42
5 METODOLOGIA
5.1 Abordagem e tipo de estudo
Para a investigao deste trabalho, foram utilizados dois tipos de estudo.
Primeiramente, foi realizado um estudo transversal descritivo de uma srie histrica de casos
com base em dados secundrios de 2014. Esse tipo de estudo utilizado para apresentao
organizada dos resultados dos casos de doenas ou agravos, em um determinado perodo, com
informaes relevantes para o objeto a ser estudado, a fim de melhor compreenso sobre o
assunto (JEKEL; KATZ, 2009).
Por no serem estudos comparativos, apresentam a limitao de no permitir
afirmar a etiologia de doenas e agravos. Entretanto, so de boa qualidade se baseados em um
conjunto de casos em que h uniformidade de tratamento e quando todos os casos,
satisfazendo a um critrio objetivo, so includos. Portanto, mesmo com limitaes, esse tipo
de estudo fundamental e comumente utilizado para o avano do conhecimento de diversas
doenas e agravos.
Portanto, foi desenvolvido um estudo analtico do tipo ecolgico. O estudo
ecolgico objetiva identificar correlao entre exposio e desfecho com unidade de anlise
representada por grupos populacionais (JEKEL; KATZ, 2009).
Um vis a falcia ecolgica: impossibilidade de relacionar exposio e desfecho
em nvel individual e difcil controle de confundimento. Vantagens: baixo custo, grande
produo de hipteses, teste de hipteses ecolgicas. Efeitos ecolgicos so relevantes na
avaliao de impactos de processos sociais ou intervenes populacionais, tais como
programas, polticas ou leis.
Alm de realizar a caracterizao da srie de casos de violncia sexual do ano de
2014, buscou-se apresentar taxa de violncia sexual entre Estados Brasileiros, com nfase
para os casos de abuso e explorao sexual nos Municpios Cearenses, correlacionando com
os desfechos taxa de abuso sexual e taxa de explorao sexual com indicadores sociais sobre
vulnerabilidade, sade, demogrficos, educao, desenvolvimento humano e trabalho. Foi
realizado um estudo similar intitulado "Violncia contra as mulheres no contexto urbano:
43
estudo sobre a distribuio espacial das violncias no municpio de So Paulo", utilizando-se
um estudo ecolgico (KISS, 2009).
5.2 Contextualizao do local de estudo
Primeiramente, o estudo abordou as 27 Unidades Federativas (UF) do Brasil,
sendo 26 estados e um Distrito Federal: Acre (AC), Alagoas (AL), Amap (AP), Amazonas
(AM), Bahia (BA), Cear (CE), Distrito Federal (DF), Esprito Santo (ES), Gois (GO),
Maranho (MA), Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), Par
(PA), Paraba (PB), Paran (PR), Pernambuco (PE), Piau (PI), Rio de Janeiro (RJ), Rio
Grande do Norte (RN), Rio Grande do Sul (RS), Rondnia (RO), Roraima (RR), Santa
Catarina (SC), So Paulo (SP), Sergipe (SE), Tocantins (TO). Essas Unidades, esto inseridas
nas divises regionais estabelecidas em cinco: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sul e Sudeste.
A extenso total do territrio brasileiro de 8.515.767,049 (km2) (IBGE, 2016).
Em um segundo momento, foi dado um enfoque maior ao Estado do Cear
localizado na regio Nordeste do Pas. Esta regio a terceira maior (por extenso territorial,
cerca de 1.558.196 km) do pas. A regio apresenta uma qualidade de vida mdia, o ndice de
Desenvolvimento Humano de 0,659. A densidade demogrfica gira em torno de 32 hab./km
(IBGE, 2016).
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, o
Estado do Cear, tem como capital Fortaleza, rea (Km2) de 148.886,308, em 2010 possua
uma populao de, aproximadamente, 8.452.381 habitantes, com estimativa de 8.904.459 em
2015, onde a populao residente entre 0 a 19 anos representava 32,2% no ano de 2014.
Densidade demogrfica 56,76 (hab/km2) e 184 Municpios (IBGE ESTADOS, 2016).
Sendo estes: Abaiara, Acarape, Acara, Acopiara, Aiuaba, Alcntaras, Altaneira,
Alto Santo, Amontada, Antonina do Norte, Apuiars, Aquiraz, Aracati, Aracoiaba, Ararend,
Araripe, Aratuba, Arn
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