UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE … · um dos meus principais estímulos para essa...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE SAÚDE COMUNITÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA LÍVIA DE ANDRADE MARQUES DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ESTADOS BRASILEIROS E MUNICÍPIOS CEARENSES FORTALEZA 2016

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

    FACULDADE DE MEDICINA

    DEPARTAMENTO DE SADE COMUNITRIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA

    LVIA DE ANDRADE MARQUES

    DISTRIBUIO ESPACIAL DA VIOLNCIA SEXUAL CONTRA CRIANAS E

    ADOLESCENTES EM ESTADOS BRASILEIROS E MUNICPIOS CEARENSES

    FORTALEZA

    2016

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    LVIA DE ANDRADE MARQUES

    DISTRIBUIO ESPACIAL DA VIOLNCIA SEXUAL CONTRA CRIANAS E

    ADOLESCENTES EM ESTADOS BRASILEIROS E MUNICPIOS CEARENSES

    Dissertao apresentada ao Mestrado de Sade

    Pblica da Universidade Federal do Cear-

    UFC, como requisito parcial para obteno de

    Ttulo de Mestre em Sade Pblica.

    Orientador: Prof. Dr. Jos Gomes Bezerra

    Filho.

    FORTALEZA

    2016

    B

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    LVIA DE ANDRADE MARQUES

    DISTRIBUIO ESPACIAL DA VIOLNCIA SEXUAL CONTRA CRIANAS E

    ADOLESCENTES EM ESTADOS BRASILEIROS E MUNICPIOS CEARENSES

    Dissertao apresentada ao Mestrado de Sade

    Pblica da Universidade Federal do Cear-

    UFC, como requisito parcial para obteno de

    Ttulo de Mestre em Sade Pblica.

    Orientador: Prof. Dr. Jos Gomes Bezerra

    Filho.

    Aprovada em: 29/08/2016.

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________________

    Prof. Dr. Jos Gomes Bezerra Filho (Orientador)

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    _____________________________________________

    Prof. Dra. Samira Valentim Gama Lira

    Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

    _____________________________________________

    Prof. Dra. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira

    Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por Seu flego de vida em mim, por me

    guiar, iluminar e me dar foras para seguir em frente com os meus objetivos e no desanimar

    com as dificuldades. Essa vitria foi concedida por Ele!

    Dedico esta dissertao s pessoas mais importantes para mim, minha filha Hanna

    Lara pelo amor, carinho demonstrados durante a presena e compreenso pela ausncia, ela

    um dos meus principais estmulos para essa conquista!

    A minha querida me Ireuda, a principal responsvel pela minha vida e a quem devo

    meu carter e a disciplina para com o trabalho, minha primeira e maior referncia profissional

    na docncia! Que em todos os sentidos possveis, permitiu que eu chegasse at aqui.

    Obrigada por ter feito do meu sonho o nosso sonho! Ao meu pai Jos Iris, que embora

    distante sei que estou presente em suas oraes, agradeo pelos conselhos de vida e torcida,

    meu exemplo de honestidade e humildade. Ao meu padrasto Bruno, meus infinitos

    agradecimentos! Talvez hoje no tenha mais tanta noo do significado que teve no incio e

    em grande parte da minha trajetria acadmica e pessoal, sendo apoio e suporte bem presente

    com o seu incentivo, bondade e generosidade, mas sei que consegue reconhecer o meu

    carinho.

    Ao meu irmo Hugo, a minha cunhada Crys, aos meus sobrinhos Nathan e Sarah,

    Eliete pelo cuidado, dedicao, incentivo e apoio em todas as minhas decises. Que alm de

    me motivar, entenderam as minhas faltas e momentos de afastamento e recluso. S foi

    possvel chegar at aqui porque todos eles sempre acreditaram em minha capacidade e me

    acharam A MELHOR de todas profissionais, mesmo no sendo. Isso s me fortaleceu e me

    fez tentar no ser A MELHOR, mas a fazer o melhor de mim. Obrigada pelo amor

    incondicional.

    Ao Professor Gomes, que alm de orientador nesse percurso do mestrado teve uma

    grande representao, foi um marco na minha vida acadmica por me apresentar de fato a

    epidemiologia e a bioestatstica, possibilitando ampliar o meu conhecimento nessa rea e

    passando a estudar a temtica da violncia nessa perspectiva. A este devo a confiana em

    minha capacidade como pesquisadora e docente, respeitando e considerando sempre minhas

    opinies, possibilitando o meu crescimento atravs do estgio docncia, alm da pacincia e

    tranquilidade para me transmitir os ensinamentos da complicada bioestatstica. Sempre

    disponvel, querendo que eu aproveitasse cada segundo dentro do mestrado para absorver

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    algum tipo de conhecimento. Despertando sempre o meu olhar para a ideia de que existe mais

    do que pesquisadores e nmeros por trs de uma dissertao, mas vidas humanas...tornando-

    se uma referncia! Costumo dizer, que ganhei o meu pai acadmico.

    Agradeo muito a Professora Jane Eyre da Universidade de Fortaleza - UNIFOR.

    Resumi-la em minha primeira e eterna orientadora muito pouco, como costumo dizer minha

    me acadmica, amiga, confidente, parceira, irms em Cristo, conselheira que sempre est

    ali e at nas horas em que parece que nada est dando certo, ela sabe que preciso no s de um

    opinio ou consolo, mas de um colo. Que com toda pacincia e humildade me ensinou desde

    as pequenas s grandes coisas. Por isso, faz parte do que sou e do que pretendo ser! Meu

    exemplo de dedicao e competncia em todos os aspectos. O meu muito obrigada pela

    compreenso, carinho e torcida de sempre. Tenho certeza de que ela sente a importncia que

    teve e tem para mim!

    Gostaria de agradecer tambm com especial afeto e admirao, a Professora Samira

    Lira, pela honra com a qual me brinda com suas esmeradas sugestes e, acima de tudo,

    valiosa amizade. Tambm uma das minhas referncias. E a todos os membros da banca, de

    forma geral pela disponibilidade e perspicazes direcionamentos tericos e metodolgicos

    desde a qualificao at s contribuies na defesa;

    Agradeo a coordenao do mestrado na pessoa do Professor Carlos Henrique

    Alencar, que com excelncia conduziu a organizao em maior tempo deste acompanhamento

    que teve incio em 2014, no qual foi possvel estabelecer parcerias em iniciativas como o Dia

    do bem, para a qual desejo o rendimento de bons frutos. Quanto aos professores, agradeo no

    nome do Professor Alberto Novaes a todos do Programa de Ps-graduao em Sade

    Coletiva, pelos ensinamentos que passaram durante o mestrado, os quais foram, so e sero

    muito importantes para mim e para a minha vida profissional. Assim como agradeo aos

    demais funcionrios que fazem com que tudo funcione da melhor maneira possvel, em

    especial, as secretrias Dominik e Zenaide pela disponibilidade, simpatia e gentileza.

    Obrigada pela ajuda sempre que precisei.

    Aos meus amigos do mestrado, pelos momentos compartilhados juntos, vivenciando

    momentos de estudo e de escrita, de desafios como o estgio docncia e de tenso, como a

    prova de qualificao, no decorrer desta jornada. Especialmente a Naianny, Edir e Carol que

    alm de colegas de turma, aos poucos nos tornamos mais que amigos, parceiros, quase irmos

    e tornaram mais leve esse processo. Agradeo por ter pessoas to especiais ao meu lado, sem

    as quais certamente no teria dado conta! Incluo tambm os demais orientandos Marcos e

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    Jarli, que apesar de no serem da mesma turma, agradeo a todos por dividirem comigo as

    angstias e alegrias. Foi bom poder contar com vocs!

    Ao Grupo de Pesquisa sobre Violncias e Acidentes - Ao pela Paz pela receptividade,

    reflexes e aprendizados agregados. Ao subgrupo com alunos da graduao, que com a

    permisso e incentivo do Coordenador Professor Gomes, tive a oportunidade de conduzir nesse

    ano, com a colaborao dos meus colegas. Agradeo a todos os alunos que fizeram parte pelo

    interesse, dedicao e pela troca nesse processo de ensino-aprendizagem que permeia a pesquisa e

    docncia. Tambm preciso agradecer no nome de Poliana Magalhes, aos membros do Ncleo

    de Estudos e Pesquisas sobre Acidentes e Violncias NEPAV /UNIFOR, os quais me

    conduziram nos primeiros passos da vida acadmica e at hoje instigaram, questionaram,

    apoiaram e colaboraram com as reflexes aqui expostas. Obrigada pela parceria e amizade!

    Ao final dessa trajetria, agradeo tambm pelas oportunidades que surgiram e

    acrescentaram em minha vida profissional, a Faculdades Nordeste FANOR|Devry Brasil

    nos nomes de Laurineide Diniz e Aline Pereira pela confiana para a funo, esprito de

    trabalho em equipe e onde amadureci muito como profissional. Ao Centro Universitrio

    Christus - UNICHRISTUS na pessoa da Deborah Moreira e UNIFOR nos nomes de Geisy

    Luna e Samira Lira, com as quais tenho aprendido cada vez mais o significado e os desafios

    da educao, pela confiana com que me acolheram na equipe de preceptores/docentes e que

    me ensinam e inspiram muito do que ser professor.

    Agradeo as minhas primas Priscilla, Jackeline, Rayanne, Tuyra e os demais

    familiares, amigos e amigas no nome de Juliana Fonseca que sempre fizeram propaganda

    positiva ao meu respeito, por s quererem o meu bem e me valorizarem tanto como pessoa e

    profissional. Obrigada pela fora e amizade! Aos amigos da Comunidade das Naes, por me

    ajudarem a manter a f e pelas oraes, obrigada por estarem ao meu lado.

    A todas as pessoas que participaram direta ou indiretamente desse percurso, queles

    que tiveram perseverana para batalhar ao meu lado, fora para me incentivar ou

    simplesmente pacincia para esperar meu momento.

    Agradeo tambm, a CAPES pelo apoio financeiro durante os 24 meses, me

    possibilitando dedicao ao mximo nesse perodo para o mestrado.

    Finalmente, gostaria de agradecer a Universidade Federal do Cear UFC, ao

    Departamento de Medicina e Sade Comunitria, por abrirem as portas para que eu pudesse

    realizar esse sonho que era a minha DISSERTAO DE MESTRADO. Proporcionaram-me

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    mais que a busca de conhecimento tcnico e cientfico, mas UMA LIO DE VIDA, sendo

    uma realizao profissional e pessoal.

    Ningum vence sozinho... OBRIGADA A TODOS!

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Mapa com a distribuio espacial da violncia sexual no Brasil em 2014, segundo

    dados disponibilizados pela Secretaria de Direitos Humanos. Disque 100, 2016.

    Figura 2- Mapa com a distribuio da taxa de abuso sexual no Cear, no perodo de 2011 a

    2014. Fortaleza, Cear, 2016.

    Figura 3- Mapa com a distribuio da taxa de explorao sexual no Cear, no perodo de 2011

    a 2014. Fortaleza, Cear, 2016.

    Figura 4- Mapa com a sobreposio da taxa de analfabetismo 15 anos ou mais e a taxa de

    explorao sexual dos municpios cearenses.

    Figura 5 - Mapa com a sobreposio do percentual de extremamente pobres e a taxa de

    explorao sexual dos municpios cearenses.

    Figura 6 - Mapa com a sobreposio do percentual dos ocupados nos setores industrial e de

    utilidade pblica e a taxa de explorao sexual dos municpios cearenses.

    Figura 7 - Mapa com a sobreposio de unidade mista e a taxa de explorao sexual dos

    municpios cearenses.

    Figura 8- Mapa com a sobreposio do percentual de domiclios com saneamento inadequado

    e a taxa de explorao sexual dos municpios cearenses.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Perfil das vtimas sobre denncias de violncia sexual contra crianas e

    adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).

    Tabela 2 Perfil dos suspeitos sobre denncias de violncia sexual contra crianas e

    adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).

    Tabela 3 Relao entre suspeito e vtima sobre denncias de violncia sexual contra

    crianas e adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).

    Tabela 4 - Relao entre demandante e vtima sobre denncias de violncia sexual contra

    crianas e adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).

    Tabela 5 Local da violao sobre denncias de violncia sexual contra crianas e

    adolescentes pelo Disque 100, no ano de 2014. Brasil, 2014 (N= 22.735).

    Tabela 6 - Distribuio da taxa de abuso sexual apresentando um ranking dos dez Municpios

    Cearenses em destaque, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear, 2016.

    Tabela 7 - Distribuio da taxa de abuso sexual apresentando um ranking dos dez Municpios

    Cearenses com os mnimos valores, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear, 2016.

    Tabela 8: Distribuio da taxa de explorao sexual apresentando um ranking dos dez

    Municpios Cearenses com maiores valores, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear,

    2016.

    Tabela 9: Distribuio da taxa de explorao sexual apresentando um ranking dos dez

    Municpios Cearenses com os menores valores, no perodo de 2011 a 2014. Fortaleza, Cear,

    2016.

    Tabela 10- Taxas de abuso e explorao sexual dos Municpios Cearenses com base no

    perodo entre 2011 a 2014.

    Tabela 11 - Indicadores de renda nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.

    Tabela 12 Indicadores de vulnerabilidades nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a

    2014.

    Tabela 13- Indicadores de sade nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.

    Tabela 14 Indicadores demogrficos nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.

    Tabela 15 Indicadores da educao nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.

    Tabela 16 Indicadores de desenvolvimento humano nos municpios cearenses, no perodo de

    2012 a 2014.

    Tabela 17 Indicadores de trabalho nos municpios cearenses, no perodo de 2012 a 2014.

    Tabela 18 - Correlaes e significncia entre taxa de explorao sexual com indicadores

    sociais sobre Renda, Vulnerabilidades, Sade, Demogrficas, Educao, Desenvolvimento

    Humano e Trabalho dos Municpios Cearenses.

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    Tabela 19 - Modelo explicativo para taxa de explorao sexual nos municpios cearenses no

    perodo de 2012 a 2014.

    Tabela 20 Indicadores socioeconmicos dos cinco estados com maior nmero de denncias

    de violncia sexual, no Brasil.

    Tabela 21 Indicadores socioeconmicos dos cinco estados com menor nmero de denncias

    e violncia sexual, no Brasil.

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1- Distribuio das cinco maiores taxas de violncia sexual, durante o perodo de

    2012 a 2014, no Brasil.

    Grfico 2 - Distribuio das cinco menores taxas de violncia sexual, durante o perodo de

    2012 a 2014, no Brasil.

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CEI Comunidade dos Estados Independentes

    CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente

    CRAS Centro de Referncia de Assistncia Social / CREAS Centro de Referncia

    Especializada de Assistncia Social

    CREAS Centro de Referncia Especializada de Assistncia Social

    CTs Conselhos Tutelares

    DECECA Delegacia de Combate Explorao da Criana e do Adolescente

    DSTs Doenas Sexualmente Transmissveis

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    ESCA Explorao sexual comercial adolescente

    ESF Estratgia de Sade da Famlia

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPECE Instituto de Pesquisa e Estatstica Econmica do Cear

    OMS Organizao Mundial da Sade

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PIB Produto Interno Bruto

    PROSAD Programa de Sade do Adolescente

    SER Secretaria Executiva Regional

    SGD Sistema de Garantia de Direitos

    SINAN Sistema Nacional de Agravos de Notificao

    SIPIA - Sistema de Informao para a Infncia e Adolescncia

    SUS Sistema nico de Sade

    TICs Tecnologias da Informao e Comunicao

    TSPT Transtorno do Stress Ps-Traumtico

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    B

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................... 17

    1.1 Justificativa .......................................................................................................... 20

    1.1.1 Acadmica e Social ................................................................................................ 20

    1.1.2 Pessoal ................................................................................................................... 21

    1.2 Problema ............................................................................................................... 23

    1.3 Pergunta norteadora ........................................................................................... 23

    2 HIPTESES ......................................................................................................... 24

    3 OBJETIVOS ........................................................................................................ 25

    3.1 Objetivo Geral ...................................................................................................... 25

    3.2 Objetivos Especficos ........................................................................................... 25

    4 REVISO DE LITERATURA ........................................................................... 26

    4.1 Garantia dos direitos aos adolescentes em situao de violncia sexual............ 26

    4.2 Violncia sexual contra crianas e adolescentes..................................................... 29

    5 METODOLOGIA ................................................................................................ 42

    5.1 Abordagem e tipo de estudo ............................................................................... 42

    5.2 Contextualizao do local de estudo ........................................................... 43

    5.3 Fonte dos dados .................................................................................................... 44

    5.3.1 Registros dos casos de violncia sexual do disque denncia 100 - SDH............... 44

    5.3.2 Banco com indicadores sociais renda, sade, educao, ao social,

    infraestrutura e segurana pblica de cada Municpio ........................................

    45

    5.4 Anlise dos dados ................................................................................................. 45

    5.4.1 Variveis para anlise ........................................................................................... 45

    5.4.2 Processo de anlise dos dados .............................................................................. 46

    5.5 Aspectos tico-legais ............................................................................................ 47

    B

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    6 RESULTADOS ................................................................................................. 48

    7 DISCUSSO.................................................................................................. 75

    8 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................. 89

    9 RECOMENDAES........................................................................................ 91

    10 REFERNCIAS ................................................................................................... 92

    11 APNDICES........................................................................................................... 101

    12 ANEXOS................................................................................................................ 106

  • 15

    RESUMO

    Objetiva-se investigar os Estados Brasileiros e os Municpios Cearenses de maior risco para

    violncia sexual contra crianas e adolescentes. Para tanto, ser realizado um estudo

    descritivo, observacional, analtico do tipo ecolgico, com base em dados secundrios de

    2014 (retrospectivo) sobre a taxa de violncia sexual no Brasil e as taxas de abuso e

    explorao sexual dos municpios cearenses, relacionando com indicadores sociais. Parte dos

    dados foram obtidos atravs dos registros de violncia sexual do disque denncia 100 - SDH.

    Na anlise, a tabulao foi por meio do programa Excel e os dados processados por meio do

    software STATA, verso 13.0 e Arcgis, verso 10. De acordo com os dados obtidos, foi

    possvel identificar que entre os adolescentes em situao de violncia sexual observou-se

    predomnio do sexo feminino no Brasil (21281 / 68,2%) e no Estado do Cear (807 / 68,6%).

    A faixa etria de 12 a 14 anos no Brasil (9282 / 29,7%) e no Cear (340 / 28,9%), j a raa/cor

    foi no informado como a maioria no Brasil (12538 /40,2%) e no Cear (446 /37,9%) seguido

    por parda (8892 / 28,5%) Brasil e Cear 376 (376 / 31,9%). Os dados referentes ao local da

    violao, evidenciam a casa da vtima como o local onde foi mais frequente a ocorrncia da

    violncia sexual no Brasil (9352 / 38,6) e no Cear (371 / 38,9%). Ao analisarmos a

    distribuio espacial no Brasil, verificamos uma variao no perfil de desenvolvimento

    socioeconmico tanto nos Estados com maiores, como nos que possuem menores taxas,

    evidenciando a ocorrncia da violncia sexual muitas vezes em Estados que possuem um bom

    desenvolvimento nessa perspectiva. O que sugere a ideia de que no a pobreza que est

    relacionada com a violncia, mas as desigualdades sociais. Assim como os Estados

    Brasileiros, no Estado do Cear apesar de um aparente bom desenvolvimento econmico de

    modo geral, tambm existe a m-distribuio de renda nos municpios Cearenses, alm disso,

    apresentam correlaes de indicadores sobre vulnerabilidades, sade, dados demogrficos,

    educao, desenvolvimento humano e trabalho com a explorao sexual. Essas evidncias

    requerem ateno para polticas e intervenes que melhorem a distribuio de renda e

    igualdade social, atividades direcionadas aos adolescentes e jovens visando reduzir

    vulnerabilidade. Alm disso, foi identificado uma relao entre conhecimento, poder e

    violncia. Que refere a necessidade abordar com a sociedade em geral juntamente com a

    educao, a formao de valores ticos e de cidadania, desconstruo da cultura androcntrica

    e discusses de gnero.

    PALAVRAS-CHAVE: Violncia sexual. Abuso sexual na infncia. Defesa da Criana e do

    Adolescente. Distribuio Espacial da Populao. Adolescente. Assistncia integral Sade.

  • 16

    ABSTRACT

    The objective is to investigate the Brazilian States and Municipalities Cearenses higher risk

    for sexual violence against children and adolescents. Therefore, there will be a descriptive,

    observational, analytical ecological type, based on 2014 secondary data (retrospective) on the

    rate of sexual violence in Brazil and abuse rates and sexual exploitation of Cear

    municipalities, relating to social indicators . Part of the data were obtained from the sexual

    violence records dial termination 100 - SDH. In the analysis, the tab was through the Excel

    program and data processed using STATA software, version 13.0 and Arcgis, version 10.

    According to the data obtained, it was identified that among adolescents in situations of

    sexual violence observed if female predominance in Brazil (21,281 / 68.2%) and in the State

    of Cear (807 / 68.6%). The age group 12 to 14 years in Brazil (9282 / 29.7%) and Cear (340

    / 28.9%), as the race / color was not informed as most in Brazil (12,538 / 40.2% ) and Cear

    (446 / 37.9%) followed by mixed (8892 / 28.5%) and Cear Brazil 376 (376 / 31.9%). The

    data relating to the location of the breach, show the victim's home as the place where it was

    more frequent occurrence of sexual violence in Brazil (9352 / 38.6) and Cear (371 / 38.9%).

    By analyzing the spatial distribution in Brazil, we see a variation in socioeconomic

    development profile both in states with larger ones like us that have lower rates, showing the

    occurrence of sexual violence often in states that have a good development in this perspective.

    This suggests the idea that it is not poverty that is linked to violence, but social inequalities.

    As the Brazilian States, in the State of Cear despite an apparent good economic development

    in general, there is also the income bad distribution in Cearenses municipalities also have

    indicators of correlations on vulnerabilities, health, demographics, education, human

    development and work with sexual exploitation. This evidence requires attention to policies

    and interventions to improve income distribution and social equality, activities directed at

    adolescents and young people to reduce the vulnerability. Furthermore, a relationship between

    knowledge, power and violence has been identified. Which refers to the need to address

    society in general along with education, the formation of ethical and civic values,

    deconstruction of androcentric culture and gender discussions.

    KEY-WORDS: Sexual Violence. Child abuse, sexual. Child Advocacy. Adolescent.

    Residence Characteristics. Comprehensive Health Care.

  • 17

    1 INTRODUO

    Dentre os tipos de violncia, a sexual traz grandes desafios para a sociedade e para

    os profissionais que lidam com esse problema, devido as suas consequncias e magnitude,

    pois envolve o assdio sexual, atentado violento ao pudor, abuso sexual, estupro, explorao

    sexual e a explorao sexual comercial adolescente ESCA.

    Diante do exposto, imprescindvel destacar a conceituao de violncia sexual,

    que, apesar de abordar uma questo cuja repercusso e visibilidade no se limitam a fronteiras

    nacionais, apreendida como sendo todo ato ou jogo sexual com inteno de estimular

    sexualmente a criana ou o adolescente, visando utiliz-lo para obter satisfao sexual, em

    que os autores da violncia esto em estgio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado,

    podendo abranger relaes homo ou heterossexuais (BRASIL, 2001; LOWENKRON, 2010).

    Essa violncia entra em discusso nas polticas pblicas de diversos pases e

    diferentes contextos socioculturais, sejam desenvolvidos ou em desenvolvimento,

    mobilizando os governos a buscarem mecanismos eficientes para investigar os casos, cumprir

    as leis e responsabilizar os envolvidos (OLIVEIRA et al., 2009).

    Segundo um relatrio do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF),

    lanado em 2014, cerca de 120 milhes de garotas com idade inferior a 20 anos em todo o

    mundo, uma em cada 10, estiveram sujeitas a relaes ou outros tipos de atos sexuais forados

    apenas em 2012. O mesmo relatrio aponta, ainda, para um inqurito realizado na Sua, em

    2009, com moas e rapazes com idades entre 15 e 17 anos, que 22% e 8%, respectivamente,

    tinham vivido pelo menos uma experincia ou um incidente de violncia sexual envolvendo

    contato fsico. Entretanto, destaca-se a vitimizao no espao virtual como a forma mais

    comum de violncia sexual para ambos os sexos (UNICEF, 2014).

    Apenas no ano de 2014, foram registradas 24.575 denncias de violncia sexual

    contra crianas e adolescentes no Brasil (ABRINQ, 2015). No Estado do Cear, foram

    registrados 4.766 casos de violncia sexual entre 2012 e 2014, por meio do Sistema Nacional

    de Agravos de Notificao SINAN (BRASIL, 2015a). Um levantamento indito do

    Ministrio da Sade com dados preliminares de 2011 mostra a violncia sexual ocupando o

    segundo lugar nas notificaes com valor aproximado de 30% entre os diferentes tipos de

    violncia, na faixa etria de 10 a 19 anos, ficando atrs apenas da violncia fsica com 65,3%

    (BRASIL, 2011a).

  • 18

    Corroborando com o exposto, a literatura aponta que a violncia sexual sobrepe-

    se em crianas e adolescentes, o que torna-os vulnervel a este tipo de agresso, influenciando

    diretamente na incidncia de violncia sexual nessa faixa etria, sendo atribuda por

    estudiosos imaturidade biopsicossocial, dependncia econmica, o no conhecimento de

    direitos e a dificuldade de serem ouvidas (ANTONIO; FONTES, 2012; MONTEIRO et al,

    2012; SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011).

    Alm do mais, esse tipo de ocorrncia reincidente, principalmente quando no h

    evidncias fsicas e a criana e o adolescente possuem proximidade com o agressor; deste

    modo, so vivenciados sentimentos de vergonha, medo, raiva, humilhao e, muitas vezes,

    atribuio da culpa pelas agresses a si prprias, uma vez que vivenciam uma fase de

    transio da infncia para a vida adulta (JUSTINO et al, 2011). Por isso, a violncia sexual

    contra crianas e adolescentes destaca-se como a forma mais cruel de todas, tanto pela

    condio de indefesa de suas vtimas, quanto pelas consequncias que podem causar vrios

    danos ao seu crescimento e desenvolvimento (SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011).

    Estudos apontam graves consequncias do abuso sexual, incluindo os traumas

    fsicos, graves leses, prtica sexual desprotegida com riscos de adquirir Infeces

    Sexualmente Transmissveis ISTs e gravidez decorrente deste ato. Quanto aos traumas

    psicolgicos, todos esses aspectos envolvidos podem propiciar uma viso do prprio corpo

    como algo profano, desenvolvendo sentimento de perda de integridade fsica, despertando,

    alm dos sentimentos supracitados, angstia, depresso e baixa autoestima, vivenciando

    momentos de conflitos e pavor, tais como dificuldade de lidar com o sexo oposto, vendo a

    atividade sexual como uma punio, estando mais suscetveis prostituio, ao uso de drogas,

    sofrer outros tipos de violncia e, no extremo do comportamento autodestrutivo, chegar ao

    suicdio (BRASIL, 2006a; JUSTINO et al, 2011; SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011;

    TEIXEIRA; TAQUETTE, 2010).

    Vale ressaltar que crianas e adolescentes em situao de violncia sexual, alm

    de terem sido feridos a integridade fsica e psicolgica, tambm tem violados os seus direitos

    ao respeito, dignidade e sexualidade vivida de forma responsvel e protegida,

    constituindo-se como uma grave violao da garantia de direitos individuais e sociais.

    No h meno do percurso histrico de ganhos de direitos entre as crianas e

    adolescentes e do quo esta violao mundial e desafia os rgos governamentais e

    sociedade. Destaca-se que o Brasil signatrio no enfrentamento da violncia sexual contra

  • 19

    crianas e adolescentes e que busca, por meio de planos e programas, enfrentar esse grave

    problema. Nesta perspectiva, destaca-se o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), que

    foi transformado na Lei n 8.069 em 13/06/1990 e discorre sobre a proteo integral, visando

    a preveno e ao enfrentamento de qualquer forma de violncia envolvendo esses grupos

    societrios (BRASIL, 1990).

    Em outubro de 1991, a partir da Lei n. 8.242 foi criado o Conselho Nacional dos

    Direitos da Criana e do Adolescente CONANDA. (BRASIL, 1991). Cria-se em 2002, o

    Comit Nacional de Enfrentamento Violncia Sexual contra Crianas e Adolescentes com a

    misso de articular e monitorar permanentemente (BRASIL, 2013).

    A partir de 2003, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica,

    passou a contar com uma rea para lidar especificamente com a violncia sexual contra

    crianas e adolescentes, com a criao do Programa Nacional de Enfrentamento da Violncia

    Sexual contra Crianas e Adolescentes PNEVSCA. A partir deste programa foram

    implementados o Disque 100 e o Programa de Aes Integradas e Referenciais de

    Enfrentamento Violncia Sexual Infanto-juvenil no Territrio Brasileiro PAIR (BRASIL,

    2016).

    Vale ressaltar como um principal canal de comunicao da Ouvidoria Secretaria

    de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica (SDH/PR) para demandas relativas a

    violaes de Direitos Humanos, em especial as que atingem populaes com vulnerabilidade

    acrescida, como: Crianas e Adolescentes entre outros, o Disque Direitos Humanos

    Disque 100, servio de atendimento telefnico gratuito, que funciona 24 horas por dia, nos 7

    dias da semana. As denncias recebidas na Ouvidoria e no Disque 100 so analisadas, tratadas

    e encaminhadas aos rgos responsveis. O servio inclui ainda a disseminao de

    informaes sobre direitos humanos e orientaes acerca de aes, programas, campanhas e

    de servios de atendimento, proteo, defesa e responsabilizao em Direitos Humanos

    disponveis no mbito Federal, Estadual e Municipal (BRASIL, 2016).

    Por sua natureza de instncia de dilogo e registro de manifestaes da populao,

    onde as denncias podem ser annimas, e o sigilo das informaes garantido, quando

    solicitado pelo demandante, o Disque 100 que tem sido amplamente divulgado como uma

    importante ferramenta nas campanhas relacionadas preveno e o enfrentamento de abuso e

    explorao sexual contra crianas e adolescentes, tem se consolidado como um importante

    instrumento de dados estatsticos sobre violaes de Direitos Humanos e a Ouvidoria tem

  • 20

    buscado a cada dia tornar essas informaes pblicas para pesquisadores e interessados

    (BRASIL, 2016).

    1.1 Justificativa

    1.1.1 Acadmica e Social

    O estudo justifica-se pela necessidade referida no Plano Nacional de

    Enfrentamento a Violncia Sexual Infanto-Juvenil (BRASIL, 2013), que, por meio do eixo

    Anlise da Situao, objetiva conhecer o fenmeno da violncia sexual contra crianas e

    adolescentes em todo o pas. Sugere a elaborao do diagnstico da situao do

    enfrentamento da problemtica, alm de demandar a divulgao de todos os dados e

    informaes sociedade civil brasileira.

    Considerando ainda, que apesar de o ECA tratar sobre o tema das violaes de

    direitos de crianas e adolescentes, condenando qualquer atentado a seus direitos

    fundamentais, passados 20 anos da promulgao, tais violaes ocorrem em nmero

    significativo, dentre os casos mais recorrentes est a violncia sexual (CONANDA, 2010).

    Alm do que j foi dito, a literatura aponta que a crescente ocorrncia dessa

    violncia est presente na sociedade, principalmente em grandes centros (ANTONIO;

    FONTES, 2012; MINAYO; DESLANDES, 2009). Neste contexto, destaca-se o Brasil e em

    especial o Estado do Cear, permeado por aspectos de desenvolvimento socioeconmico, tais

    como: indstrias, obras civis, preferncia turstica, contudo, prottipo de desigualdades.

    Considerando ainda, o fato recente de ter sediado eventos de carter mundial (Copa das

    Confederaes de Futebol 2013, Copa do Mundo de Futebol 2014 e seminrios/eventos

    internacionais), o que pode contribuir para o aumento desse fenmeno.

    Vale ressaltar, que em uma nao federativa as unidades sub-nacionais possuem

    autonomia administrativa e poltica na oferta de bens e servios pblicos, contando, para

    tanto, com fontes de receitas prprias e de transferncias para financi-los (IPECE, 2013).

    Portanto, considerando as desigualdades que existem entre os nveis de recursos

    disponveis para o financiamento dos governos estaduais brasileiros, sendo constatado que os

    estados mais pobres dispem de um volume de recursos per capita bem inferior ao dos estados

  • 21

    mais ricos. Uma importante implicao dessa constatao que os Estados pobres possuem

    uma restrio oramentria maior, para a prestao de servios pblicos, do que a dos estados

    mais ricos. Isto , os estados mais pobres, assim como os mais ricos, tm que oferecer

    servios como os de educao, sade, saneamento etc., porm dispem de um menor volume

    de recursos per capita disponvel para esses servios (IPECE, 2013).

    Sendo de suma relevncia destacar que muitos servios prestados pelos governos

    estaduais podem contribuir de forma significativa para o desenvolvimento econmico de seus

    territrios e para a melhoria do bem-estar de sua populao. Assim, o menor volume de

    recursos para os estados mais pobres pode estar contribuindo para que eles se desenvolvam

    mais lentamente (IPECE, 2013).

    Diante das informaes e considerando que as desigualdades sociais pode

    comprometer a qualidade de vida da populao, influenciar no processo de adoecimento e

    ocorrncia de agravos, possvel realizar alguns questionamentos, sendo de grande relevncia

    averiguar a vulnerabilidade de crianas e adolescentes que vivem nesse contexto, sofrerem

    algum tipo de violncia com nfase na violncia sexual que estaria permeada por questes

    que abrangem o contexto familiar e/ou financeiro, no necessariamente em ordem pr-

    estabelecida.

    Dentre outros objetivos, essa pesquisa visa fornecer subsdios que possam

    contribuir com o desenvolvimento e a implementao de polticas pblicas voltadas

    preveno desse tipo de violncia contra o grupo social em questo, bem como instigar

    reflexes para uma melhor orientao sobre sistema de informao e o atendimento dos casos

    e compromete-se a realizar devolutivas dos dados analisados aos servios envolvidos como

    fonte de dados, bem como sociedade e comunidade acadmica.

    1.1.2 Pessoal

    O meu interesse pela temtica da violncia e sade surgiu quando estava no

    terceiro semestre da graduao em Enfermagem da Universidade de Fortaleza (UNIFOR),

    quando me inseri no Ncleo de Estudos em Acidentes e Violncias (NEPAV), da linha de

    pesquisa Polticas e Prticas na promoo da sade, que, posteriormente, passou a ser o grupo

    de pesquisa Violncias e repercusses na sade individual e coletiva (Diretrio-CNPq),

    coordenado pela Prof. Dr. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira.

  • 22

    Desde ento, comecei a participar de pesquisas sobre o assunto, tomando-o como

    objeto de estudo no trabalho de concluso de curso (TCC) da graduao em Enfermagem,

    intitulado Notificao de maus-tratos em crianas e adolescentes por profissionais da equipe

    sade da famlia em municpios cearenses. Mantive contato com o tema no TCC do curso de

    Especializao em Sade Coletiva, com a produo do trabalho Notificao de violncia

    sexual contra a mulher nos servios de sade: Percepo de profissionais e gestores.

    Foi de extrema relevncia o envolvimento propiciado como bolsista de apoio

    tcnico pesquisa, atravs da Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e

    Tecnolgico FUNCAP, ao projeto "Violncia, Criana e Adolescente: Ato Notificatrio e

    Percepes dos Gestores da Educao, Ao Social, e Segurana Pblica em Municpios

    Cearenses" e seus desdobramentos, coordenado pela Prof. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira,

    do Programa de Ps-graduao em Sade Coletiva UNIFOR. O que me direcionou, durante

    esses anos, a dedicar-me a apresentar trabalhos em eventos, ministrar, organizar palestras e

    seminrios, participar de eventos, cursos e capacitaes, produzir artigos, captulos de livros e

    relatrios de pesquisa na rea.

    Toda essa caminhada contribuiu bastante para minha vida acadmica. Entretanto,

    foi de grande valia a oportunidade de participar de duas pesquisas multicntricas, sendo a

    primeira intitulada Metodologias de avaliao para o enfrentamento municipal da violncia

    familiar e sexual, realizada pela Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz) Instituto Nacional de

    Sade da Mulher da Criana e do Adolescente Fernandes Figueira e Centro Latino Americano

    de Estudos de Violncia e Sade Jorge Carelli com apoio do Fundo das Naes Unidas para

    a infncia UNICEF e coordenada pela Prof. Dr. Suely Ferreira Deslandes. A segunda

    pesquisa intitula-se Anlise dos servios de sade na ateno s mulheres em situao de

    violncia sexual: estudo comparativo em duas capitais brasileiras, mediante o Ncleo de

    Polticas Pblicas, Identidades e Indicadores (NUPPII) da Escola de Servio Social da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, coordenado pela Prof. Dr. Ludmila

    Fontenele Cavalcanti.

    Essas vivncias motivaram-me e despertaram-me para a necessidade de investigar

    o atual objeto de estudo durante o Mestrado Acadmico de Sade Pblica da Universidade

    Federal do Cear UFC, sob uma nova perspectiva (epidemiolgica), ao inserir-me na linha

    de pesquisa Epidemiologia de violncias e outras causas externas, sob a coordenao do Prof.

    Jos Gomes Bezerra Filho, do Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva UFC,

  • 23

    estimulando a continuidade de investigaes na temtica e o desejo de dedicar-me vida

    acadmica.

    1.2 Problema

    Conhecimento cientfico insuficiente sobre perfil, magnitude e distribuio

    espacial da violncia sexual contra crianas e adolescentes no Brasil e no Estado do Cear e a

    relao da ocorrncia do abuso e explorao sexual com indicadores/desigualdades sociais

    dos municpios cearenses.

    1.3 Pergunta norteadora

    Qual o perfil, magnitude e distribuio espacial da violncia sexual contra

    crianas e adolescentes no Brasil e no Estado do Cear e a relao da ocorrncia do abuso e

    explorao sexual com os indicadores/desigualdades sociais dos municpios cearenses?

  • 24

    2 HIPTESES

    A maioria das crianas e adolescentes que sofrem violncia sexual so do sexo feminino,

    tendo como perpetradores algum conhecido e com maior ocorrncia em ambiente

    intrafamiliar.

    Os Municpios com a maior taxa de explorao sexual supe ser aqueles com grande

    influncia socioeconmica advinda do turismo.

    Viver em um municpio desfavorecido, do ponto de vista das desigualdades sociais,

    aumenta os riscos de uma criana e/ou adolescente sofrer violncia sexual;

  • 25

    3 OBJETIVOS

    3.1 Objetivo Geral

    Investigar a distribuio espacial da violncia sexual contra crianas e adolescentes

    nos Estados Brasileiros e nos Municpios Cearenses registrados pelo Disque 100.

    3.2 Objetivos Especficos

    Descrever o perfil dos casos de violncia sexual contra crianas e adolescentes no Brasil

    e no Estado do Cear atravs dos dados do disque denncia da SDH, conforme perfil das

    vtimas, perfil dos suspeitos, relao entre suspeito e vtima, relao demandante e vtima

    e local da violao, no ano de 2014.

    Calcular a taxa apresentando uma srie espao-temporal, no perodo de 2012 a 2014,

    dando nfase aos cinco estados brasileiros com maior e os cinco com menor nmero de

    denncias.

    Descrever os indicadores sociais sobre renda, vulnerabilidade, sade, demogrficos,

    educao, desenvolvimento humano e trabalho dos municpios do Cear.

    Apresentar a distribuio da taxa de abuso sexual e a taxa de explorao sexual dos

    Municpios Cearenses com base no perodo entre 2011 a 2014, com nfase aos dez

    Municpios com maior e os dez com menor nmero de denncias.

    Verificar os fatores associados entre taxa de abuso sexual e taxa de explorao sexual

    com indicadores sociais sobre vulnerabilidade, sade, demogrficos, educao,

    desenvolvimento humano e trabalho dos Municpios Cearenses.

  • 26

    4 REVISO DE LITERATURA

    4.1 Garantia dos direitos s crianas e adolescentes em situao de violncia sexual

    Os referenciais que concedem sustentao para a elaborao de Polticas Pblicas

    de sade da criana e do adolescente e/ou que visam, diretamente, ao enfrentamento da

    violncia sexual partem da Legislao vigente. Todavia, a violncia sexual contra esse grupo

    uma das formas mais cruis de violao de direitos adquiridos e no exercidos e que esto

    continuamente ameaados.

    Sabe-se que no exerccio da tentativa de cumprimento da garantia desses direitos,

    so observados fatores sociolgicos, jurdicos, psicolgicos, dentre outros. Como se v, os

    dilogos da sociedade entre os seus mais diversos setores orientam a ao do Estado,

    competente por promover o enfrentamento de tal cenrio. Esse aspecto multidisciplinar e

    intersetorial, inerente temtica, possibilita sua maior compreenso, o que refora que tal

    fenmeno no pode ser abordado de forma isolada, para que seja apurada a real dimenso do

    problema (ALBERTO et al, 2012; MUNGUBA- MACEDO et al, 2013).

    Desse modo, somente com a compreenso do direito que transgredido e da sua

    razo de ser, possibilitar um melhor entendimento sobre a garantia de sua implementao na

    sociedade. Considerando essa premissa, dentre as Leis existentes, destacam-se as mais

    relevantes abordadas na Constituio Federal de 1988, no Cdigo Penal e no ECA e do que

    elas dispem. Vale ressaltar que, visando a essa proteo da criana e do adolescente contra

    qualquer forma de violncia, esse aparato legal determina penalidades, no apenas para os que

    praticam o ato, mas tambm para aqueles que se omitem (BRASIL, 1990, 2000).

    A Constituio Federal evidencia, em seu artigo 227, essa prioridade de

    enfrentamento, alertando, em seu inciso 4, que a Lei punir severamente o abuso, a violncia

    e a explorao sexual da criana e do adolescente, atribuindo o dever famlia, sociedade e

    ao Estado em assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o

    direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,

    dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los

    a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e

    opresso (BRASIL, 2000).

  • 27

    Alm da legislao instituda especificamente para as situaes de violncia

    sexual, foi criado por esse Estatuto e pela Constituio Federal um sistema de garantia de

    direitos (SGD), como uma forma de proteo geral de direitos de crianas e adolescentes para

    a consolidao da poltica de atendimento e de proteo integral (BRASIL, 2006b), sendo

    efetuadas pelo poder pblico em suas trs esferas: Unio, estados, Distrito Federal e

    municpios, pelos poderes Executivo, Legislativo e Judicirio e pela sociedade civil, atravs

    de trs eixos (promoo, defesa e controle social), aes integradas referentes aos direitos

    desse grupo social (MUNGUBA-MACEDO et al, 2013). De acordo com que estabelecido

    no inciso V do artigo 88, do ECA, O SDG tem por princpio integrar as polticas pblicas

    (BRASIL,1990).

    Desse modo, a rede de proteo dos direitos da criana e do adolescente funciona

    da seguinte forma: existem as chamadas portas de entrada, tais como, Disque-denncia,

    abordagem de rua, Delegacia, Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social -

    CREAS, Abrigo, Unidade de Sade, Escola, Centro de Referncia de Assistncia Social -

    CRAS e Comunidade. Esses rgos devem atender a demanda imediata e encaminhar /

    comunicar ao Conselho Tutelar.

    Seguindo o que est preconizado no Art. 13 do ECA, que diz que os casos de

    suspeita ou confirmao de maus-tratos contra a criana ou o adolescente sero

    obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuzo de

    outras providncias legais (BRASIL, 1990). Devendo haver uma articulao de informaes,

    com base na referncia e contrarreferncia, o que, muitas vezes, na realidade no ocorre entre

    a lei e o fazer, sendo que a falta de integrao entre os servios de atendimento tambm um

    problema, podendo colaborar para a revitimizao da criana e do adolescente.

    A partir de ento, os CTs atuam como mediadores entre o Estado e a sociedade,

    cujo objetivo principal o de fazer cumprir os direitos da criana e do adolescente, proteo

    contra a violao destes e garantir que sejam restitudos, quando violados. Dentre as

    atribuies, destaca-se atender crianas e adolescentes e aplicar medidas de proteo,

    promover a execuo de medidas destinadas s famlias, realizar o devido acolhimento,

    permeando com o envolvimento de autoridade judiciria, como Juiz da Infncia e da

    Juventude e encaminhar ao Ministrio Pblico (Estadual ou Federal), sendo que esta ao

    citada por ltimo pode gerar uma denncia processual, encaminhada para autoridade

    judiciria Juiz Criminal, Vara especializada. Pode ainda gerar inqurito policial envolvendo a

    Polcia Civil, nos casos de abuso ou explorao sexual. O mesmo ocorre com um inqurito na

  • 28

    Polcia Federal, quando envolve os crimes de pornografia na internet e trfico interestadual e

    internacional (MARTINS, 2013; ROCHA; VIEIRA; MARTINS, 2013).

    Na maioria dos casos, a presena de violaes de direito acontece multifacetada, e

    caracterstica da conjugao de determinaes que expressam violaes, vulnerabilidades

    diversas, resultantes das manifestaes da desigualdade social e vnculos de responsabilidade

    e de afetividade, sobretudo no espao sociofamiliar, o que requer aes intersetoriais e

    interdisciplinares (SILVEIRA, 2012).

    Pois quando no mbito familiar que os problemas so expressados, prejudicando a

    vida dos filhos, ento os pais so identificados como responsveis por situaes

    constrangedoras, e no cumprem com seus papis de cuidadores. Mas, a famlia no pode ser

    identificada como nica responsvel pelos problemas relacionados aos filhos, ainda mais se

    observarmos que enquanto trabalhadores passam de oito a dez horas fora de casa, o que exige

    uma rede de servios para assegurar a proteo necessria aos filhos e aos seus direitos

    (UNICEF, 2007).

    A realidade das famlias brasileiras tem sido marcada pela excluso social, desta

    forma, as famlias no tm encontrado respostas para os desafios que lhes so postos. E esta,

    desprotegida socialmente, fica sem condies de cuidar de suas crianas e adolescentes,

    resultando, muitas vezes, no distanciamento de pais e filhos e na violao do direito a

    convivncia familiar e comunitria (SILVEIRA, 2010).

    Com base no exposto, faz-se necessrio o desenvolvimento de aes integradas que

    favoream a superao dos processos geradores, a recomposio de vnculos afetivos e

    comunitrios, quando for o caso, e a reconstruo de projetos de vida, alm de condies

    socioeducativas facilitadoras da construo de protagonismos dos sujeitos de direitos.

    Contudo, os dados mostram a necessidade de discusses conceituais acerca do papel

    do Estado, da Famlia e da Sociedade na garantia dos direitos fundamentais, de forma que as

    denncias possam ser melhores interpretadas, para serem notificadas da maneira correta.

    O registro das notificaes muito importante, pois a partir desses dados que se

    pode monitorar a situao dos municpios produzir polticas pblicas, alm de atuar no mbito

    da produo de medidas protetivas e de preveno. Permite tambm reconhecer os servios

    existentes e saber como estar o funcionamento da Rede de Proteo (GODOY; MELLO,

    2009; BRITO et al., 2014; SANTOS et al., 2014)

  • 29

    4.2 Violncia sexual contra crianas e adolescentes.

    A violncia contra crianas e adolescentes um fenmeno histrico, relatado

    desde os primrdios da humanidade, constituindo-se, ainda, como um grave problema da

    atualidade, que preocupa diversos setores da sociedade.

    Existem vrias naturezas desse fenmeno contra esse grupo societrio. De acordo

    com classificao da Organizao Mundial de Sade (OMS), temos as situaes de violncia

    fsica, sexual, maus-tratos e negligncia (OMS, 2004). Dentre essas modalidades, a violncia

    sexual evidenciada devido complexidade de suas consequncias, envolvendo aspectos

    fsicos, psicolgicos e morais.

    A violncia sexual entendida como o contato entre uma criana ou um

    adolescente e um adulto, no qual se utiliza a criana ou o adolescente como objeto gratificante

    para as necessidades ou desejos sexuais do adulto, causando danos a esse indivduo. Por

    conseguinte, essa experincia poder interferir no seu desenvolvimento, considerando que a

    criana ou adolescente ainda no tm maturidade emocional plena, de forma que essa situao

    ocorre mediante coero fsica ou psicolgica, violando os direitos que lhes foram

    estabelecidos e corrompendo os papis sociais e/ou familiares (FERRARI, 2011; LUGO et

    al, 2012).

    Existe certa subdiviso dessa forma de violncia e suas respectivas definies. O

    assdio sexual definido como a insistncia inoportuna, independentemente do sexo ou

    orientao sexual, com perguntas, propostas, pretenses ou outra forma de abordagem forada

    de natureza sexual. o ato de constranger algum com gestos, palavras ou com o emprego de

    violncia, prevalecendo-se de relaes de confiana, de ascendncia, de superioridade

    hierrquica, de autoridade ou de relao de emprego ou servio, com o objetivo de obter

    vantagem sexual (BRASIL, 2011b).

    O estupro, de acordo com o Art. 213 da Lei n 12.015/2009, significa constranger

    algum, mediante violncia ou grave ameaa, a ter conjuno carnal ou a praticar ou permitir

    que com ele se pratique outro ato libidinoso (BRASIL, 2009). Inclui conjuno carnal

    (penetrao peniana ou de outro objeto no nus, vagina ou boca), independentemente da

    orientao sexual ou do sexo da vtima (BRASIL, 2011b). Vale ressaltar a diferenciao em

    relao a abuso sexual, quando os atos podem variar desde um contato fsico com ou sem

    penetrao at diferentes atos em que no h esse contato (voyeurismo, exibicionismo).

    Reiterando o que foi supracitado, esse ato ou jogo sexual acontece em ocasio cujo agressor

  • 30

    est em estgio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a vtima (CECOVI,

    2013; LUGO et al, 2012).

    J o atentado violento ao pudor um conceito desabilitado com a implantao

    dessa Lei, sendo que os tipos de eventos antes assim classificados passaram a ser

    considerados como estupro (BRASIL, 2009, 2011b).

    Por sua vez, a explorao sexual consiste na prtica do abuso sexual com fins

    comerciais, seja em espcie, servio ou favores, como a pornografia infantil, que consiste na

    exposio de crianas e adolescentes atravs de material audiovisual com conotao sexual,

    como, por exemplo, fotografias de sexo explcito, projees, revistas, filmes, vdeos etc. A

    explorao envolve, alm disso, o turismo sexual, ou seja, a explorao sexual de crianas e

    adolescentes por visitantes em geral, procedentes de outros pases ou mesmo turistas do

    prprio pas. Por fim, a explorao sexual comercial do adolescente consiste no uso de uma

    criana ou adolescente para fins sexuais em troca de dinheiro ou favores em espcie, entre a

    criana ou adolescente, o cliente, o intermedirio ou agenciador e outros que se beneficiam do

    comrcio de crianas para esses propsitos (CECOVI, 2013; FERRARI, 2011).

    Um relatrio divulgado pelo UNICEF, intitulado "Hidden in plain sight"

    (Escondido vista de todos), que rene dados de 190 pases, apresenta um panorama

    epidemiolgico da violncia sexual no mundo. Estimou-se que cerca de 120 milhes de

    garotas com menos de 20 anos de idade j foram vtimas de abusos, significando que uma em

    cada dez jovens do mundo foi exposta a relaes ou atos sexuais forados. Porm, ressalta que

    provvel que as adolescentes que vivem em determinadas partes do mundo correm maior

    risco do que outras (UNICEF, 2014).

    Como exemplo, coeficientes de prevalncia de sexo forado da ordem dos 10 por

    cento ou mais verificam-se em 13 dos 18 pases na frica subsaariana com dados disponveis.

    Em sentido oposto, em todos os pases da CEI, com dados comparveis (exceto na Repblica

    da Moldvia), onde A CEI uma organizao criada em 1991, que integra 12 das 15

    repblicas que formavam a Unio Sovitica (URSS), menos de um por cento das adolescentes

    reportaram situaes de violncia sexual (UNICEF, 2014). Entretanto, os adolescentes que

    vivem em pases de elevado rendimento tambm correm perigo de violncia sexual. Nos

    Estados Unidos, o segundo Inqurito Nacional sobre a Exposio das Crianas Violncia

    (NatSCEV II), realizado em 2011, registrou taxas de vitimizao sexual prolongada em

    adolescentes do sexo feminino e masculino entre os 14 e 17 anos da ordem dos 35 por cento e

    20 por cento, respectivamente, o que evidencia que a ocorrncia desse fenmeno se apresenta

  • 31

    de formas diferentes de acordo com a realidade pesquisada e com possvel influncia

    socioeconmica atribuda (UNICEF, 2014).

    Em relao idade em que ocorreu a primeira experincia de violncia sexual em

    21 pases com dados comparveis, a maioria das adolescentes afirma ter sido sexualmente

    abusada pela primeira vez entre os 15 e os 19 anos de idade. No entanto, um percentual

    significativo foi vtima de violncia sexual pela primeira vez em idades mais jovens,

    considerando que dos 21 pases, exceto ndia, Libria, Repblica da Moldvia, So Tom e

    Prncipe e Zimbabwe, pelo menos uma em cada cinco adolescentes, que relataram no mnimo

    um incidente de violncia sexual, afirmam que este ocorreu pela primeira vez entre os 10 e os

    14 anos, o que refora a realizao de estudos com abrangncia total entre essa faixa-etria

    (UNICEF, 2014). Corroborando com esses achados, um estudo realizado por Trindade et al

    (2014), apresenta a ocorrncia da violncia sexual em menores de 18 anos de idade

    (TRINDADE et al, 2014).

    De acordo com esse mesmo relatrio, os adolescentes do sexo masculino tambm

    so vtimas de violncia sexual, mas em grau menor do que as adolescentes do sexo feminino,

    de acordo com os dados de quatro pases. Isso tambm pode estar relacionado omisso

    provavelmente ligada vergonha e ao receio de estigma e preconceito, como, por exemplo,

    Uganda, em que a probabilidade de os adolescentes relatarem incidentes de relaes sexuais

    ou outro tipo de atos sexuais forados duas vezes menor do que a das adolescentes do sexo

    feminino. De modo idntico, em Moambique, um nmero muito menor de rapazes do que

    moas dizem ter sido vtimas de violncia sexual (3% contra 9%, respectivamente).

    Entretanto, assim como acontece com as adolescentes do sexo feminino, os incidentes de

    violncia sexual em rapazes ocorrem majoritariamente, pela primeira vez, entre os 15 e os 19

    anos e os perpetradores mais frequentes para ambos so os parceiros ntimos atuais ou

    anteriores (UNICEF, 2014).

    Diferentemente, um estudo realizado nos Estados Unidos por Hart-Johnson e

    Green (2012), aponta que a prevalncia de homens que relataram j ter sofrido abuso sexual

    durante a vida foi maior em relao s mulheres, sendo que estes relataram sofrer esse tipo de

    abuso ainda jovens, enquanto as mulheres na vida adulta (HART-JOHNSON; GREEN, 2012).

    Corroborando com o que j foi exposto, em outro estudo desenvolvido no Brasil, que

    investigava fatores associados violncia sexual contra homens e mulheres com transtornos

    mentais, prevalece o sexo feminino; contudo, tambm refora que os homens afirmaram ter

  • 32

    sofrido esse tipo de violncia na juventude, o que sinaliza ateno para esse perodo de vida

    (OLIVEIRA; MACHADO; GUIMARES, 2012).

    O relatrio da UNICEF apresenta, ainda, com relao aos autores mais comuns de

    violncia sexual contra adolescentes, os atuais ou anteriores maridos, parceiros ou namorados,

    fato que merece ateno e surge diante da realidade de unies estveis cada vez mais

    precoces. Uma parte significativa de adolescentes na Bolvia, na Repblica Dominicana, na

    Guatemala, no Qunia, na Repblica da Moldvia, nos Estados Unidos da Tanznia e na

    Uganda tambm relata ter sido vtima de violncia sexual por parte de um amigo ou

    conhecido, sendo que uma em cada trs jovens que tenham sido casadas na faixa etria entre

    15 e 19 anos afirmaram ter sido vtimas de violncia fsica, sexual ou emocional cometida por

    parceiros ou maridos (UNICEF, 2014).

    Ainda de acordo com o documento referenciado, os casos em que o responsvel

    pelo abuso era o prprio marido da vtima chegaram a 70% em pases como a Repblica

    Democrtica do Congo e a Guin Equatorial. Ao mesmo tempo, segundo o documento, cerca

    de 50% das adolescentes dessa faixa etria (aproximadamente 120 milhes) dizem acreditar

    que ser agredida pelo marido justificvel sob certas circunstncias. Essa taxa sobe para 80%

    em pases como Afeganisto, Guin, Jordnia, Mali e Timor Leste (UNICEF, 2014). J o

    estudo de Oliveira, Machado e Guimares (2012) mostra a violncia sexual frequentemente

    perpetrada contra mulheres por parceiros ntimos e no ambiente domstico e, entre os homens,

    por estranhos e nas ruas (OLIVEIRA; MACHADO; GUIMARES, 2012).

    Ao todo, no Brasil, foram registradas 24.575 denncias de violncia sexual contra

    crianas e adolescentes em 2014. Desses casos, 19.165 foram de abuso e 5.410 de explorao

    sexual (ABRINQ, 2015a). De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da

    Repblica (SDH/PR), j nos trs primeiros meses de 2015, foram denunciados pelo do disque

    100, 4.480 casos de violncia sexual, sendo 85% dos registros casos de abuso sexual e 23%

    casos de explorao sexual (BRASIL, 2015b).

    De acordo com a literatura, a violncia sexual tambm acomete mais o sexo

    feminino, apresentando um nmero expressivo de adolescentes, sendo a maior prevalncia

    entre 10 e 19 anos, tornando esses grupos vulnerveis devido s questes de desigualdades de

    gnero e relaes de poder (ANTONIO; FONTES, 2012; GIRGIRA; TILAHUN; BACHA,

    2014; MONTEIRO et al, 2012; TRINDADE et al, 2014).

  • 33

    Alguns fatores sociais e psicolgicos so apontados pela literatura como

    determinantes da violncia sexual, tais como a natureza do fenmeno. Em relao

    psicodinmica da famlia que apresenta as seguintes caractersticas abusivas: duplas

    mensagens na comunicao, induo ao silncio, uso intenso de mecanismos de defesa e

    autoestima rebaixada. Sobre a dificuldade com limites incluem-se o abuso do poder, omisso

    na funo interditora, fronteiras intergeracionais frgeis e isolamento social acentuado.

    Quanto aos fatores familiares: experincia de socializao dos pais, histria pessoal de abuso,

    histria de desarmonia e ruptura familiar e ignorncia sobre o processo evolutivo da

    criana/adolescente. Relacionado aos fatores individuais: caractersticas patolgicas dos pais -

    desordens fsicas e psquicas, alcoolismo, drogadio, baixa autoestima, baixa tolerncia

    frustrao, despreparo para o papel de pai/me e impulsividade. Caractersticas dos filhos:

    prematuridade, deficincia fsica ou mental, problemas graves de sade, hiperatividade,

    rebeldia e apatia (FERRARI, 2011).

    Outros fatores merecem destaque e esto relacionados diretamente a condies

    sociais e econmicas, como violncia estrutural, pobreza, excesso de filhos, isolamento social,

    crises familiares e desemprego, pouco contato com famlia extensa, pouca interao social,

    pouco acesso a instituies disponveis na comunidade, pouca expectativa e mobilidade

    social. H, ainda, fatores que, por intensificarem a manuteno dos adolescentes na

    dependncia qumica e explorao sexual, dificultando seu rompimento social, so

    considerados de alto risco: histrico de violncia sexual intrafamiliar durante a infncia, uso

    abusivo de drogas e presena marcante do aliciador em sua vida. Existem, alm dos j citados,

    os fatores polticos atribudos s falhas na elaborao ou execuo de polticas pblicas. Por

    fim, existem os fatores culturais envolvendo atitude perante infncia referente violncia,

    castigo, mulheres, sexualidade e regulamentao das relaes entre sexos e entre geraes

    (FERRARI, 2011; SOUZA et al, 2013).

    Esse fenmeno complexo e causa sria preocupao, devido s graves

    consequncias que podem ser causadas criana/adolescente. Em relao s consequncias

    fsicas, podem haver leses, hemorragias vulvares ou anais; presena de smen na roupa, boca

    ou genitais; dor e infeces urinrias e vaginais recorrentes; Infeces Sexualmente

    Transmissveis - ISTs, gravidez precoce e aborto e at mesmo a morte. Alm disso, as

    consequncias psicolgicas, como Transtorno do Stress Ps Traumtico (TSPT); baixa

    autoestima, apatia, agressividade; medo e isolamento social; enurese, encoprese; dificuldades

    escolares; comportamento sexualizado; fuga de casa, delinquncia; toxicomania e alcoolismo;

  • 34

    fobias e pnico; depresso e suicdio; homicdio; dupla personalidade, psicoses; explorao

    sexual infanto-juvenil e repetio do padro abusivo (BRASIL, 2006a; FERRARI, 2011;

    JUSTINO et al, 2011; SANTANA; SANTANA; LOPES, 2011; TEIXEIRA; TAQUETTE,

    2010).

    Ainda segundo Ferrari (2011), certos fatores que influenciam a qualidade e

    intensidade das consequncias, sendo eles relacionados idade da vtima e do agressor:

    quanto mais jovem a criana, menor sua capacidade de compreenso e suas defesas. Quanto

    mais velho o agressor, mais forte a hierarquia de poder e mais evidente a fragilidade da

    barreira intergeracional. Tipo de relao entre agressor e vtima: quanto mais ntima a relao

    entre eles (pais/mes-filhos), maior o paradoxo entre proteo e abuso e, portanto, maior o

    dano. Personalidade da vtima: crianas tmidas e inibidas comunicam menos seus

    sofrimentos. Durao e frequncia da agresso: quanto maior a frequncia e a durao dos

    abusos, maior o dano. Quanto maior a dor e o sofrimento psquico causado pela impotncia,

    desamparo, medo da morte e erotizao, maior o dano. Os danos so menores comsiderados

    menores quando ocorre a crena e acolhimento da criana, j so maiores quando existe a

    desateno aos apelos da criana; dvidas de sua palavra; culpabilizao da criana; exames

    mal conduzidos ou dolorosos; depoimentos repetidos; acareaes com seus agressores

    (FERRARI, 2011).

    Diante desse contexto, diversas organizaes internacionais e rgos

    governamentais brasileiros reconhecem a complexidade do fenmeno, atuando em busca de

    estratgias e aes para o seu enfrentamento. Por conseguinte, foram criadas polticas e planos

    abordando esse assunto como um grave problema de sade pblica, que merece ateno e

    articulao multidisciplinar e intersetorial. Alm do mais, a sade da criana e do adolescente

    de um modo geral, at ento, era algo pautado por certa invisibilidade, somente na dcada de

    1980, tiveram incio as primeiras discusses com enfoque nesse grupo. O marco inicial foi em

    1985, considerado pela Organizao das Naes Unidas (ONU) o Ano Internacional da

    Juventude, quando 78% dos pases participantes pactuaram definies de polticas pblicas

    para esse grupo social. Entretanto, apenas 40% desenvolveram um programa nacional de ao

    nos anos seguintes (LAGE; MOURA; HORTA, 2012).

    Seguindo essa perspectiva, no Brasil, com base tambm no referencial da

    Constituio Federal de 1988, que evidencia o papel do Estado de assegurar a implementao

    de programas e de assistncia integral sade da criana e do adolescente, foi criado o

    Programa de Sade do Adolescente (PROSAD) com foco na promoo, integrao, apoio e

  • 35

    incentivo a atividades de sade, identificao de grupos de risco, deteco precoce de

    agravos, tratamento adequado e reabilitao da faixa etria de 10 a 19 anos (BRASIL, 1989).

    A partir de 1990, as polticas pblicas para os jovens so direcionadas ao enfrentamento da

    criminalidade e narcotrfico envolvendo esse grupo social, da surge o Plano de Integrao e

    Acompanhamento de Programas Sociais de Preveno da Violncia (PIAPS), programa do

    Gabinete de Segurana (BRASIL, 2002).

    Ainda na dcada de 1990, o Brasil foi o primeiro pas a promulgar um marco

    legal, em consonncia com a Conveno sobre os Direitos da Criana (1989), o ECA, que foi

    institudo como a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990). O ECA foi

    inspirao para mais de 15 reformas legislativas, em especial na Amrica Latina, tornando-se

    um passo relevante na garantia legal dos direitos desse grupo social, reconhecendo-os como

    sujeitos de destaque e de proteo integral por parte da sociedade e do Estado. Em todos os

    seus captulos, o Estatuto dedica-se a especificar o que considera proteo integral, mostrando

    como essa premissa deve ser provida e indica penalidades para os transgressores (BRASIL,

    1990). A abordagem trazida pelo ECA veio redirecionar as polticas pblicas voltadas para as

    crianas e adolescentes at ento, onde geralmente trabalhavam os problemas da infncia e

    adolescncia como condies patolgicas, contribuindo para uma viso discriminatria sobre

    a compreenso devida nessas faixaetrias, passando a existir uma preocupao com os

    aspectos biopsicossocial, condio e estilo de vida.

    Contudo, posteriormente, o cenrio internacional tambm sinalizou iniciativas

    atravs da Declarao e Agenda para Ao, com foco no enfrentamento da explorao

    sexual, no I Congresso Mundial Contra Explorao Sexual Comercial de Crianas em 1996,

    como tambm as recomendaes do II Encontro ocorrido no Brasil 1998 (BRASIL, 2013).

    Em 1999, no Brasil, mais uma ao foi desenvolvida, foi criada a rea de Sade

    do Adolescente e do Jovem (ASAJ) pelo Ministrio da Sade, como uma ampliao do

    PROSAD e responsvel por aes e programas com foco no crescimento e desenvolvimento,

    da sexualidade, sade mental, sade reprodutiva, sade escolar do adolescente, preveno de

    acidentes, violncia, maus-tratos e famlia (LAGE; MOURA; HORTA, 2012).

    At ento, ocorreram alguns avanos, contudo, a partir da dcada de 2000,

    tivemos melhorias significativas na criao de polticas, aes e programas diretamente

    relacionados violncia sexual, com a aprovao, nesse ano, pelo Conselho Nacional dos

    Direitos da Criana e do Adolescente (CONANDA). Surgiu, ento, o Plano Nacional de

    Enfrentamento da Violncia Sexual contra crianas e adolescentes, tornando-se referncia

  • 36

    para uma metodologia objetiva de estruturao de polticas, programas e servios por parte do

    governo e tambm para organizaes no governamentais, no que concerne mobilizao

    social e ao monitoramento dessas polticas pblicas para o enfrentamento da violncia sexual

    (BRASIL, 2013).

    O Ministrio da Sade, reconhecendo essa demanda, torna obrigatrio, por meio

    da portaria n 1.968/2001, o preenchimento da ficha de notificao compulsria de violncia

    contra crianas e adolescentes pelas instituies pblicas de sade ou conveniadas ao Sistema

    nico de Sade (SUS), em todo o territrio nacional, com consequente encaminhamento aos

    rgos competentes (BRASIL, 2001; MOREIRA et al, 2013).

    Com o intuito de elaborar indicadores para monitoramento e avaliao do impacto

    desse plano, na formulao de polticas pblicas envolvendo a temtica, em 2003, teve incio

    um processo de atualizao dessa medida. Nesse mesmo ano, foi criada a Comisso

    Intersetorial de Enfrentamento da Violncia sexual contra Crianas e Adolescentes, tendo sua

    composio por mais de 20 ministrios, 12 parceiros da sociedade civil organizada e agncias

    internacionais. Essa comisso, at o ano de 2006, foi coordenada pelo Ministrio da Justia,

    sendo, nesse mesmo ano, integrada ento Secretaria Especial dos Direitos Humanos da

    Presidncia da Repblica (BRASIL, 2013).

    Nessa mesma dcada, com base em uma proposta durante o encontro realizado em

    Natal (RN), no ano de 2000, onde foi elaborado o Plano Nacional de Enfrentamento da

    Violncia Sexual contra Crianas e Adolescente, cria-se o Comit Nacional de Enfrentamento

    Violncia Sexual contra Crianas e Adolescentes com a misso tambm de articular e

    monitorar sua implementao (BRASIL, 2013).

    Nesse mesmo ano, com o objetivo de uma sensibilizao da sociedade brasileira e

    para o seu engajamento contra a violao dos direitos sexuais de crianas e adolescentes, foi

    institudo o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Explorao Sexual

    de Crianas e Adolescentes, atravs da Lei Federal N. 9970/00 (BRASIL, 2000). Neste dia,

    ocorreu um caso que tomou grande repercusso no ano 1973, em que uma menina de 8 anos,

    em Vitria (ES), foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada. Seu corpo apareceu

    seis dias depois, carbonizado e os seus agressores nunca foram punidos. Deste ento, esse

    tornou-se o smbolo dessa luta, para que a populao brasileira se una e se manifeste contra

    esse tipo de violncia (ABRINQ, 2015b).

  • 37

    Em relao instituio do Comit e da Comisso em esfera federal, foi

    perceptvel que esse fato veio fortalecer as redes locais / estaduais, assim como as diversas

    campanhas de sensibilizao sistemticas, realizadas em perodos como o carnaval e o 18 de

    maio, proporcionando adeso maior de organizaes pblicas e privadas ao enfrentamento da

    violncia sexual, incluindo a visita ao Brasil do Relator Especial das Naes Unidas para

    tratar sobre venda, prostituio infantil e utilizao de crianas na pornografia, alm da

    adoo da experincia de Cdigos de Conduta contra a Explorao Sexual em diferentes

    segmentos econmicos (turismo, transporte, dentre outros). Ressalta-se a criao do servio

    de disque denncia nacional gratuito e annimo, intitulado "Disque 100", que possibilita que

    sejam realizadas denncias dos casos de violncia sexual ao poder pblico para que sejam

    tomadas as devidas providncias e encaminhamentos (BRASIL, 2013).

    Em 2005, destaca-se o lanamento do Marco Legal da Sade de Adolescentes que

    contribuiu para a construo de instrumentos legais de proteo aos direitos desse grupo

    social, com nfase naqueles que garantem o seu direito fundamental sade em mbitos

    nacional e internacional (LAGE; MOURA; HORTA, 2012). J em 2006, foi elaborada a

    Cartilha sobre Direitos sexuais, direitos reprodutivos e mtodos anticoncepcionais, sendo, no

    ano seguinte, estabelecido marco terico e referencial: sade sexual e reprodutiva de

    adolescentes e jovens, no qual so discutidos marcos nacionais e internacionais, bem como

    garantia de direitos sobre essa temtica (BRASIL, 2007).

    Ainda em 2007, foi instituda a Poltica Nacional de Ateno Integral Sade de

    Adolescentes e de Jovens, compreendendo que a ateno deve perpassar pelos diversos

    aspectos, tais como biolgicos, fisiolgicos e sociais da sade do adolescente e do jovem,

    bem como o conhecimento e a valorizao da sua insero no contexto familiar, social e

    cultural (BRASIL, 2010b).

    Essas conquistas voltadas para o enfrentamento da violncia sexual podem ser

    atribudas ao Plano Nacional de Enfrentamento da Violncia Sexual, sendo reforadas pela

    instituio de planos temticos, como o Plano Nacional de Promoo, Proteo e Defesa do

    Direito de Crianas e Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria (2006) e o Plano

    Nacional de Enfrentamento ao Trfico de Pessoas (2008). Apesar disso, a realizao do III

    Congresso Mundial de Enfrentamento da Explorao Sexual de Crianas e Adolescentes no

    Brasil, em 2008, gerou discusses apontando para a necessidade de atualizao/reviso do

    referido Plano, com o intuito de atender s referidas novas demandas de violncia sexual, tais

  • 38

    como os crimes transnacionais e os delitos facilitados pelas tecnologias da informao e

    comunicao (TICs) (BRASIL, 2013).

    Com enfoque na sade, a publicao "Sade do adolescente: competncias e

    habilidades em 2008" abordou aspectos ticos, legais e clnicos do adolescente e jovem,

    fornecendo subsdios para conhecimento e reflexo sobre a prxis do profissional da ateno

    bsica (BRASIL, 2008). No ano seguinte, como um dos instrumentos voltados para conduzir

    essa ateno, foi elaborada a Caderneta de Sade do Adolescente.

    Em 2010, foi elaborado, no Brasil, o Plano Decenal de Direitos Humanos de

    Crianas e Adolescentes, no mbito do CONANDA, tendo como base os princpios, eixos e

    diretrizes da Poltica Nacional dos Direitos Humanos de Crianas e Adolescentes, com prazo

    de vigncia para as aes at 2020. Vale ressaltar que ficou prevista a constituio de um

    Comit Gestor do Plano Decenal para avaliao bienal do processo de implementao do

    Plano e que, ao final dos primeiros cinco anos, dever ser realizada uma avaliao geral pelo

    CONANDA, principalmente para redefinio de metas de resultados e prazos (CONANDA,

    2010).

    Nesse mesmo ano, foram elaboradas pelo Ministrio da Sade Diretrizes

    Nacionais para a ateno Integral Sade de Adolescentes e Jovens na promoo, proteo e

    recuperao da sade, baseadas na Poltica Nacional de Ateno Integral de Adolescentes e

    Jovens. Essas diretrizes sinalizam a necessidade de elaborar aes e estratgias voltadas a essa

    populao, enfatizando a integrao das trs esferas de governo e de forma intersetorial com

    outras aes, programas e polticas voltadas para a promoo da sade e preveno de agravos

    (BRASIL, 2010b).

    A Secretaria de Vigilncia Sade lanou, em 25 de janeiro de 2011, a Portaria n

    104, que define a relao de doenas, agravos e eventos em sade pblica de notificao

    compulsria em todo o territrio nacional, estabelecendo fluxos, critrios, responsabilidades e

    atribuies aos profissionais e servios de sade. Essa portaria dispe sobre a violncia

    domstica, sexual e/ou outras violncias como o 45 evento de notificao compulsria

    (BRASIL, 2011c; MOREIRA et al, 2013). Alm disso, especificamente para o ato

    notificatrio desses tipos de violncias, os servios e profissionais da sade contam com um

    guia instrutivo para notificao por meio do Sistema de Notificao de Agravos de

    Notificaes SINAN (BRASIL, 2011c).

  • 39

    Em 2012, foi lanado um guia sobre Preveno e tratamento dos agravos

    resultantes da violncia sexual contra mulheres e adolescentes - Norma Tcnica, com

    elementos que estabelecem e orientam os aspectos importantes relacionados atuao dos

    servios e profissionais de sade diante do atendimento de pessoas em situao de violncia

    sexual (BRASIL, 2012a).

    Pautado pelo Comit Nacional de Enfrentamento da Violncia Sexual contra

    Crianas e Adolescentes e pela Coordenao do Programa Nacional de Enfrentamento da

    Violncia Sexual contra Crianas e Adolescentes da Secretaria Nacional de Promoo dos

    Direitos da Criana e do Adolescente, Secretaria de Direitos Humanos/PR, a reviso do Plano

    Nacional de Enfrentamento da Violncia Sexual suscitou a diversidade das vrias realidades

    das regies brasileiras e da dimenso continental do pas, a fim de garantir a legitimidade das

    aes previstas e facilitar o monitoramento de sua implementao, que demandam uma

    execuo com base na transversalidade. Assim, surge, em 2013, o novo Plano Nacional de

    Enfrentamento da Violncia Sexual (BRASIL, 2013).

    Destaca-se que durante esse processo de reviso houve a inteno de fazer uma

    interface direta com as diretrizes do Plano Decenal, alm do seu perodo de vigncia, com as

    diretrizes contidas no Eixo 2 - Proteo e Defesa dos Direitos, objetivo Estratgico 3.9, que

    discorre sobre ampliar e articular polticas, programas, aes e servios para o enfrentamento

    da violncia sexual contra crianas e adolescentes (BRASIL, 2013; CONANDA, 2010).

    A participao do CONANDA durante todo esse processo foi de suma relevncia

    para dar ao Plano Nacional o carter de orientar as polticas pblicas nessa rea. De acordo

    com o ECA, em seu artigo 88, cabe ao CONANDA formular as polticas pblicas voltadas

    para a garantia dos direitos de crianas e adolescentes em nosso pas, ou seja, estabelecer os

    princpios, diretrizes e bases para a sua operacionalizao. Contudo, assim como acontece

    com as polticas pblicas de um modo geral, que so planejadas de maneira generalizada, com

    o intuito de uma aproximao maior de enfrentamento para cada realidade, a formulao e

    deliberao desses marcos referenciais podem e devem envolver os conselhos locais

    (estaduais, distrital e municipais), uma vez que de responsabilidade dos conselhos dos

    direitos da criana e do adolescente, nos trs nveis, formular e deliberar a respeito das

    Polticas e Planos em seu mbito de interveno, para uma implementao efetiva destes

    (BRASIL, 1990, 2013).

    Sobre os avanos e desafios do Plano Nacional, nos 15 anos desde que foi criado

    o Comit Nacional de Enfrentamento Explorao, contribuiuram para que essa temtica

  • 40

    fosse abordada dentro de alguns ministrios e de algumas reas, ampliando o que j existia e

    ganhando espaos em diversos setores, desde sade, educao e turismo at assistncia,

    esporte e lazer. Com isso, trouxe maior visibilidade ao problema existente devido a uma

    maior mobilizao social, atravs de campanhas e sensibilizao da sociedade para a

    denncia. Entretanto, assumem-se as limitaes apresentadas, reconhecendo que precisam ser

    superadas para que seja possvel atingir os resultados desejados (ABRINQ, 2015b).

    Dentre as dificuldades, aponta a falta de garantia de aes preventivas para

    crianas ou adolescentes em situao de abuso ou explorao sexual e demora muitas vezes,

    para conseguir um primeiro atendimento em rede (ABRINQ, 2015b). Alm disso, discorre

    que extremamente necessrio aumentar o investimento na rea, aumentando os recursos do

    oramento, para que sejam implementados mais servios direcionados. Para tanto, necessita-

    se ainda de conscientizao poltica, por parte dos gestores, de que essa uma prioridade

    (ABRINQ, 2015b).

    No mbito da sade, de acordo com um estudo realizado por Paixo e Deslandes

    (2010), o qual faz uma anlise das Polticas Pblicas de enfrentamento da Violncia Sexual

    Infantojuvenil, apesar de todos esses instrumentos norteadores e normatizaes, poucos so os

    servios estruturados com equipes habilitadas para fornecer um atendimento adequado para

    crianas e adolescentes em situao de violncia sexual. E embora o atendimento

    especializado j possa beneficiar muitas crianas, adolescentes e familiares em situao de

    violncia sexual, j demanda, tanto na rea da sade, como na social, maiores investimentos e

    reestruturaes para o preenchimento das lacunas ainda existentes (PAIXO; DESLANDES,

    2010).

    Pesquisa desenvolvida em municpios cearenses com profissionais da Estratgia

    Sade da Famlia (ESF), revelou que os participantes apresentaram dificuldades na

    notificao de violncia contra crianas e adolescentes e que existem lacunas no

    conhecimento e fragilidades na instrumentao para essa prtica. Ou seja, assim como o setor

    sade de um modo geral, na Ateno Bsica Sade, existe a necessidade de que sejam

    promovidas aes efetivas para o enfrentamento da violncia sexual (MOREIRA et al, 2013).

    Para que essas aes destinadas a esse pblico-alvo sejam satisfatrias, faz-se

    necessria a aproximao com o contexto de vida e subsdios para construes de aes que

    levem em conta os determinantes sociais em sade. Nessa perspectiva, fundamental

    considerar as diretrizes do Ministrio da Sade (MS), com as propostas pactuadas pelos

    estados brasileiros, redirecionando-as o mximo possvel para as especificidades locais,

  • 41

    capazes de validar e efetivar esses projetos considerando as demandas e necessidades de cada

    municpio ou comunidade (BARATA, 2012; LAGE; MOURA; HORTA, 2012).

  • 42

    5 METODOLOGIA

    5.1 Abordagem e tipo de estudo

    Para a investigao deste trabalho, foram utilizados dois tipos de estudo.

    Primeiramente, foi realizado um estudo transversal descritivo de uma srie histrica de casos

    com base em dados secundrios de 2014. Esse tipo de estudo utilizado para apresentao

    organizada dos resultados dos casos de doenas ou agravos, em um determinado perodo, com

    informaes relevantes para o objeto a ser estudado, a fim de melhor compreenso sobre o

    assunto (JEKEL; KATZ, 2009).

    Por no serem estudos comparativos, apresentam a limitao de no permitir

    afirmar a etiologia de doenas e agravos. Entretanto, so de boa qualidade se baseados em um

    conjunto de casos em que h uniformidade de tratamento e quando todos os casos,

    satisfazendo a um critrio objetivo, so includos. Portanto, mesmo com limitaes, esse tipo

    de estudo fundamental e comumente utilizado para o avano do conhecimento de diversas

    doenas e agravos.

    Portanto, foi desenvolvido um estudo analtico do tipo ecolgico. O estudo

    ecolgico objetiva identificar correlao entre exposio e desfecho com unidade de anlise

    representada por grupos populacionais (JEKEL; KATZ, 2009).

    Um vis a falcia ecolgica: impossibilidade de relacionar exposio e desfecho

    em nvel individual e difcil controle de confundimento. Vantagens: baixo custo, grande

    produo de hipteses, teste de hipteses ecolgicas. Efeitos ecolgicos so relevantes na

    avaliao de impactos de processos sociais ou intervenes populacionais, tais como

    programas, polticas ou leis.

    Alm de realizar a caracterizao da srie de casos de violncia sexual do ano de

    2014, buscou-se apresentar taxa de violncia sexual entre Estados Brasileiros, com nfase

    para os casos de abuso e explorao sexual nos Municpios Cearenses, correlacionando com

    os desfechos taxa de abuso sexual e taxa de explorao sexual com indicadores sociais sobre

    vulnerabilidade, sade, demogrficos, educao, desenvolvimento humano e trabalho. Foi

    realizado um estudo similar intitulado "Violncia contra as mulheres no contexto urbano:

  • 43

    estudo sobre a distribuio espacial das violncias no municpio de So Paulo", utilizando-se

    um estudo ecolgico (KISS, 2009).

    5.2 Contextualizao do local de estudo

    Primeiramente, o estudo abordou as 27 Unidades Federativas (UF) do Brasil,

    sendo 26 estados e um Distrito Federal: Acre (AC), Alagoas (AL), Amap (AP), Amazonas

    (AM), Bahia (BA), Cear (CE), Distrito Federal (DF), Esprito Santo (ES), Gois (GO),

    Maranho (MA), Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), Par

    (PA), Paraba (PB), Paran (PR), Pernambuco (PE), Piau (PI), Rio de Janeiro (RJ), Rio

    Grande do Norte (RN), Rio Grande do Sul (RS), Rondnia (RO), Roraima (RR), Santa

    Catarina (SC), So Paulo (SP), Sergipe (SE), Tocantins (TO). Essas Unidades, esto inseridas

    nas divises regionais estabelecidas em cinco: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sul e Sudeste.

    A extenso total do territrio brasileiro de 8.515.767,049 (km2) (IBGE, 2016).

    Em um segundo momento, foi dado um enfoque maior ao Estado do Cear

    localizado na regio Nordeste do Pas. Esta regio a terceira maior (por extenso territorial,

    cerca de 1.558.196 km) do pas. A regio apresenta uma qualidade de vida mdia, o ndice de

    Desenvolvimento Humano de 0,659. A densidade demogrfica gira em torno de 32 hab./km

    (IBGE, 2016).

    De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, o

    Estado do Cear, tem como capital Fortaleza, rea (Km2) de 148.886,308, em 2010 possua

    uma populao de, aproximadamente, 8.452.381 habitantes, com estimativa de 8.904.459 em

    2015, onde a populao residente entre 0 a 19 anos representava 32,2% no ano de 2014.

    Densidade demogrfica 56,76 (hab/km2) e 184 Municpios (IBGE ESTADOS, 2016).

    Sendo estes: Abaiara, Acarape, Acara, Acopiara, Aiuaba, Alcntaras, Altaneira,

    Alto Santo, Amontada, Antonina do Norte, Apuiars, Aquiraz, Aracati, Aracoiaba, Ararend,

    Araripe, Aratuba, Arn