UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
ANE CAROLINE SILVA SOBRAL
O TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA SÁUDE: a relação teoria e prática
NATAL- RN
2017
ANE CAROLINE SILVA SOBRAL
O TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA SÁUDE: a relação teoria e prática
Monografia apresentada ao curso de Serviço
Social da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito para obtenção do
título de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Daniela Neves de Sousa
NATAL- RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Sobral, Ane Caroline Silva.
O trabalho de assistentes sociais na saúde: a relação teoria e prática / Ane
Caroline Silva Sobral. - Natal, RN, 2017.
48 f.
Orientadora: Profa. Dra. Daniela Neves de Souza.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de
Serviço Social.
1. Serviço social - Monografia. 2. Assistentes sociais - Saúde - Monografia. 3.
Teoria e Prática - Monografia. I. Souza, Daniela Neves de. II. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364:61
ANE CAROLINE SILVA SOBRAL
O TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA SÁUDE: a relação teoria e prática
Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço
Social.
Aprovada em 28 /06/2017
Dedico esta conquista e o fim deste ciclo a todos os meus
familiares, em especial, meu pai e minha mãe, assim como aos
meus amigos, sem os quais nada disso teria sido concretizado.
AGRADECIMENTOS
Enfim chegamos a reta final tão esperada, por incrível que pareça passou
muito rápido, ainda mais quando me recordo das primeiras palavras ditas pela
professora Regina após perguntar o motivo da escolha do curso, uma vez que não
havia sido minha primeira opção de escolha, eu não tinha ideia do que se tratava o
curso e como ela bem afirmou: “ você vai terminar o curso e vai se apaixonar por
ele”. São essas as palavras que sempre me vem a mente quando penso em desistir,
quando penso nas dificuldades e quando penso em que posso contribuir para
acrescentar profissionalmente a nossa categoria.
Eu acho um muito obrigada insuficiente para agradecer a todos que cruzaram o meu
caminho nesses 4 anos, ao meu bom Deus tem minha gratidão infinita por toda a
sustentação, por todo acolhimento e por toda proteção, creio com toda a certeza que
ele quem me trouxe até aqui, principalmente nessa reta final, de tanta angustia,
superação e medo.
Sobre a minha família, nada que eu escreva vai poder medir a minha
gratidão! São eles que sempre me apoiam em tudo, me ajudam quando já estou
exausta, seja com uma palavra de carinho, com um beijo ou com apenas o silêncio.
A eles devo tudo o que sou hoje, meus pais meu muito obrigada de coração! Vocês
são meus exemplos de coragem e determinação essa conquista é pra vocês mainha
e painho. Aline e Carlinhos muito obrigada pela paciência, pela compreensão de me
deixar no meu cantinho, muito obrigada por todo o amor, vocês foram essenciais
nesse percurso todo, os amo demais. Dedico essa minha monografia também a
minha avó Lucy, na qual me acolheu tão bem durante a minha graduação, me deu o
suporte necessário com muito amor e carinho, muito obrigada minha avó. Aos meus
avós maternos falecidos, saibam que vocês dois só me deram mais forças pra seguir
em frente no momento de dor, quero continuar orgulhando vocês dois meus amores
aonde vocês estiverem, saibam que dei o meu melhor e isso foi por vocês, muito
obrigada por tudo, por me criarem e me ensinarem a ser uma pessoa íntegra, queria
muito tê-los nesse momento tão especial.
Muito obrigada ao meu trio mais lindo que a UFRN poderia me dar de
presente para que eu construísse a minha caminhada, Carol, Gisy e Kel, vou leva-
las pra minha vida! Vocês são importantes demais pra mim, agradeço pela
paciência, por ouvir sempre que preciso, por me amar e me aceitar com todos os
meus milhares de defeitos, essa é uma conquista nossa, a felicidade de vocês se
tornou a minha também e acredito muito que não foi por acaso que permanecemos
juntas durante todo esse tempo! Aos meus amigos extra UFRN, acabou viu? Eu
sobrevivi como vocês tanto diziam que eu iria conseguir, obrigada pela paciência,
pelos incentivos, pelos colos e por aguentar as minhas reclamações (Lili, Fran,
Nema, Zezé e Pablo), MUITO OBRIGADA POR TUDO! Acredito que vocês saibam
da importância que cada um tem em minha vida e da importância que cada um teve
na construção da minha monografia.
Aos amigos mais distantes e até os novos amigos vocês também foram
essenciais nesse percurso! Allan, não tem como não lembrar de você, das nossas
noites de estudo, dos nossos cursinhos, dos nossos aulões e da sua serenidade
para me manter calma dizendo que ia dar tudo certo, realmente deu tudo certo e
você fez parte disso, uma parte muito importante, pois não me fez desistir de entrar
na Universidade federal.
Acredito muito que cada pessoa que passa em nossas vidas nos transformam
e deixam um pouquinhos delas em nós e é por esse motivo que estou
profundamente agradecida por cada um que passou em minha vida durante esses
quatro anos, saibam que guardei um pouco de cada e só me fez crescer e me
fortalecer, meu muito obrigada pelos momentos de risos, de choro, de confissões e
de afeto, cada um permaneceu o tempo suficiente pra me engrandecer e quero
também compartilhar essa conquista com vocês.
Minha professora querida Edla, aquela que me fez despertar pela paixão na
área da saúde, me fez crescer academicamente através da sua base de pesquisa e
me fez crescer como pessoa, me mostra todos os dias como ser forte, como somos
capazes de fazer qualquer coisa, basta acreditarmos naquilo que estamos
defendendo, meu muito obrigada! És meu exemplo a ser seguido profissionalmente.
Por fim, gostaria de agradecer a minha orientadora Daniela, por toda dedicação,
atenção e compreensão, saiba que a sua calma foi essencial para que eu pudesse
concluir essa monografia.
Meu muito obrigada a todos os professores desta instituição foram de
extrema importância na minha construção profissional e humana.
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo discutir e analisar como se dá a relação teoria e prática de acordo com a atuação profissional dos assistentes sociais no âmbito da saúde, estabelecendo todo uma relação com a construção da nossa política de saúde, desde a sua criação até os dias atuais, apontando as principais dificuldades diante do contexto neoliberal no qual estamos inseridos, assim como o motivo pelo qual o Serviço Social foi chamado para intervir na área da saúde. Dessa forma, a discussão perpassa não só pela inserção profissional, mas por toda construção da atuação profissional e sua relação com a teoria e a prática diante das demandas que lhes são postas, destacando a relevância da articulação entre teoria e prática, em cada época, não podendo o Serviço Social restringir-se apenas ao acúmulo de informações, mas sim associar informação e prática, com as categorias Trabalho, Cotidiano e instrumentalidade, para assim obter respostas profissionais eficientes. A metodologia utilizada foi baseada na pesquisa qualitativa e revisão bibliográfica, trazendo posicionamentos de autores que discutem tal temática, tendo como técnica de análise o método crítico dialético que possibilita a compreensão do fenômeno como um todo. Portanto pode-se observar as dificuldades encontradas pelos profissionais em traçar estratégias de enfrentamento e implementação das concepções e compreensões acerca da temática estudada.
Palavras- chaves: Serviço Social; Saúde; Teoria e Prática.
ABSTRACT
This paper aims to discuss and analyze how the relationship between theory and practice according to the professional work of social workers in health, establishing a relationship with the construction of our health policy, from its creation to the days Present, pointing out the main difficulties facing the neoliberal context in which we are inserted, as well as the reason why the Social Service was called to intervene in the health area. In this way, the discussion pervades not only the professional insertion, but throughout the construction of the professional activity and its relation with the theory and the practice in front of the demands placed on them, highlighting the relevance of the articulation between theory and practice, in each epoch , And Social Service can not be restricted to the accumulation of information, but rather to associate information and practice with the categories Labor, Daily life and instrumentality, in order to obtain efficient professional responses. The methodology used was based on the qualitative research and bibliographical revision, bringing the positions of authors who discuss this subject, having as technique of analysis the critical dialectical method that allows the understanding of the phenomenon as a whole. Therefore, it is possible to observe the difficulties encountered by professionals in designing coping strategies and implementation of the conceptions and understandings about the subject studied.
Keywords: Social Service; Cheers; Theory and practice.
LISTA DE SIGLAS
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensões
CEBES -Centro Brasileiro de Saúde
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CLT – Consolidação das Leis de Trabalho
CNS -Conferência Nacional de Saúde
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
IAPs- Institutos de Aposentadoria e Pensões
INAMPS -Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS -Instituto Nacional de Previdência Social
MPAS -Ministério da Previdência e Assistência Social
OSCIPs -Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PAIS -Programa de Ações Integradas de Saúde
SINPAS -Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
SUDS -Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................11
2. PANORAMA DA POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL................13
2.1 Esboço Histórico do percurso da Saúde no Brasil .................................13
2.2 Sistematização do Sistema Único de Saúde (SUS) ..............................16
2.3 Processo de privatização do SUS...........................................................20
3. A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE: UM CAMINHO
DE TRANSFORMAÇÕES.............................................................................22
3.1 A relação teoria e prática do assistente social na saúde ao longo dos
anos........................................................................................................... 22
3.2 Legislações que norteiam o trabalho do assistente social na
saúde..................................................................................................... .27
3.3 Relação com as Categorias Trabalho, Cotidiano e Instrumentalidade......29
4. PROBLEMATIZAÇÃO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL NA ÁREA DA
SAÚDE...........................................................................................................34
4.1 Desafios e possibilidades ........................................................................34
4.2 A importância da formação permanente ..................................................37
4.3 Como reagir ao cotidiano profissional?.....................................................41
5. Considerações finais...................................................................................45
Referências.................................................................................................. 47
12
1.INTRODUÇÃO
Esse estudo se propôs discutir o trabalho do Assistente Social na saúde,
focando na relação teoria e prática, temática bastante pertinente diante da nossa
conjuntura marcada por retrocessos, daí a importância de se discutir o fazer
profissional, elencando desafios e possibilidades para realização de atuações
qualificadas e condizentes com a profissão. Dessa forma, de acordo com a pesquisa
buscamos evidenciar os elementos que condicionam o trabalho do Assistente social,
assim como qual a percepção profissional de acordo com a dualidade teoria e
prática.
Realizamos uma discussão sobre o trabalho de assistentes sociais no âmbito
da saúde, destacando a relação entre teoria e prática, esse tema me desperta muito
interesse pelo fato de ter feito parte das minhas maiores vivências no âmbito da
graduação. A maior parte dos profissionais dos quais tive contato, através da
realização de trabalhos, estágio ou visitas institucionais discorriam um discurso de
que a teoria se fazia de acordo com a prática, ou que a teoria só faz parte da
academia. Tal discurso me deixou bastante inquieta, uma vez que na sala de aula
desde o primeiro dia é nos colocado a importância dessa não dissociação da teoria e
prática, pois um é a base para a realização do outro, por mais que cada profissional
possa ter o seu modo de atuar ele não pode está totalmente desvinculado com os
instrumentos que norteiam a nossa profissão, pois somos uma categoria e temos
Código de Ética, Projeto Ético Político e Lei de Regulamentação para orientar a
nossa atuação profissional.
O fato desse discurso se propagar em vários âmbitos ocupacionais, me fez
ver que não é algo exclusivo de uma área ou de determinado tipo de formação, mas
algo que atinge a todos os profissionais através do cotidiano. No entanto, esse não é
o único motivo para haver essa concepção de que cada profissional faz a sua
prática, daí a necessidade de rever o que está faltando para que haja esse
afastamento teórico da prática profissional.
A inserção como aluna voluntária na base de pesquisa coordenada pela Drª
Edla Hoffmann, cujo o título é “A Atenção Primária e o direito à saúde em Natal- RN”,
me fez despertar um interesse ainda maior pela discussão da área da saúde,
13
especificamente pesquisar sobre a atuação dos profissionais, uma vez que é a
discussão que estou tendo mais contato. Ou seja, é a área que mais tenho interesse
em saber os motivos pelos quais isso ocorre, uma vez que mais oferece
oportunidade de emprego para a nossa área, como é alvo de diversas discussões no
nosso âmbito acadêmico.
Dessa forma, o objetivo foi refletir sobre a relação teoria e prática no trabalho
dos profissionais de serviço social no âmbito da saúde, assim como analisar quais
os desafios perpassam sobre a atuação profissional, discutir quais os principais
desafios encontrados e como promover os enfrentamentos. A pesquisa foi realizada
através de revisão bibliográfica, partindo de uma discussão ampla a partir de uma
discussão promovida pelos autores Bravo (2013), Filho (2011),Paim (2009), Guerra
(200), Coelho (2013), Carvalho (2000), Antunes (2014) e os Parâmetros para
atuação do Assistente Social na Política de Saúde. Para a realização das análises
foi utilizado o método crítico dialético, esse método tem como categorias
fundamentais a totalidade, a historicidade e a contradição, que permeiam todo o
estudo e estão interligadas. Assim, os fenômenos são entendidos como parte
integrante de um contexto mais amplo, sendo necessário ir do singular ao genérico,
problematizando a realidade, estabelecendo relações das partes com esse todo, que
mutuamente se influenciam.
Portanto, tal discussão se torna imprescindível diante da nossa atual
conjuntura de sucateamento, desresponsabilização do Estado, retirada de alguns
dos nossos direitos obtidos através de luta, ou seja estamos num momento muito
conturbado tornado-se necessário ter um posicionamento firme de acordo com o
embasamento teórico, para embasar cada vez mais as práticas profissionais. Esse
trabalho esta organizado em três capítulos, o primeiro deles refaz toda a trajetória da
política de saúde no Brasil, trazendo suas conquistas e como se deu a sua
efetivação, como o Sistema Único de Saúde foi pensado e como ele se encontra
atualmente, assim como quais os principais desafios no qual ele enfrenta mesmo
depois de 20 anos de sua elaboração. O segundo capítulo está voltado para estudar
a inserção do profissional de Serviço Social, o que motivou a inserção na área da
saúde, quais os aparatos legais que regulam a sua atuação e como esse profissional
se relaciona com as categorias Trabalho, Cotidiano e Instrumentalidade, no terceiro
discute-se como esse profissional pode promover os enfrentamentos no âmbito
14
profissional, quais suas principais dificuldades, qual a importância da formação
permanente e como reagir ao cotidiano profissional.
2. PANORAMA DA POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
2.1 Esboço Histórico do percurso da Saúde no Brasil
A sociedade brasileira por um longo período de tempo enfrentou as mais
diversas problemáticas referentes à saúde da população, visto que não existia
nenhum mecanismo de combate às patologias que acometia a sociedade. Nesse
período à saúde não era concebida como direito e os serviços eram restritos, pois só
tinha acesso quem possuía recursos financeiros para subsidiar os serviços
prestados.
Nessa concepção, é possível afirmar que o direito a saúde no Brasil, de forma
restrita, surge no ano de 1923, por meio da aprovação da Lei Elói Chaves, a qual
propunha que em cada empresa de Estradas de Ferro existente no Brasil fosse
criada uma Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os seus respectivos
empregados. Estas tinham a forma de financiamento “tripartite”, uma vez que eram
financiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados.
Os benefícios provenientes dessa contribuição eram proporcionais às
contribuições, previa assistência médica-curativa e, fornecia medicamentos;
aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez, pensão para os
dependentes e auxílio funeral. (BRAVO, 2009). Deste modo, compreende-se que as
CAPs foram desenvolvidas segundo os princípios da seguridade social defendido na
época baseado na contribuição, ou seja quem contribuía tinha acesso aos benefícios
e a saúde, tal modelo atendia uma pequena parcela da população, isto é,
dependendo de contribuição por parte dos segurados para o acesso ao benefício,
resultando no fato de que a saúde brasileira surgisse como um seguro privado e não
como garantia de todos.
Posteriormente, em 1933 durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, foi criado
os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), os quais unificaram as CAPs e
funcionaram até o ano de 1938, estes surgem como resposta do Estado às
reivindicações dos trabalhadores no contexto da consolidação dos processos
industrialização e urbanização do país. Esse tipo de seguro abrangeu outras
15
categorias profissionais, como por exemplo: os marítimos; bancários; industriários;
servidores do Estado; etc. Se estruturaram e tiveram o seu funcionamento
diferenciado das CAPs, pois eram controlados pelo Estado, e as contribuições eram
obrigatórias por parte de empregadores e empregados e, os benefícios referentes às
mesmas categorias foram igualados em todo território nacional e obedeciam as
diferenças salariais. (BRAVO, 2013).
Como resultado do processo histórico de conquistas, em 1966, houve a
criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), no período do regime
autoritário, foi resultado da unificação dos IAPs, passa a integrar todos os órgãos
previdenciários criados desde 1930. O INPS consolida o componente assistencial
hospitalocêntrico, curativista e médico-centrado. Amplia os benefícios para a
população rural em caráter diferenciado. Nesse período o Estado se tornou o único
coordenador dos serviços de assistência médica, de aposentadoria e pensões e por
meio do INPS firmou convênios com hospitais privados instalados no país, utilizando
o setor privado para atender a massa de trabalhadores (FILHO, 2011).
No ano de 1977 ocorreu à criação do Sistema Nacional de Assistência e
Previdência Social (SINPAS), orientado, coordenado e controlado pelo Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS), e dentro dele, o Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS-1978), que se tornou o grande
órgão governamental que prestava assistência médica, por meio de compras dos
serviços médicos e as especialidades do setor privado no país (BRASIL, 1977).
A década de 1980 sinalizou uma grande mudança na vida da sociedade
brasileira, pois ao mesmo tempo em que o país vivenciou um processo de
democratização política superando o regime ditatorial instaurado em 1964,
experimentou uma profunda e prolongada crise econômica. Essa modificação na
vivência em sociedade, se expressa por meio dos alcances e retrocessos ocorridos
nesse período, que se prolongam até a atual conjuntura, pois na medida em que se
conquistavam algumas garantias, se deparavam com os vieses conservadores que
retraiam os ganhos da população. Nesse espaço de tempo a saúde pública
enfrentou um período de declínio, o que possibilitou a expansão da medicina
previdenciária, foi o momento em que o setor saúde necessitou incorporar
determinadas características capitalistas, e a medicalização da vida social foi
imposta na Saúde Pública e na Previdência Social (BRAVO, 2009).
16
E no ano de 1982 ocorreu à implantação do Programa de Ações Integradas
de Saúde (PAIS), esse foi um dos primeiros a dar ênfase na Atenção Primária
(Atenção Básica), mas, tinha a rede ambulatorial como a “porta de entrada” do
sistema, diferentemente da concepção atual, que a considera como o primeiro
contato dos usuários com os serviços de saúde, se configurando como a estratégia
prioritária do serviço.
Ainda na década de 1980 ocorreram avanços significativos no setor saúde,
em 1986 houve a 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ª CNS), nessa consolidou-se
a discussão acerca do conceito de saúde como um direito de todos. Nessa
perspectiva, afirma-se que a partir desse momento, recupera-se o termo “Reforma
Sanitária”, anteriormente utilizado na Itália, e adota-se para se referir a um conjunto
de ideias que se relacionavam com a concepção de mudanças e transformações
necessárias na área da saúde, e englobava todo o setor de saúde, ou seja,
considerava todos os aspectos da saúde no país.
A 8ª CNS representou, inegavelmente, um marco, pois introduziu no cenário da discussão da saúde a sociedade. Os debates saíram dos seus fóruns específicos (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Medicina Preventiva, Saúde Pública) e assumiram outra dimensão com a participação da população [...] A questão da Saúde ultrapassou a análise setorial, referindo-se à sociedade como um todo, propondo-se não somente o SUS, mas a Reforma Sanitária. (BRAVO, 2001, p. 96)
A proposta da Reforma Sanitária resultou na universalidade do direito à
saúde, que foi oficializado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
qual apregoa um novo conceito de saúde. Ressalta-se que tal reforma tinha por
finalidade a unificação dos serviços, a participação dos usuários, a ampliação do
acesso e a qualidade da atenção. Tinha a sua base centrada na redemocratização
do país e, pretendia não só uma reforma nos aspectos de saúde, mas também no
âmbito do Estado, da Sociedade e da Cultura.
Foi resultado de um longo movimento da sociedade civil brasileira e, contou
com a participação de estudantes, professores universitários, setores populares e
entidades profissionais, principais responsáveis pela criação do Centro Brasileiro de
Saúde (CEBES) em 1976, ainda na década de 1970. Estas categorias objetivavam a
garantia da democracia, dos direitos sociais e um novo sistema de saúde. A
Reforma Sanitária Brasileira se configura como um conjunto articulado de práticas
ideológicas, políticas, culturais, científicas, teóricas e técnicas e é considerada um
fenômeno histórico e social (PAIM, 2007).
17
Em 1987 houve a criação dos Sistemas Unificados e Descentralizados de
Saúde (SUDS), baseado no princípio de integração entre os serviços de saúde,
sejam públicos ou privados. Este deveria constituir uma rede hierarquizada,
regionalizada garantindo a participação da comunidade nos serviços de saúde
(FILHO, 2011), este sistema foi o antecedente mais imediato da criação do SUS.
Em 1988 foi promulgada a Constituição Federal e, nessa à saúde tornou- se
de fato um Direito de todos e dever do Estado, garantido através de políticas sociais
e econômicas. E finalmente, em 1990 foi criado um sistema capaz de atender toda a
população de forma integral, o Sistema Único de Saúde (SUS).
Diante do breve histórico sobre a política de saúde pública no Brasil,
entendemos que a mesma passou por um processo de evolução, influenciada pelas
lutas, reivindicações e necessidades sociais da população. Nessa perspectiva,
destacaremos a seguir acontecimentos e fatos de extrema relevância para a
consolidação dessa política no Brasil, como a implementação do Sistema Único de
Saúde (SUS).
2.2 Sistematização do Sistema Único de Saúde (SUS)
Sabemos que o Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de muitas lutas e
reivindicações sociais da população brasileira, e que começou a ser construído num
processo de rupturas e nada linear, a participação na VIII Conferência Nacional da
Saúde, só concretizou o que se havia construindo ao longo dos anos, nesse
momento tiveram vez e voz, para discutir sobre os serviços de saúde ainda na
década de 1980. Com o exposto, entendemos que o SUS é uma conquista do povo
brasileiro, porém o SUS que temos não é o SUS que queremos, ou seja, o ideal está
bem longe do real.
Não podemos deixar de salientar que o SUS foi criado para suprir as
necessidades da população, ele é consolidado como um direito da cidadania e
apesar de estar dentro do contexto neoliberal, no qual há a retração do Estado em
relação aos direitos sociais, cabe ao poder público à obrigação de garanti-lo.
Partindo dessa lógica, pode-se inferir que desde a sua criação o SUS supri
minimamente as demandas de saúde da população, uma vez que tem entre um dos
seus objetivos a garantia de um sistema universal de saúde acessível para todos os
18
brasileiros, por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Sendo estes, em conformidade com os seus princípios finalísticos e organizativos
que dizem respeito à Universalidade do acesso; a equidade que visa à redução das
desigualdades, na forma de garantir atendimento de acordo com as necessidades e
particularidades de cada cidadão; a garantia da participação da população na gestão
desse sistema; a descentralização que atribui à responsabilidade na execução das
ações nas três esferas administrativas; a integralidade do serviço, etc. (BRASIL,
1990a).
Paim (2009) define as ações de promoção, proteção e recuperação como:
PROMOÇÃO da Saúde: tudo que estiver ligado ao bem-estar e a qualidade de vida do sujeito, como boas condições de vida, educação, atividade física, lazer, paz, alimentação, arte, cultura, diversão, entretenimento e ambiente saudável. PROTEÇÃO da Saúde: vacinação, combate a insetos transmissores de doenças, uso de cintos de segurança nos veículos, distribuição de camisinhas para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, bem como o controle da qualidade da água, alimentos, medicamentos e tecnologias médicas. RECUPERAÇÃO da Saúde: requer diagnóstico precoce, tratamento oportuno e limitação do dano (doença ou agravo), evitando complicações ou sequelas. A atenção à saúde na comunidade e a assistência médica ambulatorial, hospitalar e domiciliar representa as principais medidas para a recuperação da saúde. (PAIM, 2009, p. 44 e 45)
Destaca-se que a partir da criação desse sistema, foi promulgada a Lei
Orgânica da Saúde (LOS), que é constituída pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de
1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes” e pela Lei nº
8.142, de 28 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre a participação da comunidade
na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros.” Essas leis firmam o papel do município como o principal executor das
ações de saúde, que caracteriza a ampliação do processo de descentralização, que
ocorre através do financiamento por parte das três esferas de governo (União,
Estados e Municípios) e a execução dos serviços compete aos municípios.
Sendo assim, entende-se que longo foi o processo para o entendimento da
necessidade da atenção à saúde no país, e isso só foi possível através da luta,
sobretudo com a Reforma Sanitária que abordou um conjunto de ideias que
articulavam mecanismos de mudanças e transformações das condições objetivas e
subjetivas vivenciadas pelos sujeitos na perspectiva da saúde, por esse motivo,
entende-se que esta foi à mola propulsora para essas conquistas, pois foi por meio
dela que à saúde se constituiu como direito de todos e dever do Estado.
19
Entretanto, mesmo com a conquista desse sistema universal de saúde, que
prevê um atendimento integral. Observa-se que este vem sofrendo com a série de
desmonte, devido o redirecionamento do papel do Estado, influenciado pela política
econômica de ajuste neoliberal iniciada no final da década de 1980 e concretizada
na década de 1990 logo após a criação SUS.
Diante dessa assertiva é possível afirmar que a hegemonia neoliberal no
Brasil, tem se configurado como principal responsável pela redução dos direitos
sociais e trabalhistas, do desemprego estrutural, da precarização do trabalho, do
desmonte da previdência pública e sucateamento da saúde e educação (BRAVO,
2009). Assim, pode-se afirmar que esses elementos tem implicação direta nas
condições de saúde dos usuários, visto que a concepção de saúde diz respeito a
esse conjunto de fatores, que são denominados determinantes e condicionantes do
processo saúde-doença, que de acordo com o art. 3º da Lei nº 8.080/90 diz respeito
à alimentação; moradia; saneamento básico; educação; transporte; renda; acesso a
bens e serviços; lazer, entre outros.
Deste modo, é possível afirmar que a saúde deve ser compreendida a partir
do seu conceito ampliado, isto é, para além da ausência de doença e, nesses
aspectos é fundamental o entendimento de que os fatores sociais; econômicos;
políticos; culturais, ambientais, etc. influenciam diretamente na ocorrência dos
problemas de saúde, por esse motivo é importante que haja a articulação da saúde
com as políticas sociais para que ocorra de fato a garantia de acesso a essas
políticas e aos serviços capazes de atender as demandas e necessidades da
população.
Todavia, nesse atual contexto de desmonte dos direitos conquistados que a
sociedade brasileira vivencia, é possível aclarar que em todos os aspectos ocorrem
a não efetivação do que está disposto na Constituição Federal, precisamente no
Capítulo destinado a Seguridade Social, a qual descreve em seu Art. 194 que a
seguridade social compreende “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 2012), entretanto o que tem
ocorrido é a tentativa de privatização desses direitos, para atender as demandas
impostas pelo capital.
20
Ainda sobre o campo da saúde, principalmente referente ao SUS é possível
afirmar que este passa e/ou passou por diversos momentos, no qual houve o total
descrédito para sua efetivação. Mas, ainda assim este se configura como a melhor
alternativa do cuidado à saúde, pois é o único sistema que tem como premissa o
atendimento universal, integral e com equidade para a população.
E para garantir a efetivação desses princípios doutrinários, o Governo Federal
desenvolveu um conjunto de reformas institucionais do SUS pactuado entre as três
esferas de gestão (União, Estados e Municípios), oficializado com a Portaria nº
399/GM de 22 de fevereiro de 2006 que divulga o Pacto pela Saúde 2006 –
Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto, e
posteriormente o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011 que Regulamenta a Lei
nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema
Único de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a
articulação interfederativa, e dá outras providências. (BRASIL, 2006a; 2011).
Este pacto veio para “substituir” as Normas de Operacionais Básicas (NOB)
91, 92, 93 e 96 e as Normas Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS) 01 e 02
que foram regulamentações criadas para contribuir com a organização dos
princípios desse sistema, desde sua criação. A implantação desse pacto se deu em
três dimensões – Pacto pela Vida 1 , em Defesa do SUS 2 e de Gestão 3 – que
possibilitam a sua efetivação entre as três esferas de gestão do SUS.
Diante disso, constata-se que SUS se configura como um sólido sistema de
saúde que foi criado para amparar todos os brasileiros. Contudo, os inúmeros
dilemas conjunturais enfrentados por esse sistema, precisam ser assumidos como
responsabilidades para a concretização do SUS almejado. Por isso, compreende-se
que um dos maiores desafios para a efetivação da qualidade dos serviços públicos
de saúde é a falta de comprometimento dos governantes com estes, pois o que se
tem vivenciado é a regressão dos direitos anteriormente conquistados, uma vez que
1 O Pacto pela Vida trata do compromisso entre os gestores do SUS em torno de prioridades sanitárias que
apresentam impacto sobre a situação de saúde da população brasileira. (BRASIL, 2006a) 2 Pacto em Defesa do SUS: busca implementar um projeto permanente de mobilização social, como um
movimento que retoma a Reforma Sanitária, com a finalidade de mostrar a saúde como direito de cidadania e o
SUS como sistema público universal garantidor desses direitos, para tal aponta para a necessidade do incremento
de recursos orçamentários e financeiros, de acordo com as três esferas de gestão, conforme seus respectivos
compromissos (BRASIL, 2011). 3 Estabelecem diretrizes para a gestão do sistema nos aspectos da Descentralização; Regionalização;
Financiamento; Planejamento; Programação Pactuada e Integrada – PPI; Regulação; Participação e Controle
Social; Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (BRASIL, 2006a, p. 17).
21
na conjuntura atual os interesses de mercado sempre prevalecem, essa
problemática se complexifica com essas constantes tentativas de privatização dos
setores públicos, com o intuito de atender as exigências do ideário neoliberal.
2.3 Processo de privatização do SUS
O Brasil tem o maior sistema de saúde do Mundo, o Sistema Único de Saúde.
O SUS é universal, público, gratuito e unificado. Esse sistema custeia diversos
procedimentos que em muitas vezes não são fornecidos pelos planos de saúde
como procedimentos de alta complexidade e patologias de alto custo, campanhas de
prevenção e vacinações, entre outros. Porém, o mesmo vem passando por um
processo de atrofiamento e sucateamento por conta do subfinanciamento ditado
pelos empresários da saúde.
Inegavelmente o acesso universal e integral a saúde nos seus diversos níveis
foi uma conquista de suma importância do SUS, no entanto sua implementação
completa nunca foi possível, sendo esse o motivo pra ter opositores à proposta
desejada e construída pelo movimento da reforma sanitária, colocando em risco a
legitimação política e social. No cenário atual existem dois projetos convivem em
tensão: o projeto de reforma sanitária, construído na década de 1980 e inscrito na
Constituição Brasileira de 1988, e o projeto de saúde articulada ao mercado ou
privatista, hegemônico na segunda metade da década de 1990 (Bravo, 1999, P.14).
Como bem afirma Bravo (2001), a proposta de Política de Saúde construída
na década de 1980 tem sido desconstruída, dessa forma a Saúde fica vinculada ao
mercado, enfatizando-se as parcerias com a sociedade civil e responsabilizando a
mesma para assumir os custos da crise. As políticas de redução do Estado, as
privatizações e o mercado agora tido como provedor da saúde corroboram para a
fragilidade do Sistema Único de Saúde.
Montaño afirma o seguinte:
A precária intervenção do Estado, a refilantropização da questão social e a remercantilização dos serviços sociais consolidam-se em três modalidades de serviços: O privado - mercantil de boa qualidade; o estatal - gratuito precário; e, o filantrópico - voluntário geralmente de qualidade duvidosa. A estas três modalidades de serviços correspondem respectivamente, três categorias de cidadãos: os integrados consumidores, os excluídos usuários
22
e os excluídos assistidos. Sendo assim, as elites e a classe média passam a contar com serviços sociais privados de qualidade e os pobres com atendimento público de duvidosa qualidade. (MONTAÑO, 2003 s/p.)
Podemos perceber que através da “ausência” do Estado em garantir tais
direitos, acabou gerando oportunidade para a inserção e para a atuação de dois
grandes atores a refilantropização da questão social, bem como a mercantilização
dos serviços sociais, ou seja a junção deles ocuparam o papel do Estado no que se
refere ao cuidar e ao servir, trazendo graves consequências para a população como
o sucateamento da maioria dos serviços de saúde. Tal problema tem raiz histórica. A
União reduz, há décadas, sua participação no financiamento do SUS e nos gastos
totais com a saúde. Atualmente, o governo brasileiro destina 4,66% do PIB ao setor,
o que configura uma das piores posições no ranking mundial. Trazendo
consequências drásticas para os usuários como filas gigantescas para a marcação
de exames, consultas ou cirurgias, o investimento é pequeno perto da demanda que
o SUS possui.
A Lei 8.080 regula toda e qualquer atividade de saúde no Brasil, não apenas
da esfera pública, mas também do setor privado, do qual o SUS pode contratar
serviços complementares, é a partir dessa lacuna na legislação que os empresários
da saúde se encaixam e usurpam o sistema de saúde pública, pois a entrada de
capital estrangeiro na saúde visa o lucro, e o seu incentivo por parte dos
empresários funciona como justificativa para a redução de gastos públicos com
saúde, em tempos de ajuste fiscal e do incessante subfinanciamento do SUS,
gerando um retrocesso gigante, uma vez que tal pensamento vai contra os modelos
voltados para a atenção primária focados na prevenção e promoção da saúde, e
favorece a indústria da doença, representada pelas indústrias farmacêuticas,
equipamentos médico-hospitalares, planos de saúde, entre outros.
O apoio do Estado à privatização da saúde tem se dado de diversas formas
dentre elas podemos citar: a renúncia fiscal dos planos e seguros de saúde
privados, flexibilização da gestão pública, implementação de modelos
organizacionais que seguem a lógica de mercado pra gerir os serviços públicos
como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e a
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares ( EBSERH) são exemplos.
23
Hoje nós temos a disputa de dois projetos na saúde: o projeto da Reforma
Sanitária e o Projeto Privatista. O da Reforma Sanitária como já bem explicitado
acima consiste na defesa da universalização das políticas sociais e garantia dos
direitos sociais, destacando a concepção ampliada de saúde, leva em consideração
os determinantes sociais e preza por melhores condições de vida e do trabalho,
além do que cobra do Estado seu papel efetivo tanto no financiamento como na
organização do SUS. Já o Projeto Privatista, é pautado na política de ajuste, tende a
conter os gastos, visa a racionalização da oferta, ao Estado cabe garantir o mínimo
aos que não podem pagar, os que potencialmente possuem alguma renda se tornam
consumidores dos planos de saúde.
Em suma, a afirmação da hegemonia neoliberal no Brasil, tem sido
responsável pela redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural,
precarização do trabalho, desmonte da previdência pública, sucateamento da saúde
e educação, sendo um dos principais desafios a nossa profissão zelar e garantir
uma saúde pública de qualidade e integral pautada na bandeira levantada pelo
Projeto de Reforma Sanitária e isso se dá através de luta e organização popular,
uma vez que o Estado está omisso e só busca seu próprio benefício.
3. A inserção do Serviço Social na área da saúde: um caminho de
transformações
3.1 A relação teoria e prática do assistente social na saúde ao longo dos anos.
Diante do contexto explicitado acima, podemos compreender a relevância da
inserção do assistente social na atual conjuntura no âmbito da saúde, pois além de
ser um dos campos que mais emprega este profissional, temos a questão das
disparidades sociais causadas pelo sistema neoliberal, onde os assistentes sociais
irão trabalhar norteados pelos princípios expostos no seu Código de Ética, ou seja,
ser um profissional capaz de lutar para viabilizar a saúde como direito de todos.
Dessa forma iremos traçar a trajetória desse profissional na saúde, destacando os
motivos da sua inserção.
O início da profissão foi marcado pelas ações de caridade e norteados pela
igreja Católica, como Silva ressalta
[...] O objeto de estudo do serviço social na dec. 30, era o homem carente, e seus objetivos estavam mais direcionados para o atendimento da
24
pobreza, através da assistência, prestação de serviços e orientação individual, sendo seus conhecimentos baseados no neotomismo, expressos pelo ensino das encíclicas e pela moral, pela filosofia e pela religião. Sendo sua prática operada basicamente pelas técnicas da entrevista e da visita domiciliar. A formação profissional, apresentava-se então um cunho doutrinário e religioso (SILVA, 1995, p. 10).
Nesse período o Serviço Social ainda não tinha se inserido com tanta ênfase
na área da saúde, uma vez que devido a conjuntura em que o país estava passando
por um desenvolvimento capitalista industrial e urbano, as suas principais demandas
eram pautadas em atividades e obras de caráter social.
No pós Segunda Guerra Mundial, o papel do assistente social na saúde era o
de trabalhar através de práticas educativas com os operários, educando-os a terem
hábitos de higiene e saúde, incentivando o controle de natalidade, de doenças
infantis, de higiene bucal, “ajustando-os” na sociedade, colaborando para que os
mesmos se “enquadrassem” ao meio, até então só reproduziam o que era
determinado pelo Estado.
O período de 1964 a 1979 foi marcado pela reatualização do serviço social, no
sentido de modernizar as práticas da profissão e também pelas novas propostas de
saúde, haja vista na dec. de 70 ter acontecido o movimento pela reforma sanitária
que reivindicava um sistema de saúde universal e igualitário, com um caráter mais
preventivo ao invés de ser apenas curativo, mudando dessa forma todo o caráter
interventivo da profissão, uma vez que necessitava agora de uma atuação mais
crítica para lidar com as novas demandas sociais. Essa modernização se
caracterizará pela preocupação com o aperfeiçoamento do instrumental técnico, de
metodologias de ação, da busca de padrões de eficiência, sofisticação dos modelos
de análise e diagnóstico.(CARVALHO e IAMAMOTO, 2003, p. 364-365).
Diante da conjuntura em que surge novas demandas exigindo a atuação
profissional do serviço social, o Estado passou a intervir mais veemente na saúde
com a finalidade de suavizar as reivindicações e pressões populares causadas pela
ditadura militar e posteriormente pelo movimento da reforma sanitária, com isso, os
assistentes sociais da saúde tiveram como foco de atuação os hospitais e
ambulatórios. A atuação profissional se dava por meio da mediação entre a
instituição e a população, suas práticas eram de formas curativas, burocratizadas,
além da psicologização das relações sociais e concessão de benefícios, utilizavam-
se de ações como: plantão, triagem ou seleção, encaminhamento e orientação
previdenciária. As demandas eram tratadas de forma pontual e específica, sem uma
25
relação com os determinantes sociais, ocasionando um afastamento tanto com o
arcabouço teórico quanto com a realidade como um todo.
Tal forma de atuação se deu de acordo com a aproximação teórica daquele
momento de inserção, primeiro as assistentes sociais tinham um norte teórico
baseado na doutrina da igreja católica, com práticas de caráter social, em seguida
uma prática voltada para uma priorização das ações curativas, em detrimento das
preventivas que visava o usuário de forma individual e não como um ser que faz
parte de um coletivo, e por último o começo de uma grande mudança na profissão,
sua a aproximação com as teorias marxistas, através dessa aproximação se deu um
fazer profissional diferenciado, pautado numa perspectiva global, crítica e
desculpabilizando o indivíduo pela situação na qual estava inserido.
Dessa forma a década de 1980 foi de extrema relevância para o serviço
social, pois, foi nessa época que a profissão caminhou para uma tentativa de ruptura
com seu conservadorismo, através do movimento de reconceituação e na área da
saúde ganhou um enfoque mais crítico, baseado numa linha marxista, a qual é
responsável pela contribuição decisiva no processo de ruptura teórica e prática
tradicional, período de efervescência política, mobilização popular e renovação. Os
profissionais romperam com o caráter meramente executor e conquistaram novas
competências e atribuições, como elaboração, avaliação, coordenação e execução
das políticas sociais, dando ao Serviço Social um viés científico, e cobrando cada
vez mais a continuidade de sua formação no âmbito acadêmico, visto que eram
novas atribuições e precisavam de capacitação para poder realiza-las.
Dos anos 80 até início dos anos 2000, foi um período de grandes
transformações para o Serviço Social, tanto do ponto de vista da abertura de um
amplo mercado de trabalho na área da saúde, no qual até hoje é o principal campo
de trabalho dessa profissão, quanto aos desafios e novas exigências impostas ao
profissional, haja vista dentre esses períodos haver sido promulgada a Constituição
Federal de 1988, a formalização do SUS, a criação do Código de Ética do Assistente
Social, e especificamente para a área da saúde, o documento chamado Parâmetros
para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde, documentos estes que veremos
mais adiante, foram responsáveis para fundamentar a atuação na área da saúde,
uma vez que, por mais que se trate de uma profissão generalista, ela possui
instrumentos nos quais norteiam a atuação nas diversas áreas de atuação. Para
26
Martinelli (1997, p. 148), foi neste momento que o Serviço Social extrapolou os
limites institucionais, impondo-se como produtor de conhecimento e da realização da
pesquisa como auxílio para entender as novas exigências que são impostas para
sua intervenção.
A década de 90 e os anos 2000 foram caracterizados por um governo
neoliberal o qual se confronta com a profissão e seu projeto ético político. A
afirmação da hegemonia neoliberal no Brasil, tem sido responsável pela redução dos
direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho,
desmonte da previdência pública, sucateamento da saúde e educação, tornando as
políticas cada vez mais seletivas e focalizadas, fazendo com que o assistente social
tenha dificuldades em propiciar esses direitos aos usuários. Por tal motivo, cabe ao
assistente social buscar politizar-se - para ser capaz de politizar seu usuário - na
busca pela transformação social, onde o conceito de cidadania venha a ser
apreendido e esta venha a ser conquistada, assim como todos os direitos que são
cabíveis.
O desafio atual para o Serviço Social passa pela construção de uma proposta
crítica e criativa de trabalho que consiga conciliar o papel profissional dentro de uma
equipe multidisciplinar, a conquista e ampliação do espaço profissional dentro das
unidades de saúde, sem perder de foco a busca constante pela consolidação da
saúde como direito social de todo cidadão, tendo como norte o projeto ético político
profissional e a base democrática de acesso universal igualitário, com equidade e
justiça social proposto pela Reforma Sanitária.
Esse cenário fez com que o Serviço Social assumisse algumas posturas
diferenciadas dentro do cotidiano das unidades de saúde. Apesar das inúmeras
publicações e discussões promovidas dentro dos espaços acadêmicos, a
interlocução com o espaço prático de atuação profissional demonstrava pouca
aproximação e uma reprodução do discurso de que a teoria se difere da prática,
quando na verdade são indissociáveis. Partindo do pressuposto de que está é um
profissão dinâmica acredito que as teorias com que o Serviço Social dialoga devem
ser reavaliadas constantemente, entendendo que esta profissão lida com questões
objetivas e subjetivas e necessita, portanto, de um amplo arcabouço teórico, que
possibilite a visão por completo sobre o fenômeno social, rompendo de vez com o
reducionismo, com a fragmentação.
27
Nesta perspectiva, o contemporâneo mercado de trabalho exige um novo perfil
profissional ou uma nova roupagem, ou seja, o assistente social tem que está
sempre em busca de qualificação para estar apto a atender essas novas exigências.
Daí a importância do processo de qualificação continuada para o assistente social
manter-se nesse mercado, para que atue com mais eficiência nas suas atividades
cotidianas, para que se torne um profissional qualificado e estar sempre preparado
para questionar as demandas institucionais, acompanhar as mudanças e
transformações da realidade social, promover mudanças no cotidiano dos usuários,
e na sua própria prática profissional.
Assim, o processo de qualificação continuada é fundamental para a sobrevivência no mercado de trabalho. Estudar, pesquisar, debater temas, reler livros e textos não podem ser atividades desenvolvidas apenas no período da graduação ou nos “muros” da universidade e suas salas de aula. Se no cotidiano da prática profissional o Assistente Social não se atualiza, não questiona as demandas institucionais, não acompanha o movimento e as mudanças da realidade social, estará certamente fadado ao fracasso e a uma reprodução mecânica de atividades, tornando-se um burocrata, e, sem dúvidas, não promovendo mudanças significativas seja no cotidiano da população usuária ou na própria inserção do Serviço Social no mercado de trabalho. (SOUSA, 2008, p. 122).
De acordo com o CFESS, durante os últimos anos, tem-se aumentado a
aparente indefinição do que é e o que faz o serviço social na saúde, e que isso se dá
devido à forma mediatizada de como seu exercício se realiza na dinâmica do
cotidiano, de maneira heterogênea, plural e desarticulada com a teoria. Vasconcelos
(1999) cita:
Que a busca de uma ruptura, teórico-prático com um fazer profissional tradicional, conservador, que contribui somente para reprodução social, não se efetivará sem uma articulação sistemática e de qualidade entre academia e profissional tradicional. (VASCONCELOS, 1999, p.16).
O fato é que a teoria e a prática não são dimensões distantes, daí a
necessidade de entender o motivo pelo qual tantos profissionais tem dificuldades em
relacioná-los, É fundamental discutir portanto, se é necessário reorganizar o
currículo mínimo da formação em Serviço Social ou se é preciso ampliar os debates
em relação à questão de tal unicidade entre teoria e prática. É importante
reconhecer que este não é um processo finalizado, sendo crucial não se perder no
comodismo, e sim avançar cada vez mais rumo aos objetivos propostos pela
profissão.
O grande desafio na atualidade é, pois, transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias, táticas e técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de estudo e ação do assistente social (IAMAMOTO; 1998; p. 52)
28
É necessário confrontar a realidade com a bagagem teórica constantemente;
conhecer os campos de atuação, os usuários e as demandas que se apresentam ao
profissional. Portanto, o debate no Serviço Social hoje, deve ser pautado no
desenvolvimento de uma competência profissional que se fundamente no diálogo
com diversas áreas do saber, e que este diálogo não cesse, após a graduação. Que
se paute na ética, considerando-a um espaço para a reflexão filosófica, que se
utilizem os instrumentos profissionais reconhecendo a instrumentalidade que é
própria do Serviço Social e que se aproprie dos espaços institucionais de modo a
concretizar suas competências específicas através de ações que caracterizem este
saber profissional. A argumentação, a confrontação, a escuta, a reflexão, a
criatividade e a ação com vistas a objetivos a curto, médio e longo prazo, são
habilidades a serem utilizadas no exercício profissional. Assim, refletir sobre a
identidade profissional do Assistente Social requer resgates históricos e perspectivas
futuras, pois ainda é um processo em construção. É importante reconhecer que este
não é um processo finalizado, sendo crucial não se perder no comodismo, e sim
avançar cada vez mais rumo aos objetivos propostos pela profissão.
3.2 Legislações que norteiam o trabalho do assistente social na saúde.
Levando em consideração a importância do componente teórico-
metodológico na elaboração dos instrumentos de trabalho, assim como a
necessidade de orientação de como responder determinados tipos de demandas
nos mais diversos campos de atuação e ter de forma concreta os princípios que
regem a profissão, o que defendemos e nortear a nossa atuação que foram criados
os documentos os quais serão apresentados a seguir.
Primeiro de tudo devemos levar em consideração os princípios defendidos
pelo Projeto Ético Político da Profissão, ele aponta o direcionamento político, os
princípios defendidos e aponta novos horizontes para a identidade profissional dos
assistentes sociais. Conforme Paulo Neto (2010), os projetos profissionais retratam a
imagem idealizada pela profissão, apresentando seus valores, seus objetivos, suas
atribuições; estabelecendo normas de conduta que norteiem suas relações com os
usuários de seus serviços, profissionais de outras áreas, instituições e organizações;
caracterizando uma categoria profissional organizada. Ele encontra-se em
29
construção e mesmo diante de toda a pluralidade teórica do Serviço Social, ele é
considerado hegemônico e o mais aceito na profissão.
Esse projeto pode ser visualizado através do Código de Ética Profissional e a
Lei de Regulamentação da Profissão, ambos de 1993, constam nesses documentos
as atribuições e competências, direitos e deveres dos assistentes sociais, que
devem ser respeitados tanto pelos profissionais da área como pelos seus
empregadores. O Código de Ética Profissional possui princípios norteadores para a
atuação profissional, no que se refere as relações com os usuários, com as
instituições empregadoras, com os assistentes sociais e outros profissionais, com as
entidades da categoria e outras organizações da sociedade civil, com o sigilo
profissional e das relações com a justiça, ou seja é um valioso instrumento para
nortear a atuação do assistente social em qualquer área ou campo sócio
ocupacional, buscando sempre, conforme CFESS/CRESS, a legitimação social da
profissão e a garantia da qualidade dos serviços prestados. Ele é um aliado na
mobilização e qualificação do profissional assistente social, constituindo-se num
mecanismo de defesa da qualidade dos serviços prestados pelos assistentes sociais
e de garantia do exercício profissional, fornecendo respaldo jurídico à profissão.
Dessa forma, os princípios éticos estabelecidos no Código de Ética norteiam
um posicionamento em favor da equidade e justiça social, e o comprometimento
com a população usuária, princípios que só podem ser assimilados mediante o
debate filosófico acerca da essência de tais princípios e suas relações com o
Serviço Social. Enquanto a ética profissional for concebida apenas no plano de
formalização de conduta, haverá disparidades entre aparência e essência na sua
aplicação prática. É importante que o Código de Ética Profissional seja confrontado
com a ética pessoal da pessoa que objetiva profissionalizar-se em serviço social,
para que se possa avaliar a capacidade de identificar-se com a ética profissional, ou
a necessidade de escolher outra profissão.
A Lei de Regulamentação da Profissão, é a de nº 8.662, de 07 de junho de
1993, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Itamar
Franco, dispõe sobre a profissão e dá outras providências como as competências do
assistente social, a duração do trabalho do assistente social de 30 (trinta) horas
semanais (Incluído pela Lei nº12.317, de2010), assim como as penalidades caso
30
seja comprovado algum desvio de conduta, prever também as responsabilidades
profissionais do conjunto CFESS-CRESS.
Esses documentos acima citados norteiam os profissionais como um todo,
dessa forma é imprescindível para a atuação do assistente social em seu cotidiano
profissional, o conhecimento do seu campo de atuação, por exemplo: saúde,
assistência social, previdência, habitação, educação, entre outros. Na área da saúde
temos a Lei Orgânica da Saúde, (LOS - Lei 8.080) sancionada em 1990, que regula
as ações e serviços de saúde em todo o território nacional e estabelece, entre outras
coisas, os princípios, as diretrizes e os objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS).
E temos os Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde, que tem
por objetivo referenciar a intervenção dos profissionais de Serviço Social na área da
saúde. Constitui-se como produto do Grupo de Trabalho “Serviço Social na Saúde”
instituído pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) em 2008, que
incorporou nas suas discussões e sistematizações as deliberações do 36º e 37º
Encontro Nacional CFESS /CRESS.( CEFESS/CRESS, P.7, 2009)
Constam orientações gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas
pelos assistentes sociais às demandas identificadas no cotidiano do trabalho na área
da saúde, dessa forma, procura expressar a totalidade das ações que são
desenvolvidas, ainda consta no documento as atribuições dos assistentes sociais na
saúde, tanto nas ações diretas como nos demais níveis: ações assistenciais, em
equipe, socioeducativa, mobilização, participação e controle social, investigação,
planejamento e gestão, assessoria, qualificação e formação profissional.
Espera-se com este documento, fortalecer o trabalho dos assistentes sociais
na saúde, na direção dos Projetos de Reforma Sanitária e Ético Político, imprimindo
maior qualidade ao atendimento prestado à população usuária dos serviços de
saúde, sempre articulando teoria e prática nas suas intervenções durante seu
cotidiano profissional. (CFESS, 2009,p.9 ).
3.3 Relação com as Categorias Trabalho, Cotidiano e Instrumentalidade.
Levando em consideração o breve histórico que fizemos no decorrer desse
estudo sobre a trajetória do assistente social na área da saúde e os marcos legais
que embasam ou norteiam a profissão, faremos a seguir uma discussão acerca das
31
categorias Trabalho, Cotidiano e Instrumentalidade que perpassam por todo o
caminho que envolve a relação teoria e prática desse profissional.
Destacamos a categoria Trabalho, que segundo Lukács, (1979, p.8) significa
não um gesto mecânico, mas um ato de se pôr consciente, e, portanto, pressupõe
um conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito, de determinadas finalidades e
de determinados meios. Como afirma Antunes “o trabalho constitui-se como
categoria intermediária que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas
para o ser social. Ele está no centro do processo de humanização do homem” (
Antunes, 1999. p. 136). Assim, só se desenvolve o trabalho se houver cooperação
social, através da capacidade humana consciente de conhecer e transformar a
natureza, criando um produto antes inexistente.
O trabalho não é considerado um mero ato decisório, mas um processo
temporal em forma de cadeia que busca sempre novas alternativas segundo
Antunes. Ele é mediador entre a necessidade e a realização e somente o ser social
tem a capacidade de planejar e realizar as suas ações através da consciência (
Antunes, 1999.p. 138), daí a importância do trabalho.
A categoria Trabalho, alicerçada pelo pensamento marxista, segundo
Iamamoto (2004, p. 114), está extremamente relacionada ao Serviço Social, já que a
profissão está inscrita na divisão social e técnica do trabalho coletivo, permitindo,
assim, a compreensão de que a atividade profissional se realiza no universo do
assalariamento. Essa atividade laborativa tem que estar voltada para uma prática
social, entendida também como práxis, transformadora da realidade para servir aos
fins associados à satisfação das necessidades humana. É através da práxis que o
assistente social pode intervir, uma vez que a ação foi pensada e planejada e não
meramente executada.
Para o Serviço Social é imprescindível a observação do real percebendo a
dinâmica de sua totalidade. A intervenção profissional é baseada na categoria
mediação, reflexo de articulações objetivas e subjetivas da relação sujeito e objeto a
partir da apreensão dos fenômenos: singularidade/particularidade/universalidade.
Os fundamentos ontológicos do ser social o qual possibilitou uma
aproximação com a ação humana de transformar a natureza (trabalho) a partir de
um agir pensado (teleologia), e que este homem, ao transformar a natureza,
32
transforma-se a si mesmo, percebe-se que toda ação humana nesse sentido é
estabelecida por uma subjetividade reflexiva capaz de nortear suas futuras
objetivações.
Os homens utilizam ou transformam os meios e as condições sob as quais o
trabalho se realiza modificando-os, adaptando-os e utilizando-os em seu próprio
benefício, para o alcance de suas finalidades.
Dessa forma, entendendo o trabalho como a realização de uma
transformação consciente de algo para atender as necessidades humanas, cabe
fazer a mesma reflexão para entender a instrumentalidade, uma vez que os
instrumentais são criados para auxiliar nas ações do fazer profissional do assistente
social, segundo Guerra (2000) a partir do momento em que o assistente social
desenvolve sua capacidade crítica, teórica e reflexiva vai modificando e
transformando a realidade social, alterando assim o cotidiano profissional, dando
instrumentalidade às suas ações.
[...] Instrumentalidade refere-se, não ao conjunto de instrumentos e técnicas, mas [...] a uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos. Ela possibilita que os profissionais objetivem suas intencionalidades em respostas profissionais. (GUERRA, 2000, p. 2).
Portanto, percebe-se a relevância da categoria instrumentalidade para o
serviço social, na medida em que a capacidade reflexiva do profissional se volta
para uma ação transformadora das relações sociais, ou seja, através da
instrumentalidade o profissional se permite pensar sobre as complexas
problemáticas sociais de maneira macroscópica, visualizando todo um contexto
histórico, sua totalidade, tendo o ser humano como ser genérico e ao mesmo tempo
reconhecendo suas particularidades, para assim intervir de forma crítica e eficiente
no cotidiano da prática profissional.
Com isso podemos afirmar que a instrumentalidade no exercício profissional
refere-se, não ao conjunto de instrumentos e técnicas (neste caso, a instrumentação
técnica), mas a uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da
profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico.
De acordo com Guerra (2000) Na medida em que os profissionais utilizam,
criam, adequam às condições existentes, transformando-as em meios/instrumentos
para a objetivação das intencionalidades, suas ações são portadoras de
instrumentalidade, visto que os instrumentais não são estáticos, nem se resume aos
33
instrumentos físicos que fazemos uso como relatório, parecer entre outros, temos a
capacidade de criar ou modificar para adequar a necessidade da demanda, essa é
uma das capacidades na qual desenvolvemos no decorrer da profissão e para isso é
necessário compreender de fato o que significa instrumentalidade e como ela é
essencial no nosso cotidiano.
A instrumentalidade do Serviço Social pode ser pensada de acordo com
Guerra (2000, p.8) como uma condição sócio-histórica da profissão em três níveis:
1. da instrumentalidade do Serviço Social face ao projeto burguês, o que significa a
capacidade que a profissão porta (dado ao caráter reformista e integrador das
políticas sociais) de ser convertida em instrumento, em meio de manutenção da
ordem, a serviço do projeto reformista da burguesia.
2. da instrumentalidade das respostas profissionais, no que se refere à sua
peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-operativo das respostas
profissionais frente às demandas das classes, aspecto este que permite o
reconhecimento social da profissão, dado que, por meio dele o Serviço Social
pode responder às necessidades sociais que se traduzem (por meio de muitas
mediações) em demandas (antagônicas) advindas do capital e do trabalho.
A terceira condição da instrumentalidade é a de ser uma mediação, uma vez
tida como verdade que a Instrumentalidade insere-se no espaço do singular, do
cotidiano, do imediato, também por ser considerada como uma particularidade da
profissão, de acordo com as condições objetivas e subjetivas, e como tal sócio-
históricas, pode ser entendida como campo de mediação. Cabe ao profissional ter a
capacidade de articular todas essas dimensões para realizar um atendimento
completo e em sua totalidade, tornando um desafio em seu cotidiano, uma vez que
exige respostas imediatas.
O Cotidiano, é mais uma categoria que precisamos compreender para que
ele não dificulte nossas intervenções durante a prática profissional, pois é totalmente
heterogêneo e hierarquizado. Primeiramente, é importante conceituar que a vida
cotidiana é questão fundamental à prática profissional dos assistentes sociais, uma
vez que comporta o espaço da práxis. É nesse espaço que se consolidam, se
perpetuam ou se transformam as condições de vida onde incidem as práticas
profissionais.
34
Ele não se resume apenas ao dia-a-dia profissional, se faz necessário
entende-lo em sua essência, pois é de suma importância para buscar os
enfrentamentos necessários da imediaticidade e da reprodução espontânea que
são umas das características da vida cotidiana, como afirma Coelho (2013, p.76) “o
cotidiano está associado com a rotina, a repetição de gestos e tarefas. A repetição
conduz ao automatismo e à mecanização das ações e dos hábitos”. O homem por
sua vez atende as mais diversas exigências em seu dia a dia, realizando atos que
que possibilitam a satisfação das suas necessidades, desde as mais simples como
tomar banho, dormir, comer, até as mais complexas como é o caso do trabalho. Os
ritmos, as regularidades e a complexidade dessas atividades mobilizam o homem
como um todo e a hierarquia dessas ações sofrem interferência em razão das
estruturas socioeconômicas.
Para Lukács (2002,p.21), a vida cotidiana é a forma imediata da genericidade
humana e “aparece como a base de todas as reações espontâneas dos homens em
relação ao seu ambiente social, onde o homem parece atuar frequentemente de
forma caótica”. A vida cotidiana não é mera imediatez, ela constitui um conjunto de
mediações objetivas e ontológicas, sendo caracterizada pela heterogeneidade,
imediaticidade e a superficialidade, elas que desencadeiam as reações
espontâneas.
Partindo dos estudos de Lefebvre citado por Carvalho (2000), é possível
apreender a vida cotidiana em três perspectivas.
• Busca do real e da realidade – a vida cotidiana contém o dado prático, o
vivido, a subjetividade fugitiva, as emoções, os afetos, hábitos e
comportamentos, assim como o dado abstrato, as representações e imagens
que fazem parte do real cotidiano, sem se perder no imaginário. Ou seja, é o
material, o concreto e o abstrato, contidos na própria realidade.
• Totalidade – a partir da ideia lukacsiana de que o todo não é igual à soma
das partes, a realidade deve ser remetida às partes, que encontram no todo
seu conceito, assim como o todo deve ser considerado nas partes. Ou seja,
integrar os diferentes fatos da vida social numa totalidade.
35
• Possibilidades da vida cotidiana enquanto motora de transformações
globais – a vida cotidiana contém as possibilidades de transformação
societária. É nela que estão contidas as potências revolucionárias, nas
relações de poder e dominação. O foco da transformação deve ser o
cotidiano vivido pelas classes e grupos sociais em opressão. Assim, no
cotidiano, podemos tanto nos intoxicar pelas aparências e imediaticidades,
como romper ou suspender esse cotidiano, no sentido de atingir a sensação
e a consciência do ser humano total, em plena relação com o humano e a
humanidade de seu tempo.
A vida cotidiana, dentre todas as esferas do ser social, é aquela mais
propensa a alienação, devido ao seu caráter heterogêneo, imediato, e sua
superficialidade extensiva, como afirma Coelho (2013, p.79). Dessa forma um dos
exercícios que pode ser feito para que o profissional possa enxergar o sentido das
suas ações profissionais é realizar a suspensão do cotidiano, uma vez que é um
exercício que exige diversas habilidades do profissional para que não o torne um ser
social alienado. Heller citada por Carvalho (2000) aponta quatro formas de
suspensão da vida cotidiana (passagem do homem meramente singular ao humano
genérico): o trabalho, a arte, a ciência e a moral.
O autor ensina que a vida cotidiana se insere na história, se modifica e
modifica as relações sociais. Mas essas modificações dependem da consciência que
os homens portam de sua ‘essência’ e dos valores presentes ou não ao seu
desenvolvimento (CARVALHO, 2000, p. 29).
4. Problematização da atuação profissional na área da saúde
4.1 Desafios e possibilidades
A inserção do Serviço Social na área da saúde tem sido historicamente
condicionada por intervenções distintas, ora pelo Estado, ora pela sociedade civil
organizada. Nesse sentido, a ação profissional do assistente social no campo da
saúde no contexto brasileiro, desde sua inserção datada de 1940, vem
paulatinamente sendo transformada em detrimento da conjuntura econômica,
política, social e cultural.
36
Regulamentado pela Lei n. 8.662 de 1993 e por um Código de Ética
Profissional (1993), o Serviço Social apresenta-se na cena contemporânea como
uma profissão analítica e interventiva, com uma série de atribuições e competências
fundadas na garantia de direitos sociais e na construção de uma sociedade
verdadeiramente democrática, sem preconceitos e iniquidades sociais. Na
perspectiva de atenção integral em saúde, as demandas sociais emergem de várias
formas no cotidiano do trabalho do Assistente Social, exigindo a intervenção
profissional na viabilização do acesso a consultas, exames, internações e
tratamentos. Sendo assim,
As ações a serem desenvolvidas pelos assistentes sociais devem transpor o caráter emergencial e burocrático, bem como ter uma direção socioeducativa por meio da reflexão com relação às condições sócio-históricas a que são submetidos os usuários e mobilização para a participação nas lutas em defesa da garantia do direito à Saúde (CFESS, 2010, p. 43).
Dessa forma a intencionalidade das ações e os pressupostos ideo-políticos
nos conduzem a diferentes resultados, pois dependendo da leitura que se faça da
realidade social e do SUS, podemos estar consolidando tanto o sistema como parte
de um projeto ético-político, ou ao contrário, reproduziremos processos de trabalho
alienantes e conservadores. Para Vasconcelos (2001) uma prática profissional deve
romper com as ideias conservadoras a partir da definição clara e consciente de
referências ético-políticas e da apropriação da perspectiva teórico-metodológica,
buscando referências concretas para a ação profissional. Estas irão possibilitar a
reconstrução permanente do movimento da realidade, objeto da ação profissional,
enquanto expressão da totalidade social, gerando condições para um exercício
profissional consciente, crítico, criativo, politizado e atuante nas políticas de saúde.
Por ser uma profissão que surgiu legitimada pelo capital ela está submetida à
sua dinâmica, considerando a relação de compra e venda da força de trabalho na
condição de assalariamento e de todas as formas precarizadas de contrato de
trabalho. Levando em conta, esta abordagem, podemos dizer que o Serviço Social,
como as demais profissões que surgiram sob a ordem capitalista, encontram-se
submetidas às determinações e às ordens institucionalizadas, seja pelo Estado ou
por ditames gerenciais, corporativos ou partidários, a que são submetidas as
políticas sociais brasileiras. O trabalho profissional no âmbito da saúde nos anos 90
tem sido reordenado pelas contradições presentes nesta área, decorrentes dos
37
projetos em disputa, qual seja: Projeto de Reforma Sanitária e Projeto Privatista,
onde o segundo confronta-se com o Projeto Ético-Político da categoria profissional
dos assistentes sociais por defender princípios e valores centrados na emancipação
dos sujeitos sociais, reconhecendo-os enquanto sujeitos de direitos. É em meio a
essas contradições que o Serviço Social vincula-se ao Projeto de Reforma Sanitária
por entender que este possui perspectivas concretas em direção a uma sociedade
mais justa e igualitária, centrados nos princípios do projeto ético-político da profissão
no contexto do capitalismo monopolista.
Dessa forma, identifica-se que um dos grandes desafios nas ações a serem
desenvolvidas pelos profissionais de Serviço Social é justamente identificar as
tensões e conflitos do sistema, o que implica no redimensionamento dessas ações,
a partir da qualificação técnica e política desses profissionais. As estruturas
organizacionais rígidas, as disputas e a fragmentação de saberes, os limites da
formação profissional, a acomodação e a falta de compromisso por parte de alguns
trabalhadores da saúde com a causa pública, a desarticulação das equipes e os
interesses políticos da gestão, dentre outras, são questões cotidianas que impactam
no trabalho em saúde com rebatimentos significativos à prática do assistente social.
No entanto, são nos espaços institucionais, mesmo minados por disputas de saber e
poder, que devem ser acionadas as estratégias de resistência. Garantir a
participação coletiva é uma forma de fortalecer a identidade profissional de
consolidação de um projeto político comprometido com a garantia dos direitos.
Para Iamamoto (2007,p.171-172) o exercício da profissão exige competência
para propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o seu
campo de trabalho, suas qualificações e atribuições profissionais. Ou seja,
“aprender, no movimento da realidade, as tendências e possibilidades, ali presentes,
passíveis de serem apropriadas pelo profissional, desenvolvidas e transformadas em
projetos de trabalho.” Um desafio da profissão é romper com a prática caracterizada
pelo fatalismo, vinculada ao modo de produção capitalista e, portanto, sem
viabilidade emancipatória ou da garantia de direitos, e com a prática messiânica, na
qual os profissionais acreditam que o Serviço Social tem o poder de solucionar os
grandes conflitos sociais. O outro desafio é participar de um empreendimento
coletivo, que permita, de fato, trazer para o centro do debate o exercício e/ou
38
trabalho cotidiano do assistente social, ou seja, deixar claro no ambiente de trabalho
qual o papel do assistente social ali, tornar evidente quais suas atribuições e
competências para evitar a sobrecarga de demandas que não são pertencentes ao
serviço social, dessa forma a construção de um plano de trabalho auxilia nesse
enfrentamento, assim como a organização coletiva da equipe profissional também
fortalece a categoria para contornar os desafios impostos.
A consciência crítico-reflexiva, pertinente aos profissionais, tem permitido a
construção de estratégias para a superação desses obstáculos. Reconhece-se que
tais dificuldades fazem parte de uma realidade sócio-histórica, das relações de
poder e saber das dinâmicas organizacionais e das contradições. Negar a análise e
as contradições presentes no espaço institucional compromete o exercício
profissional, pois dificulta a possibilidade do próprio reconhecimento da organização
como espaço de superação, de construção de respostas profissionais concretas.
Sob esta perspectiva, ficam visíveis as dificuldades enfrentadas pelos profissionais
em articular o projeto profissional da categoria e o projeto institucional, considerando
o modelo de organização das práticas em saúde e onde realizam suas atividades,
no entanto existem possibilidades para promover os enfrentamentos na busca de
atender as demandas de forma integral e visando o bem estar como um todo do
usuário.
Diante do apresentado, pode-se identificar que o assistente social enfrenta
inúmeros desafios no cotidiano profissional, onde cada vez mais são chamados a
dar respostas condizentes com a realidade institucional, caracterizando enquanto
uma exigência do espaço sócio-ocupacional que, em sua grande maioria requisita
apenas a resolução dos “problemas” apresentados a instituição, não conformando o
atendimento na ótica da totalidade que envolve os sujeitos destinatários da ação
profissional, daí a importância do profissional está em constate atualização e
discussão no âmbito acadêmico, pois as demandas são muito dinâmicas e os
enfrentamentos devem partir de uma construção coletiva para ter mais força no
cotidiano profissional.
4.2 A importância da formação permanente:
39
Primeiramente iremos discutir a respeito da terminologia adequada, uma vez
que “educação permanente” e “educação continuada” são usualmente utilizadas
com o mesmo significado, quando na verdade são inseridas em princípios
metodológicos distintos, apesar de conferirem uma dimensão temporal de
continuidade. A educação continuada tem como objetivo o aperfeiçoamento
profissional, contudo nem sempre atende as demandas que são postas no cotidiano
e nem atende as necessidades provenientes da organização dos processos de
trabalho, não sendo um processo de qualificação de fato. Já a educação
permanente, envolve um processo mais amplo que abrange o contexto histórico,
político e econômico, assim como considera as transformações societárias e os
interesses vigentes das classes sociais, tendo em vista que estas transformações
vêm influenciando o trabalho, a Política de Educação Permanente do Conjunto
CFESS-CRESS educação e a formação profissional no século XXI.
Falar da importância da educação na atualidade tornou-se lugar comum, já
que há uma forte ideologia disseminada pelo mercado que reduz a educação à
qualificação profissional, como condição para a inserção e o sucesso do indivíduo no
mercado de trabalho. Portanto, faz-se necessário ressaltar que a Política de
Educação Permanente proposta pelo Conjunto CFESS/CRESS torna-se estratégica
no plano da qualificação de uma educação permanente e de qualidade para os
profissionais, um vez que esses estão inseridos num contexto que exige
cotidianamente do Serviço Social a capacidade para desvelar, processar e intervir
numa realidade socioinstitucional complexa, permeada por transformações
societárias no mundo do trabalho, que se materializam de forma diferente e imediata
nas diversas expressões da questão social. Dessa forma, a Política de Educação
Permanente extrapola a formação voltada para a qualificação do exercício
profissional, podendo alcançar a dimensão mais ampla da organização política da
categoria.
O momento presente desafia os assistentes sociais a se qualificarem para
acompanhar, atualizar e explicar as particularidades da questão social nos níveis
nacional, regional e municipal, diante das estratégias de descentralização das
políticas públicas (IAMAMOTO, 2008, p. 41). Por tal motivo, a formação permanente
se constitui como um desafio para profissionais que atuam na área. Existe uma
40
tendência de compreender a formação continuada reduzida ao ensinamento “do
como fazer”, “executar”, associada a uma capacidade do sujeito apreender por meio
de capacitações, cursos, etc, a utilização mecânica de técnicas e instrumentos para
responder e atender as necessidades do mercado.
Tais concepções são sustentadas nas tendências do capitalismo
contemporâneo, nas suas requisições da lógica gerencial de gestão social, própria
da contrarreforma do Estado brasileiro e suas implicações na política social, que
demanda um perfil de profissional “à imagem e semelhança da política social
focalizada e minimalista de gestão da pobreza e não do seu combate, politização e
erradicação” (BEHRING, 2008, p.4). Desse modo, é fundamental desmistificar esses
processos e tomar a formação continuada como processo de aperfeiçoamento com
vista a qualificar o Assistente Social para o trabalho profissional na direção do
compromisso com a classe trabalhadora, na construção de uma sociedade sem
classes e torna-la uma formação permanente com dimensões mais amplas. Nesse
sentido se faz necessário recuperar o caráter político do exercício profissional, pois
[...] o Assistente Social é chamado a constituir-se no agente institucional de “linha de frente” nas relações entre a instituição e a população, entre os serviços prestados e a solicitação dos interesses por esses mesmos serviços. Dispõe de um poder, atribuído institucionalmente, de selecionar aqueles que têm ou não direito de participar dos programas propostos, discriminando, entre os elegíveis, os mais necessitados, devido à incapacidade da rede de equipamentos sociais existentes de atender todo o público que teoricamente, tem acesso a eles. […] A estas atividades é acrescida outra caraterística da demanda: a ação de persuadir, mobilizando o mínimo de coerção explicita para o máximo de adesão […] a esta se soma a ação “educativa” que incide sobre os valores, comportamentos e atitudes da população, segundo padrões sócio institucionais dominantes”. (IAMAMOTO, 1998, p. 113).
Compreender esse processo é vital porque permite o rompimento com as
análises reducionistas do trabalho profissional, pragmáticas e desconectadas no real
movimento da ordem burguesa e do significado da profissão. A teoria e a prática
precisam ser compreendidas como expressão de uma unidade, que possibilita
refletir sobre os processos postos na vida cotidiana, comporta uma racionalidade
crítica e emancipatória da sociedade. Essa unidade comporta, ainda, um método de
aproximação, apreensão, leitura e intervenção na realidade, ainda se faz necessário,
também, romper com outros rótulos, tais como: a universidade “é o lugar da teoria”,
“somente nesse universo se produz teoria”, “campo de atuação do intelectual”, tanto
para os profissionais ditos da “academia” como para os ditos da “prática”. Promover
41
esses enfrentamentos requer dos Assistentes Sociais a incorporação no seu
trabalho profissional, de atividades de investigação para a apreensão da realidade
para que possam balizar o exercício profissional e formas de intervenção.
Dessa forma procuramos reafirmar a importância da formação permanente
como estratégia de afirmação do projeto ético-político do Serviço Social, na
dimensão da unidade teoria e prática no exercício profissional. Por outro lado, ainda
se faz necessário que a formação permanente, destinada aos Assistentes Sociais,
seja tomada como eixo prioritário da profissão, pois requer um profissional
informado, crítico, atento ao mundo contemporâneo, competente na gestão e
elaboração de projetos, avaliação de programas e projetos sociais, capacitação de
recursos, gestão de pessoas, socializando informações e conhecimentos, propondo
novos serviços e ampliando o espaço do Serviço Social na busca da emancipação
humana.
A Política de Educação Permanente fortalece um dos princípios
fundamentais do Código de Ética do/a Assistente Social, no que se refere ao
“compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”
(CFESS,2012, p.08). Nesses termos, pensar a educação permanente no Serviço
Social pressupõe, portanto, afirmar o projeto profissional, articulando seus limites e
possibilidades na busca dos enfrentamentos do cotidiano, pois no contexto atual, a
dinâmica e complexa realidade em transformação produz aceleradamente questões
que precisam ser desveladas e analisadas sendo necessária a educação
permanente principalmente no campo do serviço social, por se tratar de uma
profissão generalista e que tem a questão social como objeto de trabalho e estudo.
Política de Educação Permanente do Conjunto CFESS-CRESS voltada para a promoção do aprimoramento intelectual, técnico e político dos assistentes sociais como forma de qualificar o exercício profissional, fortalecendo sua inserção qualificada e crítica no mundo do trabalho; bem como consolidar o projeto ético-político do Serviço Social e potencializar a melhoria dos serviços prestados aos usuários”. (CFESS, 2011).
Dessa forma deve-se ressaltar a importância da formação crítica e
generalista do Serviço Social, sobretudo para evitar a fragmentação e imediaticidade
de conteúdos descolados do projeto de formação profissional, que contribuem para
a proliferação e recorrência no pensamento conservador no interior da profissão. Um
42
outro instrumento importante são as Diretrizes Curriculares na qual indicam como a
formação profissional do/a assistente social implica na capacitação para Política de
Educação Permanente do Conjunto CFESS-CRESS.
1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade;
2. Investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos
que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as
particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço
Social no país;
3. Apreensão do significado social da profissão desvelando as possibilidades de
ação contidas na realidade;
4. Apreensão das demandas - consolidadas e emergentes - postas ao Serviço
Social via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais que
potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas
articulações entre público e privado;
5. Exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na
Legislação Profissional em vigor. (ABEPSS, 1996, p. 07-08).
Em suma a educação permanente, na direção do projeto profissional de
formação aqui reiterado, se afirma como potencial instrumento de consolidação do
projeto ético-político do Serviço Social, assim como se constitui em um importante
instrumento para a construção e qualificação de ações cotidianas no exercício da
profissão e na sua capacidade de organização política. Se contrapondo à tendência
imediatista que leva, muitas vezes, os/as profissionais a participarem de cursos sem
qualidade, aligeirados ou voltados para a habilitação no domínio do instrumental,
com ênfase nos conteúdos técnicos ou comportamentais, tendo em vista a
conformação de um dado perfil profissional (GUERRA, 2011). O desafio do
Assistente Social nos dias de hoje é desenvolver propostas de trabalhos criativos e
inovadores, que sejam capazes de concretizar direitos sociais previstos em lei à
população usuária. As demandas e exigências requerem rearranjo de competências
técnicas, políticas e operacionais. Enfim, são investimentos na formação profissional
para práticas conscientes.
4.3 Como reagir ao cotidiano profissional?
43
Por ser uma das profissões que intervém no processo de reprodução social,
no terreno de disputas entre capital e trabalho, atuando diretamente na vida dos
sujeitos, o Serviço Social vivencia no cotidiano profissional alterações significativas
que diversificam e complexificam os espaços sócioocupacionais, imprimindo novas
condições objetivas de trabalho e às demandas e requisições profissionais, a partir
dessa constatação cabe refletir como esses novos contornos implicam na atuação
profissional cotidianamente, uma vez que o trabalho do serviço social é cercado por
desafios.
O cotidiano por sua vez é um espaço onde todos os atores sociais participam
e cobram respostas imediatas, dessa forma por sua própria característica de
requerer todas as respostas para todas as suas questões, a esfera cotidiana tende à
alienação, ao cumprimento de rotinas e tarefas, limitadas à superficialidade e ao
senso comum, cabendo ao profissional promover um enfrentamento, uma vez que
na construção profissional prever um assistente social com perfil crítico e politizado,
no qual possa ter uma compreensão macro daquela demanda e que vise a
concessão de direitos aos usuários, evitando , a execução terminal de políticas
sociais muitas vezes acrítica, concebendo a implementação de leis e normas,
seguindo critérios e padrões, sendo o carimbo e o papel mais importantes que os
seres humanos e suas relações.
A diversidade de atividades da vida cotidiana leva a visão limitada apenas
aos fenômenos do real: enxerga-se a pobreza, mas não o movimento histórico-
econômico que a engendra; conhece-se o adolescente infrator, mas não a dinâmica
que o leva a se constituir enquanto tal, conhece-se a doença, mas não os
provenientes dela, ou seja faz-se necessário realizar um exercício diário de reflexão
crítica de acordo com as demandas corriqueiras, a discussão caso a caso, o
planejamento de ações diárias e não somente aguardar as demandas espontâneas.
Dessa forma destaca-se a importância de ter uma dinâmica de trabalho
multiprofissional, em que cada um possa contribuir e respeitar a ação profissional de
cada um.
No exercício profissional cotidiano, o Serviço Social mantém o desafio de
conhecer e interpretar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo,
especialmente em relação às mudanças no mundo do trabalho e sobre as questões
44
de desestruturação dos sistemas de proteção social e das políticas sociais em geral.
Não se trata apenas de operacionalizar as políticas sociais, embora importante, mas
faz-se necessário conhecer as contradições da sociedade capitalista, da questão
social e suas expressões que desafiam cotidianamente os assistentes sociais,
pensar as políticas sociais como respostas a situações indignas de vida da
população pobre e com isso compreender a mediação que as políticas sociais
representam no processo de trabalho do profissional, ao deparar-se com as
demandas da população, ou seja faz-se necessário um momento de planejamento e
discussão no âmbito do trabalho.
Sendo assim, a profissão, como afirma Yazbek (2000, p.29), enfrenta o
desafio de decifrar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo, especialmente
em relação às mudanças no mundo do trabalho, os processos desestruturadores
dos sistemas de proteção social, da política social em geral e o aumento da pobreza
e a exclusão social. O Serviço Social vê-se confrontado e desafiado a compreender
e intervir nessa sociedade de transformações configuradas nas novas expressões
da questão social: a precarização do trabalho, a penalização dos trabalhadores, o
desemprego, a violência em suas várias faces, a discriminação de gênero e etnia e
tantas outras questões relativas à exclusão. A efetivação do projeto ético-político do
Serviço Social exige que os profissionais, cada vez mais, fortaleça seu perfil
profissional e sua identidade, ultrapassem limites institucionais e superem a
ideologia do assistencialismo e avancem nas lutas pelos direitos e pela cidadania.
Dessa forma, o exercício da profissão envolve a ação de um sujeito profissional que
tenha competência para lidar com as novas demandas, para lutar a favor dos seus
projetos, defender seu espaço de trabalho, demonstrando as suas qualificações e
funções profissionais que extrapolem ações rotineiras e decifrem realidades
subjacentes, revertendo-as em ações concretas na busca pela concretização do
direito.
Neste sentido, é possível entender que o assistente social, tendo domínio do
Projeto Ético Pólítico da profissão, percebe que as possibilidades de transformação
não estão na profissão, mas na própria realidade, na qual, certamente, por meio de
uma intervenção profissional competente, poderá se estabelecer devidas mediações
entre interesses da classe trabalhadora e da classe dominante. É fundamental que
45
haja uma intervenção reflexiva e eficaz no sentido de articular dinâmicas de
conhecimentos, saberes, habilidades, valores e posturas, há uma necessidade
também de superar do pragmatismo presente no cotidiano profissional. A ação do
assistente social, embora se vincule ao cotidiano, precisa ultrapassá-lo. Cabe aos
profissionais criarem estratégias de "suspensão" do cotidiano, por meio da
sistematização das informações coletadas sobre os usuários e sua relação com a
questão social, para identificar e reconhecer as necessidades sociais de cada
indivíduo, uma vez que eles possuem particularidades e os processos de resistência
gestados pelos grupos populares. Ao mesmo tempo, há a necessidade de criação
de espaços para socialização e debate, articulando estratégias de enfrentamento
aos limites postos ao exercício profissional, tanto do ponto de vista da inserção na
divisão sociotécnica do trabalho, quanto da seletividade e da focalização das
tendências das políticas sociais na atualidade.
46
Considerações Finais
O serviço social a partir da década de 80 evoluiu em diversos aspectos,
passou por um processo de maturação no qual deu um salto qualitativo na formação
teórica e prática, houve um adensamento nas publicações editoriais, nas produções
acadêmicas e da identidade profissional, ou seja surgindo um novo perfil
profissional, deixando de lado o caráter de caridade e messiânico.
Dessa forma buscou-se apropriação de bases teórico- metodológicas
pautadas em análises críticas, assim como construiu estratégias técnico- operativas
e fortaleceu seu comprometimento com os componentes éticos-políticos, no entanto
esse processo de evolução ainda não foi concretizado e se renova a cada nova
expressão da Questão Social que lhes é apresentado como demanda. Considerando
a trajetória percorrida pelo serviço social, que buscou ultrapassar a fase de
alienação através do desenvolvimento teórico e político; os profissionais
contemporâneos devem estar atentos ao desafio de “fazerem a diferença” no
mercado de trabalho, ou continuarão “pagando o preço” de sua atuação
moralizadora, assistencialista e meramente executora do passado. Portanto,
entende-se que essa profissão lida com questões objetivas e subjetivas e necessita,
de um amplo arcabouço teórico, que possibilite a visão completa sobre o fenômeno
social, rompendo de vez com o reducionismo, com a fragmentação.
Sendo assim, o debate no Serviço Social é pautado justamente no aspecto do
desenvolvimento profissional, que a relação com o âmbito acadêmico não cesse
após a graduação, mas que permaneça uma relação com o saber permanente. Que
os instrumentos profissionais utilizados sejam de fato próprios da profissão e que se
tenha a cautela de não instrumentalizar pessoas e torna-las apenas um número de
cadastro.
A argumentação, a confrontação, a escuta, a reflexão, a criatividade e a ação
com vistas a objetivos a curto, médio e longo prazo, são habilidades a serem
utilizadas no exercício profissional. Assim, refletir sobre a identidade profissional do
Assistente Social requer resgates históricos e perspectivas futuras, pois ainda é um
processo em construção. O que pode ser observado e apreendido diante das
leituras que tratam dessa temática é que não são poucos os profissionais que atuam
na busca de viabilização dos direitos, produção de conhecimentos e que socializam
47
as informações fortalecendo dessa forma a identidade da profissão e desenvolvendo
a competência teórica e prática.
No entanto, ainda é um grande desafio para os profissionais estabelecer
relação e inserir em sua prática os componentes teóricos- metodológicos, técnicos-
operativos e ético-políticos que compõem a instrumentalidade, uma vez que não
basta apenas identifica-los, mas interrelacioná-los com a pesquisa, produções
teóricas e a práxis profissional.
Em suma, diante de toda a discussão que foi realizada no decorrer deste
trabalho, torna-se evidente que não é possível existir essa desconexão da teoria e
da prática, são duas questões que se tornam únicas e indissociáveis. Contudo,
existem barreiras presentes no cotidiano que buscam promover tal divisão, fazendo
com que o profissional acredite que é na prática que se faz a teoria, e que a teoria é
insuficiente para ser colocada em prática, por esse motivo é que os profissionais
devem buscar estratégias para conciliar a formação permanente, não enxergá-la
apenas como mais uma formação corriqueira, mas sim como um espaço que o
deixará sempre em contato com as discussões, uma vez que se torna cada vez mais
difícil realizar esse tipo de ação no seu cotidiano profissional, assim como elaborar
meios que promovam o enfrentamento do engessamento das práticas do cotidiano
profissional e lutar pra que se mantenha uma unidade profissional de acordo com
Projeto Ético Político e com o Código de Ética da profissão, afinal é só a partir dessa
unidade que o Serviço Social terá força e o reconhecimento necessário,
principalmente no âmbito da saúde, visto que ainda atende a um modelo
hospitalocêntrico pautado no médico.
48
Referências:
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