UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ARNALDO SOARES SERRA JÚNIOR
DELEGADOS RÉGIOS E MAGISTRADOS ELETIVOS EM TEMPOS DE
CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL: as relações entre os chefes do executivo
provincial e os juízes distritais no Maranhão (1827-1841)
São Luís – MA
2015
ARNALDO SOARES SERRA JÚNIOR
DELEGADOS RÉGIOS E MAGISTRADOS ELETIVOS EM TEMPOS DE
CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL: as relações entre os chefes do executivo
provincial e os juízes distritais no Maranhão (1827-1841)
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade Federal do Maranhão, para a
obtenção do título de Mestre em História.
Orientador:
Prof. Dr. César Augusto Castro
São Luís – MA
2015
Serra Júnior, Arnaldo Soares
Delegados régios e magistrados eletivos em tempos de construção do Estado
Nacional: as relações entre os chefes do executivo provincial e os juízes distritais
no Maranhão (1827-1841) / Arnaldo Soares Serra Júnior. – São Luís, 2015.
193 f.
Orientador: Prof. Dr. César Augusto Castro.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de
Pós-Graduação em História, 2015.
1. Estado Nacional. 2. Província do Maranhão. 3. Presidentes de província. 4.
Juízes de paz. 5. Conflito de poderes. I. Título.
CDU 930.23:34(812.1)
DELEGADOS RÉGIOS E MAGISTRADOS ELETIVOS EM TEMPOS DE
CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL: as relações entre os chefes do executivo
provincial e os juízes distritais no Maranhão (1827-1841)
ARNALDO SOARES SERRA JÚNIOR
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. César Augusto Castro
(Orientador)
____________________________________________
Profª. Drª. Regina Helena Martins de Faria
(Examinadora Interna)
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves
(Examinador Externo)
AGRADECIMENTOS
“Como é estranho a natureza do conhecimento! Uma vez adquirido, ele adere à
mente como o musgo à pedra. Desejei algumas vezes me livrar de todo o pensar e
sentir, mas aprendi que só existia uma maneira de superar a sensação de dor, e essa
era a morte.”
Mary Shelley – Frankenstein
Fazer pesquisa é mais ou menos assim. Na busca de realizar uma vontade pessoal, de
matar a curiosidade que fica alfinetando a nossa cabeça, nos envolvemos em uma jornada que
já conhecemos muito bem o caminho que iremos percorrer: várias noites mal dormidas; ficar
perdido entre inúmeros livros, documentos e anotações; recusar aqueles convites para se
distrair um pouco, pois existem prazos a serem cumpridos; entrar em desespero quando não
vemos mais a luz no fim do túnel. Ainda bem que existem pessoas em nossas vidas que
conseguem, à sua maneira, tornar essa jornada menos turbulenta, nos acalmando e dando
força para continuar com o que já começamos. Por isso, não é sem propósito que reservo estas
palavras de agradecimento aos que tornaram possível a realização de mais um objetivo.
Primeiramente, tenho que agradecer a toda minha família, em especial minha mãe,
Raimunda Santos Brandão, ao meu padrasto, Antônio Portela Costa Filho, e ao meu pai,
Arnaldo Soares Serra, por terem me dado todo apoio moral e suporte material para prosseguir
com minhas pesquisas.
Agradeço à minha namorada, Raianne Rodrigues Lima, por ser essa pessoa
maravilhosa e importante para a concretização deste trabalho. Desde os tempos de graduação
pude contar com o seu apoio, principalmente naqueles momentos de dificuldade e apreensão
com a pesquisa e com a escrita da dissertação. Ela chegou até deixar de lado a sua aversão
pela História para me ajudar, propondo-se a ler as inúmeras páginas do meu trabalho e
consertar aqueles erros gramaticais mais evidentes, que passam despercebidos pela vista de
quem escreveu e reescreveu as mesmas páginas.
Ao professor César Castro, que um dia me falou: “não sei quem foi mais doido, tu em
continuar como meu orientando, ou eu em querer te orientar”. Lendo simplesmente assim, no
papel, estas palavras podem causar certa estranheza e ter uma conotação negativa, porém
quem conhece a pessoa animada e descontraída que o professor é, saberá interpretá-la de
maneira apropriada. Essa frase foi marcante para mim, pois ela resumiu bem como foi a nossa
convivência durante esses dois anos. Nós possuímos campos de pesquisa totalmente distintos
(eu na política e ele na educação), com referenciais teóricos estranhos um ao outro, mas
mesmo assim trocamos muitos conhecimentos durante as nossas conturbadas reuniões, pois a
cada minuto de conversa, outro era dividido com uma pessoa que chegava à sua sala, pedindo
para assinar algum papel. E isso eu não tomo como algo negativo, pois eu admirava como
alguém conseguia dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo, sem perder a alegria e a
compostura. Não posso deixar de fora, também, o fato de eu nunca ter visto a paixão tamanha
de uma pessoa aos documentos – e desafio a qualquer um em ter uma conversa com César e
não querer sair dali para correr até um arquivo ou biblioteca, pegar um documento e iniciar
uma pesquisa qualquer.
À minha querida professora e eterna orientadora, Regina Faria, por ter me mostrado os
caminhos da história política e por estar sempre disposta a me ajudar, reservando-me espaço
na sua apertada agenda para sanar as minhas dúvidas ou me disponibilizar materiais de
pesquisas. Certamente, ela teve e terá um papel fundamental em toda a minha formação
acadêmica.
Ao professor Marcelo Cheche, que em outros tempos já me ajudou nas minhas
pesquisas de monografia, indicando leituras e emprestando livros, mas que agora tenho o
prazer de tê-lo como membro examinador externo da minha banca de mestrado. Sou muito
grato por ter aceitado meu convite.
Aos meus amigos de graduação Allan Michael, Marcio Braga, Antônio Castro e Deniz
Costa. Os momentos de conversas e distrações com vocês se tornaram verdadeiras fontes de
força e apoio nessa jornada.
Aos colegas de turma do mestrado: André, Samuel, Pyetra, Raissa, Rafael, Pedro,
Jéssica, Jozenilma, Antônio Marcos, Camila, Adrian, Leina, Celeste e Michelle. A
convivência com vocês foi importante, pois possibilitou a troca de conhecimentos e tornou
mais divertido os dias de aula. Sendo assim, cada um de vocês teve papeis individuais e
significantes para o meu aprendizado.
Agradeço aos professores com os quais tive a oportunidade de ser aluno. Com certeza
ampliei bastante os meus conhecimentos a cada aula frequentada, entrando em contato com
novos temas e aportes teóricos.
Ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Maranhão
(PPGHIS-UFMA) e aos funcionários que estavam sempre dispostos a me ajudar nos trâmites
burocráticos do mestrado.
Aos funcionários do Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM), em especial
dona Raimunda, da sessão de documentos avulsos, que tornaram as manhãs de pesquisas mais
agradáveis e prazerosas.
À Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão
(FAPEMA), por ter concedido o apoio financeiro, o que me possibilitou ter mais tempo para a
pesquisa.
Obrigado a todos vocês que tornaram possível a concretização de mais um sonho em
minha vida.
“As folhas daquele ano secaram antes que meu trabalho chegasse próximo de seu
fim; mas a cada dia podia ver com mais e mais clareza o sucesso de meus esforços.
Assim, meu entusiasmo se contrapunha à minha ansiedade, e parecia mais um escravo arruinado nas minas ou em qualquer outro negócio do que um artista
ocupado de seu mais gratificante trabalho.”
Mary Shelly
“Eu o terminaria porque o devia a mim mesmo, eu o terminaria porque era um
escritor e não podia ser outra coisa, porque escrever era a única coisa que podia
me permitir olhar para a realidade sem me destruir, a única coisa que podia dotá-la
de um sentido ou uma ilusão de sentido, a única coisa que, tal como ocorrera
durante aqueles meses de confinamento, e trabalho, e vã espera, e dedução, ou persuasão, ou demonstração, me permitira vislumbrar, de fato e sem saber, o fim da
viagem.”
Javier Cercas
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo analisar a interação entre os presidentes da
província e os juízes de paz no Maranhão, no âmbito da administração pública, entre os anos
de 1827 e 1841. Considera-se que no início do século XIX o Brasil incorporou novas ideias
oriundas da Europa e adentrou em um processo de modernização política. Contudo, existiam
forças consideradas dissidentes, como as diversas elites políticas nas províncias e a população
pobre, ambas buscando novos canais de representatividade de seus interesses, por isso o
governo central preocupou-se em criar espaços institucionais para acomodar essas demandas.
Ao mesmo tempo, instituiu o cargo de presidente de província que atuaria nas diferentes
regiões em nome do Imperador e na defesa do Estado. Os juízes de paz foram previstos na
Constituição de 1824, a fim de agilizar os processos judiciais, mas que durante a “década
liberal” despontaram como maiores autoridades em nível local, em especial por suas funções
policiais. Com a ocorrência de vários movimentos de caráter popular, os presidentes tinham a
empreitada de manter a ordem social e a civilização da população, mas, para concretizá-la,
dependiam dos novos magistrados para exercerem seus poderes de controlar a massa
desajustada. Para tanto, analisamos a coleção de leis do Império para entendermos como os
presidentes de província e os juízes de paz se inseriam na nova estrutura administrativa do
país; as atas do Conselho Presidial e os ofícios trocados entre os presidentes e os juízes foram
utilizados para entendermos o que cada um demandava, assim como atentar para as
dificuldades pelas quais os magistrados passavam no exercício de suas funções; e os relatórios
dos presidentes deram base para compreendermos as representações lançadas pelos
governantes sobre os juízes dos distritos. Os resultados constatados mostraram a importância
dos juízes enquanto representantes políticos das camadas populares e pontuaram a ausência de
estrutura para o exercício das suas atribuições. Foram verificadas as críticas por parte dos
presidentes, considerando os magistrados como ponto de atraso da administração da justiça, e
o fortalecimento da esfera executiva provincial para corrigir tal problema.
Palavras-chave: Estado Nacional; Província do Maranhão; Presidentes de Província; Juízes de
Paz; Conflito de Poderes.
ABSTRACT
This dissertation has the objective analyze the interaction between the presidents of the
province and the justices of the peace in Maranhão, in the public administration, between the
years 1827 and 1841. Considering that at the beginning of the nineteenth century Brazil has
incorporated new ideas from Europe, the country entered by a political modernization
process. However, there were forces considered dissidentes like the various political elites in
the provinces and the poor population, both seeking new representation channel for their
interests, so the central government was concerned with creating institutional spaces to
accommodate these demands, while also established the post of provincial president who
would act in different regions of the country on behalf of the Emperor and in defense of the
State. The justices of the peace were provided by the Constitution of 1824, in order to
expedite the legal proceedings, but during the 'liberal decade "emerged as leading authorities
at the local level, especially for its police functions. With the occurrence of several popular
rebellions, the presidents had the task of maintaining social order and civilization of the
population of the provinces, but realizes it they were dependent of the new magistrates to
exercise their powers to control the mass misfit. As a research method we analyze the
collection of the Empire laws, to understand how the provincial presidents and justices of the
peace were part of the new administrative structure of the country; the minutes of the Council
Presidial and the messages exchanged between the two agents were used to understand what
each demanded the other, as well as pay attention to the difficulties experienced by
magistrates in the exercise of its functions; and the president’s reports provided the basis for
understanding the representations released by the government about the judges of the districts.
The predicted and observed results showed the importance of judges as the political
representatives of the lower classes and lack of structure for the performance of their duties.
Was verified the criticism of the president, considering the magistrates as the problem of the
and the strengthening of the provincial executive sphere to correct this problem.
Keyword: National State; Maranhão Province; Province Presidentes; Judge of the Peace;
Conflict of Powers
LISTA DE QUADROS E MAPAS
QUADRO 1 – Os presidentes da província do Maranhão e suas respectivas origens (1827-
1841) ................................................................................................................................... 56
QUADRO 2 – Os presidentes e vice-presidentes da província do Maranhão e suas respectivas
formações acadêmicas e tempo de ocupação do cargo (1827-1841) ...................................... 79
QUADRO 3 – Os cargos públicos assumidos pelos presidentes e vice-presidentes da
província do Maranhão (1827-1841) .................................................................................... 81
MAPA 1 – A organização judiciária da província do Maranhão (1833) .............................. 135
MAPA 2 – A organização judiciária da província do Maranhão (1835) .............................. 136
MAPA 3 – A organização judiciária da província do Maranhão e o número dos respectivos
empregados (1843)............................................................................................................. 137
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13
CAPÍTULO 1 – A PRESIDÊNCIA DE PROVÍNCIA NO CONTEXTO DE
CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL.................................................................... 28
1.1 O desenvolvimento do Estado brasileiro: modernização política e disputas por
espaços de poder .......................................................................................................... 31
1.1.1 As influências da Revolução Vintista na administração brasileira e a importação do ideal
constitucionalista ................................................................................................................. 34
1.1.2 A Constituição de 1824 e suas adequações para um desenho institucional final ........... 43
1.2 Os presidentes de província na estruturação do Estado brasileiro ............................ 52
1.2.1 Os delegados régios no processo de modernização política .......................................... 55
1.2.2 A presidência de província na cultura do bacharelismo: as características de ocupação do
cargo .................................................................................................................................... 75
CAPÍTULO 2 – A JUSTIÇA DE PAZ EM TEMPOS DE MODERNIZAÇÃO
POLÍTICA BRASILEIRA ................................................................................................ 84
2.1 A magistratura de paz nos capítulos da historiografia ............................................... 86
2.2 O juizado de paz no processo de modernização política brasileiro ............................ 97
2.2.1 O sistema judiciário na colônia portuguesa .................................................................. 97
2.2.2 Os magistrados eletivos na nova ordem política imperial ........................................... 102
2.3 A experiência da magistratura de paz no Maranhão ................................................ 113
CAPÍTULO 3 – OS DELEGADOS RÉGIOS EM MEIO A MAGISTRADOS LEIGOS:
A MEDIAÇÃO PARA UMA CIVILIZAÇÃO E AS PROPOSTAS PARA O
MELHORAMENTO DA JUSTIÇA DO MARANHÃO ................................................ 126
3.1 Os presidentes e os desajustes da sociedade .............................................................. 127
3.2 Os juízes paz enquanto mediadores do poder dos presidentes da província ........... 133
3.3 A magistratura de paz nos relatos dos presidentes e as repercussões da lei das
prefeituras ........................................................................................................................ 144
3.3.1 As interações entre o executivo provincial e o judiciário distrital ............................... 145
3.3.2 As representações sobre a magistratura leiga nos relatos dos presidentes e a lei das
prefeituras .......................................................................................................................... 158
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 174
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 178
APÊNDICES .................................................................................................................... 190
13
INTRODUÇÃO
Nas altas bandeiras de São Marcos, exclamaram todos a uma voz: - Bandeira
imperial no tope grande! Ouvindo tal, sua excelência, como tocado por alguma
corrente elétrica, deu um pulo da cadeira, arrancou o óculo da mão de um dos
circunstantes e o assestou arrebatadamente contra o negro Leviatã que vinha
rasgando as ondas com tanta sobranceria e velocidade. Na viu no primeiro momento; apenas os seus olhos turvos e encadeados eram feridos por uma multidão
de pequenos globos furta-cores que dançavam na extremidade oposta do
instrumento. Agoniado com a obscuridade da sua vista sempre tão clara, passou
lenço pela fronte alagada, graduou o óculo e, assestando-o de novo, viu então a
bandeira, mas esta lhe pareceu primeiro encarnada, e logo após negra como fumo e o
bojo do vapor; eis que sem muita tardança um indiscreto raio de sol, iluminando a
tela auriverde naquele instante desferida por inteiro ao vento, lhe tirou todas as
dúvidas, fazendo-lhe efetivamente ver o pavilhão imperial. [...]. Há de ser bispo –
dizia um. Ou então presidente do Pará – acudia outro [...]. Ele, arriado o galhardete
desta fortaleza, e enquanto se prepara e sobe o outro, no pequeno circulo cortezão
todas as respirações ficam suspensas, e reina um silencio mortal e ansioso. Presidente para o Maranhão!, anunciou o fatal telégrafo, e um ah! Estupido e
sufocado ressoou de todos os pontos.
[...] A cidade já atroada com as salvas começou a sê-lo com os toques de chamada,
com o tropel da tropa em marcha, e com o bulício universal da multidão que corria
açodada à rampa e pau da bandeira para presenciar o desembarque, e toda a cena a
que ele dá ocasião. Acudiam pretas, negros, moleques, estudantes, o grosso e miúdo
comercio da praça vizinha, os militares avulsos, os empregados que suspendiam os
trabalhos, os políticos interessados nas novidades e até os possuidores de bilhetes de
loteria que do mesmo lance iam saber do presidente e da sorte grande.
[...] Porquanto o presidente sobrevive ao suplício, e bem pode, no interesse da
ciência fazer a exposição das suas impressões1.
Chegou, então, na província do Maranhão o seu novo presidente. Através do texto de
João Francisco Lisboa, percebemos o quão significativo era a vinda de um novo governante
para a região, tanto para a população alvoroçada, quanto para os políticos que aqui atuaram.
Mas, ao mesmo tempo, o publicista destacou a angústia do novo governante, pois, ao aceitar o
cargo, ele assumia a alcunha de estabelecer uma ligação entre dois universos distintos: o
mundo da Corte e o mundo da Província. Esta angústia estava relacionada ao seu futuro
político, tendo em vista que, estando em uma província possivelmente desconhecida, deveria
obedecer às ordens régias para evitar a sua destituição do cargo, ao mesmo tempo em que era
necessária a constituição de laços de sociabilidade política para viabilizar a sua própria função
enquanto chefe do poder executivo provincial.
Esse ambiente, onde estava inserido, foi fruto do contexto político brasileiro na
primeira metade do século XIX, que correspondia à criação e consolidação do Estado
moderno nacional. Neste momento, surgiram ideias e projetos respaldados na noção de
liberalismo, que defendiam princípios como direitos individuais e civis; igualdade perante a
1 João Francisco. Jornal de Timon: partidos e eleições no Maranhão. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,
p. 55-59.
14
lei; governo baseado no livre consentimento dos governados e na representatividade,
estabelecida através de eleições livres.
Originado na Europa, o pensamento liberal se difundiu através de movimentos como a
Revolução Inglesa e Francesa, a expansão do modelo industrial e, no caso específico do
Brasil, a Revolução Vintista. Como consequência, o Império brasileiro sofreu os seus
impactos, repercutindo, por exemplo, nas suas dinâmicas políticas e sociais locais, e levando-
o a adentrar em um processo de releitura de sua forma de administrar o espaço público e a
população.
Esse liberalismo foi incorporado por uma elite política, que identificava no
absolutismo um despotismo que não combinava com o “caminho da civilização”, uma vez
que uma monarquia sem liberdade significaria a escravidão de seus súditos. Esta “liberdade”
só poderia ser garantida através de Leis que afirmassem os direitos individuais dos cidadãos e,
consequentemente, suas representatividades políticas. Então, passaram a defender uma
monarquia constitucionalista, como meio de garantir esses direitos e deveres do cidadão,
juntamente com a permanência da existência do cativo. Esse pensamento alterou também a
ordem social, inspirando as lutas de Independência, o sentimento antilusitano, insurreições
populares e uma tendência centrífuga por parte de movimentos separatistas. Ele transformou o
conjunto de cidadãos em autêntica esfera pública de poder, pois concedeu-lhes certos direitos
que até então não tinham, podendo ser convertidos em manifestações públicas e colocando em
risco a ordem e tranquilidade pública.
Contudo, a operacionalização da modernização política no Brasil esbarrou em algumas
limitações, pois houve a permanência de traços do Antigo Regime, como, por exemplo, o
simbolismo da figura do rei enquanto árbitro da justiça e o próprio escravismo. Isto fica claro
quando atentamos para a continuidade das características sociais coloniais, inviabilizando a
difusão de ideias e comportamentos que pendessem para movimentos de transformação
social, pois qualquer alteração neste sentido seria uma ameaça ao próprio Estado brasileiro em
formação, por isso este assunto não estava na ordem do dia do governo central, muito menos
o fim da escravidão. Havia uma representação pessimista sobre as camadas populares, “sem
civilização e sem arte”. Logo, “essa visão sombria, amplamente difundida, era como um
convite a uma arregimentação das elites para a sua missão paternalista de vigilantes ilustrados
de um povo bárbaro, carente de luzes, necessitando de liderança e disciplina”2. Este
pessimismo em unir grupos heterogêneos num mesmo seio social serviu como um dos
2 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda,
2005, 136.
15
principais argumentos para a tessitura de uma Constituição que consagrasse um governo
centralizado e com força necessária para se impor nas diferentes províncias, ao mesmo tempo
em que atendia às diversas demandas.
A Assembleia Constituinte de 1823 foi o principal espaço para o debate dessa questão,
pois foi quando os deputados representantes das províncias foram convocados, levando suas
reivindicações e visões de administração pública. Porém, mesmo com a apresentação de
diferentes projetos foi consenso entre a maioria dos grupos políticos envolvidos nas
discussões a manutenção da monarquia. A figura do monarca foi percebida como a única
capaz de manter a unidade das diversas regiões, mas que deveria seguir um modelo
constitucionalista, sustentado por um aparato burocrático, com leis que regulassem o Estado e
assegurassem a participação política dos grupos que reivindicavam esse sistema político.
Dissolvida a Assembleia, em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do país, tomando a
figura de Dom Pedro I enquanto símbolo do poder centralizado e consagrando a existência de
quatro esferas de poder (legislativo, judiciário, executivo e moderador), conferindo status de
cidadania para uma parcela de brasileiros livres3 e mantendo o escravismo.
Mesmo após a oficialização da Carta Constitucional, os embates políticos não
cessaram, pois a elite política que atuava no governo central não possuía uma visão
homogênea sobre qual configuração administrativa deveria ser adotada por esse Estado.
Existiam diferentes projetos que refletiam a diversidade de interesses, dos quais dois deles
ocuparam o centro dos debates no período. Cada um articulava uma concepção de nação
própria e um desenho institucional específico: o projeto federalista e o projeto reformista
centralizador.
O primeiro projeto ganhou força com a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, e tinha
como um dos principais elementos a defesa de um governo centralizado, porém dando
margem para a participação política das elites provinciais nas decisões do Estado, resultando
na coexistência dos dois níveis de poder (regional e central), com limites definidos pela
Constituição. Já o segundo projeto defendia o modelo proposto pela Constituição de 1824,
com um regime mais centralizado, onde o governo central monopolizava as decisões, mas
criava instituições como forma de concessão política para os poderes provinciais poderem
acomodar seus interesses.
3 Ilmar Rohloff de Mattos chama a atenção para os efeitos da Constituição na sociedade brasileira. A partir de
agora, na sociedade havia a diferença política entre os cidadãos, pois existiam os cidadãos ativos (aqueles que
tinham a capacidade de ser votantes e eleitores), que eram representados enquanto “povo”, e os cidadãos não
ativos, vistos enquanto a “plebe”. No que se refere ao universo do trabalho, existiam os escravos, cabendo a eles
o trabalho nas propriedades rurais e nas cidades, e o povo mais pobre representando a “desordem” por ocuparem
especialmente as ruas (MATTOS, 2011).
16
Mas, foi no decorrer da década de 1820 que se formou a arena onde o Estado
brasileiro se desenharia, pois as facções políticas foram ganhando traços mais nítidos, com
ideias definidas. Foram eles: os liberais exaltados, adeptos de uma postura radical e de feições
jacobinas, buscando conjugar princípios democráticos com a instauração de uma república
federativa; os moderados, organizados em 1826, estavam compostos por uma geração de
políticos que desejavam promover reformas políticas e institucionais, a fim de reduzir o poder
do imperador, aumentar os poderes das Câmaras dos Deputados e a autonomia do judiciário,
além de garantir a implementação dos direitos de cidadania; e os caramurus, tendo uma
vertente mais conservadora, contrária a qualquer reforma na Constituição de 1824, afirmando
uma monarquia centralizada, chegando existir alguns casos excepcionais de defensores de
uma restauração do absolutismo4. Esse mosaico político perdurou até os anos finais da
regência.
A respeito desse conturbado processo, a historiografia já possui um amplo catálogo de
obras, onde diversos autores abordam a temática através de diferentes olhares. Destacamos
como exemplo uma interpretação mais tradicional, defendida por Raymundo Faoro5.
Segundo ele, durante o processo de consolidação do Estado, o projeto centralizador, que
tomou como base o modelo administrativo português, saiu vencedor, esmagando as forças
locais e provinciais, pois o governo central funcionava como um meio de domínio do
monarca.
José Murilo de Carvalho6 defendeu a mesma tese do centralismo político, afirmando
que a herança burocrática portuguesa concedeu não só as bases para a manutenção da unidade
territorial, mas também para a formação de uma elite política brasileira, responsável pela
condução do processo de construção do Estado. Neste ponto é que podemos perceber as
diferenças entre os dois autores. Na percepção de Faoro, a elite política brasileira era aquela
patrimonialista e detentora do aparato burocrático, enquanto para Carvalho a elite nacional
não funcionava como um estamento controlador da nação, pois era dividida em diversos
setores, porém homogeneizada, atuando a partir da necessidade de manter a unidade interna e
combater o modelo republicano de governo.
A homogeneização desse grupo se deu por sua postura ideológica, adquirida a partir da
socialização entre os membros e do treinamento recebido através da formação em cursos
4 BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840) in: GRINBERG, Keila; SALLES,
Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 2v. 5 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato brasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. 6 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
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superiores na metrópole portuguesa, levando-os a defenderem e viabilizarem uma monarquia
centralizada. Foi justamente por esta elite que as maiores decisões foram tomadas, como a
elaboração da Constituição e sua reforma em 1834, e a criação dos Códigos Liberais.
Baseando-se nisto, o autor fez a sua análise através das relações políticas entre duas esferas de
poder: governo central e governo provincial. A burocracia herdada de Portugal e conduzida
pela elite dirigente conseguiu estabilizar o país através do combate das forças dissidentes, que
ameaçavam a unidade territorial e traziam “para a esfera pública a administração do conflito
privado”. Porém, este arranjo, ao mesmo tempo em que viabilizou a estabilidade política do
Brasil, restringiu a extensão da cidadania, ou seja, o acesso de grande parte da população “ao
conteúdo público do poder”7.
Quanto às semelhanças, tanto Murilo de Carvalho quanto Raymundo Faoro destaca o
papel do governo central nesse processo, diminuindo a participação de setores privados, como
os proprietários de terras e suas famílias.
Contrariando as ideias de José Mutilo de Carvalho, mas continuando na linha do
centralismo político, temos Ilmar Rohloff de Mattos8. Ele discorda que essa homogeneidade
das elites políticas fosse determinante para a construção do Estado brasileiro, pois havia a
tendência do governo central em atender os interesses da “classe senhorial”. Esse processo
esteve associado com a formação de uma classe senhorial e dirigente, formada por
fazendeiros da região do Vale do Paraíba, que tinham seus interesses representados pelo
partido Saquarema.
Dessa forma, esse grupo, ligado ao aparelho do Estado, conseguiu expandir seus
interesses, impondo uma dominação capaz de exercer o direcionamento político, intelectual e
moral do país. Esta estratégia possibilitou a defesa dos seus projetos na esfera pública,
viabilizando a permanência do escravismo e a implementação de um projeto civilizador. Isto
ocorreu a partir da centralização política da Corte, momento conhecido como o regresso
conservador. Porém, o autor reduziu este processo aos saquaremas, em especial aos
cafeicultores fluminenses.
É difícil pensarmos essas transformações políticas, que afetaram de maneira
significativa todas as províncias do Brasil, respaldando-se em apenas uma única região, seja
por meio de uma elite de ideias homogeneizadas, seja por uma classe econômica específica,
pois tornam as demais regiões como meros espectadores passivos. Entendemos que a
proximidade geográfica entre uma região e a Corte, assim como o destaque de uma economia
7 Ibid., 159. 8 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. 5º edição, São Paulo: Editora Hucitec, 2004.
18
no cenário nacional, não são fatores suficientes para esquecermos aquelas províncias mais
distantes do Rio de Janeiro, assim como as elites e os demais setores sociais que ali residiam,
pois estes também eram peças atuantes na dinâmica política que se desenvolveu no século
XIX.
Essa explicação foi assumida por Miriam Dolhnikoff9. Ela entende que as reformas da
década de 1830, em especial o Ato Adicional de 1834, trouxeram mudanças de natureza
federalista. A partir de então, concretizou-se o projeto que há tempos vinha sendo debatido,
pois os setores das elites que estavam preocupados em preservar a sua capacidade de intervir
nos negócios públicos, agora possuíam meios institucionais e legais para fazê-lo, sobretudo
pela existência de uma combinação entre os interesses do governo central e das províncias.
Em sua análise, a autora destaca a importância das elites regionais, tendo em vista que elas
também eram classificadas enquanto elites políticas, mostrando que seus desejos de
autonomia estavam relacionados a um projeto que acomodava as reivindicações das
províncias, de modo que a influência desse grupo foi decisiva no jogo político imperial,
especialmente por garantir a unidade interna do país. Assim, elaborou-se um arranjo
institucional, resultante dos embates e negociações entre várias elites provinciais, a qual
deveria integrar a nova nação com o governo central.
A reforma constitucional foi especialmente importante por consagrar a autonomia das
províncias na gestão dos seus negócios, pois promoveu uma profunda transformação
institucional que permitiu a divisão legal das competências legislativas, tributárias e
coercitivas entre o governo central e os governos das províncias. As elites regionais passaram
a tratar de negócios importantes de sua região, como a cobrança de tributos, a criação de
cargos provinciais e municipais, e o investimento em obras públicas. Mesmo após as reformas
centralizadoras do regresso conservador, este arranjo institucional foi preservado, pois as
medidas implementadas, como a Reforma do Código de Processo Criminal de 1841,
restringiram-se ao sistema judiciário, não alterando questões centrais como o pacto
federalista.
O poder legislativo provincial se tornou o principal objeto de análise de Maria de
Fátima Silva Gouvêa10. Ela advoga que as províncias tiveram um papel fundamental na
formação da monarquia constitucional. Mesmo as Assembleias estando submetidas ao
governo central, através dos presidentes das províncias, os deputados se utilizaram de diversas
9 DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: as origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005. 10 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
19
estratégias que transformaram estas instituições em locais de acomodação dos seus interesses
e de debates políticos em torno da definição do perfil do Estado e da nação.
Andréa Slemian11 parte do pressuposto que os legisladores do império se utilizaram da
valorização do Direito Público para pensar a estrutura jurídica do país, elaborando a
Constituição e as demais legislações que regulariam o aparato burocrático nacional,
assumindo a preocupação de preservar a capacidade do governo central em conduzir o
processo de construção do Estado. Ela não nega que a criação das Assembleias Provinciais
“instituiu definitivamente, na ordem constitucional, um espaço de jurisdição local, com
Executivo e Legislativos próprios”12, mas havia a vinculação destes diversos níveis de poder
com a Corte, pois isto era necessário para preservar a unidade do território. Nas províncias, tal
manobra ocorreu através do fortalecimento do poder executivo provincial, como a base
institucional para o projeto do império, uma vez que a instituição da presidência de província
estava vinculada à necessidade de garantir a separação e o equacionamento de poderes entre o
Executivo e o Legislativo das diferentes regiões do país.
Com essas novas abordagens, percebemos que os grupos provinciais tinham relevância
política suficiente para influenciar no direcionamento do Estado. Além da ocorrência das
chamadas revoltas regenciais que abalaram a tranquilidade pública, havia diversas elites
políticas pelo país que buscavam espaço de representatividade e poder político. Isto
dificultava a própria ação do governo imperial, pois os interesses entre as duas esferas
administrativas poderiam entrar em choque. Para contornar tal situação, o governo central se
utilizou dos presidentes como forma de expandir os seus poderes, a fim de introduzir os seus
projetos nas províncias. Desta forma, diante das preocupações do governo central, esses
governantes atuavam como verdadeiros delegados régios nas províncias.
Tomaremos esses agentes como objetos de análise por entendermos que eles
personificam o governo central, servindo como uma extensão dele. No geral, por serem
indivíduos oriundos de outras regiões, suas atuações se davam em uma configuração social
específica. Precisavam adentrar nas relações de interdependência, pois havia outros postos
políticos na administração provincial e municipal que influenciavam suas atividades. Por isso,
analisaremos também os juízes de paz, que, em especial na Regência, eram vistos como a
expressão máxima da força dos interesses locais no Brasil.
11 SLEMIAN, Andréa. Sob o império das leis: constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1824-
1834). Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2006. 12 Ibid., p. 302.
20
Diferentemente da chegada “glamourosa” do presidente maranhense na descrição de
Francisco Lisboa, o diplomata e dramaturgo Martins Pena nos apresenta um juiz de paz
pitoresco em sua peça teatral:
ESCRIVÃO, lendo - Diz João de Sampaio que, sendo ele “senhor absoluto de um
leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão
furasse a cerca do Sr. Tomás pela parte de trás, e com a sem-ceremônia que tem todo
o porco, fossasse a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. juiz, que o
leitão, carece agora advertir, não tem culpa. porque nunca vi um porco pensar como
um cão, que é outra qualidade de alimária e que pensa às vezes como um homem. Para V. Sa. não pensar que minto, lhe conto uma história: a minha cadela Tróia,
aquela mesma que escapou de morder a V. Sa. naquela noite, depois que lhe dei uma
tunda, nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a respeito de dizer que
o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com o leitão só porque comeu três ou
quatro cabeças de nabo. Assim, peço a V. Sa. que mande entregar-me o leitão.
Espero receber mercê.” JUIZ - É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz?
TOMÁS - É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.
SAMPAIO - Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem eu lho dei, como
pode ser seu?
TOMÁS - É meu, tenho dito.
SAMPAIO - Pois não é, não senhor. (Agarram ambos no leitão e puxam, cada um
para sua banda.) JUIZ, levantando-se - Larguem o pobre animal, não o matem!
TOMÁS - Deixe-me, senhor!
JUIZ - Sr. Escrivão, chame o meirinho. (Os dois apartam-se) Espere. Sr. Escrivão,
não é preciso. (Assenta-se.) Meus senhores, só vejo um modo de conciliar esta
contenda, que é darem os senhores este leitão de presente a alguma pessoa. Não digo
com isso que mo dêem.
TOMÁS - Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Senhoria para lhe
oferecer.
JUIZ - Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não gosta de demandas.
E que diz o Sr. Sampaio?
SAMPAIO - Vou a respeito de dizer que se Vossa Senhoria aceita, fico contente. JUIZ - Muito obrigado, muito obrigado! Faça o favor de deixar ver. Ó homem, está
gordo, tem toucinho de quatro dedos! Com efeito! Ora. Sr. Tomás, eu que gosto
tanto de porco com ervilha!
TOMÁS - Se Vossa Senhoria quer, posso mandar algumas.
JUIZ - Faz-me muito favor. Tome o leitão e bote no chiqueiro quando passar. Sabe
aonde é?
TOMÁS - Tomando o leitão - Sim senhor.
JUIZ - Podem se retirar, estão conciliados.
[...]
JUIZ - O certo é que é bem bom ser juiz de paz cá pela roça. De vez em quando
temos nossos presentes de galinhas, bananas, ovos, etc., etc.13
Utilizando-se da sátira e da comédia de costumes, Pena esboçou de forma exagerada
os traços que caracterizariam os juízes de paz no Império. Esses magistrados se destacavam
diante da população pobre das vilas, sendo responsáveis pelas conciliações e por trazerem a
justiça para a sociedade, mas estavam também suscetíveis a barganharem com as partes
envolvidas as suas decisões nos processos. Esta representação não foi uma exclusividade do
escritor, pois outras autoridades públicas que dividiam espaço na administração com esses
13 PENA, Martins. O juiz de paz da roça. São Paulo: Martin Claret, 2004.
21
juízes também os viam dessa forma. Em nosso entendimento, isto se deu por conta do
acúmulo de poderes políticos adquiridos na década de 1830, o que, independentemente do
modo de condução das suas atribuições, incomodava outros polos de poder.
Trazendo essa questão para o período regencial, momento em que houve o chamado
“avanço liberal” e a ampliação dos espaços de poder das elites políticas que se encontravam
nas províncias, os juízes de paz ganharam relevância no cenário político por terem adquirido
um grande número de atribuições, indo além daquelas destinadas à conciliação, previstas na
Constituição de 1824. A Lei de 15 de outubro de 1827, quando o cargo foi criado, direcionou
o poder de julgar pequenas demandas para estes agentes, além de vigiar/fiscalizar a população
dos distritos. Mas, foi a partir do Código do Processo Criminal de Primeira Instância, de
1832, que esses magistrados se tornaram os agentes públicos com maiores poderes na esfera
paroquial, o que, segundo os seus críticos, abriu espaço para uma atuação arbitrária e
ineficiente.
Além disso, a regência foi marcada por tensões sociais que, muitas vezes, resultaram
em manifestações violentas. Diversos protestos e revoltas eclodiram em todo o país, como a
Cabanagem, a Farroupilha e a Balaiada, ameaçando não somente a ordem pública, mas a
estabilidade do Império. Dessa forma, a adequação da população mais simples e pobre a uma
ordem constitucional, moral e civilizada, se tornou uma necessidade na agenda política do
governo central e, consequentemente, dos presidentes. Para tal empreitada eram destinadas
políticas voltadas tanto para o disciplinamento quanto para a coerção e repressão desta
população desajustada.
É diante de tal contexto que o nosso trabalho insere a seguinte problemática: entender
os conflitos políticos que envolviam os presidentes e os juízes de paz, uma vez que os
governantes, defendendo o processo de modernização do Estado nacional, lançavam críticas à
magistratura de paz, pois era através da mediação desses “juízes policiais” que o seu poder de
controlar a massa desordeira poderia ser efetivado nos distritos.
Portanto, nosso objetivo geral é entender como se deu a interação entre o executivo
provincial e o judiciário distrital no Maranhão, no contexto da consolidação do Estado
nacional. Para chegarmos à compreensão acerca desta interação, buscamos responder às
seguintes questões norteadoras: Como os presidentes de província e os juízes de paz se
inseriam no processo de modernização política brasileira? O que cada agente demandava um
do outro nos momentos do exercício de suas atribuições? Qual o sentido das críticas dos
governantes sobre a magistratura de paz? Quais as propostas feitas pelo executivo provincial
22
para a Assembleia Provincial, a fim de superar o suposto “atraso” causado pelos magistrados
leigos na administração da justiça maranhense?
O trabalho se sustentou na hipótese de que essas críticas não se restringiam
simplesmente à capacidade dos magistrados em pôr em prática as suas atribuições legais, mas
também no conflito de poderes entre os dois níveis administrativos e na tendência do governo
central, após o Ato Adicional, de restringir a autonomia municipal, vinculando-a ao executivo
provincial.
A periodização do trabalho tomou o ano de 1827 como ponto de partida, pois foi
quando o governo central oficializou a criação da Justiça de Paz. Percorreremos então o
período regencial, momento de conquistas liberais e de cunho descentralizador, quando foram
aprovadas novas leis, em especial o Código do Processo de 1832, conferindo não só uma nova
dinâmica ao sistema judiciário, mas também estabelecendo os magistrados distritais enquanto
maiores autoridades em suas jurisdições. Além disso, atentaremos para a criação da
Assembleia Provincial do Maranhão com o Ato Adicional de 1834 e a regulamentação das
atribuições dos presidentes de província. Nesta instituição eram tratados assuntos importantes,
como: educação pública, orçamentos municipais e provinciais, culto religioso, tranquilidade
pública e a própria administração da justiça. Através dos relatórios apresentados aos
deputados provinciais, os presidentes identificavam a situação da província, propondo
mudanças de ordem material, moral e institucional. As mudanças de ordem material
relacionavam-se à melhoria do aspecto físico das cidades e à estruturação dos setores
produtivos; as de ordem moral eram expressas por um discurso que tinha como finalidade
provocar modificações na maneira de pensar e agir para construir um (novo) meio social; e as
institucionais se destinaram ao aperfeiçoamento de determinados órgãos ou cargos
específicos, através da elaboração de novas leis que conferissem melhores métodos de
fiscalização, uma nova redistribuição de funções ou a criação de novos agentes, a fim de
impor uma maior eficácia e agilidade para determinado ramo da administração pública.
Decidimos colocar o ano de 1841 como marco final da nossa periodização por causa da
aprovação da Reforma do Código do Processo Criminal, quando a Corte brasileira centralizou
o aparato judicial, transferindo as funções policiais do juizado de paz para autoridades
representantes do poder executivo provincial.
Escolhemos o Maranhão como delimitação espacial por causa da documentação
trabalhada e pela ocorrência da Balaiada, movimento considerado anárquico pelas
autoridades, que abalou a tranquilidade pública, o funcionamento das instituições e também a
própria legitimidade do Estado. Isto fez com que os presidentes tivessem uma maior atenção
23
com os cargos e instituições voltadas para o controle social das camadas mais baixas (em
especial os pobres livres), sendo uma delas o próprio juizado de paz.
Quanto às fontes, trabalhamos com a “Coleção das leis do Império do Brasil”,
disponíveis no site do Senado Brasileiro; com os “Relatórios dos Presidentes de Província”;
os “Índices dos Anais da Assembleia Provincial”; as “Coleções de Leis e Regulamentos da
província do Maranhão”; os “Livros de Registros e Correspondências dos Presidentes de
Província com os Magistrados”; e os “Ofícios dos juízes de paz e dos prefeitos para os
presidentes” que se encontram no APEM.
A Constituição de 1824 foi importante no nosso estudo, pois, a partir dela, foi
delineado o arcabouço institucional assumido pelo Império, possibilitando-nos perceber as
especificidades adquiridas pelo Estado que estava se constituindo. As demais leis, decretos
oficiais e códigos aprovados até 1841 viabilizaram a captação do sentido em que se deu o
processo de modernização no país, como meio de aperfeiçoar a administração pública e de
fazer concessões e reajustes políticos. A Carta de 1823, o Ato Adicional e a Lei de 3 de
outubro de 1834 foram utilizadas para entender o desenvolvimento do cargo de presidente de
província, atentando para as suas funções diante dos poderes provinciais. A respeito do
juizado de paz, privilegiamos a Carta Constitucional, a lei 15 de outubro de 1827, a de 1º de
outubro de 1828, o Código do Processo Criminal e a sua reforma em 1841, pois o cruzamento
desses documentos possibilitou o entendimento das suas atribuições adquiridas na “década
liberal” e suas implicações.
As atas do Conselho Presidial expõem o que foram debatidos nas sessões comandadas
pelos governantes. Os livros de registros e correspondências dos presidentes de província com
os magistrados são compostos pelos ofícios expedidos pelos governantes, que serviam de
diálogo com diversas autoridades do aparato judiciário, em especial o juiz de paz, servindo
ainda como meio para os presidentes cobrarem alguma ação dos magistrados em suas
jurisdições. Quanto aos ofícios dos juízes de paz, estes eram escritos e enviados por estas
autoridades, servindo também como meio para demandarem ações específicas do poder
executivo provincial, além de informarem a situação de determinada região, transmitirem
mapas estatísticos, entre outros. A partir desses materiais, podemos compreender o que os
presidentes exigiam dos magistrados e vice-versa, assim como perceber a falta de estrutura da
província no fornecimento das bases para o policiamento dos distritos, que interferia
diretamente na atuação desses juízes, na importância desse cargo para a população enquanto
canal de representação política e em alguns conflitos de poderes entre diferentes cargos.
24
Os relatórios dos presidentes são sínteses de outros relatórios, mapas estatísticos,
ofícios e demais escritos oficiais que chegavam à Secretaria de Governo, oriundos de diversas
instituições e autoridades atuantes, nos quais os governantes escolhiam as temáticas que
consideravam mais relevantes para serem abordadas durante a abertura das sessões da
Assembleia Provincial. Na nossa pesquisa, eles foram fundamentais para identificarmos as
representações e críticas lançadas sobre a magistratura de paz e as suas visões sobre a
sociedade maranhense durante os anos de 1836 (quando foi apresentado o primeiro relatório
aos deputados da província) a 1841. Estas fontes foram analisadas junto com as anteriores, o
que nos possibilitou problematizar as representações dos presidentes sobre os magistrados de
paz.
Utilizamos outros instrumentos também para embasar algumas ideias trabalhadas no
texto, como os índices dos anais da Assembleia Provincial e as Coleções de Leis e
Regulamentos da Província do Maranhão. O primeiro é um documento que, de maneira
sintética, organizava por ordem alfabética os assuntos tratados pelos deputados maranhenses
nas sessões, como obras públicas e comércio. Nele identificamos a opinião resumida de
alguns legisladores acerca da justiça de paz e das divisões judiciárias. O segundo contém as
leis elaboradas pelos deputados e aprovadas pelos presidentes, em sessão da Assembleia, no
qual destacamos a lei das prefeituras, a fim de entendermos a centralização do aparato policial
pelo executivo provincial.
No primeiro capítulo tratamos do desenvolvimento do Estado imperial brasileiro e de
como os presidentes de província se inseriam no mesmo, diante da necessidade de preservar a
ordem social e promover a modernização política. Aqui procuramos expor a estrutura
adquirida pelo Estado, dentro do contexto de reivindicações das elites das províncias e da
população mais pobre, por espaço de representações políticas. Destacamos a influência da
importação de ideias, tais como o constitucionalismo e o liberalismo, em especial após a
Revolução Vintista, que mexeram com o cotidiano político da então colônia portuguesa,
levando não só ao movimento de independência, mas à abertura de uma Assembleia
Constituinte e outorga da Constituição, ambas trazendo em seu bojo as necessidades de dar
forma a um Estado centralizado e, ao mesmo tempo, que atendesse as diversas demandas
sociais.
Essa análise foi feita em torno da noção de modernização política, de Gianfranco
Pasquino, que afirma que nesse momento as mudanças operadas pelo governo buscavam não
só a implementação de ideias que afetassem a esfera política, econômica e social, mas
25
também que aumentassem a capacidade do governo de exercer sua autoridade no território
que lhe competia.
No outro momento, analisamos especificamente os presidentes de província,
destacando o seu papel nesse novo contexto político produzido, considerando-os enquanto
agentes régios que assumiam um discurso de defesa do Estado, assim como indivíduos
públicos que estavam inseridos em uma cultura política específica. Finalizamos o capítulo
abordando as características de ocupação do cargo, dentro de uma cultura política de
valorização do bacharelismo.
No segundo capítulo tratamos da instituição da Justiça de Paz e como esta instituição
estava presente no desenvolvimento do Estado moderno. Iniciamos com a abordagem da
magistratura de paz na historiografia para termos uma noção prévia dos enfoques dados sobre
o cargo; em seguida, fazemos um panorama do sistema judiciário brasileiro nos tempos
coloniais, compreendendo as suas inadequações dentro da nova ordem imperial;
posteriormente, analisamos especificamente a magistratura de paz, trazendo como fontes as
Leis que tratavam do poder judiciário e, em especial, aquelas que previam, criavam e
regulavam o cargo; por fim, para encerrar o capítulo, abordamos a experiência da magistratura
leiga no Maranhão em seus primeiros anos de atividade.
No último capítulo trabalhamos a proposta central da pesquisa, que é a interação entre
os presidentes da província e os juízes de paz. Trouxemos para a nossa análise o que Pasquino
chamou de crise de integração e penetração, fenômenos ocorridos em alguns Estados, onde o
poder do governo encontrava obstáculos e não conseguia estar presente em diversos setores
sociais. Esta percepção é valiosa para o nosso contexto, pois foi quando se ressaltou uma
maior preocupação das autoridades em controlar a população mais simples, sobretudo por
considerá-la como um inimigo em potencial da ordem pública, já que na época houve a
eclosão de diversos movimentos sociais pelo país, como a Balaiada.
Para compreender tais questões, lançamos mão dos relatórios dos presidentes para
identificarmos como a sociedade maranhense foi representada e quais as políticas públicas
direcionadas para adequar esta camada desajustada aos padrões de civilidade, moralidade e
ordem. A partir disso, por ficar evidente a tendência de controlar a sociedade pelos meios
coercitivos, os juízes de paz tiveram um papel importante na concretização dos projetos dos
presidentes, pois eram através destes magistrados, responsáveis pela vigilância e policiamento
dos distritos, que os poderes dos governantes chegavam às mais diversas regiões.
Demos ainda enfoque para as dificuldades e embaraços enfrentados pelos magistrados
no exercício de suas funções, às representações feitas pelos presidentes sobre os magistrados e
26
às propostas para uma melhoria da administração da justiça, como a transferência das
atribuições policiais dos juízes para os prefeitos e subprefeitos, medidas consideradas
necessárias para viabilizar um controle social mais eficiente. Para finalizar, analisamos a
experiência das prefeituras na província, fazendo um comparativo com as atividades
empreendidas pelos antigos juízes policiais.
A ideia deste trabalho surgiu a partir de adequações necessárias feitas no projeto
inicial de mestrado. Já nos tempos de graduação, a política imperial, os debates sobre a
construção do Estado nacional e, mais especificamente, a atuação dos presidentes nas
províncias eram temas que despertaram não só a minha atenção, mas a curiosidade necessária
para me fazer mergulhar nas pesquisas sobre este universo. Para mim, é interessante estudar a
atuação de um agente do governo central dentro de um espaço social e político, muitas vezes
estranho a quem ocupava o cargo, pois existam ali configurações sociais específicas e elites
políticas que rivalizavam pelo espaço de poder. Por isso, no trabalho monográfico, propus-me
analisar as representações dos presidentes sobre a população pobre e livre do Maranhão, e as
sugestões feitas por eles aos deputados da província, a fim de controlar, disciplinar e civilizar
essa população desclassificada. Utilizei, então, as falas, relatórios e discursos dos presidentes.
Essa documentação tinha me chamado a atenção pelo modo como os governantes
tratavam os juízes de paz, abordando-os geralmente de forma depreciativa, como pontos de
atraso da justiça maranhense. Sem conhecer muito os embates e as polêmicas que envolviam
esses magistrados, deixei-os de lado e elaborei o projeto de seleção de mestrado com o
objetivo de compreender as relações entre os presidentes e os deputados maranhenses, assim
como as possíveis práticas clientelísticas as quais os governantes se envolviam, a fim de
desenvolver o seu papel institucional e promover sua carreira política. Mas, por conta de uma
imaturidade teórica, o tema se mostrou amplo demais e as fontes eram inviáveis para
responder às questões propostas. Assim, com o decorrer do curso, fiz novas leituras, tive
acesso a fontes alternativas e pude debater o projeto diversas vezes com o meu orientador,
César Castro, tanto nas disciplinas quanto no grupo de estudo coordenado pela professora
Regina Faria.
A partir disso, o projeto ganhou uma nova estrutura, tomando como base a relação
entre o chefe do executivo provincial e os juízes distritais. Esta adequação demandou um
estudo aprofundado sobre um agente que, até então, eu não tinha familiaridade, mas que se
tornou extremamente interessante e cada vez mais revelador sobre como se deu o conturbado
processo de construção e consolidação do Estado brasileiro. Assim, o trabalho ganhou a forma
que vos apresento nas páginas seguintes, com a expectativa de que ele contribua para o
27
avanço das pesquisas em torno da história política e para uma melhor compreensão dos
embates relacionados à construção do Estado, assim como dos agentes públicos envolvidos na
temática.
28
CAPÍTULO 1 – A PRESIDÊNCIA DE PROVÍNCIA NO CONTEXTO DE
CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL
No tópico “tranquilidade pública”, presente no relatório elaborado aos deputados do
Maranhão, o presidente da província Jeronimo Martiniano de Mello apontava a seguinte
situação:
A desastrosa guerra civil, que por mais de dois anos, assolou esta bela Província,
diminuiu-lhe a riqueza, paralisou-lhe a indústria, abriu-lhe feridas que ainda
infelizmente sangram, afrouxou-lhe os laços de obediência e respeito às leis, e às Autoridades, e por tal forma desmontou a máquina social, que só o tempo por um
lado, e por outro a energia e bom senso das autoridades, e o patriotismo de todos os
Cidadãos honestos, podem remediar os estragos, que essa guerra causou14.
A guerra civil, a qual o presidente se refere, é o movimento que ficou conhecido como
a Balaiada. Nestas palavras, escritas três anos após o término da rebelião, encontramos as
marcas de um acontecimento que se enraizou no discurso político do período como um
espectro que assombrava os esforços de preservação da tranquilidade pública e o
estabelecimento de uma ordem civilizada, através do funcionamento ágil e eficiente das
instituições públicas da época. Os motivos estavam relacionados não somente à natureza
violenta assumida pelos membros envolvidos, mas também ao questionamento da própria
legitimidade do Estado, que estava em processo de consolidação, e de rompimento com os
ideais de cidadãos defendidos pelos administradores do Império – pessoas ordeiras e
seguidoras das leis que lhes eram impostas.
A Balaiada ocorreu no período Regencial, momento em que houve não só um vácuo
no trono da Corte do Rio de Janeiro, mas também a ocorrência de várias deflagrações sociais
em diferentes regiões, como, por exemplo, a Cabanagem no Pará e a Sabinada na Bahia. Este
contexto fez com que a historiografia considerasse a Regência como um dos períodos mais
conturbados do Império. Porém, tal percepção se torna incompleta se observarmos apenas
pelo prisma dessas rebeliões, pois houve interesse das elites políticas do país, que enxergavam
na abdicação de Dom Pedro I uma oportunidade de angariar maior autonomia e poder em
relação ao governo central.
Na década de 1820, em meio a um cenário de difusão de preceitos constitucionalistas e
liberais, já havia discussões sobre qual configuração administrativa serviria de base para o
14 MARANHÃO. Relatório que à Assembleia Legislativa da província do Maranhão appresentou o exm.
Presidente da mesma província, Jeronimo Martiniano de Mello, na sessão de 3 de maio de 1843. Maranhão,
na Typographia de I. J. Ferreira, 1843, p. 3.
29
governo imperial, o qual deveria ser capaz de viabilizar não só a unidade nacional e a
civilização no país, mas também o atendimento das demandas políticas das diversas regiões.
Nas sessões da Assembleia Constituinte, por exemplo, havia a participação de deputados que
representavam suas províncias, proferindo em seus discursos a crença de que o Estado era o
único capaz de garantir e manter o ordenamento social, através do monopólio da violência
física em nome do “interesse coletivo”. Além disso, eles tratavam sobre a organização
administrativa das Províncias, propondo modelos que abrissem espaços de atuação mais
independentes em relação ao governo central, refletindo assim a heterogeneidade de
interesses, em especial das elites políticas assentadas nas províncias (elites regionais e elites
locais15).
Já nas sessões da Assembleia Constituinte de 1823, o governo central incorporou
essas questões, elaborando diversas legislações e decretos, com o objetivo de garantir não só a
expansão do seu poder e moldar a sociedade brasileira dentro de uma nova ordem política,
mas também de atender as diversas demandas daquele momento, evitando assim possíveis
forças centrífugas que ameaçassem a unidade interna e a ação do governo central nas
províncias.
Ao considerar esses fatos, podemos afirmar que a constituição do país, enquanto
Estado nacional, não foi um processo que se tornou pronto e acabado com a sua emancipação
política em 1822 e nem com a elaboração da Carta Constitucional de 1824. O governo central
se encontrava na difícil tarefa de manter a integridade territorial, ao mesmo tempo em que
garantia o espaço de representatividade política dos diversos setores da sociedade e a ordem
social. Para tais necessidades, uma de suas estratégias foi a criação do cargo de presidente de
província, um agente do governo central que assumia não só o discurso de defesa do Estado,
15 A ideia de “elites” que utilizaremos durante este trabalho é aquela apresentada por Norberto Bobbio, a qual
está relacionada aos grupos minoritários existentes em cada sociedade, compostos por pessoas detentoras de
poder em detrimento de uma maioria. Este poder se traduz na capacidade de tomar decisões válidas não apenas
para os seus grupos, mas também para toda a sociedade a qual pertence. Outro ponto importante destacado pelo
filósofo é a impossibilidade de se trabalhar com a noção de “elite” no singular, pois existem vários níveis de
poder coexistindo, cada qual com suas próprias elites e tendo como principal característica a aquisição do poder político em sua área de atuação. Como exemplo, levaremos em consideração a existência de três “grupos” de
elites que atuavam em esferas administrativas específicas: as locais (que tinham seus poderes legais restritos ao
âmbito municipal ou paroquial), as regionais (aquelas que tinham suas competências em nível provincial) e as
nacionais (que estavam alocadas nas instituições da Corte do Rio de Janeiro, como o Senado e a Câmara dos
Deputados; tomavam decisões válidas para todo o território brasileiro). Bobbio aponta também que, no caso das
sociedades modernas, esses poderes são legalmente válidos, pois seguem o princípio constitucional, ou seja, eles
podem ser adquiridos com a participação de indivíduos em instituições específicas (como as câmaras municipais,
juizado de paz, Assembleia Provincial e presidência de província), que são regidas por leis e regulamentos
próprios (BOBBIO, 2010).
30
mas também as ações de um “delegado régio”16, fiscalizando as diversas instituições,
autoridades públicas e sociedade da região em que atuava, e fazendo propostas de medidas
políticas específicas que garantissem o “progresso da província e da nação”.
Neste capítulo trataremos do processo de modernização política do Brasil nas décadas
de 1820 e 1830, para então entendermos como os governantes da província se inseriam neste
cenário. Partiremos com a contextualização do período, atentando para os embates políticos
acerca do modelo administrativo que o Estado assumiria (centralizado ou descentralizado) e
para as transformações pelas quais as legislações e as instituições passaram, além das
características consolidadas após o regresso conservador, destacando tanto o alargamento do
poder do Estado na vida social das pessoas, quanto a alocação das elites políticas residentes
nas províncias em diversas instituições públicas. Posteriormente, analisaremos a criação da
presidência de província para compreendermos o seu papel institucional, o modelo
administrativo em que esse cargo se desenvolveu e a relação que assumia com outras
autoridades e instituições das províncias.
Para fazermos tais considerações, lançaremos mão da noção de “modernização
política”, de Gianfranco Pasquino, que é definida como um conjunto de mudanças operadas
nas esferas política, econômica e social, caracterizando os dois últimos séculos. Praticamente,
a data do início desse processo poderia ser colocada na Revolução Francesa de 1789 e na
quase contemporânea Revolução Industrial Inglesa, provocando uma série de mudanças de
grande alcance na esfera política e econômica. No que se referem à atuação do governo, as
mudanças ocorriam quando se verificava um aumento da capacidade das autoridades em
dirigir os negócios públicos, controlar as tensões sociais e enfrentar as exigências dos
membros do sistema. Isto se desenvolvia através de um processo amplo, complexo e difuso,
que organizava a administração pública e buscava o ordenamento da vida social. Ao se referir
à população, o autor aponta que essa modernização ocorria quando havia uma passagem da
condição generalizada de súditos para cidadãos, implicando na adesão destes ao princípio de
igualdade e por uma maior aceitação do valor das leis a serem seguidas. Assim, destacamos
que no Estado imperial brasileiro, os presidentes de província tinham competências
legalmente adquiridas, legitimadas por um aparato burocrático, de forma a garantir a ordem
social de uma população17.
16 SLEMIAN, Andréa. “Delegados do chefe da nação”: a função dos presidentes de província na formação do
Império do Brasil. Disponível em: http://www.almanack.usp.br/PDFS/6/06_artigo-01.pdf. Acesso em 10 de jun.
2013. 17 PASQUINO, Gianfranco. Modernização. In: BOBBIO, Noberto (org) et all. Dicionário de política. Vol. 1, 11
ed. Brasília: Editora Unb, 2010. P 768.
31
1.1 O desenvolvimento do Estado brasileiro: modernização política e disputas por
espaços de poder
Analisando as primeiras décadas do período oitocentista, podemos identificar um
cenário político brasileiro que já sinalizava o desgaste do modelo absolutista. A vinda da
Família Real, a ruptura com o pacto colonial, a Revolução Vintista em Portugal e a difusão
dos preceitos liberais e constitucionalistas são alguns exemplos de acontecimentos que foram
sentidos e apropriados por diversos grupos sociais, transformando a população em
verdadeiros agentes públicos de poder18. Estes acontecimentos resultaram na intensificação
dos debates políticos, que tinham como foco a defesa da representatividade política dos
diversos grupos sociais.
Isso ameaçava a estrutura administrativa da colônia portuguesa (que inviabilizava não
só a unidade territorial, mas também dificultava a centralidade política) e acalentava o clima
de ruptura com a então metrópole, através de movimentos de contestação do domínio de um
sobre o outro e da Independência política do Brasil (pois vários governos das
capitanias/províncias queriam manter seus privilégios, buscando formas de canalizar os seus
interesses). Tal clima de conturbação política demonstrava que o modelo de Estado que se
ancorava nos fundamentos do Antigo Regime não se sustentava mais, dando espaço à
instauração de uma nova estrutura, respaldada nos regimes adotados nas sociedades modernas
e amparada por uma Constituição própria que, ao conferir a legitimidade a este Estado,
deveria abarcar os anseios políticos das diferentes demandas sociais existentes no país, além
de garantir mecanismos legais de controle social que permitissem a preservação da
tranquilidade pública, evitando a possível fragmentação territorial.
A preocupação com tal fragmentação ganhou maior relevância na agenda política de
Portugal e do Brasil, especialmente após os fatos ocorridos em uma realidade muito próxima
ao território da América portuguesa: os movimentos de emancipação política das colônias
espanholas, que resultaram não apenas nos seus sucessos, rompendo com o regime
absolutista, mas também na formação de diversos Estados independentes. A possibilidade de
um desmembramento do Brasil passou a preocupar a Corte Portuguesa, que pretendia manter
seu império luso-americano, assim como as elites políticas residentes nas províncias, que já
possuíam suas bases sólidas de dominação nas antigas características coloniais e nas relações
comerciais com Portugal, e que buscavam manter seus privilégios.
18 GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal (org.); PRADO, Maria Emília (org.). O liberalismo no Brasil
imperial: origens, conceitos e práticas. Rio de Janeiro: Ed. Revan: UERJ, 2001.
32
Entendemos então que o desgarramento do Antigo Regime e do absolutismo foi fruto
da modernidade política19, a qual buscava a criação de uma estrutura administrativa mais
eficiente, que possibilitasse a expansão do poder do Estado aos diferentes sujeitos que ali
viviam, através da formação de uma estrutura administrativa homogênea coesa e com uma
cadeia de poderes hierárquicos bem definidos.
Antes, a sociedade era pensada como um grande corpo com diferentes órgãos e
funções distintas, sem uniformidade nos seus procedimentos, cada um possuindo seus direitos
e deveres específicos, privilégios e leis próprias, as quais definiam sua posição em relação aos
outros e ao Estado. A partir do novo ideário, desenvolveu-se uma nova percepção de homem,
de sociedade e de política. Este homem deixou de ser um sujeito coletivo para ser um sujeito
individual, que não se via mais inserido nos padrões de sociedade estamental, mas sim nas
sociedades contratuais, onde a soberania para conduzi-la pertencia ao povo que se expressava
pelos seus representantes, escolhidos por um sistema de competição20. Neste modelo de
Estado moderno, os indivíduos que ali se encontravam, além de legitimá-lo, eram por ele
regidos através de leis e regulamentos que seguiam o princípio de “trazer o bem-estar
coletivo”.
Somamos a essas transformações a concepção de que a administração moderna
deveria ser amparada em uma burocracia legal, racional e ágil, opondo-se ao modelo
corporativista característico das sociedades absolutistas. A visão de que o rei era quem
conservava a ordem social passou a dar espaço para a intervenção de instituições criadas e
organizadas de modo racional e que garantissem a expansão do poder do Estado nas
diferentes esferas da sociedade, em prol da manutenção da ordem. Para compreendermos o
que seria esta burocratização e a concepção de Estado moderno – que o Brasil se esforçou
para implantar –, lançamos mão de algumas concepções weberianas.
Max Weber nos mostra que o Estado moderno é aquele que tem o monopólio do uso
legítimo da força física, mas que só pode ser utilizado através da aceitação por parte dos
19 Analisando o contexto de independência da América Espanhola, Xavier Guerra fala que o mundo hispânico
passou por uma modernidade política também. Esta modernidade se deu pela ruptura com o Antigo Regime,
permitindo a realização de novas formas de representatividade política e pela criação de inesperadas experiências
vivenciadas pelos homens daquele tempo, construindo novos conceitos, palavras e projetos para o Estado, o qual era calcado na representatividade política popular. Nele, o soberano não é quem lhe dava legitimidade, mas sim a
população, através da escolha de seus representantes (GUERRA, 1992, apud. MÄDER, 2014). 20 É interessante destacar a percepção de absolutismo de Pierangelo Schiera, segundo o qual neste regime
político as autoridades não são soberanas, sem limites de poder ou de atribuições, assim como não é um Estado
juridicamente concretizado, que através deste atua sem limites. O absolutismo se diferencia de forma clara da
tirania, pois o governo possuir limitações, que podem ser de diversas naturezas, como uma lei natural ou divina,
e as leis do seu reino. Assim, elas teriam limites demarcados, especialmente por crenças e valores. O autor
conclui afirmando que, em muitos casos ocidentais, o absolutismo foi uma primeira etapa do Estado Nacional
Moderno, pois contribuiu fundamentalmente para a secularização e racionalização do poder (SCHIERA, 2010).
33
dominados. Esta dominação pode se dar por três meios: a tradicional, a carismática e a
dominação em virtude da legalidade. O tipo que prevaleceu no Brasil do século XIX foi esta
última, na qual a legitimidade partia “da fé na validade do estatuto legal e da ‘competência’
funcional, baseada em regras racionalmente criadas”21. Então tínhamos um Estado que
possuía seus próprios mecanismos de controle social, legitimado pelas leis, que regulavam os
aparelhos burocráticos. Esta burocracia seria uma estrutura administrativa que serviria como o
tipo mais puro da dominação legal22. Para que ela se concretizasse, foi necessária a existência
de regras abstratas, que vinculassem o detentor (ou detentores) do poder, o aparelho
administrativo e os dominados. As ordens passaram a ser legítimas à medida que quem as
emitisse não ultrapassasse a ordem jurídica impessoal da qual recebeu seu poder, assim como
a obediência de outros, que também tinham seus limites fixados por essa ordem jurídica. As
relações de autoridade passaram a ser hierarquizadas, onde cada parte tinha suas competências
definidas legalmente e as relações entre pessoa e cargo deviam estar separadas no sentido de
que os empregados não podiam se apoderar do cargo e nem utilizá-lo com fins distintos
daqueles em que foi configurado23.
Analisando a década de 1820 e a trajetória do Estado brasileiro em seus primeiros anos
de constitucionalidade, Andréa Slemia faz algumas considerações importantes. Ela toma
como hipótese a ideia de que a lei foi apropriada pelos legisladores do império como fonte
principal para a criação das bases jurídicas do Brasil, refletindo na valorização do Direito
Público, que se desdobrava em dois principais ramos: o Administrativo, tomado como um
complexo de leis que demarcaria a ação positiva do governo na vida pública; e o
21 WEBER, Max. A política como vocação. In: _________. Ensaios de sociologia. 5º ed. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1979. p. 98. 22 Id. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2012. 2º Vol. 23 Devemos abrir um parêntese no nosso texto para afirmar que, segundo os estudos feitos por Max Weber, este
seria um “modelo” de Estado moderno ocidental, empreendido por aqueles países que se utilizaram da
dominação legal como base para se constituir. Por isso, não estamos afirmando que no contexto brasileiro isto
transcorreu de forma inalterada e sem desvios. Aqui havia uma configuração social própria e cultura política
específica, com a existência de práticas clientelísticas e patrimonialistas, por exemplo, que subvertiam com esta
lógica weberiana. Imbricada ao Estado, a política é como uma tentativa de participação do poder ou de
influenciá-lo. Nesse sentido, aquele que “pratica” a política clama por poder. Tanto o Estado quanto a política
são formas de dominação de homens sobre homens, porém, para que essa conexão exista, é necessário que os dominados se submetam à autoridade do dominador. Nobert Elias avança em relação a Weber, mas não o anula,
ao defender a ideia de que este monopólio do poder não é efetivo, uma vez que estes indivíduos que teriam tal
monopólio se encontram em uma cadeia de interdependência com outros sujeitos “menores” (ELIAS, 1990). O
Estado não é uma imposição de uma classe ou grupo, que possui o controle das decisões, mas é fruto de embates
entre diferentes interesses diante de uma configuração histórica específica. Sendo assim, o governo imperial e
seus representantes não podem ser vistos como uma mão controladora de indivíduos passivos, mas que as suas
ações estão relacionadas com outros sujeitos, refletindo a inter-relação entre estrutura e indivíduos. Por isso, nos
próximos capítulos desta dissertação analisaremos a relação conflituosa entre a presidência de província e o
juizado de paz.
34
Constitucionalismo, que foi incorporado enquanto “direito fundamental” do cidadão. A ação
do Estado sobre os cidadãos foi vista como um meio de prover as necessidades coletivas,
onde as resoluções das questões debatidas entre os agentes públicos não visariam conquistas
de benefícios particulares, mas o atendimento dos “interesses gerais”.
Em um ambiente conturbado como as primeiras décadas do Brasil independente, “o
funcionamento das instituições políticas reforçaria a crença coeva de que o ordenamento geral
da sociedade poderia, de fato, ser mediado pelo poder público”. A organização jurídica
tomava como base a noção do uso permanente da violência como meio necessário para
“controlar os focos de dissidência e garantir a estabilidade do Império”24. Isso levou os
legisladores do novo Estado a assumirem uma postura de valorização das instituições como
justificativa para transformar a ordem vigente, através de medidas que colocassem em prática
um processo de modernização política que possibilitasse a instauração de um novo
ordenamento administrativo, reformulando aquele modelo pelo qual se baseava a colônia
portuguesa.
Mas, durante as décadas de 1820 e 1830, essa modernização no Brasil aconteceu em
conjunto com os anseios das elites políticas das províncias, que tendiam a ampliar os seus
espaços de poder na nova ordem estatal que se desenhava, havendo momentos de maior
centralização política em torno do governo central e outros em que as províncias detinham
maior autonomia para gerirem seus negócios. Para entendermos tal afirmação, devemos
analisar o contexto que precedeu a Constituição de 1824, para então abordarmos a
organização administrativa instituída pela mesma e os futuros acréscimos e modificações
feitas à Carta Constitucional.
1.1.1 As influências da Revolução Vintista na administração brasileira e a importação do
ideal constitucionalista.
No início do século XIX, a América portuguesa estava profundamente marcada pelas
estruturas do Antigo Regime, existindo um verdadeiro mosaico de atribuições e poderes entre
os diversos órgãos administrativos, que geralmente se entrelaçavam e se confundiam25. Estes
poderes se distribuíam em três níveis principais: os vice-reis, os governadores gerais das
capitanias e as Câmaras Municipais. Este modelo de administração abria margem para o
24 SLEMIAN, 2006, p. 31. 25 NEVES, Lúcia Maria Bastos P. Estado e política na independência. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo
(orgs.). O Brasil Imperial: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 1v, p. 96-135.
35
fortalecimento das elites econômicas e políticas locais, resultando no que Maria Isaura Pereira
de Queiroz26 chamou de “mandonismo local”. Raymundo Faoro afirma que o esquema
verticalizado da administração colonial, organizado em uma ordem ascendente de poder
(autoridades municipais, os capitães, governadores-gerais e rei), embora apresentasse uma
linha simples hierárquica de poder, “dissimulada e complexa”, era “confuso e tumultuaria a
realidade”27.
O período colonial também foi bastante influenciado pela economia essencialmente
agrária e escravocrata, que somadas com as políticas de doação de terras pela metrópole para
grupos de investidores, favoreceram o surgimento de “verdadeiros chefes locais”28. Estes, por
sua vez, utilizavam-se do seu poder de mando em sua localidade para introduzir
representantes na estrutura administrativa vigente (seja apoiando-os nas eleições de familiares
e apadrinhados ou tecendo redes de sociabilidades com as elites políticas já constituídas),
principalmente nas Câmaras Municipais – que, diferentemente do Império, neste momento
elas tinham grandes poderes de interferência nos negócios públicos.
As Câmaras só existiam nas localidades que possuíam categoria de “Vila”, concedida
por ato régio. A sua estrutura foi transplantada do modelo português, quando primeiramente
era orientada pelas Ordenações Manuelinas e, mais tarde, pelas Ordenações Filipinas. A
composição das Câmaras era feita pelos juízes ordinários (ou juízes de fora, se houvesse), três
vereadores e outros postos (como procuradores, tesoureiros e escrivães), sendo que todos
estes funcionários eram investidos por eleição. Eles tinham poderes de nomear outros
funcionários públicos, como os juízes de vintena, almotacés, depositários, quadrilheiros e
outros29.
Os cargos oficiais, em especial os vereadores e juízes, tinham suas atribuições de
ordem local, que se misturavam e se confundiam com as de natureza executiva, legislativa e
judiciária, ou seja, não havia uma separação bem definida entre os poderes. As Câmaras
exerciam atribuições normativas, como a elaboração de posturas e editais, a fim de controle
social, e o tratamento das benfeitorias locais (como construções de calçadas, pontes e outras
obras públicas). Para tais tarefas, as Câmaras tinham rendas próprias ou recorriam para
contribuições especiais destinadas a obras determinadas30.
26 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. 1º ed.
São Paulo: Editora Alfa-Ômega. 1976. 27 FAORO, 2001. 28 QUEIROZ, 1976, p. 39. 29 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 5º ed.
São Paulo: Editora Alfa-Ômega. 1986. 30 Ibid.
36
A capacidade de interferência nos assuntos do Estado era tão expressiva que chegavam
a modificar as próprias leis da colônia de acordo com os seus interesses particulares. Além
disso, esses poderes locais estavam sujeitos aos vice-reis apenas no que tocava à política
geral, prestando obediência direta aos secretários de Estado em Lisboa, o que lhes garantia
uma atuação mais autônoma31.
Embora houvesse uma hierarquia entre os níveis administrativos, as elites políticas
locais acabavam por burlá-la, tendo uma grande autonomia em gerir os assuntos de sua
competência em relação aos demais. Esta realidade de sociedade corporativa dificultava a
formação de uma estrutura burocrática homogênea que integrasse os diferentes níveis
políticos e administrativos existentes no Brasil, indo de encontro ao novo modelo que se
tentava construir no século XIX. Neste modelo, a concepção de administração se baseava na
divisão racional e adequada das funções públicas, a fim de transformar o aparelho burocrático
do Estado em um instrumento ativo. Foi com a instalação da Corte no Rio de Janeiro que se
iniciou uma ação legislativa mais forte para superar tal quadro.
Destaca-se também na administração colonial o cargo de governador-geral (também
chamado de vice-rei). Faoro aponta este cargo como o principal elo entre a metrópole e a
colônia, onde o governador tinha “poderes escritos de grande profundidade e alcance, embora
não logr[ass]e subjugar as capitanias e os focos de autoridade local, as câmaras, em comando
vertical e completo”. Contudo, as funções do governador-geral, “de caráter militar na sua
expressão essencial” 32, adentravam em todos os setores, regulando a economia e a
administração nos seus mínimos detalhes. Porém, além das atribuições militares, eles tinham
funções civis, que lhes proporcionavam destaque naquela sociedade. Para que eles exercessem
suas governanças, adquiriam títulos de capitão-mor e governador: o primeiro lhes garantia
status de representantes do poder real e supremo nas atividades militares do Brasil; e o
segundo título exibia o seu caráter civil dentro de uma administração formal.
Em 1808, a Família Real e toda a comitiva que a acompanhava desembarcaram nos
portos brasileiros. A partir deste momento, intensificou-se o processo de centralização
política, a fim de conferir uma maior organização administrativa e a hierarquização entre as
esferas de poder. Não houve alterações imediatas na concepção dos poderes já existentes nos
Setecentos, contudo, os desdobramentos políticos foram bastante relevantes, uma vez que a
região Centro-Sul se transformou no local do poder real português, e isso significava dizer
que:
31 SLEMIAN, 2006. 32 FAORO, 1986, p. 214.
37
se alternava a forma como o Brasil estava inserido na dinâmica imperial, pois que as
rotas políticas, econômicas e mesmo simbólicas que anteriormente ligavam as partes do Império a Lisboa passaram a convergir para a urbe carioca, onde entrou em
funcionamento uma série de órgão antes inexistentes. Novas sobreposições de
funções e cargos, sobretudo na nova sede de poder, informariam a ação
administrativa ainda carregada de marcas do Antigo Regime33.
Desta forma, as partes do território, que antes gozavam de um forte senso de
autonomia, viram-se inseridas em uma nova relação de hierarquia, tendo como centro
administrativo o Rio de Janeiro. Esta medida foi uma das estratégias adotadas para viabilizar a
unidade territorial. Todas as regiões deveriam se constituir enquanto partes integrantes do
Império, em condições de igualdade social e política, o que era um dos maiores entraves
herdados pelo sistema colonial. Para isso, afirma Lucia Maria Bastos, a monarquia passou a se
preocupar em fornecer um corpo político melhor organizado, substituindo o despotismo dos
capitães gerais e os desmandos das Câmaras Municipais. Assim, a centralização
governamental, a partir do Rio de Janeiro, levou a um declínio da autonomia local. Como
resultado:
em alguns momentos de tensão do jogo político, as diversas províncias, que
compunham esse imenso território do Brasil, adotaram posturas que evidenciaram um conflito entre o centralismo da corte fluminense e o seu desejo de um
autogoverno provincial. Acabaram, por muitas vezes, por ter que escolher entre
Lisboa e o Rio de Janeiro, como aconteceu quando da eclosão do movimento
constitucionalista português e, posterior, quando das guerras de independência34.
Com a centralização do poder e a imposição de uma unidade no país, algumas
capitanias passaram a enxergar o surgimento de uma nova metrópole nas terras brasileiras,
com meios mais efetivos de interferência na dinâmica dos poderes locais e regionais. Mesmo
após a elevação da categoria do Brasil a Reino, a sensação de retorno ao pacto colonial pelas
capitanias levou ao surgimento de movimentos revolucionários, como em Pernambuco, em
1817 – que tinha tendência republicana, contando com o apoio de outras capitanias como
Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte35. Isto nos mostra que, mesmo rompendo com o
pacto colonial, a chegada da Família Real não garantiu a integração entre as diferentes partes
do país36. Mas foi com a Revolução Liberal do Porto (ou Revolução Vintista) que ocorreram
33 Ibid., 2006, p. 45. 34 NEVES, 2009, p. 110. 35 COSTA E SILVA, ALBERTO. As marcas do período. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O
Brasil Imperial: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 1v. 36 Richard Graham (2001) chama atenção para o fato de ser comum a leitura equivocada deste período. Ao
analisarmos tais acontecimentos, com o fim das relações entre o país e Portugal, poderíamos incorrer em erro ao
38
mudanças substanciais na política brasileira, pois não se resumiriam apenas às transformações
administrativas, mas também a um intenso aprendizado político que afetou a cultura política
do país.
Iniciada em 1820, na cidade do Porto, o Vintismo foi um movimento lusitano gerido
pela insatisfação de diversos setores sociais, por causa do novo reordenamento político do
Império português e das transformações políticas feitas por Dom João VI no Brasil, que
rompia com o seu monopólio comercial sobre a sua ex-colônia. Os participantes desta
revolução reivindicavam o retorno do Imperador às terras europeias, assumindo um governo
pautado em uma Constituição, assim como já havia ocorrido na Inglaterra e na França. Esta
medida era entendida como um sinônimo da conquista dos direitos individuais dos cidadãos,
pois tal Constituição deveria ser elaborada a partir das Cortes, órgãos legislativos que teria a
finalidade de debater os artigos que lhe dariam forma, incorporando os anseios políticos dos
portugueses e representando uma limitação no poder do monarca absolutista. Esses
pressupostos afetaram o Brasil, pois deram margem para “o advento de um grande número de
projetos e leis que pretendiam reformular a organização imperial, e que colocaria o rei a
reboque de sua centralidade legislativa”37, sendo conveniente para aqueles brasileiros que se
sentiram retaliados com as mudanças administrativas desse momento.
Nesse quadro político, as já então chamadas “províncias” passaram a apoiar, conforme
os seus interesses, diferentes centros de poder: as Cortes Lisboetas ou a Corte bragantina no
Rio de Janeiro. As províncias da região Centro-Sul, por exemplo, eram contrárias ao retorno
de Dom João para Portugal, pois viam nisso um meio não só de reestabelecer o pacto colonial
no Brasil com as terras lusitanas, mas a inviabilização da unidade nacional e da criação de
uma monarquia. Ao contrário destas, as províncias do Nordeste (como foi o caso do
Maranhão, Bahia e Pará) estreitaram seus laços com Lisboa, considerando o movimento
revolucionário vintista um meio de manutenção dos seus interesses e de atendimento das suas
reivindicações, como aquelas de anular os excessos cometidos pela Corte bragantina.
Ana Lívia Aguiar destaca o caso do Maranhão, onde os habitantes se alinharam ao
Império português, devido à transferência da Corte para o Brasil, que havia desestruturado a
economia provincial, pois tiveram uma sobrecarga nos tributos.
afirmarmos que “o Brasil já existia enquanto nação”, ou seja, enquanto unidade territorial, política, social e
cultural, onde um grupo de pessoas se unia por laços naturais. Neste momento, não importando que algumas
regiões reivindicassem a separação com Lisboa, existiam outras que não viam com bons olhos o governo do Rio
de Janeiro. Isto só foi possível com a constituição de um Estado monárquico, que se baseava no uso racional de
suas forças (seus agentes e instituições) para combater os distúrbios sociais e conflitos entre as elites políticas. 37 SLEMIAN, 2006.
39
Um destes impostos, a siza, foi criada pelo alvará de 3 de junho de 1809. No
Maranhão, os cidadãos e a deputação nas Cortes lutam pela extinção deste tributo,
que incidia sobre os bens de raiz-escravos, casas/prédios e testamentos, sendo
recorrentes as reclamações nas documentações transcritas38.
Dentro dessa situação, as Cortes portuguesas serviram também com um espaço de
representação dos interesses daquelas províncias, contrárias ao movimento centralizador
tomado pelo Rio de Janeiro. Eram vários os pedidos, reclamações, elogios e moções de
repúdio que saíram das terras maranhenses para Portugal. Um dos exemplos destacados por
Ana Lívia foi a carta remetida às Cortes por Miguel José Nogueira Guimarães, opositor do
governador da província Pinto da Fonseca. Ele, além de denunciar as práticas de corrupção
entre os funcionários públicos e a postura despótica do governador, que fazia perseguições
políticas àqueles contrários às suas “imposições”, queixava-se das injustiças acometidas pelos
impostos sobre os “prédios urbanos, da décima dos bens e da siza aplicada na venda de
escravos”, o que, segundo o próprio Miguel Nogueira, era injusto pagar tais tributos em uma
“época de geral penúria e estagnação dos negócios em que a máquina do Estado chega a sua
total decadência”39.
Em 1821, quando o Brasil já tinha adquirido o estatuto de Reino (em 1815), as Cortes
Constituintes tentavam organizá-lo sob um novo regime, visando controlar a atuação do então
regente Dom Pedro I, regulamentando os governos das províncias e aperfeiçoando a
administração brasileira. Assim, foram criadas as Juntas Provisórias, órgãos que seriam
acomodados nas capitais de cada província, substituindo os capitães gerais. As Juntas eram
compostas por cinco ou sete membros, elegíveis em suas localidades, mas sujeitos às ordens
portuguesas. Em suas competências tinham autoridade e jurisdição na parte civil, econômica,
administrativa e de polícia, e os magistrados e autoridades civis ficavam subordinados às
mesmas Juntas.
Algumas províncias aderiram à relação de centralização, como foi o caso daquelas que
eram contrárias ao fortalecimento do governo estabelecido no Rio de Janeiro. O Pará deu o
pontapé inicial com a criação da Junta Provisória de Belém (1º de janeiro de 1821), logo
seguido pela Bahia (10 de fevereiro de 1821). As elites locais faziam parte dessa instituição,
tendo ampla autonomia nos negócios internos, transformando seus governos em “pequenas
pátrias”40 devido à grande influência da administração local nos assuntos de níveis
38 SENA, Ana Lívia Aguiar de. As cortes gerais e extraordinárias da nação portuguesa: espaço do cidadão
maranhense na resolução de suas querelas. Disponível em: http://www.outrostempos.uema.br/anais/pdf/sena.pdf.
Acesso em 25 de out. 2014, p. 5. 39 Ibid., p. 8. 40 NEVES, 2009.
40
provinciais. Na época, essas adesões chegaram a constranger o próprio Dom João VI, que se
viu obrigado a ceder às imposições das Cortes Constituintes.
Mesmo tendo províncias que as apoiavam, as Juntas intensificaram o clima de tensão e
instabilidade política. Dom Pedro I, partilhando a ideia de um Império luso-brasileiro, se
aproximou da facção mais conservadora e experiente da elite brasileira, formada por sujeitos
que tinham, em sua maioria, cursado o nível superior em Coimbra e exercido funções
administrativas41. Muitos ficaram ao lado do futuro Imperador, tendo em vista que, mesmo
com caráter eletivo, as Juntas eram representadas como uma forma de submissão do Brasil às
vontades de Portugal, vinculando os governos das províncias diretamente a Lisboa, que
entrava em choque com o discurso de defesa da condição de Reino do Brasil, pois retirava a
autonomia e a autoridade de príncipe regente. Além disso, alguns membros dessas elites viam
seus interesses pessoais ameaçados, levando-os a contestar a própria legitimidade das
Cortes42.
Um fator importante, que se somou às contestações contra Portugal, foi a propagação
das noções de liberalismo e constitucionalidade pela própria revolução Vintista. Isso marcou
profundamente o percurso político do país, por causa do grau de politização proporcionado à
sua sociedade, que passou a defender novos valores e ideais para o Estado brasileiro.
Destacamos aqui a participação da imprensa, que foi um poderoso instrumento político, onde
ocorriam embates e defesa de interesses de grupos, assim como críticas às autoridades,
mobilizando opiniões da população e incentivando ideias de projetos de construção de uma
realidade constitucional e derrocada do absolutismo, em especial após a revolução de 1820.
Sobre isso, Andréa Slemian informa que:
uma das consequências do juramento da Constituição realizada na sede da Corte em
26 de fevereiro de 1821 foi a suspensão de censura prévia que existia para todos os
escritos do Império. Em Portugal, o movimento revolucionário já havia declarado a
liberdade de imprensa em setembro de 1820, mas os limites e a extensão dessa
liberdade ainda seriam muito discutidos nas Cortes. O fato é que a medida
representava uma grande novidade, pois ainda era a Imprensa Régia que controlava a publicação de quase todos os impressos, apesar das mudanças já produzidas na
circulação de notícias desde a vinda da Família Real para o Brasil em 180843.
41 CARVALHO, 2008. 42 Houve, por parte de algumas capitanias, interesses em aderir às Juntas de Governo e à Revolução Vintista,
como foi o caso do Pará e da Bahia. Elas viam a oportunidade de ter novamente o seu antigo crescimento
econômico, afetado pelas imposições comerciais inglesas. Assim, aqueles que defendiam a revolução eram
comumente identificados como o discurso de “modernização constitucional”, enquanto os que eram contra foram
classificados como “absolutistas” e “retrógrados”. 43 Andréa; PIMENTA, João Paulo G. O “nascimento político” do Brasil: as origens do Estado e da nação
(1808-1825). Rio de Janeiro: DP$&A, 2003, p. 68-69.
41
Após sua expansão, a imprensa proporcionou maiores discussões políticas no Brasil,
pois, ao possuir um papel “pedagógico”, ela educou a sociedade a exercer o jogo político do
Estado e da nação moderna. Uma importante medida tomada ainda no governo de Dom João
VI no território americano foi a criação da Imprensa Régia, em 1808. Ela tinha como
finalidade imprimir e tornar pública as leis, decretos e demais decisões oficiais tomadas pelo
governo como forma de viabilizar seus cumprimentos, assim como, em um sentido mais
simbólico, instituir a presença do monarca no cotidiano da sociedade. Mas, para além destas
intenções, a Imprensa Régia colaborou para que a população ficasse familiarizada com o
universo político, aprendendo o seu linguajar, os trâmites legais, os assuntos tratados e
ressignificando ideias contidas nos impressos.
Com a suspensão da censura prévia dos escritos impressos, em 1821, esse aprendizado
ganhou maior fôlego e se intensificou, pois a imprensa passou a colocar no papel amplos
debates públicos sobre assuntos políticos. Dessa forma:
o espaço da imprensa passava a ser, mais do que nunca, um instrumento poderoso de
embate e defesa de interesses de grupos ou províncias, de críticas às autoridades
instituídas, de mobilização das opiniões da população, de difusão de projetos
alternativos na construção de uma nova realidade constitucional após a derrocada do Absolutismo44.
Nesse momento ocorreu na imprensa a identificação das ideias liberais com a
revolução do Porto, relacionando a palavra “despotismo” com “absolutismo” e elogios feitos à
constitucionalidade. Esse liberalismo foi incorporado principalmente por uma elite intelectual
e política, a qual se identificava com a defesa da formação de um grande Império, mas
combatendo o absolutismo em prol de uma monarquia constitucional, em que o rei
representava toda a nação e garantia à unidade territorial.
Mas essas ideias não ficaram circunscritas a um grupo restrito. Houve outras
literaturas que eram mais acessíveis para aquelas camadas populares, como folhetos e
panfletos políticos.
Essas obras faziam chegar notícias e informações a uma plateia mais ampla, gerando
um clima febril em diversas províncias, como Pará, Maranhão, Pernambuco e São
Paulo, regiões em que, posteriormente, se instalaram oficinas impressoras,
aumentando ainda mais a circulação desses inscritos45.
A dinâmica de circulação de escritos políticos proporcionou a difusão dos ideais
defendidos pela revolução, como o liberalismo e o constitucionalismo, sendo apropriados pela
44 Idem. 45 NEVES, 2009, p. 118.
42
população brasileira para definir uma nova cultura política. O constitucionalismo, por
exemplo, criou expectativas de transformação da ordem política e social, superando os traços
absolutistas presentes, abrindo espaço para a instalação de um governo que representasse a
sociedade civil.
Para Nicola Matteucci, “o absolutismo, em qualquer das suas formas, prevê a
concentração do exercício do poder; o Constitucionalismo, pelo contrário, prevê que esse
exercício seja partilhado”. Complementando a sua ideia, ele afirma que “a definição mais
conhecida de Constitucionalismo é a que o identifica com a divisão do poder ou, de acordo
com a formulação jurídica, com a separação dos poderes”. Se transplantarmos essa percepção
para a realidade política dos anos pré-constitucionais, significa dizer que aqueles que
defendiam a adoção de um Estado constitucional buscavam o rompimento com os modelos de
governo despótico em prol de uma organização de Estado com poderes racionalmente
divididos, no qual o seu exercício ganharia legitimidade pela via legal, estando subordinado às
necessidades coletivas, como a manutenção dos “direitos fundamentais do indivíduo, ou seja,
a liberdade pessoal, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa e, finalmente, a
inviolabilidade da propriedade privada” 46.
Quanto aos preceitos liberais difundidos, Maria Odila da Silva Dias47 identifica o
desenvolvimento de duas correntes na primeira metade do século XIX. A primeira geração
coincidiu com o momento da Independência48 e com o modelo de governo configurado pela
Carta de 1824, sendo apropriado por uma minoria culta e letrada, a qual era inspirada nas
ideias de despotismo ilustrado do século XVII e que desejava modernizar o país sem
comprometer as características sociais e econômicas (como o escravismo e a economia
baseada no modelo agroexportador). Já a segunda se identificou com as reformas da década
de 1830, defendendo o modelo norte-americano, o federalismo, porém contra o seu teor
democrático, sem englobar todos os setores sociais e em nome das oligarquias dominantes.
Essas duas visões de liberalismo não se sucederam, mas se confrontaram durante todo este
período.
46 MATTEUCCI, Nicola. Constitucionalismo. In: BOBBIO, Noberto (org) et all. Dicionário de política. Vol. 1,
11 ed. Brasília: Editora Unb, 2010. p 248. 47 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda,
2005. 48 Segundo Lucia Maria Bastos, o processo de independência do Brasil deve ser inserido dentro do contexto do
século XVIII, período do “desmoronamento do Antigo Regime na Península Ibérica, ou seja, um processo único
que possibilitou o advento da modernidade nas monarquias do Antigo Regime”. Diferentemente do que
aconteceu com as colônias espanholas, as instituições brasileiras assumiram características modernas, mas
conviviam “paradoxalmente com outras, como a escravidão e exclusão social” (2009, p. 92).
43
Movido por esses dois preceitos, os legisladores do Império reafirmavam a questão da
representatividade política, principalmente após a independência do Brasil, vindo à tona a
necessidade de elaborar uma estrutura político-administrativa, moldada necessariamente em
torno de um conjunto de leis próprias, algo até então não existente, uma vez que o Brasil era
regido pelas legislações portuguesas, em especial as Ordenações Filipinas.
1.1.2 A Constituição de 1824 e suas adequações para um desenho institucional final
No ano de 1822, pelo decreto de 3 de junho, Dom Pedro I convocou todas as
províncias a enviarem seus deputados representantes para que fossem discutidos os artigos
que deveriam compor aquela que seria a primeira Constituição brasileira. Em 3 de maio de
1823, deram-se início aos trabalhos da Assembleia Constituinte, sendo consenso na maior
parte dos grupos políticos a adoção de uma monarquia constitucional, pois este modelo seria
capaz de racionalizar a administração pública, manter a ordem social e a unidade do
Império49. Mas também as sessões representaram um esforço do governo central em
acomodar os diversos desejos das diferentes regiões por participação política50. Porém, surgiu
um impasse que já se encontrava nas reuniões das Cortes de Lisboa: como contemplar os
diversos interesses das Províncias numa ordem constitucional? Como criar um espaço de
representatividade política, dando relativa autonomia para as Províncias e embarcando
interesses distintos? De que forma poderia o governo central equacionar e balancear os
poderes políticos (executivo, judiciário, legislativo e moderador) e garantir a
representatividade dos cidadãos (e, por conseguinte, as forças políticas locais) frente ao
governo central?
Através da Assembleia Constituinte de 1823, entrou em pauta a extinção das Juntas
Provisórias, o que viria ocorrer, mas com a substituição das mesmas pelo cargo de presidente,
49 Como bem destacado por Richard Graham, “os reis ofereciam legitimidade”. É com esta afirmação que o autor
analisa a ligação dos homens ricos das províncias com a monarquia. Esses homens tinham seu poder sustentado
pelos recursos econômicos, nas alianças políticas ou na força coercitiva. Mas, para que fossem aceitas as suas
autoridades pelos seus seguidores, eles tinham que estar legitimados. O rei, por ter uma figura “paternalista” em
seu status simbólico, era um personagem estratégico neste sentido. Desta forma, era bom que o rei se tornasse uma figura fortalecida, uma vez que a “a legitimação imperial e a efetivada autoridade do monarca serviam aos
líderes locais melhor do que poderiam fazer qualquer república fragmentada. Portanto, suas ações tiveram tanto
uma proposta social (controlar as classes inferiores), quanto uma proposta política. O governo central não foi
imposto às pessoas influentes, ou até mesmo ‘vendido’ a eles. Eles a escolheram” (GRAHAM, 2001, p. 17). 50 É consenso na historiografia que a Independência não foi resultante de uma concordância entre os diferentes
interesses existentes naquele momento. Isto fez com que o governo central levasse em consideração essas
diversas demandas políticas e econômicas para reduzir as forças contrárias à sua administração. Como exemplo,
demonstra Maria de Fátima Silva Gouvêa, ele garantiu a permanência de algumas estruturas coloniais, como o
escravismo e a valorização da economia agroexportadora, na Constituição de 1824 (GOLVÊA, 2008).
44
a partir da Lei de 20 de outubro de 1823, permanecendo após a oficialização da Constituição.
Esses presidentes também teriam as províncias como lócus administrativo e as pessoas que
fossem nomeadas tinham que assumir um discurso de defesa dos interesses da nação e do
Imperador. Por ser a maior autoridade do poder executivo nas províncias, os presidentes
seriam escolhidos exclusivamente pelo governo central, podendo ser destituídos pelo mesmo,
conforme já dito anteriormente.
Em 1824 tivemos a outorga da primeira Constituição do Brasil, que passou a regular a
distribuição racional de direitos e deveres, objetivando uma maior agilidade e eficácia
administrativa, através de estatutos legais e da competência legítima, baseada em regras
racionalmente criadas. Apresentando um forte teor liberal, influenciado e combinando ideias
da Constituição espanhola e francesa51, esse conjunto de leis brasileiras passou a ser o alicerce
da estruturação da administração imperial, do seu funcionamento e da legitimidade de seu
poder frente à população. Logo em seu primeiro Título, ficou firmado que o Brasil passaria a
ser um Império governado por uma monarquia hereditária, constitucional e representativa,
através de um monarca e uma estrutura bicameral – as instituições representantes da nação
seriam o próprio Imperador e a Assembleia Geral (constituída pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado). O Estado reafirmou a sua independência e manteve a divisão do território em
províncias, as quais poderiam ser subdivididas como fosse conveniente ao bem do país, e
possuindo instituições que permitissem a acomodação de interesses das elites provinciais.
Mirian Dolhnikoff destaca as influências francesas e inglesas na Constituição52. O
Senado vitalício, por exemplo, foi uma característica incorporada da Câmara dos Lordes da
Inglaterra e da Câmara dos Pares. Mas, diferente destas, o senado brasileiro tinha um caráter
mais “democrático”, pois a nomeação dos senadores partia de uma lista tríplice, produzida a
partir de eleições nas províncias. Assim, a escolha do imperador não era tão livre. Outro ponto
diferencial era que não se podia alterar o número de senadores, pois este respeitava as regras
impostas pela Carta de 1824 (que dizia que o número deveria ser a metade do total de
integrantes das Câmaras dos deputados).
Sobre os indivíduos que aqui se encontravam, parte deles deixou de ser súdito,
adquirindo status de cidadão, conforme os requisitos do artigo 6º53. No que diz respeito à
51 GRINBERG, Keila. Constituição. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil imperial. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2008, p. 170-171. 52 DOLHNIKOFF, Miriam. Representação política no Império. Disponível em:
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300648001_ARQUIVO_OgovernorepresentativonoBrasildo
seculoXIX.pdf. Acesso em 10 de dez. 2011. 53 Eram considerados cidadãos aqueles que nascessem no Brasil, quer fossem ingênuos ou libertos, ainda que o
pai fosse estrangeiro, uma vez que este não residisse por serviço em sua nação; os filhos de pai brasileiro e os
45
concepção de “cidadania”, a Constituição também absorveu traços do modelo francês,
estabelecendo os cidadãos ativos (que tinham direitos ao voto) e os passivos. Além disso,
incorporou o modelo de eleição em duas fases: na primeira, os votantes54 escolhiam os
eleitores55 e, na segunda, estes elegiam os deputados. Vemos que a igualdade de direitos não
se estendia a todos os cidadãos, pois estes foram diferenciados a partir de direitos políticos
por meio de critérios censitários, ou seja, só possuíam acesso a todos os direitos apenas quem
tivesse renda suficiente para participar diretamente da eleição.
Em relação ao escravismo, a instituição foi mantida, não tendo nenhum artigo que
sinalizasse para o fim da mesma. No Título 8º, que trata das disposições gerais das garantias
dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, não foram mencionadas as palavras
“escravo” ou “escravidão”, havendo apenas a abolição dos açoites, da tortura à marca de ferro
quente e todas as demais penas cruéis. Segundo Hebe Maria Mattos, o conceito de cidadania
implantado aqui não teve a pretensão de englobar aqueles acometidos pela escravidão, pois
eram tidos como propriedades, fazendo parte de um patrimônio particular. Para muitos
deputados, a preservação dessa instituição era necessária, visto que a economia neste
momento era pautada principalmente pela monocultura e extração de recursos naturais a partir
desta mão de obra56.
Uma das suas principais características liberais foi a instituição de quatro esferas de
poderes assimétricos57 e independentes: Poder Legislativo (composto por senadores,
deputados gerais e provinciais), Poder Executivo (chefiado pelo Imperador e representado
pelos seus ministros e pelos presidentes de província), Poder Judiciário (representado pelos
magistrados e pelos tribunais de justiça) e Poder Moderador (exclusivo do Imperador).
Entendemos que a instituição destes quatro poderes independentes, mesmo que três deles
ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, que viessem estabelecer domicílio no Império; os
filhos de pai brasileiro que estivessem em país estrangeiro a serviço do Império, embora eles não viessem a
estabelecer domicílio no Brasil; todos os nascidos em Portugal e suas possessões, que sendo já residentes no
Brasil na época em que se proclamou a Independência das províncias onde habitavam, aderissem a esta expressa,
ou tacitamente pela continuação da sua residência; e os estrangeiros naturalizados, qualquer que fosse a sua
religião (BRASIL, 1824). 54 Aqueles que não tinham renda líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego
não tinham a capacidade de voto nas eleições primárias. 55 Os que tinham renda anual de quatrocentos mil réis de renda líquida por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego poderiam ser eleitores. 56 MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 2004. 57 Em O gigante e o espelho, Ilmar Rohloff Mattos destaca a hierarquia entre os poderes como forma de
preservação da ordem. Adotada pela Constituição de 1824, “o poder moderador era tido como a chave da
organização política, assim como na atribuição ao poder executivo – do qual o imperador era o chefe, exercendo-
o por seus ministros – de papel fundamental na construção de um poder forte e centralizado” (MATTOS, 2009,
p. 24).
46
coexistissem com o Poder Moderador, o qual se sobrepunha aos demais58, foi uma
preocupação em racionalizar a ação estatal, resultando na definição das especificidades de
cada poder e da sua área de atuação, conferindo-lhes ainda maior agilidade e eficácia nas suas
ações administrativas. O mesmo acontecia com as criações constantes de freguesias, Câmaras
Municipais e divisões judiciárias, que possuíam seus quadros de funcionários e políticos
específicos, e auxiliavam na expansão do Estado, tornando-se mais presente nas Províncias e
nos Municípios. Além disso, propiciaram a criação de leis que ordenassem o cotidiano das
pessoas (tais como os Códigos de Postura, por exemplo) e as políticas de controle social.
Portanto, a burocratização do Estado foi um dos caminhos adotados para expandir o seu
poder.
Com a existência de diversas reivindicações de grupos políticos espalhados pelo Brasil
naquele momento, na Constituição de 1824 houve um esforço em considerá-las, evitando o
fortalecimento de forças centrífugas. A partir de então, foram criadas diferentes instituições
que possibilitaram a participação política das elites locais e provinciais, como, por exemplo, o
Conselho Geral de Província, a Assembleia Provincial e o Conselho Presidial. Além disso,
houve a elaboração dos códigos liberais (em destaque para a Lei de 15 de outubro de 1827,
que criou o cargo de juiz de paz, já previsto na Constituição, o Código de Processo Criminal
de 1832 e o Ato Adicional de 1834), que ampliariam gradativamente os canais de
representação política das províncias e de seus cidadãos.
Os Conselhos Gerais de Província foram criados pela Constituição de 1824, contudo
só foram instalados e regimentados a partir da lei de 1º de outubro de 1828. Estes órgãos
representavam o poder legislativo local, sendo um espaço de garantia da participação dos
cidadãos nos negócios públicos através de seus conselheiros. Eles funcionariam nas capitais
das províncias, trabalhando juntamente com os presidentes de província, dando-lhes suporte
em sua administração, e tinham como objetivos propor, discutir e deliberar sobre os negócios
pertinentes à província, formando projetos para solucionar/melhorar uma causa específica. Os
Conselhos eram compostos por membros eletivos e não permanentes, que se reuniam duas
vezes por ano, entretanto esta convocação poderia ser alterada caso os governantes julgassem
necessário.
Outra instituição representante dos interesses políticos provinciais e que atuava
juntamente com os presidentes de província era o Conselho Presidial (ou Conselho de
58 Art. 98 - O Poder Moderador é a chave de toda a organização política. Ele é delegado privativamente ao
Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e ao seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele pela
manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos.
47
Presidência). O Conselho foi criado pela Lei de 20 de outubro de 1823, ainda na Assembleia
Constituinte, a partir de um projeto proposto pelo deputado Antônio Carlos de Andrada
Machado. O legislador defendia tal instituição sob um discurso que se baseava nos princípios
de racionalização do governo; de organização da administração em nível regional, atendendo
assim ao “clamor dos povos”; do estado de anarquia das províncias, devido às administrações
das Juntas Provisórias; e do combate ao despotismo59. Essas duas instituições duraram até a
aprovação do Ato Adicional, quando foram criadas as Assembleias Provinciais.
Antes de darmos continuidade à análise da modernização do país, devemos destacar
que na Assembleia Constituinte já aparecia nos debates das sessões, seja para criticá-lo ou
para defendê-lo, o conceito de federalismo enquanto princípio político que deveria nortear a
criação das instituições representativas dos cidadãos. O federalismo defendia a autonomia
provincial e a participação política das elites regionais no governo central, com a finalidade de
ampliar seus papeis políticos na Corte. Contudo, a autonomia provincial não era
necessariamente contrária à permanência de um monarca no poder, pois defendia a
coexistência dessas duas esferas de poderes autônomos nos assuntos que lhes competiam60.
Porém, rondava nos discursos dos deputados que esse modelo de governo “envolvia a
ideia de que as províncias poderiam sufragar, ou não, o pacto firmado na Assembleia
Constituinte”61, mesmo que ambos os grupos reconhecessem a possibilidade da
compatibilidade entre a federação e a monarquia. O principal interesse dos federalistas era,
fundamentalmente, assegurar a descentralização política em prol da autonomia das províncias
e frente ao governo central nos assuntos que envolvia a sua região. Um desses defensores
desse modelo foi o deputado paulista Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que na sessão de
18 de setembro de 1823 afirmou que:
Cada cidadão é independente para tratar dos seus interesses, salvas as relações que o
unem com a sociedade. E porque não havemos de conceder a mesma independência
aos municípios e províncias? Assim como cada um é independente para prover em
seus interesses, sem oposição ao interesse geral, muitos reunidos devem ter a mesma
independência circunscrita do mesmo modo e sempre subordinada à inspeção geral
do governo, a quem compete vigiar sobre os interesses particulares, porque da sua
soma resulta o interesse geral, que lhe toca promover62.
59 FERNANDES, Renata Silva. A organização dos governos das províncias do Império do Brasil: o
Conselho da Presidência e o Conselho Geral de Província (1823-1834). Disponível em:
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371243416_ARQUIVO_ArtigoCompletoANPUH.pdf.
Acesso em 10 de abr. 2014. 60 DOLHNIKOFF, 2005. 61 COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX: a trama dos conceitos.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v26n76/11.pdf. Acesso em 12 de abr. de 2011, p. 193. 62 VERGUEIROS, 1823, apud. COSER, 2011, p. 193.
48
Após a Carta Constitucional, o governo central refletiu a sua tendência centralizadora,
mesmo criando instituições que ampliassem a ação política das elites nas províncias. Isso fez
com que os deputados legisladores continuassem a defender a produção de novas
regulamentações e leis que viabilizassem um ordenamento institucional, a fim de garantir
maior atuação do Estado no ordenamento social, porém que coincidissem com suas
necessidades.
Algumas alterações e acréscimos foram feitos na Constituição, com a pretensão de
estabelecer melhor a relação de poder entre os níveis administrativos (central, provincial e
municipal) e garantir uma cadeia hierárquica entre os mesmos. Uma das alterações mais
importantes que afetou de maneira significativa os poderes locais foi a Lei de 1º de outubro de
1828, que tinha por finalidade dar nova forma às Câmaras Municipais, marcando as suas
atribuições. Segundo o artigo 24, as Câmaras se tornaram corporações meramente
administrativas, não podendo exercer nenhuma jurisdição contenciosa. Em fins práticos, o
poder executivo local ficou sujeito ao poder legislativo provincial, perdendo aquelas
características dos tempos coloniais, em que tinham grandes poderes de interferência na
política regional. Um dos exemplos desta nova relação de poder foi o caso do artigo 39 desta
mesma lei, no qual as Câmaras teriam apenas o poder de propor as posturas municipais,
ficando a cargo do Conselho Geral (e da Assembleia Provincial, após 1834), juntamente com
o presidente da província, analisá-las, aprová-las e/ou sugerir modificações.
Conforme Iamashita:
Este declínio municipal já estava implícito na Constituinte de 1824 que previa uma
gerência nos negócios dos municípios, já que a tradicional indistinção existente
naqueles corpos, entre as funções políticas, jurídicas e administrativas, revelara-se
incompatíveis com as concepções racionalistas e modernizadoras dos “novos
tempos”. Neste postulava-se uma rigorosa divisão de tais funções, além, é claro, da
necessidade de vencer os localismos, percebidos como obstáculo à uma
padronização nacionalizadora e centralizadora pretendida pelo Estado nacional63.
As retaliações de suas atribuições ocorreram também no âmbito policial. Em tempos
coloniais, ao congregar os poderes executivo, legislativo e judiciário no âmbito municipal, as
Câmaras, através de seus funcionários civis, tinham a tutela do poder de policiamento64. Mas,
63 IAMASHITA, Léa Maria Carrer. Modernização e Rebeldia: A dinâmica política regencial e a Revolta da
Balaiada no Maranhão (1831-1841). Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação
em História, Brasília, 2010, p. 107. 64 Maria Isaura advoga a ideia de que, mesmo com as perdas brutais de poder das Câmaras Municipais, símbolo
do mandonismo local, as elites agrárias continuaram interferindo na dinâmica da política imperial. Por exemplo,
elas investiam nas cadeias de relacionamento com outros agentes políticos, como deputados e presidentes de
49
a partir dessa lei, esses poderes foram realocados para o juiz de paz, o que para alguns
autores, como Thomaz Flory65 e Regina Helena Faria66, foi o cargo que deu o pontapé inicial
para o chamado avanço liberal. Não faremos neste momento uma análise aprofundada sobre
esse cargo e as legislações que envolviam suas atribuições, pois esta temática fará parte do
nosso segundo capítulo. Porém, anteciparemos algumas informações sobre o mesmo.
Com a finalidade de tornar a justiça “mais próxima do povo” e garantir maior eficácia
nos processos judiciários, o governo imperial previu a criação do juizado de paz e
concretizou-a com a Lei de 15 de outubro de 1827. Tendo os distritos como área de atuação,
ele passou a representar os poderes locais/municipais.
Durante o período regencial, as forças políticas das províncias viram que este
momento era propício para barganharem maior espaço de poder, já que não existia a figura
física de um monarca no comando das atividades políticas. Assim, esse foi o período que as
conquistas descentralizadoras das províncias ganharam maiores amplitudes, em especial com
o Código do Processo Criminal, em 1832.
Em pleno processo de consolidação de um Estado nacional independente, não era mais
viável ter as leis portuguesas como parâmetros para realizar os processos criminais (como era
o caso do Livro V das Ordenações Filipinas). Sob a tutela dos liberais moderados, os regentes
do governo central aprovaram a criação do Código Criminal (1830) e do Código do Processo
Criminal (1832), responsáveis pela organização do judiciário e das questões criminais do
Império. Notadamente influenciados pelas ideias liberais (por criar, por exemplo, a
democrática instituição do Júri), o Código de 1832 ampliou bastante os poderes do juizado de
paz, chegando a se tornar a maior autoridade em nível municipal. Para Ivo Coser, a partir
desse juiz e dessa legislação, o conceito de federalismo ganhou um novo sentido, justamente
pelo fato da descentralização chegar aos níveis municipais67.
Não demorou muito para que os parlamentares do Rio de Janeiro debatessem medidas
que conferissem à administração pública um novo ordenamento dos poderes, sendo consenso
entre a maioria deles a submissão dos poderes municipais às elites políticas provinciais e aos
presidentes de província. Argumentavam ainda que as instituições, como a Justiça de Paz e as
Câmaras Municipais, não tinham atingido o grau de racionalidade de seus procedimentos,
província, e também no investimento da formação intelectual de sua prole, possibilitando a tessitura de sua
política para representar seus interesses na administração pública (QUEIROZ, 1976). 65 FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. México: Fondo de Cultura Económica,
1986. 66 FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a constituição de aparatos de policiamento no
universo luso-brasileiro (século XVIII e XIX). Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco,
Programa de Pós-Graduação em História, Recife, 2007. 67 COSER, 2011.
50
pois condiziam seus trabalhos de forma pessoal, atendendo necessidades privadas68, o que não
era compatível com a lógica da modernização política.
Dentro dos projetos federalistas, podemos encontrar divergências entre eles acerca do
grau de atribuições adquiridas pelas províncias, mas:
o elemento em comum que as une reside na precedência do interesse provincial na
montagem do Estado-nação. [...] A ideia do interesse provincial como uma dimensão fundamental do conceito de federalismo emerge conjuntamente com a
crítica ao funcionamento do Código do Processo. A corrente federalista rechaçava a
possibilidade de que, a partir dos interesses do cidadão ativo situado no município,
fosse possível construir o Estado-nação69.
Na década de 1830, com a ausência de um Imperador no trono, intensificaram-se os
debates a respeito de uma reforma constitucional. Marcello Basile (2011) destaca que a maior
polêmica estava na existência de três forças conflitantes: os federalistas exaltados, os unitários
caramurus e os indecisos e divididos moderados.
Para os exaltados, a centralização política era um sinônimo de despotismo, de conflito
entre as províncias e de falta de agilidade administrativa dos aparelhos burocráticos do
Estado, que ameaçavam a própria integridade territorial. Já para os caramurus, qualquer
mudança na constituição e no sistema de governo vigente resultaria no estabelecimento de um
estado anárquico no Brasil, pois as províncias se rebelariam e se dissolveriam, sustentando-se
num federalismo semelhante ao das repúblicas democráticas. Por último, os moderados,
grupo que liderou o período Regencial, tinham um posicionamento ambíguo sobre este
assunto; antes da abdicação do Imperador, eles eram contra qualquer reforma, pois não viam
que o mal estava na Constituição, mas na sua execução, já que estava “restringido e burlado
pelas arbitrariedades de Dom Pedro I”70. Durante a regência e com o fortalecimento das ideias
federalistas, ocorreu o primeiro racha entre eles, quando muitos aderiram ao movimento em
defesa da reforma constitucional.
Um dos pontos mais polêmicos dessa reforma entre os deputados era sobre a liberdade
das províncias. Os caramurus e uma parte dos moderados, numa visão geral, assumiam um
posicionamento a favor da limitação do poder legislativo provincial. Já os exaltados e a outra
parte dos moderados defendiam maiores autonomias às províncias ao ampliar seus poderes
legislativos.
68 DOLHNIKOFF, 2005. 69 COSER, 2011, p. 196. 70 BASILE, 2011, p. 77.
51
No final dessa polêmica, foi oficializado o Ato Adicional em 1834, trazendo mudanças
como a extinção do Conselho de Estado (órgão representante do poder do Imperador, no qual
os componentes eram sujeitos nomeados exclusivamente por ele), a substituição da Regência
Trina pela Regência Una e a criação das Assembleias Legislativas Provinciais. Desta forma, o
Ato Adicional conferiu maior autonomia para as províncias, pois a partir de então os
deputados que ali atuavam obtiveram a capacidade de legislar sobre os assuntos da sua região.
Contudo, a autonomia municipal foi vetada, pois essa esfera administrativa estava sujeita aos
representantes do poder provincial e central.
Em suma, a reforma constitucional completou a série de conquistas liberais alcançadas
durante a década de 1830, nas quais “juntas, ajudaram a remover uma parcela significativa
dos resíduos ‘absolutistas’ do Estado imperial, identificados à forte centralização política”71.
Porém, não tardou para que surgissem críticas contra essa reforma, em especial por causa da
eclosão de diversas revoltas sociais. Parlamentares da ala mais conservadora, como Paulino
José Soares (o Visconde do Uruguai), se colocaram contrários à autonomia concedida às
províncias. Segundo Paulino, as elites regionais poderiam formar grupos oligárquicos,
juntamente com as demais forças contidas nas localidades, aprovando medidas que
favorecessem os seus interesses particulares, em detrimento das necessidades do Estado. Nos
anos de 1838 e 1839, o Visconde fez diversas intervenções na Assembleia Geral para criticar
o Ato Adicional, mostrando-se a favor de fazer alterações em vários de seus artigos. Na
sessão de 27 de agosto de 1838, ele afirmou que “o Ato Adicional enfraqueceu o elemento
monárquico da Constituição, em benefício das províncias (...)”. Assim, para resolver tal
problema era necessário dar ao “Ato Adicional uma interpretação que acautelasse os abusos e
dúvidas a que se tem dado lugar”72.
Com a renúncia de Antônio Feijó, em 1837, Araújo Lima assumiu a regência e os
conservadores passaram a dar o direcionamento político no governo central, iniciando a fase
conhecida como regresso conservador. O programa dos conservadores estava focado em
reforçar a autoridade monárquica, restabelecer a centralização político-administrativa
(reduzindo os poderes dos municípios e das províncias) e estabelecer a tranquilidade pública
nas províncias, que foram acometidas por rebeliões “anárquicas”.
As devidas medidas centralizadoras ganharam formas pela Lei de Interpretação do Ato
Adicional (1840) e pela Reforma do Código do Processo Criminal (1842). A primeira
71 Ibid., p. 82. 72 PINTO, Clarisse de Paula Ferreira. O Visconde do Uruguai e o Regresso Conservador: A política de
centralização na construção do Estado Imperial. In: Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH,
2012.
52
legislação focou em retirar algumas atribuições dadas às Assembleias Provinciais, tais como a
de legislar sobre empregos criados pelo governo geral, mas podendo ainda ter competência
para ordenarem os empregos municipais e provinciais. Já a reforma do Código de 1832 visava
a centralização do aparato judiciário pelo governo central e a limitação dos poderes dos juízes
de paz (grande parte de suas atribuições foram distribuídas entre os novos cargos de
delegados e subdelegados).
Em algumas províncias, essa tendência centralizadora foi antecipada com a
promulgação da lei das prefeituras. São Paulo, Sergipe, Alagoas, Ceará, Pernambuco, Piauí e
Maranhão foram as províncias que aprovaram essa lei, criando o cargo de prefeitos e
subprefeitos73, os quais eram nomeados pelos presidentes de província, incorporando os
poderes de polícia dos magistrados de paz.
Analisando as alterações feitas pelos conservadores nos códigos liberais, Mirian
Dolhnikoff conclui em sua obra que o sentido dessa revisão não era anular as autonomias
provinciais, mas garantir uma melhor racionalização do aparelho administrativo, deixando a
esfera municipal sob o cuidado dos poderes provinciais, e demarcar os limites dos poderes
regionais e central, “impedindo que os governos das províncias surgissem invadindo as
esferas de atuação do governo central, como vinham fazendo desde a promulgação do Ato
Adicional”74. Isso possibilitou a reafirmação do “pacto federalista” no Império.
Assim, durante a década de 1820 e 1830, o governo imperial passou por um intenso
processo de transformação e adequação de suas instituições, a fim de conferir maior poder de
gerência das instituições públicas, ao mesmo tempo em que tentavam atender às expectativas
das elites políticas das províncias. Dentro deste processo de formação de Estado, os delegados
régios desempenharam um papel de grande valia para o governo central, pois eles atuavam
enquanto braço extensor dos seus poderes, agindo sob o lema da defesa da nação e dos
interesses do rei, fazendo chegar as suas necessidades nas províncias. É esse agente político
que analisaremos a partir de agora.
1.2 Os presidentes de província na estruturação do Estado brasileiro
Reuniram-se o coronel Pantaleão, os doutores Bavio e Mavio, redatores da
Trombeta, alguns deputados provinciais, três ou quatro influentes do interior que se
achavam na capital, e mais uns vinte dos mais acérrimos partidistas; e, à proporção
que iam entrando, começavam logo a praticar sobre o grande assunto do dia pouco
mais ou menos pelo teor seguinte:
73 FLORY, 1986. 74 DOLHNIKOFF, 2005, p. 150
53
– Os patifes não contavam com esta pela proa.
– O tal Anastácio ficou mesmo com a cara de asno.
– Quero ver agora no que dá a sua grande candidatura espontânea e livre!
– Se vocês vissem como ele empalideceu quando deu com os olhos em mim no
portão!
– Nunca me ri tanto em dias de minha vida.
– O Afrânio comeu-se de raiva por ver o novo presidente conversar comigo com
tanta atenção na sala grande. Parecia que me queria engolir com os olhos.
– Ah bandalhos que nem sempre dará as cartas!
– Tudo isso está muito bom, mas o caso é que eles estão rodeando o presidente, e as
intriguinhas e mentiras do costume hão de estar trabalhando. Todos nós devemos procura-lo, e já amanhã.
– É verdade; o nosso partido sempre tem sofrido porque não cerca o presidente
como eles.
– Ninguém falte à posse do homem.
– Cumpre avisar toda a nossa gente.
– Você que é da câmara, deve recitar um discurso análogo, desmascarando toda essa
corja.
– Doutor, você por que não apressa agora o seu baile para convidá-lo?
– Deixem estar que eu tenho de dar um jantar no dia dos meus anos, e nos havemos
todos de reunir.
– Eu também pretendo agora dar um baile no batizado da minha pequena. – O doutor deve quanto antes fazer um artigo bem-feito, elogiando o homem, e
prevenindo-o acerca dos manejos da facção, logo que chega um presidente novo.
Cante-lhe a ladainha bonito e asseado.
– Não se esqueça de me escovar bem o bestalhão do Anastácio.
– Agora que as coisas mudaram, e sem nós o esperarmos, é preciso expedirmos
próprios para todos os pontos, animando os nossos amigos e a se organizarem para a
próxima campanha.
– Está bem livre que eles já não tenham cuidado nisso.
– E que carapetões não estarão impingindo, para não desalentar a pandilha! Esta
gente não dorme. [...]
Sua excelência, ora risonho, ora sério, ora afável, ora mais grave, mas sempre reguçado e retraído, respondia a todos com as trivialidades do costume, sem lhe
escapar que a sua missão era toda de paz, que tinha unicamente por fim executar
imparcialmente as leis, distribuir justiça a todos, promover os melhoramento
materiais e morais da província, consolidando dessa forma a ordem e mantendo a
segurança individual e de propriedade; e que por muito feliz se daria se conseguisse
deixar congraçada a grande família maranhense, como tão positivamente lhe havia
recomendado a sua majestade o imperador quando lhe confiara uma empresa tão
árdua para as usas débeis forças75.
Esse é um trecho retirado de um dos textos de João Francisco Lisboa. Durante a
década de 1830, desde muito jovem, o escritor participou ativamente da vida política
maranhense. Aos dezenove anos já se envolvia nesse campo, assinando manifestos
antilusitanos durante a Setembrada (1831). No ano seguinte iniciou a sua carreira de jornalista
e escritor ao publicar o seu primeiro jornal, O Brazileiro, e ao reviver O Pharol Maranhense,
que havia fechado por ocasião da Setembrada. Em 1834, ele criou o Echo Maranhense (mas
retirado em 1836) e, em 1838, o seu jornal mais crítico e combativo, o Chronica Maranhense.
De 1842 a 1855, ele dirigiu o seu último jornal, o Publicador Maranhense. Além de atuar na
escrita, edição e direção dos jornais, Lisboa trabalhou na administração pública como
75 LISBOA, 1995, p. 69-72
54
secretário do governo durante três anos e depois seguiu um período de duas legislaturas como
deputado provincial.
Com vasta experiência e conhecimento da vida política do Maranhão, no Jornal de
Timon (1855) Lisboa mostrou o seu desencanto com as práticas políticas de sua época,
dedicando-se em mostrar os bastidores políticos e denunciando as práticas eleitorais e
partidárias, comandadas por homens imorais que se deixavam levar pela avidez, ambição,
mesquinhez e cobiça ao poder. Os relatos contidos nesta obra são valorosos, pois temos uma
percepção apurada sobre como ocorriam as interações cotidianas entre os diferentes cargos da
administração pública, que iam para além das relações impessoais e legais, ficando evidente
as disputas e buscas pelo poder.
Por ter dividido espaço com a presidência de província, em especial quando assumiu a
secretaria do presidente Francisco Bibiano de Castro, em 1837, Lisboa deu ênfase a esse
cargo, destacando a sua frequente utilização em beneficiar alguns grupos partidários, que
trocavam favores entre si. O desembarque do presidente nas terras do Maranhão era um
momento de grande comoção social e política, despertando não só a atenção da população
mais pobre, que se levava pela curiosidade de entender o que se passava no porto, mas
também a oportunidade dos agentes políticos locais, que se aproximaram e conquistaram
apoio do enviado da Corte, uma vez que ele, além de servir como uma ponte entre o Rio de
Janeiro e a província, poderia conceder benefícios políticos, como a nomeação de alguns
indivíduos aos cargos públicos. Assim, Lisboa denunciou a dependência dos grupos locais em
relação ao governo central, pois, através dos presidentes nomeados, eles eram capazes de
regular os conflitos, os quais, muitas vezes, acabavam quando os presidentes assumiam uma
posição que favorecesse um grupo específico.
Contudo, entendemos que mesmo sendo as maiores autoridades na província,
detentores de diversas atribuições administrativas e titulações, os delegados régios agiam em
conjunto com outros agentes públicos. Essa relação poderia ocorrer através de práticas
clientelísticas ou de apadrinhamento (servindo como estratégia para aumentar a sua rede de
sociabilidade e viabilizar uma carreira política ascendente) e, até mesmo, dentro da própria
administração pública (que era composta por diversos cargos, cada um com suas atribuições
racionalmente distribuídas e justapostas, formando a burocracia estatal). No nosso trabalho,
daremos destaque a este último aspecto. Afirmamos, desde já, que deixaremos de lado as
práticas clientelísticas e as redes de sociabilidade tecidas pelos presidentes, uma vez que as
documentações trabalhadas não nos permitem assumir tal empreitada, além do que esta seria
uma temática que, por si só, renderia um trabalho exclusivo.
55
Ao elaborar um arcabouço burocrático e institucional, o processo de modernização
política procurou conferir maior agilidade e eficiência às instituições, expandindo o poder do
Estado. Nesse processo houve a valorização do Direito Público pelos legisladores do governo
imperial, para o qual as leis foram as bases para a formação jurídica do país. Nesse sentido,
essas leis eram concebidas como instrumentos de implantação de uma visão de Estado,
incorporadas e transmitidas pelas instituições públicas no momento que essas legislações
especificavam as suas atribuições e (re)definiam seus espaços de atuação. Dessa forma, os
aparatos institucionais e burocráticos do país funcionavam como meio de ação prática do
poder do Estado na sociedade. Isso tornou possível a manutenção da ordem a partir do
controle social.
Além disso, as legislações não se mantiveram estáticas, pois as suas modificações
foram necessárias para o aperfeiçoamento das instituições que elas regiam, ampliando o
campo de ação do próprio Estado – por isso não foi sem propósito que, mesmo após o
estabelecimento de uma Carta Constitucional, houve diversos acréscimos e modificações na
mesma, em busca de uma melhor racionalização e eficácia da ordem administrativa. Isso
possibilitou que elas conseguissem transmitir ideias e valores específicos à população (o que
não significa dizer que elas foram sentidas e incorporadas de forma homogênea pela
sociedade), como as de nação, cidadania e civilidade.
Mas, como já afirmamos anteriormente, esse processo coincidiu com as reivindicações
das elites provinciais, que almejavam maior autonomia administrativa e participação nas
atividades do Estado. Como resultado, chegou-se a um arranjo institucional que lhes concedeu
alguns privilégios. Isso nos leva a destacar a figura dos presidentes enquanto agentes régios,
que, mesmo sendo as maiores autoridades públicas nas províncias, estavam sujeitos às
diversas instituições para agir de acordo com os seus papéis legalmente estabelecidos, manter
a ordem social e o bom funcionamento das instituições públicas. Entendemos, então, que os
governantes foram peças importantes do Estado imperial para a garantia da implementação de
uma ordem institucional, tendo em vista que, durante a sua atuação nas províncias, eles
assumiam a tarefa de propor, fiscalizar e executar as leis. Ao mesmo tempo, os presidentes
estavam envoltos com outros agentes que deveriam atuar em conjunto.
1.2.1 Os delegados régios no processo de modernização política
A instituição do cargo ocorreu em paralelo com a formatação da administração
provincial. Isso se deu dentro de um cenário político marcado pelas críticas às Juntas
56
Provisórias, onde, para muitos, elas ameaçavam a soberania de Dom Pedro I em gerenciar o
território brasileiro e afetavam os interesses de algumas regiões, em especial aquelas do
Centro-sul do país.
Como analisamos acima, diversos setores sociais estavam imbuídos por ideias
constitucionalistas e liberais, que levaram à abertura da Assembleia Constituinte em 1823,
tendo como objetivo reunir deputados das províncias que debateriam sobre qual desenho
institucional o Estado brasileiro assumiria. Era consenso entre grande parte dos legisladores
que a unidade territorial e a manutenção da ordem social só seriam possíveis através de uma
monarquia constitucional. Entretanto, nas sessões se destacavam duas visões de administração
antagônicas: uma mais centralista e outra que defendia o federalismo, garantindo maior
autonomia aos poderes provinciais. Perante este dilema, emergiu a figura do presidente de
província.
Em 1823, as províncias ganharam uma formatação provisória através da Lei de 20 de
outubro, cuja essência seria mantida em vigor até 1834. Em seu primeiro artigo foram
atendidas as reivindicações de extinção das Juntas Provisórias e, no artigo seguinte,
determinou-se que os governos regionais ficariam confiados, provisoriamente, aos Conselhos
Presidiais e aos presidentes de província.
Os presidentes, além de serem os executores e administradores da província, eram
agentes nomeados e amovíveis pelo Imperador. Entendemos que esse foi um mecanismo do
governo central de fazer o seu poder presente nas províncias e abrandar o exercício autônomo
dos poderes locais e regionais. Ao mesmo tempo em que seriam introduzidos sujeitos que
estariam em sincronia com as necessidades da Corte do Rio de Janeiro, os próprios
governantes em exercício passariam a incorporar a sua agenda política, para evitar a sua
remoção do cargo e um deslize na sua carreira política. Outra preocupação tomada nesse
sentido era a indicação de indivíduos oriundos de regiões distintas daquelas em que atuavam,
que era o caso da maioria daqueles analisados no nosso trabalho.
QUADRO 1 – Os presidentes da província do Maranhão e suas respectivas origens (1827-
1841)
NOME ORIGEM
Manuel da Costa Pinto Rio de Janeiro
Candido José de Araújo Viana (Conde de Palma) Rio de Janeiro
Joaquim Vieira da Silva e Sousa Maranhão
Antônio Pedro da Costa Ferreira (Barão de Pindaré) Maranhão
Francisco Bibiano de Castro Rio de Janeiro
Vicente Tomás Pires Figueiredo Camargo Minas Gerais
Manuel Felizardo de Sousa e Melo Minas Gerais
57
Luiz Alves de Lima (Duque de Caxias) Rio de Janeiro
João Antônio de Miranda Rio de Janeiro
Fonte: LIMA, 2008; MARQUES, 2008; SACRAMENTO BLAKE, 1895.
Podemos perceber que entre os anos de 1827 e 1841, a maioria dos presidentes era de
outras regiões do país – com algumas exceções, como foi o caso dos presidentes Antônio
Pedro da Costa Ferreira e Francisco Bibiano de Castro. Em tese, esta medida seria um meio
de dificultar a cooptação dos governantes pelas elites que se encontravam nas províncias,
certificando assim que eles estariam em sintonia com a visão administrativa da Corte carioca
e não com os interesses particulares locais. Já os vice-presidentes eram sujeitos de sua própria
região, sendo esta uma forma de concessão política da Corte para as províncias.
Quanto aos Conselhos, estes seriam compostos por seis conselheiros, cada um eleito
da mesma forma em que eram eleitos os deputados da Assembleia Geral, ou seja, através de
eleições indiretas – no primeiro momento, os cidadãos ativos votavam naqueles que seriam os
eleitores, e estes, por sua vez, elegiam os deputados ou os conselheiros. No final das eleições,
aqueles que tivessem a maior quantidade de voto seriam empossados também como vice-
presidente de província e assumiriam o posto de presidente em caso de ausência do mesmo.
Não poderiam ser eleitos os cidadãos com menos de trinta anos e sem terem estabelecido
residência na província por, no mínimo, seis anos – essa exigência mostrava a preocupação de
alocar no Conselho pessoas que tivessem conhecimentos sobre a região, assim como um meio
de estabelecer um espaço de atuação para as elites políticas no governo.
As reuniões deveriam ocorrer obrigatoriamente uma vez por ano, mas os delegados
régios poderiam convocar os conselheiros e abrir sessões extraordinárias, caso eles julgassem
necessário. Ali, os assuntos eram postos em debate, onde ambos faziam propostas de leis para
serem votadas e deliberadas. Durante as votações, os conselheiros teriam o voto deliberativo,
aprovando ou não as propostas que viriam a se tornar lei, enquanto o presidente teria o voto de
qualidade, ou seja, o voto de desempate. Assim, os conselheiros participavam dos projetos
que envolviam a sua província, mas, ao mesmo tempo, essa instituição lhes oferecia a
oportunidade de colocar em pauta interesses que julgassem necessários, viabilizando o
atendimento das vontades das elites locais. Tal dinâmica já seria uma forma de privilegiar os
grupos locais específicos, ao indicar a construção de uma ponte ou estrada em uma localidade,
em detrimento de outra, favorecendo o desenvolvimento comercial e agrícola de fazendeiros
que tivessem parcerias com os membros do Conselho.
Outra importante atribuição dessa instituição foi em relação às decisões sobre as
finanças e despesas provinciais. As Juntas continuaram a tratar da administração e
58
arrecadação da fazenda pública, mas o Conselho Presidial tinha à sua disposição, para
despesas ordinárias, a oitava parte das sobras das rendas da Província, cabendo ao presidente,
juntamente com os conselheiros, determinar as despesas extraordinárias – porém não antes da
aprovação prévia do Imperador.
Avaliando esses artigos, percebemos que durante os debates da Assembleia
Constituinte houve a preocupação em criar nas províncias uma instituição que acomodasse os
poderes políticos que ali se encontravam. Porém, essas medidas não poderiam ser vistas
enquanto uma vitória para aqueles que defendiam o federalismo. Os Conselhos Presidiais
funcionariam enquanto porta-vozes dos cidadãos e de atendimento dos interesses das elites
regionais; a presidência da província, por sua vez, refletiria a tendência centralizadora do
governo, pois, neste desenho administrativo, os delegados régios possuíam maiores poderes
de decisão e de fiscalização em relação às demais forças provinciais.
Isso fica mais claro no artigo 8º, por garantir que os presidentes despachariam e
decidiriam, por si só, todos os negócios da província, ou seja, a palavra final era dele. Esses
negócios eram:
1º Fomentar a agricultura, comércio, industriam, artes, salubridade, e comodidade
geral;
2° Promover a educação da mocidade;
3° Vigiar sobre os estabelecimentos de caridade, prisões, e casas de correção e
trabalho.
4° Propor que se estabeleçam Câmaras, onde as deve haver;
5° Propor obras novas, e concertos das antigas, e arbítrios para isto, cuidando
particularmente na abertura de melhores estradas e conservação das existentes;
6° Dar parte ao Governo dos abusos, que notar na arrecadação das rendas; 7° Formar censo, e estatística da Província;
9° Promover as missões e catequese dos Índios, a colonização dos estrangeiros, a
laboração das minas, e o estabelecimento de fábricas minerais nas Províncias
metalíferas;
10º Cuidar em promover o bom tratamento dos escravos, e propor arbítrios para
facilitar a sua lenta emancipação;
11º Examinar anualmente as contas de receita e despesa dos Conselhos, depois de
fiscalizadas pelo Corregedor da respectiva comarca, e bem assim as contas do
Presidente da Província;
12º Decidir temporariamente os conflitos de jurisdição entre as Autoridades. Mas si
o conflito aparecer entre o Presidente e outra qualquer Autoridade, será decidido
pela Relação do Distrito; 15º Atender às queixas, que houver contra os funcionários públicos, mormente
quanto á liberdade da imprensa, e segurança pessoal, e remetê-las ao Imperador,
informadas com audiência das partes, presidindo o Vice-Presidente, no caso de
serem as queixas contra o Presidente;
16º determinar por fim as despesas extraordinárias, não sendo, porém, estas
determinações postas em execução sem prévia aprovação do Imperador. Quanto ás
outras determinações do Conselho, serão obrigatórias, enquanto não forem
revogadas, e se não opuserem ás Leis existentes76.
76 BRASIL. Carta de 20 de outubro de 1823. Art 24º
59
As 13º e 14º atribuições, que falavam a respeito da suspensão de magistrados e
comandantes militares, respectivamente, eram as únicas que os presidentes deveriam deliberar
em conjunto com os seus conselheiros.
Os governantes possuíam também o papel de conciliador, atuando como árbitro dos
conflitos administrativos, políticos e mesmo pessoais, para que não houvesse sobreposições
de poderes na ordem administrativa e cada cargo exercesse as funções que lhes eram próprias.
Mesmo sendo independentes dos presidentes e dos Conselhos, as administrações da Justiça e
da Força Armada sofriam influências dos chefes do executivo provincial, pois poderiam
suspender comandantes militares e magistrados. Sobre as queixas contra funcionários
públicos prevaricadores, liberdade de imprensa e pessoal, os presidentes, em conjunto com os
conselheiros, deveriam remetê-las ao Imperador depois da audiência com as partes envolvidas
– vale destacar que o mesmo presidente poderia sofrer queixas também, para o qual as
audiências seriam presididas pelo seu vice. No caso da justiça, os magistrados seriam
independentes, mas quando ocorressem atos de motins e revoltas, os governadores poderiam
suspendê-los. Este processo aconteceria em Conselho e de acordo com o Chanceler, depois
que o magistrado acusado fosse ouvido. Após a suspensão, os presidentes dariam parte à
Secretaria de Justiça, remetendo-lhe os autos comprobatórios que seriam enviados para o
Tribunal competente.
Nessa legislação também ficou estabelecida a dependência do Comandante Militar em
relação à autoridade civil. Caso fosse necessário empregar as Forças Armadas “contra os
inimigos internos”, os comandantes deveriam ter uma resolução prévia dos presidentes e
somente após a aprovação em Conselho é que seriam convocadas as assistências militares
necessárias. Já na Marinha Nacional, quando estacionassem nos portos da província, ela
ficaria subordinada ao governante que estivesse atuando ali, dando a “direção, que exigir o
bem e a segurança pública do Estado”77.
Além dessas atribuições que colocavam os presidentes em uma posição
institucionalmente privilegiada, podemos destacar outro ponto que lhes davam maiores
poderes e visibilidade nas províncias. Eles, assim como os antigos capitães-gerais, recebiam
tratamentos de Excelência e continência militar, conferindo-lhes status simbólico diante das
demais autoridades públicas e indivíduos da região.
77 Ibid., art. 32º.
60
A existência dessa legislação de 1823 não foi bem recebida por algumas províncias,
em especial aquelas do norte do país, pois criticavam não só a extinção das Juntas Provisórias,
mas também os alcances do poder executivo do presidente. Este tema foi debatido nas sessões
da Assembleia Constituinte, onde alguns deputados apontavam o cargo enquanto um ato
“despótico” do Imperador, para que ele controlasse as províncias. Houve então propostas,
porém sem sucesso, para amenizar esta percepção, como foi o caso daquela proferida por
Pernambuco Henriques de Resende, que defendia a indicação de alguém de dentro da
província para ocupar o cargo de chefe do poder executivo78.
A Lei de 20 de outubro de 1823, mesmo sendo provisória, já mostrava sinais para o
estabelecimento de uma hierarquia entre os poderes nacionais, provinciais e municipais,
tomando os presidentes enquanto centros, uma vez que eles possuíam uma evidente
autoridade sobre os poderes instituídos nas províncias. Após a dissolução da Assembleia
Constituinte, foi outorgada a Carta Constitucional de 1824. A essência dessa lei permaneceu,
pois grande parte das atribuições que foram definidas para tais instituições permaneceram
inalteradas até o ano de 1834.
No artigo 165º ficou reafirmada a criação do cargo de presidente de província e sua
área de atuação, onde “em cada Província um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o
poderá remover, quando entender, que assim convém ao bom serviço do Estado”79. Este
presidente permanecia enquanto chefe do Poder Executivo na província, atuando sob a égide
do discurso de “defesa dos interesses do Estado”, pois estava suscetível de ser destituído do
cargo quando não apresentasse um “bom serviço”, ou seja, quando não cumprisse as ordens
emanadas pelo governo central. E, como já apontamos, uma das preocupações do governo
central era a garantia da ordem social e da unidade entre as distintas regiões, fazendo com que
os presidentes assumissem o mesmo discurso para evitar uma possível destituição e
inviabilizar as suas próprias carreiras políticas.
Quanto ao Conselho Presidial, não foi feita nenhuma referência, o que não impediu
que essa instituição continuasse fazendo parte da estrutura administrativa imperial.
Ao ignorar o Conselho Presidial, por lapso, negligência ou por interpretar que a
Carta de 1823 atendia a todos os aspectos relacionados ao órgão, a Carta
Constitucional de 1824 corroborou com o projeto, permitindo que os Conselhos
Presidiais fossem instituídos nas províncias.80
78 SLEMIAN, 2006. 79 BRASIL, 1824, art. 165º, grifo nosso. 80 CIRINO, Raissa Gabrielle Vieira. O Conselho Presidial do Maranhão (1825 – 1829). 85p. Monografia
(Graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, São Luís, 2013, p. 24.
61
Vale destacar que esse Conselho durou até o ano de 1834, sendo extinto pela Lei nº 40
de 3 de outubro, que regulamentava as atribuições dos presidentes, mostrando que não era
mais adequada a utilização de conselheiros. Porém, o Ato Adicional criou as Assembleias
Legislativas Provinciais, levando os presidentes a governarem em conjunto com os deputados
provinciais.
Retomando à Constituição, no Capítulo V do Título 4º ficou instituído outro
mecanismo de representatividade política das províncias: os Conselhos Gerais de Província.
Essa instituição foi claramente influenciada por ideais liberais, pois elas garantiam o “direito
de intervir todo o cidadão nos negócios de sua Província”81. Esses Conselhos deveriam ser
alocados nas Capitais das províncias e a quantidade de componentes variava de acordo com o
número da população, sendo vinte e um para as mais populosas (como era o caso do
Maranhão, Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul) e
as demais seriam compostas por treze membros. Os conselheiros deveriam ter idade superior
a vinte e cinco anos e seriam eleitos de forma indireta, assim como no caso dos membros dos
Conselhos Presidiais. Não poderiam concorrer ao cargo o presidente da província, o seu
secretário e nem os Comandantes de Armas.
Todos os anos haveria sessões que durariam por dois meses, podendo ser prorrogadas
por mais um mês, caso fosse conveniente para os conselheiros. Aqui já percebemos uma
diferença entre o Conselho Geral e o Conselho Presidial, pois a prorrogação das sessões não
dependeria dos presidentes de província, mas sim dos próprios conselheiros provinciais.
Nessas sessões, assim como no Conselho de Presidência, os conselheiros tinham como
função “propor, discutir e deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas Províncias,
formando projetos peculiares e acomodados às suas localidades e urgência”82, ficando
proibido de versarem sobre assuntos de “interesses gerais da nação”, de quaisquer ajustes de
outras províncias ou de assuntos que eram de competência da Câmara dos Deputados. Caso
isso ocorresse, cabia aos presidentes intervirem.
As sessões eram momentos de grande valia para fazendeiros e grandes proprietários de
terras, por exemplo, devido aos assuntos que lhes diziam respeito, como escravidão,
arrecadação fiscal, obras públicas e tranquilidade pública. Estes temas ainda poderiam ganhar
destaque nas sessões e receber legislações específicas que aprimorassem determinado ramo.
Todavia, mesmo sendo espaços de debates sobre projetos voltados para a província, os
Conselhos não tinham a capacidade de legislarem sobre os assuntos abordados, pois todas as
81 BRASIL, 1824, art. 71º. 82 Id., 1824, art. 81º.
62
resoluções tratadas ali teriam que ser avaliadas pelos presidentes. É nessa relação que os
governantes se sobrepõem aos conselheiros, pois eles analisavam se determinadas propostas
eram ou não necessárias para o desenvolvimento das províncias, para só então remetê-las à
Assembleia Geral. O mesmo acontecia na esfera municipal, pois os projetos tratados pelas
Câmaras, acerca dos assuntos locais, eram expedidos ao Conselho Geral para serem
analisados pelo presidente e enviados à Assembleia Geral.
Caso a Assembleia se encontrasse reunida, as propostas seriam enviadas pela
respectiva Secretaria de Estado para serem classificadas como “projetos de lei”, para obterem
ou não a aprovação da Câmara dos Deputados e ganharem status de “lei”. Se a Assembleia
não se encontrasse reunida, cabia ao Imperador interinamente suspendê-los ou aprová-los.
Dessa forma, os presidentes de província tinham importância fundamental na interlocução das
esferas municipais e provinciais com o governo central.
Mesmo sendo previstos na Constituição de 1824, os Conselhos Gerais só foram
regulamentados e efetivados em 1828, com a Lei de 1º de outubro. No Maranhão, ele foi
instalado em 1º de dezembro de 1829, com a posse dos 21 conselheiros, tendo como
presidente Cândido José de Araújo Vianna. Isto fez com que o Conselho Presidial
redimensionasse as suas tarefas e discussões para evitar uma possível justaposição de poderes.
As discussões que envolvessem as Câmaras Municipais e suas obrigações, por exemplo, agora
deveriam ser repassadas ao Conselho Geral. Medidas como esta evitavam possíveis
rivalidades durante a coexistência dos dois órgãos, proporcionando uma atuação
complementar, a fim de contribuir para o processo de modernização política83. Em fevereiro
de 1835 esse Conselho encerrou suas atividades, sendo substituído pela Assembleia
Legislativa Provincial.
Nota-se aqui que não estamos afirmando que a Constituição de 1824 buscou um
esvaziamento dos poderes provinciais, pelo contrário, essas instituições (Conselho Presidial e
Conselho Geral de Província) foram um meio de atender às reivindicações das elites
regionais. Por isso, juntamente com os presidentes, buscou-se um equacionamento dos
poderes entre governo central e governos das províncias, onde o resultado final seria a criação
de canais de representatividade política, ao mesmo tempo em que fosse garantido um
balanceamento favorável ao centralismo político, através do fortalecimento dos presidentes.
A coexistência entre a presidência de província e os Conselhos Gerais não findou as
discussões políticas entre as autoridades políticas provinciais e o governo central. Pelo
83 CIRINO, 2013.
63
contrário, fomentaram-se novas questões no que diz respeito ao equilíbrio de poderes entre
estes, ficando ainda mais evidentes as tentativas de garantir uma autonomia administrativa
provincial frente ao projeto reformista centralizador iniciado por Dom Pedro I.
Até o final da década de 1820, foram intensos os debates na Câmara dos Deputados a
respeito dos delegados régios. As principais críticas feitas a este cargo eram a respeito das
suas atribuições. Os agentes do Imperador, ao acumularem em torno de si várias atribuições,
passaram a ser vistos pelos poderes das províncias como “déspotas” em potencial. Eles eram
responsáveis, por exemplo, por inspecionar o cumprimento das leis, sejam em âmbito
provincial, sejam na esfera municipal; tratavam do auxílio à educação, à agricultura, das
decisões de jurisdição nos distritos; eram responsáveis pelas Juntas da Fazenda Pública; e
fiscalizavam as despesas e receitas da província. Além disso, por eles passavam todas as
legislações elaboradas pelos Conselhos Gerais de Província e pelas Câmaras Municipais, que,
após o aval, eram encaminhadas à Assembleia Geral para serem aprovadas. Mas, ainda assim,
esses governantes possuíam certas limitações administrativas, como quando observamos que,
ao deliberar sobre algum objeto, eles deveriam prestar esclarecimentos aos Conselhos Gerais
quando solicitados, ou quando suspendessem magistrados e comandantes militares – estes em
caso de motim.
Nesse contexto, não podemos dizer que os poderes locais se acomodavam diante da
situação. Muitas eram as propostas de revisão do cargo de presidente de província que saíam
das províncias e chegavam às discussões na Câmara dos Deputados, através de seus
representantes que ali ocupavam um cargo. Um dos assuntos mais recorrentes nas sessões da
Câmara era a regulamentação do cargo dos presidentes, através de um regimento que tivesse a
possibilidade de reduzir o seu poder administrativo, sobretudo para que não se tornasse um
“déspota” em nível provincial, garantindo assim uma maior autonomia dos Conselhos Gerais.
Andrea Slemian, em um dos seus estudos84, aborda os debates que ocorriam na
Câmara dos Deputados acerca dessa temática. Ela destaca, por exemplo, o caso do deputado
paulista Francisco de Paula Souza e Mello, que propôs uma emenda constitucional para que a
fiscalização das receitas e despesas provinciais passasse a ser atividade exclusiva dos
Conselhos Gerais. Contudo, este projeto de lei foi recusado pela Câmara.
Outro caso, ainda na Assembleia Constituinte de 1823, a autora analisa a fala do
deputado Antônio Carlos de Andrada Machado, que tratou a respeito da exclusividade do
84 SLEMIAN, Andréa. “Delegados do chefe da nação”: a função dos presidentes de província na formação do
Império do Brasil. Disponível em: http://www.almanack.usp.br/PDFS/6/06_artigo-01.pdf. Acesso em 10 de jun.
2013.
64
Imperador em poder escolher estes presidentes. Urdido de um discurso de “participação do
povo na escolha de seus representantes”, ele propôs que a seleção dos presidentes deveria se
efetivar por eleição, na qual cada província enviaria uma lista com três nomes de candidatos a
serem escolhidos pelo imperador. Este projeto também foi rejeitado.
Essas e outras propostas entraram em pauta para que fossem incorporadas em um
regimento direcionado aos presidentes de província, mostrando os esforços políticos
provinciais em reduzir as atribuições dos governantes e, consequentemente, garantir suas
autonomias administrativas frente ao poder central. Contudo, tal regimento não fora criado de
imediato, mas apenas em 1834, com a “Lei nº 40, de 3 de outubro”. Esta demora se deu por
causa do “avanço liberal”, período no qual se tem um vácuo no trono brasileiro e muitos
deputados passaram a se preocupar com uma reforma constitucional, que resultaria no Ato
Adicional de 1834 e no pacto federalista85, proporcionando uma maior autonomia às
províncias.
Antes de abordarmos as Assembleias Provinciais e a regulamentação do cargo de
presidente de província, vale destacar a participação das Câmaras Municipais neste cenário.
Como já abordado anteriormente, as Câmaras Municipais eram órgãos que representavam as
elites locais e que durante o período colonial gozavam de grande autonomia, inclusive o de
interferência na legislação em que estavam sujeitas, o que inviabilizava a criação de um
aparato institucional coeso e homogêneo no Brasil.
Na Constituição de 1824, elas foram rebaixadas ao centro administrativo das Cidades
e Vilas, onde exerceriam suas funções municipais (como a elaboração de posturas policiais e
aplicação de suas rendas). Tal condição foi reafirmada com a Lei de 1º de outubro de 1828,
colocando-as sob inspeção direta dos Conselhos Gerais e fiscalização indireta dos presidentes.
Esta iniciativa possibilitou que o governo central, através do governo das províncias,
controlasse os poderes locais, delineando padrões de inserção no novo Estado. Após 1834,
ocorreu então a instituição dos governos provinciais autônomos, que funcionavam também
enquanto um prolongamento dos poderes da Corte, garantindo uniformidade na organização
das Câmaras, através de leis que seriam equivalentes para toda a nação86.
Victor Nunes Leal diz que, desde o regresso de Dom João VI para Portugal até o ano
de 1828, tomaram-se diversas medidas para enfraquecer a esfera municipal. O governo central
tomava como concepção a chamada “doutrina da tutela, [...] que consistiria em comparar o
85 DOLHNIKOFF, 2005. 86 Idem.
65
município, na ordem administrativa, não menos, na ordem civil”87, onde a incapacidade destas
Câmaras em exercer suas funções justificaria a fiscalização destas por outros “poderes
adultos”, que seriam o Conselho Geral e o presidente da província.
Com a promulgação do Ato Adicional, em 1834, ocorreram mudanças fundamentais,
refletindo a conquista de espaço do modelo federalista na política imperial. As províncias
ganharam maior relevância no aparato institucional que se desenhava. A principal mudança
neste sentido foi a extinção dos Conselhos Gerais e a criação das Assembleias Legislativas
Provinciais, instituição que passou a ser a representante das elites provinciais.
Os deputados provinciais continuavam sendo eleitos em suas regiões, da mesma forma
que eram os antigos conselheiros. Eles atuavam juntamente com o presidente da província,
mas diferentemente dos Conselhos Gerais, o número de deputados mudou, aumentando para
36 membros nas províncias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo; 28 nas
do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul; e 20 em todas as outras –
este número poderia ser alterado por Lei Geral. A elevação da quantidade de membros
participantes mostrou indícios do governo central em ampliar a margem de participação dos
poderes das províncias nos assuntos que lhes competiam. Contudo, uma das alterações mais
importantes foi a possibilidade dos deputados provinciais de legislarem sobre os temas e
assuntos referentes à sua província.
Conforme o artigo 10, agora as Assembleias poderiam legislar sobre:
1º Sobre a divisão civil, judiciária, e eclesiástica da respectiva Província, e mesmo
sobre a mudança da sua Capital para o lugar que mais convier.
2º Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não
compreendendo as faculdades de Medicina, os Cursos Jurídicos, Academias
atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o
futuro forem criados por lei geral;
3º Sobre os casos e a forma por que pode ter lugar a desapropriação por utilidade
municipal ou provincial;
4º Sobre a polícia e economia municipal, precedendo propostas das Câmaras. 5º Sobre a fixação das despesas municipais e provinciais, e os impostos para elas
necessários, com tanto que estes não prejudiquem as imposições gerais do Estado.
As Câmaras poderão propor os meios de ocorrer ás despesas dos seus municípios.
6º Sobre repartição da contribuição direta pelos municípios da Província, e sobre a
fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas
da sua receita e despesa.
7º Sobre a criação e supressão dos empregos municipais e provinciais, e
estabelecimento dos seus ordenados.
8º Sobre obras públicas, estradas e navegação no interior da respectiva Província,
que não pertençam a administração geral do Estado.
9º Sobre construção de casas de prisão, trabalho e correção, e regime delas. 10 Sobre casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou
religiosas88.
87 LEAL, 1986, p. 74-75.
66
O Ato Adicional refletiu o pacto federalista incorporado pelo Estado brasileiro, uma
vez que se criou um arranjo institucional entre o central e as províncias, sendo que cada esfera
tinha o poder de legislar sobre os seus próprios assuntos. Os grupos provinciais que resistiam
ao domínio do Rio de Janeiro, temendo o republicanismo, preferiram aderir a uma monarquia
federalista, aos padrões dos Estados Unidos, mas negando as características democráticas
deste, excluindo grande parte dos setores sociais e garantindo os interesses de uma minoria.
Mas, além de atender aos anseios dos poderes provinciais, a federação foi tomada como forma
de conceder maior eficiência administrativa para as Províncias, garantindo expansão do poder
do Estado e possibilitando que estes adentrassem nas mais distantes regiões do país. Sobre
isso, Mirian Dolhnikoff afirma:
Governos provinciais autônomos eram sinônimo de eficiência administrativa, por
terem eles recursos para se impor a um território longínquo demais para ser
alcançado pela burocracia da Corte. O Estado que então se constituía carecia de um
aparelho burocrático e administrativo capaz de impor sua hegemonia sobre todo o
território da América portuguesa. As dificuldades de comunicação e de transporte,
aliada à escassez de funcionários, tornavam impossível uma centralização excessiva.
A criação de governos autônomos provinciais significava a organização de um
aparato administrativo local que poderia e deveria servir como braço do Estado na
região, uma condição sine qua non para a construção de um Estado nacional
viável89.
Nesse cenário, as Assembleias Provinciais foram as principais instituições em que os
grupos dominantes locais poderiam assumir a direção político-administrativa das províncias.
Contudo, os deputados contavam com a participação dos presidentes de província, como
forma de limitar os seus poderes e garantir que as ordens do governo central entrassem em
pauta nas discussões dos deputados que ali atuavam.
Uma das competências que antes era dos presidentes, em conjunto com os Conselhos
Gerais, mas que foi direcionada aos deputados, foi a possibilidade de cobrar impostos
internos. Esta autonomia tributária se tornava condição para a eficácia na cobrança dos
impostos, pois os governos das províncias estavam mais bem aparelhados para efetuá-la em
sua localidade já que conheciam melhor a sua realidade. Esta autonomia tributária garantia,
por exemplo, verbas para o desenvolvimento de obras públicas, como o investimento em
estradas e vias de transporte que auxiliassem no escoamento de mercadorias – em especial,
poderia ser um meio de favorecer elites econômicas que tivessem alguma relação com os
88 BRASIL, Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, art. 10º. 89 DOLHNIKOFF, 2005, p. 64.
67
deputados, beneficiando a localidade em que determinada fazenda se encontrava. Para o
governo central, esta autonomia tributária tinha uma dupla função:
Primeiro, evitava o surgimento de movimentos separatistas, pois essa era uma das
principais reivindicações das elites provinciais. Segundo, ao transferir para as
províncias os chamados impostos internos, o governo central tornava mais eficiente
sua arrecadação, ampliando a receita do Estado, ao qual esses governos provinciais
estavam vinculados90
Outra atribuição que antes pertencia aos presidentes, mas que agora foi incorporada
pelos deputados, foi a possibilidade de suspensão e demissão de Magistrados. Isto aconteceria
no caso de queixa de crime de responsabilidade. A respeito do funcionário público, os
deputados poderiam também controlar os empregos provinciais e municipais, cuja nomeação,
criação, extinção e modificação de empregados se efetivavam através das Assembleias
Provinciais. Os empregos públicos tinham função estratégica no jogo político, já que eram
utilizados como “moedas de troca” nas redes clientelistas em que os deputados se
encontravam.
As constantes solicitações de emprego eram medidas pela influência política, no que
diz respeito aos empregos provinciais e municipais, os deputados dispunham de
ampla margem de ação para fornecer seus apadrinhados, maior inclusive do que o
próprio presidente da província. [...] O controle sobre os empregos provinciais e
municipais, garantia para a elite provincial capacidade de organizar uma
administração pública autônoma e instrumentos para se impor no jogo político
clientelista.91
Percebemos que as Assembleias serviam como ambientes para acomodações de
diversas elites e interesses, promovendo a conexão entre estes grupos e a expressão de seus
desejos, o que transformou estas Assembleias em espaços de estratégias políticas e
negociações destes grupos. Maria de Fátima Silva Gouvêa, ao analisar o caso da Assembleia
fluminense, destaca que esta instituição era um importante espaço para desenrolar de conflitos
políticos existentes entre grupos locais opositores. Ela divide ainda os deputados provinciais
em dois grupos: aqueles que, através de uma complexa rede de relações, criadas dentro das
Assembleias, tinham capacidade suficiente para reforçar seus pedidos e ganhar apoio; e o
outro grupo que não tinha influência, não conseguindo tanta representatividade nas sessões,
permanecendo, muitas vezes, em silêncio e não expressando suas ideias. A pesquisadora
afirma ainda que os deputados utilizavam esta instituição como forma de pressionar o governo
90 Ibid., 171. 91 Ibid., p. 192-193
68
central a atender às necessidades de sua região92. Isto mostra que os governantes estavam
envolvidos com as elites econômicas e políticas provinciais, com poderes político-
administrativos relevantes para ter que deixar de lado um posicionamento unilateral de suas
práticas políticas, o que favoreceria apenas o governo central. Ou seja, considerar a
interferência dessas elites viabilizava o papel enquanto agentes régios e tecia as suas carreiras
políticas.
Nessa mesma legislação ficaram especificadas algumas atribuições dos presidentes de
província, como a de convocar as reuniões ordinárias e extraordinárias das Assembleias;
suspender ou vetar as leis provinciais, caso elas extrapolassem o campo de jurisdição
provincial ou se mostrassem dissonantes com as necessidades do governo central; e expedir
ordens, instruções e regulamentos adequados para a “boa execução das leis provinciais”93.
O veto da presidência foi um dos principais mecanismos de cercear o poder de decisão
dos deputados provinciais. Este veto poderia ser derrubado caso dois terços dos deputados
votassem contra. Mesmo sendo um quórum alto e difícil de atingir, os presidentes tinham que
ser capazes de negociar com um terço da elite provincial assentada na Assembleia, fazendo-
lhes concessões para poder exercer seus deveres constitucionais.
Em 3 de outubro foi oficializada a Lei nº 40, que extinguia os Conselhos Presidiais e
regimentava os presidentes de província. Em seu primeiro artigo foi reafirmado que os
presidentes seriam as maiores autoridades de região e que “todos os que nela se acharem serão
subordinados, seja qual for a sua classe ou graduação”94. A Lei nº 40 garantia também as
mesmas honrarias concedidas pela Lei de 20 de outubro de 1823, de Excelência e horas
militares; e determinava os seus ordenados – os presidentes do Rio de Janeiro, Bahia,
Pernambuco, Maranhão, Pará, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul teriam o
ordenado anual de quatro contos de réis; os das outras províncias receberiam três contos e
duzentos mil réis. Estabelecia também as suas atribuições, que eram:
1º Executar, e fazer executar as Leis;
2º Exigir dos empregados as informações e participações em julgar convenientes
para a boa execução das Leis; 3º Inspecionar todas as Repartições, para conhecer o estado delas, e dar as
providencias necessárias para que estejam, e se conservem segundo as Leis;
4º Dispor da força a bem da segurança e tranquilidade da Província. Somente porém
nos casos extraordinários, e indispensáveis, fará remover as Guardas Nacionais para
fora dos seus Municípios, nem consentirá que os exercícios, mostra, ou paradas se
92 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008. 93 BRASIL, 1834, art. 24. 94 BRASIL, 1834, art. 1º.
69
fação fora das Paróquias respectivas: exceto se forem contiguas, ou tão próximas
umas ás outras, que pouco incomodo cause a reunião dos Guardas delas;
5º Exercer sobre as Tesourarias Provinciais as atribuições conferidas pela Lei de 4
de Outubro de 1831, que organizou o Tesouro Nacional;
6º Prover os empregos que a Lei lhe incumbe, e provisoriamente aqueles, cuja
nomeação pertença ao Imperador;
7º Cometer a empregados gerais negócios provinciais, e vice-versa;
8º Suspendera a qualquer empregado por abuso, omissão, ou erro cometido em seu
ofício, promovendo imediatamente a responsabilidade do mesmo, observando-se a
respeito dos Magistrados o que se acha disposto no art. 17 da Lei de 14 de Junho de
1831, que marcou as atribuições da Regência; 9 º Cumprir, e mandar cumprir todas as ordens e Decretos do Governo sobre
qualquer objeto da administração da Província, para o que lhe serão diretamente
remetidos;
10º Receber juramento, e dar posse aos empregados, cujo exercício se estenda a toda
a Província ou a uma só Comarca. Se forem corporações, o juramento e posse será
dado aos Presidentes delas;
11º Decidir temporariamente os conflitos de jurisdição, que se suscitarem entre as
autoridades da Província;
12º Participar ao Governo os embaraços, que encontrar na execução das Leis, e
todos os acontecimentos notáveis, que tiverem lugar na Província ou suas
imediações, ajuntando-lhes as reflexões sobre a origem, circunstancias e resultados das mesmas;
13º Informar com brevidade os requerimentos ou representações, que por seu
intermédio se fizerem ao Governo. Bem assim as promoções militares, as quais lhe
devem ser apresentadas, para dar sobre elas o seu parecer, sem o que não poderão
ser confirmadas;
14º Conceder licença aos empregados públicos, não excedendo este o prazo de três
meses, e havendo para isso justo motivo95.
Vimos então que os presidentes deveriam que atuar como uma espécie de fiscais e
executores das leis nas províncias, assumindo que estas leis tinham papéis importantes na
constituição do Estado, pois, ao mesmo tempo em que trabalhavam para estabelecer uma
ordem institucional, transmitiam regras e valores específicos na “moldagem” da população e
das instituições. Assim, era comum eles abrirem seus relatórios, mostrando a sua disposição
em fazer uma sondagem acerca das instituições públicas, para então propor as medidas que
viabilizassem a prosperidade da província. Isto fica exemplificado na fala de Manuel
Felisardo de Sousa e Mello:
Em observância do preceito, que me impoem o Artigo 8º da Lei de 12 de Agosto de
1834, venho expor-vos o estado das necessidades, que a Provincia sente nos diversos
ramos da Publica Administração; e indicar-vos os remédios, que mais conducentes
me parecem à remoção das mesmas: afim de que, decretando aquelles que forem
compativeis com os nossos recursos, hajaes de concorrer comigo para o
desenvolvimento dos preciosos germens de prosperidade, que encerra esta
interessante parte do territorio Brasileiro96.
95 Ibid., art. 5º 96 MARANHÃO. Discurso que recitou o Exm. Srn. Manoel Felisardo de Sousa e Mello, Presidente desta
Província, na occazião da abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1839.
Maranhão: Typographia de I.J. Ferreira. 1839, p. 1.
70
Nos relatórios podemos identificar a abordagem de temas como tranquilidade e ordem
pública, instrução, culto e policiamento público, administração da justiça e da fazenda,
municipalidades, saúde pública, catequese e civilização dos índios. Nestes eram comuns os
presidentes indicarem mudanças que giravam em torno de dois eixos principais: o primeiro se
referia às transformações de ordem material, as quais ocorreriam através de políticas públicas
específicas, direcionadas ao melhoramento do espaço físico das cidades (construção de fontes
e instalação de lampiões nas ruas) e ao desenvolvimento da economia regional (com a criação
de estradas e pontes); no segundo estavam aquelas mudanças de ordem moral da sociedade,
expressando-se em um discurso de defesa da civilização e moralidade pública, a fim de
aperfeiçoar o meio social e proporcionar uma transformação dos hábitos considerados
incompatíveis com o padrão de sociedade desejado. Contudo, as medidas indicadas pelos
governantes, como melhores caminhos a serem trilhados pelos deputados da província, tinham
em seu bojo a necessidade de fazê-los legislarem conforme as necessidades do governo
central.
A permanência do cargo de presidente, enquanto maior autoridade da província, não
era uma estratégia para reduzir os poderes provinciais, mas uma forma de adequar e garantir
que as decisões políticas tratadas pelos deputados estivessem dentro da agenda política do
governo central. O governo fiscalizava as instituições e os cargos ocupados nas províncias e
adequava as suas ações ao modelo de Estado defendido pelo Imperador e em nome do
Imperador.
Mas, além de delegados régios, os governantes poderiam fazer a intermediação entre
os deputados das províncias com a Assembleia Geral. Encontramos alguns casos de
requerimentos de deputados maranhenses aos presidentes, pedindo que estes levassem suas
representações para o governo central. Foi o que aconteceu em 1837, quando João Francisco
Lisboa, percebendo uma insuficiência no Tesouro provincial para a administração dos
negócios públicos da província, solicitou ao presidente Francisco Bibiano que levasse à
Assembleia Geral um projeto de representação, “pedindo uma nova partilha de rendas mais
favoráveis a Província, bem como a divisão dos bens nacionais e geraes e provinciais”97.
Outro projeto de representação, apresentado na mesma sessão da Assembleia Provincial, do
deputado Francisco Sotero dos Reis, solicitava o aumento do número de representantes do
Maranhão no Senado e na Câmara dos Deputados.
97 Id. Índice dos Anais da Assembleia Provincial do Maranhão (1835-1841). Setor de Códices. Arquivo
Público do Estado do Maranhão. Sessão de 5 de junho de 1837.
71
Reafirmamos que a federalização defendida aqui não era aquela que desconsiderava o
governo central, mas que possibilitava a autonomia provincial em tratar dos assuntos que
competissem à sua região, pois além de atender aos interesses políticos regionais, ela
possibilitava uma maior intervenção disciplinadora do governo provincial naquelas
instituições que se encontravam distantes “dos mais banais rituais do Estado moderno”98, já
que estava mais próximo dos governos municipais, resultando em uma ação mais efetiva. Esta
ação contaria também com a participação do presidente da província, fazendo com que os
órgãos municipais se enquadrassem nos procedimentos padrões da burocracia estatal. Isto nos
permite afirmar que a modernização política do Estado contribuiu tanto para a concessão de
favores e acomodação de interesses, quanto para a adequação daquelas instituições
consideradas atrasadas em relação a uma ordem constitucional e burocrática.
Analisando os relatórios dos presidentes, podemos afirmar que as instituições que
recebiam as maiores atenções e críticas eram as que atuavam em níveis locais, como as
Câmaras Municipais, a Guarda Rural, a Guarda Nacional, o Juizado de Paz e o Corpo de
Jurados. Tomemos aqui como exemplo o caso das Câmaras Municipais, que eram
representadas pelos presidentes enquanto “corpos sem vida”99.
Como ficara definido pela reforma constitucional, competia aos deputados
organizarem anualmente o orçamento das receitas e despesas das Câmaras. Para tal, os
deputados deveriam se basear nos dados expostos pelos presidentes, que, por sua vez,
deveriam recebê-los dos vereadores, conforme a Lei provincial nº 88 de 1840. Porém, a
ineficiência desses órgãos em seguir esta lei “tão esquecida, ou burlada”, impedia os trabalhos
legais da Assembleia Provincial e dos governantes. Logo, “de todas as Câmaras da Província,
as únicas que cumpriam o seu dever foram as de Guimarães e Paço, que remeteram seus
Orçamentos e Balanços em Fevereiro aquella e em Abril esta”100.
Esse caso apresentado pelo presidente João Antônio de Miranda não era isolado. A
mesma representação foi lançada pelo seu sucessor, Jerônimo Martiniano de Mello, que além
de apontar a ineficiência destas instituições, afirmava que os vereadores eram sujeitos faltosos
e que levavam suas “intrigas” e interesses privados para o espaço público:
Nada tenho que acrescentar ao que vos disse um dos meus antecessores sobre estes
Corpos Coletivos, que tão necessários são e tão profícuos deveriam ser em nossa organização social, e que entretanto se tem tornado, como por experiência sabeis,
98 DOLHNIKOFF, 2005, p. 47. 99 MARANHÃO, Discurso recitado pelo exmº snrº doutor João Antonio de Miranda, prezidente da
província do Maranhão, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de julho de 1841.
Maranhão: Typographia Monárquica Const. F. de S. N. Cascaes, 1841b, p.98. 100 Idem
72
instituição sem vida e sem zelo pelo bem estar do solo, se que deveriam curar, como
se tudo ai estivesse bem feito e otimamente administrado. As reuniões das Câmaras
se não fazem nas épocas marcadas por falta de comparecimento dos vereadores, e se
se fazem as intrigas particulares de mãos dadas com o espírito de partido que as
encapa dividem esses Empregados, inutilizam os esforços dos patriotas e fazem
aparecer resultados mesquinhos ou prejudiciais101.
Em um Estado que se encontrava em processo de consolidação enquanto nação, a
preservação de uma hierárquica de funções e poderes entre as instituições era necessário para
que os processos administrativos se tornassem mais ágeis e eficazes. Por isso, as legislações
tinham que ser tomadas enquanto regras a serem seguidas à risca, pois eram elas que
organizavam e distribuíam as atribuições de cada órgãos e agentes públicos no aparato
burocrático. Mas os casos destacados acima são exemplos de subversão deste ideal.
No Ato Adicional ficou determinado que os presidentes deveriam instruir os
deputados sobre o estado dos negócios públicos, apontando não só o panorama da situação
das instituições públicas e da sociedade, mas também a proposição de leis específicas para a
resolução de problemas que eles achavam mais urgentes e relevantes para o bem do Estado.
No período estudado, por exemplo, um dos assuntos em destaque nas falas dos presidentes em
seus relatórios, direcionados aos deputados provinciais, era a instrução pública. Este ramo
tinha grande importância para eles, pois era um dos mecanismos de moralização da sociedade
e adequação dos cidadãos a um padrão de civilidade102. Em 1838, o presidente Vicente de
Camargo, ao traçar um panorama da educação maranhense e suas instituições, teceu críticas à
Lei de 15 de outubro de 1827, que criava escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas
e lugares mais populosos do Império103, estabelecendo os locais do ensino, os ordenados dos
professores, as suas atribuições e as matérias a serem lecionadas104. As críticas levantadas
101 Id., Relatório que à Assembleia Legislativa da província do Maranhão appresentou o exm. Presidente
da mesma província, Jeronimo Martiniano de Mello, na sessão de 3 de maio de 1843. Maranhão, na
Typographia de I.J. Ferreira, 1843, p. 49-50. 102 SERRA JÚNIOR; Arnaldo Soares. Em defesa do estado e da ordem pública: representações, controle e
civilização dos pobres livres nos relatos dos presidentes de província do Maranhão (1836-1849). 85 p. 2011.
Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal do Maranhão – UFMA, São Luís, 2011. 103 BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. 104 Segundo a lei ficava estabelecido que:
Art. 1º Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haverá as escolas de primeiras letras que forem
necessárias; Art. 2º Os Presidentes das províncias, em Conselho e com audiência das respectivas Câmaras, enquanto não
estiverem em exercício os Conselhos Gerais, marcarão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as
que existem em lugares pouco populosos e remover os Professores delas para as que se criarem, onde mais
aproveitem, dando conta a Assembleia Geral para final resolução;
Art. 3º Os presidentes, em Conselho, taxarão interinamente os ordenados dos Professores, regulando-os de
200$000 a 500$000 anuais, com atenção às circunstâncias da população e carestia dos lugares, e o farão presente
a Assembleia Geral para a aprovação;
Art. 4º As escolas serão do ensino mútuo nas capitais das províncias; e serão também nas cidades, vilas e lugares
populosos delas, em que for possível estabelecerem-se;
73
pelo governante diziam respeito ao levantamento estatístico dos mapas entregues pelos
professores, os quais “não oferecem o quadro completo dos indivíduos, que recebem a
instrução primária e secundária n’esta Província”105. Isto, segundo o presidente, era fruto da
baixa remuneração recebida pelos Mestres, pois, desta forma, os professores não tinham
incentivos de “instruir a mocidade, uma vez que, em troco, se lhe outorgam tão poucas
vantagens”106. Como resultado, ele previu que:
as escolas serão pois regidas por Mestres inábeis, e quando por ventura, pessoa de
talento exerça o Magistério, vendo mal retribuídas as suas fadigas, não empregará
inteiro desvelo no ensino. De tudo isso resulta, que os alunos, ou alcançam vagaroso
adiamento, ou as aulas são pouco frequentadas107.
Para o melhoramento desse cenário, Vicente Camargo indicou que a educação
precisava de “Leis mais perfeitas do que a de 15 de outubro de 1827”. A partir do Ato
Adicional, a educação primária passou a ser de responsabilidade do governo provincial.
Assim, o presidente propôs aos deputados que eles criassem uma lei que:
imprima uniformidade na instrução elementar; que sujeite os Mestres a uma restrita
fiscalização; marque-lhes uma gratificação, em razão do aproveitamento do maior
número de alunos manifestados por exames rigorosos; descreva regras para
jubilação; determine os casos em que eles podem ser demitidos: uma Lei em fim,
que revista de considerações os Professores aos seus próprios olhos, e aos do
Público, convença aos omissos da certeza do castigo, e seduza os diligentes pelo
atrativos da recompensa108.
As falas desses agentes refletem muito mais que uma visão técnica sobre a província,
pois elas eram frutos de um contexto político e cultural, que serviu como base constituinte das
ideias políticas incorporadas e defendidas pelos governantes, além de suas concepções de
mundo moderno e civilizado. Assim, eles abordavam assuntos que seriam urgentes para a
Art. 5º Para as escolas do ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que couberem com a suficiência nos lugares
delas, arranjando-se com os utensílios necessários à custa da Fazenda Pública e os Professores que não tiverem a
necessária instrução deste ensino, irão instruir-se em curto prazo e à custa dos seus ordenados nas escolas das
capitais;
Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os
princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão
dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil (BRASIL, 1827). 105 MARANHÃO, Discurso que recitou o Exm. Snr. Vicente Thomaz Pires do Figueiredo Camargo,
Presidente desta Província, na occazião da abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio
de 1838. Maranhão: Typographia de I.J. Ferreira. 1838, p. 10. 106 Idem. 107 Idem. 108 Ibid., p. 11.
74
manutenção da ordem na província e para a promoção de seu desenvolvimento material e
econômico.
Em seus relatórios, além de apresentarem para os deputados as necessidades pelas
quais a província passava, os presidentes tinham que assumir um discurso cujo objetivo seria
o de sensibilizar e convencer os seus leitores. Tomemos como exemplo o relatório de 1838,
do então presidente Vicente Thomaz Pirez do Figueiredo Camargo. Depois de apresentar todo
o seu relatório, abordando assuntos como tranquilidade pública, culto religioso, instrução
pública, polícia, administração da justiça, obras públicas, administração e secretaria da
fazenda, ele concluiu o seu texto com as seguintes palavras:
Não aspiro, Senhores, a outra gloria senão a de convosco concorrer para a felicidade
da Província, a que tenho a honra de Presidir. Assegurar-vos pois n’esta ocasião a
minha franca e leal coadjuvação em todos os vossos atos, é a prova mais solene que
vos posso dar, da convicção que tenho de vosso patriotismo e boas intensões.109
O que podemos retirar dessa exposição é a tentativa do presidente de comover os
deputados com a utilização de termos como “franca” e “leal”, para expressar as qualidades
que ele carregava ao estar coadjuvando os trabalhos com os legisladores maranhenses,
mostrando-lhes que, ao analisar o contexto da província para produzir o seu documento, ele
não tinha em mente outra coisa senão a vontade de trazer a “felicidade” para a província,
deixando de lado qualquer posicionamento parcial. Outra noção utilizada com frequência
pelos presidentes foi o “patriotismo”. Esta seria mais uma estratégia discursiva para
sensibilizar os leitores, mostrando que sentimentos de defesa do progresso e de ordem da
nação dos deputados para com o Estado, levá-los-iam à concordância das propostas indicadas
no relatório. Esta situação pode ser vista também no encerramento do texto de seu antecessor,
Francisco Bibiano de Castro:
Haveis de sempre achar-me pronto e oferecido a vos prestar a mais leal cooperação;
e digo que não serão iludidas as esperanças que o povo Maranhense tem posto nos seus dignos Representantes, quando entre tantas partes e virtudes que os distinguem,
me recordo do seu acrisolado patriotismo, da sua qualificada prudência, e da força
d’alma com que, para comum proveito, sabem fazer calar o espírito de partido,
sacrificando opiniões e ressentimentos110.
Mais uma vez podemos destacar termos como “dignos representantes”, “acrisolado
patriotismo” e “qualificada prudência”, como forma de mobilizar os leitores a deixarem de
109 Ibid., p. 18. 110 Id. Relatório do Presidente da Província do Maranhão Dr. Francisco Bibiano de Castro, apresentado à
Assembleia Provincial do Maranhão, aos 03 de junho de 1837, p. 15.
75
lado o seu “espírito de partido”, para debaterem e legislarem sobre as matérias selecionadas
pelos presidentes.
O uso da figura do rei também era recorrente nos discursos dos governantes, a qual era
acionada no intuito de fazer valer suas prerrogativas. Como exemplo, citamos o caso do
presidente Antônio de Miranda, ao assegurar aos deputados, na redação do relatório, que ele
agiu com “leal cooperação para a glória do Imperador e prosperidade do país”, tendo “um
respeito ilimitado ao Monarca Brasileiro, único penhor de nossa união e futura grandeza,
com um amor cego e decidido aos Princípios constitucionais”111. Este era um esforço dos
presidentes em homogeneizar as visões políticas e criar um sentimento de união e integração
entre os indivíduos, relacionando a figura do rei ao sentimento de patriotismo e nacionalismo.
Ainda na década de 1830, fora aprovada mais uma lei que concedeu maiores poderes
aos presidentes: a lei dos prefeitos. A lógica do pensamento federalista, empreendido no
avanço liberal, era criar um arcabouço institucional que garantisse a autonomia em nível
provincial, e não aos municípios e paróquias, de modo que os potentados locais deveriam
estar submetidos a uma elite provincial e comprometidos com o Estado nacional. Neste
sentido, como apontamos acima, as Câmaras Municipais foram reduzidas aos órgãos
meramente administrativos, sob supervisão dos Conselhos e das Assembleias Provinciais.
A criação da lei das prefeituras foi uma resposta dada pelos presidentes de província
ao cargo de juiz de paz, que durante o avanço liberal acumulou diversas atribuições, como as
judiciais e policiais, tornando-se maior autoridade local. Numa tentativa de reduzir as suas
atribuições, esta lei retirava os poderes de polícia desses magistrados, transferindo-os para
prefeituras. Estes novos agentes eram de nomeação exclusiva dos governantes da província, o
que lhes garantia poderes mais amplos para interferir não só nas instituições voltadas para a
tranquilidade pública, mas também no cotidiano da população. Esta lei merece uma análise
mais apurada, devido à sua relação com o juizado de paz e com a ocorrência das revoltas
regenciais. Esta análise será apresentada nos capítulos seguintes.
1.2.2 A presidência de província na cultura do bacharelismo: as características de ocupação
do cargo
Ao explicar o processo de dominação legal, Weber nos coloca que o Estado moderno
se utiliza de meios materiais e do recrutamento de agentes que acreditam nos sentidos das
111 Id., 1841b, p. 107, grifo nosso.
76
instituições em que participam e que possam difundir esta crença para outras pessoas. Esses
agentes conseguem ter um conhecimento na sua esfera de atuação, possibilitando a
manipulação e a imposição de sentidos sobre o mundo112. Como podemos perceber, esta
analogia pode ser utilizada no caso dos presidentes de província. Porém, além desse
recrutamento no ofício público, temos que ter em mente que no jogo político não existem
apenas estratégias por parte do Estado para se sustentar, legitimar e ampliar sua área de poder,
mas também há a participação de sujeitos, que, como tais, possuem sua subjetividade e
interesses próprios. Eles não são movidos por uma mão controladora do Estado, mas
adentram neste campo político e se adequam às suas regras pré-existentes por possuírem
ideais de vida e projetos particulares, sendo um deles a tessitura de uma carreira política
sólida, que lhes possa viabilizar cargos cada vez mais altos na hierarquia da administração
imperial.
Uma das mudanças que o Estado moderno trouxe foi o surgimento gradativo de
indivíduos especializados na política. No Brasil, durante o século XIX, podemos observar um
crescimento no número de agentes públicos com formação superior, em especial nos cursos
de Direito, refletindo desde então suas preocupações em criarem estratégias para construir
suas carreiras políticas. Estes indivíduos entram no campo universitário para apreender um
conjunto de técnicas de condutas e conhecimentos, incorporando-os para utilizá-los como
meio de conquistar espaço de poder. O curso de Direito foi um dos principais difusores dessas
técnicas e conhecimento113.
O bacharelismo na cultura política imperial já é um tema bastante estudado pela
historiografia brasileira, sobretudo por juristas interessados em analisar aquilo que o Visconde
de Uruguai chamou de “a chaga do funcionalismo”114, associando este tema, muitas vezes, ao
empreguismo. Mas, historiadores como Sérgio Buarque de Holanda passaram a relacionar
este fenômeno às academias de ciências jurídicas, que eram frequentadas por jovens que
buscavam a obtenção de empregos públicos e a inserção na burocracia estatal. Sergio Buarque
entende que havia uma continuidade entre as práticas lusitanas e a formação em cursos de
Direito pelos brasileiros, quando a carta de bacharel passou a ser tão considerada uma carta de
recomendação para a ocupação de altos cargos115.
112 WEBER, Max. A política como vocação. In: _________. Ensaios de sociologia. 5º ed. Rio de Janeiro, Ed.
Guanabara, 1979. P. 97-153. 113 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008. 114 BESSONE, Tânia. Bacharelismo. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil imperial. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2008, p. 68-69. 115 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
77
Para além da aquisição de um diploma, a formação superior dos jovens aspirantes à
carreira política favoreceu a aproximação destes com outros sujeitos que potencializavam a
sua carreira. Jonas Moreira Vargas, ao estudar a elite política do Rio Grande do Sul, analisa os
percursos de algumas figuras proeminentes da província. Ele afirma que este processo de
formação superior fazia parte de um projeto familiar. Os jovens, desde cedo, entravam em
contato com a política por meio de sua família, pois muitos já faziam parte deste círculo.
Quando não, os seus pais eram, na maioria, estancieiros, comerciantes ou empregados
públicos, o que os qualificava como homens de alto prestígio em sua localidade116.
A condição financeira era importante nesse projeto, pois o investimento na formação
intelectual de sua prole era essencial e dispendiosa. Os jovens se preparavam em escolas
secundárias do país, outros chegavam a frequentar cursos de estudos preparatórios, como o
disputado Colégio Pedro II, na Corte, a fim de ingressarem com uma melhor qualidade nas
academias, para depois irem para as universidades. Aquelas famílias que tinham poucos
recursos econômicos, poderiam completar a sua educação secundária nos seminários ou em
escolas públicas.
Além da formação intelectual, as academias eram importantes também na criação de
círculos de amizades, dando suporte para futuras formações de redes sociais117 com outras
famílias da elite. Portanto, havia um nítido processo de aprendizado político que vinha desde
a adolescência, no qual o estudante trazia opiniões políticas e entrava em contato com outros
garotos que trocavam informações, experiências, além de constituírem laços de amizade com
outras elites provinciais.
Na primeira metade do século XIX, a principal instituição de formação em Direito
frequentada pelos jovens da elite brasileira foi a Universidade de Coimbra. Tal instituição foi,
segundo José Murilo de Carvalho, um poderoso elemento de unificação ideológica da elite
imperial. Essa unidade foi possível por três fatores:
Em primeiro lugar, porque quase toda a elite possuía estudos superiores, o que
acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de
116 VARGAS, Jonas Moreira. Entre a Paróquia e a Corte: uma análise da elite política do Rio Grande do Sul (1868-1889). 276 p. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRS,
Porto Alegre, 2007. 117 A título de esclarecimento, indicamos aqui a noção de “redes sociais” utilizada por Jonas Moreira Vargas. Ele
considera que as redes não podem contar com uma coesão de classe, ordem ou corporação. Ela estabelece
normas e pressão constantes, uns sobre os outros, para que os sujeitos se adequem à rede social. A rede é
também permeada pelas relações de reciprocidade pessoal. As redes não são homogêneas, podendo envolver
relações entre amigos, parentes ou indivíduos, em situação de desigualdade, ou seja, há diferentes pessoas em
uma mesma rede social. Ele conclui que as redes sociais não são permanentes, pois a permanência de um
indivíduo nesta depende de sua disposição (VARGAS, 2007).
78
analfabetos. Em segundo lugar, porque a educação superior se concentrava na
formação jurídica e fornecia, em consequência, um núcleo homogêneo de
conhecimento e habilidades. Em terceiro lugar, porque se concentrava, até a
Independência, na Universidade de Coimbra118.
Desde o século XVIII, essa universidade teve influência do Iluminismo italiano e do
francês, mas pendendo mais para as características do primeiro. A explicação de tal afirmação
é porque o Iluminismo francês carregava consigo um teor revolucionário e de questionamento
da autoridade, em particular da autoridade real, inspiradas em pensadores como Jean Jacques
Rousseau e Voltaire – por isso, personalidades da época, como Marques de Pombal,
combatiam tais pensamentos a fim de preservar o poder do rei lusitano. Assim, os cursos
ministrados em Coimbra tinham menos características revolucionárias, tornando-se
“essencialmente progressista[s], reformista[s] e humanista[s]. Era o Iluminismo italiano: um
Iluminismo essencialmente cristão e católico”119, que preservava nos jovens políticos
brasileiros um espírito “reformista” do Estado centralizado.
Juntamente com a Universidade de Coimbra, existiam outras duas instituições de
ensino importantes para a formação da elite brasileira: a Real Academia de Marinha e o
Colégio dos Nobres. As duas eram voltadas para a formação militar, sendo que a última tinha
como finalidade proporcionar uma alternativa aos filhos nobres para os serviços do governo,
que não fosse as carreiras eclesiásticas.
Então, o curso de Direito em Coimbra foi utilizado como um espaço voltado para a
formação de um corpo de funcionário público, treinado para atuar na administração do Estado
imperial que estava se constituindo, e que pudesse exercer altos cargos na burocracia pública,
tais como juízes, senadores, diplomatas e deputados. Como aponta Carvalho, ocorreu uma
verdadeira:
síndrome [da] educação superior/educação jurídica/educação em Coimbra
[proporcionando às elites] da primeira metade do século [XIX] aquela
homogeneidade ideológica e treinamento [...] necessário para as tarefas de
construção do poder nas circunstâncias históricas em que o Brasil se encontrava120.
No caso da administração do Maranhão, ao observarmos as características de
formação dos presidentes da província, podemos fazer a mesma afirmação. Vejamos a tabela
abaixo:
118 CARVALHO, 2008. p.65. 119 Ibid., p. 67. 120 Ibid., p. 84.
79
QUADRO 2 – Os presidentes e vice-presidentes da província do Maranhão e suas respectivas
formações acadêmicas e tempo de ocupação do cargo (1827-1841)
NOME FORMAÇÃO CARGO ASSUMIDO NA PROVÍNCIA
Romualdo Antônio Franco de
Sá ------------ -Vice-Presidente (01/03/1827 a 28/02/1828)
Manoel da Costa Pinto Militar -Presidente (28/02/1828 a 14/01/1829)
Candido José de Araújo Viana
(Conde de Palma)
Bacharel em
Direito -Presidente (14/01/1829 a 13/101832)
Joaquim Vieira da Silva e Sousa Bacharel em
Direito -Presidente (13/10/1832 a 17/03/1834)
Manuel Pereira da Cunha ------------ -Vice-Presidente (17/03/1834 a 03/05/1835)
Raimundo Filipe Lobato ------------ -Vice-Presidente (05/05/1834 a 30/10/1834)
Antônio José Quim ------------ -Vice-Presidente (30/10/1834 a 21/01/1835)
Antônio Pedro da Costa
Ferreira (Barão de Pindaré)
Bacharel em
Direito -Presidente (21/01/1835 a 03/05/1837)
Francisco Bibiano de Castro ------------ -Presidente (03/05/1837 a 03/03/1838)
Vicente Thomás Pires
Figueiredo Camargo ------------ -Presidente (03/03/1838 a 03/03/1839)
Manuel Felizardo de Sousa e
Melo
Bacharel em
Matemática -Presidente (03/03/1839 a 7/01/1840)
Luiz Alves de Lima (Duque de
Caxias)
Na Academia
Militar Real -Presidente (07/01/1840 a 13/03/1841)
João Antônio de Miranda Bacharel em
Direito -Presidente (13/03/1841 a 03/04/1841)
Francisco de Paula Pereira
Duarte
Bacharel em
Direito -Vice-Presidente (03/04/1841 a 25/07/1842)
Fonte: LIMA, 2008; MARQUES, 2008; SACRAMENTO BLAKE, 1895.
Como podemos verificar, essa tabela possui nomes de quem foi nomeado e ocupou o
cargo como presidente de províncias e como vice-presidente. Esta medida foi proposital para
podermos ter uma maior visibilidade da influência que o curso de Direito passou a ter nas
carreiras políticas durante o Império e na administração pública. Entre os anos de 1827 a
1841, constatamos que dos catorze nomes que passaram pelo poder executivo provincial, oito
possuíam cursos superiores, dos quais cinco detinham a carta de bacharel em Direito. Por não
conseguirmos encontrar maiores dados nas fontes pesquisadas, estes números se tornam
imprecisos. Porém, existe a possibilidade de ter havido um maior número de presidentes e/ou
vice-presidentes que investiram na formação superior como meio de viabilizar uma carreira
política sólida e ascendente.
Como o cargo de presidente era de exclusiva nomeação do governo central, além da
formação superior, as redes de amizades e a posição social e econômica influenciavam
bastante na aproximação desses políticos nos círculos restritos da Corte. Assim, além de bons
cargos, os candidatos poderiam conseguir uma boa localização para atuar. A “qualidade” da
localização era definida de acordo com o potencial econômico da província. Se fosse uma
região que tivesse uma forte economia, maior seria a contribuição desta com o poder central.
80
Ao mesmo tempo, seus governantes tinham a possibilidade de acumular novas amizades com
as famílias mais influentes da localidade ou, até mesmo, conseguir um casamento com uma
filha de pais influentes, que pudesse alavancar a sua carreira política121.
João Francisco Lisboa, em “Jornal de Timon”, criou uma narrativa que nos fornece
uma visão de como era a política da época, no caso específico do Maranhão, mostrando a
convivência dos presidentes com os demais grupos políticos locais. Ao descrever a lastimável
residência em que os governantes moravam, caracterizando-as como locais pobres,
desconfortáveis, com assoalhos nus e tapetes velhos e esburacados, molhados por conta das
buraqueiras no telhado, Francisco Lisboa sarcasticamente assumiu a fala de um presidente,
dizendo que “entretanto, se eu com esta presidência pudesse arranjar um bom casamento...
certamente que não sou o primeiro quem isto lembra... e se viesse por ai assim uma senatoria
desgarrada?”122. Ou seja, temos aqui um panorama da cultura política local, em que as redes
sociais eram tão importantes quanto o próprio exercício do cargo, já que o cargo de presidente
poderia possibilitar casamentos valiosos para a carreira política. Estes, por sua vez, poderiam
abrir portas para a ascensão política, quem sabe chegando à “senatoria”.
Além dos governantes atuarem como uma extensão do poder do governo central nas
regiões do país (fazendo com que os interesses provinciais e imperiais andassem em sintonia),
eles construíam novas redes de amizade, o que era essencial para o seu futuro político. Nas
províncias menos importantes, a atuação dos presidentes servia também como forma de
treinamento na administração pública123. Como eram de nomeação exclusiva do imperador,
que “por um ato de consumada bondade se dign[ava] a confiar[-lhes]”124 este cargo, eles
também poderiam ser por ele destituídos, o que os pressionava a incorporar o discurso de
defesa do Estado nacional.
As nomeações para quem seria o presidente de determinada província não eram
aleatórias ou unicamente fruto de relações de amizades, mas uma ação bem planejada pelo
governo central, pois se relacionava com as necessidades políticas pelas quais a região
passava. Primeiramente, como já destacamos anteriormente, a maioria dos governantes era
oriundo de regiões diferentes daquelas em que atuariam. Tal medida, somada com intensa
mobilidade e rotatividade dos ocupantes desses cargos – que podiam ocupá-los por um ou
dois anos, ou por poucos dias, como demonstra o Quadro 2 –, foi uma forma de o poder
central inviabilizar uma postura unilateral dos presidentes, favorecendo as necessidades
121 Ibid. 122 LISBOA, 1995, p. 102-103 123 CARVALHO, 2008. 124 MARANHÃO. 1843, p.3.
81
políticas locais em detrimento daquelas do governo central, e dificultar a cooptação desses
presidentes pelos grupos políticos da província, preservando a sua imparcialidade ao tratarem
dos assuntos públicos.
Outro ponto que devemos destacar sobre a nomeação para esse posto era a
preocupação do governo central em alocar pessoas que já tinham alguma experiência no ramo
da administração pública. Vejamos a tabela abaixo:
QUADRO 3 – Os cargos públicos assumidos pelos presidentes e vice-presidentes da
província do Maranhão (1827-1841)
NOME OUTROS CARGOS PÚBLICOS
Antônio José Quim ----------------------------------------------
Antônio Pedro da Costa
Ferreira (Barão de
Pindaré)
-Secretário do Governo do Maranhão (1827);
-Fiscal e Superintendente da Junta da Vila de Alcântara;
-Deputado Geral pelo Maranhão (1830);
-Senador do Império do Brasil (1837).
Candido José de Araújo
Viana (Conde de Palma)
-Governador e Capitão-General da capitania de Minas Gerais (1815);
-Juiz de Fora da cidade de Mariana (1821);
-Provedor da Fazenda dos Defuntos e Ausentes, Resíduos e Capelas de Mariana
(1822); - Deputado pela província de Minas Gerais à Constituinte em 1823, 1ª
legislatura (1826-1829), 2ª legislatura (1830-1833), 3ª legislatura (1834-1837), e
4ª legislatura (1838-1839);
-Desembargador da Relação de Pernambuco (1826) eda Bahia (1832);
-Presidente de província de Alagoas (1826);
- Ministro de Estado das pastas da Justiça e da Fazenda (1832);
-Ministro do Supremo Tribunal de Justiça (1849);
-Senador (1840) e presidiu o senado de 4 de janeiro de 1851 a 7 de maio de
1854.
Francisco Bibiano de
Castro
-Inspetor chefe de divisão no Arsenal Imperial de Marinha da Corte
-Capitão-de-mar-e-guerra.
Francisco de Paula
Pereira Duarte
-Desembargador;
-Ouvidor Geral do Maranhão;
-Corregedor de Comarca.
João Antônio de
Miranda
-Presidente da Província do Ceará (1839) e do Pará (1840);
-Deputado Geral do Maranhão (1843 a 1844);
-Senador do Império do Brasil (1855 a 1861).
Joaquim Vieira da Silva
e Sousa
-Provedor da Fazenda dos Defuntos e Ausentes
-Ouvidor da Província do Ceará; -Deputado Provincial do Maranhão (1834-1837 e 1838-1841);
-Desembargador da Relação do Maranhão (2 de dezembros nomeado em 1839);
-Ministro da Guerra;
-Ministro do Supremo Tribunal da Justiça
-Ministro do Império
-Ministro da Marinha
-Deputado da Junta do Comércio do Maranhão-Juiz de Fora de Fortaleza;
-Ministro do Supremo Tribunal de Justiça (nomeado em 1º de março de 1864);
-Ministro da Marinha e da Guerra;
-Senador do Império do Brasil (1860 a 1864).
Luiz Alves de Lima
(Duque de Caxias)
-Presidente da Província do Rio Grande do Sul (1845);
-Presidente do Conselho de Ministro;
-Ministro da Guerra; -Senador do Império do Brasil.
Manoel da Costa Pinto -Segundo Tenente de Artilharia em Portugal (1802);
82
-Marechal de Campo (1828);
-Tenente-general (1837)
Manuel Felizardo de
Sousa e Melo
-Presidente da Província do Ceará (1838), Alagoas (1840 e 1842), São Paulo
(1844) e Pernambuco (1859);
-Inspetor da tesouraria provincial de S. Pedro do Sul; -Brigadeiro da Escola Militar das Agulhas Negras;
-Deputado Geral;
-Tenente Coronel de Engenheiros;
-Senador do Império do Brasil (1849 a 1866).
Manuel Pereira da
Cunha ----------------------------------------------
Raimundo Filipe Lobato ----------------------------------------------
Romualdo Antônio de Sá ----------------------------------------------
Vicente Thomás Pires
Figueiredo Camargo
-Presidente de Província de Alagoas (1833 a 1834);
-Vice-Presidente de Pernambuco (1835 e 1837);
-Juiz de paz;
-Vereador da Câmara Municipal de Olinda;
-Coronel Chefe da Segunda Legião da Guarda Nacional.
Fonte: LIMA, 2008; MARQUES, 2008; SACRAMENTO BLAKE, 1895.
Se pegarmos como exemplo o presidente Candido José de Araújo Viana, que iniciou a
sua administração em 1829, ele já havia ocupado diversos cargos, como Governador e
Capitão-general da capitania de Minas Gerais (1815), Juiz de Fora (1821), Provedor da
Fazenda dos Defuntos e Ausentes, Resíduos e Capelas de Mariana (1822), Deputado pela
província de Minas Gerais à Constituinte (1823), Desembargador da Relação de Pernambuco
(1826) e Presidente de província de Alagoas (1826). Isto não é um caso isolado se
observarmos o caso de Antônio Pedro da Costa Ferreira. Presidente no ano de 1836, ele já
tinha ocupado o cargo de Secretário do Governo do Maranhão (1827) e de Deputado Geral
(1830). Na mesma tabela, podemos identificar que houve um considerável número de ex-
presidentes que conseguiu ascender na carreira política, chegando a se tornar senador do
Império.
Comparando o contexto em que os presidentes atuavam com a sua formação
acadêmica, Léa Iamashita125 faz algumas considerações iniciais que devem ser analisadas
mais a fundo. Nos primeiros anos da Regência, momento em que houve um maior número na
produção de emendas constitucionais, códigos, leis e decretos, quem ocupou o posto foram
advogados ou juristas, como Candido Vianna, Joaquim Franco de Sá e Antônio Pedro da
Costa. Mas, a partir de 1837, com as revoltas regenciais, em especial a Cabanagem no Pará
(que, por ser vizinha do Maranhão, ameaçava a ordem e a tranquilidade pública local) e a
Balaiada, foram nomeados presidentes vinculados à formação militar ou que já tinham
ocupado cargo relacionado ao meio militar, como Francisco Bibiano de Castro (Capitão de
125 IAMASHITA, 2010
83
Mar e Guerra), Manuel Felizardo de Sousa e Melo (Tenente-coronel de Engenheiros) e Luiz
Alves de Lima (formado na Academia Militar Real e chegou a ser Ministro da Guerra). Isto,
segundo a autora, dá indícios que, nos primeiros anos da Regência, o governo central se
preocupava em manter um governo que preservasse a lei, coordenando as autoridades e
instruindo-os conforme as estratégias definidas pelo Estado moderno, mas, com o abalo da
ordem pública, a atenção do governo central se voltou para o controle social e para a
imposição de obediência de forma mais dura.
Contudo, quando observamos as características dos presidentes que assumiram o posto
em outras províncias que passaram por deflagração social, o cenário que identificamos foi
diferente. Realmente, nas províncias do Pará126 e do Rio Grande do Sul127, locais em que
ocorreram a Cabanagem (1835 a 1840) e a Farroupilha (1835 a 1845), respectivamente, houve
a participação de presidentes militares. Mas na Bahia128, durante a Sabinada, e
Pernambuco129, quando ocorreu a Setembrada e a Novembrada, quem ocupou os postos ali
foram pessoas com formação jurídica.
Então, analisando estruturação dos governos provinciais e a atuação dos presidentes
nas províncias em que administravam, entendemos a criação deste cargo como um
instrumento articulador entre o governo central e as províncias. O centro provincial, com
todas as demais autoridades em nível municipal (executivas, judiciárias e militares), além de
balancear os poderes entre as três esferas administrativas (municipal, provincial e central),
garantia o poder do governo central e a inserção de sua agenda política nas províncias. Ao
mesmo tempo, viabilizava o projeto dos presidentes em tecerem suas próprias carreiras
políticas.
126 Francisco José de Sousa Soares de Andréa possuía formação militar, no Curso de Engenharia e Navegação.
Atuou enquanto presidente entre os anos de 1836 a 1839. 127 Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, após apaziguar a província do Maranhão, governou a
província do Rio Grande do Sul, durante os anos de 1842 a 1846. 128 Francisco de Sousa Martins (1834-1836), Francisco de Sousa Paraíso (1836-1837) e Antônio Pereira Barreto
Pedroso (1837-1838), todos tinham formação jurídica. 129 Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos governou a província de Pernambuco durante os anos de 1830 a 1831
e tinha formação em Direito.
84
CAPÍTULO 2 – A JUSTIÇA DE PAZ EM TEMPOS DE MODERNIZAÇÃO
POLÍTICA BRASILEIRA
Constando-me que nesta Vila tem sido ameaçada a tranquilidade pública em razão
de serem espalhados boatos aterradores, que tem assustado a população, ordeno ao
Senhor Juiz de Paz que dê todas as providências para que sessem o quanto ante
semelhantes germes de desordem, procedendo na forma da lei contra todos que se
encontrassem em semelhantes planos. E outro sim lhe recomendo que faça o quanto
esteja em si pela organização da Polícia Rural e preenchimento do número de
recrutas como já lhe ordenara muitas vezes, que anteriormente lhe designei. Deus guarde o nosso Maranhão, em 18 de novembro de 1835.
Antônio Pedro da Costa Ferreira – Ao Senhor Juiz de Paz do 1º Distrito da Vila de
Caxias.
Igual aos Juiz de Paz do 2º e 3º Distritos da mesma Vila130.
A questão da tranquilidade pública e do ordenamento social era uma das principais
pautas da agenda política do governo central, pois, nas duas primeiras décadas do
constitucionalismo brasileiro, emergiram intensos embates políticos e movimentos sociais que
ameaçavam a nascente nação. Neste cenário, fomentado por diferentes facções das elites
políticas, que buscavam seu quinhão neste novo Estado, e por camadas populares que
almejavam a ampliação dos meios de representatividade, surgiram diversos esforços de
organização e redefinição dos poderes institucionais da época, instaurando então uma nova
ordem política.
Além da presidência de província, o sistema judiciário foi outro ramo da
administração pública que ganhou atenção dos legisladores do Império, sendo incluso no
processo de modernização política, na tentativa de superar os traços característicos do modelo
colonial e absolutista, adequando-o aos paradigmas modernos, dentre eles o jusnaturalismo.
Este princípio passou a ser largamente utilizado nas sociedades modernas, por defender o
abandono da concepção de “Estado de natureza”, conceito que fora aproveitado pelas
monarquias absolutistas como forma de legitimar os poderes pessoais do rei. O conceito
afirmava ainda que o Estado seria a projeção “natural” dos seus poderes e que só ele seria
capaz de organizar a sociedade que se encontrava ameaçada pelos indivíduos que se deixavam
levar por suas “paixões”, oriundas de seus estados naturais. A corrente jusnaturalista moderna
ia de encontro com tal noção, pois ela afirma que o Estado não deveria ser conduzido pelo
direito natural, mas por Leis “positivas” que, além de tutelar a sociedade, organizaria a mesma
130 MARANHÃO, Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com os magistrados
(1831-1834). Códice 468. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do Maranhão, ofício nº 240, em 18 de
novembro de 1835.
85
com a distribuição e delimitação de direitos e deveres dos cidadãos, inclusive os próprios
reis131.
Dentro desses paradigmas, o poder judiciário ganhou novos contornos, no intuito de
possibilitar a propagação do poder do Estado através da competência reguladora de seus
agentes e instituições, na tentativa de garantir a ordem e difundir a civilização. Nesse sentido,
uma das novidades trazidas pela Constituição de 1824 foi a previsão da criação de um
magistrado em nível local, que seria eleito e teria o papel de conciliar as partes envolvidas nos
processos judiciais: o juiz de paz. Refletindo a incorporação de ideias liberais pelos
parlamentares da Assembleia Geral, o Estado tentava com este cargo conceder uma maior
agilidade nos processos e abrir um novo canal de representatividade política popular.
Contudo, como podemos perceber no ofício do presidente Antônio Pedro da Costa Ferreira,
enviado para o magistrado eleito da vila de Caxias, a atividade exigida ali não era a de
conciliação, estando mais próxima aquela relacionada ao policiamento dos distritos em que
trabalhavam.
Isso foi resultado não só das transformações legais pelas quais o cargo passou desde o
ano de sua criação, mas também pela forma de desestabilizar os poderes tradicionais do
monarca, que encontrava no sistema judiciário uma forma de estender os seus poderes
pessoais. Deste modo, foram criadas e aprovadas várias Leis, Decretos e Códigos que
alteraram o funcionamento deste cargo, com o objetivo de contornar as dificuldades do
sistema jurídico colonial e aperfeiçoar os aparatos voltados para o controle social, nos quais,
dentre eles, estavam os juízes leigos que, gradativamente, adquiriram maiores poderes de
interferência na vida cotidiana da população.
Além disso, vale ressaltar que o juizado de paz foi uma das instituições que melhor
refletiu o desenrolar do jogo político imperial e as discussões que giravam em torno dos temas
descentralização e centralização política. Durante o avanço liberal, a incorporação de
diversas atribuições, diferentes daquelas previstas inicialmente na Constituição, tornou esta
magistratura uma das maiores forças políticas nas províncias em nível local, trazendo novas
implicações para a dinâmica da política da província e, porque não, nacional, levando-a a ser
um dos principais alvos das reformas promovidas durante a fase do regresso conservador.
Neste capítulo, o foco será analisá-la, especialmente no momento em que ela se constituiu e se
fortaleceu, deixando as questões que envolvem a redução dos seus poderes para o próximo.
131 FASSÒ, Guido. Jusnaturalismo. In: BOBBIO, Noberto (org) et all. Dicionário de política. Vol. 1, 11 ed.
Brasília: Editora Unb, 2010. p. 655-660.
86
2.1 A magistratura de paz nos capítulos da historiografia
A justiça de paz não foi uma criação do governo português ou do Estado brasileiro,
mas sim da Inglaterra. Durante o século XII, através de uma proclamação real, originou-se a
Justice of the Peace, que tinha como objetivo criar os “cavaleiros da paz”, com o dever de
auxiliar os xerifes locais no cumprimento da lei. Nesse momento, as suas funções tinham mais
características administrativas do que judiciárias. Durante o século XIV, com o declínio dos
xerifes, esses juízes (agora conhecidos também como custodes pacis, ou mantedores da paz)
receberam funções judiciais. Eles geralmente não possuíam nenhuma qualificação legal, o que
não os impediram de acumular outras atribuições, como poderes estatutários, para punir os
próprios xerifes a quem um dia já estiveram submetidos, e criminais, para castigar todos os
delitos cometidos em sua jurisdição. Assim, eles se tornavam uma peça importante para a
justiça local. Envolvidos em diversas polêmicas, devido ao seu destaque enquanto autoridade
local, a partir do século XIX começaram os primeiros movimentos para a limitação dos seus
poderes, como foi o caso do Ato das Sessões Trimestrais, em 1842132.
No Brasil, os juízes de paz tiveram um percurso semelhante, pois foram pensados
inicialmente enquanto agentes que viabilizariam a paz entre as partes envolvidas em
processos judiciais, mas depois do acúmulo de diversas atribuições, eles se tornaram as
maiores autoridades em nível dos distritos. Contudo, o desenvolvimento deste cargo se ateve
às especificidades políticas e culturais do país no momento de configuração do Estado.
Ainda são poucos os trabalhos dedicados a estudarem esses personagens da política
imperial. Um dos autores que podemos elencar aqui é Oliveira Viana, quando em 1949 lançou
a sua obra intitulada Instituições Políticas Brasileiras. Aqui, ele trabalhou em uma
perspectiva de “conflitos culturais”, refletida nos choques/interação entre a “elite letrada” e o
“povo-massa”. A primeira se caracterizou pela importação de ideias estrangeiras, as quais
foram utilizadas como base para a formação de um direito formal e escrito; a segunda, por sua
vez, se distanciou deste modelo, pois tomava enquanto regra as práticas criadas no dia a dia,
ou seja, o direito “surge desta atividade espontânea da sociedade”133.
Ao abordar a magistratura de paz, Viana destaca-a enquanto um cargo derivado do
pensamento liberal do período, sendo peça importante para o ordenamento administrativo do
país, pois possibilitou a efetivação das ordens constitucionais do país nas localidades. Mas,
132 VIEIRA, Rosa Maria: O juiz de paz: do império aos nossos dias. 2º ed. Brasília: editora Universidade de
Brasília, 2002. 133 VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1999,
p. 44.
87
além disso, esses magistrados viabilizaram a implementação prévia de um self-government,
um autogoverno, onde as municipalidades se destacariam através de seus “chefes de clãs
feudais ou parentais”. Estes eram grupos familiares e grandes fazendeiros que tinham uma
posição de destaque na região onde atuavam, ameaçando o modelo centralizado imposto por
Portugal e fortalecendo a instalação de uma “democracia municipalista”. Isso aconteceu, em
especial, com a promulgação do Código do Processo Criminal em 1832, pois, “com a sua
democracia municipalista, obrigava, forçava mesmo, estes senhores rurais a entendimentos e
combinações entre si para elegerem as autoridades locais – como os juízes de paz (que tinham
funções policiais)”134.
Segundo o autor, as relações que os potentados locais buscavam eram aquelas que em
tempos coloniais se davam através das Câmaras Municipais, onde as elites locais viam nos
agentes públicos um meio de canalização de seus interesses privados para a esfera pública.
Agora, no Império, eram os magistrados eleitos quem ocupavam o espaço das antigas práticas
aristocráticas, pois, ao serem autoridades eleitas de forma direta e possuidores de amplos
poderes, os senhores rurais criavam novos acordos e apadrinhamentos para viabilizar a vitória
nas eleições dos seus candidatos ao cargo.
No entanto, aqui se destaca um elemento novo: a participação popular direta nesse
processo eleitoral. Como vimos anteriormente, a política colonial se restringia a uma restrita
elite local, enquanto a população mais pobre estava excluída desse privilégio. Com o juiz de
paz, esse “povo-massa” se tornou mais um componente a ser inserido nas relações sociais
estabelecidas pelos senhores rurais.
Vale afirmar que Oliveira Viana tem uma visão pessimista sobre esses magistrados,
afirmando que eram fortes as tradições sociais baseadas em laços familiares e relações
clientelistas. A falta de uma educação política da sociedade também incapacitou grande parte
dos homens daquele momento em exercer o seu direito ao voto de maneira imparcial e
impessoal, mostrando que o municipalismo, ancorado em uma sociedade de “clã”,
representou um entrave para as práticas eficientes dos direitos políticos. A leitura feita pelo
autor sobre este período é interessante quando nos permite verificar a importância do juiz de
paz no âmbito local, sobretudo no que diz respeito às ressignificações das antigas práticas
políticas. A descentralização política proporcionada pelos magistrados viabilizou uma maior
participação política de uma parcela significativa da população, resultando na emergência de
novas relações nas vilas e freguesias.
134 Ibid., p. 259.
88
Outro estudo clássico que abordou os magistrados de paz foi Os Donos do Poder, de
Raymundo Faoro. Indo na esteira de Oliveira Viana, ele destaca que o cargo derivou do
modelo inglês, principalmente quando houve a aprovação do Código de 1832, que lhe
concedeu amplos poderes judiciais e policiais. A partir desse fortalecimento, houve uma dupla
consequência: o enfraquecimento do governo central e o fortalecimento da autonomia local.
Faoro afirma também que as mudanças ocorridas ali favoreceram o estabelecimento do self-
government nas municipalidades, que operava “articulado às bases sociais da comunidade
integrada, com o centro nas famílias e na associação dos grupos locais, organicamente
eletivo”135.
Assim como Viana, Faoro também tem uma visão negativa sobre a atuação do
magistrado. Na sua interpretação, embasada em pensadores da época como Tavares Bastos e o
Visconde do Uruguai, estes juízes leigos tendiam a utilizar seus amplos poderes para
benefícios próprios, geralmente favorecendo uma parcela específica da sociedade, como os
fazendeiros e latifundiários. Como exemplo, os poderes locais se utilizavam destes agentes
para conquistarem resultados favoráveis nas eleições (já que eles eram responsáveis também
pela organização dos processos eleitorais), deixando a população mais pobre a reboque. O
autor afirma então que a elite nacional, “para fugir ao despotismo do trono e da Corte,
entrega-se ao despotismo do juiz de paz”136.
Tanto Viana quanto Faoro tratavam os juízes de paz como personagens coadjuvantes
de suas obras, refletindo o cenário da historiografia do período, quando não se tinha estudos
destinados a analisar especificamente a Justiça de Paz. Foi com o norte-americano Thomaz
Flory que esta carência começou a ser superada, especialmente ao lançar o seu trabalho El
juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. No contexto de implementação de uma
monarquia constitucional e construção do Estado nacional, Flory destacou a participação de
homens militantes que corroboraram a implementação de mudanças de cunho liberal.
Focando a sua análise no aparato judicial e nas reformas pelo qual o mesmo passou, o autor
destaca duas instituições que refletem bem as mudanças operadas pelos políticos liberais
daquele momento: o juizado de paz e os corpos de jurados.
Destacando o período que ele chama de “década liberal” (1827 a 1837), Flory afirma
que este foi o momento do liberalismo nacional, isto é, “la fase verdadeiramente
revolucionaria de la Independencia de Brasil”137. Para fazer tal ponderação, ele tomou a
135 FAORO, 2001, p. 370. 136 Ibid., p. 371. 137 FLORY, 1986, p.17.
89
independência de 1822 enquanto uma independência formal e incompleta, pois refletiu uma
“história de gradualismo”, ou seja, deu-se através de vários sucessos bem espaçados e
circunstanciais, como a vinda da Família Real em 1808, as mudanças empreendidas por Dom
João VI e a própria independência de 1822 – considerando-a como uma independência
ganhada e facilitada por Portugal.
Como resultado, ocorreu um acúmulo de reações e insatisfações de diversos setores,
que não viram as suas necessidades atendidas, levando-os a tomarem como medida a
introdução de pessoas compromissadas com as suas causas. Assim, o autor considerou que o
Brasil só alcançou na prática a sua independência quando este grupo de políticos, alocado no
governo central, “comenzó a derribar la colonia que había herdado y a construí un Estado que
duraria casi hasta fin del siglo”138. Este processo, verdadeiramente revolucionário, só deu seus
primeiros passos após cinco anos, com o início da chamada década liberal. Isto possibilitou
que o país se destacasse, já nos anos de 1840, como um modelo de estabilidade política diante
dos demais Estados da América Latina.
Sobre os grupos que comandou essas transformações no Brasil, Flory afirma que não
havia uma elite institucional capaz de preencher o vazio político produzido pela
independência, pois no cenário nacional havia elites heterogêneas, disformes e provincianas,
ou seja, elas eram bem localizadas em suas regiões, assim como os seus interesses. Portanto,
ao colocarem em prática as mudanças institucionais, em busca de uma maior descentralização
política, demonstraram que não se seguiria à risca a cartilha do liberalismo europeu, mas sim
um compromisso filosófico com o localismo, criando suas próprias modificações do
pensamento em prol da paróquia: esfera administrativa caracterizada enquanto uma família
legalmente amplificada. Logo, “politicamente, era el Estado en una miniatura extrema y
remota”139.
Tecendo tais considerações, o historiador afirma que a grande reforma liberal do
século XIX e a primeira modificação importante do sistema judicial foi a criação do cargo de
juiz de paz. Idealizado como estratégia para sobrepujar o atraso da justiça colonial e os
resquícios que permaneceram pós-constituição, os liberais reformadores conceberam este
cargo como um “estandarte” de suas preocupações filosóficas e políticas, como a democracia,
a autonomia local e a descentralização do poder político da Corte. Já para a ala mais
conservadora do Império, tal cargo era visto como uma ameaça ao controle social e à ordem
do país. Em um debate político mais amplo, a Justiça de Paz foi concebida também como uma
138 Idem. 139 Ibid., p. 12.
90
estratégia dos liberais para reduzir os poderes tradicionais de Dom Pedro I, uma vez que, até
então, grande parte deles estava centrado no sistema judiciário.
Assim, em 1827, foi criado o Juizado de Paz, uma magistratura popular e eletiva, com
poderes que se destinavam, especialmente, à conciliação dos processos civis, tendo algumas
poucas e limitadas atribuições coercitivas para o controle da população. A partir de então,
foram elaborados decretos, leis e códigos que amplificaram as atribuições e o campo de
atividade dos magistrados de paz. Mas, segundo o autor, foi com o Código do Processo
Criminal de 1832 que ocorreu a principal transformação do aparato judiciário, concedendo a
eles amplos poderes, especialmente na esfera judiciária e policial. Desta forma, “el Código
confiaba los passos más básicos del procedimento penal a los juices de paz locales, ampliando
así sus poderes considerablemente. Bajo el Código Procesal de 1832 el juices de paz Ilegó a
ser la piedra angular de la judicatura imperial”140.
Para Flory, o que aconteceu foi uma inversão de prioridades, pois se antes esses
funcionários públicos atuavam principalmente na conciliação, agora eles se tornaram os
principais agentes de controle social, através da coerção, pois adquiriram diversos atributos
penais e de vigilância.
La ley original de 1827 había creado un magistrado com poderes principalmente conciliatorios y civiles que, no obstante, tenía certo potencial coercitivo para
movilizar la resistencia local ante una amenaza absolutista. El Código Procesal
invirtió el orden de prioridades, quitándole importancia a la jurisdicción civil del
juez da paz en favor de sus poderes penales y de vigilancia141.
Em decorrência da extensão do território brasileiro, a aplicação das legislações de
maneira uniforme era um trabalho complexo, pois as leis teriam que se adequar às
especificidades das regiões. Isto tornou o papel dos juízes de paz importante, pois o principal
fator de controle da sociedade e a garantia da aplicabilidade da lei estavam relacionados às
suas capacidades de interação com os habitantes de seus Distritos.
Com esse acúmulo de atribuições, não tardou para que os juízes de paz se tornassem
personagens controversos e problemáticos no cenário político da década de 1830. Muitas
autoridades da época enxergavam esses magistrados enquanto sujeitos que atrasavam a
administração da justiça, pois lhes faltavam conhecimentos na área jurídica e sobrava
ignorância das leis (uma vez que não lhes eram cobrados o diploma de Bacharel em Direito).
140 Ibid., p.179. 141 Ibid., p.102.
91
Geralmente, eles cometiam abusos de poder e entravam em conflitos de jurisdição com outras
autoridades.
La primeira de las reformas jurídicas liberales, el Juzgado de Paz, fue siempre la
más vulnerable a la crítica porque los juices individualmente abusaban
frecuentemente de su poder, hacían enemigos, o se convertían em las figuras
centrales de las disputas locales142.
Como consequência, Flory colocou que os juízes leigos paz trouxeram um
afrouxamento dos laços de obediência entre a população e o governo central, pois tornaram o
sistema judiciário local em um exemplo de ineficiência. O Código do Processo Criminal, que
uma vez foi apontado como a grande reforma da justiça brasileira, foi colocado também como
um instrumento de controle pouco ágil, pois concentrou todo o seu potencial coercitivo em
uma autoridade não controlável. Foi apenas em 1841, durante o regresso conservador, que
houve a reforma do Código, que teve como um dos objetivos reverter este quadro,
transferindo os poderes de polícia e penais para outras autoridades nomeadas pelo próprio
governo.
Luego, para 1832, el juez de paz había evolucionado hasta convertise en una
institución de contradicciones internas: un funcionario electo con poderes oficiales
virtualmente ilimitado a nivel local, pero esencialmente fuera del control del
gobierno que lo creó143.
Desse modo, Flory tira como uma de suas conclusões que o cargo de juiz de paz
representou uma contradição frente ao projeto liberal daquele momento, pois, por ter sido
criado sob o discurso de rompimento do monopólio real sobre a justiça, ele possibilitou que
seus agentes tivessem amplos poderes, fugindo do controle do governo central e
inviabilizando a desejada melhoria do sistema judiciário.
Thomaz Flory, assim como os dois autores anteriores, reflete a tendência
historiográfica da época em colocar em evidência os aspectos negativos que os homens do
governo tinham na época sobre os magistrados eletivos, mostrando-os enquanto sujeitos
suscetíveis aos desmandos e abusos dos seus podres, facilmente cooptados por latifundiários
ou qualquer pessoa que pudesse lhes conceder algum benefício, o que seria ruim naquele
momento, pois ameaçaria a eficácia da justiça imperial. Porém, estes e outros estudos
142 Ibid., p. 209. 143 Ibid., p. 108.
92
clássicos deram suporte para o aparecimento de novas abordagens sobre a magistratura de
paz.
Ivan de Andrade Vellasco é um dos autores que sai desse viés interpretativo, que toma
a formação do Estado simplesmente pelo viés da dominação da sociedade, onde o poder
judiciário era mais um instrumento deste poder. Em As seduções da ordem: violência,
criminalidade e administração da justiça Minas Gerais, século XIX, ele destacou a
participação da sociedade na política, onde os juízes de paz foram peças fundamentais para a
construção da cidadania brasileira, uma vez que havia os sujeitos que buscavam o sistema
judiciário para resolverem suas queixas144. Como os magistrados leigos eram os
representantes do poder público mais próximo da população, eles se tornavam os principais
elos entre estas vítimas e o Estado, devendo garantir a justiça social para a população.
Tal como Flory, Vellasco estuda as leis de criação dos magistrados e os códigos que
estruturaram o poder judiciário, afirmando que estes alteraram o funcionamento cotidiano da
justiça, apontando que as ideias de criação deste cargo giraram em torno de dois argumentos
principais: os problemas judiciais herdados da colônia e a necessidade de estender o poder
judiciário a todas as regiões do Império. Vellasco reafirmou também que o sistema
implantado pelo Código de 1832 possibilitou a perpetuação dos poderes locais, tendo em vista
que os grupos dominantes locais tinham a capacidade de interferir na nomeação de juízes
municipais e de direito, e de conduzir o processo eleitoral para escolherem os candidatos a
juízes de paz que estivessem mais afinados com os seus interesses.
Porém, o autor traz uma nova percepção sobre a atuação dos magistrados quando ele
analisou os seus dois primeiros anos de atividade. Utilizando os “livros de rol dos culpados”
(documentação escrita pelos próprios juízes de paz, que continha as denúncias, queixas e
nomes de pessoas pronunciadas à prisão ou ao livramento), ele percebe um aumento da
produção do mesmo. Isto o leva a concluir previamente que, diferente das análises já
consagradas, a Justiça de Paz possibilitou a expansão da capacidade da ação judiciária do
Estado.
Na sua tese de doutorado, Em nome da ordem: a constituição de aparatos policiais no
universo luso-brasileiro (séculos XVIII e XIX), Regina Faria faz uma análise weberiana sobre
as montagens (e remontagens) dos aparatos repressivos e as redefinições pelas quais eles
passaram. Em tempos marcados pelo clima de avanços liberais e regresso conservador, de
144 VELLASCO, 2004, apud. NASCIMENTO, Joelma Aparecida do. Os “homens” da administração e da
justiça no império: eleição e perfil social dos juízes de paz em Mariana, 1824-1841. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.
93
descentralização e centralização política, ela atenta para as dificuldades políticas do início do
século XIX de manter a unidade territorial e para as tensões existentes entre Dom Pedro I e as
elites políticas nacionais, destacando que o confronto estabelecido em torno da Constituição
de 1824 foi o prenúncio do conturbado clima político que marcaria o Primeiro Reinado. Esta
legislação, assim como as demais que foram elaboradas durante o processo de construção do
Estado, decorreram de “lutas travadas no Parlamento e na imprensa, entre as tendências
liberais e conservadoras, sobre a montagem do arcabouço institucional do Estado”145. Na
constituição dos aparatos repressivos do Estado desse momento, os legisladores mantiveram
as mesmas orientações dos tempos coloniais, quando as funções policiais destes tinham que
ser exercidas por instituições diferentes: de um lado estaria o policiamento militar e do outro o
policiamento civil.
Nesse trabalho, o juizado de paz é abordado enquanto a “espinha dorsal” do
policiamento civil, “configurando um quadro de judicialismo policial”146. Nos Códigos
liberais ficou exposta a figura de um “juiz policial”, termo utilizado a partir da denominação
de Bernardo Pereira de Vasconcelos, contemporâneo daquele momento, ou seja, de um
funcionário público que tinha vastas atribuições relacionadas ao sistema judiciário e policial.
Isto ficou evidente quando foi posto que os juízes eletivos teriam à sua disposição outros
cargos, como os secretários, os inspetores de quarteirões e os oficiais de justiça, além de
outras instituições, tais como a Guarda Nacional e o Corpo de Polícia. Estes órgãos poderiam
convocá-los para lhes dar suporte em casos de motins ou combate de quilombos, por exemplo.
A intenção dos legisladores, como destaca Regina Faria, não foi apenas conceder maior
autonomia aos poderes locais, mas ampliar o controle do Estado sobre a população através
dos aparatos repressivos.
Léa Iamashita foi mais uma historiadora que analisou os magistrados de paz para
compreender o processo de modernização da política nacional. Mas, além disso, ela abordou
este cargo também enquanto um meio de representação política das camadas populares
durante o período Regencial. Ela optou por mudar de foco em sua análise, saindo do campo
institucional para o âmbito popular, a fim de compreender a implantação do Estado moderno,
assim como dar “visibilidade às ações das pessoas comuns na experiência regencial da
sociedade maranhense”147.
145 FARIA, 2007, p. 62. 146 Ibid., p. 64. 147 IAMASHITA, 2010, p. 20.
94
Questionando interpretações sobre a independência já consagrada, como aquelas de
Sergio Buarque de Holanda e Emilia Viotti, que trataram os movimentos regenciais como
resultados da frustração popular pelo processo de independência “mau acabado”, levando à
indignação das classes populares por permanecerem excluídas, Iamashita tomou estas revoltas
enquanto componentes do próprio processo de construção do Estado. As transformações
políticas do século XIX, como, por exemplo, o liberalismo e o constitucionalismo brasileiro,
não foram percebidos de maneira passiva pela população. A autora se utilizou da categoria
cultura política, mostrando que o processo de modernização política, ao mesmo tempo em
que abriu espaço para as representações políticas populares, foi apreendido e ressignificado
por essa mesma camada, que criou sua própria compreensão de política.
Aqui, os juízes de paz são abordados enquanto uma das principais conquistas
populares em termos de participação política, tendo em vista que a sua eletividade direta e o
fato deles serem “homens da vila” tornava-os mais próximos daqueles sujeitos que
mantinham contatos cotidianos. Dessa forma, para esta massa era mais fácil o Estado escutar
as suas necessidades, pois estes agentes teriam o compromisso de levar as suas demandas.
Já em 1838, a população sofreu um duro golpe do governo provincial com a
promulgação da lei dos prefeitos, que retirou grande parte das atribuições conquistadas pelos
magistrados durante o avanço liberal. Os prefeitos e subprefeitos foram vistos como
verdadeiros déspotas locais, exercendo seus poderes de forma arbitrária, em especial nos
momentos da condução dos recrutamentos forçados. Esta situação se converteu em
insatisfação popular, pois os mais pobres viram seus direitos políticos cerceados, levando à
eclosão da Balaiada. Assim, além de destacar o importante papel político desses magistrados
para esta camada social, a autora lança crítica à historiografia tradicional, que os destacam
como símbolos do “localismo”. Mesmo sendo autoridades de grande prestígio dos distritos e
freguesias, e que se articulavam com os interesses locais, seja por laços clientelísticos ou pelo
patrimonialismo, isto não seria o suficiente para colocar, especialmente a eles, tal
responsabilidade de representação dos interesses locais. As redes de poderes políticos,
naquele momento, envolviam diversos sujeitos e instituições, tal como comandantes militares,
chefes da Guarda Nacional, vereadores, entre outros.
Algumas pesquisas de mestrado também já se esforçam para conferir ao juizado de
paz novas matrizes explicativas, abordando outros pontos de vistas sobre a instituição do
cargo. Citamos aqui dois exemplos. O primeiro é a dissertação de Kátia Sausen da Motta, Juiz
de paz e cultura política no início o oitocentos (Província do Espírito Santo, 1824-1842).
Percebendo que a historiografia, até então, não havia dado a devida atenção para as
95
características eleitorais dos juízes de paz, principalmente quanto a esta característica não ter
sido alterada ou questionada durante as reformas conservadoras, Motta notou que este aspecto
se tornou um ponto de interesse importante para compreender melhor o funcionamento da
justiça de paz na cultura política vigente e a participação política dos cidadãos nos primeiros
anos do Império. Utilizando como base as documentações, como as Atas Eleitorais e os Anais
da Assembleia Legislativa Provincial, ela investigou a dinâmica política local, que girava em
torno desses magistrados e do processo eleitoral, a fim de identificar não só as características
de quem ocupava o cargo, mas também o cotidiano das eleições.
No jogo político da paróquia, a pesquisadora percebeu que a magistratura de paz foi
um objeto de ambição de um grupo considerável da elite política provincial, pois o cargo
abria novas oportunidades àqueles que o ocupavam, como o acesso direto às urnas e às listas
de qualificação de votantes. Estas atribuições poderiam ser convertidas em meios de
conquistar benefícios particulares, através das trocas de favores, o que fez com que muitos
homens de projeção política provincial iniciassem suas carreiras nesta magistratura. Além
disso, Motta afirma que os juízes eletivos eram importantes também para os “homens
comuns” da paróquia, pois representavam não só um meio de participação política direta, mas
uma oportunidade de inseri-los nas relações de “barganha” no processo eleitoral, já que a elite
política local tinha interesse em estabelecer esta prática para garantir a vitória de seus
candidatos.
Os grupos oligárquicos, por sua parte, procuravam manter sob sua tutela os cidadãos
titulares de direitos eleitorais. As listagens de cidadãos ativos, que até ressuscitavam
mortos, prestavam-se a todo tipo de manipulação. A escolha dos magistrados não
fugia a essa regra148.
Kátia Motta não aborda o juizado de paz apenas como um cargo que implicou na
instauração de um modelo democrático (no sentido de representação da maioria), mas também
como uma possibilidade de dar bases de sustentação às carreiras políticas de quem era eleito e
viabilizar a inserção dos cidadãos locais no processo político e na configuração de certa
cultura política.
O segundo estudo que destacamos é a dissertação de Joelma Aparecida do
Nascimento, intitulada Os “homens” da administração e da justiça no império: eleição e
148 MOTTA, Kátia Sausen da. Juiz de paz e cultura política no início o oitocentos (Província do Espírito
Santo, 1824-1842). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Programa de
Pós-Graduação em História, Recife, 2001. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do
Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, 2013, p. 164.
96
perfil social dos juízes de paz em Mariana, 1824-1841. A autora tomou as mudanças do
sistema jurídico e administrativo como pano de fundo de sua pesquisa, que visou garantir o
exercício do poder do governo central nas localidades, assim como a aplicação da justiça. No
centro desta questão, ela destaca o seu objeto de estudo, o juiz de paz. Seu principal objetivo
foi compreender quem eram os homens eleitos para este cargo.
Ela utilizou como delimitação espacial o Termo de Mariana, que fez parte da Comarca
de Vila Rica. Este espaço social foi fundamental para a sua compreensão sobre quem seriam
os magistrados eleitos, pois esta era uma região que, desde o início de sua ocupação, se
destacou pela exploração do ouro. Por esse motivo, ocorreu então uma forte e intensa
movimentação econômica e populacional, tornando-a um dos principais polos administrativos
de Minas Gerais durante o século XVIII e no início do XIX.
Lançando mão de uma vasta documentação, como os livros de atas de eleições,
correspondências oficiais, livros de censos, entre outros, Nascimento deu uma atenção
especial aos inventários post-mortem e aos testamentos para compreender o perfil social e
econômico daqueles sujeitos eleitos a juiz de paz.
Ao todo, a pesquisadora encontrou 496 homens que foram votados e eleitos, chegando
a um dado curioso: todos eles foram detentores de escravos. Joelma Nascimento chegou a
fazer uma classificação destes homens, agrupando-os em três faixas de fortuna, para fins de
comparação. O primeiro grupo eram os pequenos e médios proprietários, com patrimônio
avaliado até 12.000$000 (doze contos de réis). O segundo fazia parte dos grandes
proprietários, com fortunas avaliadas de 12.000$000 até 32.000$000 (trinta e dois contos de
réis). Por último estavam os mais afortunados, que tinham sua riqueza acima de 32.000$000.
Nesses grupos se destacou, além das posses de terras, a concentração de grande parte
de suas riquezas em escravos, sendo que em muitos desses casos esta posse superava os
outros bens declarados, fazendo-a concluir que em Mariana os juízes de paz fizeram parte de
um grupo escravista. Nascimento relativizou as condições sociais destes homens eleitos, pois
vários magistrados tinham fortunas menores, chegando até 6.000$000 (seis contos de réis), ou
seja, fazer parte de uma elite econômica não era um pré-requisito para se eleger juiz. Outra
constatação é o fato de que muitos dos juízes eleitos não trabalhavam exclusivamente na
magistratura, pois aliavam suas atividades políticas às outras econômicas, ou seja, “cada
97
homem exercia várias outras ocupações e foram ainda assim cometidos a serem juiz de paz
naquela sociedade”149.
Esses são alguns exemplos de novos estudos que mostram outras facetas políticas que
giravam em torno desses magistrados e dos seus poderes instituídos, complementando aquelas
interpretações tradicionais que os tratam enquanto representantes dos interesses privados. O
nosso trabalho se beneficia destas pesquisas, sendo interessante ressaltar que os juízes de paz
eram concebidos como um meio para contornar os problemas herdados da colônia e
produtores de outros efeitos perante a sociedade que o elegia.
2.2 O juizado de paz no processo de modernização política brasileiro
2.2.1 O sistema judiciário na colônia portuguesa
Nos esforços de configurar o nascente Estado brasileiro, os legisladores do Império
trabalharam para organizar as antigas e as novas instituições públicas, moldando-as a partir
das novas concepções incorporadas pelo governo central, como as ideias liberais e as
constitucionalistas, tomando-as também como um meio de garantir o exercício pleno do poder
do Estado nas diversas regiões do país. Nesse contexto, o sistema judiciário teve também que
se adequar a esses novos princípios defendidos, inclusive na incorporação dos preceitos
jusnaturalistas.
Mas a permanência de alguns traços da colônia entrava em choque com essa ideia de
justiça “racional”, pois, além de manter uma confusão de atribuições, ela ainda se respaldava
na figura do rei enquanto símbolo de justiça, concentrando em torno de si uma forte influência
no Poder Judiciário150. Esse processo foi fruto das forças das tradições do Antigo Regime, que
se manteve presente na organização política e administrativa imperial. Conforme afirma
Guido Fassò, o pensamento social neste momento se baseou em um modelo de sociedade
organicista, onde a estratificação dela foi algo natural (pois a caracterização social seria uma
qualidade inerente da própria natureza individual) e desigualmente ordenada (onde cada
indivíduo, em seu status quo, teria uma função específica que colaboraria com o
funcionamento ideal de sua sociedade)151.
149 NASCIMENTO, Joelma Aparecida do. Os “homens” da administração e da justiça no império: eleição e
perfil social dos juízes de paz em Mariana, 1824-1841. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010, p. 172. 150 LEAL, 1986. 151 FASSÒ, 2010.
98
Como já abordamos anteriormente, o modelo de administração seguido pelo Brasil
colonial foi o português, regulamentado por suas Ordenações (primeiramente as Manuelinas,
criadas em 1521, e depois as Filipinas, postas em vigência no ano de 1603). Neste escopo, as
Câmaras Municipais foram os principais órgãos reguladores, por meio da atuação dos homens
da localidade que assumiam os postos oficiais. Estes órgãos tinham atribuições políticas,
administrativas, judiciais, fazendárias e policiais. O sistema jurídico nesse momento esteve
atrelado às Câmaras, pois além de se inserirem ali autoridades como vereadores e
magistrados, eram feitas nomeações de alguns juízes (como os juízes de vintena e almotacés).
Por isso, a instalação dessas Câmaras não representou apenas uma tentativa de implementação
de um governo local, abarcando os interesses das elites que as circundavam, mas também um
meio de aplicação da justiça local152.
Com as Ordenações Filipinas, a justiça ficou estruturada em duas instâncias. Os
Tribunais que estavam nas comarcas correspondiam à primeira instância153. Os cargos que
atuavam ali eram os ouvidores-gerais154, corregedores, ouvidores de comarca, provedores,
Juiz de Fora155, Juiz Ordinário (ou Juiz da Terra)156, Juiz de Vintena, Juiz de Órfãos157,
almotacés, alcaides e vereadores. Estes cargos eram auxiliados pelos meirinhos e escrivães,
sendo que poderiam ser nomeados ou eleitos entre os membros da elite econômica local. A
partir da expansão do território da colônia, foram criadas as chamadas Juntas das Capitanias,
que tinham a função de julgar e processar os crimes contra a paz pública158.
152 LEAL, 1986. 153 Esta jurisdição consistia em uma ou mais cidades consideradas importantes, incluindo os povoados
circundantes. Naquelas regiões pouco habitadas do interior, poderiam ter grandes extensões de terras, mas sem uma delimitação precisa, enquanto aquelas mais povoadas (geralmente as grandes regiões agrícolas) poderiam
ser menores, porém cuidadosamente delineadas (FLORY, 1986). 154 Chamados algumas vezes de corregedores, eram juízes profissionais, ou seja, graduados na Faculdade de Leis
de Coimbra. Estes magistrados sancionavam periodicamente e presidiam casos civis e penais, assim como
supervisionavam a ordem pública da sua jurisdição. Eles também poderiam supervisionar a atuação de
funcionários menores da estrutura judicial (Ibid.). 155 Eram nomeados dentre bacharéis letrados, com o objetivo de serem o suporte do rei nas localidades,
garantindo a aplicação das ordenações gerais do Reino. Este era o posto mais baixo da justiça portuguesa,
atuando em nível municipal. A diferença entre este e os ouvidores é o fato deles terem sido introduzidos apenas
no século XVII, mas tendo o número de ocupantes do cargo ampliado ao longo do século XVIII como forma da
Coroa portuguesa de estender o controle real sobre as crescentes cidades e de combater os casos de anarquia que surgiam na colônia. Eles também presidiam oficialmente o conselho municipal da cidade em que eram alocados
(Ibid.). 156 O grau de bacharel em Direito não era um pré-requisito e a ocupação do cargo se dava através de eleições
anuais. Tinham como jurisdição as vilas ou cidades, nas quais obrigatoriamente deveriam residir (por isso eram
também chamados de juízes da terra). Eram fiscalizados pelos juízes de fora, pois, por serem sujeitos da
localidade, poderiam estar enredados nas tramas de interesses locais (Ibid.). 157 Tinham a função de serem guardiões dos órfãos e das heranças, solucionando as questões sucessórias a eles
ligadas (VIEIRA, 2002). 158 Ibid.
99
Em segunda instância estavam os Tribunais de Relação, órgãos responsáveis pela
administração da Justiça na Colônia. De início, foram instaladas duas Relações: a do Rio de
Janeiro e da Bahia. Para aqueles casos acima de um conto e duzentos mil-réis, havia a
possibilidade de enviar recursos para o Desembargo do Paço de Lisboa. Assim, diante do
crescimento populacional e da ampliação do território colonial, a justiça passou a caminhar
mais lentamente, pois a estrutura vigente não suportou a demanda daquele momento, não
conseguindo estar presente em todas as regiões do Brasil, precisando ser então reformada.
Com a chegada da Família Real, a administração judiciária portuguesa foi
transplantada para o Brasil, através de algumas alterações no modelo que aqui existia. Foram
criadas mais duas Relações, a do Maranhão (1811) e a de Pernambuco (1821), além da
instalação dos Supremos Tribunais (Desembargo do Paço e Mesa da Consciência e Ordens),
do Supremo Conselho Militar e Justiça, e da Intendência Geral de Polícia:
Em síntese, a Justiça nos tempos coloniais foi administrada pelas quatro relações: a da Bahia, primeiro; em seguida a do Rio de Janeiro, separada daquela; e afinal a do
Maranhão e a de Pernambuco. Anteriormente, foi por Ouvidorias-Gerais, que
correspondiam a diferentes seções administrativas, e, em caráter especial, por
alçadas especiais, como as Juntas de Justiça, as Juntas Militares e os auditores159.
Essa ampliação do aparato judiciário no Oitocentos se mostrou enquanto uma tentativa
de superação dos entraves existentes na estrutura colonial. Ainda marcada por fortes
influências das forças locais, a justiça precisava atingir um grau maior de eficiência nas
demandas judiciais, para garantir a tranquilidade pública e viabilizar a expansão do poder do
Estado – além de desvincular o sistema judiciário dos poderes locais, estando assim à
“disponibilidade” do governo central.
Lançando sua interpretação sobre a justiça colonial, Thomaz Flory mostrou que ela
estava atrelada à própria dominação de Portugal sobre o Brasil. O aparato judiciário português
e a administração do reino estavam intimamente ligados aos níveis mais altos de poder do
governo lusitano, onde o vice-rei, nomeado pela Coroa para administrar a colônia, e o
Tribunal Superior lusitano se encontravam lado a lado na efetivação deste domínio. Em outras
palavras, “cuando un monarca portugués deseaba regulamentar algún aspecto crucial de la
vida colonial, rara vez enviaba tropas, intendentes reales, o recolectores de impuesto. Las más
de las veces enviaba jueces dotados de amplios poderes de administración”160.
159 Ibid., p. 35. 160 FLORY, 1986, p. 58.
100
A aproximação entre administração metropolitana e o poder judiciário colonial foi
considerada em sua análise como uma manobra consciente do monarca português, tornando o
sistema judiciário colonial como um instrumento para a realeza efetivar o seu controle na
colônia, ou seja, um braço legal que estendia e solidificava a sua autoridade.
A nomeação de magistrados profissionais pelo governo real para atuarem na colônia,
como era o caso dos Juízes de Fora, dos Juízes Ordinários e dos ouvidores-gerais, foi uma
forma de deixar presente a figura simbólica do rei. Mas isto acarretou em uma mescla e
confusão dos sistemas de governabilidade, tornando problemática a adoção do conceito de
uma burocracia abstrata e impessoal, tendo em vista que “los lazos de personales de
mutualismo entre el rey y el magistrado contribuyeron aún más a hacer du personal legal (los
propios jueces individuales) el centro dinâmico del sistema legal portugés”161.
Durante o Antigo Regime, o monarca foi aquele que representava a legislação, era o
supremo juiz, “dispensador de graças, mercês ou castigos, segundo sua vontade soberana”162.
Em sua figura esteve depositada a imagem de detentor natural da administração da justiça. As
autoridades coloniais acabavam detendo uma parte deste status, pois eram eles quem
representava a realeza. Isto permitiu Flory afirmar também que estes magistrados, que
atuavam nos tribunais inferiores, se utilizavam de sua posição hierárquica e simbólica na
colônia (pois se destacavam devido à nomeação real) e se envolviam em ações extrajudiciais
da sociedade local, sobretudo por criarem laços formais e informais, e conquistarem
benefícios particulares, ameaçando a eficácia do sistema judiciário do período.
Victor Nunes Leal teceu também suas considerações sobre a organização judiciária
colonial. Formando uma estrutura composta por diversas autoridades, a legislação portuguesa
demarcou imperfeitamente as atribuições dos seus funcionários, “sem a preocupação –
desusada na época – de separar as funções por sua natureza”163. Percebendo que
governadores, vereadores e magistrados estavam envoltos por atribuições judiciais e policiais,
o autor afirma que esses funcionários normalmente caíam em conflito de jurisdição ao mesmo
tempo em que se tornavam alvos de cooptação dos senhores rurais e latifundiários, os quais
almejavam suportes institucionais para fazer valer seus interesses particulares.
Essa estrutura judiciária refletiu as características de uma monarquia corporativista
portuguesa, que teve como princípio o poder real partilhado. Em um campo político
constituído por diferentes hierarquias de poderes entrelaçados, onde os oficiais régios
161 Ibid., p. 59. 162 IAMASHITA, 2010, p.87. 163 LEAL, 1986, p. 181.
101
gozavam de uma forte proteção dos seus direitos e com diversas atribuições, este sistema se
estendeu à colônia portuguesa, não havendo assim um mecanismo geral de domínio, mas sim
diversos meios para justificarem a sua expansão colonial.
A falta de uma constituição colonial unificada provocou a “heterogeneidade de laços
políticos [que] impedia o estabelecimento de uma regra uniforme de governo, ao mesmo
tempo em que se criava limites ao poder da coroa ou dos seus delegados”164. A monarquia
portuguesa, portanto, mostrou a inconsistência do direito colonial com os princípios
jusnaturalistas, que tomava a jurisprudência em um patamar de superioridade em relação à
política – ou seja, onde a ação político-administrativa era mais importante, tendo o rei que
respeitar a jurisdição dos demais corpos políticos. Para Antônio Manuel Hespanha:
o paradigma jusnaturalista limitava fortemente a capacidade de ação da coroa. Não
só ao persistir numa concepção do poder que apenas parcamente lhe concedia
poderes integráveis numa “administração ativa”, promotora de novos equilíbrios
sociais e políticos, como ao subordinar toda a atividade da coroa às regras de uma
prudentia iuris, norteada pela conservação da ordem estabelecida e servida por um
estamento corporativista e eminentemente conservador (no sentido mais radical do
termo)165.
Com a difusão dos paradigmas modernos nas terras lusitanas, a partir do movimento
vintista e do projeto constitucionalista, rompeu-se também com os direitos que se
respaldavam na tradição e colocavam o rei enquanto árbitro da Lei, iniciando uma nova fase,
na qual o Estado deveria atuar em benefício de um todo. Agora, a valorização do Direito
Público e do jusnaturalismo ofereciam novos status às legislações, sendo elas subsidiárias de
uma nova ordem estatal, dentro de uma razão positiva com a criação de constituições e
códigos166. No Brasil, o esforço para a implementação desse jusnaturalismo ocorreu no
Primeiro Reinado, com a Constituição de 1824 e com o Código Criminal de 1830. Estes
foram os dois principais dispositivos legais que tentaram regulamentar as relações entre os
cidadãos do Império, definindo as garantias básicas da igualdade jurídica e de propriedade a
partir das Leis.
164 HEPANHA, 2004, apud, NASCIMENTO, 2010, p. 25. 165 Ibid., p.26. 166 Para Antonio Manuel Hespanha, houve foi a transição de um Estado de Polícia para um Estado de Direito, o
que significa dizer que o Estado agora tinha limites, mas que estes não eram simples direitos individuais, pois as
normas da lei era o que os tornavam efetivos. Neste momento, o objetivo era a instauração de um Estado que a
imposição do poder se materializasse na forma de Lei. Desta forma, percebe-se que o projeto político liberal se
preocupou em estabelecer a positividade da ordem política, quando deu um novo significado ao conceito de
Estado e restaurando a ideia de nação.
102
2.2.2 Os magistrados eletivos na nova ordem política imperial
No início do século XIX houve várias críticas à estrutura judiciária, em especial após a
Independência, por parte dos liberais. Um dos principais problemas apontados era a
centralização da justiça nas mãos de autoridades reais e a corrupção dos magistrados. Os
liberais afirmavam que ali imperava um “espírito corporativista”167 e o exclusivismo da
magistratura real, o que “amargura em los años posteriores a la Independencia”168. Este
corporativismo do sistema judiciário, além de alimentar a corrupção, seria a causa da
ineficiência burocrática, levando:
Naturalmente a demandas de reforma institucional en los años veite. La propia
Constitución de 1824 hace alusión al estabelecimiento estatutario de um nuevo juez
de conciliaciones local, y de um sistema de jurado para complementar la jerarquía
judicial regular169.
Como já abordamos na primeira parte deste trabalho, após a emancipação política em
1822, o Brasil assumiu o desafio de estruturar o Estado, baseando-se em leis próprias que
conseguissem manter a ordem e a tranquilidade pública, e fazer a conciliação entre os poderes
provinciais e o governo central. Desta forma, a organização do sistema judiciário passou a ser
repensada, pois ele carregava consigo vícios e resquícios do modelo colonial.
Nas sociedades que tomaram o liberalismo como ponto norteador de sua estruturação,
foram elaboradas Constituições modernas (como forma de afirmar as liberdades individuais) e
Códigos Liberais (enquanto manuais de conduta da população), que, em comparação com o
Antigo Regime, proporcionaram um controle social dos indivíduos mais efetivo e uma maior
interferência do poder do governo no cotidiano da sociedade, onde a lei foi dotada de um
caráter “positivo” (sendo tomada enquanto instrumento de defesa da propriedade e dos
direitos do cidadão). A sua criação foi pensada de modo a distribuir e a delimitar as
atribuições entre os agentes do Estado de forma racional, propondo uma organização social
que prevenisse e combatesse os delitos de forma mais eficiente170. Assim, no Brasil, as
legislações e os códigos criados após a independência ganharam um caráter limitador dos
167 Thomaz Flory afirma que o corporativismo foi o resultado da educação comum desses magistrados. A
formação desses Bacharéis no curso de Direito da Universidade de Coimbra, ao mesmo tempo que possibilitou a
formação de redes de sociabilidades entre os estudantes, contribuiu para que incorporassem um espírito de
opressão e arrogância na magistratura brasileira, uma vez que frequentar a Faculdade de Leis de Coimbra era
privilégio de poucos. 168 FLORY, 1986, p. 67. 169 Ibid., p. 71. 170 HEPANHA, 1994, apud IAMASHITA, 2010.
103
direitos, da liberdade (para que os sujeitos não extrapolassem o que estava definido por lei) e
da ordenação da vida cotidiana, apontando os passos necessários para se atingir a paz social.
Após muitos confrontos entre as facções das elites políticas nacionais foi outorgada a
Constituição, contendo um forte teor liberal e consagrando a independência do Poder
Judiciário. Esta Carta propôs uma estrutura hierárquica, dividindo a magistratura em alta e
baixa: a primeira era chamada de Supremo Tribunal de Justiça e existia apenas na Capital do
Império e nas capitais das províncias; era formada por magistrados letrados, nomeados por
critério de antiguidade em suas relações e recebiam título de conselheiro; já a baixa
magistratura seria composta pelos juízes e jurados171.
Dentro da baixa magistratura ficou especificado dois tipos de juízes: o juiz de direito e
o juiz de paz. Entendemos que, a partir de agora, os magistrados e os tribunais foram elevados
ao status de poder político, após a declaração de sua independência. No entanto, esta
independência era apenas parcial, pois o juiz de direito refletia a continuidade de algumas
características do sistema judiciário colonial, atuando nas causas civis. Os juízes tinham
formação profissional em Direito, eram perpétuos e poderiam ser nomeados, suspensos e
removidos (o que só aconteceria através de sentença) pelo Imperador. Esta capacidade do
Imperador de nomear e punir os magistrados foi reveladora, pois mostrou o seu poder em
intervir na justiça. Além disso, a exigência do diploma indicava que este magistrado era
oriundo de um estrato social privilegiado da elite imperial, representando proprietários de
terras, por exemplo, e se destacando no âmbito em que frequentava. Em suma, o sistema
judiciário que se instalou com a Constituição apresentou uma combinação dos fundamentos
teóricos do Antigo Regime com os do modelo liberal.
Porém, essa percepção de uma figura que representasse na prática e simbolicamente a
expressão máxima da justiça, começou a dar espaço para a ideologia liberal. Mesmo estando o
Poder Judiciário submetido ao Poder Executivo e Moderador, a Carta de 1824 abriu espaço
para a participação popular e leiga neste sistema, através da instituição dos jurados e dos
juizados de paz. Ambos os postos representaram uma ameaça aos conservadores e à
magistratura profissional, pois possibilitou uma maior participação das forças locais no poder
do Estado172.
O Tribunal do Júri, composto pela população cidadã ativa, tornou pessoas comuns,
que até então estavam excluídas dos meios de participação política direta, em eventuais
árbitros da justiça. Mesmo não possuindo jurisdição, eles tinham, a partir de agora, a
171 FARIA, 2007. 172 FLORY, 1986.
104
competência para julgar as causas que fossem sorteadas ou indicadas, e aplicar as leis
pronunciadas pelos de direito.
Quanto aos juízes de paz, eles foram imaginados enquanto uma magistratura popular,
não sendo obrigatória a formação jurídica para a ocupação do cargo. Eram eleitos de forma
direta, assim como eram os vereadores das Câmaras. Foram concebidos enquanto agentes
conciliadores, que deveriam empregar meios pacíficos para tentar apaziguar as partes
envolvidas – este processo era obrigatório para que se pudesse dar início ao processo judicial.
A criação da Justiça de Paz no Brasil possuía a mesma conotação histórica de outros países:
foi uma forma de reação ao poder autoritário do Estado/monarcas:
[...] ao lado da preservação dos princípios liberais e do autoritarismo estatal, surgia o
princípio da conciliação, primeiro passo para vigorar, em toda a sua plenitude, a
Justiça de Paz, cuja denominação por si só, deixa bem explicito a importância de sua
finalidade: distribuir a paz, a união, a harmonia, a concórdia entre os cidadãos e, por
meio da reconciliação (ou conciliação)173.
Além disso, eles colaboravam para uma maior agilidade dos processos judiciais, pois o
princípio da conciliação deixou explícita essa finalidade, evitando que as partes evolvidas
recorressem a um procedimento judicial longo, lento e repleto de formalismo em suas
diversas fases. Vale ressaltar aqui que esta noção de conciliação não era uma novidade da
Constituição de 1824, pois este princípio já se encontrava nas ordenações portuguesas. Em
1446, por exemplo, esta ideia apareceu nas Ordenações Afonsinas, o mais antigo código das
leis de Portugal; nas Ordenações Manuelinas, D. João II criou a figura dos consertadores,
tendo como principal missão restabelecer a paz e a harmonia; e nas Ordenações Filipinas este
cargo foi extinto e suas atribuições foram transferidas aos juízes, que tinham que julgar os
feitos e propor preliminarmente a conciliação174.
A conciliação refletiu também as importações de ideais estrangeiras pelos legisladores
do Império. Países como França, Inglaterra e Estados Unidos foram frequentemente utilizados
nas práticas discursivas dos deputados, para dar maior peso e legitimidade às suas ideias na
hora que tentavam aprovar algum projeto de lei. Da França foram oriundas as concepções de
“conciliação” (prevista no Código de Processo Civil francês) e a “eletividade” popular dos
juízes de paz (algo que foi mal visto pela aristocracia desse país); já da Inglaterra veio a
percepção de que seriam eles quem manteriam a paz nas vilas e colocariam a população sob a
égide do poder real, punindo os desobedientes e anulando qualquer foco de distúrbio; e dos
173 VIEIRA, 2002, p. 45. 174 Ibid.
105
Estados Unidos veio a aproximação da Justiça de Paz com a noção de “democracia popular”,
pois a ocupação do cargo não exigia o conhecimento das leis, já que a principal tarefa ali era a
de policiamento da localidade e de execução das atividades administrativas175.
Mas, o início da adoção da conciliação não foi algo que aconteceu de imediato, pois
foi somente com o decreto de 17 de novembro de 1824 que ela passou a ser uma atividade
obrigatória e preliminar em todos os processos:
Atendendo às repetidas queixas, que muitas pessoas pobres e miseráveis das
diversas Províncias diariamente fazem subir á Minha Augusta Presença, sobre a
impossibilidade de intentarem os meios ordinários dos processos, não só por
incômodos, gravosos e tardios, mas até pelas grandes distancias, em que muitos
residem, das Justiças competentes; e desejando que todos os habitantes deste
Império gozem já quanto possível for, dos benefícios da Constituição176.
Uma vez que as atribuições conciliatórias fossem destinadas aos magistrados de paz,
não seria possível acatar as ordens estabelecidas na Constituição, pois ainda não tinha sido
criado o referido cargo.
[...] nenhum processo possa desde já ter princípio, sem que primeiro se tenham
intentado os meios de reconciliação, como é também recomendado pela Ordenação
do Reino, Liv. 3º, Tit. 20, § 1º, devendo esta providencia ser geral, e
indefectivelmente observada por todos os Juízes, e Autoridades, a quem competir,
em quanto não houverem os Juízes de Paz, decretados pelo art. 162. da mesma
Constituição Clemente Ferreira França, do Meu Conselho de Estado, Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, o tenha assim entendido, e faça
executar, expedindo para esse fim os despachos necessários177.
Estudando os debates nas Câmaras dos Deputados, Kátia Motta destacou que esta
ordem não foi bem acolhida pelos deputados da ala liberal. Eles acusavam que tais medidas
eram inconstitucionais e consideravam-nas “absurdas” e “tirânicas”, pois as atribuições dos
magistrados leigos acabaram caindo sob a tutela dos magistrados profissionais, ou seja, os
juízes de direito. Os deputados afirmavam ainda que isto colocava em estado de urgência os
debates em torno da regulamentação do Juizado de Paz. Analisando as sessões na Assembleia
Geral, entre os anos de 1826 a 1842, sendo 2.010 da Câmara dos Deputados e 1.938 do
Senado, Motta apontou que o juizado de paz foi mencionado 515 vezes pelos deputados e 342
175 MOTTA, 2013. 176 BRASIL. Decreto de 17 de novembro de 1824. 177 Idem.
106
pelos senadores, sendo que 3,9% das reuniões da Câmara tiveram como assunto principal o
Juizado de Paz, enquanto que no Senado este percentual foi maior (6,5%)178.
A respeito dos debates sobre o projeto que regulamentaria os poderes dos juízes de
paz, Rosa Vieira identificou a existência de dois grupos de deputados com visões opostas. O
primeiro grupo interpretou a Constituição de forma restritiva, ou seja, não admitia que
houvesse aumentos de atribuições para esses magistrados, ficando assim limitados às simples
atividades conciliatórias, podendo eventualmente cuidar das prevenções de delitos. Faziam
parte deste grupo os deputados Feijó, Luiz Cavalcante, Augusto Xavier e Oliveira Salgado. O
segundo grupo tinha uma visão oposta, defendendo a necessidade de ampliação das
atribuições dos juízes, concedendo-lhes funções de polícia e judiciárias, para que elevasse o
seu grau de importância. Isto atrairia para o cargo pessoas mais cultas e inteligentes,
resultando em uma ação mais eficiente da administração da justiça, na prevenção e repressão
dos crimes de forma mais efetiva. Bernardo Pereira de Vasconcelos e Miguel Calmon du Pin
e Almeida (o Marquês de Abrantes) eram alguns dos nomes defensores destas medidas179.
Porém, a criação dessa instituição só aconteceu após três anos, com a Lei de 15 de
outubro de 1827, estabelecendo o seu campo de atuação nas freguesias e nas capelas curadas,
podendo haver um juiz de paz e um suplente em cada uma. Reafirmou-se que esses
magistrados seriam eleitos da mesma forma que os vereadores das Câmaras Municipais.
Foram delimitadas ainda as suas atribuições em quatro áreas: as atividades conciliatórias, que
eram exercidas quando os magistrados assistiam as discussões e procuravam resolvê-las de
forma pacífica, com a finalidade de encontrar a paz; as judiciárias, no momento em que eles
processavam e julgavam as causas civis que lhes eram garantidas pela lei; as policiais, no
momento de adotarem providências para prevenir o crime, mantendo assim a segurança
pública; e as administrativas, quando presidiam e interviam em determinados atos
extrajudiciais, sejam para conferir uma melhor execução, sejam para fiscalizá-los, como era o
caso de sua participação nos serviços eleitorais, que tinham que convocar os eleitores para
votar, assistir e fiscalizar o processo eleitoral, além de nomear e organizar as mesas
eleitorais180.
Concebidos em princípio enquanto agentes conciliadores, os juízes de paz foram se
tornando gradativamente as maiores autoridades policiais e judiciais da localidade. Desta
forma, eles deveriam fazer o auto do corpo de delito, julgar pequenas demandas (com valores
178 MOTTA, 2013. 179 VIEIRA, 2002. 180 Ibid.
107
que não superassem 16$000), separar ajuntamentos, inibir a circulação de mendigos e vadios
(obrigando-os a viver do trabalho honesto), colocar em custódia os bêbados, observar o
seguimento das posturas municipais pelos moradores de sua jurisdição e assinar os termos de
bem viver dos turbulentos e das meretrizes escandalosas. Muitas dessas atribuições tinham
um importante papel no controle de hábitos cotidianos e costumeiros da população, devendo
os magistrados dos distritos adequá-las a uma ordem civilizatória desejada. Eles deveriam
também atuar na destruição de quilombos e impedir casos de motim (e se ocorressem alguns,
eles poderiam dispor da força armada para combatê-los).
Na Lei de 1º de outubro de 1828, a mesma que deu forma às Câmaras Municipais e
reduziu os seus poderes, regulamentou-se o processo de eleição dos vereadores e dos juízes de
paz. As eleições deveriam ser feitas de quatro em quatro anos, ou seja, este seria o tempo de
atividade de cada um dos candidatos que ocupasse o cargo. Ficou determinado também o dia
em que elas aconteceriam (7 de setembro), sendo efetuadas em “todas as paróquias dos
respectivos termos das cidades ou vilas, nos lugares que as Câmaras designarem”181.
Na Constituição foi estabelecido um sistema de eleição dividido em duas fases, que
era direcionado para a nomeação de deputados, senadores e membros dos Conselhos Gerais
das províncias. A primeira seria uma eleição indireta, elegendo em Assembleias Paroquiais os
cidadãos ativos eleitores – aqui os votantes eram aqueles cidadãos brasileiros que estavam em
pleno gozo dos seus direitos políticos e os estrangeiros naturalizados182. Já na segunda fase só
participavam aqueles hábeis a serem votantes (exceto os que não possuíssem uma renda
líquida de quatrocentos mil réis), os que fossem estrangeiros naturalizados e aqueles que não
professavam a religião do Estado. Percebe-se, então, que uma boa parte da população estava
excluída desta segunda etapa por não ter renda o suficiente para ser eleitor. No caso da eleição
para juiz de paz, isto não acontecia, pois a população participava de forma direta, ou seja, o
processo todo só acabava na primeira fase.
Essa foi uma importante inovação, fruto das transformações políticas e administrativas
do constitucionalismo. Em termos de participação política desta camada mais pobre, ampliou-
181 BRASIL. Lei de 1º de outubro de 1828, art. 2º. 182 Segundo Art. 92 da Constituição, estavam excluídos da votação nas Assembleias Paroquiais: os menores de
vinte e cinco anos que não fossem casados; os Oficiais Militares, que fossem maiores de vinte e um anos; os
Bacharéis formados e Clérigos de Ordens Sacras; os filhos de famílias que estivessem na companhia de seus
pais, salvo se servirem ofícios públicos; aqueles criados para servir, em cuja classe não entram os Guarda-livros
e os primeiros caixeiros das casas de comércio; os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco e os
administradores das fazendas rurais e fábricas; religiosos ou qualquer outro que vivam em Comunidade claustral;
os que não tiverem renda líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos.
Conforme o Art. 93, estes que não poderiam votar nas Assembleias Primárias de Paróquia, não tinham o direito
também de serem membros e nem de votarem na nomeação de alguma autoridade eletiva nacional ou local.
108
se a sua margem de participação política, pois parte de seus componentes tinha agora a
possibilidade de eleger diretamente os candidatos a juízes, sem a necessidade de
intermediários que os representassem. Ainda que este fosse um modelo de representação
política desigual, isto pode ser considerado como uma alteração importante em termos de
sociabilidade, pois esses eleitores estariam colocando nos postos oficiais pessoas próximas de
suas realidades cotidianas locais. Esta seria uma mudança inerente ao processo de
modernização política, que não se atém apenas nas transformações dos aparatos burocráticos e
institucionais, mas também na comunidade política em geral.
Existe, portanto, Modernização política quanto à população de uma comunidade política em seu conjunto, quando se verifica a transição de uma condição
generalizada de súditos para um número crescente de cidadãos unidos entre si por
vínculos de colaboração, passagem que é acompanhada pela expansão do direito de
voto e da participação política, por uma maior sensibilidade e adesão aos princípios
de igualdade, e por uma mais ampla aceitação do valor das leis erga omnes183.
A participação direta no processo eleitoral foi importante também quanto ao próprio
fundamento das eleições em si. Esse foi o mecanismo legal de competição que legitimava a
autoridade e colocava os cidadãos em posição de igualdade, mesmo que temporária e
circunstancial. No cenário brasileiro, isso foi um conceito radical, pois a sociedade, até então,
estava adequada a um modelo de sociedade estamental, onde as classes inferiores viam quem
estava no topo da hierarquia tomando as rédeas das decisões políticas. Por isso, “certamente, o
processo eleitoral apresentou-se à sociedade da época como novidade muito interessante por
articular a ela um campo de possibilidade de mudanças”184.
Inserindo a instituição desse cargo no debate político da época, Flory destacou-o
enquanto símbolo dos preceitos liberais descentralizadores, criado com o objetivo de romper
com a importância da magistratura profissional nomeada e de reduzir o poder pessoal do
Imperador, pois, uma vez que os juízes de paz fossem eleitos, eles teriam um maior potencial
de “independência” dentro do sistema judiciário nacional. Logo, “a medida que corescía la
oposición al emprerador, sus adversários en la legislatura vieron anómalo magistrado de la
parroquia como un médio de sabotear el poder judicial tradicional y como un contrapeso a
uma tiranía antecipada”185.
Como já afirmamos, o judiciário imperial se desenvolveu incorporando elementos
coloniais portugueses e pensamentos institucionais modernos. Neste quadro, a magistratura
183 PASQUINO, 2010, p. 765. 184 IAMASHITA, 2010, p. 82. 185 FLORY, 1986, p. 85.
109
eletiva foi mais um avanço na superação do “atraso” colonial. Na década de 1830, Dom Pedro
I renunciou ao cargo e a facção liberal moderada assumiu o comando da Regência, o que
possibilitou novos avanços legais no sentido de uma maior descentralização do poder. A partir
de então, o Livro V das Ordenações Filipinas deixou de ser utilizado nos processos criminais
por causa da promulgação do Código de Processo Criminal de Primeira Instância de 1832.
Além disso, os juízes de paz tiveram os poderes ampliados novamente.
No Código, os distritos foram reafirmados enquanto campo de atuação dos juízes,
cabendo a eles dividi-los em Quarteirões, contendo em cada um pelo menos vinte e cinco
casas habitadas. Também eram responsáveis pelo mapeamento da população que estava sob a
sua jurisdição, pelos registros de nascimentos e mortes, censo demográfico, estatísticas
criminais (como mapas de criminosos que estivessem em processo ou já em julgamento),
acompanhamento da situação das escolas em seus distritos e informações aos presidentes das
ocorrências em sua localidade (tais como assassinatos, relatos de vadiagem ou de escravos
fugidos). Estas informações eram importantes para outras autoridades, pois elas serviam de
base para a condução de suas medidas políticas e execução de suas funções legalmente
estabelecidas.
Quanto à sua eleição, houve uma pequena modificação. Eles continuavam a ser eleitos
diretamente, mas não ocupavam o cargo por quatro anos. Agora seria eleita uma lista com
quatro cidadãos mais votados, na qual cada um assumiria o posto durante o período de um
ano. A ordem de ocupação obedecia à quantidade de votos, ou seja, os mais votados seriam os
primeiros.
Eles contavam também com agentes para auxiliá-los. Os Escrivães deveriam ser
nomeados pela Câmara Municipal sobre a proposta do próprio juiz de paz, o qual indicava
pessoas de bons costumes acima de 21 anos. Tinham a competência de escrever aquilo que
era requerido pelo magistrado (como os processos, ofícios e mandatos) e de assistir as
audiências fazendo nelas citações por palavras ou cartas.
Os Inspetores de Quarteirões seriam nomeados da mesma forma que os escrivães. O
seu trabalho teria a duração de um ano, podendo ser renovado por mais um, conforme o seu
interesse. Não eram remunerados, mas os ocupantes possuíam algumas vantagens, como o
fato de estarem dispensados dos serviços na Guarda Nacional e militares nas tropas de
primeira linha, ou seja, estavam livres do recrutamento forçado. Este era o agente que tinha o
contato mais próximo com a população, pois atuava enquanto agente policial civil, vigiando a
população de sua área, a fim de preservar o seguimento das leis, a manutenção da ordem e a
repressão dos crimes.
110
Os Oficiais de Justiça eram nomeados diretamente pelo próprio juiz eleito,
competindo-lhes fazer pessoalmente as citações, prisões e demais diligências, além de fazer
executar as ordens do magistrado.
Com esse Código, houve uma inversão de prioridades, pois se antes os juízes de paz
eram funcionários que tinham como principal função a conciliação e os processos civis, agora
eles tinham como atividade principal o controle social. No final das contas, suas funções
estavam voltadas para a formação de corpo de delito, apreensão de contraventores, condução
do recrutamento e qualificação de pessoas para a Guarda Nacional. Além disso, os
magistrados teriam que vigiar os distritos, dissolvendo qualquer ajuntamento que fosse
considerado ilícito, dentre outras funções destinadas ao ordenamento social. Mas, para além
destas atribuições, eles tinham agora grande influência na eleição local, pois eram os
responsáveis pela organização das listas de votantes, estabelecendo quem estaria apto ou não
a participar do processo; obtiveram novas funções criminais como a possibilidade de prender,
reunir provas e conduzir a formação de culpa (fase preliminar do processo criminal), fazer as
denúncias nos processos criminais e proceder com o Auto de Corpo de Delito.
Introduziu-se também o corpo de jurados. A composição deste deveria ser feita em
cada distrito, através de uma Junta presidida pelo juiz de paz, que era auxiliado por párocos,
capelães e/ou vereadores presidentes das Câmaras Municipais. Os processos só teriam início
quando as queixas chegavam ao magistrado, o qual deveria investigar, fazer a formação de
culpa e declarar se a queixa era ou não procedente. Caso procedesse, essa queixa ia ao corpo
de jurados que era convocado para retificar ou não a posição do juiz sobre o caso, para então
estabelecer a sentença.
O Código criou também mais dois cargos que faziam parte da baixa magistratura e
atuavam em primeira instância: os juízes de direito e os juízes municipais. Os primeiros
substituíram os ouvidores coloniais, mas guardavam muitas das características de seus
predecessores, como a nomeação pelo Imperador e a formação em Direito. A sua jurisdição
eram as comarcas, sendo que nas Cidades mais populosas poderia haver dois desses
magistrados, sendo um deles Chefe de Polícia. Eles também presidiriam o Tribunal do Júri,
sendo responsáveis, por exemplo, em dar ordem e intermediar os debates entre as partes
envolvidas, os advogados e as testemunhas, dar instruções ao corpo de jurados sobre os
processos que deveriam ser julgados, cuidar e zelar pela aplicabilidade da lei de forma justa.
Quanto aos juízes municipais, eles substituíram os juízes de fora. Eram bacharéis em Direito e
nomeados pelo presidente da província em que atuavam, através de uma lista tríplice formada
pela Câmara Municipal. Trabalhariam nos termos durante três anos e o seu principal dever era
111
substituir os juízes de direito, seu superior imediato, quando este se encontrasse ausente, e
também fazer executar as suas ordens, sentenças e mandatos.
Flory destaca ainda que, durante a década liberal, os magistrados de paz congregaram
os poderes de três instituições coloniais que, até então, existia dentro do sistema judiciário
Imperial. São eles: o Juiz Ordinário, o Juiz de Vintena (ambos os cargos foram extintos com o
Código do Processo Criminal de 1832) e o Juiz Almotacel (abolido com o Decreto de 26 de
agosto de 1830).
O juiz ordinário era eleito a cada três anos, em uma eleição indireta, que, na teoria
representava a voz e o voto do povo. Na primeira etapa da eleição, a população votante
escolhia seis eleitores. Estes, numa segunda etapa, elegiam os magistrados. Segundo Flory, as
ordens dos juízes eleitos poderiam ser manipuladas por esses eleitores, pois os mesmos
tinham influências na mesa que presidiam a eleição – que geralmente era ocupada por um
magistrado real do distrito: o ouvidor. Quanto às suas atribuições, eles atuavam sobre as
questões civis que giravam em torno do valor de três mil réis nas cidades com mais de
duzentos habitantes e em casos relacionados aos bens de raízes – caso as cidades tivessem
menos habitantes, as questões civis eram reduzidas ao valor de mil e oitocentos réis.
Atuando geralmente nos povoados e nos pequenos arraiais mais afastados da vila,
submetidos às autoridades do Juiz Ordinário, o Juiz de Vintena tinha a sua autoridade
reduzida às questões penais, não tendo nenhum poder sobre as questões que envolviam os
bens de raiz. O Juiz de Almotaçaria, ou Almotacel, exercia o cargo durante um ano e era
nomeado pela Câmara Municipal. Ele tinha o trabalho de garantir que as leis e as ordens
desses Conselhos fossem aplicadas, além de controlar e fiscalizar os pesos e medidas de
produtos, como a carne. Com a acumulação dos poderes destes cargos, percebemos que os
magistrados leigos se tornaram autoridades com poderes amplos e refletiam a tendência dos
legisladores imperiais em combater o monopólio real sobre a justiça. Esses juízes também
foram uma revitalização para a administração local, pois resgatou “los poderes de três
instituciones portuguesas moribundas y reuniéndolos em las manos de um solo magistrado
más poderoso”186, o que só veio a reforçar a sua posição privilegiada frente aos poderes
municipais.
Assim, o Código de 1832 deixou para o nível local a polícia, a justiça e a
administração, enquanto para o governo central restou apenas a atuação dos presidentes no
âmbito provincial e dos juízes de direito na comarca – que, na prática, tinham poderes bem
186 Ibid., p. 90.
112
menores que os dos juízes dos distritos, pois restou-lhes apenas funções judiciais. Os
delegados régios, no exercício de suas funções, passaram a ter uma maior dependência desses
agentes locais, pois eles eram elementos importantes na manutenção da paz e da ordem
pública. Talvez isso explique a grande quantidade de ofícios que encontramos, encaminhados
pelos presidentes aos magistrados, contendo palavras do tipo:
[...] participando achar-se empossado do cargo de juiz de paz dessa villa, tendo
recomendar-lhe todo zelo e manutenção na atividade da tranquilidade publica de seu
distrito, afim de não fazer malogrado a confiança em que fizeram em Vossa
Senhoria os seus Concidadãos para o mencionado cargo187.
Os aumentos de atribuições desses juízes revelaram o próprio projeto de criar os
mecanismos mais adequados para homogeneizar os procedimentos político-administrativos,
assim como o comportamento da sociedade através do controle social. Mas, concomitante a
isso, eles se tornaram figuras controversas, pois, após a aprovação do Código do Processo
Criminal, as suas responsabilidades se tornaram amplas, fazendo com que qualquer indivíduo
que se encontrasse em seu distrito estivesse passível de sofrer as penas da lei através do
exercício de seu poder:
Em tese, todas as pessoas que moravam ou transitavam pelo distrito onde atuava o juiz de paz estavam subordinadas ao seu controle. Devia se informar sobre
desconhecidos e pessoas suspeitas que ali fossem morar. Vigiar quem fosse
considerado mendigo, vadio, contendor, desordeiro, turbulento, bêbado e meretriz
escandalosa. Admoestá-los e colocá-los sob custódia em suas próprias casas, se
perturbassem o sossego público. Com os reincidentes, devia atuar como reformador
social, conciliando os rixosos, compelindo vadios e mendigos ao trabalho,
recuperando bêbados e aquietando desordeiros188.
Diante desse acúmulo de atribuições, os magistrados leigos receberam críticas e
acusações a respeito de seu papel na administração da justiça, pois outras autoridades viram
abalados seus status de poder e seus prestígios diante da sociedade:
[...] padres se sentiram prejudicados porque perderam para eles o tradicional papel
de conciliadores da comunidade; as Câmaras Municipais se queixavam de que não puniam os infratores das posturas municipais, como era de sua competência; os
políticos de tendência conservadora, porque viam no fortalecimento do localismo
uma ameaça à governabilidade; e os magistrados profissionais, por fazerem
restrições à autonomia e ao exagerado poder concedido a pessoas sem formação em
cursos jurídicos189.
187 MARANHÃO, Códice 468, ofício nº 230, em 11 de dezembro de 1834. 188 FARIA, 2007, p. 67. 189 Ibid., p. 72.
113
Contudo, a partir de 1837, com o regresso conservador, esses magistrados viram os
seus poderes se esvaziarem. Em algumas províncias, como foi o caso do Maranhão, este
processo se iniciou com a lei das prefeituras, mas, em nível nacional, este projeto se
oficializou com a Reforma do Código de Processo Criminal de 1841. Aqui, além da extinção
das prefeituras nas províncias que as implementaram, foram criados os cargos de chefes de
polícias, delegados e subdelegados. Os primeiros seriam escolhidos entre os desembargadores
e juízes de direito, enquanto os delegados e subdelegados dentre quaisquer juízes e cidadãos.
Todos eles eram nomeados ou pelo Imperador ou pelo presidente da província
correspondente.
No tocante à magistratura de paz, as principais mudanças estavam na transferência
daquelas atribuições que os tornavam maiores autoridades do distrito para os novos agentes
judiciários. Eles não poderiam mais, por exemplo, fazer o pronunciamento e a prisão de réus,
declarar culpados, proceder com o corpo de delito e nem julgar contravenções às posturas
municipais. Assim, basicamente, todas as suas funções criminais e policiais foram
transmitidas para representantes do poder central, pois o que se pretendeu com a reforma do
Código foi a centralização do poder judiciário.
Independentemente dos efeitos produzidos, os juízes de paz continuaram sendo eleitos
diretamente pelo povo. Esses magistrados no Império reafirmaram uma importante faceta do
Estado moderno em termos de direitos individuais: a possibilidade de participação direta na
política daquela população que, até então, dependia de intermediários, assim como um novo
canal de reivindicação de suas necessidades. Portanto, sendo agentes públicos próximos desta
população, os magistrados frequentemente eram procurados para atenderem às suas diversas
necessidades e representarem essas vozes queixantes dentro do restrito espaço político
imperial.
2.3 A experiência da magistratura de paz no Maranhão
Nos primeiros anos de constitucionalidade, podemos constatar que houve um intenso
trabalho legislativo, especialmente na pretensão de atingir um modelo ideal de Estado.
Tomando como base a ação positiva das leis, estas deveriam garantir os direitos dos cidadãos,
bem como viabilizar a ação do governo na vida pública, através de uma divisão racional dos
atributos das instituições, delimitando os poderes de cada um dos seus agentes. Com o
direcionamento liberal e descentralizado conferido pelos primeiros governos regenciais, o juiz
de paz foi concebido enquanto um magistrado popular que teria a função de estender a força
114
normalizadora do Estado, fazendo com que a população das vilas, freguesias e distritos se
moldassem dentro dos parâmetros legais de vivência. Mas, ao mesmo tempo, o juiz
viabilizava a participação cidadã dessa população que um dia foi súdita.
Analisando as atividades dos magistrados distritais do Maranhão durante as décadas
de 1820 e 1830, percebemos que não foi fácil a inserção deles dentro dos parâmetros da
administração pública, pois, muitas vezes, eles não sabiam como proceder com suas
atribuições conforme as leis especificavam. Em 1833, no dia 14 de fevereiro, por exemplo, foi
recebido pelo presidente da província um ofício do juiz de paz, Fernando Jorge de Miranda,
pedindo explicações sobre como proceder com as eleições. Por conta de um processo que
estava exposto na Constituição, o magistrado não sabia se os cidadãos de vinte e um anos
poderiam ter voto as eleições ou apenas aqueles com vinte e cinco anos, como descrito no
artigo 22º; assim também, ele não sabia como deveria “entender o mesmo artigo na parte em
que diz os que não tiverem de renda líquida cem mil réis anual”190, querendo confirmar se
tinha que se basear na renda líquida ou bruta do cidadão.
No mesmo ano, o juiz do 4º distrito da Capital, José Antônio de Lemos, quando foi
enviado para inspecionar as embarcações que atracaram no porto, também pediu informações
para o presidente, afirmando que havia “diversas inteligências”, ou seja, várias interpretações
sobre o decreto de 12 de abril de 1832 – que regulamentava a execução da Lei de 7 de
novembro de 1831, a qual se referia sobre como proceder com o tráfico de escravos. Ele
pedia, então, esclarecimentos específicos sobre como deveria agir nos seguintes casos:
1º Se tendo eu noticia de qualquer contrabando ou fabrico de moeda falsa no
Districto alheio em terras ou mar, posso ir lá proceder ao encargo que a Lei tem
cometido aos juízes de paz; pois que estes Ministros são Policiais, o Decreto é
concebido n’este gênero, e sobre tudo a Lei de 26 de outubro de 1831191 parece dar
muita analogia para o caso sujeito;
2º Se admitido o procedimento, como o caso requerer segredo até a prisão do
complicado, devo ou não continuar na diligencia até o grau de conjuctura, ou se sobre estar no primeiro passo para comunicá-lo ao Juiz respectivo e segui ele o
termoulterior;
3º Finalmente se as visitas ordenadas para aquela Lei sobre o contrabando de
escravos é cumulativa para os Juizes vizinhos: ou se privativo só d’aquele que o
Governo por uma vez nomear192.
190 Ofício do juiz de paz Fernando Jorge de Miranda, do 5º distrito da Capital, em 5 de junho de 1833. In:
MARANHÃO. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 531.
Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 191 Esta Lei descreve como se deve processar os crimes públicos e particulares, e informa as competências
policiais quanto a este quesito. 192 Ofício do juiz de paz José Antônio de Lemos, do 4º distrito da Capital, em 2 de janeiro de 1833. In:
MARANHÃO. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 531.
Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.
115
Para alguns magistrados, as legislações eram de difícil compreensão e acusavam
diversas vezes que faltavam nelas informações mais precisas. Vejamos mais um caso enviado
pelo juiz eleito na freguesia do Mearim ao Conselho Presidial, em 1829, apresentando suas
dúvidas sobre como proceder nos seguintes quesitos:
1º Qual o meio de fazer executar as Sentenças do Juiz de Paz quando decidem as
pequenas demandas na fr.º do § 2º do Art. 5 do seu regimento, quando a parte é refractaria. 2º Por que maneira hão de satisfazer ao preceito Art.º 9º sem Officiaes,
que conduzão os desobedientes. Á sua presença, e sem cazas de coercção. 3º Quaes
os casos, em que terá applicação o Art.º 11.º a vista do Artº 9º. 4º Si o Juiz de paz
deve fazer effectiva a pena no caso de violação de Postura, fazendo a elle mesmo
executar, ou remetter o processo ao Juiz Criminal. 5º Si o seu Escrivão deve prestar
o signal Publico na Camara, ou na Chancellaria. 6º Si em todo o cazo, em que
houver imposição de pena ainda mesmo na hypothese do § 2º do Ar.to 5, deve ir o
processo ao Juiz Criminal? 7º Como serão punidos os vadios? 8º Quaes as madeiras
reservadas por Lei, e quaes as matas, e florestas Publicas, em que tem lugar o
disposto no § 12 do Ar.to 5?193.
Em suas palavras ficam expostas algumas lacunas existentes na Lei de 15 de outubro
de 1827, pois, quando verificamos a mesma, não encontramos em nenhum dos seus artigos
palavras que deem um direcionamento para as questões que ele levanta. Cabia então ao poder
legislativo e ao presidente da província sanar tais faltas, como foi o que aconteceu neste caso,
durante a mesma sessão:
[...] tomando o Exmo Conselho em consideração os referidos quesitos resolveu, que
se declare em resposta aos mesmos o seguinte. Quanto ao 1.º e 4: Que visto a Lei
não prohibir ao Juiz de Paz a execução do seu julgado no cazo do § 20º do Artº 5
não ha obstáculo, para que elle mesmo não o faça executar pelos meros, que o seu Regimento lhe dá para se fazer obedecer, ou observando as Leis Geraes, que regulão
as execuçoens das sentenças; pois não só este procedimento é favorável às partes por
mais breve, mas tão bem confor-ma se com o disposto na Lei do 1º de 8brº de 1828
Art.º 88, que constitui o Juiz de Paz julgador primitivo, e executor das penas por
contravençoens às Pos-turas. Quanto ao 2º: Que o Juiz de Paz deva decidir quanto
antes o seu Destricto em Quarteiroens; e nomear os Officiaes, que executem as suas
ordens, podendo na falha delles deprecar aos Juizes Territoriaes os que lhe forem
neces-sarios. A respeito da Caza de Correcção resolveu se, que se faça ver às Cama-
ras da Provincia a necessidade de as estabelecer, onde convier. Quanto ao 3º: Que o
Art 11 da lei de 15 de 8bril é applicavel a todos os cazos, em que o Juiz de Paz
houver de impor penas, fóra da caza de desobediência, em que tem lugar o Artº 9º.
Quanto ao 5º: Que o Escrivão de Juiz de Paz pode prestar o seu Signal Publico na Camara, e na Chancellaria, ou somente na Camara, Lendo se deverá remetter a
Chancellaria por ser necessario, que seja aqui conhecido. Quanto ao 6º: Que sendo
geral a disposição Artº 13 da Lei, deva o Juiz de Paz remetter ao Criminal quaes
quer processos, cujas sentenças imporem pena. Quanto ao 7º a respeito dos vadios
deve o Juiz de Paz regular se pela Legislação existente a tal respeito usando dos
meios, que lhe dá o seu regimento, fazendo os assignar termo de se mostrarem
occupados dentro do curo prazo debaixo das penas, que lhe parecerem justas, as
quaes deverão ser análogas ao vicio, que se pretende corrigir, e por conseguinte
193 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 27 de junho de 1829, p. 83, v. 1.
116
deverão ser os vadios punidos com trabalho. Quanto ao 8º Resolveu se que o S.r
Preside a vista das ordens, que devem existir na Secretaria faça a declaração das
madeiras reservadas por Lei, devendo o Juiz de Paz regularse pelas Portarias das
Camaras, que deve fazer observar a respeito das matas particulares, e das madeiras
não reservadas por Lei194.
Em nossas pesquisas foi comum encontrarmos casos desses tipos citados acima, onde
autoridades menores buscavam os governantes maranhenses, a fim de obterem informações
sobre como discorrer no trabalho da administração pública. A imprecisão nas legislações ou
interpretações equivocadas poderia resultar em casos de conflitos de jurisdição, como o
ocorrido na freguesia da Conceição, quando um juiz de paz exerceu atribuições da Câmara
Municipal, remetendo editais que proibiam os festejos do Espírito Santo de fazerem batucadas
nas horas de silêncio, afirmando que seria penalizado aquele que descumprisse o seu mandato.
Logo, o Conselho Presidial interviu através de uma representação da Câmara do município, na
qual o magistrado atuava, afirmando que esta atribuição cabia apenas aos vereadores com a
elaboração de posturas municipais195.
Tomando como base a quantidade de ofícios que foram enviados pelos juízes de paz
aos presidentes da província, analisados para este trabalho, e o número de vezes que se
repetiam esses pedidos de explicações das leis, não podemos fazer uma afirmação
generalizada de que esses magistrados leigos eram incapacitados de compreender as próprias
regras que definiam as suas atividades, pois o número de ocorrências era relativamente baixo.
Além disso, eles não eram as únicas autoridades que passavam por tais inconvenientes, uma
vez que houve momentos em que outros agentes públicos tinham essas dúvidas.
Em 25 de outubro de 1833, numa representação enviada ao presidente Joaquim Vieira
da Silva, o juiz do 2º distrito da Capital questionou a competência do juiz de direito de ser um
chefe de polícia e de poder presidir sobre as receitas do Teatro União. Esta questão foi
discutida no Conselho Presidial, quando ficou reafirmado que o magistrado de comarca teria
sim tal competência. Contudo, o mesmo juiz tornou a enviar a mesma dúvida e, como
anteriormente, ela foi debatida novamente em Conselho. Contudo, dessa vez, o presidente
chegou à conclusão de que “a Legislação a esse respeito está um pouco escura”. Recorreu
então ao Secretário de Estado dos Negócios da Justiça: “[...] espero que V.Exª se digue a leva-
la ao Conhecimento da Regência em nome do Imperador a fim de esclarecer se o Chefe de
194 MARANHÃO. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 10 de junho de 1829, p. 79, v.1. 195 Idem.
117
Polícia nas Comarcas onde há hum Juiz de Direito deixa de existir, ou se é esse mesmo Juiz
de Direito”196.
Outro exemplo foi quando o mesmo presidente tentou colocar em execução a sentença
de morte contra um escravo. No caso descrito por ele, o juiz municipal se recusou a fazê-la
por falta de carrasco e pelo fato do Código de Processo não explicar como proceder. Segundo
Joaquim Vieira, essa impunidade resultante de uma lacuna deixada pelo Código, tinha feito
“aparecer nesta Cidade um escravo que ousou assassinar uma filha de seu Senhor por lhe dar
um pequeno castigo, e outro a poucos dias [que] deu 3 facadas no seu Senhor”. Com tais
considerações acerca desta imprecisão da lei, o presidente disse: “[...] espero que V. Exª.
designará levar ao Conhecimento da Regência em nome do Imperador, espero eu me
determine o que eu devo obrar para se executar a sentença suprindo-se a falta de carrasco” 197.
Era costume do governo provincial, ao receber os questionamentos dos agentes
públicos, fazer extensas sessões para debaterem as leis, códigos e decretos recém-lançados.
Um desses casos foi o da sessão de 8 de junho de 1831, do Conselho Presidial, que um ano
após a aprovação do Código Criminal de 1830, recebeu uma representação de um juiz de paz
suplente, que tinha dúvida de como seguir contra escravos que cometiam crimes policiais ou
de qualquer outra natureza:
Foi lida uma representação do juiz de Paz suplente da Freguesia de Nossa Senhora
da Conceição desta cidade pedindo providencias para o promto castigo correcional
dos escravos que cometessem crimes policiais, ou quaisquer outros. Houve longa discussão e se resolveu que levantando-se o zelo do juiz de paz se lhe declarasse que
a Lei de 15 de Outubro de 1827, o decreto de 11 de Dezembro de 1830 e o código
criminal oferecem as providencias que se podem desejar em matéria policial porque
tudo se acha acautelado pelas ditas leis, cuja execução o Excelentissimo conselho
muito recomendada esperando da reconhecida atividade prudência e habilidde do
mesmo juiz de paz e da de mais autoridades a continuação do sossego de que goza
esta cidade198
.
Observando a data de envio desses ofícios e os anos em que eram aprovadas as
legislações referidas por aqueles que pediam explicações, podemos inferir que não só o
magistrado leigo, mas as demais autoridades da província tinham dificuldades em se adaptar
de imediato às redistribuições de poderes, às reorganizações das instituições e aos novos
procedimentos elaborados pelo parlamento imperial. Até que houvesse tais ajustes, os agentes
196 Id. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com o ministro e secretário de
Estado dos negócios da justiça (1828-1842). Códice 419. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do
Maranhão, ofício nº 39, em 25 de outubro de 1833. 197 Ibid., ofício nº 45, em 16 de dezembro de 1833. 198 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 8 de junho de 1831, p. 119, v.2
118
recorriam aos seus superiores para se informar como agir dentro da lei e/ou como preencher
espaços vazios contidos na mesma.
Identificamos também que nesse momento era comum que os magistrados dos
distritos procurassem os presidentes da província para prestarem queixas contra outros
funcionários que não cumpriam com os seus deveres e que inviabilizavam as suas próprias
atividades. Tivemos como exemplo a sessão ordinária do Conselho Presidial, em 1829, onde o
juiz da freguesia de Nossa Senhora da Conceição enviou um ofício afirmando que não
conseguiu exercer as suas atividades por causa da incompetência de outras instituições em
seguir as suas atribuições. Primeiramente, ele disse que as casas existentes em sua jurisdição
não foram devidamente enumeradas, o que dificultava a divisão dos quarteirões e a nomeação
dos oficiais e denunciou o estado de indisciplina dos milicianos, “que se julgão independentes
das Authoridades Civis de Paz”. Deliberada tais questões na sessão, o Conselho resolveu que
“se lembre a Câmara Municipal a necessidade da numeração das Cazas, e designação dos
nomes das ruas, visto que lhe compete pelo seu regimento”. Quanto ao caso de
insubordinação dos milicianos, foi expedida a seguinte ordem ao juiz:
para que se guardem as Leis, que Marcão os limites da jurisdicção Civil, e Militar,
fazendo ver, que os Soldados Milicianos, não estando em effectivo serviço, como os
da 1.a Linha, não gozão de Foro especial, e explicando com clareza qual a marcha
legal, que cumpre seguir se acerca dos prezos pelas rondas policiais, que se devem
dirigir ao Juiz de Paz199.
No mesmo ofício, o magistrado acusou problemas na legislação quanto ao combate de
quilombos e de escravos fugidos, pois não existiam regulamentos específicos que explicassem
como deveriam ser feitas as caças destes e nem as gratificações ou emolumentos dos Capitães
do Mato. Em resposta, o Conselho resolveu que os Capitães e seus homens deviam estar
subordinados à autoridade dos juízes de paz e que a Câmara Municipal tinha que elaborar uma
postura municipal que regulamentasse tal procedimento.
Esses magistrados também passavam por outros momentos de constrangimento, como
pelo fato de algumas autoridades se sentirem incomodadas com as atividades exercidas por
eles. Os juízes dos distritos tinham a competência, por exemplo, de fazer as inspeções das
escolas de primeiras letras e, de acordo com a lei que deu forma às Câmaras Municipais, no
Título que fala sobre as “Posturas Policiais”, estas instituições poderiam fazer a:
199 Ibid. Sessão Ordinária de 10 de junho de 1829, p. 81, v.2.
119
[...] inspeção sobre as escolas de primeiras letras, e educação, e destino dos órfãos
pobres, em cujo número entram os expostos; e quando estes estabelecimentos, e os
de caridade, de que trata o art. 69, se achem por Lei, ou de facto encarregados em
alguma cidade, ou vida a outras autoridades individuais, ou coletivas, as Câmaras
auxiliarão sempre quanto estiver de sua parte para a prosperidade, e aumento dos
sobreditos estabelecimentos200.
Nos conformes da lei, cabia ao juiz de paz fazer a execução de tais posturas, podendo
inclusive penalizar os contraventores. Contudo, nas atas do Conselho de Governo existiam
casos em que esses magistrados eram impedidos de fazer as inspeções das escolas, como
podemos perceber na sessão extraordinária de 30 de setembro de 1829, onde:
Manuel de Jozias Lima, que se queixa do Juiz de Paz da Freguesia do Rosario, e
sendo presente a informação deste, resolveu o Conselho, que o Supplicante deve
cumprir os seus deveres, e respeitar ao Juiz de Paz encarregado de inspeccionar a
escola e que o Juiz de Paz o deverá tratar com toda a moderação, participando
qualquer irregularidade201.
No mesmo ano, o Capitão de pedestres da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
da Villa de S. Bernardo, Thimoteo Pedro Alexandrino, também se queixava do magistrado
responsável pelo distrito em que trabalhava, afirmando que este abusava das atribuições do
seu cargo a fim de praticar atos ilícitos. O juiz acusado (no qual não conseguimos identificar a
freguesia em que ele atuava e nem o seu nome) teria se ausentado do cargo, deixando como
substituto um dos seus filhos, ao invés de chamar o seu suplente, para colocar em circulação
moedas falsas202.
Na historiografia sobre o juizado de paz está cristalizada uma noção de que muitos dos
sujeitos que passavam por esse cargo, diante do acúmulo de poder que eles tinham em suas
mãos, constantemente eram flagrados abusando dos seus poderes para ganhos pessoais.
Contudo, conforme pudemos constatar na documentação utilizada para a nossa pesquisa, tal
afirmação não pode ter um caráter tão rígido e generalizante, pois diante do volume
documental trabalhado, os casos em que eles eram proferidos para responderem contra as
acusações eram bem esparsas. Para se ter uma resposta mais precisa, faz-se necessária uma
pesquisa de maior fôlego, baseada em uma massa documental mais ampla, que dê voz àquelas
autoridades que se relacionavam com o magistrado, e não só aos presidentes de província
como é a proposta deste texto.
200 BRASIL, Lei de 1º de outubro de 1828, art. 70. 201 MARANHÃO. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 4 de julho de 1829, p. 86, v.2. 202 Ibid. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 1 de julho de 1829, p. 84, v. 1.
120
Vale destacar que algumas dessas queixas partiam dos próprios magistrados leigos de
outros distritos ou dos seus suplentes, que identificavam irregularidades na atividade exercida
ou omissão das autoridades. É o que aconteceu na Vila do Rosário, onde o juiz de paz
suplente, João Joaquim dos Santos, juntamente com o promotor público daquela região,
pronunciou Ciriaco Antônio, o magistrado eleito e em atividade, por crime de
responsabilidade. O ofício encaminhado não deixou exposto o que o acusado fez, mas logo o
presidente Vicente Camargo determinou cumprir o que estava prescrito no Artº 165 § 2º do
Código de 1832, suspendendo-o do exercício de todas as funções públicas e dando permissão
para que o seu suplente assumisse o cargo. Inconformado com a resolução do presidente, o
dito Ciriaco deu voz de prisão ao prender o escrivão que lhe intimou. Logo, o presidente
Camargo deu a seguinte ordem:
o referido Ciriaco obesivamente continua a exercer funções públicas, como me
consta que o tem feito até agora V.S. prende-lo-a como flagrante, procedendo
imediatamente contra ele como na forma das leis em vigor. Mas se por algum
impedimento, que eu ignoro, V.S. não se pode empossar do Cargo, avisará para esse
fim o Cidadão José Roberto Pinheiro, remetendo-lhe este oficio para que ele o
cumpra fielmente, e como se fora nomeadamente dirigido203.
Então, esse e outros exemplos não nos permitem generalizar a idoneidade dos juízes
leigos, pois isso era relativo, existindo também aqueles magistrados que se preocupavam em
ter zelo por sua atividade.
Como analisamos no tópico anterior, as funções policiais e judiciais se destacavam
dentre as demais atribuições desses juízes e, por isso, a maioria das documentações que
trabalhamos abordava-os nas atividades voltadas para o controle social, pois geralmente eram
para estas funções que os presidentes da província os acionavam, a fim de manter a
tranquilidade pública nas localidades. Este era um meio de fazer com que o poder provincial
alcançasse as municipalidades, através do intermédio de magistrados. Foi o que aconteceu no
Termo de Alcântara, na noite de oito de abril de 1833, quando houve o assassinato do cafuzo
Thomaz, em que não se sabia quem era o assassino. Logo, o presidente remeteu um ofício ao
recém-eleito juiz de paz Joaquim Vieira da Silva e Sousa, para que ele procedesse com o
corpo de delito e investigasse o assassinato. Quase duas semanas depois, o magistrado
remeteu um ofício dizendo que enviou “o prezo José Eleutério Pacheco, pronunciado neste
juízo por autor da morte do cafuzo Thomaz”, esperando assim que a “Vossa Excelência lhe de
203 Id. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com os magistrados (1837-1841).
Códice 471. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do Maranhão, ofício nº 142, em 12 de dezembro de
1837.
121
devido destino, pois que vacila sobre a competência da autoridade criminal a quem deveria
remeter”204. Vemos não só o sucesso da ação do magistrado em “levar a justiça”, mas o seu
cuidado em remeter o preso ao presidente, para não entrar em conflito com a autoridade
competente neste processo.
Outro exemplo que podemos mostrar foi o ocorrido da noite de 30 de fevereiro de
1832, quando o presidente Candido José de Viana convocou o magistrado da freguesia da
Conceição, na Capital, mandando prender qualquer indivíduo bêbado, a fim de defender o
sossego público205. Vale afirmar que os maiores volumes documentais referentes ao juizado
de paz eram provenientes da Capital. Provavelmente, isto reflete uma atividade coercitiva
mais intensa ali devido à importância da região em termos políticos e administrativos. Esses
casos de contravenção da ordem, em especial das posturas municipais, são constantes nos
ofícios dos juízes de paz remetidos aos presidentes, como indica o do juiz Raimundo Joaquim,
também da Capital:
Remeto a Vossa Excelencia o criado livre João José da Sousa, disendo que é
pescador, ocupa-se unicamente em debochar, furtando e insultando os que vivem
laboriosamente e pacíficos, e incomodando-me constantemente com estes maus
procedimentos. V. Exª lhe dará o destino que for servido. Este Distrito está cheio destes vadios; que acho melhor enviá-los, bem como os matriculados pescadores em
Redes, que só servem em aqueles tráficos, em quanto há recrutamento e passado o
que seja, fogem das Redes para ocuparem-se em jogos e bebedeiras; queira a V. Exª
dizer-me se posso remeter uns e depois outros e serem eles pela V. Exª empregados
no Serviço Nacional206.
As contravenções cotidianas não eram um problema apenas para os presidentes, mas
também para os próprios juízes dos distritos, tendo em vista que a ocorrência deles em sua
jurisdição comprometia não só a ordem local, mas a imagem do magistrado frente aos
governantes da província.
Um traço importante, que deve ganhar maior espaço nos trabalhos que tratam sobre a
magistratura de paz, é quanto à sua importância política para as classes mais pobres. O Estado
que antes era comandado por um monarca, que tinha a sua autoridade tradicionalmente e
simbolicamente legitimada, agora passou a depender da vontade soberana do povo, que o
204 Ofício do juiz de paz Joaquim Vieira da Silva e Sousa, do distrito de Alcântara, em 21 de abril de 1833. In:
Id. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 531. Setor de
Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 205 Ofício do juiz de paz Bazilio Antonio Martins, da freguesia da Conceição, em 31 de janeiro de 1832. In: Id.
Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1832). Caixa 559. Setor de Avulsos.
Arquivo Público do Estado do Maranhão. 206 Ofício do juiz de paz Raimundo Joaquim, em 22 de junho de 1836. Id. Correspondências dos juízes de paz
com os presidentes da província (1836). Caixa 537. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do
Maranhão.
122
legitimava através das eleições, por exemplo. A partir desse fundamento, os cidadãos
adquiriram direitos legais e este Estado assumiu o dever constitucional de garantir o mesmo.
Nesse sentido, os estreitos laços existentes entre a população e os magistrados eleitos
significavam também a aproximação dos cidadãos com o Estado, que, há muito tempo, era
vista por esta camada enquanto algo distante e controlador. Por isso, esses juízes não eram
apenas um instrumento de poder do governo provincial, mas também um agente relevante
para as causas da população dos distritos em que foram eleitos. Desta forma, para os cidadãos
pobres a atuação dos magistrados não era necessariamente um sinônimo de arbitrariedade do
poder público, mas sim um meio de garantir as suas liberdades individuais e a segurança da
comunidade.
Trazemos como exemplo um acontecimento na Vila do Rosário, onde uma mulher
(cujo nome não foi identificado) procurou o juiz de paz para que ele prendesse o assassino do
seu marido, João dos Reis, morto a facadas. O magistrado mandou então sua representação
através de dois ofícios ao vice-presidente Raimundo Filipe Lobato, pedindo o envio de
homens para reforçar o policiamento daquela localidade e prender os assassinos. Como
resposta, o presidente disse:
Tomando em consideração o seu officio de 23 e 29 do mês findo agosto, tenho a accomendar-lhe toda atividade para que se prenda o assassino ou assassinos de João
dos Reis [...] por quanto concém muito prezimir semelhantes atentados, pois cumpre
a todos forcerjar-mos para que desapareça da face desta Provincia semelhantes fatos.
E para que V. S. não deixe de ter meios para poder conseguir a prisão de tal
malvado, marchão nesta ocasião cinco homens de 1º Linha, que reunidos aos três
que ahi existem, ficaram a sua disposição até segunda ordem207.
Esse exemplo demonstra a capacidade desses juízes de fazerem a interlocução da
população com o governo da província, conseguindo ajudas diante das suas dificuldades e
necessidades. Ele é ainda mais significativo quando observamos em outros ofícios os
constantes relatos dos governantes sobre a falta de homens para compor os aparatos de
repressão, requerendo dos magistrados leigos constantes recrutamentos para aumentar o
efetivo policial – porém, este é um assunto que trataremos no capítulo posterior.
Não eram apenas problemas referentes ao policiamento que a população buscava
solução através desta instituição, mas, sobretudo, para questões relacionadas à saúde de entes
207 Id. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com os magistrados (1833-1834).
Códice 469. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do Maranhão, ofício nº 245, em 23 de setembro de
1834.
123
próximos, como podemos ver nesta resposta dada pelo mesmo presidente a um ofício, enviada
a ele:
Respondendo ao officio de 42 correntes em que me pede providências sobre o doido
João Mendes, que não quiseram receber no Hospital da Misericordia, sou a dizer-lhe
o deve mandar apresentar ao Inspector do mesmo Hospital, Joaquim Manoel da
Costa, a quem expedi ordens para o receber208.
Mais uma vez, temos uma demanda da população atendida, quando o presidente usou
seus poderes institucionais para garantir uma vaga no Hospital ao dito doido do ofício. Um
pedido de representação semelhante aconteceu no 5º distrito da Capital, quando o juiz
responsável, Fernando Jorge de Miranda, constatou a existência “de alguns infelizes tocado
pela Elephantiase”, pedindo ao presidente Joaquim Vieira uma vaga na Santa Casa de
Misericórdia, a “uma infeliz de nome Mariana, que não tendo parente algum [...] consta ser
merecedora de proteção”209. Logo, não eram apenas as pessoas desvalidas que procuravam os
juízes eleitos para tentarem se tratar de alguma enfermidade, mas também os cidadãos
comuns, como:
Antonio Bernardino Ferreira Coelho Professor de 1.as Letras da Villa de Icatu, que
pede licença de um mez, para vir a esta Cidade tratar de sua Saude, e como não
viesse documentado, e o supplicante dissesse não haver ali Facultativos, e constasse
não estar a Camara Municipal em Sessão, remetteu-se ao Juiz de Paz para
informar210.
Assim também acontecia com qualquer morador do distrito que precisasse recorrer ao
poder do Estado para fazer suprir alguma necessidade sua. O caso da freguesia da Conceição,
na Capital, é exemplar, pois as famílias que ali moravam se queixavam da falta de professores
de primeiras letras, restando ao juiz de paz, Antônio Gomes Claro, enviar um ofício ao
mesmo presidente, afirmando que havia “duzentos e tantos meninos que querendo seus Pais
aplicá-los aos estudos não há quem os ensinem”211. No mesmo ofício, ele deu voz ao
professor Alexandre José Rodrigues, que denunciou a falta de estabelecimentos para abrigar
as crianças, baseando-se no estado em que se encontravam as casas destinadas a este fim e
afirmando que dos 200 alunos matriculados ele só poderia lecionar para 54.
208 Ibid., ofício nº 469, s/d. 209 Ofício do juiz de paz Fernando Jorge de Miranda, do 5º distrito da Capital, em 7 de dezembro de 1833. In: Id.
Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 530. Setor de Avulsos.
Arquivo Público do Estado do Maranhão. 210 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 17 de junho de 1829, p. 81, v.1 211 Ofício do juiz de paz Antônio Gomes Claro, da freguesia da Conceição, em 28 de janeiro de 1833. In: Id.
Caixa 530.
124
Casos de calamidade pública também eram relatados aos governantes via os
magistrados eleitos. O cidadão Theodoro José Correa procurou o mesmo juiz Antônio Gomes
para reportar a falta de chuva que tinha estagnado a produção de farinha de mandioca.
Somado a esse problema, o reclamante acusou a existência de uma concorrência desleal deste
gênero com mercadores da província de Pernambuco, já que “os monopolistas, disputando a
preferência, onde chegam, atracam e vendem por um modo exclusivo, pelo preço que querem
ao povo”212. Através do magistrado, o cidadão pedia que o presidente tomasse medidas mais
enérgicas, a fim de valorizar o produto da província e garantir um comércio mais justo diante
da concorrência.
Como a principal função desses juízes neste momento era o controle social, a
população também os procurava para denunciar casos de contravenção à ordem e fazer reinar
a tranquilidade nos distritos. No 2º distrito da Capital, em 1839, uma mulher de nome
Mariposa Conceição acusou a sua vizinha Ana Maria do Nascimento, cafuza liberta, de fazer
vozerias na vizinhança e de ameaçá-la de morte. O magistrado daquela jurisdição, Joaquim
Manoel da Penha, convocou a acusada e a fez assinar o termo de bem viver. Mas, continuando
a incomodar os moradores, quebrando o termo, o juiz enviou um ofício ao presidente Manuel
Felizardo, dizendo que agiu da seguinte maneira:
Esta mulher assinou o termo de bem viver perante mim [...], porém tendo quebrado
o termo procedi a ela na forma do Art. 122 do Código de Processo Criminal, e sendo
relevante da vizinhança a prova contraria, foi condenada a cumprir a pena que era de
mudar-se de Distrito segundo ela mesmo concordou213.
Contudo, não era apenas a população pobre livre que se beneficiava com essa
magistratura, mas também escravos e índios. No dia 15 de março de 1832214, por exemplo, o
juiz de paz Bazílio Antônio Martins representou um escravo chamado José Maria dos Santos,
diante do Conselho Geral maranhense. Com a morte de seus senhores, Raimundo dos Santos
Freire Bruce e Ana Josepha, o dito escravo recorreu ao magistrado pedindo para que o
presidente Candido Vieira lhe concedesse a carta de liberdade, tal como constava em
testamento deixado pelo casal.
212 Ibid., em 5 de abril de 1833. 213 Ofício do juiz de paz Joaquim Manoel da Penha, do 2º distrito da Capital, em 15 de março de 1839. In: Id.
Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1839-1840). Caixa 542. Setor de
Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 214 Ofício do juiz de paz Bazílio Antônio Martins, da freguesia da Conceição, em 15 de março de 1832. In: Id.
Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1832). Caixa 559. Setor de Avulsos.
Arquivo Público do Estado do Maranhão.
125
Na sessão ordinária em 7 de maio de 1830, do Conselho Presidial, foi apresentado um
ofício do juiz suplente da freguesia de Santo Antônio das Almas, que denunciou os maus
tratos de um habitante a um cativo, “que lhe imprimio na testa com ferro abrazado com ferro
de marcar gado”. O Conselho resolveu que o juiz deveria “certificar se da verdade pelos
meios júri-dicos por testemunhas, e inspecção ocular, ouvindo o Senhor argüido para depois
proceder como for justo” 215, e depois deveria fazer o auto do corpo de delito e remetê-lo ao
juiz criminal.
Na mesma sessão do Conselho foi lido outro ofício, agora tratando de um
requerimento de índios da Vila de Viana, que se queixavam da usurpação de suas terras por
diversas pessoas. Como resposta, os conselheiros recomendaram ao:
Juiz de Paz Supplente da Villa de Viana para que procure por meios amigáveis
conciliar as partes, persuadindo os intrusos a sahirem das terras indevidamente
occupadas, e fazendo lhes pagar uma indemnização rasoavel pelo injusto uso das
mesmas, informando se para este fim dos limites delles, e procedendo ás diligencias
necessarias, dando parte do resultado216.
Esses e outros são alguns dos episódios que nos permitem perceber novas facetas
relacionadas ao juiz de paz, pois mostram que eles não estavam limitados a representarem um
self-government, utilizando o seu poder institucional para fins particulares, ou então de terem
suas capacidades de atuação restringidas pela falta de um diploma de Direito. Eles, assim
como outras autoridades, passavam por dificuldades de inserção nos trâmites da burocracia,
pois houve neste momento uma intensa produção de códigos, decretos e leis que, muitas
vezes, levavam tempo para serem assimiladas e compreendidas. No que tange à sua
proximidade com as classes mais desfavorecidas, eles representavam uma ponte com o
governo provincial e a possibilidade de se alcançar a justiça social. Porém, ainda assim, na
concepção dos presidentes maranhenses, os magistrados leigos foram o ponto de atraso da
administração da justiça.
215 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 7 de maio de 1830, p. 96, v.1 216 Idem.
126
CAPÍTULO 3 – OS DELEGADOS RÉGIOS EM MEIO A MAGISTRADOS LEIGOS:
A MEDIAÇÃO PARA UMA CIVILIZAÇÃO E AS PROPOSTAS PARA O
MELHORAMENTO DA JUSTIÇA DO MARANHÃO
Illmº. E Excmº. Senhor
Com o maior pezar, e indignação acabo de saber, que no termo do Iguará, um
desgraçado vândalo, de nome Raimundo Gomes, reunido alguns seus iguaes, entrou
na villa da Manga, e apoderando-se do Quartel do Destacamento, chamou este a si, e
soltou os criminosos que existião prexos; tudo para o fim que V. Exª. Verá do
officio, por copia incluso, que me dirigio o subprefeito do dito termo.
A Força da 1º linha que ha aqui, alem da maior parte ser recrutas novos, e estarem
desarmados, não é o suficiente para por si só ir fazer frente àquelles revoltosos, por
isso estou reunindo com toda a preça, o maior numero possivel de paisanos, capazes de marchar, para enorporado àquella irem quanto antes debelar a nascente hydra da
revolta, antes que se unão a ella, os inconsiderados inimigos da boa ordem, e se
tornem assim mais formidaveis; o que não é muito difícil, à vista dos descontentes
que existem, avessos a nova ordem de cousas, e outros stigmatizados por efeito do
recrutamento forçado [...]
Joaquim José Gonçalvez
Prefeito da Comarca217
Em 1839, o presidente Vicente Thomaz Pires recebeu a notícia do ataque de Raimunda
Gomes e seus companheiros na cadeia da vila da Manga, fato que ficou comumente
conhecido como o início da Balaiada. Tal episódio ocorreu nos anos regenciais, período
marcado não só pelo acirramento dos debates políticos entre as elites nacionais, mas pela
eclosão de diversos movimentos sociais que criticavam a postura do Estado diante da
população mais pobre. Além disso, questionavam a legitimidade do desenho institucional que
os funcionários do Império concediam ao Brasil. Nesse período, o tema “tranquilidade
pública” ganhou bastante atenção dos presidentes da província do Maranhão, mas, a partir da
rebelião, ele ganhou maior importância nas sessões da Assembleia Provincial.
As camadas populares frequentemente eram representadas pelos governantes como um
grupo de pessoas que necessitavam de “apoio” do Estado para se adequarem à nova ordem
constitucional e civilizatória. Para tal tarefa, os governantes tinham que se utilizar dos
mecanismos legais, destinados à normalização, moralização e repressão deste nicho social.
Assim, os aparatos educacionais, as instituições religiosas, o uso do policiamento e dos cargos
que faziam parte do sistema judiciário eram amplamente utilizados para moldar a população
dentro deste arquétipo de sociedade desejada, viabilizando a tão desejada ordem pública.
217 Oficio do Prefeito da Comarca do Itapecuru-Mirim ao Presidente da Província, em 16 de dezembro de 1838.
In: ARAÚJO, Maria Raimunda. (Org.). Documentos para a história da Balaiada. São Luís: Edições
FUNCMA/APEM, 2001. p. 32-34.
127
Retomando as considerações de Pasquino acerca do processo de modernização
política, ele destaca a ocorrência de dois fenômenos chamados de crise de penetração e crise
de integração. Tais crises se referem às dificuldades encontradas por aqueles Estados, mais ou
menos centralizados, na expansão de suas forças e autoridades para os diversos setores da
sociedade, a fim de exigirem obediência. Para isso:
As autoridades centrais procurarão constituir uma burocracia estatal; recrutar um
exército de provada lealdade e, especialmente, um corpo de polícia; unificar
mercados e moedas e construir infraestruturas viárias que facilitem as comunicações
entre o centro e as periferias218.
No nosso estudo, podemos identificar tais “crises” quando os presidentes do Maranhão
se viam em dificuldades de implantar medidas voltadas para a adequação da população a um
ordenamento social e político específico. Mesmo se utilizando de todo um arcabouço
institucional, o poder do Estado muitas vezes não se efetivava no cotidiano dos maranhenses.
Nesses termos, na década de 1830, uma das figuras que teve maior atenção dos governantes
foram os juízes de paz. Em seus relatórios, durante os anos de 1834 a 1842, todos eles
guardavam algumas linhas, ou várias páginas, para tratar em particular destes magistrados.
Quando analisavam a administração da justiça na província, após o acúmulo de funções na
década liberal, esses magistrados se tornaram os principais agentes reguladores da população
dos distritos.
Em 1838 foi aprovada a Lei das Prefeituras. Criada a partir das duras críticas dos
presidentes aos juízes de paz, esta lei trouxe como principal efeito a transferência de parte dos
seus poderes policiais para os prefeitos de comarcas, assim como a própria eclosão da
Balaiada, uma vez que a população se viu privada de um importante canal de representação
política, ficando submetida a uma instituição arbitrária e autoritária. Para compreendermos
melhor este processo, vejamos então como se deu a relação entre os presidentes e os
magistrados distritais dentro do contexto político e social da década de 1830.
3.1 Os presidentes e os desajustes da sociedade
O período regencial foi representado pela historiografia como um dos momentos mais
conturbados da história política imperial. Em seus primeiros anos, com a emergência da ala
liberal moderada, foram implantadas reformas políticas e administrativas que deu um
218 PASQUINO, 2010, p. 769.
128
significativo avanço para as ideias liberais, como, por exemplo, o conceito de federalismo. As
legislações foram aprovadas, conferindo novas dinâmicas entre as diferentes esferas de
poderes políticos e exprimindo uma nova percepção de sociedade.
Nesse escopo, a população deveria se adequar a um novo ideal de sociedade, que se
respaldava em noções de civilidade, manifestadas nas legislações que pretendiam
regulamentar comportamentos e hábitos dos indivíduos. Essa expressão, civilização, foi muito
utilizada pelas elites políticas, jurídicas, letradas e religiosas do Brasil imperial. Para elas, o
país tinha que progredir neste sentido, se aproximando da realidade dos Estados europeus,
implementando medidas que possibilitassem tal avanço. Nos dicionários da época, o termo
“civilidade” se relacionava à “cortesia”, “urbanidade”, “boas maneiras”, “delicadeza”, ou seja,
a um conjunto de comportamentos e hábitos que contrastavam com a rusticidade grosseira dos
setores sociais mais baixos. Os presidentes da província em seus discursos refletiam
concepções de mundo moderno, respaldando-se no racionalismo como fonte do conhecimento
e no autocontrole da exteriorização dos desejos e vontades219. Assim, para eles, viver em um
meio civilizado seria estar submetido aos princípios da razão e da disciplina.
O modelo de civilização que se pretendeu difundir aqui no país foi aquele instaurado
nas sociedades europeias, visando uma sociedade disciplinada, onde os indivíduos deveriam
conter seus impulsos e paixões, se tornando politicamente dóceis220. No campo político, a
civilização passou a ser vista como a meta do ensino e formação profissional; na
implementação de hábitos e costumes da população como um todo; na transformação do
espaço físico das cidades, objetivando uma boa aparência em seu traçado; e nos serviços
urbanos. Enfim, a civilização deveria estar presente em todos os aspectos da sociedade,
modelando valores, normas e padrões daqueles que ocupavam o espaço.
Para a introjeção desses novos hábitos e valores, as instituições públicas passaram a
funcionar como uma ponte que ligava ideias e projetos dos governantes às camadas populares,
os alvos principais. Neste sentido, a participação dos delegados régios nas províncias foi
importante, uma vez que eles atuavam enquanto um braço extensor do poder do governo
central, viabilizando o cumprimento das normas e regras ali estabelecidas. Eles deviam
garantir o funcionamento das instituições de forma mais eficaz e dentro dos parâmetros das
leis que as regulavam, assim como manter a tranquilidade pública da província, controlando
os sujeitos que ali residiam e inserindo-os dentro de uma ordem civilizatória.
219 SERRA JÚNIOR, 2011. 220 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: O nascimento da prisão. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
129
Na década de 1830, os assuntos que envolviam a tranquilidade e ordem pública
ganhavam maior destaque nos seus discursos, pois durante esses anos havia diversos levantes
populares em todo o território nacional, sendo que em algumas regiões esses distúrbios
ganhavam maiores proporções e repercussão, mostrando-se como verdadeiras revoltas sociais.
Na visão das autoridades públicas, essas revoltas não passavam de movimentos anárquicos
com participação de facínoras, rebeldes, maltrapilhos, gente desclassificada que queria apenas
ameaçar a segurança pública. Foi o caso da Balaiada no Maranhão, que além de abalar a
ordem social, afetou as instituições públicas, desestabilizando a economia provincial e
mostrando o quanto a população mais pobre estava distante dos padrões de civilidade
desejado.
Mas, anos antes do estouro dessa rebelião, os presidentes maranhenses já se viam
incomodados e preocupados com o que acontecia nas outras províncias. Em 1835, por
exemplo, o movimento cabano inflamava a região vizinha, com lutas contra as autoridades
públicas, quando uma “horda feroz, que sem dó assassina os habitantes do malfadado Pará,
sem distinção de sexo ou idade roubando os escravos, talando as habitações e lavouras das
victimas sacrificadas à sua sanha”221. Isso preocupou o presidente Antônio Pedro da Costa,
pois o mesmo já começava a adentrar no Maranhão, pelo “Tury-Assú, villa assentada na
margem esquerda do rio do mesmo nome, o qual baliza e dividi a nossa Provincia”. A
inquietação do governante sobre esse movimento estava relacionada tanto com o distúrbio da
ordem pública regional, quanto com a cooptação do “bom povo Maranhense” e com desvão
da anarquia. Por isso, logo ele enviou ajuda para aquela província, como munições de guerra,
soldados e marinheiros, além de reforçar o seu próprio território com o aumento das
guarnições, uma vez que “os pacíficos Cidadãos ainda não gozão d’aquella inteira seguridade
e proteção, que lhes devem, e affianção as Leis de um Paiz Constitucional”222.
Esse exemplo serve para entendermos que, para os presidentes, os comportamentos,
como o dos rebeldes paraenses, não poderiam ser tolerados, pois iam de encontro com os
ideais de sociedade planejada pelo governo central. Por isso, nas suas falas foi comum
identificarmos propostas que visavam o aperfeiçoamento e reestruturação de instituições,
como escolas públicas, igrejas, corpos de polícias, guardas nacionais e justiça, por exemplo,
pois seriam estas as mediadoras das ideias empreendidas nos seus discursos, através da prática
do controle e moralização da sociedade. Porém, as medidas de controle social das classes
221 MARANHÃO. Relatório do Presidente da Província do Maranhão Sr. Antonio Pedro da Costa,
apresentado à Província do Maranhão, no dia 3 de maio de 1836. 222 Idem.
130
pobres, indicadas pelos presidentes maranhenses, eram baseadas em suas próprias
representações acerca destas. Como sujeitos históricos, eles eram frutos do seu meio social e
cultural, onde estas percepções sobre os populares constituíam as suas ideias sobre os
mesmos. Mas, estas representações, muitas vezes, tinham caráter ambíguo, pois mostravam
que o povo maranhense, enquanto ordeiro e pacato, era uma massa pobre que não se
encontrava em um estado pleno de civilidade223.
Francisco Bibiano de Castro, quando comentou o estado em que se encontrava a
tranquilidade pública do Maranhão, comparando com o cenário paranaense, que passava pela
Cabanagem, destacou que a cobiçada paz tinha se preservado na província, graças ao “caráter
do bom Povo Maranhense [...] se tem sabido conservar limpo de crimes, sempre respeitador
das Leis e das Autoridades”224.
Mas os presidentes tinham uma desconfiança desse caráter, pois não viam essa
população completamente inserida na ordem civilizada. Manuel Felizardo de Sousa e Mello
chegou a afirmar que eles “nunca poderão chegar à aquisição do que propriamente se chama
luzes”, mas que caberiam ao governo arrancá-los da “ignorância inculta e bárbara, que é sua
infalível partilha nos países mal civilizados”. Um discurso marcado por um determinismo
social, o presidente mostrou a sua descrença quanto à capacidade das camadas populares em
não só adquirir o conhecimento intelectual, mas também de se preservarem distantes do
comportamento considerado “bárbaro”. Por isso, caberia ao poder público inseri-los dentro de
uma ordem legal, mostrando-os os “deveres do Homem, e do Cidadão”225. Com isso, os
governantes poderiam moldar o comportamento dessa população para que respeitassem as
autoridades do Estado, uma vez que eles estariam cientes de que existiam leis e regulamentos
que deveriam ser respeitados, sob o risco de sofrerem represálias do poder público, caso não
fossem cumpridos.
Nas sociedades modernas, a lei se tornou instrumento de defesa da propriedade e
espaço de luta para impor uma visão de Estado, de nação e de cidadania. Não é à toa que
durante as décadas de 1820 e 1830 houve uma intensa produção de legislações que tentavam
impor uma visão específica de Estado (centralizado ou descentralizado) e de sociedade. A
elaboração dos códigos criminais, por exemplo, foi fundamental para moldar a ação dos
aparatos institucionais e manter a ordem pelo controle social a partir de condutas específicas.
223 SERRA JÚNIOR, 2011. 224 MARANHÃO, 1837, p. 1. 225 Id. Discurso que recitou o Exm. Srn. Manoel Felisardo de Sousa e Mello, Presidente desta Província, na
occazião da abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1839. Maranhão:
Typographia de I.J. Ferreira. 1839, p. 5.
131
Mas, após a Balaiada, a preocupação com o ordenamento da população pobre ganhou mais
força, tendo em vista que este movimento não foi percebido pelos governantes apenas pelo
seu traço violento, que abalou a tranquilidade pública, mas também porque “diminuiu-lhe a
riqueza, paralisou-lhe a indústria, abriu-lhe feridas que ainda infelizmente sangram, afrouxou-
lhe os laços de obediência e respeito às leis, e às Autoridades”226, indo de encontro com o
arquétipo de cidadão defendido pelo Estado imperial.
Após a guerra civil – como muitos dos governantes chamavam o movimento –, esse
grupo social passou a ser visto com maior desconfiança por essas autoridades, pois o
movimento foi abordado especialmente por seus aspectos violento e anárquico, distanciando-
se de qualquer comprometimento político. Os presidentes passaram a dar destaque àquela
visão de que a ordem pública fora abalada por causa das “atrocidades e latrocínios”227 dos
insurgentes.
Um dos principais significados dado ao movimento correspondia a uma “rebelião
sertaneja”, sentido atribuído por causa do imaginário social, por conta da região de sertão que
possuía. A região ficou estigmatizada desde o período colonial, quando o termo “sertão” era
utilizado para designar uma ampla área do interior, pouco conhecida e estando distante do
poder das autoridades, tornando mais difícil o combate de vadios, facínoras, índios bravos,
escravos fugitivos e desordeiros que por ali passavam. Por conta das características da
colonização lusitana, que privilegiou a região litorânea para o estabelecimento dos centros
administrativos e econômicos, as autoridades responsáveis passaram a observar o sertão
enquanto “a terra dos não civilizados, do inculto, da desordem, dos selvagens, da
irracionalidade”228. Durante o Império, estes estigmas perduraram nos discursos dos
governantes.
Um dos problemas com as regiões sertanejas foi a falta de conhecimento das
autoridades deste espaço e de sua gente, o que representou um obstáculo para o
estabelecimento de uma unidade territorial. Por isso, as expedições de caráter oficial foram
criadas pelo governo central e realizadas por militares, como o exemplo de Francisco de Paula
Ribeiro. Ele foi um militar português, enviado para a Província do Maranhão, comandando
diversas expedições no interior. Estas campanhas tinham tanto caráter amistoso, para o
reconhecimento das regiões, quanto caráter punitivo, a fim de controlar os índios que
226 Id., 1843. p. 3. 227 Id. Falla que recitou o Exm. Presidente e Commandante das armas da Província do Maranhão o
Coronel Luiz Alves de Lima N’abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1840.
Maranhão: Typographia de I.J. Ferreira. 1840, p. 4. 228 IAMASHITA, 2010, p. 28.
132
incomodavam os produtores locais, na apreensão de facínoras e bandidos. O militar esteve
envolvido em vários processos de fundação de vilas e povoações na região centro-sul do
Maranhão, e estudou a Capitania/Província, identificando suas potencialidades econômicas e
as possibilidades de uma exploração racional de suas riquezas.
Em seus relatos, Paula Ribeiro descreve os sertanejos enquanto pessoas que não
possuíam nenhuma atividade econômica regular, vivendo apenas “do peixe que pescam, não
do rio, que cria em si muito pouco, porém do mar, de que eles estão perto”229. As riquezas
naturais dali eram vistas por ele enquanto um elemento que facilitava a sobrevivência, mas, ao
mesmo tempo, desestimulava o espírito empreendedor dessa gente, uma vez que preferiam
viver dos pequenos e esporádicos comércios. Assim, o autor toma a pobreza desta região
como um resultado da inaptidão dos sertanejos ao universo do trabalho regular, pois os
excessos de recursos naturais lhes garantiam as condições mínimas de sobrevivência. E isso:
marcará as representações das elites locais acerca dessa parcela população. Não raro os pobres livres eram vistos como criaturas, por natureza, ociosas, indolentes, sem
instrução, que viviam fora dos costumes civilizados. E como a pobreza era maior
nas zonas rurais, os “sertanejos”, por possuírem costumes mais simples, decorrentes
de sua própria condição social, eram traçados como os indivíduos de hábitos mais
atrasados e rudes da Província. Faltava-lhes delicadeza e moral. Eram retratados
como pessoas sujeitas à bebida e à jogatina, fáceis de cometerem crimes, presos ao
desmazelo e à preguiça230.
A ação dos índios também ganhou destaque nos relatos do militar, afirmando que nos
territórios de Caxias e Pastos Bons se encontravam os Timbiras, apontando-os como os mais
cruéis. Ela descreve que muitas expedições de paisanos foram derrotadas por eles, que
comumente insistiam em praticar furtos nas fazendas de gados e afugentavam a população das
regiões as quais atacavam.
Nesse cenário de desconhecimento de espaços físicos e existência de pessoas
potencialmente perigosas, a criação do cargo de juiz de paz foi uma importante estratégia para
a ampliação do raio de ação do Estado, possibilitando a expansão do seu poder às esferas
municipais. Com base nos relatórios dos presidentes maranhenses, podemos identificar duas
formas utilizadas por eles para combater a desordem pública e adequar as camadas pobres ao
padrão de sociedade almejado. A primeira foi com instituições destinadas à instrução,
disciplinarização e moralização pública, como, por exemplo, aquelas voltadas para o culto
229 RIBEIRO, Francisco de Paula. Memórias dos sertões maranhenses. São Paulo: Siciliano, 2002, p. 71. 230 SERRA JÚNIOR, 2011, p. 43
133
público231 e instrução escolar232; já a segunda se dava através dos aparatos de coerção, tais
como a Guarda Nacional, o Corpo de Polícia, a Polícia Rural e o próprio sistema judiciário.
No próximo tópico daremos maior atenção aos mecanismos repressivos, pois o policiamento
estava atrelado diretamente ou indiretamente ao poder judiciário e ao juiz de paz, personagem
conflitante com os presidentes da província.
3.2 Os juízes paz enquanto mediadores do poder dos presidentes da província
Como destacamos no capítulo anterior, durante o período colonial a relação de poder
entre o centro e as localidades se deu especialmente numa representação da figura do rei
enquanto símbolo de poder. Já nas sociedades modernas, como foi o caso do Brasil
oitocentista, seguiu-se a tendência de tornar o poder central bastante regulador, criando
diferentes estratégias para se fazer mais presente e próximo do cotidiano da população. Para
isso, os presidentes assumiram a alcunha de coordenar a sociedade da província, tomando a
justiça de paz como um dos mecanismos de extensão de seus poderes, a fim de coibir os
corpos desajustados com a ordem pública. O propósito foi, pois “[...] alcançar um poder de
pressão rumo a homogeneização de procedimentos político-administrativos, bem como de
231 Na monarquia brasileira, as instituições clericais se relacionavam com a esfera política, sendo utilizadas como
instrumento de poder do Estado sobre a população. Nos relatórios dos governantes, o “culto público” era um
tópico indispensável, pois, segundo eles, sem religião, “não há liberdade nem civilização”; a sua falta “concorre
para a insurreição das classes inferiores” (MARANHÃO, 1840, p. 7).
Através dessas instituições, temos a difusão de preceitos cristãos católicos, sendo apontados como a “base
principal da moral pública, da tranquilidade e civilização dos povos, e finalmente da felicidade dos Estados” (Id.,
1838, p. 4). Isto porque elas estimulariam os vínculos dos indivíduos com Deus, resultando em um maior
controle dos pensamentos e regramento das suas ações, pois eles evitariam um castigo divino em busca da
salvação da alma, o que colaboraria não só para o “aprimoramento” espiritual, mas também para a própria sociedade. 232 Quanto ao letramento da população pobre, a partir do Ato Adicional de 1834, o governo provincial assumiu a
responsabilidade das Escolas de Primeiras Letras e a difusão do ensino primário para a população. Nos relatórios
constantemente os presidentes se mostrarem dispostos em difundir o ensino para as camadas mais baixas, pois
buscavam moldar os jovens em uma nova ordem que privilegiassem a civilidade, a moralidade e o respeito às
autoridades públicas. Para que incorporassem a “moralidade” desejada, as instituições tinham que ter
obrigatoriamente o ensino religioso, o qual, como vimos, deveria aproximar os homens de Deus, o que garantiria
um maior controle de suas ações, colaborando para a segurança pública. As demais disciplinas seriam as de
leitura e escrita, além de noções de aritmética. Estes conteúdos seriam o suficiente para que as classes populares
se moldassem nas necessidades do Estado, evitando assim de ser um problema para a sociedade.
Os governantes davam uma atenção especial às instituições de ensino profissionalizantes, como a Casa dos Educandos Artífices, que era voltada para os meninos desvalidos. Ela possuía uma rígida disciplina militar, onde
os educandos recebiam instrução de primeiras letras e de princípios religiosos, além de aprenderem ofícios como
o de alfaiate, pedreiro, carpinteiro, charuteiro e sapateiro, trabalhar em obras públicas e particulares. Ou seja,
atividades econômicas complementares que atendiam às necessidades das elites. Já para as garotas, havia o
Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação dos Remédios, casa que fora fundada em 1752, onde recolhia
garotas pobres das ruas, que poderiam ficar ali até completarem vinte e um anos. Por ser dirigido por clérigos, o
governo provincial não tinha poder de intervenção, fazendo com que os presidentes da província criticassem tal
instituição, pois eles viam na mesma um espaço de formação de freiras, o que na concepção deles não era o
melhor destino para essas garotas.
134
comportamentos e de controle social, ruma à tão desejada racionalização, percebida como
essencial ao ideal de modernização”233.
Através dos juízes de paz, a atuação do Estado, em tese, pôde se efetivar de forma
mais concreta e eficaz sobre os comportamentos irregulares do cotidiano da população, pois
esses magistrados, com seus amplos poderes de policiamento, tinham a competência de
exercer sua autoridade naqueles espaços sociais mais remotos do país.
Como nos primeiros anos do Império havia ainda o problema do reconhecimento da
territorialidade do país, fez-se necessário o esforço de organização e reordenamento espacial
das províncias, criando distritos, termos e comarcas de forma racional, e instalando novas
divisões judiciárias. De acordo com os documentos pesquisados, constatamos que isto ocorreu
em larga escala no Maranhão regencial, pois existiam várias leis provinciais e projetos de
deputados que tentavam conferir novas divisões na província, o que resultavam em novas
configurações espaciais.
Devemos de antemão apontar que havia vários “tipos” de divisões das províncias. A
divisão civil, por exemplo, que dividia a região em vilas e cidades; a divisão administrativa,
criando os municípios; as divisões eleitorais, estabelecendo os distritos e colégios eleitorais; a
divisão eclesiástica, criando as freguesias; e o judiciário234. Esta última divisão é a que nos
interessa, pois, a partir dela, a província era dividida em comarcas (jurisdição do juiz de
direito), que então poderiam ser divididas em termos (que estava sob tutela dos juízes
municipais). Estes, por sua vez, eram divididos em distritos (campo de atuação dos juízes de
paz)235.
Nos debates do Conselho Geral do ano de 1830, identificamos propostas de leis que
visavam um redimensionamento das freguesias, como aquela do deputado Manoel Gomes da
Silva Belfort. Na sessão de 11 de janeiro, ele sugeriu que parte da freguesia de Rosário,
pertencente ao termo da Capital, fizesse parte do termo de Itapecuru-Mirim, pois, segundo o
deputado, o acesso da população aos juízes eleitos da Capital era mais difícil, uma vez que
tinham que percorrer longas e perigosas distâncias, “com risco notável de vida”236.
233 IAMASHIRA, p. 101. 234 MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da província do Maranhão. 3º ed., São Luís:
Edições AML, 2008. 235 Vale ressaltar que, embora a freguesia fosse uma divisão eclesiástica e as vilas divisões civis, por exemplo,
estas terminologias eram frequentemente utilizadas pelas autoridades para se referirem ao espaço de atuação dos
juízes de paz, ou seja, elas serviam também como uma referência à divisão judiciária. Por isso, em alguns casos
extraídos das documentações, há a utilização desses termos para se referirem ao espaço de atuação do poder
judiciário. 236 MARANHÃO. Índice dos Anais da Assembleia Provincial do Maranhão (1835-1841). Setor de Códices.
Arquivo Público do Estado do Maranhão. Sessão de 11 de janeiro de 1830.
135
No mesmo ano, o deputado Manoel Pereira da Cunha, observando que existiam
expressivas movimentações de facínoras, vadios e malfeitores pela província, pediu que
fossem feitas as divisões dos termos já existentes para se ter um maior número de freguesias.
Como justificativa, ele disse que, além de promover o acesso do povo aos locais de eleição,
isto iria aumentar o número de juízes de paz ativos, o que ampliaria o poder coercitivo do
governo contra estes contraventores237.
Na sessão de 21 de fevereiro de 1832, os deputados Francisco Sotero dos Reis,
Antônio José de Sousa e Antônio Gomes Claro lançaram duas propostas ao Conselho. Na
primeira, solicitaram uma nova divisão de freguesias no distrito de São Bento do Brejo, no
qual “os limites de cada uma das quatro freguesias em que ficava dividido aquele distrito em
quais eram Nossa Senhora da Conceição de São Bernardo, Nossa Senhora de Araguaes, São
Bernardo e Santa Anna do Burity”238. Na segunda, eles pediram a divisão do termo de
Guimarães em três freguesias, onde teriam como limites as freguesias de São José de
Guimarães, Santa Helena e São João de Guimarães.
Enfim, após o lançamento de diversas propostas, a primeira divisão judiciária oficial
que encontramos foi posta durante a sessão do Conselho Geral, no dia 19 de abril de 1833. Tal
sessão foi destinada para que o presidente de província Joaquim Vieira da Silva e Souza
colocasse em execução o Código do Processo Criminal. Como no mesmo código se previu tal
divisão, foi apresentado o novo “Plano de Divisão da Província em Termos e Comarcas”239 e
a “Divisão da Província em Comarcas”240. No final dos seus Artigos, o Maranhão passou a ter
a seguinte configuração:
MAPA 1 – A organização judiciária da província do Maranhão (1833)
COMARCAS TERMOS
Ilha do Maranhão
Cidade do Maranhão
Vila do Vinhas
Paço do Lumiar
Alcântara
Vila de Alcântara
São Bento
Viana
Guimarães
Itapecuru
Itapecuru-Mirim
Nossa Senhora do Rosário
Icatú
237 Idem. 238 Id., Sessão de 21 de fevereiro de 1832. 239 Id. Ministério Público do Estado do Maranhão: fontes para a sua história. São Luís: Procuradoria Geral de
justiça, 2004, p. 257. 240 Ibid., p. 259.
136
Iguará
Brejo São Bernardo
Tutoia
Altas Aldeias
Vila de Caxias
Urubu
São José
Pastos Bons Pastos Bons
Riachão Fonte: MARANHÃO. Ministério Público do Estado do Maranhão: fontes para a sua história. São Luís:
Procuradoria Geral de justiça, 2004. Vol. 2, p. 257-259.
Porém, continuaram as propostas dos deputados, a fim de remodelarem a organização
judiciária, baseando-se frequentemente na justificativa de que isso melhoraria a ação do
governo diante da população. Com este propósito, em 1834, Manoel Gomes da Silva Belfort
novamente propôs mais divisões na província, sugerindo a criação das seguintes freguesias:
São Joaquim do Bacanga; Santa Rita da vila Urubú; São José na vila do mesmo
nome; Nossa Senhora de Nazaré, na vila do Riachão; São Sebastião na povoação de
Passagem Franca; São Sebastião da Manga no Iguará; Senhor do Bomfim da
Chapada, na Povoação de São Paulo do Norte, na margem do Rio Grajaú241.
Entre essas e outras propostas, em 1835 foi criada a Lei provincial nº 7 de 29 de abril,
aprovada pelo presidente Antônio Pedro da Costa Ferreira, conferindo ao Maranhão a
seguinte divisão judiciária:
MAPA 2 – A organização judiciária da província do Maranhão (1835)
COMARCAS TERMOS
Ilha do Maranhão Cidade do Maranhão
Paço do Lumiar
Alcântara
Alcântara
São Bento
Guimarães
Viana Viana
Mearim
Itapecuru
Itapecuru-mirim
Rosário
Icatú
Iguará
São Bernardo Brejo
Tutoia
Caxias
Caxias
Urubu
São José
Pastos Bons Pastos Bons
Riachão Fonte: MARANHÃO, Collecção das leis, decretos e resoluções da província do Maranhão. Setor de
Códices. Arquivo Público do Estado do Maranhão, 1847.
241 Id. Sessão de 21 de fevereiro de 1832.
137
Em comparação com o mapa anterior, observamos que subiu de seis para sete o
número de comarcas, enquanto os termos de Caxias e Viana foram elevados de categoria.
Durante todo o período estudado, constaram-se diversas representações de deputados que
defendiam novas divisões judiciárias da província, pretendendo aperfeiçoar a administração
da justiça. Nós temos em mente a deficiência destes dois primeiros mapas apresentados, pois,
por conta da imprecisão das fontes, não conseguimos apresentá-los com dados mais
completos, ficando de fora os distritos existentes na província. Contudo, podemos afirmar que
havia sessenta e quatro no total, de acordo com o relato do presidente Francisco Bibiano242.
Nessas leis que já destacamos, assim como nas demais que foram aprovadas243, ficaram
expostos apenas os distritos que foram criados e aqueles desmembrados ou aglutinados, não
tornando possível identificar todos aqueles que já existiam. Aliás, em um relatório
apresentado em 1843, o presidente Jeronimo Martiniano de Mello apresentou em anexo um
mapa completo da divisão judiciária do Maranhão, dando-nos uma percepção de como ficou a
sua configuração.
MAPA 3 – A organização judiciária da província do Maranhão e o número dos respectivos
empregados (1843)
COMARCAS
JU
IZ D
E
DIR
EIT
O
PR
OM
OT
OR
ES
TERMOS
JU
IZE
S
MU
NIC
IPA
IS
FREGUESIA
JU
IZE
S D
E P
AZ
Capital 2 1
Capital
2
Nossa Senhora de Vitória 2
Nossa Senhora da Conceição 2
Paço do Lumiar
São João Baptista de Vinhais 1
São Joaquim do Bacanga 1
Nossa Senhora da Luz 1
São José dos Índios 1
Alcântara 1 1
Alcântara 1
Apóstolo São Matias 2
São João de Cortes 1
Santo Antonio e Almas 2
São Bento São Bento 2
São Vicente Ferre 1
Guimarães 1 1
Guimarães
1
São José 1
Cururupu São João 1
Santa Helena Santa Helena 2
Viana 1 1 Viana
1 Nossa Senhora da Conceição 4
Mearim São Francisco Xavier de Monção 1
242 Id., 1837. 243 A Lei Nº 13 de 8 de maio de 1835 criou novas freguesias, a partir dos desmembramentos de outras já
existentes; a Lei Nº 64 de 14 de junho de 1838 criou novos Termos, também desmembrando outros antigos; a
Lei Nº 65 de 15 de junho de 1838 inaugurou em alguns municípios novas freguesias e estabeleceu novas divisões
de Comarcas; na Lei Nº 71 de 23 de julho de 1838 foram estabelecidas novas freguesias, assim como a Lei Nº 73
de 23 de julho de 1838, onde, além de criar novas, dividiu outras que já existiam.
138
Nossa Senhora de Nazaré 5
Itapecuru 1 1
Itapecuru-Mirim 1
Nossa Senhora das Dores 3
Manga do Iguará São Sebastião 1
Nossa Senhora das Dores 1
Rosário
1
Nossa Senhora do Rosário 1
Icatú Nossa Senhora da Lapa e Pias 1
Nossa Senhora da Conceição 2
Nossa Senhora Priá 1
Caxias 1 1
Caxias 1
N. S. da Conceição e S.José 1
São Benedito 1
São José N. S. de Nazaré da Trizidela 1
São José 3
Codó 1 Santa Rita 2
Brejo 1 1
São Bernardo 1
N. S. da Conceição do Brejo 3
São Bernardo 1
Tutóia São Félix de Balsas 1
N. S. da Conceição de Araioses 2
Pastos Bons 1 1
Pastos-Bons 1
São Bento 3
Passagem Franca São Félix de Balsas 1
São Sebastião 1
Chapada 1 1 Chapada
1 Senhor do Bonfim 1
Riachão Nossa Senhora de Nazaré 1
Total 10 9 13 61
FONTE: MARANHÃO, 1843.
O reordenamento espacial do Maranhão não só conferiu uma melhor estrutura para a
atividade judiciária, como também possibilitou a distribuição racional dos poderes e recursos
que as comarcas, termos e distritos teriam à sua disposição. Assim, além de permitir uma
melhor administração destes espaços, a divisão destes ampliou o poder do sistema judiciário
sob a sociedade, viabilizando o reconhecimento da população que ali vivia.
Para o estabelecimento mais preciso das divisões judiciárias, era necessário o
conhecimento estatístico da população maranhense, fazendo com que os presidentes
requeressem dos juízes de paz mapas censitários, contendo o número de habitantes que
moravam em determinada área da província. Os pedidos desses mapas eram geralmente
oficializados através do lançamento de circulares pelos governantes, tais como este:
Circular a todos os Juizes de Paz da Província
O Presidente da Provincia ordena o juiz de paz do 1º Distrito desta Cidades que
proceda imediatamente, auxiliados pelos seus Inspetores de Quarteirão e pelo
Paroco da Freguesia no que for possível a um arrolamento qual de todos os seus
Distritos, afim de organizar e remeter o quanto antes a este governo um mappa exato
da população do Distrito, com a declarações e na conformidade do modelo,
enviando ao mesmo tempo outro igual mappa ao Juiz de Direito da Comarca, e em
impedimento ou ausência deste, ao Juiz Municipal do 1º Termo. O Governo muito
recomenda ao mesmo Juiz de Paz pontualidade no cumprimento destas ordens, o
139
que confia sua intelectualidade e zelo pelo serviço publico e peculiar interesse da
Província, não ocorrendo de novo atrasos como no ano passado244.
Percebe-se que além de fazer o requerimento, o presidente Vicente Camargo destacou
a necessidade de zelo do juiz e a pontualidade do cumprimento das ordens, para que não
ocorressem atrasos como aconteciam no ano passado. No entanto, é importante frisar que
mesmo sendo um pedido de mapeamento específico da população do 1º distrito da Capital,
esta circular, assim como as demais que encontramos, eram remetidas a todos os magistrados
leigos, mostrando a preocupação do governante em não só ter os dados requeridos de forma
rápida, mas que todos os juízes dos distritos ficassem cientes das suas exigências.
Nesses mapas recebidos pelos presidentes era comum a exposição de dados da
população informando o sexo dos moradores, a raça, idade e se os indivíduos se encontravam
nas condições de escravos, livres, libertos ou eram índios245. A partir de tais elementos, eles
poderiam formular medidas específicas relacionadas ao combate de quilombolas e de índios
bravos, saber quem daqueles distritos estavam aptos a serem recrutados pelos juízes de paz ou
ter uma noção da quantidade de policiais, que seria necessário para determinada localidade e
para manter o ordenamento público.
Partindo para as questões do ordenamento público, vale ressaltar que o poder de ação
dos governantes nos distritos estava diretamente vinculado à magistratura de paz, pois, como
analisamos no capítulo anterior, durante o período estudado, eles tinham se tornado as
maiores autoridades em nível local, já que o seu principal papel deixou de ser a conciliação
para ser o controle social. Por isso, nesse momento, o campo judiciário foi um dos principais
canais do Estado destinado para a regulamentação do corpo social. Isso fez com que os ofícios
emitidos pelos presidentes aos magistrados tivessem como principal temática a vigilância e o
policiamento dos distritos.
No ofício246 do presidente Antônio Pedro Costa da Silva, direcionado ao juiz do 1º e
do 2º distrito da Vila de Guimarães e para o juiz da Freguesia de Santa Helena, ele contou que
recebeu informações a respeito de criminosos de Turiaçu, que se evadiram para esta parte da
província. A partir de tal informação, o presidente pediu que os respectivos magistrados se
“movimentassem” e “caçassem” os malfeitores. Notícias de perambulação de criminosos,
vadios e facínoras eram constantes nos relatórios e ofícios dos presidentes do Maranhão, os
quais se baseavam nos registros de outros funcionários públicos, que enviavam para a
244 MARANHÃO. Códice 471, ofício nº 18, em 11 de fevereiro de 1837. 245 Vid. Apêndice A. 246 MARANHÃO, Códice 468, ofício nº 24, em 4 de fevereiro de 1836.
140
Secretaria de Governo a ocorrência desses eventos. A partir destes, os respectivos gestores da
província encaminhavam as medidas necessárias para aquelas autoridades que atuavam nos
diferentes níveis judiciários, como foi o caso do juiz de paz de Caxias:
Constando-me que neste Município dessa Villa [Urubu] e da Cidade de Caxias,
beira-rio, existe um magote de indivíduos armados, perpetrando toda sorte de
atentados contra os pacíficos Cidadãos que tem a desgraça de por lá passarem, e
convindo dar-se cada quanto antes de semelhante reunião que até já tem chegado a
ponto de cometerem alguns assassinatos, ordeno que V.S. que de acordo com a
autoridade daquela Cidade faça extinguir esse bando de malfeitores, e se poder
capturar bom será remeter para esta Capital afim de se lhe dar algum destino, que os
separe da vida a que se vão habituando247.
Outro tipo de relato comum em seus ofícios é o que diz respeito às fugas de presos, tal
como o que fizeram “José Valentim Francisco Régio e outros dous criminosos de morte”, que
se aproveitaram das condições precárias da cadeia “da Fortaleza da Barra desta Cidade”,
conseguindo se evadirem dali. Quando o presidente tomou conhecimento sobre os ditos
foragidos, eles já se encontravam “na passagem do Outeiro, em Pericuman”. Logo, Antônio
Pedro da Costa Ferreira acionou o juiz do distrito de Santa Helena para que ele fizesse
“imediatamente a captura dos semelhantes indivíduos, remetendo-os com a maior segurança a
esta Capital, a fim de terem o destino legal”248.
Quando havia fugas de presos, os presidentes geralmente pediam explicações ao
magistrado do distrito em que o fato ocorria. Muitas vezes, eles suspeitavam de que havia
nessas infrações a facilitação das fugas pelos próprios funcionários que guardavam as cadeias
envolvidas. Na Vila do Paço aconteceu um exemplo disso, onde Luizino José e José Joaquim,
por resistirem ao recrutamento forçado, foram presos pelo Cidadão Antônio Raimundo da
Fonseca Garcez. Após a fuga deles, o carcereiro se tornou o principal suspeito de entrar em
conluio com os prisioneiros, deixando-os escaparem. Para tirar a prova real de quem foi o
culpado envolvido na infração, o presidente ordenou o juiz de paz daquela vila a reunir os
agentes da cadeia “para que se faça ouvir os respectivos carcereiros e demais indivíduos
encarregados de guarda-los [...], pois consta a este governo que a fuga foi arranjada”249.
Os ataques às terras de fazendeiros e roubos de gado foram outro problema recorrente
nos relatos dos presidentes, levando-os a lançarem mão dos magistrados leigos. Por exemplo,
o juiz do 5º distrito do termo de Mearim informou ao presidente Antônio Pedro de que “vários
facínoras, escravos da Fazenda da Nossa Senhora das Mercês, se ocupam em roubarem por
247 Ibid., oficio nº 26, em 5 de fevereiro de 1836. 248 Ibid., oficio nº 28, em 9 de fevereiro de 1836. 249 Ibid., oficio nº 1, em 5 de janeiro de 1837.
141
esse distrito o gado alheio, navegando publicamente e bem armados”250. Além dos roubos
desses animais, o juiz contou ao presidente que eles praticavam assassinatos naquela região.
Atentados como este infligiam a segurança pública, ameaçavam a propriedade particular, a
economia provincial e os indivíduos que dependiam de pequenas criações de boi e que muitas
vezes eram as suas únicas fontes de renda. Mas, principalmente, o que preocupava as
autoridades era que ocorrências desta natureza poderiam fomentar a fuga de escravos, pois,
como consta nesse ofício, os “pretos” envolvidos eram escravos fugidos e aquilombados.
A existência de quilombos no interior maranhense foi mais uma preocupação dos
governantes, fazendo com que o juiz de paz tivesse que combatê-los. Embrenhados nas matas,
os escravos foragidos se aproveitavam das dificuldades de acesso dos agentes públicos, assim
como do desconhecimento destas regiões para realizarem assaltos aos fazendeiros. Esta
prática levou ao vice-presidente Raimundo Filipe Lobato a considerar que esses “pretos
foragidos” fossem os principais causadores dos ataques aos criadores de boi:
Tendo-me constando que a maior parte do roubo de gado pelas fazendas dos
lavradores desse Distrito [Vila de Guimarães] são feitos por escravos fugidos, em
que grande numero existem aqui aquilombados com apoio de alguns moradores.
Ordeno que V.S, assim como recomendo a cada Inspectores de Quarteiroes do seu
Distrito, maiores atividades e vigilância na destruição dos quilombos e appreenção
dos escravos e mesmo de quaisquer desertores, remetendo a seus respectivos
Corpos, e os escravos aos seus donos Senhores na forma das ordens a este respeito
estabelecido, e dar me conta do resultado, ficando V.S responsável por qualquer
falta que haja no cumprimento desta Ordem251.
Atentamos para o fato de que esse grupo de escravos não atuava sozinho, contando
também com a simpatia e ajuda de alguns moradores pobres livres daquela região. Todavia,
além dos pobres livres e dos escravos fugidos e quilombolas, os índios foram outro
componente social que incomodava a tranquilidade de alguns distritos, cabendo novamente
aos magistrados eleitos a tomarem as providências legais cabíveis.
Em 18 de fevereiro de 1837252, Joaquim Francisco de Sá descreveu uma situação sobre
o 2º distrito da Comarca de Caxias, relatando a existência de “Índios Selvagens” que
atacavam fazendas. Para acabar com os atentados, ele enviou alguns policiais do 4º distrito,
que foram insuficientes para colocar fim ao problema. Diante disso, ele buscou auxílio do
magistrado responsável pelo distrito acometido e daqueles outros vizinhos que deveriam
organizar a polícia rural de onde se achavam. Exemplo semelhante aconteceu na vila de
250 Ibid., oficio nº 9, em 14 de fevereiro de 1837. 251 Id., Códice 469, oficio nº 182, em 10 de outubro de 1833. 252 Id., Códice 468, oficio nº 12, em 15 de fevereiro de 1837.
142
Caxias, onde foram enviados destacamentos de ligeiros para combater as ameaças dos
gentios, porém sendo diminutos os efeitos produzidos pelos destacamentos. O presidente
determinou que o juiz de paz dali organizasse a sua polícia rural, pois era ela “o primeiro
destas Forças instituídas para repelir as agressões dos Índios ferozes [...] e para executar em
geral todas as diligencias ordenadas pelas Authoridades Policiaes”253.
Vemos então uma corporação que servia de instrumento de auxílio aos magistrados de
paz. Legalmente, esse Corpo era um dos mecanismos utilizados pelos juízes no combate aos
crimes e às desordens sociais no interior do Maranhão. Foi durante a gestão do presidente
Antônio Pedro da Costa Ferreira que a Lei nº 5 de 23 de abril de 1835 foi aprovada, criando
em cada distrito da província um Corpo de Polícia Rural. Este deveria ser composto por um
comandante, com um número mínimo de três soldados e no máximo de dez, cabendo aos
presidentes decidirem este quantitativo mediante as informações apresentadas pelas Câmaras
Municipais, tais como a densidade demográfica e o estado da ordem do distrito, a extensão do
território e a necessidade do policiamento.
Contudo, a legislação não direcionou a criação de um corpo igual a esse para São Luís.
Isso poderia ser explicado pelo fato da Capital já possuir as Guardas Municipais
Permanentes254 e porque o principal objetivo deste, “se não fosse mesmo o principal, [era] a
captura de escravos fugidos, a destruição e combate aos quilombos”255. Assim, os distritos do
interior seriam o foco da ação desta polícia.
Com relação aos juízes de paz, os Corpos de Polícias Rurais tinham que cumprir as
suas ordens, pois na estrutura estabelecida eles estavam diretamente subordinados a esses
magistrados. Os policiais rurais deveriam auxiliá-los no desempenho de seus deveres, ou seja,
no combate dos malfeitores, criminosos, escravos fugidos, índios bravos e quilombolas,
devendo atendê-los sempre que requisitados, além de prestarem serviços às demais
autoridades judiciais (juízes municipais e juízes de direito).
Em caso de escravos fugidos, a referida legislação determinou o procedimento que os
juízes deveriam tomar. Quando eles fossem apreendidos, deveriam ser entregues ao
magistrado do distrito competente, onde ele daria o destino legal ao negro, que seria mantê-lo
sob custódia até que seu dono se apresentasse, “sendo antes castigados na forma das leis
253 Ibid., ofício nº 14, em 18 de fevereiro de 1837. 254 Corporações criadas no início da regência, com o objetivo de substituir os Corpos de Milícias de Ordenanças.
Eram tropas remuneradas e profissionais, ordenadas por uma espécie de código disciplinar militar (FARIA,
2007). 255 Ibid., p. 164
143
existentes, se tiverem abertamente resistido no ato da prisão”256. Mas para que os donos
ficassem cientes de que seu escravo fora capturado, os juízes deveriam toda semana fixar em
editais, nos locais públicos, e todo mês publicar na imprensa, a relação de nomes dos escravos
apreendidos.
Sobre a indisciplina ou ausência dos funcionários para com o policiamento rural, os
magistrados podiam suspender os comandantes (mediante os recursos apresentados ao
presidente da província), ou mesmo demiti-los (neste caso, o comandante deveria ser ouvido
antes, juntamente pelo juiz acusador, pela Câmara Municipal). Quanto aos soldados, eles
podiam sofrer penas de correções com prisão de até vinte dias, demissões (se eles estivessem
nos seus três primeiros anos de atividade) ou suspensões (quando tivessem mais de três anos
de serviço).
Porém, mesmo sendo corpos destinados especificamente à manutenção da ordem no
interior da província, eles se mostravam insuficientes diante das ameaças dos indivíduos
desconexos com a ordem pública que ali viviam. Nesses casos, geralmente foram feitas
requisições aos presidentes para enviarem forças auxiliares. O juiz de direito da comarca de
Caxias, por exemplo, sob pedido do juiz de paz da Vila do Urubu, mandou uma representação
ao presidente Francisco Bibiano de Castro, requisitando um destacamento para aquela região,
pois, confirme ele afirmou, “a Villa se acha em grande perigo, por causa de um abando de
malfeitores que a título de vingarem a morte de um tal José Pereira Jacú, intendiam ataca
aquella Villa”. Como resposta, ele recebeu o envio de “um pequeno destacamento de 1º
Linha”, juntamente com ordens de que o magistrado eleito deveria “empenhar todos os seus
zelos e patriotismo a fim de socorrer esta força, não só com as Guardas Nacionaes, a quem a
V.S. convocará, pois todos se devem prestar em uma ocasião em que mais se precisa dos seus
esforços” 257.
Existem diversos ofícios nos quais os juízes de paz pediam ajuda para forçar policiais
extras e auxiliá-los na preservação e manutenção da ordem pública em seu distrito.
Respondendo ao ofício enviado no dia 13 de fevereiro de 1838, pelo magistrado responsável
pela Vila de São Bernardo, em que dizia ser necessário um maior contingente policial em seu
distrito, o presidente Bibiano resolveu enviar a ele uma “marcha para esse distrito [de] um
destacamento de 6 pessoas de 1º Linha, comandada pelo cadete José Luiz Teixeira Lopes,
256 Lei Nº 5 de 23 de abril de 1835, Art. 5º. In: MARANHÃO, Collecção das leis, decretos e resoluções da
província do Maranhão. Setor de Códices. Arquivo Público do Estado do Maranhão, 1847. 257 Id., Códice 471, oficio nº 116, em 6 de novembro de 1837.
144
afim de montar a polícia fazendo a V.S. prender e punir os malfeitores que infestão esses
lugares”258.
Além da falta de pessoas dispostas e recrutadas para ocuparem as fileiras policiais e do
exército, as atividades de vigilância e de preservação da paz dos juízes sofriam também com
os constantes casos de desertores das corporações policiais. No mesmo ofício em que Bibiano
enviava mais soldados para a vila de São Bernardo, ele requeria do magistrado que fosse feita
“a captura de oito desertores [...], que armados acometem os passageiros que transitavam” ali.
Relatos como esses nos mostram que, mesmo sendo autoridades de maiores poderes
políticos em seu campo de atuação, os juízes eleitos se deparavam com problemas em outras
instituições, como a falta de estrutura nos aparatos repressivos, que, de certa forma,
prejudicava as suas funções estabelecidas nas leis do Império. Igualmente, os presidentes
passavam por apertos, tendo que gerenciar os escassos recursos disponíveis de forma mais
eficiente possível, a fim de garantir não só o apoio aos magistrados, mas também viabilizar a
tranquilidade pública e adequação da sociedade maranhense em uma ordem constitucional e
civilizatória.
3.3 A magistratura de paz nos relatos dos presidentes e as repercussões da lei das
prefeituras
Dos Juizes de Paz, não são muitos os que cumprem direitamente com todas as suas
obrigações, fallecem os alistamentos exactos da população, ignora-se inteiramente
quem entra ou sahe dos districtos; e os processos são pela maior parte mal
organisados, e abundam em motivos [ilegível]. Não tem sido possível ao Governo
obter uma estatistica dos crimes, ainda mesmo pouco exacta, e a este respeito cabe
ponderar-vos que havendo-se, por ordem superior, determinado aos Juizes de Direito que em periodos certos inviassem um mappa dos crimes commenttidos em as suas
respectivas Commarcas, pouco se tem podido alcançar, por quanto ainda que elles
pela sua parte tenham dado mais ou menos cumprimento áquella determinação,
viram-se todavia impossibilitados de o fazerem como cumpria, por lhes falleceram
quase sempre os dados que incumbe aos Juizes de Paz ministrar-lhes259
Esse relato do presidente Bibiano sobre a administração da justiça mostra o que todos
os presidentes analisados para o nosso trabalho consideravam acerca da Justiça de Paz no
Maranhão e, em algumas vezes, no Brasil como um todo. Aqueles que ocuparam o cargo
eram representados enquanto pontos de atraso do sistema judiciário, que atrapalhavam não só
as áreas que lhes competiam, mas as demais do ramo público, em que suas amplas
258 Ibid., ofício nº 117, em 6 de novembro de 1837. 259 Id., 1837.
145
competências tocavam, tais como a produção de mapas e de censos estatísticos, o
policiamento dos distritos, a vigilância e o controle da população.
Tais percepções resumem os pensamentos dos presidentes, que se respaldam nas
experiências adquiridas a partir de suas interações com esses magistrados, levando-os a
criarem mecanismos de contenção dos seus poderes, sendo que o principal destes foi a lei das
prefeituras. Passamos, então, a ver como isso aconteceu.
3.3.1 As interações entre o executivo provincial e o judiciário distrital
As correspondências trocadas entre os presidentes do Maranhão e os magistrados
distritais nos possibilitam compreender, em termos práticos, as ações que estes governantes
identificavam nos juízes leigos, as quais eram consideradas incoerentes com a agenda política
imperial. Para termos uma noção do que isso significa, começamos abordando alguns
exemplos de conflitos entre autoridades, tendo os juízes de paz como protagonistas e os
presidentes enquanto mediadores e “apaziguadores” das partes envolvidas.
Em 1834, o juiz de direito da Comarca de Itapecurú-Mirim acusou ao presidente o juiz
do 1º distrito de não reconhecer as suas atribuições de Chefe de Polícia, assim como a de seu
substituto, o juiz municipal, que, conforme o Decreto de 15 de outubro de 1833, poderia
ascender a este posto quando fosse necessário260. Segundo o magistrado acusador, isso foi um
caso de insubordinação à sua pessoa e de rompimento com os preceitos legais estabelecidos
pelo Código de 1832, pois, conforme o artigo 46 §9º261, estava explícito que os juízes de paz
estavam sujeitos ao poder dos magistrados de comarcas, podendo receber instruções e sofrer
fiscalização dos mesmos. A partir dessa representação, o presidente encaminhou um ofício262
ao juiz do distrito, afirmando que não só o juiz de direito tinha o poder legal de supervisionar
as suas ações, como também o juiz municipal do termo poderia assumir o posto de Chefe de
Polícia, dentro do caso exposto.
O mesmo transtorno se repetiu no 2º distrito de Rosário, onde o magistrado ali eleito
entrou em conflito de poder com o juiz municipal do termo, levando novamente o presidente a
intervir no embaraço entre os dois magistrados, pedindo explicações ao juiz desobediente:
260 Art. 1º Nas cidades populosas, em que houverem dous, ou mais Juizes de Direito serão uns supplentes dos
outros, da mesma fórma, e nos mesmos casos, que se dispõe a respeito dos Juizes de Paz nos arts. 10 e 62 do
Codigo do Processo Criminal, e só no impedimento de todos terá lugar a substituição dos Juizes Municipaes, na
conformidade do art. 35 do referido Codigo, e do art. 33 das Instrucções de 13 de Dezembro do anno passado. 261 Art. 46. Ao Juiz de Direito compete: [...] §9º Inspeccionar os Juizes de Paz e Municipaes, instruindo-os nos
seus deveres, quando careçam. 262 MARANHÃO, Códice 471, ofício nº 68, em 30 de agosto de 1837.
146
Constando-me por officio do Juiz Municipal desse Termo, que exerce
indeterminadamente as funções de Juiz de Direito e de Chefe de Polícia, que V.S. não cumpri as ordens que o mesmo lhe transmite, cumpre que V.S. imediatamente
me informe a razão de sua desobediência, ficando certo de que se continuar nella
sera processado como desobediente na forma da Lei263.
Casos de insubordinação como esses iam de encontro com o que estava estabelecido
nas leis, onde estava tecida uma cadeia hierárquica entre as autoridades do sistema judiciário,
de forma a introduzir uma divisão eficiente entre os poderes e uma racionalização do aparato
jurídico. Contudo, momentos como esses não ocorreram apenas entre os magistrados, mas
também com o próprio presidente da província. Em 24 de junho de 1834, o vice-presidente
Raimundo Filipe Lobato recebeu uma representação do 1º Comandante da 2º Companhia da
Guarda Municipal permanente, acusando o juiz do 4º distrito da Capital, José Antônio de
Lemos, de proceder com a prisão de um guarda de forma arbitrária, não tendo ordens para
efetuar tal captura. Assim, em defesa da “boa disciplina militar” e tentando evitar
“inconvenientes que podem resultar semelhante procedimento”, o presidente enviou um ofício
no dia seguinte para o juiz pronunciado, questionando a sua atitude de não ter informado
previamente a prisão do guarda ao Comandante. Sentindo a sua autoridade e seu poder de
ação ameaçado pelo governante, o magistrado acusou-o de querer limitar as suas atribuições.
Essa postura de independência em relação ao presidente levou-o a receber a seguinte resposta:
No meu oficio de 25 de junho não lhe foi determinado coisa alguma contra a sua
jurisdição de juiz de paz, e nem se tratou de processo [ilegível] concedido aos
Guardas Municipaes como V.S falou maliciosamente [ilegível] o seu oficio de 26 do
mesmo mês, apenas lhe ordenei que nos casos de pronuncias de indivíduos que
estiverem sujeitos ao Comandante Militar deveria registrar a prisão dos reos ao
respectivo Comandante e nos casos de flagrantes delitos, participar a sua prisão aos
mesmo Comandantes, como convem a boa disciplina Militar, conforme com as disposições do alvará de 21 de outubro de 1789264.
Nesse episódio fica explícito não só o abuso de autoridade do magistrado, indo de
encontro com os preceitos normativos militares, mas também de uma atitude de confronto do
juiz com o presidente, acusando-o de querer diminuir a sua autoridade perante o fato em
questão. Isso poderia ser um problema para os governantes, pois dependia da disposição e
obediência desses agentes para acatarem as suas ordens e viabilizarem a inserção da
população aos padrões de sociedade desejada.
263 Ibid., oficio nº 109, s/d. 264 Id. Códice 468, ofício nº 64, em 12 de julho de 1834.
147
Mas, se tomarmos apenas essas ocorrências que expomos até aqui e colocá-las como
um costume generalizado e exclusivo dos juízes de paz, podemos restringir a nossa percepção
e abordar novamente estes agentes enquanto uma expressão do self-government, ou tratá-los
como uma espécie de déspotas distritais, utilizando-se de suas amplas competências como um
meio de conquistarem benefícios pessoais. Atitudes como estas não eram uma exclusividade
dos magistrados eleitos, pois os juízes de direito, por exemplo, também se envolviam em
polêmicas de conflito de atribuições, quando chegavam a exercer as funções de outrem.
Vejamos aqui um caso do juiz de comarca Joaquim Manoel de Aragão, para ilustrar o
que queremos dizer. Em 11 de agosto de 1838, esse magistrado recebeu acusações do juiz do
2º distrito de Caxias, Manoel Machado Vieira, onde este recorreu ao presidente Vicente
Camargo, afirmando que o dito Aragão mandou efetuar o alistamento de pessoas voluntárias
indevidamente, além de se intrometerem na organização do Corpo de Polícia Rural. Porém,
mesmo sendo atuações que iam de encontro com a lei, o presidente afirmou que os feitos do
juiz Aragão foram “inteiramente justificados” e as queixas “menos procedentes”265, ignorando
a queixa do juiz distrital. Dias antes, em 1º de agosto, já tinha ocorrido outra polêmica entre
esses dois magistrados, quando o dito Manoel Machado acusou Joaquim Manoel de ter
procedido com Habeas Corpus ilegalmente. Apelando ao presidente, ele recebeu um ofício
dizendo que: “a vista da razão que se desenvolveu e que restabelecem o acontecido do
mesmo, fica inteiramente justificada a postura do juiz de direito”266. Nesses exemplos,
poderíamos afirmar que o presidente foi movido pelo que Thomas Flory chamou de “espírito
corporativista” contra os magistrados populares.
Porém, parece que as “rixas” entre esses dois agentes não se davam apenas nos
conflitos de jurisdição. Em alguns casos, os juízes de comarcas acusavam os juízes distritais
de não exercerem suas funções e, em contrapartida, estes últimos procuravam os governantes
para desmentirem tais acusações e provarem o contrário. Foi o que aconteceu, por exemplo,
no 3º distrito da Capital, com o magistrado ali eleito, José Raimundo da Rocha Araújo,
quando foi denunciado pelo juiz de direito Joaquim Azevedo Ramos de prevaricação. Em
explicação, José Raimundo emitiu um ofício ao presidente Manuel Felizardo de Sousa e
Melo, afirmando que:
[...] todos os juízes de paz tem cumprido para a melhor forma que lhes é possível as
decisões de V.Ex.ª; como Ramos, que bastantemente se ha feito importuno, pelo seu gênio, em todas as auditorias do Maranhão, não cessa, já sem motivo algum, de
265 Códice 471., ofício nº 78, em 11 de agosto de 1838. 266 Ibid., ofício nº 75, em 1 de agosto de 1838.
148
dirigir a V.Ex.ª requerimento sobre objetos já providenciados e executados, dando
suspeitas de querer somente comprometer os juízes de paz267.
Um ponto que provavelmente preocupou os presidentes foi a morosidade dos juízes
distritais de acatarem as suas ordens. No 1º distrito da Vila de São Bento, por exemplo, o
presidente Antônio Pedro da Costa teve que expedir mais de um ofício requerendo ao juiz o
envio de uma cópia autenticada da representação contra um reverendo do Convento do
Carmo268. Já em outros momentos, os magistrados simplesmente não cumpriam com as
ordens recebidas, tais como o recrutamento de cidadãos capacitados para reforçarem o
policiamento da província:
Inteirado de que V.S se atreveu a abster o recrutamento a que mandei proceder o
Comandante do Destacamento por minha ordem, como lhe tenho feito, limitando-me
por ora estranha este procedimento, como menos bem pensado e filha da irreflexão,
por expressar que outro igual não se repita, e ordeno-lhe pelo contrario que haja de
prestar todos os auxílios, que estiverem ao seu alcance ao referido Comandante, para
o bom resultado das diligencias interrompidas por culpa de V.S. e que nesta mesma
data mandei continuar269.
Inconvenientes desse tipo também ocorreram com o Corpo de Polícia Rural e
qualificação dos sujeitos alistados para atuarem nesta corporação. Foi praticamente um
consenso entre os presidentes em abordar a falta de organização dos corpos e indisciplina dos
soldados que faziam parte, cabendo ao juiz do distrito tomar as devidas providências para
aperfeiçoá-los, pois “pelo que diz respeito aos soldados da Polícia Rural que são reclamados
de péssimos costumes, no art. 8º da lei de 23 de abril de 1835, que similhante polícia criou,
achará V.S. a providencia que pede a este governo”270.
Conforme Vicente Camargo, essa situação seria um reflexo da falta de critério dos
magistrados na hora de escolherem quem iria compor a força do interior. Em seu ofício de nº
27, ele disse que tinha recebido informações de outros funcionários da Comarca de Caxias,
onde o juiz da vila do Urubu não empregou zelo suficiente para a seleção dos recrutados à
polícia rural.
Constando-me que não tem sido boa a escolha que V.S. tem feito dos indivíduos
para o policiamento rural deste distrito, como recomenda a lei de sua criação, espero
que V.S tenha muito em vista que tais indivíduos além de serem de bons
267 Ofício do juiz de paz José Raimundo da Rocha Araújo, do 3º distrito da Capital, em 22 de outubro de 1840.
In: Id. Caixa 542. 268 Id. Códice 471, ofício nº 10, em 11 de janeiro de 1836. 269 Ibid., ofício nº 56, em 15 de junho de 1838. 270 Ibid., ofício nº 16, em 20 de março de 1838.
149
procedimentos, gozem de sua confiança, pois não são pequenos mantos das
diligencias que de ordinário lhes são cometidos271.
O governante mostrou então a sua face fiscalizadora quanto ao trabalho irregular do
juiz, expondo que essa possível displicência na escolha dos componentes da polícia rural
poderia representar uma pedra no caminho nas suas amplas atribuições. Mas, além de
problemas disciplinares, os corpos de polícia rural passavam por dificuldades financeiras.
Como ficou decretado na lei que criou tais corporações, os pagamentos e gratificações dos
soldados seriam feitos através das rendas provinciais, e quando não fosse possível, as
Câmaras Municipais assumiriam tais despesas272. Porém, conforme o relato do presidente
Costa Ferreira, essas prerrogativas não eram cumpridas:
A Lei Provincial de 23 de Abril de 35, que autorizou a criação da Policia rural,
dividido em Secçõs Districtanas, não tem sido executada; por que as Camaras Municipais, que pelo preceito do Artigo 3º desta Lei, e do 24 do Orçamento
Provincial forão incumbidos de fornecer, meios para sua execução, tem representado
ao Governo, em resposta ás suas recommendações, que ellas não tem rendas, e que
os Cidadão dos seus. Termos não tem querido prestar as necessárias quantias para
assoldadar as pessoas, que devem policiar os seus Districtos.273
Isso mostra que, diante das “enérgicas representações dos Juízes de Paz”, os habitantes
do interior sofriam pela “frieza de patriotismo”274 de algumas instituições, pois tanto os cofres
municipais quanto os provinciais não possuíam verbas suficientes para manter estas
corporações, e provavelmente outras voltadas para o policiamento.
Retomando a questão do recrutamento e alistamento de sujeitos para trabalharem na
vigilância dos distritos, os mesmos cuidados dos juízes deveriam recair sobre a seleção dos
inspetores de quarteirões. Além de atuarem no sentido de vigiar e delatar a sua comunidade,
eles eram indivíduos que tinham um contato próximo com a vizinhança onde foram criados,
podendo ter relações que ultrapassassem a imparcialidade e se envolvendo em polêmicas. No
3º distrito do Icatú, em 22 de janeiro de 1836, por exemplo, ocorreu a fuga de prisioneiros,
271 Ibid., ofício nº 27, em 5 de abril de 1838. 272 Art. 3º - Cada hum dos soldados vencerá seis mil reis por mês, e ao comandantes oito, sendo todos pagos em quanto não houver rendas Provinciais suficientes, pelos cofres Municipais, e por folhas assignadas pelo Juiz de
Paz respectivo, a quem será entregue trimestralmente pelas Câmaras a importância das mesmas folhas para
realizar o pagamento perante o seu escrivão, e este lavrará em livro próprio uma verba da cada hum dos
pagamentos, que assignará com o Juiz de Paz, e soldado, ou outro por ele quando não saiba ler. Alem deste
soldo, o soldado ou comandante que prender hum escravo fugido receberá do senhor do escravo a gratificação de
dois mil reis, quando a prisão tiver sido feita em povoado, quando fora dele a de cinco mil reis, e quando em
quilombo dez mil réis, pagos estes prêmios antes da entrega do mesmo escravo. 273 MARANHÃO, 1836. 274 Idem.
150
que contaram com a ajuda do inspetor de quarteirão José Francisco Frazão275, cabendo ao juiz
desta jurisdição, Manoel José da Fonseca, investigar este inconveniente.
Mas, além disso, incidentes administrativos como esses poderiam comprometer a
própria governabilidade dos presidentes, em especial no que diz respeito aos seus planos para
o controle social e para a viabilização da ordem pública, pois estava claro que a interlocução
entre os poderes desses governantes e a população que circulava pelas freguesias e vilarejos
dependia diretamente da mediação feita pelos magistrados eleitos. Por isso, quando os
distritos se encontravam com sua tranquilidade fora dos padrões mínimos exigidos, logo os
juízes eram acionados:
O estado desgraçado em que se acha no seu Distrito a segurança individual, e de
propriedade segundo V.S. representa em officio de 20 de Dezembro próximo
passado é certamente deplorável e merecedor de toda atenção deste Governo, que
deseja remedia o quanto antes como lhe convier tão graves males tem já expedido as convenientes ordens [...]. Devo muito recomendar-lhe que aja de reunir todo o seu
zelo e autoridade afim de organizar e nesse Distrito a Secção de Polícia Rural que
lhe toca, porque mau dará a V.S. um grande recurso para remover os malfeitores e
os males que se acham expostos nesse lugar, ameaçando os Cidadãos pacíficos276.
Essa fala é reveladora, pois além de atestar o estado em que se encontrava o distrito, o
presidente assumia os poucos recursos que o magistrado tinha disponível para executar o seu
papel de controlador social. Esta falta de estrutura parece ser endêmica durante o período que
analisamos, pois encontramos inúmeros exemplos de casos em que os juízes pediam auxílios
ao executivo provincial, como o envio de destacamentos para colaborar com o combate de
malfeitores ou com a denúncia da falta de estruturas para punir e adequar os infratores quanto
à nova ordem desejada.
Esse é o caso do magistrado eleito, José Egyto Pereira da Silva, responsável pela vila
da Manga, que quando assumiu o cargo se preocupou em fazer uma sondagem desta região
para saber como se encontrava o estado dos aparatos repressivos disponíveis ali. Logo, ele
procurou o presidente para relatar a falta de tropas e policiais rurais, tornando-se quase
impossível fazer o policiamento desta região.
Cumpre o dever que tenho de Participar a V.Ex.ª que hoje tomei posse de juiz de paz do 1º Districto da Manga e pronto a executar pontualmente as minhas obrigações.
Tenho a pedir a V.Ex.ª, que me facilite meios com ums força militar Superior o que
prezentemente aqui existe, sem o qual o juiz que quiser ser restrito fico inteiramente
impossibilitado. Eu assevero a V.Ex.ª que a força Militar que esta Villa precisa e eu
requero não poder ser menos de 30 Pessoas razas e 1 oficial activo e de boa
275 Id. Códice 471, ofício nº 18, em 22 de janeiro de 1836. 276 Ibid., ofício nº 1, em 5 de janeiro de 1837.
151
confiança. Pode V.Ex.ª conciliar o Iguará como o Districto o mais perigoso, ele
serve de refugio aos malvados do Icatu277.
O mesmo fez o magistrado José Feliciano Cardozo, nos seus primeiros dias de
trabalho no 2º distrito do Itapecuru-Mirim. Ele questionava o presidente Camargo:
Como Senhor continuarei minhas funções se apenas são quatro [praças de Polícia
Rural] inclusive o Comandante? Número diminutíssimo e quase insuficiente para o
policiamento de um Distrito como este assaz e extenso e que compreende ambos os
lados do Rio [Itapecuru], sendo de mais a mais infeccionado pelos Índios
Selvagens278.
O juiz José Fernando Frazão, do distrito de Miritiba, também atestou que estava tendo
problemas com os índios ferozes, pedindo ao presidente que lhe enviasse uma força policial
com 15 praças, mas, para sua frustração, recebeu a seguinte resposta:
Não sendo possível estacionar em cada Districto um destacamento de 15 praças
como V.S. requisitou para o seu, unicamente o bem da polícia interna do mesmo,
visto não haver nesse lugar receito algum de agressão dos Índios Selvagens, compre
que V.S tome o seu maior cuidado a boa organização da Polícia Rural, cujos
soldados reunidos aos de 1º Linha que ai se acham do destacamento da villa do Icatú
poderão bem desempenhar o serviço policial do Districto279.
Não só os magistrados passavam por tais inconvenientes, mas os presidentes também,
pois com o baixo número de soldados, praças e policiais, eles tinham que ter a capacidade de
gerenciar da melhor forma possível os escassos recursos disponíveis. Neste exemplo acima, o
pedido do juiz foi recusado, pois, na percepção do presidente, os índios que por ali se
encontravam não representavam um problema tão grave ao ponto de ter que aumentar o
efetivo policial daquela região, sob o risco de prejudicar a distribuição para outros distritos,
vilas e freguesias em que os casos seriam mais urgentes.
Frustração semelhante teve o juiz de paz da vila de Santo Ignácio, Bazílio Antonio
Martins, no dia 19 de julho de 1833, quando pedia ao presidente Joaquim Vieira que lhe
concedesse uma ordenança militar “para o bom desempenho e pronta execução da justiça”.
Porém, ele teve como resposta um ofício recebido no dia 24 do mesmo mês, que negava o seu
pedido por causa do “estado actual da força da 1º linha”. Desta forma, por conta do contexto
277 Ofício do juiz de paz José Egyto Pereira da Silva, da vila da Manga, em 2 de agosto de 1838. In: Id.
Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1838). Caixa 541. Setor de Avulsos.
Arquivo Público do Estado do Maranhão. 278 Ofício do juiz de paz José Feliciano Cardozo, do 2º distrito do Itapecurú-Mirim, em 9 de janeiro de 1838. In:
Ibid. 279 Id. Códice 471, ofício nº 15, em 21 de fevereiro de 1837.
152
de escassez no policiamento, o magistrado foi levando a administração da justiça com
dificuldades, fazendo-o a apelar, mais uma vez, no dia 11 de novembro, a ajuda do presidente:
Lembro a V.E., [que] a dita ordenança por ser muito necessário por este juízo que
muitas vezes deixa de executar seus deveres pela demora que ha em requisitar ao
Comandante Militar auxilio dos soldados que se achão estacionados na fortaleza
desta villa280.
Para combater essa falta de soldados, os presidentes recorriam ao alistamento e
recrutamento de novos membros. Como o principal espaço para a apresentação e debates dos
projetos dos presidentes, após o Ato Adicional, foi a Assembleia Provincial, eles levaram
essas necessidades para serem apreciadas pelos deputados. Em alguns casos, encontramos os
presidentes afirmando aos juízes que levariam tais problemas à Assembleia, como foi a
resposta dada ao juiz da vila da Chapada:
Em resposta tenho a dizer-lhe que por ora não poder ter lugar a remessa do
destacamento da 1º linha que pede [...], atento a falta que presentemente há nesta
Capital, que mal chega para o indispensável serviço das guarnições, mas havendo bem fundados as esperanças que a força policial seja aumentada pela Assembleia
Provincial para então aguardo da satisfação do que requisitar281.
Porém, diante das necessidades urgentes, os trâmites burocráticos do poder legislativo
poderiam levar muito tempo até que fosse elaborada uma legislação específica para essa causa
ou não. Assim, os presidentes colocavam a responsabilidade de aquisição de novos membros
para os aparatos de policiamento nos juízes distritais, através de “circulares de recrutamento”
como este:
Aos Juízes de Paz da Cidade
Tendo todos os Juízes de Paz da Província encarregados de fazer o recrutamento
necessário para o preenchimento do 4º Batalhão de Caçadores de 1º Linha, e sendo
de esperar que os juízes de fora da Cidade remetão recrutas suficientes para
preencher o dito Batalhão282.
Nesse processo de recrutamento, os presidentes criticavam constantemente os
magistrados leigos, geralmente por causa da demora no envio dos recrutas. Muitas vezes,
quando isso acontecia, os juízes se defendiam apontando fatores externos que não os
280 Ofício do juiz de paz Bazílio Antonio Martins, da vila de Santo Ignácio, em 21 de abril de 1833. In: Id.
Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 530. Setor de Avulsos.
Arquivo Público do Estado do Maranhão. 281 Id. Códice 471, ofício nº 35, em 28 de abril de 1838. 282 Id. Códice 468, ofício nº 112, em 19 de setembro de 1834.
153
permitiam fazê-lo de imediato. O magistrado do 5º distrito da Capital, por exemplo, alegou
que estava ocupado com o processo eleitoral e com o combate do grande número de
criminosos desta região283. Caso semelhante aconteceu também na Freguesia da Conceição,
na Capital, onde o juiz suplente, Antônio Gomes Claro, levou a culpa de não ter feito a
remessa dos recrutas, sendo que esta seria a tarefa de seu antecessor:
Cumpre-me responder que no dia 6 de Novembro tomei posse do cargo de Juiz de
Paz Suplente, e o juiz que me antecedeu não me remeteo tal oficio [cobrando
recrutamento], o que provo pelo Documento junto, logo não me pertence a censura
que V.E. me faz em seu officio, e sim aquelle que não cumpriu284.
Vemos nesses exemplos que, além da sobrecarga de trabalho de alguns juízes, eles se
viam dentro de um espaço administrativo que dependia de outros agentes, onde a falta ou
atraso de algum deles poderia acarretar em um desequilíbrio na cadeia produtiva das
instituições. Para além deste aspecto, um fator importante que atrasava os recrutamentos foi a
repulsa da população, muitas vezes fugindo do local de sua moradia durante o período do
“pega”. Tal quadro levou o presidente Francisco Bibiano de Castro a emitir um ofício para o
Ministro da Justiça, afirmando que:
[...] grande é a aversão que tem a população desta Província ao serviço Militar, de
qualquer natureza que seja ele, aversão que foi apadrinhado pelo extinto Conselho
Geral de Província, o qual representou à Assembleia e Governo Geraes, contra os
exercícios periódicos dos Corpos [...] esta repugnância em nada diminuiu, antes
cresceu sensivelmente285.
E, continuando o presidente, para aqueles que ocupavam as fileiras das instituições de
policiamento, faltavam-lhes disciplina e ilustração necessária para seguirem ordens de seus
superiores. Este foi mais um obstáculo pelo qual os magistrados eleitos passavam. Na vila da
Manga, o juiz de paz Joaquim José Frazão informou ao presidente Bibiano de Castro que
tinha mandado processar e julgar, na forma da lei, o Comandante senhor João Pedro de
Araújo, pois ele se queixava de sofrer “insultos, desleixos, arbitrariedades e insubordinações
do Comandante do Destacamento”286. Assim também se expressou o magistrado distrital José
Jerônimo de Araújo Ferreira, destacando a indisciplina e insubordinação do Corpo de Polícia
Rural que era responsável:
283 Ofício do juiz de paz Fernando Jorge de Miranda, do 5º distrito da Capital, em 31 de setembro de 1833. In:
Id., Caixa 530. 284 Ofício do juiz de paz José Antonio de Lemos, do 4º distrito da Capital, em 2 de janeiro de 1833. In: Ibid. 285 Id. Códice 419, 13 de novembro de 1837, ofício nº 23. 286 Ofício do juiz de paz Joaquim José Frazão, da vila da Manga, em 3 de abril de 1837. In: Id, Caixa 540.
154
Participo a V.Ex.ª, que por impedimento do atual juiz de paz, passou a
administração da mesma justiça por me competir, achando eu um grande desleixo
nas guardas Rurais, e já a Freguesia quase coberta de maus costumes, e ocorrendo
por ela negros fugidos por conta desses agouro dos guardas, vendo eu corrigi-lo por
meio da Justiça não avançava tanto como demiti-lo o que logo passei a fazer pondo
outro Comandante, outros soldados e não podendo ser este Comandante legalmente
aprovado sem a mister informação do qual espero em V.Ex.ª lhe dê o cumprimento
devido287.
Tais medidas mostram a preocupação de alguns juízes em garantir um estado mínimo
de disciplina e ordem dos oficiais que atuavam em sua jurisdição. Contudo, para isso, eles se
utilizavam de seus poderes legais destinados à disciplinarização e punição dos infratores. Em
um local em que o baixo efetivo policial não colaborava, no sentido de manter a ordem social
da população contraventora, ter oficiais que não tinham senso de disciplina e de respeito às
autoridades superiores significaria colocar em risco as suas administrações. Para contornar tal
situação, em alguns casos os presidentes autorizavam a substituição dos destacamentos, como
o que aconteceu em 18 de dezembro de 1838, quando o mesmo juiz de paz José Jerônimo
pediu que fizesse a substituição do destacamento de sua vila, porque a má disciplina dos seus
componentes estava atrapalhando o policiamento em sua jurisdição288.
Parece que esses casos de insubordinação e indisciplina eram comuns nos relatos dos
presidentes e presentes nas suas pautas de reivindicações. Nos relatórios enviados à
Assembleia Provincial, eles deixavam expostos este cenário. Sobre a Guarda Nacional, por
exemplo, imperava a visão negativa sobre a instituição, pois era frequentemente acometido
pelo discurso da falta: “falta de disciplina e subordinação, de organização, de armamentos e
fardamentos”289. O mesmo podemos falar do Corpo de Polícia Rural, como já abordamos
anteriormente, e até dos marinheiros que por aqui atuavam, que se envolviam em diversos
casos de desordem e até de assassinatos. Este quadro fazia com que os presidentes, além de
tentarem aprovar legislações específicas para contornar tal estado de indisciplina, recorressem
aos juízes distritais para procederem com a captura e prisões de marinheiros, praças,
inspetores de quarteirões, militares e quaisquer outros agentes que saíssem dos ordenamentos
estabelecidos pelas leis290.
287 Ofício do juiz de paz José Jerônimo de Araújo Ferreira, do 3º distrito de Alcântara, em 27 de julho de 1838. In: Id, Caixa 541. 288 Id. Códice 471, ofício n 15º, em 23 de março de 1838. 289 SERRA JÚNIOR, p. 54. 290 Vale ressaltar que no período estudado, a única instituição que recebia elogios dos presidentes era o Corpo de
Polícia do Maranhão. Criado em 1836, a partir da Lei provincial nº 21 de 17 de junho, ele era administrado a
partir da Capital, para onde eram enviados destacamentos aos demais municípios, quando necessários. Os
policiais seguiam uma rígida disciplina militar, chegando a ser considerado uma espécie de exército provincial
(FARIA, 2007). Em seu relatório, João Antônio de Miranda propôs aos deputados maranhenses que este corpo
substituísse a malfadada Guarda Nacional.
155
O presidente Costa Ferreira recebeu informações da vila do Rosário, onde o soldado
José Pereira do Nascimento tinha desertado do Quartel do Campo de Ourique. Pediu então
que o juiz de paz daquele local, juntamente com o juiz do 1º distrito de Itapecuru-Mirim, lhe
enviasse um ofício291 contendo informações, como nome, filiação, idade e o Corpo em que o
deserto estava alocado, para que o foragido fosse preso.
Durante a administração de Bibiano também ocorreram casos semelhantes, como os
exemplos dos soldados Gripino José da Cruz292 e Joaquim Raimundo Marques293, que
fugiram da Capital, restando aos juízes do 1º distrito da Capital e da vila da Santa Helena
capturarem respectivamente os foragidos. Mas, além desses casos de fugas, ocorriam
denúncias dos magistrados sobre abusos de autoridades militares, como o caso do Tenente
Diego Taylor. Representando Joaquim Pedro e João Almeida do Figueiredo, o juiz Joaquim
Manoel da Penha mandou indiciar o 1º Tenente da Armada Imperial, que estando a bordo do
Cutter na vila do Minim, espancava quase que diariamente as vítimas queixantes.
No dia 29 para o dia 30 do mez de maio próximo pretérito pela meia noite pouco
mais ou menos descendo os queixosos da Cachoeira do Minim, foram chamados
abordo do Cutterde Registro, que é comandado pelo delinquente, e ai sem motivo
algum foram espancados pelo Comandante com pancadas, que rezultaram as contusões e mais ofensas constantes do Corpo de Delicto. Cometeu assim o
delinquente o sobredito crime de violência a pretexto de exercer as funções do seu
emprego conforme o Art. 145ºdo Código Criminal acompanhado das circunstâncias
agravantes no Art. 16 §1 e 6 do mesmo Código, e dele foram testemunhas Isaac
Espaz de Miranda, José Antônio de Castro, João Francisco Coelho, Aleixo José dos
Santos e Ricardo Antônio Pinheiro294.
Esses acontecimentos aviltavam não só as corporações, mas também o próprio
trabalho dos presidentes e dos juízes na hora de tomarem providências para viabilizar a
tranquilidade pública. Igualmente, os problemas estruturais em certas instituições ganhavam
novas proporções, no sentido de que as outras atividades eram afetadas pela indisciplina e
arbitrariedade daqueles que faziam parte das instituições repressoras. O mesmo problema é
possível identificar nas cadeias da província.
A falta de segurança e as péssimas estruturas das cadeias eram um dos principais
problemas que preocupavam os juízes, pois isso geralmente abria brechas para as fugas de
291 Id. Códice 469, ofício nº 235, em 14 de novembro de 1835. 292 Id., ofício nº 10, em 15 de janeiro de 1837. 293 Ibid., ofício nº 17, em 23 de fevereiro de 1837. 294 Ofício do juiz de paz Joaquim Manoel Penha, da vila do Brejo, em 1 de julho de 1840. In: Id. Caixa 542.
156
detentos. Antônio Ribeiro de Matos, juiz do 2º distrito do Icatú, relatou295, por exemplo, que
negros capturados, criminosos e desertores se juntavam com outros presos para tramar planos
de fuga. E isso somado com o desleixo do Comandante do Destacamento, responsável por
aquela região, e dos sentinelas de plantão, fizeram com que eles conseguissem arrombar a
cadeia.
Os poucos números de cadeias existentes na província também eram um fator que
gerava uma intensa transferência de prisioneiros entre as regiões, pois quando um
determinado distrito não possuía locais adequados para manter os prisioneiros, ou
simplesmente não existiam prisões, o juiz de paz tinha que remeter os prisioneiros para algum
local que fosse possível proceder com o encarceramento. Foi o que aconteceu com Vicente
Pereira e Francisco da Silva, criminosos apreendidos pelo magistrado José Francisco Frazão,
no 3º distrito de Icatu, onde foram transferidos para o 1º distrito para serem julgados e
processado. Contudo, o juiz receptor José Mario Lima escreveu ao presidente que “como a
cadeia desta villa não tem segurança, os mesmos [criminoso] tentaram fazer um
arrombamento para fugirem”296.
Essa falta de segurança, de cadeias e de pessoas qualificadas para vigiarem os
prisioneiros tornavam as prisões da Capital os principais pontos de envio dos presos. São
diversos casos em que os magistrados responsáveis julgavam necessário o envio de seus
contraventores para São Luís, como podemos observar na medida tomada pelo juiz da vila de
Alcântara, Antônio Raimundo de Sá. Ao efetuar a apreensão de criminosos no dia 23 de
março de 1834, ele enviou um ofício para o vice-presidente Antônio José Quim, afirmando
que a cadeia existente em sua jurisdição não era segura, sendo então necessário que estes
contraventores fossem encaminhados para a Capital. Porém, havia outro problema: o distrito
não tinha barcos para fazer o transporte dos prisioneiros. Ele concluiu o ofício dizendo:
Não desejando afrouxar o desempenho de minhas funções e obrigações, estando a
cada momento obstáculos pela falta de meios precisos para a expedição da justiça e
policia, rogo a V. Ex.ª que a bem do sossego e segurança desta villa, faça que se
efetue a remessa de dinheiro votado pelo Exmº Conselho para as obras públicas da
villa, pois agora não deverá ter pretexto que dava-se de não permitirem os cofres por
estar nosso estado financeiro em atitude assaz lisonjeiros, e que manda reforçar o
Destacamento desta villa, que tem apenas dois Soldados com mais 4 de 1º Linha, e
295 Ofício do juiz de paz Antônio Ribeiro de Matos, do 2º distrito do Icatú, em 5 de junho de 1837. In: Id.
Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1837). Caixa 540. Setor de Avulsos.
Arquivo Público do Estado do Maranhão. 296 Ofício do juiz de paz José Mario Lima, do 1º distrito do Icatú, em 8 de abril de 1837. In: Ibid.
157
quando isso não possa ter lugar ao menos se me envie uma ordenança para eu com
mais presteza poder promover as diligencias d’este cargo297.
Então, o juiz, além de atestar os problemas relacionados às cadeias, apresentava os
problemas que a maioria dos magistrados eletivos passava em suas administrações. Vale
ressaltar que estas eram apenas denúncias e constatações que partiram deles, mas também dos
presidentes, mostrando que estavam a par da situação, levando as constantes reclamações para
as sessões da Assembleia Provincial. Antônio Pedro, por exemplo, afirmava aos deputados
que, naquela reunião do dia 3 de maio, não poderia dar melhores informações sobre as
prisões, pois em toda a província, até mesmo na Capital, elas continuavam com os mesmos
problemas já levantados pelos seus antecessores, “sem segurança de modo que não á muito se
evadirão de uma dellas criminozos de primeira classe, e alguns condenads pelo Jury a pena
capital”298.
As propostas lançadas pelos governantes eram em relação às reformas das cadeias e à
construção de novas em pontos estratégicos da província. Porém, outro problema agravante
era que, mesmo já tendo iniciadas as reformas ou construções, as empreiteiras demoravam na
conclusão das obras. Como expôs Bibiano:
A casa de correcção vai continuando com muito vagar, pela razão que vereis no
documento numero 1. A Cadeia Publica desta Cidade ainda senão acabou de reparar,
bem que nisso se trabalhe há cousa de cinco annos, e o motivo não é outro, senão o defeito dos contractos de arrematação; por quando só depois de concluídos os
primeiros reparos contractados é que se conhece que uma só ordem de grades de
ferro nas portas e janellas não offerecia a necessária segurança, faz-se pois um novo
contracto para remediar esta falta299.
Parece que os contratos com os empreiteiros realmente era algo sintomático para essas
reformas, pois os presidentes davam um significativo destaque a eles, já que, mesmo após a
celebração dos contratos e os envios das verbas, eles não entregavam as obras no prazo
previsto. Nestes termos, o presidente Manoel Felizardo chamava a atenção dos deputados:
Sinto em diser-vos que a desharmonia ocorrida entre os empreiteiros da casa de correcção tem dificultado o acabamento da mesma, vindo d’esta arte á retardar se o
momento [...] transformando as prisões em hospícios moraes [...]. Entretanto tendo
já expirado o praso marcado para a conclusão da obra, pela condição 3º do contracto
celebrado entre os empreiteiros, e o Governo, encarreguei ao Inspector do Thesouro
297 Juiz de paz Antonio Franco de Sá, da vila de Alcântara, em 23 de março de 1834. In: Id. Correspondências
dos juízes de paz com os presidentes da província (1834). Caixa 534. Setor de Avulsos. Arquivo Público do
Estado do Maranhão. 298 Id., 1836. 299 Id., 1837.
158
Publico Provincial de fazer effectiva pelos meios competentes a multa, em que os
referidos se achão em curso300.
Mediante tal cenário de falta de policiais e soldados, indisciplina dos agentes,
problemas com a qualidade e a quantidade das cadeias, os trabalhos dos magistrados nos
distritos passavam por obstáculos que, muitas vezes, eles não tinham como superá-los através
de suas atribuições. Por esse motivo, dependiam dos presidentes para que fossem realizadas as
devidas melhorias, permitindo uma maior eficiência da administração da justiça.
Reconhecendo este quadro de desestruturação das instituições, Costa Ferreira apelou aos
deputados que eles focassem suas atenções no combate daqueles desajustados com a ordem
provincial.
Uma vez quase unisoma clama de todas as Comarcas, de todos os Termos, e
Districto que a impunidade ainda alenta os malfeitores, e criminozos, por não haver força policial que os prenda, cadeias que os guardem, e juízes que os sentenciem. O
Governo impelido por tão justos queixumes pede em nome de toda Provincia a
vossa attenção para estes trez objectos, e de vossa solicitude espera promptos
providências quanto [ilegível] dois primeiros por caberem [ilegível] circulo de
vossas attribuições301.
Contudo, mesmo percebendo que havia diversos obstáculos a serem superados, os
presidentes, ainda assim, consideravam os juízes de paz como um dos principais estorvos do
sistema judiciário, impedindo a manutenção da tranquilidade pública neste período, deixando
prevalecer em seus discursos os aspectos negativos sobre quem ocupava o cargo, como os
conflitos de jurisdição, o não seguimento das suas ordens e os desleixos para com as suas
atribuições, independente dos motivos que estes juízes apresentavam.
3.3.2 As representações sobre a magistratura leiga nos relatos dos presidentes e a lei das
prefeituras
Era consenso entre os presidentes, ao analisar a justiça maranhense, frisar o péssimo
estado deste ramo da administração pública. Palavras como as de Antônio de Miranda
simplificam muito bem o que os demais governantes relatavam nas sessões da Assembleia
Provincial:
Si a administração da Justiça já se achava reduzida á estado deplorável, como em
todas as partes do Império, porque ella se ressente de vícios e imperfeições, contra
300 Id., 1839, p. 52. 301 Id., 1836.
159
que somente se pode achar allivio no lento progresso da civilização, e nos
melhoramentos, de que só é capaz uma reforma circunspecta.302
Aqui, ele já acena para a existência de problemas que acometeria não só o Maranhão,
mas o Brasil como um todo, a fim de mostrar que era necessária uma ampla reforma no
sistema judiciário. As principais críticas dos governantes recaem principalmente sobre as
instituições representantes do liberalismo e do poder local, previstas na Constituição de 1824:
o Juizado de Paz e o Tribunal de Jurados. Ambos são tratados enquanto símbolos do atraso,
pois graças a eles “a Administração da Justiça oferece em quase toda a Província o aspecto
mais lamentável”303. Os juízes de paz, por exemplo, eram frequentemente descritos como
pessoas faltosas diante das suas obrigações e abusadores de seus poderes, enquanto os corpos
de jurados poucas vezes se reuniam e muitas vezes absolviam os criminosos. Esta:
falta de Juizes e Tribunaes, bem como de prizões seguras, cuja falta se experimente
em quase todos os pontos da Província, é a mutiplicidade de vadios e malfeitores,
que não já individualmente mas numerosas cabildas tem infestado vários lugares
[...], onde tem commettido roubos, devastações e assassinatos.304
As análises que faremos a partir desse ponto serão direcionadas especificamente para
as percepções dos chefes do executivo provincial acerca dos magistrados leigos, pois foi a
interação entre esses dois poderes que nos propomos estudar. Mas, como algumas das
atribuições desses juízes estavam vinculadas ao Tribunal do Júri, é certo mostrarmos que a
composição desta instituição estava sujeita ao seu crivo, pois, como determinava o Código de
1832, eles deveriam analisar a situação de cada sujeito e observar se, além de serem aptos a
participarem das eleições, eles eram pessoas idôneas. Só a partir de então é que seriam
formadas as listas de jurados, cabendo ao juiz do distrito, juntamente com um pároco ou um
capelão e o presidente da Câmara dos Vereadores (ou um vereador substituto), escolher quem
seriam os mais adequados a comporem as mesmas. Alguns presidentes colocavam sob
questão a eficácia deste método de seleção, pois afirmavam que nem sempre eram escolhidas
as pessoas de melhor caráter e determinadas a passarem pelos ócios do ofício. Isto resultaria
diretamente na impunidade dos criminosos, já que ou os jurados poderiam estar em conluio
com os acusados ou temeriam uma provável vingança destes, tendo em vista que, muitas
vezes, ambos compartilhavam o mesmo espaço social como moradia, onde os componentes
do júri poderiam ser reconhecidos pelos transgressores e sofrer represálias. Para Vicente
302 Id., 1841, p. 26 303 Id.,1837, p. 16. 304 Idem.
160
Camargo, o problema estava diretamente relacionado às condições sociais das pessoas que
chegavam a fazer parte do Tribunal, pois, movido por uma percepção de que os pobres livres
não tinham atingido um patamar de civilidade desejável, ele afirmava que só:
quando o Jury se compozer das pessoas mais opulentas, e mais ilustradas da
Provincia, se não hade prostituir aos empenhos, e despresará as ameaças dos
criminoso: alem disso, mais concio, de que se não deve furtar aos encargos da
Sociedade, fará os maiores sacrifícios para exercer as funcções de tão sublime
Magistratura305.
Um aspecto bastante criticado sobre os juízes de paz foi quanto a elaboração dos
mapas estatísticos. Como já abordamos anteriormente, a produção desses mapas sobre a
população era de suma importância, pois a partir deles seriam dadas as divisões e
redimensionamentos dos distritos, dos termos e das comarcas mais adequadas. Além disso,
serviam de base para que fossem feitas as melhores distribuições da força policial e
possibilitavam a identificação de quem estava apto ao recrutamento e se havia a circulação de
pessoas indesejadas em determinadas áreas. Como declarou o presidente Camargo, “ninguém
haverá que deixe de reconhecer a necessidade de uma Estatística, para esclarecimento do
Governo Geral e Província, e coadjuvação de muitos dos seus actos”. Porém, na mesma fala,
ele alega que em sua gestão, assim como nas anteriores, “nenhum ramo da Administração
existe em maior atraso na Província”306. Antônio de Miranda também expôs a importância das
estatísticas, acentuando a sua relação com os mapas dos crimes, pois os mesmos ajudariam os
governantes:
á considerar os delinquentes em todas as suas relações e affeições possíveis, afim de podermos nas lições da experiência, nos factos incontrastáveis da vida humana,
descobrir as bases reaes, que devam servir aos cálculos do legislador, e da
administração, sendo um dos mais concludentes dados para avaliarmos o grau de
moralidade e civilização de um povo307.
Como estava na ordem do dia o controle social e a adequação da população provincial
a uma ordem civilizada, a produção desses dados era de grande relevância para o
direcionamento de políticas específicas. Sendo assim, eram necessárias que estas estatísticas
fossem produzidas com informações precisas e entregues com o mínimo de atraso, sendo
também importante a atuação de funcionários eficientes e comprometidos, uma vez que tal
atividade “demanda[va] de tantos factos, e por conseguintes indagações tão minuciosas, tão
305 Id., 1838, p. 18. 306 Ibid., p. 31. 307 Id., 1841, p. 28.
161
conscienciosos exames, tantos conhecimentos”308. Na avaliação dos governantes, tal
empreitada era inviabilizada por conta do grau de civilização das instituições e dedicação dos
seus agentes, que não conseguiam adquirir e lançar informações completas sobre a população
que vivia no vasto território no Maranhão, “com a necessária classificação de condição, cor,
idade, sexo, estado e profissão”309.
Ficando os juízes de paz os responsáveis pela coleta de dados sobre a população,
território e crimes, os problemas ocorridos com a elaboração e aquisição das estatísticas eram
tidos como resultado da irresponsabilidade desses magistrados, pois:
poucos, ou nenhum dos Juizes de Paz cumprem com a disposição da Lei, que lhes incumbem o alistamento da população [...]. Seja qual for a causa da omissão dos
Empregados [...] mencionados, a consequência d’ella tem sido falecerem matérias
para se formar a Estatística dos Crimes, e da População de Provincia310.
Aproveitando o momento da sessão da Assembleia, Vicente Camargo afirmou que se
os deputados criassem uma legislação oficializando as prefeituras, seria possível a obtenção
de dados precisos sobre a população, com a devida regularidade, pois os juízes dos distritos
teriam agora uma entidade fiscalizadora que cobraria deles os respectivos dados necessários.
Foi apenas em 1841, no relatório de Antônio de Miranda, que finalmente foi apresentado o
primeiro mapa estatístico da população da província, mas, ele ressaltou que isto não foi graças
às instituições competentes, e sim pelo “Cidadão Manoel Jozé de Medeiros”. Ou seja, a
inaptidão dos magistrados com o seu serviço levou o governo a procurar ajuda de terceiros
para produzir o mapeamento dos cidadãos, dos crimes e criminosos, e dos processos julgados
pelos júris na província, mesmo “não sendo possível assegurar a exactidão do mappa”311
As seleções problemáticas de jurados, a falta de listagem da população, a não
fiscalização da entrada, a saída de indivíduos nos distritos, a falta de controle com o
mapeamento dos crimes ocorridos em suas jurisdições, entre outros fatores levantados,
inviabilizavam a implantação de políticas específicas direcionadas à tranquilidade pública e à
civilização da população. No que concerne ao policiamento, o presidente Camargo afirmou
que havia naquelas instituições uma má organização delas, não permitindo a existência de
uma unidade em seus procedimentos e nem um centro administrativo “que coopere com o
Governo, fazendo chegar a força executiva aos pontos mais remotos da Província”312. Tal
308 Id., 1839, p. 46. 309 Ibid., p.47. 310 Id. 1838, p. 31. 311 Id. 1841, p. 37. 312 Id., 1838, p. 14.
162
situação seria por conta da vinculação e dependência da polícia a três agentes judiciários: os
juízes de direito e chefes de polícia, os juízes municipais e os juízes de paz.
Dentre esses, apenas os juízes de comarcas eram apontados pelos governantes como
pessoas que pregavam as diligências necessárias para se executar as suas funções, já aos
juízes de paz pesavam-lhes críticas e adjetivações como “desleixados” e “incompetentes”,
pois estavam “acobertados com a jurisprudência absurda”313, o que não lhes deixava recair
nenhum tipo de multa ou punição. Diante destes agentes, os corpos de policiamento viam suas
atividades afetadas, e bandidos e criminosos se beneficiavam do “patronato escandaloso”,
praticado por esses juízes “covardes e prevaricadores”314. Asseverava-se também a estes a
responsabilidade do não cumprimento da lei provincial nº 21 de 17 de junho de 1836, que
criava o Corpo de Polícia. A lei previa que este corpo deveria possuir uma força total de 412
praças, mas, graças aos magistrados, esse número até o presente momento era de 315, pois
eles facilmente concediam numerosas escusas para os cidadãos recrutáveis. Apresentando tal
visão acerca dos magistrados eleitos, o presidente alertava a Assembleia Provincial sobre os
problemas causados por eles com as seguintes palavras:
Senhores, é impossível que deixeis de conhecer todos os excessos cometidos pelos
Juizes de Paz. Abri a sua historia, e vereis cada pagina manchada com os factos os
mais monstruosos, filhos da ignorância, e da maldade, um luxo de arbitrariedade, e
perseguição contra os bons, inaudita proteção aos maus, e porfiada guerra ás
Authoridades315.
Diante dos inconvenientes dos juízes de paz, os governantes apresentavam diferentes
propostas para o aperfeiçoamento do sistema judiciário no Maranhão, as quais se baseavam na
redução dos poderes dessa magistratura através de alterações no Código do Processo de 1832.
É desta forma que Costa Ferreira propôs melhorias para a administração da justiça, sondando
“alguns defeitos da mesma Lei Geral”, como o não pagamento de ordenados para os juízes de
paz, promotores públicos, juízes municipais e juízes de órfãos. A remuneração destes
funcionários seria importante para que fosse “compensando o trabalho, comprometimento, e
odiosidades de suas funções”316. Quanto à Bibiano, ele concorda com o seu antecessor,
reafirmando a necessidade de remuneração dos magistrados distritais, pois eles eram:
sujeitos falidos de doutrina, que o Estado não lhes pagar ordenado algum que os
compense dos prejuisos que devem necessariamente soffrer com o abandono dos
313 Ibid., p. 17. 314 Ibid., p. 18. 315 Ibid., p. 19. 316 Id., 1836.
163
seus estabelecimentos e profissões, e finalmente e que no exercicio dos seus cargos
não encontram as mais das veses senão excessivos trabalhos e gravíssimos
comprometimento317.
Complementando as suas sugestões, o presidente destacou a necessidade de
implementação de mudanças a nível provincial, pois os seus efeitos seriam mais rápidos. Ele
lançou então a ideia de reduzir o número de juízes eleitos e de seus respectivos distritos (que
até aquele momento eram 64), e conclamou os deputados a encaminharem representações à
Assembleia Geral, enumerando os males que acometeram a justiça na província, para que se
conseguisse a simplificação das atribuições desses magistrados. No mesmo sentido foi
transmitido o discurso de Antônio de Miranda, que afirmava que:
a maior parte das autoridades judiciais não cumprem seus deveres, [...] ou por
desleixo e falta de zelo, ou por motivo da vontade de terceiros; a justiça não priside
á maior parte da decisões, ou por ignorância dos Juízes, ou por defeito dos
processos, ou pela sciencia da impunidade [...] o Governo quase nunca recebe as
informações necessárias sobre a perpetração dos delictos, ou as colhe sempre
defeituosas318.
Sob tais alegações, ele convidou os membros da Assembleia a “dar maior publicidade
às nossas queixas e levar a constancia progressiva dos nossos flagelos ao conhecimento da
Nação e de seus Representantes”319. Para isso, os deputados deveriam tomar o seu discurso
como base, para exigirem as reformas necessárias.
Como essa reforma seria algo que demandaria maiores debates e esforços para a
aprovação na Assembleia Geral, os governantes defendiam mudanças em nível provincial,
sendo a principal delas a lei que criaria as prefeituras. Foi durante o governo de Vicente
Camargo que houve uma forte exaltação e apelo por esta proposta. O presidente já tinha
experiência com a referida lei, pois ele havia sido vice-presidente em Pernambuco quando foi
colocada em prática tal cargo. Além disso, ao elaborar o seu discurso de defesa desta nova
instituição, ele tomou como base a legislação que foi aprovada ali e na Paraíba, onde foi
reformada a justiça destas províncias através da regulamentação e reordenamento dos poderes
dos juízes. Nas suas críticas à magistratura de paz, ele afirmava que suas funções policiais,
assim como a chefia de polícia dos juízes de direito, a inspeção das escolas, a qualificação do
corpo de jurados, a execução das sentenças criminais e os corpos de delitos deveriam recair
nas mãos dos prefeitos.
317 Id., 1837. 318 Id., 41, p. 27. 319 Idem.
164
A creação de um só Agente, em cujas mãos se acumulem as funções Policiais de
uma Comarca, bem como os Prefeitos da Provincia de Pernambuco, e da Paraiba, no meo modo de pensar, faria desaparecer todos estes inconvenientes320.
Dessa forma, o policiamento das comarcas deveria ser função dos prefeitos,
utilizando-se das Guardas Nacionais e do Corpo Policial para isso. Já os cidadãos, “que por
falta de rendimento não podem ser Guardas Nacionaes”321, ficariam submetidos aos poderes
dos subprefeitos. Ambos os cargos seriam de nomeação exclusiva dos presidentes, o que
significava afirmar que o executivo provincial centralizaria em torno de si as atividades de
policiamento provincial. Ele concluiu esta ideia dizendo que:
é de mais a mais necessário na minha opinião, que os Juizes de Paz não só
depositem em as mãos dos Prefeitos, se os creades, suas funções policiaes, [...]
ficando então suprimida toda a sua jurisdição, que não for pertencente á
conciliações, eleições e julgamento de causas cíveis athé a quantia de cincoenta mil
reis322.
Em outras palavras, esses juízes deveriam ter as mesmas competências adquiridas com
a lei de 15 de outubro de 1827. Complementando as suas propostas, ele destacou que o
número de magistrados de paz deveria ser reduzido ao mesmo número de freguesias e apenas
uma pessoa deveria ser eleita para trabalhar durante o período de quatro anos, assim como era
antes do Código de 1832. Sobre a eletividade dos juízes, Camargo não via com bons olhos a
participação popular no seu processo de seleção, pois “enquanto a nomeação do Juiz de Paz
depender de eleição popular, o espírito de facção elevará a este tão importante Cargo, á par do
homem de bem, o ignorante, o torpe, e o acelerado”323.
Como esses magistrados eram pessoas próximas do convívio do seu eleitorado, o
presidente entendia que havia uma brecha para se desenvolver relações clientelísticas,
distanciando a administração dos padrões de política moderna que preservava a
impessoalidade e o exercício de tais atividades públicas para o bem coletivo, caindo numa
dinâmica de trocas de favores. Estas palavras serviam, também, como forma de justificar a
nomeação dos prefeitos pelos presidentes, uma vez que eles, supostamente, seriam sujeitos
com níveis de esclarecimento adequados e conhecedores das necessidades e realidade da
província. Assim, ele questionou os deputados:
320 Id., 1838, p. 14. 321 Ibid., p. 15. 322 Ibid., p. 19. 323 Idem.
165
será justo que os nosso julgamentos dependão do arbítrio de um Juiz que obedecerá
sempre caprichos, que presidio á sua nomeação? Arrancai-lhes, pois, Senhores, para nossa segurança, e para a boa administração da justiça, essas atribuições, que tem
feito tantos males ao Brazil; arrancai, mesmo, para rehabilitar uma Magistratura
creada, debaixo de tão belos auspícios, pela nossa Lei fundamental324.
Percebemos então o mal-estar sentido pelos presidentes diante do Código do Processo
Criminal e da Justiça de Paz. O que se deve ressaltar de curioso nessas críticas é que elas não
são exclusivas dos governantes que assumiram durante o regresso conservador. Se fizéssemos
uma relação direta entre o momento político nacional e os discursos dos presidentes, essas
representações negativas deveriam aparecer a partir do governo de Vicente Camargo, o
primeiro governante a ocupar o cargo no Maranhão após a eleição de Araújo Lima enquanto
regente, em 1837 – marcando o retorno da ala conservadora no controle da Regência.
Contudo, mesmo quando os liberais moderados estavam na direção do governo central, já
existiam posições contrárias ao Código e às demais instituições representantes dos poderes
municipais, o que nos leva a atentar para o fato de que, na visão da elite dirigente do país, a
autonomia política concedida às províncias deveria atingir apenas o âmbito regional e não o
municipal/paroquial.
A respeito das discussões das leis das prefeituras, estes debates já apareciam nas
reuniões da Assembleia Geral desde 1827, onde se tinha como proposta o estabelecimento de
uma centralização política através de uma autoridade municipal forte e independente,
vinculada ao executivo provincial. Os deputados Diogo Antônio Feijó e Nicolau Pereira de
Campos Vergueiro, por exemplo, defendiam projetos sobre a administração municipal,
visando a criação de “delegados do presidente”, que seriam agentes independentes nos
municípios. Não sendo aprovadas, essas propostas emergiam novamente nos debates acerca
da reforma constitucional, durante a década de 1830, passando pela aprovação da Câmara dos
Deputados, mas não do Senado325. Mesmo sendo reprovadas enquanto Lei Geral, as
prefeituras se tornaram realidades em algumas províncias, como foi o caso de São Paulo,
Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Ceará, Alagoas e Maranhão326, tendo em vista que o Ato
Adicional concedeu às Assembleias Provinciais a capacidade de legislar sobre os empregos
públicos e a polícia municipal – mas não atentando para o que estava posto no Código de
Processo, conduzindo assim as mudanças na estrutura judiciária.
324 Idem. 325 DOLHNIKOFF, 2005. 326 FLORY, 1986.
166
A ideia da criação desses novos cargos na província também foi algo que já vinha
sendo discutido na Assembleia Provincial antes do governo de Vicente Camargo, quando, na
sessão de 1836, o deputado Manoel Gomes da Silva Belfort havia proposto o projeto de lei nº
13, que criava “um lugar na Capital de Prefeito bem como cada uma das villas da
Província”327, já marcando quais seriam as suas atribuições, como o de exercer o controle
sobre a polícia municipal e a fiscalização das atribuições da justiça. Já nas sessões presididas
por Camargo, o número de adeptos às prefeituras aumentou, pois juntamente com Belfort, os
deputados Antônio de Aguiar da Silva e Francisco Sotero dos Reis, por exemplo, também
apresentavam seus projetos sobre a organização do serviço policial, as novas divisões
judiciárias e a criação das prefeituras328.
Em 26 de junho de 1838, foi aprovada a lei nº 79, que oficializava no Maranhão os
cargos de prefeitos e seus secretários, subprefeitos e comissários de polícia. Através destes
cargos, cada um teve como jurisdição as comarcas, os termos e os distritos, respectivamente.
Em paralelo com o que ficaria estabelecido no Código do Processo, cada um desses agentes
dividiria espaço com os juízes de direito, juízes municipais e juízes de paz.
Os prefeitos eram nomeados pelo próprio presidente, devendo ser pessoas qualificadas
para o desempenho das atividades que lhes seriam destinadas, assim como os subprefeitos.
Estes últimos, por sua vez, eram indicados pelos prefeitos dentre “os cidadãos que tenham
necessário idoneidade”329. Para os comissários, seguia-se a mesma lógica, já que os
subprefeitos indicariam os nomes para os prefeitos, servindo ao posto por dois anos. Ficou
claro o fortalecimento dos presidentes e o centralismo político que se instaurou no Maranhão,
pois eles tinham o controle da nomeação de pessoas afinadas às suas necessidades e à visão de
governo.
Isso era mais evidente quando se tratava da demissão de alguém desses cargos, pois,
como já afirmamos nas nossas primeiras páginas, o governo central tinha o controle da
nomeação dos presidentes, sendo eles pessoas oriundas de regiões distintas daquelas em que
eles trabalhavam, enquanto os seus vices seriam homens da própria província. Nesse sentido,
a lei dos prefeitos determinou que, em caso da demissão de algum dos novos agentes, apenas
o presidente poderia proceder com tal conduta. Se o vice-presidente quisesse deliberar contra
alguém, ele dependeria da autorização da Assembleia Provincial. Este obstáculo, posto para
327 MARANHÃO, Índice dos Anais da Assembleia Provincial do Maranhão (1835-1841). Setor de Códices.
Arquivo Público do Estado do Maranhão, Sessão em 1836. 328 Ibid., Sessão em 1838. 329 Lei de 26 de junho de 1838, art. 3º. In: Id., Collecção das leis, decretos e resoluções da província do
Maranhão. Setor de Códices. Arquivo Público do Estado do Maranhão, 1847.
167
os vices, seria uma estratégia para garantir que os prefeitos fossem realmente pessoas ligadas
ao presidente.
Quanto às atividades empreendidas por cada agente, essencialmente deveriam vigiar e
reportar qualquer fato relevante em sua jurisdição para seu superior imediato.
Especificamente aos prefeitos, eles teriam que garantir o cumprimento das leis e decretos
provinciais e gerais, fazendo com que as ordens dos governantes fossem acatadas pela
população. Deveriam também fiscalizar a arrecadação das rendas provinciais, exigir das
autoridades das comarcas as informações necessárias para a execução das leis e proceder com
os recrutamentos. Porém, a implicação de maior impacto na estrutura judiciária foi a
transferência de grande parte dos poderes policiais dos magistrados distritais para os prefeitos,
como a prisão de contraventores na forma da lei, o procedimento com os corpos de delitos e a
formação da culpa, o término de qualquer quilombo ou ajuntamento que representasse perigo,
a custódia de bêbados e o combate dos malfeitores, além da chefia de policiais, que antes era
dos juízes de direito.
Os poderes dos prefeitos ganharam maiores destaques por conta das honrarias que o
cargo trazia, sendo as mesmas dos Coronéis, enquanto os subprefeitos teriam as honrarias dos
Tenentes Coronéis, e os secretários e comissários dos Capitães. Dessa forma, os prefeitos
tinham uma proeminência política em relação às demais autoridades locais, inclusive os juízes
de paz. E, como afirma Regina Faria:
Para não empanar o brilho que o governo queria dar aos prefeitos e subprefeitos ou
para não emaranhar novamente as funções policiais, que aquele presidente declarara
querer concentrar num único agente, todos os integrantes da nova estrutura ficavam
isentos de ocupar outro emprego ou cargo público. E nenhum juiz de direito,
municipal ou de paz poderia acumular as funções de prefeito ou subprefeito330.
Quanto à experiência das prefeituras no Maranhão, deve-se destacar que os seus
funcionários passaram pelos mesmos apertos e embaraços dos juízes de paz, principalmente
no que diz respeito à falta de estrutura para a execução de suas funções e acusações de
arbitrariedades. Em um período marcado pela eclosão da Balaiada, o uso de uma força
policial competente e bem equipada era essencial para o combate da massa anárquica. Porém,
não é este o cenário encontrado pelo prefeito de Caixas, João Paulo Dias Carneiro, que relatou
ao presidente a existência de uma tropa de paisanos comandada por Raymundo Gomes, que
tinha tomado a cadeia e o quartel daquela vila, soltando criminosos e cercando a casa do
330 FARIA, 2007, p. 81.
168
comissário que ali residia, “dizendo querer sustentar a Constituição”331. Segundo o prefeito,
isto só aconteceu por causa da falta de tropas suficientes, armas para auxiliá-lo no combate
desses malfeitores e cadeias seguras.
A indisciplina e as fugas de soldados retardavam ainda mais as atribuições dos novos
agentes policiais. O prefeito da comarca de Brejo, Severêno Alves de Carvalho, em 30 de
setembro de 1838, notificou ao presidente Camargo que soldados insubordináveis entraram
em conluio com outros do destacamento que lhes foram enviados, resultando na fuga de seis
deles, sendo que um desistiu. Diante de tal acontecimento, o prefeito afirmou que era preciso
assentar mais cinquenta praças em sua comarca, pois “tem havido em toda ela grande número
de assassenios”332. Meses depois, em 12 de dezembro, ele reportou ao presidente que um dos
fugitivos, Vicente Ferreira, foi encontrado vendendo armas, que antes eram do destacamento,
para os rebeldes da Balaiada. Assim, além de enfrentarem a escassez de recursos e a
indisciplina dos membros da força policial, eles viam os soldados colaborando com os
“anarquistas”, tornando ainda mais problemática a possibilidade de manutenção da ordem
pelos prefeitos em tempos de guerra civil. Diante de tal estado de precariedade, o prefeito
disse para o presidente:
Tenho feito a V.Exª. por diferentes vezes as criticas cerconstancias em que axo por falta de número suficiente de tropa, e ainda agora torno a ponderar a mesma
necessidade de tropa: o crime continúa em progreço; os cremenozos e malfeitores
como a porfia não sessão de pôrem em pratica suas malvadezas; e o mais é que com
o maior escândalo andão publicamente a face da justiça, sem que esta possa fazer
nada333.
Os anos de prefeitura se destacaram também por conflitos que envolviam os juízes de
paz, quando geralmente esses magistrados os acusavam de arbitrariedades diante da
população, sobretudo por conta dos poderes que lhes foram instituídos. Os casos mais
conhecidos, e com maior aparição nas documentações pesquisadas, estão relacionados com as
práticas de recrutamento irregular e truculenta dos prefeitos.
Observando ocorrências como essas, o juiz de paz da vila de Viana, Raymundo José
Duarte, acusou o subprefeito da vila do Rosário, Raimundo Pedro da Silva, de recrutar
ilegalmente um cidadão, “que não estava no caso de ser”334, para fazer parte da Guarda
331 Ofício do Prefeito de Caxias ao Presidente da Província, João Paulo Dias Carneiro, s/d. In: Id, Caixa 541. 332 Ofício do Prefeito da Comarca do Brejo ao Presidente da Província, em 30 de setembro de 1838. In:
ARAÚJO, Maria Raimunda. (Org.). Documentos para a história da Balaiada. São Luís: Edições
FUNCMA/APEM, 2001. p. 23. 333 Ibid., p. 31. 334 Id. Códice 471, 20 de maio de 1841, ofício Nº 33.
169
Nacional. No mesmo ofício, o magistrado descreveu um caso protagonizado pelo prefeito
daquela comarca, José Joaquim da Silva, acusando-o de ter dissolvido o conselho de jurados
sem apresentar um motivo justificável, levando os componentes do júri a protestarem e a
pedirem que fossem ouvidos pelo presidente. Percebe-se aqui que, além de sentirem o peso do
poder dos prefeitos, a população ainda via a magistratura eletiva como um meio de se fazer
representar politicamente e de combater o despotismo dos prefeitos.
Não se dando por satisfeito, o juiz abriu um processo contra o referido prefeito,
encaminhando para o presidente Antônio de Miranda. Mas, para a surpresa do magistrado, o
presidente lhe enviou uma resposta anulando o seu processo e lhe impondo a suspensão de
suas atividades, afirmando que a sua atitude tinha sido irregular. Logo, a partir de agora eles
iriam “cesar inúmeros abusos que se cometiam até agora só para efeito de alcançar um juizado
de paz coerente, bem como os atos irregulares e escandalosos que muitos acobertão pelo
manto de uma quase inviolabilidade [ilegível] de sua impunidade”335. Nós não tivemos acesso
ao referido processo, o que inviabilizou a obtenção de uma resposta mais adequada, porém o
que transparece neste caso é, ainda, a desconfiança do presidente para com a magistratura de
paz e uma tendência em defender os seus novos agentes policiais.
Outra queixa levantada contra um prefeito foi quando o juiz da vila do Brejo, José
Thomaz Henrique, acusou a demolição indevida de uma casa336. Representando os interesses
da proprietária, dona Ignácia Maria do Rosário, o magistrado informou ao presidente Luís
Alves de Lima que o Tenente Francisco de Assis, a mando do prefeito daquela comarca,
procedeu com a derrubada da casa da dita mulher, sem que lhe fossem apresentados motivos
justificáveis. Na tentativa de obter alguma explicação, o juiz afirmou que o Tenente não
respeitou a sua autoridade, afirmando que ele estaria subordinado apenas ao prefeito daquela
jurisdição.
O abuso de autoridade também pode ser visto em relação ao tratamento com escravos.
No termo de Itapecuru-Mirim, o magistrado distrital Joaquim Antonio Cardozo relatou a
desobediência de um escravo, chamado Manoel. O subprefeito daquela região mandou
conduzi-lo ao pelourinho para que fosse castigado, mas, como afirmou o juiz, a execução se
deu de forma excessiva. Quando tentou interromper, foi questionado pelo prefeito “com que
autoridade tinha mandado interromper aquele castigo que só a ele pertencia como Chefe de
Polícia”337.
335 Ibid., nº 44, s/d. 336 Ofício do juiz de paz José Thomaz Henrique, da vila do Brejo, s/d. In: Id. Caixa 542. 337 Ofício do juiz de paz Joaquim Antonio Cardozo, do termo do Itapecuru-Mirim, s/d. In: Ibid.
170
Com esses e outros exemplos podemos afirmar que o convívio entre esses dois
poderes não se deu de forma tranquila, pois eram frequentes as acusações feitas pelos juízes
dos distritos, como espancamento indevido de escravos, prisão de cidadãos sem provas
relevantes, falta de capacidade em garantir a segurança individual das regiões e até usurpação
de propriedade. Além disso, esta lei não só piorou a situação de vida daquela população mais
pobre das vilas maranhenses, como também significou um retrocesso quanto ao formato de
representação política inaugurado pela magistratura de paz e expressada pela eleição. Essa
perda de espaço na participação política resultou no ápice do descontentamento da população
contra o governo maranhense, levando à deflagração da Balaiada.
As sucessivas tentativas de redistribuição de competências mexeram como jogo de
poderes entre localidade/província, e desorganizaram o cotidiano da sociedade,
causando muitas insatisfações. A Lei das Prefeituras no Maranhão foi um momento
clímax desse processo de reordenamento, e, ao mesmo tempo, um ponto de saturação, a partir do qual, os conflitos irromperam num movimento armado contra
o governo provincial338.
No quadro de reordenamento político, os prefeitos representaram para o executivo
provincial um contrapeso favorável na balança dos poderes, podendo então ter um maior
controle das localidades, uma vez que os presidentes conseguiam extrapolar as limitações
impostas pelo avanço liberal e submetiam as municipalidades aos seus poderes. Esta
estratégia de obter um executivo forte nas mãos dos governantes foi duramente recriminada
por publicitas, como João Francisco Lisboa. Crítico feroz do governo de Vicente Camargo, o
ex-deputado provincial chegou a comemorar a saída deste presidente em seu jornal, dizendo
que “está[va] finalmente demitido o sr. Camargo; o seu sucessor, o sr. Manuel Felizardo de
Sousa e Melo, tomou posse do governo desta província [...]. Que bens ou que males se
esperam desta mudança?”339.
Da mesma forma que os juízes de paz, a impressa liberal da época não via com bons
olhos a nova instituição. João Francisco Lisboa, por exemplo, teceu diversas críticas sobre as
prefeituras no Crônicas Maranhenses, por conta das arbitrariedades cometidas por aqueles
que faziam parte desta instituição, tais como o recrutamento forçado, prisões ilegais, uso da
força policial para maltratar os cidadãos e escravos. Na sua percepção, “eis o que tem
produzido as prefeituras: aparece uma desordem, em consequências de suas prepotências, os
338 IAMASHITA, p. 145. 339 LISBOA, João Francisco. Crônica maranhense. Rio de Janeiro: Francisco Alves; Brasília: INL, 1969. 2 v.,
p. 39.
171
sediciosos e o seu chefe devassam livremente e de mão armada o território da província”340.
Em outro momento, ele afirmou que com as prefeituras “restaurou-se o absolutismo puro”341.
Lisboa denunciou também a inconstitucionalidade dessa lei, dizendo que ela ia de
encontro com o Ato Adicional, pois não estava previsto que o legislativo provincial pudesse
criar agentes para o poder executivo e nem alterar o que estava expresso na “lei geral”, como
a retirada dos poderes dos juízes de paz estabelecidos pelo Código de 1832:
A lei é evidentemente contrária ao ato adicional [...]. A faculdade de criar e suprir
empregos municipais e provinciais concedida às assembleias provinciais pelo § 7º
do art. 10 do ato adicional somente diz respeito ao número dos empregos, sem
alteração da sua natureza e atribuições, quando forem estabelecidos por leis gerais,
relativas a objetos, sobre os quais mão podem legislar as referidas assembleias342.
Estevão Rafael de Carvalho, editor de O Bemtivi, ex-deputado geral e provincial, e
liberal exaltado, utilizou-se também de seus impressos para criticar o rumo da regência e a
criação dos novos cargos. Nas primeiras edições publicadas, ele se preocupou em fazer uma
análise da situação em que se encontrava a província, destacando os pontos motivadores,
explicando como o Maranhão descambou na lei das prefeituras. O seu jornal foi utilizado
como forma de alertar a população sobre o que estava ocorrendo nos bastidores políticos e o
que significava na prática a efetivação desta lei no cotidiano da população343. Afirmou ainda
que, a partir de então, a liberdade da população desapareceria, pois o prefeito:
[...] pode de tudo quanto podiam os antigos comandantes gerais; mais tudo quanto
podiam os antigos capitães mores; pode mais fazer o recrutamento como, quando, e
onde quiser; pode obrigar a todo e qualquer serviço que lhe parecer a qualquer
cidadão, e prendê-lo no caso de recusa; pode tanto quanto podiam os juízes de paz;
pode mais que o vice-presidente da província: tudo isto reunido pode! Ninguém tem
recursos contra um prefeito! Se ele mandar prender, recrutar, desterrar etc. a um
cidadão, está feito porque nenhuma outra autoridade pode desfazer os seus atos. O único castigo, que essa bárbara e malvada lei lhe dá, é o de ser suspenso pelo
presidente da província; mas não pelo vice-presidente quando servir344.
Para Carvalho, a lei das prefeituras refletiu a tendência centralizadora e conservadora
da regência de Araújo Lima, através do fortalecimento do executivo provincial. Devido às
críticas direcionadas às prefeituras e à direção conservadora do Maranhão, o publicita chegou
340 Ibid., p. 25 341 Ibid., p. 3. 342 LISBOA, 1969, p. 18 343 SOUSA, Lucimar Carvalho. Os Pasquins em São Luís na primeira metade do século XIX. Monografia
(Pós-Graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, São Luís, 2006. 344 CARVALHO, apud. FARIA, 2007, p. 84.
172
a ser apontado como o responsável pelo início da Balaiada, uma vez que as ideias defendidas
por ele coincidiam com as reivindicações dos rebeldes.
Enquanto isso, na gestão de Antônio de Miranda, as impressões sobre a instauração
das prefeituras eram bem positivas. Segundo ele, graças a esta lei é que se pôde ter uma
melhoria nas estatísticas. Diante dos problemas de exatidão dos dados, ele afirmou que só
uma autoridade de pulso firme e caprichoso é que poderia efetivar as devidas correções. Por
isso, ele ordenou aos subprefeitos para que “não só tratassem de alcançar os esclarecimentos
altinentes naquele ponto, mas ainda coligissem as devidas informações, pelos quaes podessem
avaliar as instrucções, produtos da indústria, riqueza, extensão e particularidades dos
distritos”345.
Já Manuel Felizardo mostrou que o subprefeito de Codó estava aplicando todas as suas
diligências e exercendo um ótimo comando das forças policiais, conseguindo banir os negros
quilombolas que ameaçavam as fazendas de pessoas abastardas. Quanto ao controle dos
revoltosos, disse que os prefeitos maranhenses, juntamente com os do Piauí, vinham
trabalhando mutuamente para aniquilar qualquer rastro de desordem causado pelos rebeldes.
Por isso, quando chegou a analisar a administração da justiça, apontou que os mapas dos
crimes tinham apresentado uma considerável redução das ocorrências de contravenções e do
número de malfeitores, justamente por causa do recrutamento de policiais mais zelosos, pois
os prefeitos estavam aperfeiçoando os seus métodos de seleção.
Percebemos então que nos relatos acerca das atividades das prefeituras, produzidas
pelos presidentes, o Maranhão estava superando os problemas herdados pelo modelo
judiciário anterior. Porém, estas apreciações se invertiam quando outras autoridades, como os
juízes de paz e a imprensa, lançavam seus olhares sobre esta instituição, não estando assim
muito distantes daquelas apresentadas pelos presidentes sobre os magistrados leigos.
Enfim, na tentativa de garantir a tranquilidade pública e de instaurar uma ordem
civilizada na população, os presidentes se viam diante de uma relação de interdependência
com os magistrados leigos, pois o exercício efetivo do seu poder perante a população
dependia destes. Enquanto isso, os magistrados, ao se posicionarem dentro de uma cadeia
hierárquica inferior em relação aos governantes, foram estigmatizados pelos governantes, seja
porque muitas vezes não estavam no trilho das decisões emanadas por eles, seja pela falta de
estrutura administrativa e policial para se realizar as suas atribuições, o que, de uma forma ou
de outra, inviabilizou a implementação efetiva das políticas idealizadas pelos presidentes.
345 MARANHÃO, 1841, p. 40.
173
Assim, a prefeitura foi tomada como um meio eficiente de superação dos problemas da
administração da justiça, o que nos leva a repensar as próprias representações levantadas por
estes presidentes acerca da justiça de paz, ficando sobressalente a tendência desses delegados
régios em retirar a autonomia das municipalidades, submetendo-a à tutela do poder regional,
ou seja, com a supervisão dos seus próprios poderes.
Mas, em conjunto com tais questões, essa nova instituição trouxe um forte impacto
não só nas relações de poder do jogo político na província (onde as elites locais tinham, até
então, os meios mais eficazes para acomodar seus interesses privados no espaço público), mas
também na participação política da população mais pobre. A figura do juiz de paz significou
para grande parte da sociedade um meio de se fazer ouvir suas queixas diárias e de busca por
justiça social, porém, com as prefeituras, esta gente simplesmente viu ser extirpado um dos
seus principais canais de representação política por ela eleita, para ficarem a mercê das
vontades dos prefeitos, nomeados pelo presidente em nome da ordem e do bem-estar social.
174
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas primeiras décadas do século XIX, o Brasil foi marcado por um conturbado cenário
político, em especial quando atentamos para o fato de que, neste momento, o país esteve em
pleno processo de reafirmação de seus pressupostos políticos, quando a valorização de ideias
liberais e constitucionalistas resultou na aproximação dos moldes dos Estados modernos
europeus. Esta transição não foi nada simples, tendo em vista as dificuldades do governo
central em preservar a unidade territorial, manter o equilíbrio entre os poderes políticos e
adequar a população a uma nova ordem institucional e civilizatória.
Tomou-se então como questão qual seria o ordenamento administrativo capaz de
viabilizar este novo Estado. Foi consenso entre a maioria dos legisladores da Corte que o
centralismo político, em torno da figura do Imperador, seria o melhor caminho para a
preservação da unidade nacional. Contudo, o governo central teve que considerar a existência
de diferentes elites políticas, que possuíam as suas bases de poder consolidadas nas províncias
e que almejavam seu quinhão nesta nova configuração política, assim como a necessidade de
criar novos meios de representação da população mais pobre, através de instituições públicas.
Diante de tais necessidades, abriram-se os primeiros debates na Assembleia
Constituinte, em 1823, onde foi proposta a criação da presidência de província. Este cargo
seria ocupado por pessoas nomeadas diretamente pelo governo central, que atuariam nas
diferentes regiões do país, fazendo a interlocução entre o centro e as províncias, e
introduzindo ali os programas políticos estabelecidos pelo governo central. Ao mesmo tempo,
levariam para o plano da Corte as vozes reivindicadoras das elites regionais e locais. Contudo,
a Assembleia já sinalizava a concessão de poderes políticos para as províncias, através, por
exemplo, da instituição dos Conselhos Presidiais, colocando os presidentes em atuação
conjunta com os conselheiros da província.
Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do país, trazendo consigo os reflexos e
resultados desses debates, estabelecendo quatro poderes distintos (legislativo, executivo,
judiciário e moderador) e propondo a criação de novas instituições que funcionariam
enquanto espaços de participação política desses grupos reivindicadores, tais como o
Conselho Geral de Província, o Tribunal do Júri e o Juizado de Paz. Porém, tais medidas não
foram suficientes para acalmar os ânimos políticos, permanecendo os embates sobre o grau de
poder que cada esfera administrativa deveria ter. Emergiram, assim, grupos defensores de
modelos administrativos distintos, passando pelo conservadorismo reformador e pela ala
liberal moderada e exaltada. Cada um defendia níveis de autonomia política provincial e
175
municipal distintos, sobretudo em relação ao poder central. Diante deste cenário, os delegados
régios se mostravam como pedra de equilíbrio na balança dos poderes central, provincial e
municipal.
Passando por tempos de avanço liberal, pacto federalista e regresso conservador, os
presidentes atuaram fiscalizando as instituições públicas – e, consequentemente, os poderes
por elas representadas –, para que elas estivessem em sintonia com a agenda política do
governo central. Quanto à população, durante a Regência, a ação desses governantes se
tornava mais delicada, pois foi durante esses anos que eclodiram diversos movimentos sociais
que questionavam a legitimidade do Estado e o desenho institucional que os funcionários do
Império concediam ao país. Desta forma, eles tinham que adequar a população residente em
seu local de atuação à nova ordem constitucional, o que André Slemian chamou de “império
das leis”, moldando-os dentro de um padrão de civilidade e moralidade para viabilizar o
almejado ordenamento social.
No bojo desse processo de modernização política, ocorreram transformações
substanciais no sistema judiciário. Em tempos de Antigo Regime, quando a figura do rei se
confundia com o próprio Estado, o monarca era visto enquanto árbitro supremo da justiça. Na
colônia portuguesa prevalecia a confusão de atribuições entre os agentes do município, o que
tornava a justiça seletiva, lenta e ineficiente.
Atendendo à necessidade de superação desse atraso, a Constituição de 1824 garantiu a
independência do poder judiciário, porém manteve sob a tutela do Imperador as nomeações de
alguns magistrados, como era o caso dos juízes de direito e dos juízes municipais. Mesmo
diante dessa tendência centralizadora, a Carta previu a criação de duas novas instituições de
cunho liberal, as quais ampliavam não só a independência do judiciário, como também
aumentava a participação política da população: o Tribunal de Jurados e a Justiça de Paz.
Quanto aos juízes de paz, eles se diferenciavam dos demais magistrados do Império
por serem eleitos diretamente pela população votante e pelo diploma de Direito, que não era
um pré-requisito para a ocupação do cargo. Porém, além dessas características, com o
desenrolar do jogo político imperial, esses magistrados se tornaram gradativamente as
maiores autoridades dos distritos, sob a égide do discurso de independência e aproximação da
justiça com a população. Previstos primeiramente enquanto agentes conciliadores, outras
legislações, em especial o Código do Processo Criminal de 1832, firmaram novas atribuições
aos juízes de paz, tornando-os verdadeiros “juízes policiais”, o que no cenário político
nacional representou o fortalecimento do localismo e da autonomia política na esfera
municipal.
176
A atuação desses juízes no Maranhão significou para a população mais carente (seja
pobre livre, escrava, liberta ou indígena) um canal de representatividade política, pois através
dele podia-se levar as queixas e os conflitos cotidianos até os presidentes, a fim de cobrarem
maiores esforços públicos para se fazer justiça social. Entretanto, ao mesmo tempo, esses
magistrados, com seus amplos poderes, produziram uma relação conflituosa entre o executivo
provincial e o judiciário distrital.
Como os presidentes tinham o dever de fazer vigorar as leis emanadas pelo governo
central e de estabelecer o ordenamento social, eles se utilizavam do arcabouço institucional
público, que, por sua vez, deveriam agir de forma eficiente e conforme as leis que os
regulavam. Por isso, nas sessões da Assembleia Provincial, eles prezavam não só pelo bom
funcionamento dessas instituições, mas pela utilização das mesmas na adequação da
população mais pobre a um ideal de civilidade, seja através de meios disciplinadores e
moralizadores, seja através da vigilância e coerção. Neste momento, os magistrados leigos
foram peças fundamentais para a atividade dos governantes, pois como as suas principais
atribuições estavam relacionadas ao policiamento e vigilância dos distritos, a interlocução
entre a massa desajustada e o exercício efetivo do poder dos presidentes dependiam deles.
Durantes a Regência, esses juízes se tornaram alvos de críticas dos presidentes, sendo
questionados desde a sua competência, para exercerem tamanhas funções, até a sua
idoneidade e caráter. Um fato curioso que foi evidente no Maranhão é que,
independentemente das condições estruturais para o exercício das atribuições dos juízes, os
governantes da província se mostravam uníssonos ao tecerem críticas ao modelo de
administração de justiça implantada pelo Código de 1832. O enfoque era dado para a
incapacidade dos magistrados eletivos em garantir a ordem dos distritos e em atrapalhar as
demais instituições a eles vinculadas. Por isso, em seus relatórios e discursos elaborados aos
deputados provinciais, eles frequentemente representavam tais juízes enquanto faltosos, sem
compromisso com o Estado, prevaricadores e falidos de moral.
Aqui abrimos um espaço para relativizar a análise da historiografia tradicional, que
colocou sobre os juízes de paz o símbolo do localismo do desmando político nos distritos.
Tanto este magistrado quanto os juízes de direito, prefeitos, membros da Guarda Nacional e
da Assembleia Provincial ou demais agentes públicos, se encontravam dentro de uma rede de
poderes políticos, possuíam os instrumentos públicos de poder que lhes colocavam em
posição privilegiada para exercer o seu cargo de forma pessoal, na intenção de costurar novas
negociações e conquistar benefícios pessoais.
177
Para a nossa interpretação, entendemos que as representações lançadas pelos
governantes estavam vinculadas principalmente a um conflito entre seus poderes com os dos
magistrados leigos, e não necessariamente a uma questão de falta de preparo dos juízes.
Porém, refletindo a tendência centralizadora dos anos finais da década de 1830, foi aprovada a
lei das prefeituras, através da qual o executivo provincial teve seus poderes fortalecidos. Nesta
nova lei, os cargos criados (prefeitos, subprefeitos e comissários de polícias) estavam
vinculados à autoridade dos presidentes do Maranhão, pois eram nomeados por eles ou a
partir de sua supervisão.
Como resultado imediato, esses novos agentes incorporaram os poderes policiais dos
juízes de paz. Mas outros efeitos no plano administrativo foram possíveis de serem
percebidos, pois nos relatos da imprensa liberal da época e dos próprios juízes distritais
constatamos posturas arbitrárias dos prefeitos e subprefeitos, mostrando-se incapazes de
combater a rebeldia popular e manter a ordem na província. Além disso, colocavam as massas
sob a prática de recrutamentos forçados e irregulares. Em suma, os prefeitos e subprefeitos
estavam marcados na memória coletiva e na imprensa pela mesma imagem constituída pelos
presidentes sobre os juízes leigos.
Independentemente desses relatos, o que os presidentes manifestaram em suas falas e
discursos foi o melhoramento não só da justiça, mas da segurança e ordenamento social do
Maranhão. Isto nos leva a afirmar que as críticas ao modelo de justiça, implantado com o
Código do Processo e as defesas de sua reforma, revelou a tendência dos presidentes em
empreender um “pacto federalista” que se sustentasse na ideia de autonomia da esfera
regional, colocando, em contrapartida, o âmbito municipal/paroquial sob a supervisão e
controle dos poderes provinciais, o que inclui os seus próprios poderes.
178
REFERÊNCIAS
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190
APÊNDICE
191
APÊNDICE A: Mapas da população de alguns distritos, emitidos pelos juízes de paz aos presidentes da província
Mapas da população do 3º Distrito do Termo de Icatú, Comarca do Itapecurú em o anno de 1837
ANNOS DE
IDADE
BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS
LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
De 1 a 5 20 31 130 101 3 9 13 16 35 42 400
De 5 a 14 35 33 142 122 9 11 6 5 52 46 461
De 14 a 25 18 20 78 113 13 12 5 9 40 50 358
De 25 a 50 48 37 150 161 6 9 10 8 111 105 645
De 50 para
cima 12 14 48 30 2 1 4 2 11 7 131
Povoação de São José do Priá. 3º Distrito de Paz, 29 de abril de 1837
Mapa da população do 2º Distrito da Vila da Manga, Comarca do Itapecurú Mirim em o anno de 1837
ANNOS DE
IDADE
BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS
LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
De 1 a 5 46 45 242 252 21 20 20 29 37 39 763
De 5 a 14 89 70 294 289 46 49 28 24 50 39 978
De 14 a 25 60 62 3016 411 97 111 107 119 103 112 4192
De 25 a 50 140 144 305 344 104 99 198 147 225 199 905
De 50 para
cima 12 14 104 89 55 61 24 29 38 51 477
Povoação de Chapadinha, 15 de julho de 1837
192
Mapa da população do 2º Distrito do Termo da Comarca da Cidade de Alcantara em o anno de 1837
ANNOS DE
IDADE
BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS
LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
De 1 a 5 21 19 21 13 25 21 18 11 30 27 216
De 5 a 14 25 23 16 11 16 14 11 10 45 38 209
De 14 a 25 20 27 21 16 17 11 33 35 62 55 297
De 25 a 50 41 38 11 19 18 42 31 46 153 112 511
De 50 para
cima 8 11 6 10 7 9 12 6 31 21 121
Carvalho 2º Distrito do Termo da Cidade de Alcântara, aos 11 de maio de 1837
Mapa da população do 4º Distrito do Termo da Comarca da Cidade de Alcântara em o anno de 1837
ANNOS DE
IDADE
BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS
LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
De 1 a 5 32 37 24 19 14 15 6 7 42 40 236
De 5 a 14 43 30 23 14 20 11 7 11 61 44 264
De 14 a 25 29 33 48 37 45 48 7 14 101 78 350
De 25 a 50 63 53 32 28 14 8 12 10 85 70 376
De 50 para
cima 22 17 4 12 4 3 9 17 40 30 158
193
Mapa da população do 2º Distrito da Villa e Termo o Icatú, Comarca do Itapecuru Mirim em o anno de 1837
ANNOS DE
IDADE
BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS
LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
De 1 a 5 45 67 67 46 6 4 3 4 32 31 305
De 5 a 14 70 59 93 64 11 7 8 8 37 44 411
De 14 a 25 53 70 58 62 5 7 6 12 65 79 417
De 25 a 50 92 71 83 95 2 4 15 17 154 154 667
De 50 para
cima 20 21 18 22 2 5 6 6 45 33 178
Mapa da população do 1º Distrito da Villa do Icatú, Comarca do Itapecuru Mirim em o anno de 1837
ANNOS DE
IDADE
BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS
LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
De 1 a 5 50 51 131 102 8 4 13 8 25 32 424
De 5 a 14 50 47 129 105 7 14 17 10 66 42 487
De 14 a 25 59 46 112 123 9 8 11 14 66 49 477
De 25 a 50 90 61 96 158 13 8 22 18 113 95 664
De 50 para
cima 21 20 42 48 5 8 14 7 23 9 197
Vila do Icatú em 19 de abril de 1837
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