UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
COMPETÊNCIA MORAL E CIDADANIA ORGANIZACIONAL: estudo
com militares em formação
FLÁVIO FERREIRA DA SILVA
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
COMPETÊNCIA MORAL E CIDADANIA ORGANIZACIONAL: estudo com militares em formação
FLÁVIO FERREIRA DA SILVA
Sob a orientação do Professor Doutor Marcos Aguiar de Souza.
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Seropédica, RJ Maio de 2016
153
S586c
T
Silva, Flávio Ferreira da, 1972-
Competência moral e cidadania
organizacional: estudo com militares em
formação / Flávio Ferreira da Silva. – 2016. 115 f.: il.
Orientador: Marcos Aguiar de Souza. Dissertação (mestrado) – Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, Curso de
Pós-Graduação em Psicologia, 2016.
Bibliografia: f. 90-93.
1. Psicologia cognitiva - Teses. 2.
Militares - Conduta – Teses. 3.
Desenvolvimento moral – Teses. 4. Educação
moral – Teses. 5. Educação militar –
Aspectos morais e éticos – Teses. 6.
Comportamento organizacional – Teses. 7.
Cidadania – Teses. I. Souza, Marcos Aguiar
de, 1965- II. Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro. Curso de Pós-Graduação
em Psicologia. III. Título.
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO-PROPPG
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA-PPGPSI
MESTRADO EM PSICOLOGIA
FLÁVIO FERREIRA DA SILVA
COMPETÊNCIA MORAL E CIDADANIA ORGANIZACIONAL: estudo com
militares em formação
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia, conferido pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI), da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Desenvolvimento Cognitivo, Humano e Social.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Aguiar de Souza
Aprovado em: de de 2016.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Prof Dr. MARCOS AGUIAR DE SOUZA
PPGPSI – UFRRJ – SEROPÉDICA
________________________________________________________
Profª Dra. VALÉRIA MARQUES DE OLIVEIRA
PPGPSI – UFRRJ – SEROPÉDICA
_________________________________________________________
Prof. Dr. ANTÓNIO JOSÉ PALMA ESTEVES ROSINHA
DEPG – ACADEMIA MILITAR – PORTUGAL
AGRADECIMENTOS
À Deus e aos meus pais que ofereceram a possibilidade de trilhar este caminho.
Ao Prof. Marcos Aguiar que balizou e iluminou o obscuro caminho.
À Maria das Graças e Heitor que suavizaram este árduo caminho.
Aos amigos que obrearam este exigente caminho.
RESUMO
SILVA, Flávio Ferreira da. Competência moral e cidadania organizacional: estudo com militares em formação. 2016. 115p. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Instituto de Educação, Departamento de Psicologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2016.
A pesquisa desenvolvida se enquadra área de estudo de psicologia cognitiva e dos processos sociais, tendo como tema o desenvolvimento da moral e os comportamentos de cidadania organizacional. O estudo foi realizado com cadetes do Exército Brasileiro (EB), matriculados em 2015, no curso de formação para oficiais da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Destacam-se como objetivos do estudo: analisar as relações entre o processo educacional da AMAN e o aprimoramento das competências para avaliação de dilemas morais; averiguar as ligações entre a formação na AMAN e o desenvolvimento dos Comportamentos de Cidadania Organizacional (CCO); e verificar os vínculos entre dos níveis de competência moral com os indicadores de CCO do mesmo público. O estudo está fundado nas elaborações teóricas de Piaget e Kohlberg sobre competência moral, e nos constructos de Comportamentos de Cidadania Organizacional. A pesquisa contou com uma amostra de 732 cadetes distribuídos pelos 1º, 2º e 3º anos, das sete especialidades militares em formação na AMAN. Utilizou-se do Teste de Julgamento Moral (MJT xt), de Bataglia e Lind (1998), e as Escalas de Comportamento e Cidadania Organizacional, de Siqueira (2014), em suas três categorias: divulgação e defesa da organização; criatividade nas soluções dos problemas organizacionais; e a adoção de comportamentos de suporte e cooperação social na execução das tarefas. O tratamento estatístico feito partiu das plataformas SPSS (Statistical Package for Social Science) e dos Módulos AMOS (Analysis of Moment Structures). Destacam-se os seguintes resultados obtidos: os índices do Escore C (competência moral) de cadetes se situam em níveis medianos, não sendo observadas diferenças significativas (positivas ou negativas) decorrentes do progresso no curso de formação ou em relação às diferentes especialidades militares. Não foram identificadas diferenças significativas nos Escores C nas correlações com a origem familiar dos cadetes (se militar ou civil), a procedência escolar (se colégio militar ou civil) e as afiliações religiosas. As formulações dos dilemas alternativos para o MJT (xt) demonstram correlação com as formulações originais do teste, mas necessitam de ampliação da base de dados, principalmente para o Dilema do Estudante. Os Comportamentos de Cidadania Organizacional sofrem influência negativa no decorrer do curso, quanto analisados os aspectos de defesa da organização e cooperação. Os dados apontam para correlação negativa entre o desenvolvimento da Competência Moral e os CCO de cadetes.
Palavras-chave: Psicologia cognitiva, Educação Moral, Comportamento e Cidadania Organizacional.
ABSTRACT
SILVA, Flávio Ferreira da . moral and organizational citizenship competence : study with military training . 2016. 115p . Dissertation ( Master in Psychology ) . Institute of Education, Department of Psychology , Federal Rural University of Rio de Janeiro, Seropédica , RJ , 2016 .
The research developed fits study area of cognitive psychology and social processes , taking as its theme the development of moral and organizational citizenship behaviors . The study was conducted with cadets of the Brazilian Army (EB), registered in 2015, the training course for officers of the Military Academy of Agulhas Negras (AMAN) . stand out as study objectives : to analyze the relationship between the educational process of AMAN and the improvement of skills for evaluation of moral dilemmas ; investigate the links between training in AMAN and development of Organizational Citizenship Behaviors (CCO) ; and check the links between the moral levels of competence with the CCO indicators of the same public . The study is based on theoretical elaborations of Piaget and Kohlberg on moral competence, and constructs of Organizational Citizenship Behaviors. The survey included a sample of 732 cadets distributed by the 1st, 2nd and 3rd years of the seven military specialty training in AMAN. We used the Moral Judgment Test (MJT xt) of Battaglia and Lind (1998), and Behavior Scales and Organizational Citizenship, Siqueira (2014) in its three categories: dissemination and advocacy organization; creativity in the solution of organizational problems; and the adoption of supportive behavior and social cooperation in the implementation of the tasks. Statistical analysis done left the SPSS platforms (Statistical Package for Social Science) and AMOS modules (Analysis of Moment Structures). Noteworthy are the following results: the contents of the score C (moral competence) cadets stood at median levels, significant differences were observed (positive or negative) resulting from the progress in the training course or for the different military specialties. No significant differences were identified in scores C in correlation with the family background of the cadets (whether military or civilian), school origin (whether military or civilian college) and religious affiliations. The formulations of alternative dilemmas for the MJT (xt) show correlation with the original test formulations, but need to expand the database, mainly to Student's Dilemma. The Organizational Citizenship Behaviors suffer negative influence throughout the course, as analyzed aspects of defense organization and cooperation. The data point to a negative correlation between the development of Moral Competence and CCO of cadets.
Keywords: Cognitive Psychology, Moral Competence, Organizational Behavior and Citizenship, Military Education.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 8
1.1 Educação organizacional e desenvolvimento moral.......................................... 9
1.2 Educação organizacional e Comportamentos Cidadania Organizacional...... 12
1.3 Problema............................................................................................................ 14
1.4 Hipóteses................................................................................................................ 16
1.5 Objetivos................................................................................................................ 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................................... 18
2.1 Socialização profissional de militares................................................................. 18
2.2 Desenvolvimento da moralidade......................................................................... 25
2.2.1 A Bioecologia do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner ................... 26
2.2.2 Desenvolvimento Moral de Piaget e Kohlberg .................................................. 30
2.3 Comportamento de Cidadania Organizacional................................................. 41
3 MÉTODO E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA......................................... 46
3.1 Método...................................................................................................................... 46
3.1.1 O campo organizacional.......................................................................................... 46
3.1.2 Delineamento da pesquisa........................................................................................ 52
3.2 Participantes............................................................................................................. 54
3.3 Instrumentos............................................................................................................. 55
3.3.1 Teste Julgamento Moral Estendido (MJT_xt)......................................................... 55
3.3.2 Escalas Comportamento de Cidadania Organizacional.......................................... 58
3.4 Devolução dos resultados........................................................................................ 60
3.5 Ética em pesquisa..................................................................................................... 60
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................. 62
4.1 Relação entre a formação profissional e competência moral.............................. 62
4.2 Relação entre a formação e os Comportamentos de Cidadania
Organizacional.........................................................................................................
80
4.3 Relação entre Competência Moral e os Comportamentos de Cidadania
Organizacional.........................................................................................................
86
5 CONCLUSÃO................................................................................................................ 88
REFERÊNCIAS............................................................................................................. 90
ANEXO A – Moral Judgment Test Extended (MJT_xt)…………………………. 94
ANEXO B – Escala de Comportamento de Cidadania Organizacional............... 104
ANEXO C – Escala de Intenções de Comportamentais de Cidadania
Organizacional....................................................................................................
105
ANEXO D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................................ 113
ANEXO E – Parecer da Comissão de Ética na Pesquisa da UFRRJ/COMEP...... 115
8
1 INTRODUÇÃO
Na sociedade contemporânea, as notícias sobre a corrupção e seus efeitos nocivos, a
violência urbana e a falta de ética generalizada ocupam posições de destaque na mídia. Essa
realidade é observável por meio da vultosa difusão de denúncias de corrupção de agentes
públicos e privados, mostrando uma fragilidade moral e política do Estado e de seus agentes.
Igualmente consideráveis são os volumes de denúncias de agressões promovidas pelos
agentes da segurança pública, na repressão de protestos sociais urbanos e rurais, e do crime
organizado contra pessoas comuns, numa escalada de violência que anestesia a sensibilidade
das pessoas e fomenta a cultura do medo. A violência também é noticiada nos ataques às
figuras de autoridade, como juízes, promotores e policiais, que lutam para manter a ordem
social, ou mesmo contra professores e médicos, em exercício de suas funções. Todos esses
fatos são exemplos de situações que motivam discussões em torno dos temas cidadania e
ética.
No campo militar, a violência e os assuntos ligados à ética também estão presentes
nas agências de comunicação. Tem-se, por exemplo, informações sobre conflitos armados e
seus desdobramentos, com relatos de violações aos direitos humanos, por aplicação de força
excessiva. Os episódios das ações terroristas e das propagandas de grupos fundamentalistas,
fomentando polaridades entre ocidente e oriente, infiéis versus mulçumanos, num crescente
sentimento de beligerância entre povos e nações. Notícias sobre as corridas armamentistas
ativam o fantasma das armas nucleares e químicas com efeitos de destruição em massa, contra
alvos civis e militares. Há também notícias de intervenções militares que desrespeitam a
autodeterminação das nações na administração de seus conflitos internos. A avalanche
migratória impulsionada por conflitos armados que inviabilizam a vida na terra natal. Todos
esses fatos suscitam dilemas sobre até que ponto é justificável a aplicação da violência do
Estado e quais os limites políticos, sociais e éticos de tal intervenção.
Embora as respostas a esses problemas sejam formuladas por políticas institucionais,
há níveis de decisão que acontecem na esfera dos microssistemas, isto é, quando os indivíduos
da linha de frente desses conflitos, estando investidos do poder do Estado, têm que decidir
como aplicar a violência e repressão do Estado, sem perderem as noções de legalidade, justiça
e moralidade. Desta maneira, a compreensão de aspectos ligados ao desenvolvimento dos
indivíduos e seus processos cognitivos de tomada de decisão frente a este tipo de problema é
um tópico que se avalia como significativo à investigação psicológica.
9
A pesquisa de mestrado acadêmico em psicologia, constante desta dissertação, tem
como esforço a articulação dos constructos Competência Moral e Comportamento de
Cidadania Organizacional, dentro do contexto de educação corporativa desenvolvido na
Academia Militar do Exército Brasileiro. Para tanto, realizou-se um estudo empírico e
quantitativo desses temas, com base nas teorias do desenvolvimento da moralidade de perfil
cognitivista (PIAGET, 1932/1994; KOHLBERG, 1958 e 1992; LIND e BATAGLIA, 2009).
Foram consideradas também contribuições da Teoria Bioecológica do desenvolvimento
humano (BRONFENBRENNER, 1973/2011), combinadas com modelos teóricos de avaliação
sobre ética no campo organizacional (SIQUEIRA, 1995/2014).
O escopo do trabalho reside em avaliar o tipo e o grau de associação existente entre
os processos sociais decorrentes da educação profissional corporativa, que ocorre na
Academia Militar, com o desenvolvimento psicossocial dos seus alunos, aspirantes ao
oficialato, no tocante aos processos de julgamento e decisão sobre situações-dilema que
envolva raciocínios sobre legalidade, justiça e valores morais.
A seguir são apresentados aspectos gerais das variáveis do estudo, a construção do
problema de pesquisa, a elaboração dos objetivos e hipóteses do trabalho.
1.1 Educação organizacional e desenvolvimento moral
A complexidade do mundo contemporâneo exige dos agentes sociais o
desenvolvimento de bases cognitivas e morais que permitam a resolução de conflitos por meio
da negociação e da discussão, em detrimento do uso do poder, da força ou da violência. Esse
argumento, destacado por Georg Lind (2006), professor de Psicologia da Universidade de
Konstanz na Alemanha, atualiza algumas das discussões iniciadas por Jean Piaget (PIAGET,
1932/1994) e Lawrence Kohlberg (1958), hoje associadas ao campo da Psicologia Moral. Esta
área de estudo se ocupa em compreender quais os processos mentais utilizados pelos
indivíduos na elaboração de regras, princípios e valores morais, que fundamentam os
julgamentos e decisões sobre problemas morais (LA TAILLE, 2006).
Para os referidos autores, a construção psicológica da moralidade, a exemplo do que
ocorre com o desenvolvimento cognitivo, é uma potencialidade que precisa ser produzida por
meio da interação social (PIAGET, 1934/1994; KOHLBERG, 1992). Em outras palavras, o
desenvolvimento não decorre de um movimento natural do organismo (produto da herança
genética), mas sim de um processo social que precisa ser estimulado, podendo ser
aprimorado. Por esse motivo, há o reconhecimento da importância da educação e de suas
10
agências formadoras (escolas e organizações de trabalho) no pleno amadurecimento cognitivo
e moral dos indivíduos.
No Brasil os estudos sobre o tema Psicologia Moral afiliados aos conceitos de Piaget
e Kohlberg remetem às contribuições de Biaggio (2006), La Taille (2006) e Bataglia (2009).
Também eles relacionam o desenvolvimento moral com o campo da educação. Em suas
pesquisas realizadas em ambientes educacionais, é possível depreender a premissa de que há
uma associação positiva entre processo educacional e o desenvolvimento da moralidade. Da
mesma forma que Kohlberg, Boyd e Levine (1990) aqueles pesquisadores compreendem que
o processo educacional é vetor para o desenvolvimento da moralidade, pois a educação atua
para além do aprendizado dos conteúdos acadêmicos, incluindo, a interiorização dos valores
sociais e da cultura institucional, para num momento posterior, produzir no indivíduo a
autonomia necessária para refletir sobre o código moral.
A presença de vários processos mentais, como o pensamento, as emoções, as
atitudes, os hábitos, atualizam, como destaca La Taille (2006), as duas concepções originais
do pensamento piagetiano acerca do desenvolvimento cognitivo e moral, assimiladas por
Kohlberg: a ideia de um paralelismo entre o desenvolvimento intelectual e o afetivo, e a ideia
de um processo interacionista na construção dos pensamentos. Assim, sob ponto de vista da
moralidade piagetiana-kohlberguiana, o amadurecimento do indivíduo envolve elementos
cognitivos e emocionais. No primeiro aspecto pela capacidade de organizar as idéias em
categorias amplas e lógicas o suficiente para fundamentar um julgamento com base em
princípios éticos relacionados à justiça. No tocante aos aspectos emocionais, o
desenvolvimento tende ao abandono dos comportamentos e pensamentos motivados pelo
hábito e tradição, ou pelo caráter coercitivo e egocêntrico da tomada de decisão, passando à
adoção da cooperação como conduta prevalente. Para que o amadurecimento moral ocorra,
deve-se promover o permanente exercício dos pensamentos e razões estruturadas em
diferentes pontos referenciais sobre qual decisão é justa.
A flexibilidade e a reversibilidade dessas operações mentais permitiriam uma
interpretação mais dinâmica e complexa das relações entre os diferentes sujeitos e os objetos
do mundo. Essa elaboração da justiça sob o ponto de vista dos diferentes agentes, não fixa a
pessoa numa formulação extremamente legalista da moral ou de adesão cega à autoridade que
enuncia a ação moralmente válida, mas promove a tomada de decisão orientada com base em
princípios éticos. Desta maneira, na compreensão de Kohlberg, Boyd e Levine (1990), o
desenvolvimento moral caminha na direção de um pensamento autônomo, capaz de aplicar
11
categorias universais de julgamento moral, sem ficar cristalizado nas fórmulas da lei e da
autoridade.
Em prol da compreensão do processo educativo como moderador e mediador do
desenvolvimento humano, resgata-se a proposta teórica do professor Urie Bronfenbrenner, da
Universidade de Cornell. Numa perspectiva biopsicossocial do desenvolvimento humano,
Bronfenbrenner (1963/2011) afirma que há nos indivíduos um potencial para a mudança
sistêmica (aspectos biológicos, psicológicos e comportamentais), que está associada a um
indivíduo ativo, engajado num contexto e dentro de diferentes nichos ecológicos que
legitimam as mudanças. Com seu esforço de pesquisa, o autor elabora e aprimora uma
metodologia pioneira que interrelaciona quatro elementos do desenvolvimento, quais sejam:
os processos de amadurecimento do organismo (por exemplo, o processo educativo), a pessoa
(com sua individualidade de características biológicas, cognitivas, emocionais e
comportamentais), o contexto (relacionada com a ecologia de sistemas interrelacionados:
microssistema, mesossistema, exossistema e o macrossistema) e o tempo (ligado tanto ao
aspecto do ciclo vital, quanto ao tempo histórico social). As explicações conceituais do
modelo de Bronfenbrenner constam do capítulo 2 desta dissertação.
As contribuições teóricas Brofenbrenner (1963/2011) sobre o desenvolvimento
humano sugerem que o crescimento do indivíduo pode ser circunstanciado e refinado pela
aplicação de políticas públicas consolidadas num projeto pedagógico. Essa concepção nos
parece especialmente útil por permitir a criação e o aprimoramento de ações educativas que
favoreçam os surgimentos de competências cognitivas, emocionais e comportamentais em
níveis mais complexos, sobre os temas de legalidade e justiça. Permite ainda, a avaliação dos
programas educativos e sua proposta de desenvolvimento, a partir da compreensão dos vários
níveis ecológicos integrados às pessoas envolvidas.
Desta maneira, os estudos de diferentes realidades educacionais, descritas por
Kohlberg (1992), Biaggio (2006), La Taille (2006) e Brofenbrenner (2011), apresentam
diferenças quanto aos estágios de amadurecimento cognitivo e emocional alcançados pelos
indivíduos, no julgamento moral. Isso sugere que os ambientes em que ocorrem a socialização
dos indivíduos, os diferentes projetos pedagógicos e as diversidades de perfis de grupos
podem repercutir na intensidade e direção da associação entre educação e moralidade. Em
outras palavras, admite-se que há uma associação entre o desenvolvimento da moralidade e os
processos educativos que ocorrem com a pessoa, devendo-se observar os ambientes
específicos sob os quais os organismos atuam, os objetos da realidade que o indivíduo opera,
e as estruturas de relações sociais que regulam essa dinâmica. Entende-se que essas coisas têm
12
valor como objeto de estudo científico, sendo esforço desta dissertação a ampliação empírica
dos dados, tanto para avaliar se o desenvolvimento da moralidade é influenciado por
processos educativos, quanto para aferir se os efeitos que diferentes projetos pedagógicos têm
sobre as variáveis em estudo (no caso, avaliar a especificidade do programa escolar da
Academia Militar sobre o aprimoramento do pensamento moral).
1.2 Educação organizacional e Comportamentos de Cidadania Organizacional
As academias militares são organizações de ensino corporativas das três forças
singulares (Marinha, Exército e Aeronáutica) e das forças auxiliares de segurança pública
(Polícia Militar). Essas organizações de ensino pretendem suprir as necessidades formativas
das instituições militares, realizando o início da formação de seus quadros dirigentes, isto é, a
formação de seus oficiais. As particularidades da missão educativa das academias militares
poderão ser compreendidas com o exame de algumas características da profissão militar.
Ao estudar as relações entre os soldados e a sociedade Huntington (1996) esclarece
que a profissão militar existe para servir ao Estado. Esse fato impele todos os profissionais
das armas e a forças militares que comandam a se constituírem em instrumento da política
estatal, dentro dos parâmetros de hierarquia e disciplina do Estado. Tem-se, então, que além
da capacitação técnica, com lastro nos conhecimentos específicos militares transmitidos pela
educação, as academias pretendem desenvolver a predisposição para o cumprimento das
prescrições éticas e legais de defesa da soberania, da ordem pública e das instituições
nacionais. Busca-se, assim, que esses agentes institucionais decidam agir com a adequada
aplicação dos recursos coercitivos disponíveis, isto é, as ações de emprego da força devem ser
norteadas por princípios morais maiores, como a manutenção do bem-estar público e do
Estado Democrático de Direito. Na produção dessa cognição social estão presentes aspectos
afetivos associados a uma estrutura de pensamento moral, cujo objetivo é predispor esses
agentes para alguns tipos de atitudes que irão conferir identidade social ao grupo militar.
Como principal disseminadora da cultura militar, cabe às academias militares a
função de promover a internalização dos valores e das atribuições sociais desse segmento
profissional, de maneira que, por exemplo, a atitude disciplinada e o respeito à hierarquia
Institucional e do Estado, sejam critérios de eficiência dessas escolas. Esse pensamento
instrumental da cultura encontra reforço na posição de Formiga (2012), quando afirma que a
internalização das regras e normas sociais, significa o reconhecimento de características que
evidenciam a organização de um grupo ou sociedade com os recursos utilizados para manter a
13
uniformidade entre seus membros. Esse estado de coisas contribuiria, segundo Formiga
(2012), para a redução de um estado anômico e desviante dos indivíduos, favorecido pelo
vazio da falta de referências sociais estáveis - fato indesejável para qualquer grupo de
profissionais, em especial para os militares.
Os processos de educação profissional em academias militares ilustram as análises de
Berger e Luckmann (1985) sobre as interrelações de organizações e indivíduos, naquilo que
denominaram como socialização secundária. Esse é um processo que busca interiorizar as
condutas e os significados que irão conferir estabilidade e previsibilidade à convivência social
do grupo, permitindo a construção de uma identidade diferenciadora e, ao mesmo tempo,
inclusiva de determinado corpo social. Dessa maneira, o processo educativo de uma academia
militar busca o maior grau pela adesão dos indivíduos aos valores da cultura organizacional,
devendo essa interiorização ser objetivada por comportamentos que se coadunem com os
valores institucionais.
Para Siqueira (2014) uma das formas de avaliação do grau de adesão aos valores e à
cultura organizacional se dá por meio da objetivação dos Comportamentos de Cidadania
Organizacional (CCO). Com tal formulação Siqueira pretende compreender e identificar em
que medida o indivíduo adere ao ethos da organização, utilizando como recurso a verificação
de três tipos de comportamentos: (1) ações de cooperação com o corpo social; (2) a busca
pelo aperfeiçoamento da organização e das relações sociais e (3) a defesa da imagem e dos
objetivos da organização. Esses comportamentos de adesão organizacional também estão
associados às formas como os indivíduos percebem e exercitam a justiça distributiva e justiça
interacional nas relações sociais de trabalho – fato que interliga o constructo com as decisões
no âmbito da moral e da ética.
A discussão sobre educação de valores em ambientes organizacionais pode ser
encontrada nas pesquisas de Kohlberg (1992), quando reconhece que a responsabilidade no
trabalho pode atuar como fator gerador de um progresso estimulante de um pensamento
estruturado em princípios. Para o autor, a experiência de trabalho com certo grau de
complexidade moral requer que uma pessoa tome a perspectiva dos indivíduos dentro de um
sistema particular e do sistema como um todo, sendo esta experiência promotora de
desenvolvimento do pensamento por princípios. Prossegue, afirmando que quando as regras
de um sistema ou de uma instituição entram em conflito com o bem-estar ou com os direitos
de um indivíduo dentro desse sistema, a pessoa que está em uma situação de responsabilidade
para resolver esse conflito deve, necessariamente, formular ideais ou princípios que
14
reconheçam as demandas de ambos (indivíduo e instituição) para resolver o conflito e atuar de
forma justa e responsável.
No trabalho realizado em conjunto com Rest (1994), Kohlberg sugere variações do
modelo original de comunidade justa, que usa o conceito de justiça social associado ao de
cooperação social, permitindo vislumbrar uma possível relação com os Comportamentos de
Cidadania Organizacional de Siqueira (2014). Esse espírito de cooperação social transborda
para a esfera organizacional, já na forma das experiências sobre a comunidade justa
(KOHLBERG, 1985/2006), quando toda uma estrutura de redes sociais no âmbito
educacional é criada, para exercitar as discussões sobre os dilemas morais surgidos,
alcançando, em conseqüência, níveis mais elevados de desenvolvimento da moralidade. Dessa
maneira, a comunidade justa influencia no clima ético da organização, por estabelecer
relações de confiança, igualdade e justiça para todos os membros.
Enfim, as pesquisas de Kohlberg sobre comunidade justa e cooperação social (que
ocorre no âmbito dos programas educacionais das escolas) e os estudos sobre os efeitos dos
dilemas morais do mundo do trabalho (como vetor de aprimoramento do pensamento moral)
fundamentam o argumento de relevância da presente dissertação sobre o processo educativo
em uma academia militar, sua relação com o desenvolvimento da moralidade e o
comportamento de cooperação social. Utiliza-se, ainda, na tentativa de tornar mais evidente a
relação entre processo de socialização, percepção de justiça organizacional e adesão aos
valores da organização, o constructo comportamento de cidadania organizacional (CCO),
expresso por Siqueira (2014). Esse fenômeno, também conhecido como comportamento do
bom soldado trata das atitudes espontâneas e inovadoras dos indivíduos, num espírito de
cooperação entre os membros da organização, em diferentes níveis, sem que haja intenções de
recompensas, visando promover uma melhora na eficácia organizacional.
1.3 Problema
Embora haja prescrição legítima para a ação militar, estabelecida na forma de leis e
regras de engajamento emanadas do poder Legislativo Federal e das Forças Militares
Singulares (Marinha, Exército e Aeronáutica), as vivências e práticas das operações militares
demonstram o limite dessa condição meramente prescritiva. A natureza da atividade militar
exige do agente do Estado o discernimento e a decisão sobre o momento de empregar a
violência ou retrair. Requer dele a capacidade para julgar as situações com base em princípios
éticos, que nas categorias de Piaget (1994) e Kohlberg (1992) estão articulados no entorno dos
conceitos de justiça, de igualdade e de reciprocidade.
15
Para compreender os processos mentais que conduzem ao julgamento moral, os
autores citados elaboraram uma teoria psicológica do desenvolvimento com base num duplo
aspecto (o cognitivo e o moral). Para eles esses dois eventos evoluem de formas
independentes, em vias paralelas, mas tem a característica de se influenciarem mutuamente.
Desta maneira, a crescente sofisticação das capacidades cognitivas produz esquemas mentais
cada vez mais complexos, permitindo a interpretação e compreensão das leis como construção
social reguladora das relações em sociedade. À medida que desenvolvem o pensamento para
níveis mais alto, isto é, com base em esquemas cognitivos fortemente conceituais, os
indivíduos vão da mesma maneira aprimorando suas habilidades para tomarem decisões sobre
problemas morais, deslocando-se de uma posição estritamente heterônoma (ou de moral
convencional) para outra de maior autonomia moral.
Essa necessidade de ultrapassagem da heteronomia em direção à autonomia é
discutida nos trabalhos de Kohlberg (1992), La Tayle (2006), Batagllia (2009), Lind (2013).
Tal demanda surge da impossibilidade de codificar em leis todas as situações dilemáticas
possíveis e, também, pela ocorrência de situações em que há conflitos entre a prescrição legal
e a ação justa. Desta maneira, a vida social exige dos indivíduos o desenvolvimento de
capacidades cognitivas que permitam raciocinar a ação moral baseada princípios éticos
universais. Neste sentido, o problema do desenvolvimento moral ultrapassa a internalização
de um código de valores, consistindo num esforço de elaboração de esquemas cognitivos
superiores, capazes de avaliar as situações com base nos conceitos de justiça, reciprocidade e
igualdade. Segundo Piaget e Kohlberg essa construção se dá a partir de uma atitude de
empatia com os diferentes pontos de vistas, autonomia cognitiva para o julgamento, e não de
conformidade.
Compreende-se que o desenvolvimento da moralidade sob esse enfoque cognitivo
permitiria abordagens mais apropriadas para resolução de problemas militares, como os
exemplificados a seguir. É justificável uma intervenção militar externa em assuntos ligados à
autodeterminação das nações, como os que ocorrem entre Iraque-Kuwait, Israel-Palestina,
Líbano-Síria? É legítimo o uso de forças militares no controle grupos sociais beligerantes
civis (movimentos sociais e políticos) e paramilitares (guerrilheiros e terroristas)? Há razões
legítimas para o emprego de força militar em operações de garantia da lei e da ordem pública,
em localidades urbanas civis, quando estão envolvidas pessoas de bem e indivíduos
claramente vinculados ao crime organizado? Há limites para os direitos de sigilo e
privacidade de informação de pessoas, grupos e nações, quando essas atentam contra a
segurança social?
16
Com base nesses fatos, avalia-se como relevante o estudo da ética no campo da
educação militar, pelo viés da psicologia cognitiva, vinculando-a ao aspecto da formação
moral dos profissionais militares. Da mesma forma, cabe analisar o grau de adesão desses
indivíduos à organização de pertencimento, que em muitas ocasiões requer de seus membros
iniciativas que extrapolam suas funções constituídas. Acredita-se que essas questões
contribuem para o aprimoramento de práticas pedagógicas que desenvolvam as competências
necessárias a esse segmento profissional.
Com base na premissa de que os processos educativos formais impactam sobre as
maneiras dos indivíduos pensarem e agirem sobre problemas de juízo morais, levantou-se
dados empíricos para responder ao seguinte problema:
-Em que medida o curso de formação de oficiais da AMAN está associado com o
aprimoramento ou regressão de uma competência de cadetes na tomada decisões sobre
questões de juízo moral?
Com base no pressuposto de que os processos pedagógicos impactam sobre os níveis
de interiorização e de comprometimento dos sujeitos com os valores, normas e condutas da
instituição de pertencimento, interferindo na predisposição para executar trabalhos descritos
como comportamentos extra-papel (comportamento do bom soldado), elaborou-se o segundo
problema de pesquisa:
- Em que grau evolui a distribuição dos comportamentos de cidadania organizacional
de cadetes do Exército Brasileiro, em decorrência da progressão no curso de formação de
oficiais da AMAN?
Por considerar que os dois fenômenos variam em decorrência do processo de
socialização secundário e que ambos têm relação com aspectos ligados à interpretação de
justiça nas relações sociais recíprocas, elaborou-se o terceiro problema de pesquisa:
- Existe algum grau de associação entre os índices de competência moral e os de
comportamentos de cidadania organizacional, obtidos por cadetes da AMAN em diferentes
etapas do curso?
1.4 Hipóteses
Com base no tema de pesquisa que relaciona socialização profissional, competência
moral e comportamento de cidadania organizacional, apresentam-se as seguintes hipóteses de
trabalho:
17
Hipótese 1: O processo de educação formal da AMAN influencia positivamente o
aumento dos escores de competência moral (escore C), obtidos por meio do Teste de
Julgamento Moral (MJT).
Hipótese 2: O curso de formação de oficiais da AMAN estimula o aumento dos
comportamentos de cidadania organizacional, nas suas três dimensões mais significativas:
cooperação com os demais membros do sistema; ações protetoras do sistema ou subsistema;
sugestões criativas para melhoria organizacional.
Hipótese 3: Há uma influência entre a progressão no curso de formação de oficiais, o
aumento dos escores de competência moral (escore C) e os índices de predisposição para
comportamentos de cidadania organizacional.
1.5 Objetivos
Apresenta-se a seguinte formulação para o objetivo geral da pesquisa: testar o
modelo explicativo do impacto do desenvolvimento da moralidade, a partir do constructo
Competência Moral (C), sobre os Comportamentos de Cidadania Organizacional (CCO) de
Cadetes do Exército Brasileiro, em curso na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
Destacam-se os seguintes objetivos específicos para a pesquisa:
(a) Investigar os níveis de desenvolvimento da moralidade e dos Comportamentos de
Cidadania Organizacional de cadetes em processo de formação para o oficialato;
(b) Comparar as variações dos níveis de desenvolvimento moral e dos
comportamentos de cidadania organizacional dos cadetes AMAN em função do ano de
formação em realização;
(c) Cotejar as variações dos níveis de desenvolvimento moral dos cadetes em relação
a sua especialidade de formação – Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia, Intendência,
Comunicações e Material Bélico;
(d) Confrontar as variações dos níveis de desenvolvimento da moralidade dos
cadetes em função das origens familiares e escolares desses militares: família militar versus
família civil e estudante de colégio militar versus estudante de escola civil.
18
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para que os militares mantenham suas ações suportadas nos princípios da
legalidade, da justiça e da ética são necessários o aprimoramento das competências de
julgamentos morais das ações por desencadear. Não se trata de tarefa fácil dado o perfil
marcadamente destrutivo da intervenção bélica e a natureza conflituosa entre os nem sempre
consonantes princípios de legalidade e justiça. Incluem-se nessa avaliação elementos
cognitivos e afetivos, que colocam em perspectiva os valores éticos e morais, nas esferas
individual, organizacional e social. Essas relações entre indivíduo, sociedade e ética
favorecem a inserção da problemática pelo viés da Psicologia no campo da educação moral.
2.1 Socialização profissional de militares
Huntington (1996) atribui como atividade peculiar dos oficiais das Forças Armadas a
administração da violência legítima do Estado. Esta ação complexa não se reduz à realização
do ato violento, mas envolve uma série de análises sobre os aspectos técnico-militares,
políticos, econômicos, psicossociais, éticos e legais das operações militares, e na projeção de
quais as conseqüências das ações militares para os diferentes atores sociais. Dessa forma,
Huntington (1996) destaca que as conduções das operações bélicas exigem dos oficiais
militares perícias que vão além do disparo de um fuzil, mas envolvem um conjunto de
habilidades a serem aprendidas em diferentes setores da formação: nas academias militares e
nas experiências de combate.
O estudo de Gonçalez e Medeiros Filho (2012) sobre as características da profissão
militar contemporânea, destaca as seguintes tendências nos cenários militares atuais: (a) há
níveis maiores de influência mútua entre as esferas civil e militar, (b) há uma ampliação da
quantidade de missões de caráter humanitário e de ordenamento social das nações, (c) as
missões de combate convencional em áreas civis urbanizadas são mais freqüentes, (d) existe
um cenário de incerteza quanto as formas e à evolução dos conflitos, (e) ocorre uma tendência
à internacionalização das forças militares, com operações conjuntas em várias missões. Estes
autores ilustram a posição de Huntington sobre a complexidade das tarefas dos profissionais
das armas, e as possibilidades de aprendizados advindos da experiência das operações
militares.
Após nove anos de experiência militar de combate no Afeganistão (2001-2010), o
Alto Comando do Exército Estadunidense concluiu que, para garantir a vitória nos novos
combates, os oficiais deveriam se aprimorar no conhecimento das questões culturais
relacionadas às populações em conflito, além de desenvolver uma maior habilidade como
19
relações públicas e agentes políticos. Ao desenvolverem essas habilidades, os oficiais
estariam em melhores condições para atuar nos múltiplos cenários de guerra e exercer a ação
de comando sobre suas tropas. Contudo, na mesma análise, o Comando do Exército
Americano destaca a necessidade de se manter a identidade social do militar, como uma
categoria peculiar de agentes do Estado. Isto é, os militares precisam compartilhar os valores
e as condutas que os tipificam, como por exemplo, devem respeitar a hierarquia de poderes e
serem disciplinados no cumprimento de suas atribuições (GONÇALEZ; MEDEIROS FILHO,
2012).
Se as avaliações das recentes experiências militares sugerem a importância de
agregar novos conhecimentos e habilidades instrumentais, às academias cabe a incorporação e
a organização desses saberes, preparando os militares para enfrentar a nova realidade. Desta
maneira, retornando à Huntington (1996), a intervenção educativa e de socialização
profissional realizada nas academias militares, orientada pelas experiências de combate,
devem tomar providências em duas direções: suprir a necessidade por competências ligadas às
habilidades psicossociais, políticas e de relações públicas (o aspecto do novo a ser adquirido)
e preservar a identidade de valores e de comportamentos desse segmento profissional (o
aspecto de conservação).
Essas duas vertentes da formação foram observadas nas pesquisas de Gonçalez e
Medeiros Filho (2012) sobre as estruturas das academias militares da Argentina, do Chile, da
Colômbia, dos Estados Unidos e do Brasil. Os autores identificam uma ampla presença de
conteúdos e disciplinas, como por exemplo: liderança, psicologia, sociologia, história geral e
militar, administração, economia, direito civil e militar, doutrina militar e material bélico,
além de tecnologia da informação. Observam que os modelos pedagógicos para formação dos
profissionais militares valorizam uma educação integral, que supõem o desenvolvimento de
capacidades em três dimensões da competência humana: o conhecimento, as habilidades e as
atitudes. Mas de forma especial, há uma preocupação com a formação das atitudes, isto é,
com condutas afinadas com a instituição. Outras pesquisas acerca da concepção da educação
em academias militares demonstram que há pesos diferentes no trato dos três aspectos
mencionados.
Estudos empíricos desenvolvidos por Wortmeyer (2007), Castro (2004), Huntington
(1996) e Janowitz (1967) destacam que a formação militar de cadetes em academias militares
inclui conhecimentos universitários e habilitações técnicas militares necessárias ao
desempenho funcional, mas, principalmente, a formação do perfil militar de conduta (ethos
militar). Isto é, embora os elementos universitários e técnicos que compõem a educação
20
acadêmica dos oficiais militares sejam relevantes, a ênfase da formação nas academias
militares reside no processo de socialização, com o objetivo de institucionalizar as condutas e
os significados que irão conferir estabilidade e previsibilidade à convivência social do grupo
(WORTMEYER, 2007).
Para compreender a singularidade da formação em academias militares, é relevante
destacar que nelas há a formação do oficial, grupo dirigente das organizações militares. Esse
sistema de ensino diferenciado goza de autonomia de organização e de condução das ações
pedagógicas, primando por certo grau de isolamento social (limitação de saídas e regime de
internato). Desta maneira, fundamentado na idéia de Berger e Luckmann (1985) sobre o
processo de socialização secundária, o ensino numa academia militar ganha a profundidade
necessária para produção de efeitos semelhantes a um processo de socialização primária.
Outras características dessa socialização seguem ao longo da exposição.
Os estudos de Janowitz (1967) sobre a profissão militar após a Segunda Guerra
Mundial colocam em destaque a experiência de educação de cadetes em academias militares,
pelas marcas e impressões profundas difundidas nos freqüentadores dessas escolas. Nas
academias, os cadetes fixam os padrões de comportamentos que carregaram em toda a sua
trajetória militar, desenvolvem um respeito à honra militar e compartilham um sentimento de
fraternidade entre os soldados. Dessa maneira, Janowitz reforça a importância da
internalização dos valores, das atitudes e das normas para o desempenho do papel de militar,
sendo o processo de socialização profissional o vetor responsável pela sua realização.
Janowitz (1967) e posteriormente Castro (2004), descrevem que as técnicas sociais
das academias militares para aculturação dos alunos à instituição começam por desenvolver
no cadete o reconhecimento de que estão submetidos a uma autoridade única, que regula toda
a sua rotina diária. Por essa razão, o sistema de internato é adotado como forma de controle da
vida escolar e social, centralizada nas mãos da autoridade militar. A limitação de acesso ao
mundo externo à academia enfraquece os laços regionais para a criação de vínculos amplos,
com base numa identificação com laços nacionais – busca-se com isso a preparação para uma
vida itinerante, sendo o local de fixação do militar determinado, em parte, pelos interesses da
Instituição. Desenvolve-se, ainda, um sentido de identidade como membro de uma
fraternidade profissional. Toda essa nova realidade imposta aos cadetes reforça a
interpretação de que a vida militar é uma vida institucional.
Outras formas de provação são impostas aos discentes de uma academia
militar, do momento do ingresso (com maior ênfase) ao término do curso. As análises feitas a
partir dos estudos empíricos de Janowitz (1967), e posteriormente de Castro (2004) e de
21
Wortmeyer (2007) destacam que ao se depararem com a disciplina rigorosa, o controle severo
das rotinas diárias, doutrinação das tradições e dos cerimoniais militares, as exigências por
desempenho atlético, as pressões exercidas pelos oficiais instrutores e alunos mais antigos,
entre outros fatores, há uma demarcação da passagem da vida civil para militar. Também com
essas atividades é possível desenvolver o autocontrole, o equilíbrio emocional e a resistência
frente às pressões, estas constituindo características necessárias à atividade militar.
A partir de dados de sua pesquisa etnográfica na Academia Militar do Exército,
Castro (2004) igualmente destaca a intensidade do processo de socialização profissional das
academias militares, pela combinação de isolamento e autonomia desses circuitos sociais.
Essa realidade contribui para o desenvolvimento de uma sensação de coesão e
homogeneidade interna (“espírito-de-corpo”), mesmo que freqüentemente ao preço de um
distanciamento entre os militares e o mundo civil. Da mesma forma, o distanciamento enfatiza
as possibilidades de contrastes entre a experiência antes e depois da entrada na academia,
resultante de um mecanismo de oposição de valores – desenvolve-se um antagonismo de
estilos de comportamento de militares e civis, e reforça-se a ideia de grupo de pertencimento.
Numa academia militar as atividades tendem a ser centralizadas e feitas em conjunto.
Castro (2004) observa que em várias oportunidades, o estar sozinho pode significar estar
fazendo a coisa errada. As experiências continuamente compartilhadas pelos cadetes
contribuem para a construção de uma acentuada identificação entre eles – há intimidade e
significados comuns entre cadetes. Isso reforça uma ideia de coletivismo ou padronização das
condutas e das formas de pensamento, que perdurará ao longo da carreira do oficial. Castro
menciona, ainda, que esse sentimento de coletividade, desenvolvido na academia militar, é
fator de forte diferenciação entre o grupo militar e o segmento civil.
Ao analisar os aspectos da conformidade à autoridade e do coletivismo presentes nos
processos de socialização de cadetes, Wortmeyer (2007) estabelece associações entre esses
elementos e os comportamentos de tomada de decisão e autonomia de ação. A autora observa
que há conflitos entre as formas de pensar e agir, quando as situações requerem flexibilidade e
adaptabilidade a situações novas. Para Wortmeyer, tal situação parece ser decorrente da forte
adesão do cadete ao comportamento de reprodução da conduta social, desenvolvido pelo
constante apelo da instituição ao comportamento disciplinado e de obediência às ordens
recebidas dos superiores hierárquicos – observa-se, neste ponto, uma possível influência do
processo de socialização com o desenvolvimento da moralidade.
Das análises sobre as experiências de guerra contemporâneas, verificam-se demandas
simultâneas por apropriação de novas habilitações no campo social e de afirmação da
22
identidade militar. Essa dupla necessidade atualiza a interpretação de Bronfenbrenner (2011)
sobre o processo de desenvolvimento humano. Este evolui a partir da dinâmica de
continuidade e mudança, compreendidos e impulsionados pela integração das peculiaridades
de um indivíduo, que está situado num contexto, influenciado por determinadas redes de
relações sociais. Ambos os objetivos, conservação e mudança, são de responsabilidade das
academias militares, tanto no aspecto do planejamento, quanto da execução do processo de
educação corporativa. Parece significativo o esforço de ampliar dados sobre a socialização
profissional de cadetes, para corroborar as já identificadas influências sobre as condutas e os
valores dos indivíduos afiliados à instituição, e pela possibilidade de verificar a existência de
associações entre esse processo e as capacidades de tomada de decisão sobre questões morais.
Descreve-se, a seguir, a apresentação dos conceitos relacionados aos processos de
socialização dos indivíduos às organizações de pertencimento.
Berger e Luckmann destacam que a adequada compreensão teórica do fenômeno da
socialização deve abranger tanto os aspectos objetivos, quanto os subjetivos da realidade.
Assim, para compreensão do processo de socialização dos indivíduos, os autores identificam
três momentos no processo dialético que constitui o fenômeno social: exteriorização,
objetivação e interiorização (1985, p. 173).
A socialização ocorre através da interiorização, quando o sujeito compreende o
mundo dos outros significativos e esse mundo torna-se o seu próprio, isto é, constrói-se uma
relação de reciprocidade entre o indivíduo e os outros significativos, em que cada um é
representativo de algo para o outro. Somente depois de ter realizado este grau de
interiorização é que o indivíduo se torna membro da sociedade. Berger e Luckmann (1985)
definem esse processo ontogenético pelo qual se realiza essa mútua representação de
socialização, que pode assim ser definida como a ampla e consistente introdução de um
indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela.
A socialização primária é caracterizada pela necessária identificação entre a criança e
os outros significativos encarregados de sua educação, ou seja, a aprendizagem ocorre em um
contexto de intenso envolvimento afetivo. Dessa forma, segundo Berger e Luckmann (1985),
os conteúdos da socialização primária estruturam a referência básica de realidade do sujeito, a
qual foi apreendida acriticamente na infância e tende a se manter firmemente arraigada na
consciência ao longo de sua vida posterior.
A socialização secundária não exige geralmente grande investimento emocional,
podendo assumir um caráter mais formal, anônimo e instrumental, voltado à aquisição
sistemática de conhecimentos necessários ao domínio de certo setor da sociedade, como, por
23
exemplo, os papéis de cada indivíduo na divisão social do trabalho. Trata-se de um processo
relacionado à interiorização da cultura institucional ou baseado em instituições (BERGER;
LUCKMANN, 1985, p. 184). Por vezes, é possível que ocorram problemas ligados à
coerência entre as informações transmitidas pela socialização secundária e os conteúdos
apreendidos pelo indivíduo na socialização primária, pois estes constituem a matriz a partir da
qual aqueles conteúdos serão analisados. Isto é, os conteúdos da socialização secundária são
relativizados em sua força organizadora dos comportamentos, pelos elementos dos conteúdos
primários da socialização.
A socialização secundária exige a aquisição de linguagem específica para as funções
a aprender, significando a primeira etapa da interiorização de campos semânticos que
organizam as interpretações e condutas do indivíduo num campo institucional. Ao mesmo
tempo, são também adquiridas compreensões tácitas sobre a realidade, aquilo que não é
explicitado verbalmente, mas que serve como critério de avaliações afetivas desses campos
semânticos. As novas aprendizagens interiorizadas na socialização secundária são geralmente
realidades parciais, em contraste com o mundo totalizante adquirido na socialização primária.
Contudo, como nos explicam Berger e Luckmann (1985, p.185), essa segunda socialização
também são realidades dotadas de coerência, caracterizadas por componentes normativos,
afetivos e cognitivos.
A despeito do alcance mais superficial da aprendizagem da socialização secundária,
os autores citados descrevem casos em que essa pretende atingir níveis mais profundos da
consciência individual, modificando a realidade subjetiva, como por exemplo, na socialização
do pessoal religioso, de militantes políticos e oficiais de carreira das forças armadas. As
técnicas pedagógicas aplicadas para estes casos destinam-se a intensificar a carga afetiva do
processo de socialização, que fará o indivíduo se entregar inteiramente à realidade que está
interiorizando.
Quando o processo exige de fato uma transformação da realidade conhecida do
indivíduo, e esse é o caso da formação em academias militares, há a constituição de processo
semelhante àquele da socialização primária, no tocante ao poder de criação de vínculos
significativos. Para Berger e Luckmann (1985, p. 193), mesmo em casos que não se exija esta
transformação, a socialização secundária mantém cargas de afetividade suficiente para tornar
obrigatório certo grau de imersão na nova realidade, com uma adesão social às práticas, às
normas e aos discursos institucionais. O indivíduo entrega-se então completamente à nova
realidade, relacionando-se com os agentes da socialização de forma significativa. Tais casos
são chamados de alternação, pois exigem franca ressocialização do indivíduo, isto é, o
24
indivíduo admite um novo ordenamento social, que lhe será transmitido pelos agentes
socializadores da nova instituição. Estes agentes serão seus interlocutores privilegiados do
processo, devido à intensa vinculação afetiva que estabelecem, e sem qual não seria possível
criar uma relação de dependência emocional típica da infância.
Outro passo necessário no processo de socialização secundária é a desconstrução das
referências anteriores do indivíduo, a fim de que os novos parâmetros sociais possam ser
criados e assimilados com a profundidade desejada. No caso militar, por exemplo, pode-se
citar o processo de segregação física, o regime de internato, especialmente nas etapas iniciais
da socialização. O internato interrompe os contatos do indivíduo com os outros ambientes
significativos de origem, que colocam em risco as novas significações para a realidade em
processo de internalização.
Gradativamente, essa separação física se torna segregação psicológica em relação a
outros setores da sociedade e às suas versões da realidade, que são desqualificadas como
interpretação válida da realidade. Desta maneira, como nos explica Castro (2004), cria-se uma
percepção de polaridade entre os discursos e as práticas do fora e do dentro da instituição,
fato que fortalece ou mesmo monopoliza a conversa significativa para dentro do novo circuito
social. As experiências anteriores do indivíduo passarão a ser reinterpretadas dentro da lógica
institucional, numa espécie de ruptura biográfica decorrente do ingresso na instituição, como
afirma Wortmeyer (2007).
A socialização bem-sucedida seria determinada pelo estabelecimento de um elevado
grau de comprometimento afetivo com o papel desempenhado, a coerência das mensagens
transmitidas e a identificação estabelecida entre os novatos e os agentes de socialização irão
representar elementos fundamentais para a eficácia do processo de socialização.
Em suma, no processo de educação profissional que ocorre numa academia militar a
importância do conhecimento técnico das Ciências Militares é secundário frente à necessidade
de aculturação dos novos membros participantes. Na formação do oficial, classe dirigente das
Forças Armadas, há um grande investimento da instituição no desenvolvimento de
comportamentos e atitudes que expressem a dimensão afetiva da formação, sendo este o
principal objetivo de uma academia militar. Essa finalidade formativa é confirmada por
Janowitz (1967) quando diz as academias militares são responsáveis pela difusão de uma
“igualdade de sentimento” no seio da instituição, abarcando a honra militar e a fraternidade na
corporação, ligando a formação militar com a idéia de interiorização da realidade pelos
participantes da instituição.
25
A partir do estudo etnográfico realizado na academia militar do Exército Brasileiro,
Castro (2004) amplia as conclusões anteriores, observando que a formação em regime de
internato, o significativo grau de distanciamento de outros circuitos sociais e a permanente
exigência de coesão entre os membros participantes desse grupo são estratégias para a
produção social de uma identidade militar e, conseqüentemente, da formação moral e de
cidadania organizacional de seus profissionais.
A pesquisa desenvolvida por Wortmeyer (2007) destaca o aspecto do conflito entre a
conformidade com a autoridade, o coletivismo e o comportamento disciplinado dos cadetes
em relação às capacidades de ter ações de iniciativa e de tomada de decisão autônoma, frente
as necessidades de flexibilização de condutas para adaptação às situações novas.
Por fim, Berger e Luckmann (1985) analisam o processo de socialização secundária e
explicam como se dá a adesão às novas práticas sociais e a internalização dos novos
significados compartilhados pelos membros participantes de uma instituição. Discutem a
relevância da educação corporativa e o papel de seus agentes socializadores como
instrumentos de produção e legitimação das novas representações da realidade. Esclarecem
que a lógica institucional internalizada não decorre exclusivamente dos fatos externos, como
simples resposta a um estímulo, mas corresponde a uma postura reflexiva dos sujeitos sobre
suas experiências, que se tornará uma disposição às atitudes desenvolvidas nesse processo
social.
A partir das contribuições dos autores citados é possível depreender uma associação
entre o processo de socialização profissional de jovens (neste caso, formados numa academia
militar), com as formas como estes estruturam o pensamento e processam as informações
sobre temas ligados à moralidade e à adesão aos valores e práticas organizacionais.
Compreende-se essa compreensão pode ser ampliada com a apresentação dos conceitos
desenvolvidos pela psicologia evolutivo-cognitivista, sendo esse o encaminhado dado a
seguir.
2.2 Desenvolvimento da moralidade
Na presente seção são abordados os conceitos relacionados à psicologia do
desenvolvimento humano e suas implicações para os processos cognitivos de tomada de
decisão. Inicia-se com a exposição da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de
Bronfenbrenner (2011) e seu modelo de compreensão do desenvolvimento estruturado nas
dimensões processo-pessoa-contexto. Avalia-se que essa perspectiva contribui para
26
verificação da hipótese teórica desta pesquisa, que relaciona educação profissional de jovens
militares e seu desenvolvimento moral.
A segunda parte da exposição trata das elaborações teóricas sobre o
desenvolvimento moral feitas por Piaget (1932/1994) e Kohlberg (1958, 1992). Apesar do
pioneirismo do tema recair sobre o primeiro autor, destaca-se a teorização proposta por
Kohlberg sobre os estágios de desenvolvimento da moralidade e pela elaboração de uma
metodologia de investigação empírica desses estágios. Os dois autores conferem a esta
dissertação um viés da psicologia evolutivo-cognitivista na compreensão do fenômeno,
buscando verificar a estrutura de pensamento, na direção de uma moral autônoma, ou seja,
que pensa a moralidade em termos de princípios de justiça, igualdade e reciprocidade.
O terceiro momento contempla a elaboração do constructo competência moral
desenvolvido por Georg Lind (2000), que assentado nas produções de Jean Piaget (1932) e
Lawrence Kohlberg (1958), amplia o estudo psicológico da moralidade, sob a ótica cognitiva.
Em parceria com Patrícia Bataglia (2009), o pesquisador valida a versão brasileira do teste de
Competência Moral – Moral Judgemt Test (MJT), avançando ainda mais na elaboração de
uma metodologia de avaliação da relação entre o constructo e os processos educacionais a que
são submetidos os sujeitos.
2.2.1 A Bioecologia do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner
A proposta teórica de Bronfenbrenner (2011) sobre o desenvolvimento humano é o
produto de sua longa trajetória de pesquisas, iniciadas nos anos 40, e que o permitiu
compreender o processo de amadurecimento biológico, social e psicológico da pessoa a partir
da análise dinâmica das relações entre o indivíduo e os diversos e integrados nichos
ecológicos que este pertence.
O desenvolvimento é definido como o fenômeno de continuidade e de mudança das características dos seres humanos como indivíduos e grupos. Esse fenômeno se estende ao longo do ciclo de vida humano por meio das sucessivas gerações e ao longo do tempo histórico, tanto passado quanto presente (BRONFENBRENNER, 2011, p. 43, grifo nosso).
O modelo de desenvolvimento humano de Bronfenbrenner está centrado na ideia de
temporalidade histórica e nos processos relacionais pessoa-contexto. Inclui-se, ainda, na sua
teorização, o pressuposto de que a dinâmica da mudança (o desenvolvimento) perpassa o
sistema ecológico do indivíduo, numa mútua influencia, isto é, tanto os indivíduos
influenciam as pessoas e as instituições de sua ecologia quanto são influenciados por eles.
Desta maneira há a compreensão de que, em se tratando do seu desenvolvimento, o ser
27
humano é capaz agir no seu ambiente, influenciando os diversos aspectos físicos e culturais
que modelam sua ecologia, o que faz dele agente ativo do próprio desenvolvimento.
[...] Um modelo teórico que passou a ser chamado de “Ecologia do Desenvolvimento Humano”, de forma sucinta definido como processos de interação recíproca, durante o ciclo de vida, entre um organismo humano ativo em evolução com as propriedades que mudam em seu ambiente imediato e distante. [...] Encontra-se no centro do paradigma ecológico a visão desenvolvimento como uma função articulada entre a pessoa e o contexto (BRONFENBRENNER, 2011, p. 128).
Para melhor compreender a variável contexto (ambiente), no tocante a sua força e
direção influenciadora e moderadora, Bronfenbrenner propõe uma conceituação deste termo
com base numa hierarquia de sistemas de quatro níveis:
1 O microssistema, que envolve estruturas e processos que ocorrem em um contexto imediato no qual a pessoa em desenvolvimento está inserida (p. ex., casa, sala de aula, playground). 2 O mesossistema que compreende os vínculos e os processos que ocorrem entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento está inserida (p. ex., as relações entre a casa e a escola, a escola e o trabalho). Em outras palavras, um mesossistema é um sistema de microssistemas. 3 O exossistema, que engloba os vínculos e os processos que ocorrem entre dois ou mais contextos, pelo menos um deles não contém ordinariamente a pessoa em desenvolvimento, mas nele ocorrem eventos que influenciam os processos dentro de outros contatos imediatos que contém essa pessoa (p. ex., no caso da criança, a relação entre a sua casa e o local de trabalho dos pais, para os pais, a relação entre a escola e o grupo de amigos do bairro). 4 O macrossistema é definido como padrão global de ideologia e organização das instituições sociais comuns em uma determinada cultura ou subcultura. Em outras palavras, o macrossistema engloba as características dos padrões do micro, meso e exossistema de uma determinada sociedade ou segmento. Pode ser concebido como uma marca de identificação social para uma determinada cultura ou subcultura. (BRONFENBRENNER, 2011, p. 114, grifo nosso)
A relevância de uma conceituação mais diferenciada sobre o ambiente está
relacionada à possibilidade de análise do quanto os aspectos de proximidade e distância dos
sistemas podem mediar e moderar os processos de desenvolvimento.
Bronfenbrenner (2011) afirma que a pesquisa sobre o desenvolvimento deve
observar o caráter de mudança e continuidade do amadurecimento humano, pois isso
permitirá explicar os aspectos de singularidade e generalidade do desenvolvimento. Em outras
palavras, a ciência busca saber o que é típico no desenvolvimento humano, por exemplo, na
fase adolescente e adulta, mas também pretende analisar o que é singular no desenvolvimento
daquele adolescente particular ou da adolescência no mundo atual. Articulam-se, assim,
quatro dimensões para a análise do desenvolvimento, relacionadas ao tempo (ciclo vital do
indivíduo e o tempo histórico), ao processo (tipos relações sociais a que está submetido os
sujeitos), ao contexto (os ambientes de inserção do indivíduo) e à pessoa (as características
biopsicológicas próprias de cada organismo). Na análise desses elementos é possível verificar
o que é constante (próprio de um calendário evolutivo) e o que é móvel no desenvolvimento
(a particularidade daquele indivíduo em determinado contexto).
28
Como dito anteriormente, o modelo teórico da bioecologia do desenvolvimento
humano compreende o estudo do desenvolvimento a partir da análise integrada dos diferentes
nichos ecológicos a que pertencem os indivíduos. Para realizar as avaliações das relações
desses níveis de relacionamento ecológico do indivíduo com seu amadurecimento
biopsicossocial, Bronfenbrenner organizou a sua compreensão do desenvolvimento a partir de
proposições, que estão descritas a seguir.
Na primeira proposição o autor trata da sua compreensão sobre a experiência, que
deve ser encarada numa perspectiva de complementaridade entre as condições objetivas
(fenomenológica) e as formas como aquelas são experienciadas subjetivamente pelas pessoas
que compartilham o ambiente. Para Bronfenbrenner (2011) são poucos os fatos externos
descritos exclusivamente em termos de circunstâncias físicas e de eventos objetivos, que
influenciam significativamente o comportamento e o desenvolvimento humano. O autor
explica que os aspectos fenomenológicos sofrem pela associação com o ambiente, além de
serem percebidos e modificados de formas diferentes nos diferentes estágios do ciclo vital
(infância/adolescência/adultidade/velhice). Sob esse aspecto, a experiência, embora subjetiva,
pode ser avaliada em seus elementos de estabilidade e mudança. Por exemplo, quando se
observa o ciclo vital da adolescência, notam-se inseguranças relacionadas com o próprio
corpo (que está mudando) ou um comportamento de aproximação por grupos sociais
diferentes do núcleo familiar. Contudo, essas vivências adolescentes não ocorrem da mesma
forma com todos. Os aspectos experienciais remetem às cargas emocionais e motivacionais
que pode ser expressa de diferentes maneiras em relação ao próprio self, em relação às outras
pessoas ou, ainda, em relação às atividades nas quais o indivíduo se engaje. Neste sentido,
segundo Bronfenbrenner, há uma complementaridade entre forças objetivas e subjetivas no
poder de influência e na direção do desenvolvimento.
A segunda proposição trata o desenvolvimento humano a partir de processos de
interação recíproca, progressivamente mais complexo entre um organismo humano
biopsicológico em atividade e as pessoas, objetos e símbolos existentes no seu ambiente
externo imediato (BRONFENBRENNER, 2011, p. 46). Para que a interação seja efetiva, ela
deve ocorrer em uma base estável em longos períodos de tempo, num contexto imediato
denominado processos proximais. Os processos proximais são a força motriz primária de
desenvolvimento humano. Isto é, mediante uma interação imediata, de longos períodos de
tempo, surgem as capacidades, as motivações, os conhecimentos e as habilidades para exercer
essas atividades com outra pessoa e consigo mesmo.
29
A terceira proposição de Bronfenbrenner (Ibidem, p. 46) estabelece que a forma, o
poder, o conteúdo e a direção dos processos proximais produzem desenvolvimento. Para o
autor, a variação do desenvolvimento é função articulada de características da pessoa
(inclusive de sua herança genética), do contexto (imediato e remoto) no qual os processos de
continuidades e mudanças ocorrem ao longo do tempo (ciclo vital e tempo histórico. Desta
forma, o delineamento de uma pesquisa operacional pode ser denominada como um modelo
processo-pessoa-contexto-tempo (PPCT). O tempo é um fator importante no estudo do
desenvolvimento, porque permite avaliar se os elementos do desenvolvimento e a relação
dinâmica entre eles exercem influência duradoura nas características biopsicológicas das
pessoas em desenvolvimento (Ibidem, p. 47).
A quarta proposição estabelece que para haver desenvolvimento nas esferas
intelectual, emocional, moral e social, o indivíduo deve participar de atividades
progressivamente mais complexas, dentro de um período de tempo estendido, relacionando-se
com pessoas compromissadas com o desenvolvimento do indivíduo, e que este possa manter
um vínculo de apego emocional mútuo forte com esses agentes formadores (Ibidem, p. 49).
A quinta e sexta proposições tratam da ligação entre a relação afetiva mútua e o
processo de internalização dos sentimentos, dos símbolos e dos valores relacionados com as
atividades e as pessoas que fazem parte do processo de desenvolvimento. A diferença entre as
duas proposições está relacionada aos círculos de convivência do indivíduo, ou seja, a
primeira vinculada ao circuito familiar e a segunda ao dos outros adultos significativos para o
desenvolvimento.
Ao admitir a possibilidade de mudança sistêmica no desenvolvimento intelectual,
emocional, moral e social associadas à inserção do indivíduo ativo com o contexto, o autor
argumenta pela ação mediadora da ciência como auxiliar na formulação de práticas e de
programas sociais, circunstanciados em ações públicas, promotores do desenvolvimento
saudável. Em outras palavras, este tipo de compreensão sobre o desenvolvimento humano
(modelo processo-pessoa-contexto) e das possibilidades de intervenção tanto dos indivíduos
(sujeitos ativos do seu processo de amadurecimento), quanto do sistema (em suas várias
esferas) amparam esforços de pesquisa para o aprimoramento de programas de educação,
como no objeto de estudo desta dissertação, que pretende avaliar os possíveis efeitos do
processo de socialização profissional de jovens militares sobre o desenvolvimento da
moralidade.
30
2.2.2 Desenvolvimento Moral de Piaget e Kohlberg
O desenvolvimento das estruturas lógicas do indivíduo, para Piaget (1975), se dá a
partir do nascimento, sendo função do processo de maturação biológica, mas não somente.
Há, no percurso de construção das estruturas cognitivas, uma grande importância das trocas
que o organismo faz com o meio, isto é, tanto as experiências do cotidiano, como as
provenientes da educação formal (processo de escolarização) promovem interações sociais
dos sujeitos com os objetos da realidade, que repercutirão sobre os processos psicológicos,
sob a forma de sofisticação e complexidade das estruturas lógicas do pensamento. Assim, por
exemplo, noções como constância e representação simbólica dos objetos, classificação de
fatos da realidade, reversibilidade das operações mentais são capacidades que vão se
sofisticando com o processo de desenvolvimento da inteligência.
Piaget (1975) desenvolve, assim, uma perspectiva interacionista do desenvolvimento
cognitivo, embora não negue certos requisitos maturacionais do organismo para se
desenvolver. La Taille (2006) reforça a premissa interacionista da produção do conhecimento,
quando comenta que, para Piaget, em se tratando do desenvolvimento cognitivo, se houver
pouca interação do sujeito com o meio, haverá pouca construção, e se a interação deixar
pouco espaço às atividades estruturantes do sujeito haverá pouca construção, ou construção
parcial. Assim, temos que os aspectos maturacionais e, sobretudo, as situações interativas
permitem a construção das estruturas cognitivas mais complexas e estáveis, num exercício da
capacidade de auto-organização do sujeito na solução das situações-problema.
A adaptação cognitiva da inteligência consiste na capacidade do indivíduo de realizar
as operações mentais, a partir de ações internalizadas e transformadas, numa busca por
sistemas mais equilibrados e estáveis (PIAGET, 1975). Dessa maneira pode-se observar a
inclusão de processos cognitivos complexos como a decomposição, a reversão, a antecipação,
a retroação do pensamento diante da realidade. Na busca pela adaptação, observam-se
subjacentes dois processos na construção do pensamento: a assimilação e a acomodação. A
assimilação está relacionada à interpretação e organização da realidade com base nos
esquemas mentais já internalizados. Na acomodação há a construção dos novos esquemas de
operação mental sobre a realidade, pois as complexidades do objeto e da situação exigem uma
reestruturação cognitiva. Esses processos consistem na simplificação da lógica de construção
das estruturas cognitivas, da forma definida por Piaget, e foram aplicados na compreensão da
pesquisa sobre o juízo moral da criança. Aliás, Piaget deixa claro que no tocante ao
desenvolvimento da moralidade pretende “[...] estudar juízo moral, e não os comportamentos
31
ou os sentimentos morais” (PIAGET, 1994, p. 21), reforçando sua linha de pesquisa voltada
para estruturação dos esquemas de pensamento.
A observação da interação das crianças em jogos infantis permitiu a Piaget notar as
diferenças de comportamento em relação à noção de justiça - os juízos morais das crianças e
as regras para sua construção. Assim, o autor é pioneiro em traçar um paralelo entre o
desenvolvimento cognitivo e o moral. Em seu livro O juízo moral na criança, de 1932,
demonstra como os raciocínios em torno da obediência à autoridade e o dever de justiça são
qualitativamente diferentes:
A moral da autoridade que é a moral do dever e da obediência conduz, no campo da justiça, à confusão do que é justo com o conteúdo da lei estabelecida e à aceitação da sanção expiatória. A moral do respeito mútuo, que é a do bem (por oposição de dever) e da autonomia, conduz, no campo da justiça, ao desenvolvimento da igualdade, noção constitutiva da justiça distributiva, e da reciprocidade. A solidariedade entre iguais aparece, uma vez mais, como a origem de um conjunto de noções morais complementares e coerentes, que caracterizam a mentalidade racional. (PIAGET, 1932/1994, p. 243)
Prosseguindo em suas análises dos juízos morais da criança, Piaget procura a relação
entre a vida social e a consciência racional, o que o leva a concluir que há uma pluralidade de
morais prescritas aos indivíduos, porque a pluralidade é constitutiva da sociedade, isto é, há
variação de formas de se estabelecer as relações sociais. Em meio a esta pluralidade, Piaget
destaca as relações de coação, das quais o exterior impõe ao indivíduo um sistema de regras
de conteúdo obrigatório, e as relações de cooperação, cuja essência é fazer nascer, no próprio
interior a consciência de normas ideais, dominando todas as regras. Assim, Piaget formulou a
hipótese de que do ponto de vista do desenvolvimento moral, o sujeito passa de uma fase de
anomia a uma fase de autonomia, passando por uma fase de heteronomia.
Oriundas dos elos de autoridade e de respeito unilateral, as relações de coação caracterizam, portanto, a maioria dos estados de fato de dada sociedade e, em particular, as relações entre a criança e seu ambiente adulto. Definidas pela igualdade e pelo respeito mútuo, as relações de cooperação constituem, pelo contrário, um equilíbrio limite mais que um sistema estático. Origem do dever e da heteronomia, a coação é, assim, irredutível ao bem e à racionalidade autônoma, produtos da reciprocidade, se bem que a própria evolução das relações de coação tenda a aproximá-la da cooperação (PIAGET, 1994, p. 294).
Na fase da anomia, descrita por no pensamento piagetiano, o indivíduo está sob a
influência predominante do esquema sensório-motor, em que a manipulação da realidade é o
processo cognitivo prevalente. A criança não age com base em regras derivadas da moral
(noções de certo/errado), mas desenvolve hábitos de conduta (hora de comer, de dormir, de
tomar banho etc.). Toda norma, regra e lei é exterior ao indivíduo, embora sem o caráter
coercitivo, e o conceito de moral é ausente, pois não há os pré-requisitos cognitivos para
considerá-la.
32
Em suas origens, a regra motora e confunde com o hábito. [...] Mas não é todo hábito que dá nascimento a uma consciência da regra. É preciso, primeiramente que o hábito seja contrariado e que o conflito daí resultante dê nascimento à procura ativa do habitual. É preciso, sobretudo, que se perceba que a sucessão é regular, sito é, que haja julgamento ou consciência de regularidade (Regelbewusstsein). A regra motora resulta, portanto, de uma espécie de sentimento da repetição, que nasce por ocasião da ritualização de esquemas de adaptação motora. [....] Mas há, no decorrer desses primeiros comportamentos, consciência da obrigação ou percepção do caráter necessário da regra? Não acredito nisso. Sem dúvida, sem o sentimento da regularidade, que aparece como constitutivo de toda inteligência e que caracteriza já tão nitidamente a inteligência motora, a consciência da obrigação nunca apareceria (PIAGET, 1994, p 76-77).
A moral heterônoma favorece o desenvolvimento da moral convencional (adquirir o
pensamento moral da sociedade) e da possibilidade de identificação com a norma social
externa. O indivíduo, que atingiu o pensamento operacional concreto, compreende que há
necessidade de regras para ordenar a realidade existente e o jogo social. Há critérios lógicos e
racionais para operar no funcionamento do grupo e as regras adotadas para essa ordenação
estão sob a influência da realidade externa, prevalecendo o senso de respeito unilateral à
autoridade e a obrigatoriedade de conformidade aos seus padrões. A pesquisa de Piaget
demonstrou que a moral heterônoma é decorrente dos processos de coação moral impostas
pelos adultos, que favorecerão as fases de interiorização e de generalização das regras e das
ordens.
A coação moral é caracterizada pelo respeito unilateral. Ora, como M. Bovet o demonstrou claramente, este respeito é a origem da obrigação moral e do sentimento do dever: toda ordem, partindo de uma pessoa respeitada, é o ponto de partida de uma regra obrigatória. É o que nosso inquérito confirma abundantemente. A obrigação de dizer a verdade, de não roubar etc., tantos deveres que a criança sente profundamente, sem que emanem de sua própria consciência: são ordens devidas ao adulto e aceitas pela criança. Por conseqüência, esta moral do dever, sob sua forma original, é essencialmente heterônoma (PIAGET, 1994, p. 276-277).
Na moral autônoma, os indivíduos fazem uso de esquemas de pensamento abstrato-
formal, o que permite a codificação das regras e o desenvolvimento de uma consciência moral
individual. As operações lógicas formais possibilitam ao indivíduo se colocar no lugar dos
outros, a relativizar julgamentos e a enxergar mais de um ponto de vista. Permite, ainda,
avaliar os atos, as intenções e as conseqüências das ações, não pela restrita aplicação da lei,
mas por princípios de equidade, reciprocidade. Yves de La Taille descreve a autonomia moral
piagetiana da forma que segue:
A autonomia é a superação da moral da obediência a algo exterior ao sujeito, superação essa que se traduz tanto pela necessidade de reciprocidade nas relações (respeito mútuo, e não mais unilateral), quanto pela necessidade subjetiva de passar os princípios e as normas morais pelo crivo da inteligência, para legitimá-lo (2006, p. 16).
33
Piaget define, assim, que no processo de evolução do juízo moral da pessoa há três
passagens significativas em relação a construção das regras morais: a primeira estruturada
sobre o pensamento sensório-motor, cuja regularidade dos eventos e o hábito são os motores,
a segunda estruturada como regra coercitiva, que deriva do respeito unilateral, típica da moral
heterônoma, e a terceira esquematização da regra produzida pela regra da racionalidade das
relações sociais fundadas na cooperação, no respeito mútuo e na justiça. Sobre esses últimos
aspectos ligados à terceira esquematização, Piaget no explica o seguinte:
Para que uma conduta possa ser qualificada de moral, é preciso mais que um acordo exterior entre o seu conteúdo e o das regras comumente admitidas: convém, ainda, que a consciência tenda para a moralidade como para um bem autônomo e seja capaz, ela mesma, de apreciar o valor das regras que lhe propomos. [...] Só a cooperação leva à autonomia. No que se refere à lógica, a cooperação é, primeiramente, fonte de crítica: graças ao controle mútuo, repele simultaneamente a convicção espontânea própria do egocentrismo e a confiança cega na autoridade adulta. A discussão produz, assim, a reflexão e a verificação objetiva. Mas, pelo mesmo fato, a cooperação é fonte de valores construtivos. Tende para o reconhecimento dos princípios da lógica formal, [...]. Tende, sobretudo, para a tomada de consciência lógica das relações, para a reciprocidade no plano intelectual, acarretando, necessariamente, a elaboração daquelas leis de perspectiva que são as operações próprias dos sistemas de relações (PIAGET, 1994, p. 299-300).
Sob a influência de Piaget, Lawrence Kohlberg (1958) enfatiza o problema do
desenvolvimento moral pela vertente da cognição. A partir do amadurecimento das estruturas
biológicas e das interações sociais, os indivíduos vão criando as estruturas lógicas envolvidas
nas tomadas de decisão, permitindo operar mentalmente sobre os problemas morais.
Semelhante ao que ocorre na resolução de outros tipos de problemas da realidade, a maneira
como o indivíduo resolve as questões morais depende de seu nível de desenvolvimento
cognitivo, ou seja, o desenvolvimento moral é determinado pelo desenvolvimento cognitivo
(PIAGET, 1994, KOHLBERG, 1992; LA TAILLE, 2006, BIAGGIO, 2006).
Em seus estudos sobre o desenvolvimento da moralidade, Kohlberg retoma as
premissas piagetianas de que tanto no desenvolvimento cognitivo, quanto no moral há
estágios universais e invariantes de organização e compreensão do sistema normativo, e da
capacidade de operar com as regras sociais, nas diferentes etapas da vida. Os estágios refletem
a maneira de pensar sobre problemas morais e não as formas e conteúdos morais em si. Para
compreender a tendência dominante de pensamento moral do indivíduo (o estágio do
desenvolvimento moral) é importante analisar a justificativa dada pela pessoa para a solução
dos dilemas morais (os porquês das decisões tomadas), permitindo uma avaliação da
complexidade das repostas apresentadas.
O estudo piagetiano das razões parecia revelar estruturas mentais de forma bastante direta. As respostas das crianças e adolescentes aos meus dilemas morais hipotéticos estavam claramente modeladas estruturalmente e eram claras suas formas próprias. Ainda que amiúde fizessem
34
esforços para dar a “resposta correta”, os estudantes davam razões com sua própria e clara lógica interna. Estas construções de meus sujeitos convenceram acerca do segundo pressuposto da via cognitivo-evolutivo de Piaget, o suposto dos estádios. Isto é, o primeiro pressuposto de Piaget era da estrutura cognitiva, a criança como filósofo que constrói o mundo, e o seu segundo pressuposto era que estas construções são qualitativamente únicas e avançavam segundo uma seqüência ou ordem invariável (KOHLBERG, 1992, p. 34).
Da mesma maneira que Piaget, Kohlberg enfatizou que o percurso do
desenvolvimento da moralidade passava por um estágio moral heterônomo, baseado no
respeito à autoridade dos pais e dos adultos e às regras que procedem da autoridade dos pais,
para estágios posteriores, que mostram uma redução em tal respeito unilateral, a favor de um
ponto de vista mais utilitário de regras centradas no respeito mútuo entre iguais - estágio
autônomo.
Desde o período de sua pesquisa de doutoramento, em 1958, Kohlberg descreve que
sentia limitação na formulação dos estágios piagetiano em alcançar toda a qualidade de
respostas dada pelos indivíduos sobre os diferentes dilemas morais. Também nesse período,
revelava dúvidas se haveria valores morais universais inclusos nas justificativas apresentadas
aos dilemas, preocupação esta instigada por seus críticos, defensores do relativismo cultural.
Tais preocupações conduziram Kohlberg a reforçar a validade do pensamento piagetiano e
numa ampliação das categorias de análise sob a forma de subdivisões dos estágios já criados.
Foram meus dados e a revisão de dados de outros que, finalmente, me convenceu que Piaget havia definido uma série de dimensões cognitivo-evolutiva de desenvolvimento moral, por exemplo, o juízo por intenções como o oposto de juízo por conseqüências. Algumas dessas divisões eram culturalmente universais e referidas ao desenvolvimento moral universal, e outras não eram. Essas definições não definiam, sem dúvida, níveis qualitativos e não se agrupavam para definir um “todo estruturado” tal e com o conceito do estágio que o implicaria. [....] Muitos anos depois de terminar minha tese de doutorado, fiz uma definição da heteronomia e da autonomia piagetiana como subestágio de cada estágio (KOHLBERG, 1992, p. 34).
Para aferir o refinamento dos processos e raciocínios sobre justiça, ampliando as
categorias piagetianas, Kohlberg sistematiza três níveis de desenvolvimento sociomoral: pré-
convencional, convencional e pós-convencional. Nesse aprimoramento da teoria de Piaget,
Kohlberg descreve dois estágios para cada nível, dispostos numa escala crescente,
representando um maior desenvolvimento das habilidades cognitivas e das estruturas de
raciocínios morais.
Os seis estágios morais se agrupam em três grandes níveis: nível pré-convencional (estágios 1 e 2), nível convencional (estágios 3 e 4) e nível pós-convencional (estágios 5 e 6). [...] O nível pré-convencional é o nível da maioria das crianças menores que nove anos, de alguns adolescentes e muitos adolescentes delinqüentes. O nível convencional é nível de adolescentes e adultos de nossa sociedade e de outras sociedades. O nível pós-convencional é atingido por uma minoria de adultos e, normalmente, somente dois dos vinte anos. O termo “convencional” significa conformidade e manutenção das normas, expectativas e acordos da sociedade ou autoridade, pelo mero fato de ser regras, normas e acordos da sociedade. No nível pré-convencional, o indivíduo não chegou ainda a entender as normas sociais convencionais.
35
Sempre há alguém que num nível pós-convencional entende e aceita, em geral, as regras da sociedade, porém esta aceitação está baseada na formulação e aceitação dos princípios morais que subjazem a estas regras. Em alguns casos o indivíduo julga mais por princípios do que por acordos (KOHLBERG, 1992, p. 187)
Desta maneira, no nível pré-convencional de Kohlberg, o indivíduo não compreende
as regras do grupo social e não pode colaborar com sua manutenção. As normas são exteriores
ao sujeito e não se observa a internalização de princípios morais. O primeiro estágio desse
nível é descrito sob a forma de orientação para a punição e a obediência, isto é, o julgamento
moral é feito com base nas perspectivas de recompensa e castigo, infligidas por um agente
externo. Do ponto de vista do egocentrismo, a pessoa no primeiro estágio não considera que o
pensamento e as necessidades alheias sejam diferentes das suas próprias. O indivíduo
considera antes os efeitos físicos das ações, do que os interesses psicológicos dos outros. Há
uma confusão da perspectiva da autoridade com a sua própria perspectiva.
No segundo estágio, nível pré-convencional, há a orientação do hedonismo
instrumental relativista, em que a ação moralmente correta é definida em termos do prazer ou
da satisfação das necessidades da pessoa. O julgamento dos conflitos ocorre numa perspectiva
individualista concreto, isto é, há uma consciência de que todos têm interesses a perseguir, de
forma que o correto é relativo. Os conflitos acontecem pela ampliação dessa idéia para os
relacionamentos em sociedade, ou seja, como servir às necessidades e aos interesses próprios
num mundo que reconhece que todos têm interesses individuais (KOHLBERG, 1992).
O nível convencional coloca no centro das reflexões a integração do sujeito em
grupos de referência e no o sistema social no qual se vive. Trata-se de um nível de
internalização por excelência. O indivíduo acredita no valor daquilo que julga como certo e
afirma que se deve fazê-lo em nome da amizade, da aceitação e identificação com os
companheiros ou do respeito à ordem estabelecida. Nesse nível Kohlberg descreve o terceiro
estágio do desenvolvimento, definindo que as formas de julgamento moral seguem a
orientação para concordância interpessoal (ou orientação para o bom-mocismo), ou seja,
bom comportamento é aquele que agrada ou ajuda aos outros, e tem sua aprovação. Nesse
estágio há a consciência de que sentimentos compartilhados têm preferência sobre os
interesses individuais. Estabelece-se a regra de ouro concreta (ligado a um pensamento
concreto) de que manter a ordem e a autoridade é preservar a boa conduta.
Trata o quarto estágio, do nível convencional, da orientação para a manutenção da
lei e da ordem, quando o comportamento correto é pautado pelo rigoroso respeito à
autoridade, com vista à manutenção da ordem social. O critério principal reside em cumprir as
relações acordadas socialmente. A justiça é uma questão de relações entre o indivíduo e o
36
sistema, e não uma questão de escolha pessoal moral. Devem-se cumprir as leis, mesmo
quando estas entram em conflito com outros deveres sociais do indivíduo. Nesse esquema de
pensamento, as relações sociais seguem às determinações feitas pelo sistema, sendo que
manter as instituições em funcionamento e evitar o colapso do sistema é o imperativo que
obriga as pessoas a decidir de determinada maneira (Ibidem, 1992).
No nível pós-convencional, há o processamento dos pontos de vista moral e legal
como produções sociais convencionadas pela sociedade, firmada sob a forma de um contrato
social, e que pode incorrer em situações conflitantes entre si. Kohlberg lembra que apesar das
normas e leis serem relativas ao grupo que as convencionou, há alguns valores e direitos não
relativos, como a vida e a liberdade, que se mantém como valor em qualquer sociedade e
independente da opinião. O esforço claro no nível pós-convencional é de definição dos
valores e dos princípios morais que tenham validade e aplicação, independentemente, da
autoridade dos grupos e das pessoas que os adotam, e independentemente da própria
identificação do indivíduo com tais grupos. As leis são válidas se preservam o compromisso
moral com princípios universais, tais como a justiça, a igualdade e a dignidade dos seres
humanos. O raciocínio moral é uma forma ideal, em que os indivíduos devem considerar a si
mesmo e aos outros, como pessoas livres e autônomas. Busca-se na normatização das relações
entre os indivíduos e a sociedade, o respeito aos interesses e aos pontos de vistas de pessoas e
grupos, avaliando-se e as conseqüências de uma ação em termos do conceito de justiça
(KOHLBERG, 1992).
Nos quinto e sexto estágios do desenvolvimento da moralidade, previstos para o
nível pós-convencional são, respectivamente, o da orientação para o contrato social e o da
orientação para o princípio ético universal. No estágio do contrato social há uma ênfase no
aspecto legal, mas sempre considera a possibilidade de modificação das leis em razão de
considerações racionais de utilidade social. A obrigação estabelecida sob a forma de lei
ocorre por adesão voluntária a um contrato social, cujos ideais de busca pelo bem-estar e de
proteção do direito de todos são meta. Há, portanto, uma consciência clara de que as regras de
procedimento são formas sociais para obtenção de consensos, devendo passar por exames
críticos e concordância de toda a sociedade. Essa perspectiva de uma consciência racional de
valores e direitos, anteriores ao de contrato e de compromisso sociais, embora seja um
processo imerso nas relações sociais, é, antes, uma competência cognitiva a se desenvolver no
indivíduo, que deverá ser capaz de discutir esses acordos e estabelecer contratos, mantendo
uma imparcialidade objetiva para analisar os diferentes pontos de vistas (KOHLBERG, 1992).
37
Ainda no nível pós-convencional, o sexto estágio, voltado para os princípios éticos
universais, o certo é definido pela decisão de consciência em concordância com princípios
éticos escolhidos pelo sujeito, mas que devem atender a critérios de racionalidade,
universalidade e consistência (ibidem, 1992). O aspecto da racionalidade da natureza moral e
os acordos sociais que dela derivam (normas, leis e valores) têm primazia pela perspectiva da
pessoa como um fim em si mesmo, devendo ser tratada dessa maneira. No aspecto da
universalidade, o princípio de justiça deve ser o marco, que vêm acompanhados das idéias de
igualdade de direitos humanos e de respeito à dignidade de todos os seres humanos como
pessoas individuais. Sob o aspecto da consistência decorre como resultado de um
compromisso livre das pessoas em julgar sempre com base nesses parâmetros, cada vez que
ocorrer conflito entre a legalidade e a moral.
As elaborações de Kohlberg sempre destacaram o respeito pela pessoa como ponto
central da concepção do sexto estágio, fundado em princípios éticos universais, cabendo ao
conceito de justiça um lugar essencial. Com a ampliação das pesquisas, Kohlberg, Boyd e
Levine (1990) incluíram como parte essencial da idéia de respeito pelas pessoas, a noção de
benevolência ou simpatia ativa pelos outros, que consiste na intenção de fazer o bem. Os
autores compreendem que o processo cognitivo de julgar o certo envolve uma tensa equação
entre fazer o bem para alguns, sem suprimir o respeito do direito dos outros. Assim, o
processo avaliar dilemas morais, com foco no respeito às pessoas, significaria ter a
consciência da necessidade de articulação e coordenação entre as atitudes de justiça e de
benevolência, como princípios organizadores das relações sociais.
Do ponto de vista do estágio 6, o ator moral autônomo precisa coordenar conscientemente as duas atitudes de justiça e benevolência ao lidar com problemas reais para manter o respeito pelas pessoas. [...] benevolência, considera o outro e a interação humana através das lentes da intenção de promover o bem e evitar lesar o outro. É uma atitude que pressupõe e expressa a identificação de alguém e sua conexão empática com os outros. Por isso, como um modo de interação do self e os outros [...] a benevolência é lógica e psicologicamente anterior ao que chamamos de justiça. Por outro lado, a justiça vê o outro e a interação humana pelas lentes de intenção de julgar interesses, isto é, da intenção de resolver conflitos entre os indivíduos, causados por solicitações diferentes e incompatíveis entre si. [...] a justiça pressupõe uma separação momentânea dos desejos individuais e organiza cognitivamente essa separação como forma de atingir uma justa sentença por meio do reconhecimento da igualdade e de adoção de papel recíproco. Por isso, essas duas atitudes de benevolência e justiça podem ser experimentadas como estando em tensão potencial. (KOHLBERG, BOYD, LEVINE, 1990, p. 94, grifo nosso)
Para explicar essa passagem das decisões morais apoiadas em atitudes para outras
fundadas em princípios, Kohlberg segue o percurso piagetiano de compreensão do
desenvolvimento do juízo moral. Este último entende o processo evolutivo como derivado do
amadurecimento do organismo e, sobretudo, das interações mútuas entre objeto-sujeito, numa
38
seqüência que promove a modificação crescente das estruturas cognitivas, passando da ação
por hábito (heteronomia), seguindo para a ação conduzida por princípios (autonomia). Da
mesma forma, Kohlberg teoriza o desenvolvimento moral como processo que se inicia como
atitude e segue para a formulação de princípios universais. Para atingir o sexto estágio, o
ponto final do desenvolvimento, as idéias de justiça e benevolência evoluiriam da atitude de
benevolência e probidade (isto é, com base numa intenção ou disposição de querer o bem e
ser justo) para a ação motivada por princípios de beneficência e justiça (isto é, fazer o bem ao
outro, e agir de forma justa). Essa compreensão torna possível diferenciar o julgamento
amparado por uma atitude de respeito à lei (um fim em si), daquele outro organizado pelo
princípio de fazer justiça (a lei como contrato social capaz de assegurar a igualdade e a
dignidade de todas as pessoas). O mecanismo que resulta nesse processo de desenvolvimento,
presente nas teorias de Piaget e Kohlberg, é descrito numa perspectiva interacionista,
consistindo numa ação do sujeito sobre o objeto, mas também uma ação do objeto sobre o
sujeito, decorrendo daí o aprimoramento das estruturas cognitivas. Em outras palavras, para
que o indivíduo desenvolva sua capacidade de julgamento moral, torna-se necessário que se
depare como situações que exijam decisões de justiça.
Kohlberg, Boyd e Levine, (1990) reconhecem as dificuldades na articulação e
coordenação entre os princípios de justiça e benevolência, dadas as condições de conflito
entre as necessidades e interesses dos diferentes agentes envolvidos. Todo esforço consiste em
tomar uma decisão que respeite o direito e o bem estar do indivíduo, sem que haja a
interferência ou prejuízo do direito e da integridade de outros envolvidos na questão. Por
exemplo, a atual onda migratória de estrangeiros mulçumanos em direção à Europa conduz a
determinados conflitos de opiniões sobre as ações públicas para o acolhimento ou não dessas
pessoas no corpo social. Direitos e interesses de nativos e imigrantes são conflitantes, ficando
o dilema sobre como agir. Para Kohlberg e seus colaboradores (ibidem, 1990), casos como
este requerem avaliações multilaterais do problema, com adoção de diferentes pontos
referenciais. Desta maneira, as decisões tomadas serão mais resistentes às interpelações dos
diferentes agentes envolvidos no conflito, sendo mais próxima de uma decisão consensual e
justa.
Os autores advertem que há casos em que os conflitos são inconciliáveis, no discurso
e na realidade, então, a busca passa a ser por um consenso possível, como no exemplo entre
nativos e imigrantes. E nessa construção do “possível”, Kohlberg, Boyd e Levine (1990)
discutem três operações mentais que devem ser executadas para se alcançar uma solução
39
razoável para os diferentes agentes envolvidos. Essas operações são descritas como empatia, a
adoção ideal de papel recíproco e a universalidade.
A empatia é compreendida como uma organização cognitiva da atitude de
identificação e de conexão empática com os outros, sendo base para a benevolência no
respeito às pessoas. Como interpretação ativa da realidade, a empatia estabelece interrelação
entre a compreensão das pessoas (suas necessidades individuais) e a compreensão dos fatos
gerais da condição humana na qual as pessoas existem e interagem (Ibidem, 1990, p. 102). A
atitude empática pressupõe que as pessoas são agentes autodeterminantes, capazes de definir e
buscar pelos objetos de interesse para si próprios. Kohlberg e seus colaboradores acrescentam
que no sexto estágio e respeito pela capacidade de autodeterminação vem acompanhada do
reconhecimento da impossibilidade em pressupor qual o interesse dos outros (daí a
necessidade do diálogo).
A adoção ideal de papel recíproco consiste na atitude de incorporar o ponto de vista
dos outros, como forma de reconhecimento de que há outras pessoas relevantes para solução
da situação (mutualidade). Nesse processo há uma separação temporária das identidades reais
das pessoas, de suas exigências e interesses, para avaliar quais os méritos relativos. Trata-se
de um exercício cognitivo de se colocar no lugar do outro, assumindo seus pontos de vistas.
Como forma de exercitar as capacidades de raciocínios de adoção ideal de papéis recíprocos,
Kohlberg, Boyd e Levine (1990) utilizam o Teste da Imparcialidade Substantiva. Nesse
instrumento de avaliação, a decisão é admitida como justa, quando considera os interesses
básicos de todos, isto é, desde o início do exame do mérito até a decisão, atribuem-se pesos
iguais aos interesses e necessidades das partes (todos têm o mesmo valor e relevância). Neste
exercício, a pessoa que julga adota imaginariamente o papel de cada agente, como uma forma
de verificar a imparcialidade substantiva do princípio de justiça elaborado e que justifica a
decisão. O término desta operação ocorre quando o self julga uma experiência particular
como sendo reversível, isto é, o princípio pode ser aplicado por diferentes interlocutores,
significando que houve a produção de uma decisão pelo consenso ideal.
A universalidade é a terceira operação cognitiva capaz de avaliar a qualidade e o
alcance de um princípio elaborado com base no respeito à pessoa. Para proceder a essa
verificação são necessárias a realização das operações de empatia e de adoção ideal e
recíproca de papel. Segundo Kohlberg, Boyd, Levine (1990) a avaliação da universalidade de
uma decisão moral se dá a partir de uma situação particular descrita e julgada, que permite um
exercício de projetar a decisão para um conjunto de outras situações semelhantes, envolvendo
os diferentes atores morais dessas situações. Avalia-se, então, a consistência da escolha moral
40
elaborada para cada um dos diferentes atores envolvidos. Caso haja a aceitação da decisão
pelas partes, pode-se concluir que a solução engloba não um caso particular, mas todos os
casos que possam ser avaliados como relevantemente e similares – reforçando a perspectiva
consensual da decisão. Se as novas situações requerem soluções diferentes das oferecidas na
proposição inicial, isso pode ser um indicativo de que as situações apresentam diferenças
qualitativas na natureza dos problemas (tipos de dilemas, a definição dos atores e dos seus
pontos de vistas), não havendo validação da decisão sob o aspecto da universalidade.
Como já abordados, para Kohlberg, Boyd e Levine (1990) o processo de
reestruturação do pensamento com base em princípios éticos universais, tendo como foco o
respeito à pessoa. Isso não ocorre sem que haja discussão gerada pelo diálogo entre os
diferentes atores com interesses conflitantes. Há por parte dos autores uma preocupação com
a maneira como se dão os diálogos, pois as formas revelam os níveis de respeito às pessoas e
aos seus diferentes pontos de vistas. Por exemplo, se o diálogo é multilateral haverá um
engajamento de todos agentes no exame da situação-dilema, favorecendo uma decisão que
tenha concordância mutuamente aceitável. Igualdade, equidade e reciprocidade são elementos
presentes nesse tipo de diálogo, pois colocam todos os argumentos, de todos interlocutores,
com o mesmo peso de validade, exigindo-se igual respeito às necessidades de cada pessoa.
Kohlberg e seus colaboradores concluem que por meio deste tipo de diálogo todos têm a
oportunidade de oferecer os motivos que guiam suas escolhas, e escutar os motivos dos outros
em um esforço mútuo para solução do problema.
As teorizações kohlberguianas-piagetinas sobre o desenvolvimento moral enfatizam
o paralelismo deste com o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Ambos caminham lado a
lado na aquisição das capacidades cognitivas e morais de diferenciação entre o sujeito e os
objetos e da complexidade de relação entre essas realidades. Isto é, as pessoas evoluem, ao
mesmo tempo, sua estrutura cognitiva, indo dos esquemas sensório-motores, operacional
concreto até o pensamento abstrato formal (perspectiva cognitiva) e do respeito à autoridade e
submissão à norma (posição heterônoma) para esquema de raciocínio de julgamento por
parâmetros e categorias de uma ética universal (posição autônoma). Esse processo não é
função exclusiva das qualidades individuais inatas do desenvolvimento, mas é um processo
que movimenta tanto os aspectos da racionalidade, quanto da afetividade que transcorrem a
partir de situações sociais, que exigem uma busca por equilíbrio.
Ao estabelecer as relações entre razão-afetividade e os impactos sobre o
desenvolvimento moral, Piaget (1994) retoma as idéias de Durkheim sobre o sentimento de
dever (medo e amor), e as conseqüentes desses para as noções de coerção (ligadas a um
41
pensamento coletivista, que conduz à conformidade) e de respeito à autoridade (decorrente da
admiração às figuras parentais). Piaget destaca que há outras fontes do plano afetivo que
impulsionam o desenvolvimento da moralidade. Ele ressalta que há uma predispõe nas
pessoas a agirem com base na necessidade de cooperação e empatia, isto é, fazer o bem por
decisão autônoma, não coercitiva, impulsionada por uma atitude empática em relação à
pessoa do outro, aberto a examinar a validade de seus pontos de vista.
Ilustra-se o sentimento de dever e a influência social sobre as decisões moral, numa
mescla de cognição e afetividade, a partir do trabalho de Kohlberg (1992) em um kibbutz em
Israel, conhecido como Comunidade Justa. Nele observou-se que o forte senso de
comunidade tinha uma influência direta no desenvolvimento moral das crianças do kibutz. As
formas de ligação social, o senso de coletivismo, o cuidado com o outro e com o grupo, o
papel democrático do professor foram constatações elencadas no kibutz que serviram de
inspiração para Kohlberg desenvolver um método de educação moral. Avalia-se que esses
elementos podem estar presentes nessa a população a ser pesquisada.
2.3 Comportamento de Cidadania Organizacional
Os comportamentos de cidadania organizacional (CCO) foram descritos há quase
duas décadas por Smith, Organ, e Near (1983 apud BERBER; ROFCAIN, 2012), sendo
relacionados à predisposição de alguns indivíduos da organização, em demonstrarem ações
que extrapolam àquelas descritas para suas funções (comportamentos extra-papel). Esses
comportamentos discricionários dos colaboradores da empresa tinham como principal
objetivo o funcionamento eficaz da organização (BERBER; ROFCAIN, 2012).
Ao tratar dos comportamentos de cidadania organizacional, Siqueira (2014) explica
que os membros da organização podem ter dois tipos compreensão e conduta acerca de suas
tarefas e atribuições: ficar restritos às obrigações específicas do cargo ocupado; ou podem
desempenhar comportamentos que não são descritos formalmente para suas funções,
refletindo uma disposição da pessoa em ajudar sua organização e cooperar com seus colegas
de trabalho, mesmo que não conte com formas de reconhecimentos e recompensas da
organização. As atitudes incluídas no CCO caracterizam um tipo de comportamento
espontâneo classificado como comportamento do bom soldado, e favorece a melhoria
aspectos sociais no trabalho, além da eficácia da organização (SIQUEIRA, 2014).
Os fundamentos relacionados aos CCO há tempos estão contemplados nos trabalhos
de Barnard (1938) e de Katz (1964), como destaca Rego (2002). Barnard sugeriu que a
condição essencial das organizações é a vontade de cooperação espontânea das pessoas que
42
nelas trabalham. Katz argumenta que a organização dependente exclusivamente dos
comportamentos prescritos de seus membros se torna um sistema social frágil. As
formulações desses autores encontram nos ambientes organizacionais contemporâneos a
relevância necessária para se investigar sobre Comportamentos de Cidadania Organizacional,
e isso se deve a duas razões apresentadas por Rego (2002). Em primeiro lugar, em decorrência
de incertezas e contingências imprevisíveis, as organizações se debatem com a
impossibilidade de definir apriorística e exaustivamente todos os comportamentos de seus
participantes. A segunda razão reside no fato de que para serem competitivas, as empresas
necessitam apelar aos comportamentos espontâneos, inovadores e cooperativos dos seus
membros, de tal maneira que as respostas às solicitações constantemente mutáveis sejam
eficazes.
As avaliações feitas por Rego (2002), Berber e Rofcain (2012) e Siqueira (2014) do
constructo de comportamento de cidadania organizacional, a partir de estudos empíricos,
sugerem que esses comportamentos conduzem a benefícios para o ambiente de trabalho e
efetividade para a organização, contribuindo para a eficácia organizacional. Para Rego (2002)
essa característica é mais significativa para o CCO, e se contrapõe à noção de desempenho
centrado na tarefa, em detrimento do conceito de desempenho contextual. O autor explica que
o desempenho na tarefa pode ser definido como a eficácia com que os ocupantes dos cargos
levam a cabo atividades que contribuem para o núcleo técnico – por exemplo, a
implementação de um processo tecnológico que resulte em produtos e/ou serviços (REGO,
2002). Além disso, os indivíduos também contribuem para a eficácia organizacional através
de modos que ultrapassam as atividades prescritas para os seus cargos. Isso significa que
podem promover ou prejudicar o prosseguimento dos objetivos organizacionais, pela
execução de ações que não estão diretamente relacionadas com as suas funções principais,
mas que são importantes porque modelam o contexto organizacional, social e psicológico que
servem como catalisadores ou obstáculos para a realização das atividades e dos processos de
tarefa. É essa a noção de desempenho contextual, sendo que para o CCO interessam aqueles
comportamentos que promovem a eficácia organizacional.
Berber e Rofcain (2012) citam alguns resultados de pesquisa que descrevem
categorias comportamentais que integram o constructo CCO, e que podem promover a
eficácia organizacional, sendo elas as seguintes: persistir com entusiasmo e esforço-extra na
execução com sucesso das próprias tarefas; voluntariar-se para levar a cabo tarefas que não
estão prescritas para o cargo; ajudar e cooperar com os outros; cumprir as regras e os
43
procedimentos organizacionais, mesmo quando isso é pessoalmente inconveniente; apoiar e
defender os objetivos organizacionais.
Tamayo (1998) também afirma o caráter espontâneo e benéfico ao sistema
organizacional dos comportamentos de cidadania organizacional, sendo fatores indispensáveis
para a sobrevivência e efetividade da organização. Para o autor, a cidadania organizacional
engloba atividades de cooperação com os colegas, ações protetoras ao sistema, sugestões
criativas para melhorar a organização, autotreinamento para melhor executar seu trabalho, e a
criação de um clima favorável, para organização, no ambiente externo. Tamayo (1998)
destaca, ainda, que os processos de investigação dos elementos da cidadania organizacional
incluem variáveis como predisposição dos indivíduos, elementos demográficos, satisfação no
trabalho, justiça distributiva nas organizações e aspectos particulares do trabalho. Avalia-se
que esse aspecto da percepção da justiça distributiva da organização sofra a influência dos
aspectos ligados ao desenvolvimento da moralidade dos indivíduos, em função do
amadurecimento pessoal e dos processos de aprendizagem social nas organizações.
A partir dos estudos teóricos e empíricos sobre cidadania organizacional, Rego
(2002) também identifica um elenco extenso de elementos associados aos CCO: atitudes
(percepções de justiça, comprometimento organizacional, satisfação no trabalho, confiança
nos líderes), características organizacionais (formalização organizacional, coesão do grupo) e
características do trabalho (padronização das tarefas, feedback das tarefas, tarefas
intrinsecamente satisfatórias), comportamentos de liderança (visão integrada, expectativas de
elevado desempenho, atuação exemplar), características de personalidade (afetividade e
conscienciosidade). As pesquisas seguintes passarão a avaliar em que medida esses elementos
têm influência sobre a predição e o desenvolvimento de comportamentos de cidadania
organizacional.
Essas associações acerca dos comportamentos e variáveis relacionadas com os CCO
ganharam maior viabilidade empírica, com a elaboração das escalas de CCO. Nas pesquisas
iniciadas por Siqueira, em 1995, foram elaborados e validados questionários de medida dos
CCO, inspirados num modelo cognitivo da Teoria da Ação Racional, de Fishbein e Ajzen
(1975 apud SIQUEIRA, 2014), que estabelece uma seqüência de interdependência entre
cognições, atitudes e comportamento organizacionais. Isso permitiu que a produção de escalas
de avaliação do fenômeno da cidadania organizacional e a identificação dos fatores mais
significativos ligados – sugestões criativas para problemas de trabalho, divulgação da imagem
organizacional e o comportamento de cooperação com os colegas de trabalho na execução das
tarefas.
44
As descrições detalhadas acerca desse instrumento e do processo de redução dos
fatores constitutivos do CCO serão realizadas na seção sobre instrumento de coleta de dados.
Retoma-se a seguir sobre a relação entre percepção de justiça na organização e os CCO para
que se estabeleça a ligação com os objetivos da pesquisa.
As revisões dos estudos empíricos sobre os comportamentos de cidadania
organizacionais feitos por Rego (2002) e Benzecry e Pires (2009) observam-se as correlações
entre satisfação no trabalho, justiça percebida, comprometimento organizacional e tratamento
recebido da liderança. De modo particular, os resultados destacados pelos autores associam
que as percepções de justiça dão pistas sobre as formas de adesão espontânea dos membros
participantes sobre o desempenho organizacional. Isto é, os membros organizacionais com
percepções de justiça mais positivas são os que denotam mais elevados níveis de cidadania
organizacional.
Recordam-se aqui as afirmações feitas por Kohlberg (1992) que associa o mundo
trabalho como lugar de possibilidade para vivenciar dilemas de fundo moral, sendo, portanto,
vetor para o desenvolvimento das capacidades de tomar decisões, com base em parâmetros
que pretendem a ação justa.
Rego (2002) ao estudar o assunto descrito nas contribuições de outros autores chega
às três dimensões das percepções de justiça no trabalho, sendo nominadas da seguinte
maneira: justiça distributiva, justiça procedimental e justiça interacional. A justiça distributiva
definida por Adams (1965 apud REGO, 2002) é a mais intensamente pesquisada, pois trata da
distribuição dos bens escassos - salários, classificações obtidas nas avaliações de desempenho,
sanções disciplinares, lucros distribuídos aos trabalhadores. Na justiça procedimental descrita
por Lind e Tyler (1988 apud REGO, 2002) focaliza o processo relacionado à percepção de
justiça, ou seja, analisa a seleção dos critérios e dos meios usados para alcançar tais fins. A
justiça interacional descrito por Rego (2002) reflete a qualidade da interação dos membros da
organização com os responsáveis pelas decisões – se os gestores agem com dignidade e
respeito; se oferecem justificações aos indivíduos afetados pelas decisões. Ilustra-se a
percepção da justiça organizacional a partir do exemplo da aplicação de uma sanção
disciplinar: a sanção propriamente dita (justiça distributiva), o processo que a determina
(procedimental) e o modo como o superior a transmite, explica e justifica ao colaborador
(interacional). Pode ocorrer que percepções positivas em certas dimensões convivam com
percepções negativas. Por exemplo, um indivíduo pode considerar que a sanção e o processo
são justos, mas revelar percepções de baixa justiça (interacional) devido à rudeza com que o
superior o aborda e trata.
45
As pesquisas empíricas descritas por REGO (2002) permitem inferir que há relações
observadas entre a justiça e os Comportamentos de Cidadania Organizacional, mas as funções
exercidas pelas três dimensões da justiça têm importâncias diferentes para o CCO. Embora a
justiça distributiva denote algum potencial explicativo, a tendência geral diagnosticável nos
estudos parece conferir prevalência às dimensões procedimental e/ou interacional. Numa
perspectiva prática, essa inconsistência de importância levanta dificuldades de gestão dos
recursos humanos nas organizações, quanto às formas de avaliação e de reconhecimento das
ações de seus membros: se com base nos resultados, nos procedimentos ou nas relações entre
os membros da organização.
A partir das discussões anteriores, avalia-se que as formas de percepção de cada uma
das dimensões da justiça estão relacionadas às formas de compreensão dos comportamentos
de cidadania organizacional. A ampliação de dados empíricos que busquem aferir o vínculo
associativo entre desenvolvimento da moralidade e CCO torna o esforço de pesquisa válido.
46
3 MÉTODO E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Nesta seção serão apresentados os aspectos metodológicos da pesquisa, com os
tópicos ligados à caracterização do campo organizacional, o delineamento e os processos da
pesquisa, a caracterização do público pesquisado e os instrumentos de coleta de dados.
Incluem-se, ainda, as formas de abordagem e de tratamento dos dados e as formas de
devolução dos resultados da pesquisa ao público investigado.
3.1 Método
A presente pesquisa de campo analisou a realidade formativa da Academia Militar
do Exército Brasileiro e seus impactos para o desenvolvimento da moralidade e dos
comportamentos de adesão à organização. Foram utilizados recursos de metodologias
quantitativas de interpretação dos dados, para avaliar o tipo e a magnitude das associações
entre as seguintes variáveis: socialização profissional, desenvolvimento da moralidade e
comportamentos de cidadania organizacional.
3.1.1 O campo organizacional
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) é uma instituição de ensino
corporativa, em nível 3º grau, destinada à formação dos Oficiais de Carreira da Linha Bélica
do Exército Brasileiro. O militar habilitado nessa escola recebe a graduação de Bacharel em
Ciências Militares, campo de estudo ligado à Defesa. Em relação às atividades militares, o
egresso da AMAN passa a pertencer ao círculo dos oficiais, credenciando-se às funções de
comandante militar em diferentes níveis. A progressão hierárquica dos oficiais formados na
Academia Militar segue o percurso que vai de Aspirante a Oficial até Coronel, podendo se
estender aos postos de General (de Brigada, de Divisão e de Exército). Faz-se a seguir uma
pequena digressão para esclarecer a estrutura de carreira do Exército Brasileiro.
O Exército Brasileiro (EB) conta com quatro estruturas (linhas) de carreiras para os
militares que compõem seu efetivo profissional pertencentes ao círculo hierárquico dos
oficiais, a saber: Bélica, Tecnológica, Saúde e Complementar.
Os oficiais da Linha Bélica são formados na Academia Militar, no nível graduação,
podendo se especializar em uma das seguintes habilitações militares: Infantaria, Cavalaria,
Artilharia, Engenharia, Intendência, Comunicações e Material Bélico. As duas primeiras
especialidades constituem as chamadas “armas base”, sendo a primeira linha de combate no
Teatro de Operações. As armas de Artilharia, Engenharia, Comunicações e constituem as
chamadas “armas técnicas” que envolve a aplicação de material militar como obuses
47
(canhões), construções de pontes e de bloqueios (por exemplo, campos minados) e de meios
de comunicações entre o campo de batalha e os comandantes. O Quadro de Material Bélico e
o Serviço de Intendência cuidam da logística do campo de batalha (distribuição, manutenção e
controle de material militar e de subsistência das tropas em operações). Os oficiais da Linha
Bélica iniciam sua formação na AMAN e continuam em outras Instituições de Ensino
Superior Militar, no nível pós-graduação. Os militares da Linha Bélica alcançarão os postos
mais elevados da instituição (generais de exército), sendo o Comandante do Exército um
militar oriundo desta vertente da carreira.
Os oficiais da Linha Tecnológica do Exército Brasileiro são formados pelo Instituto
Militar de Engenharia (IME). Esse quadro de oficiais é constituído por engenheiros de
diversas especializações (civil, elétrica, química, sistemas, materiais.). O IME forma o oficial
tanto técnica, quanto militarmente. O plano de carreira desses militares percorre os postos de
aspirante-a-oficial até general de divisão.
Os oficiais da Linha da Saúde são compostos pelos médicos, odontólogos e
farmacêuticos que percorreram os postos de 1º tenente até o posto de general de divisão. A
formação desses profissionais de saúde ocorre nas diversas Instituições de Ensino Superior
(IES) civis do país e a formação militar na Escola de Saúde do Exército (EsSEx).
A quarta carreira de oficiais da Instituição é formada pelos militares da Linha
Complementar, composta de profissionais de nível superior de diferentes áreas do
conhecimento (advogados, analistas de sistemas, administradores, psicólogos, veterinários,
professores etc.), provendo os interesses complementares do Exército Brasileiro para
realização de suas missões. A formação acadêmica desses militares ocorre nas diversas IES
civis do país e a formação militar ocorre na Escola de Formação Complementar do Exército
(EsFCEx). A projeção de carreira para Linha Complementar percorre os postos de 1º tenente
até coronel. Apresentada essa digressão, retorna-se a exposição do campo organizacional da
AMAN.
As funções de Comandante e Diretor de Ensino da AMAN são acumuladas por um
oficial da Linha Bélica do posto de General de Brigada, tendo o cargo um duplo perfil: o de
Chefe Militar e Acadêmico. Embora não seja o cargo mais importante da Instituição, o
Comandante da Academia goza de grande prestígio em decorrência da função estratégica
desta escola para Exército. Há duzentos e cinco anos a Academia Militar carrega a tradição
militar de iniciar a formação dos dirigentes do alto Comando do Exército, isto é, dos bancos
escolares da AMAN sairão os oficiais generais que comandarão a Instituição. À Academia
Militar cabe oferecer a base da formação doutrinária militar e do espírito anímico da
48
Instituição. Esse último aspecto é facilitado pela precocidade do ingresso dos cadetes na
Instituição (por volta dos 17 anos) e a realização de uma formação em sistema de internato, o
que exige dos cadetes um inevitável afastamento de outros grupos sociais significativos
(família e amigos). A convivência intensa e prolongada (5 anos de curso) e a necessidade de
apoio para superação das adversidades impostas pela vida castrense auxiliam na formação do
espírito militar. Esse caráter de escola matriz da formação da oficialidade confere ao
Comandante da Academia Militar o prestígio institucional de conduzir, durante dois anos,
uma parte importante da formação das novas gerações de oficiais do Exército e das tradições
da Instituição.
Durante a formação na Academia Militar os alunos recebem o título de Cadete, tendo
uma posição na hierarquia das Forças Armadas superior às dos Sargentos, dos Cabos e
Soldados. O curso tem duração de cinco anos, sendo o primeiro deles na Escola Preparatória
de Cadetes (EsPCEx), na Cidade de Campinas, SP, e os quatro anos seguintes na Academia
Militar, em Resende, RJ. Cada ano de formação conta com cerca de 450 militares, somando
um contingente de 1800 cadetes, em Resende, sendo constituído por público exclusivamente
masculino, com idades entre 17 e 24 anos. O curso está organizado em sistema de internato,
com liberações nos finais de semanas, por concessão do Comandante da AMAN. Na
formação da AMAN, há grande ênfase nos elementos do chamado currículo oculto, que tem
por finalidade produzir uma identificação dos cadetes com os valores e as formas de
comportamentos típicos militares, produzindo os efeitos de socialização secundária descritos
nesta dissertação, nas passagens sobre a formação em academias militares.
No primeiro ano de curso na AMAN a formação militar é generalista, isto é, tem um
caráter típico da arma de Infantaria (base de qualquer formação militar no mundo). No
segundo ano o Cadete escolhe uma das sete especialidades de formação, denominadas
"armas", que pretendem formar para as diferentes atividades militares exigidas numa situação
de combate. Essas especialidades são definidas pela doutrina de combate do Exército
Brasileiro, mantendo grande semelhança com outras organizações doutrinária de exércitos de
outros países, e estão organizadas da seguinte maneira: Infantaria, Cavalaria, Artilharia,
Engenharia, Intendência, Comunicações e Material Bélico. As Armas de Infantaria e
Cavalaria compõem o núcleo duro da atividade militar, sendo denominadas “armas base” das
atividades militares. As armas de Artilharia, Engenharia e Comunicações compõem as
especialidades chamadas de “armas de apoio ou técnicas”, sendo que suas atividades estão
ligadas a aplicação, respectivamente, de canhões e obuses (realizando o apoio de fogo de
longas distâncias), construção de pontes (para o avanço dos carros de combate) e bloqueio dos
49
avanços inimigos (incluindo a construção de campos minados) e a organização dos meios de
comunicação entre os diferentes pontos do teatro de operações e os comandantes nos
diferentes escalões. Há, ainda, o terceiro grupo constituído pelo Serviço de Intendência e o
Quadro de Material Bélico, sendo esse dois segmentos ligados ao apoio logístico para
realização do combate. Essa atividade envolve toda a parte de controle e distribuição do
material militar no campo de batalha, como aspectos ligados a manutenção e reposição do
equipamento bélico aplicado. Embora a missão principal seja a preparação do militar para
atuar em tempo de guerra, há uma segunda vertente da formação ligada às atividades de não-
guerra. Segundo a previsão constitucional, além das missões de garantia da soberania nacional
e defesa da pátria, cabe as Forças Militares Singulares assegura a preservação da ordem do
Estado, o respeito às autoridades e às instituições nacionais. Como braços armado do Estado,
as instituições militares devem preparar os seus quadros para gestão de orçamento e
patrimônios públicos, cabendo aos militares todos os direitos e deveres dos agentes públicos.
Na estrutura organizacional da Academia Militar podem ser diferenciados quatro
grandes segmentos: o setor administrativo, que realiza todos os processos ligados à
administração pública de pessoas e de materiais; o setor de segurança e apoio, que conta com
um efetivo de cerca de mil e quinhentos militares entre sargentos, cabos e soldados; o setor de
saúde, que conta com infraestrutura hospitalar e odontológica para atendimento do público
vinculado à AMAN; e o setor de ensino, constituído dos dois ramos da educação militar na
Academia: o Corpo de Cadetes e a Divisão de Ensino.
O Corpo de Cadetes tem por missão a educação militar dos cadetes no tocante o
aprendizado da parte técnico-militar, dos preceitos de disciplina e hierarquia e da formação do
caráter e das atitudes do oficial militar da linha bélica. Pretende instruir os cadetes nas
técnicas propriamente militares, com emprego dos recursos humanos e materiais nas diversas
situações de combate. Citam-se como exemplos de atividades alvo de aprendizagem do Corpo
de Cadetes as técnicas individuais de combate (tiro com armas de diferentes aplicações e
calibres, confecção e aplicação de explosivos, montanhismo militar, sobrevivência em
situações ambientais diversas, orientação e progressão no terreno com fins militares,
equitação, natação utilitária, combate corpo a corpo, etc.). Há, ainda, técnicas de adestramento
coletivo, que envolvem a aplicação da doutrina militar dentro de diversos cenários militares
(montanha, selva, áreas urbanas). As atividades pedagógicas são organizadas na forma de
exercícios de simulação de guerra, com a aplicação de pessoal e material bélico disponível
(blindados, obuses, fuzis, pistolas, morteiros, explosivos, etc.). O Corpo de Cadete conta com
cerca de cento e oitenta (180) oficiais instrutores, distribuídos nos postos de 1º Tenente a
50
Coronel. Todos os instrutores são derivados da Linha Bélica do Exército, portanto formados
na AMAN, de cada uma das sete especialidades da formação.
A Divisão de Ensino é o segmento da estrutura organizacional que tem por missão
realizar a educação universitária dos cadetes, observando as diretrizes dos órgãos de direção
da educação superior civil e militar no Brasil. Na Divisão de Ensino, o cadete cursa
disciplinas nas áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (direito civil, direito
administrativo, direito penal militar, administração, didática da educação militar, história
militar geral e do Brasil, geopolítica, economia, filosofia, psicologia e sociologia), disciplinas
de Ciências Exatas (química, estatística e cibernética) e disciplinas de Idiomas (português,
inglês e espanhol). Todo ensino universitário deve buscar a contextualização com as
atividades militares, com foco no desenvolvimento de competências que possam ser aplicadas
em problemas militares, por isso a constituição de um corpo docente quase que
exclusivamente militar. A Divisão de Ensino contabiliza cerca de cento e trinta (130) oficiais
professores. São usuais os intercâmbios entre professores e instrutores em atividades de
ensino, tanto na elaboração, quanto na avaliação de exercícios militares, oferecendo a
oportunidade de aplicação dos conhecimentos nos diferentes níveis. Em linhas gerais, os
oficiais professores da Divisão de Ensino são de duas origens predominantes. A primeira é
derivada de oficiais da Linha Bélica, isto é, com origem de formação na própria AMAN, e
que após a realização de outros estudos universitários, em IES, migraram para as funções do
magistério militar. A segunda origem predominante de professores é formada pelos oficiais de
carreira da Linha Complementar, que ingressaram nas fileiras do Exército por meio de
concurso público, após a formação universitária realizadas em IES, seguida de formação
militar realizada na Escola de Formação Complementar do Exército (EsFCEx). Há
professores de diversas formações, contemplando as necessidades disciplinares da matriz
curricular do curso AMAN.
Da mesma maneira que o Corpo de Cadetes, a Divisão de Ensino tem como missão
precípua de seu currículo oculto, a formação do caráter e das atitudes militares, sendo
significativo o esforço pedagógico para o desenvolvimento e internalização dos princípios
normativos e valores éticos da Instituição. A disciplina exigida dos alunos frente a normas e
autoridades civis e militares, a primazia pelo senso de organização e previsão na realização
das atividades, a valorização da iniciativa, da cooperação e da liderança na execução das
tarefas pedagógicas são alguns dos elementos observados no comportamento cotidiano do
cadete, dentro e fora de sala de aula (situação favorecida pelo sistema de internato do curso).
51
A AMAN não é apenas uma escola para os cadetes, e sim a casa em que deverão
conviver durante os quatros anos de curso. E nesta casa há regras que buscam a padronização
de condutas, de vestimenta, de utilização de instalações, das formas de se relacionar com os
militares de diferentes círculos hierárquicos – superiores, pares e subordinados. Esses
processos são acompanhados e cobrados por todos oficiais instrutores e professores, sendo os
desvios de conduta corrigidos in loco e informados aos comandantes imediatos para as
sanções disciplinares cabíveis. Sob este aspecto, há vários instrumentos e ritos do sistema de
ensino que favorecem o controle e a mudança de comportamentos e que são aplicados
cotidianamente por professores e instrutores da AMAN. Os regulamentos da Instituição e da
Academia (disciplina, uniformes, administração, dos serviços gerais e escolares) padronizam
as formas de relacionamento e os sinais de respeito a serem realizados pelos cadetes. Por
exemplo, ao ingressar na AMAN cada cadete adotará um nome de guerra e receberá um
número que deverão ser declinados ao serem interpelados pelos oficiais – em instrução ou
fora dela. Todos devem estar uniformizados, seguindo rigorosamente o prescrito em
regulamento. Todos recebem atribuições funcionais ao longo dos dias, podendo estar
responsáveis por questões simples como de controle da organização do material dos
apartamentos e das salas de aulas, ou podem receber atribuições complexas, como a de
orientar e supervisionar o trabalho de outros militares (soldados, cabos, sargentos e cadetes
mais jovens) em atividades envolvendo armamento, munição e tiro. Ao início da atividade de
aula o cadete na função de chefe da turma deve comandar posição de sentido e fará a
apresentação das turmas de aulas aos oficiais professores e instrutores, informando o número
de presentes e a justificativa das faltas. Ao término das atividades esse militar deverá
apresentar o efetivo de militares presentes e solicitar autorização para deixar o recinto,
prestando contas sobre a situação das instalações que foram utilizadas e dos eventuais
problemas. Todos esses procedimentos pretendem a automatização de condutas, que no final
tem a intenção de desenvolver respostas imediatas em situações de crise, que é o ambiente
predominante numa situação de guerra.
Desde os primeiros anos de curso, Academia adota como diretriz pedagógica a
execução de trabalhos supervisionados, isto é, com a finalidade de acentuar o perfil prático da
formação, os cadetes são escalados para ocuparem funções e responsabilidades típicas de um
quartel do Exército, contando com a supervisão direta de oficiais professores e instrutores.
Nos dois primeiros anos, as funções desempenhadas pelos cadetes são ligadas às atividades
funcionais de seus subordinados (sargentos, cabos e soldados), envolvendo tanto trabalhos
administrativos, quanto militares. Já os dois últimos anos os cadetes ocupam as funções
52
relacionadas ao seu círculo hierárquico, desenvolvendo os trabalhos para os quais estão sendo
formados, dentro da lógica de uma escola corporativa. Nesse exercício funcional do cadete,
além da avaliação da parte técnica relacionada à atividade, os oficiais observam e orientam
quanto às condutas e atitudes esperadas de um oficial militar no seu desempenho funcional.
Desta maneira, a formação da Academia Militar abrange um processo educativo global que
contempla vertentes cognitiva (ligadas ao conhecimento acadêmico e técnico profissional),
afetiva (relacionada aos aspectos comportamentais, atitudinais e morais) e na vertente
psicomotora (dado que a atividade militar requer certas qualidades físicas).
A peculiaridade da proposta pedagógica corporativa desse estabelecimento de ensino
faz da Academia Militar um objeto relevante para o estudo, sendo fonte de conhecimento sob
vários enforques: educação, psicologia, sociologia e antropologia social, etc. No caso
específico dessa pesquisa, limita-se a investigar sob o enfoque psicológico os processos de
formação da moralidade de alunos militares, imersos neste programa formativo que é a
Academia Militar.
3.1.2 Delineamento da pesquisa
Pretendeu-se dar à pesquisa um viés quantitativo na forma de análise dos dados,
sendo a coleta de dados estruturada com base em escalas de atitudes e de desenvolvimento
desenvolvidas para a avaliação dos fenômenos. Segundo Breakwell e Rose (2010, p 39) um
tratamento quantitativo dos dados de pesquisa “define o que são os processos, como
geralmente eles ocorrem e quais diferenças em sua magnitude podem ser medidas ao longo do
tempo”. Entretanto, há elementos relacionados às variáveis que permitem relacionar os dados
de uma maneira qualitativa, isto é, os tipos de dados a serem coletados são de natureza
intersubjetiva (BREAKWELL; HAMMOND; FIFE-SCHAW; SMITH, 2010), pois remetem
as relações sociais que ocorrem entre oficiais e cadetes, dentro de um ambiente educacional
organizacional, e que se supõe vir acompanhada de alguma mudança na estrutura cognitiva e
no sistema de valores dos indivíduos.
Ao discutir sobre o processo de construção da teoria do desenvolvimento moral
cognitivista de inspiração em Piaget-Kohlberg e seus instrumentos para coleta dos dados,
Biaggio (2006) destaca o caráter combinatório de métodos psicométricos e interpretativos
para a avaliação da maturidade dos raciocínios dos indivíduos. Enquanto o primeiro método
refere-se à técnica de testes objetivos, que conduz a resultados numéricos, indicando uma
tendência de resposta, o segundo refere-se às interpretações acerca do percurso racional
53
utilizado pelo respondente no momento da decisão do justo a fazer frente ao conflito
instalado. Compreende-se que a aplicação de uma escala de avaliação do desenvolvimento da
moralidade, inspirada em na Teoria de Kohlberg, permitiria dupla verificação descrita
anteriormente. Para o presente estudo será utilizado o Teste de Julgamento Moral (MJT xt) de
Lind e Bataglia (2009).
Da mesma maneira, na investigação sobre os Comportamentos de Cidadania
Organizacional (SIQUEIRA, 2014), parece adequado combinar métodos quantitativos e
qualitativos na avaliação do fenômeno. Ao utilizar-se de escalas de atitudes torna-se possível
investigar a predisposição dos membros da organização de exibirem, espontaneamente,
comportamentos de melhoria dos processos da organização, de cooperação e suporte dos
colegas no trabalho e divulgação positiva dos objetivos e propósitos da instituição,
favorecendo a melhoria dos aspectos sociais no trabalho e a eficácia da organização, que
caracterizam os comportamentos de cidadania organizacional - CCO (SIQUEIRA, 2014). As
associações entre o desenvolvimento da percepção de justiça e os CCO permitiriam buscar
uma compreensão e interpretação particulares para o constructo. Por se tratar de um grupo de
profissionais ainda em formação, serão utilizadas as Escalas de Intenções de comportamentos
de Cidadania Organizacional (EICCO) e a Escala de Comportamentos de Cidadania
Organizacional (CCO), conforme a formulação de Siqueira (2014).
Compreende-se que o estudo de caso é adequado para a presente pesquisa, por
atender as seguintes características descritas por Lüdke e André (1986, p.18-19): Em primeiro
lugar, “os estudos de caso retratam a realidade de forma completa e profunda. O pesquisador
procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação ou
problema, focalizando-o como um todo.” No caso da presente pesquisa, será estudado um
processo psicológico complexo que ocorre com indivíduos pertencentes a uma estrutura
organizacional densa. Em segundo lugar, “os estudos de caso visam à descoberta. Mesmo que
o investigador parta de alguns pressupostos teóricos iniciais, ele procurará se manter
constantemente atento a novos elementos que podem emergir como importantes durante o
estudo.” A avaliação empírica a que propõe a pesquisa pode apresentar dados que corroborem
ou não as hipóteses teóricas de que competência moral e cidadania organizacional estão
associadas ao processo de socialização. Em terceiro lugar para compreender melhor a
manifestação geral de um problema, as ações, as percepções, os comportamentos e as
interações das pessoas devem ser relacionadas à situação específica onde ocorrem ou à
problemática determinada a que estão ligadas. Assim, somente analisando as informações
54
produzidas pelo corpo social em estudo é que se poderá ter algum tipo de elucidação do como
se comporta o fenômeno. Avalia-se como adequada a realização de um modelo de pesquisa estruturado em
uma série temporal, com recorte transversal, dada à intenção de identificar se há elementos de
mudança no decorre do processo formativo. Sobre o delineamento transversal da pesquisa,
Breakwell e Rose (2010) explicam o significado da medida de avaliação da mudança
psicológica:
Um delineamento transversal envolve obter informação de uma única vez a partir de pessoas em uma serie de diferentes condições que, espera-se, são significativas para a mudança. Frequentemente isso significa estudar pessoas em diferentes grupos de idades porque, particularmente em teorias da psicologia do desenvolvimento, a idade é considerada uma importante determinante da mudança. O termo "coorte de idade" refere-se à população total de indivíduos nascidos aproximadamente na mesma época. [....] O delineamento transversal permite que mudanças relacionadas com a idade sejam medidas (BREAKWELL; HAMMOND; FIFE-SCHAW; SMITH, 2010).
Entende-se que dessa maneira seria possível inferir se as mudanças são decorrentes
do fator amadurecimento ou se há influência do processo social de inserção sobre os sujeitos
pesquisados. A coleta dos dados estruturada a partir do uso de escalas de atitudes e de
desenvolvimento, validadas para realidade brasileira, permitem a avaliação do tipo e do grau
de associação existente entre o processo de socialização profissional de militares e os índices
de competência moral e dos comportamentos de cidadania organizacional.
3.2 Participantes
Tabela A- Distribuição de cadetes por ano e curso
CURSO Ano 2015
Total PERCENTUAL
1º ANO 2º ANO 3º ANO Básico 254 - - 254 34,7
Infantaria - 71 72 143 19,5 Cavalaria - 30 32 62 8,5 Artilharia - 31 38 69 9,4
Engenharia - 26 37 63 8,6 Intendência - 32 39 71 9,7
Comunicações - 17 18 35 4,8 Material Bélico - 17 18 35 4,8
Total 254 224 254 732 100,0
O estudo contou com dados obtidos da amostra por adesão de 732 cadetes
distribuídos pelos 1º, 2º e 3º anos do curso de formação da AMAN, dentre as sete
especialidades militares, no ano letivo de 2015. O universo populacional de cadetes da
AMAN flutua em torno de 1800 cadetes, distribuídos em quatro anos. Não foram coletados os
dados relativos ao 4º ano, dada a dificuldade em viabilizar o processo de coleta de dados.
55
Compreende-se que os dados coletados dos três primeiros anos de curso permitem uma
análise transversal das variáveis em pesquisa, sendo a amostra satisfatória para os objetivos
desta dissertação.
A participação da pesquisa foi feita de maneira voluntária e livre, em conformidade
com o estabelecido no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelos
participantes, cujo modelo consta desta dissertação. Foram respondidos cerca de 1100
questionários, dos quais foram extraídos 732 de forma aleatória, como consta da tabela
apresentada. A estratificação foi observada, sendo que a partir do segundo ano de curso os
cadetes são enquadrados em sete especialidades militares, a saber: Infantaria, Cavalaria,
Artilharia, Engenharia, Intendência, Comunicações e Material Bélico.
3.3 Instrumentos
Como métodos de obtenção das informações, serão aplicados três tipos de escalas
padronizadas: o Moral Judgment Test Extended (MJT_xt), que avalia a Competência Moral
(BATAGLIA, LIND, 1998), a Escala de Comportamentos de Cidadania Organizacional e a
Escala de Intenções de Comportamentos de Cidadania Organizacional (SIQUEIRA, 2014).
Foram elaborados dilemas alternativos para o instrumento elaborado por Lind e Bataglia,
sobre o julgamento moral, considerando os dois temas em investigação: dilemas ligados a
questões de valorização da vida e dilemas vinculados à valorização do direito de propriedade.
As aplicações foram realizadas de forma coletiva e centralizadas por ano de
formação do cadete, isto é, uma aplicação coletiva para os 1º, 2º e 3º anos do curso. As
aplicações dos instrumentos ficaram sob o encargo do pesquisador, que contou com o auxílio
de quatro oficiais da Seção Psicopedagógica da Academia Militar, treinados para a realização
da coleta dos dados, e de cinco oficiais professores da disciplina psicologia.
3.4.4.1 Moral Judgment Test Extended (MJT_xt)
Faz-se a seguir a apresentação do primeiro instrumento de coleta: Teste Julgamento
Moral Estendido (MJT_xt). Dos anexos deste trabalho constam as formulações já validadas
para população brasileira (LIND; BATAGLIA 1998), dos três dilemas que constitui o teste
(médico, trabalhadores e juiz) e a proposição de dois dilemas adicionais, elaborados por este
autor (dilema do estudante e dos pastores).
O MJT é um questionário que confronta o sujeito com dilemas morais e solicita que
sejam avaliados argumentos a favor e contra a atitude da personagem principal do dilema. A
personagem toma uma decisão e o pesquisado é solicitado a avaliar a decisão do protagonista.
56
Em qualquer das decisões tomadas entrará em conflito com algumas regras de conduta social
e/ou pessoal. Em seguida, é convidado a avaliar seis argumentos a favor da decisão do
protagonista e seis contrários. Tais argumentos representam os diferentes níveis de raciocínio
moral de acordo com os seis estágios descritos por Kohlberg (1964 apud BATAGLIA, 2009).
A novidade do instrumento é que a personagem toma uma decisão e age, não cabendo ao
pesquisado decidir a ação, mas devendo concordar ou discordar dessa. Este procedimento
simples é muito importante porque não permite a elaboração de alternativas além das
padronizadas.
O teste inclui originalmente duas situações problema. A primeira situação é sobre um
operário que decide arrombar a empresa em que trabalha e roubar provas de atividades
irregulares da gerência para denunciá-la junto a instâncias superiores. A segunda é o dilema
clássico da eutanásia em uma situação em que o paciente terminal pede para que o médico
realize algum procedimento que abrevie seu sofrimento (BATAGLIA, 2009).
Em função dos efeitos do dilema da eutanásia sob culturas latinas, (influência do
aspecto religioso), Bataglia desenvolveu a padronização final do dilema do juiz que passou a
integrar o MJTxt (MJT estendido). Sob a denominação do dilema do juiz é reapresentada a
questão do valor da vida, só que agora enfatizando a escolha da vida de uma pessoa em
contraposição a vida de muitas pessoas. Trata-se de uma situação de atentado em que uma
pessoa suspeita de conhecer os detalhes da operação é detida e se recusa a falar. A questão
que se coloca é de autorizar a tortura dessa mulher para salvar a vida de pessoas inocentes ou
não. Os escores alcançados para esse dilema mostraram-se muito próximos dos escores
obtidos no dilema do operário, o que permite supor uma coerência interna do instrumento.
Como base nesses trabalhos de validação e aprimoramento do instrumento realizados
por Bataglia (2009), é recomendado aos pesquisadores brasileiros que utilizem o MJTxt
composto por três dilemas, e avaliem os escores C total e segmentado. Como proposta de
pesquisas suplementares, Bataglia sugere que sejam pesquisadas as influências de fatores
ligados à educação formal e do ambiente acadêmico - aspectos curriculares, semicurriculares
e extracurriculares - sobre a formação ética dos profissionais.
Como o escore do MJT pretende medir a competência moral do indivíduo, não são
analisadas respostas isoladas do teste, mas o padrão de consistência de respostas do
pesquisado no todo. Do contrário, residiria dúvida se houve julgamento do argumento com
base na consciência moral, ou se por adesão emocional ao item. Somente analisando-se o
padrão de consistência de respostas do sujeito em situações diversas com relação à atitude, é
que podemos dizer algo a respeito de sua competência.
57
Bataglia (2009) explica que o MJT propõe uma tarefa moral e não simplesmente
mede a atitude do sujeito. A tarefa moral proposta pelo MJT é a de confrontar o sujeito com
contra-argumentos. Enquanto a reação do sujeito em relação a argumentos favoráveis a sua
própria decisão mostram a preferência do sujeito por um determinado nível, as reações a
contra-argumentos evidenciam sua habilidade para usar um nível particular de modo
consistente quando ajuizando a respeito do comportamento de alguém.
É interessante notar que as duas dimensões do comportamento moral: afetivo e
cognitivo não se apresentam necessariamente conectadas, embora ocorram de modo
integrado, isto é, apesar de muitos indivíduos preferirem argumentos de estágios morais
superiores, apenas aqueles com estruturas mentais reversíveis podem ser também competentes
moralmente, isto é, apresentar uma preferência pelos mesmos estágios quando avaliam contra-
argumentos, ou argumentos rivais a sua opinião, demonstrando uma redução no pensamento
egocêntrico e uma maior capacidade de se posicionar de forma empática.
As contribuições do MJT para Lind (2013) e Bataglia (2009), residem em dois
propósitos: avaliar o alcance da teoria de desenvolvimento moral e educação
(Piaget/Kohlberg); e verificar a influência dos métodos educacionais no desenvolvimento da
competência moral dos sujeitos submetidos a eles. Desta maneira, as informações levantadas
pelo MJT oferecem critérios de avaliação não apenas do sujeito, mas principalmente se o
processo educativo é favorável para o desenvolvimento da moralidade.
Com base nas orientações propostas por Lind (2006) sobre a construção de novas
situações para o instrumento, foram elaborados dois novos dilemas que buscam aproximação
com duas questões que afetam a população estudada: o dilema do estudante (relacionado à
situação de cola em avaliação) e o dilema dos pastores (que trata da questão entre civis e
militares). Entende-se que essas são questões pertinentes as realidades de aluno e militares,
favorecendo o estabelecimento de conflitos quanto à questão moral.
Para elaboração das duas propostas foram observadas as seguintes considerações
feitas por Lind (2006) sobre a criação de novos dilemas.
Na primeira observação para elaboração dos dilemas, buscou-se delimitar as
alternativas de ação possíveis para resolvê-lo, seguindo a elaboração de seis respostas contra-
argumento e seis resposta a favor do argumento, utilizando dos previsto nos seis estágios do
desenvolvimento da moralidade da teoria de Kohlberg. Na produção dos argumentos e contra-
argumentos as alternativas foram submetidas a três árbitros (dois professores de psicologia e
um professor de filosofia) para avaliar se os seis estágios estavam contemplados nas
alternativas formuladas.
58
A segunda orientação implica na apresentação de ações que violam princípios
morais, permitindo a instalação do conflito. A situação deixa claro ao leitor de que o
protagonista está sob pressão para agir. Nos casos citados o estudante deve decidir entre
utilizar-se de recurso ilícito para melhorar seu desempenho na avaliação e no dilema dos
pastores o comandante deve decidir entre aprisionar civis ou libertá-los e colocar em risco
suas tropas.
A terceira recomendação consiste em elaborar um dilema com uma história que
desperte curiosidade, empatia, tensão e/ou outras emoções morais, mas evitando despertar
raiva ou ódio pelos personagens envolvidos. Essa história deve ser realista e plausível, mas
não deve oferecer situações de fáceis resoluções. A redação do dilema pretendeu ser a mais
curta possível, omitindo informações supérfluas para clareza e concisão do texto. O
protagonista dos dilemas é facilmente identificado, sendo mencionado mais vezes que outros
personagens.
Encontra-se no anexo desta dissertação as formulações do MJT xt de Lind e Bataglia
(1998), bem como a contribuição deste autor dos dois dilemas alternativos: Dilema do
Estudante e Dilema dos Pastores (Anexo A)
3.3.2 Escalas Comportamento de Cidadania Organizacional
Siqueira (2014) apresenta dois instrumentos criados para avaliar os Comportamentos
de Cidadania Organizacional: a Escala de Intenções Comportamentais de Cidadania
Organizacional (EICCOrg) e a Escala de Comportamento de Cidadania Organizacional
(ECCO).
O primeiro instrumento trata de uma escala de intenções comportamentais, elaborado
a partir dos pressupostos teóricos da Teoria da Ação Racional, de Ajzen e Fishbein (1977
apud SIQUEIRA, 2014). A escala articular atitudes e comportamentos aos componentes
intenções comportamentais, servindo como preditores para as ações futuras. Na construção e
validação da Escala de Intenções Comportamentais de Cidadania Organizacional (EICCOrg),
foram utilizados 280 descritores mapeados pela literatura, resultando em 59 itens para o
instrumento. Estes foram submetidos à análise de seis especialistas na área organizacional,
aos quais examinaram se havia relação entre os itens e o constructo avaliado e, também,
identificaram o fator de pertencimento de cada item. Na análise semântica do EICCOrg foram
aplicados 42 itens, distribuídos da seguinte maneira: 15 itens para a avaliação do
comportamento de ajuda; 9 itens para iniciativa individual; 15 itens para empenho extra; e 3
itens para defesa organizacional. A redação de cada item expõe o sujeito a uma situação-
59
dilema, na qual ele deve se posicionar em relação a dois comportamentos mutuamente
opostos, separados por uma escala de diferencial semântico, com sete intervalos de respostas
(SIQUEIRA, 2014). Participaram da testagem 767 trabalhadores da organização alvo da
pesquisa.
Para verificar a validade estatística do constructo dos itens da EICCOrg, foram
utilizadas análises das correlações tetracóricas; análise fatorial com informação completa
(Full Information Factor Analysis); análise de itens com base no modelo logístico de três
parâmetros (discriminação, dificuldade e acerto ao acaso); e o modelo Rasch para a análise de
respostas não esperadas para os itens (SIQUEIRA, 2014).
A versão final da EICCOrg ficou composta por uma escala unidimensional com 35
itens, que apresentam as melhores propriedades psicométricas para medir as intenções de
cidadania organizacional. A composição dos escores, obtidos a partir de uma escala de
atribuições de pontos para cada item, permitiu a interpretação do percentil como sendo de
baixa ou alta predisposição comportamental para ser um cidadão organizacional (EICCOrg).
O Segundo instrumento elaborado para avaliação o Comportamento de Cidadania
Organizacional é a chamada Escala de Comportamento Organizacional (ECCO). Elaborada
por Siqueira, em 1995, iniciou com 37 itens comportamentais relevantes para a eficácia da
organização e que representavam as cinco dimensões descritas por Katz e Kahn, 1978 (apud
SIQUEIRA, 2014): cooperação com os demais membros do sistema; ações protetoras do
sistema; sugestões criativas; autotreinamento; e criação de um clima favorável para a
organização no ambiente externo.
Siqueira (2014) descreve o processo de validação, atualização e precisão da escala,
realizados em 2011, quando são estudas as mesmas cinco dimensões de Katz e Kahn, mas
com a utilização dos 18 itens obtidos em sua pesquisa de 1995. O processo de validação da
ECCO contou com análises descritivas, utilizando os Testes de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e
de Barlett. A testagem foi realizada com 711 trabalhadores de diferentes regiões do Brasil,
atuantes em empresas públicas e privadas, durante o período de dois anos. Os resultados
demonstraram que 14 tipos de itens, ligados aos três conjuntos de fatores de Katz e Kahn –
sugestões criativas, divulgação da imagem organizacional e cooperação com os colegas –
tiveram valores de precisão (Alfa de Cronbach) satisfatórios (reconhecidos quando têm
valores iguais ou superiores a 0,70). Assim, a elaboração de uma versão final da ECCO,
proposta por Byrne (2001), que produziram um índice de precisão da ordem de 0,90, manteve
o uso das três dimensões de Katz e Kahn, com 14 itens, sendo cinco itens relacionados à
sugestão criativas, quatro itens para cooperação com colegas, e cinco itens para proteção do
60
sistema (SIQUEIRA, 2014). Por ocasião da validação da última versão da ECCO, foram
executadas análises de modelagem por equações estruturais, com utilização do programa
Analysis of Moment Structures (AMOS), para análises das estruturas médias e de covariâncias
(SIQUEIRA, 2014).
A aplicação ECCO pode ser realizada de forma individual ou coletiva, sem tempo
definido de execução. A apuração consiste em produzir três escores médios. Os cálculos de
cada escore são obtidos pela soma dos valores assinalados pelos respondentes em cada um
dos itens que integram a dimensão investigada, podendo varia numa escala entre 1 e 5
(valores mínimo e máximo das escalas de respostas). Quanto maior for o escore médio, mais
frequentes serão as ações de cidadania organizacional, no que concerne oferecer,
espontaneamente, à organização sugestões criativas para problemas de trabalho, divulgação
da imagem organizacional e colaboração com os colegas de trabalho.
3.4 Devolução dos resultados
A devolução dos resultados da pesquisa se dará por meio dos seguintes mecanismos:
- reuniões informativas dos resultados com os cadetes participantes da pesquisa;
- realização de seminários com as participações dos oficiais das Seções
Psicopedagógica e de Coordenação Pedagógica, que tem por missões prestar apoio
pedagógico aos discentes e docentes, respectivamente;
- divulgação dos resultados nos encontros pedagógicos dos docentes militares das
três forças singulares (Marinha, Exército e Aeronáutica), que ocorrem sob a supervisão do
Ministério da Defesa;
- Publicação de artigo no Anuário da Academia Militar, revista com divulgação no
âmbito das escolas militares das três forças armadas.
3.5 Ética em pesquisa
A pesquisa desenvolvida foi submetida à Comissão de Ética em Pesquisa da UFRRJ,
como parte integrante do projeto coordenado pelo Prof. Dr. Marcos Aguiar de Souza,
intitulado Adaptabilidade ao ensino superior militar: um estudo sobre os preditores do
desempenho dos cadetes do Exército Brasileiro, gerando o protocolo de aprovação nº
557/2015 mediante o processo 23083000375/2015-97. De acordo com a liberação, o projeto
atende aos princípios éticos e está de acordo com a resolução 466/12, que regula os
procedimentos de pesquisa envolvendo seres humanos.
61
Consta, ainda, em anexo (Anexo D) a esta dissertação o modelo do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, apresentado e assinado pelos participantes da pesquisa
que resultou neste trabalho.
62
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS
O capítulo que se segue aborda os principais resultados da presente pesquisa. A
primeira hipótese teórica a ser testada trata da possível correlação positiva entre o processo
formativo da Academia Militar e o desenvolvimento da moralidade, dentro de um modelo
evolutivo-cognitivo, elaborado com base nas teorias de Piaget-Kohlberg. Utilizou-se como
critério de avaliação o constructo de Competência Moral de Kohlberg (1992), tendo como
instrumento de aferição os resultados do teste MJT (xt) de Lind e Bataglia (1998), que consta
do anexo A. Houve, nesta oportunidade, a elaboração e a testagem de duas novas formulações
para composição do instrumento, constituindo-se como alternativas às situações dilemáticas já
existentes.
A segunda hipótese analisa a possível correlação entre a socialização de cadetes na
Academia Militar e o estímulo aos Comportamentos de Cidadania Organizacional, nas três
dimensões significativas da escala (criatividade na solução dos problemas organizacionais,
defesa da imagem organizacional frente aos diferentes públicos e uma atitude de cooperação
com os colegas de trabalho). Foram utilizados os seguintes instrumentos elaborados por
Siqueira (2014), constantes dos Anexos B e C: Escala de Intenção de Comportamentos de
Cidadania Organizacional (EICCO), que levanta informações preditoras para CCO, e a Escala
Comportamentos de Cidadania Organizacional (ECCO) que identifica a atual disposição do
público investigado sobre o fenômeno. Aproveitou-se para realizar a análise das propriedades
psicométricas das escalas de EICCO e ECCO, para a população estudada.
A terceira hipótese trata da possível correlação entre o desenvolvimento da
moralidade e a adesão à organização, expressa por meio dos constructos Comportamento de
Cidadania Organizacional e Competência Moral, uma vez que ambos os conceitos abordam
uma relação conceitual entorno das idéias de justiça e cidadania.
4.1 Relação entre a formação profissional e competência moral
Para Lind, Hartmann e Wakenhut (2010) a avaliação do Escore C não reflete apenas
a competência individual e a dificuldade em executar a tarefa de realizar juízos morais, mas
também revela a influência dos agentes sociais, como a Igreja, o Exército e as escolas, por
meio de seus programas educacionais. Desta maneira, a habilidade para formulação
consistente e coerente dos julgamentos morais reflete as condições sociais em dois níveis: o
da socialização individual e aquele outro do desenvolvimento do sistema social. Esse enfoque
analítico é o utilizado para interpretar os dados, isto é, o teste de competência moral (MJT xt)
63
é um instrumento de informação sobre o desenvolvimento pessoal, mas principalmente sobre
a eficácia do processo educacional no aprimoramento das capacidades dos alunos para
julgamento moral.
Para estabelecer parâmetros de interpretação dos Escores C, recorreu-se aos estudos
empíricos relatados por Von Rondon (2009) sobre a avaliação da competência moral. Neles
são definidas faixas de interpretação dos desempenhos no MJT, descritas da seguinte maneira:
resultados com escores entre 1 e 9, indicam baixos índices para competência moral;
pontuação entre 10-29, indicam resultados médios; escores entre 30-49, indicam resultados
altos para competência moral; e escores acima de 50, indicam resultados muito altos para
competência moral. Este trabalho se utilizou dessas faixas de desempenho para relacioná-las
aos estágios do desenvolvimento moral de Kohlberg, sendo que desempenhos mais baixos
significam uma limitação em trabalhar com categorias do pensamento mais complexas
(estágios 5 e 6 de Kohlberg), revelando uma tendência mais próxima de uma moral
heterônoma em detrimento de uma mais autônoma.
Sendo o escore C uma medida da capacidade de elaboração de raciocínios para
resolução dos dilemas morais específico, compreende-se que os resultados obtidos no teste
permitem avaliar (acessar) o grau de diferenciação do juízo moral com relação à
complexidade do dilema. Isto é, pessoa com altos escores aplicam critérios de julgamento
mais sofisticados sobre os problemas éticos. Contudo, segundo Lind (2013) e Kohlberg
(1992), é comum que as pessoas prefiram julgamentos mais elevados (moral universal),
mesmo que não compreendam plena da estrutura de pensamento subjacente. Isso acontece por
influência de aspectos de conformidade e desejabilidade social no processo de julgar.
Observam-se, então, as inconsistências nos critérios de julgamento, resultando em uma
diminuição da competência moral. Desta maneira, além da análise das pontuações obtidas nos
testes, foram avaliadas as presenças dessas inconsistências de julgamento dos argumentos
favoráveis ou contrários às decisões tomadas pelos protagonistas nos dilemas. Segundo os
autores, haverá maior consistência de avaliação quanto menor as discrepâncias entre os dois
tipos de resultados.
Outro aspecto a ser considerado nas análises, e que pode interferir nos resultados dos
Escores C, trata do fenômeno descrito por Bataglia, Schillinger-Agati, Lind, Quevedo (2003),
como segmentação moral. Segundo os autores, a segmentação moral acontece quando as
avaliações de determinados temas morais sofrem as influências de prescrições contidas no
pensamento religioso, ideológico e institucional, indicando um alto grau de afiliação e adesão
dos indivíduos ao pensamento convencional e, conseqüentemente, uma redução da autonomia
64
de julgamento moral. Citam-se como exemplos, os estudos feitos Bataglia, Schillinger-Agati,
Lind e Quevedo (2003) com população latino-americana no Dilema da Eutanásia, quando o
argumento religioso influenciou no julgamento sobre a decisão do médico; e os estudos
realizados por Lind, Hartmann e Wakenhut (2010) com soldados alemães, que demonstram
que a vivência em estruturas militarizadas influenciam na adesão aos argumentos fundados no
estágio 1 de Kohlberg, isto é, a aceitar como válida uma orientação moral guiada pelo medo
do castigo. Desta maneira, a influência decorrente da segmentação moral compromete os
resultados para Escore C, indicando um prejuízo para o desenvolvimento moral autônomo
(estágios 5 e 6 de Kohlberg).
Por fim, recorda-se que dentro da visão de Kohlberg, Boyd e Levine (1990) a
competência moral em mais alto nível reside da capacidade de realizar julgamentos com base
em princípios de igualdade, reciprocidade e equidade, sendo que para atingir essa habilidade
de avaliação o indivíduo deve ser capaz de submeter seus argumentos à avaliação do discurso
de outros interlocutores envolvidos, numa atitude de empatia, adoção ideal do papel recíproco
dos interlocutores e de teste de universalidade da proposição.
Com base nessas informações iniciais, passa-se à apresentação dos dados coletados
pelo instrumento.
Tabela 1 - Distribuição de cadetes por ano e curso
CURSO Ano 2015
Total Percentual 1º ANO 2º ANO 3º ANO
Básico 254 - - 254 34,7
Infantaria - 71 72 143 19,5
Cavalaria - 30 32 62 8,5
Artilharia - 31 38 69 9,4
Engenharia - 26 37 63 8,6
Intendência - 32 39 71 9,7
Comunicações - 17 18 35 4,8
Material Bélico - 17 18 35 4,8
Total 254 224 254 732 100,0
A pesquisa contou com respostas de 732 cadetes dos 1º, 2º e 3º anos do curso
AMAN, no ano letivo de 2015. A população de cadetes destes três anos corresponde a 1350
militares (chegando a 1800 cadetes quando incluído o 4º ano do curso AMAN). Os cadetes do
4º ano não foram alvos do processo de coleta de dados, em decorrência da impossibilidade de
coletar os dados em oportunidade. Os dados amostrais permitem desenvolver um estudo
65
transversal sobre o processo educativo na AMAN. Inicialmente, procedeu-se a análise dos
resultados de Escore C com cadetes de cada ano do curso e, em seguida, foram realizadas as
análises dos cruzamentos dos Escores C com os dados psicossociais relacionados:
denominação religiosa, origem familiar civil ou militar e origem escolar.
Os objetivos específicos iniciais do presente estudo estão relacionados à análise do
Escore C (Competência Moral) em seus cruzamentos com ano de curso, especialidade militar
ou curso desenvolvido na Academia (Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia,
Intendência, Comunicações e Material Bélico), a origem familiar (se militar ou civil), a
origem escolar (decorrente de colégio militar) e a denominação religiosa.
Tabela 2 - Médias dos Escores de Competência Moral (C) por curso e ano
ESCORE C* CURSO ANO
Total BAS INF CAV ART ENG INT CM MB 1º 2º 3º
Médias 17,75 15,64 16,45 16,62 17,55 16,53 17,26 14,80 17,75 15,91 16,70 16,82
N 252 141 62 69 62 70 35 35 252 222 252 732
* Faixas de interpretação do Escore C: 1-9 – baixo; 10-29 – médio; 30-49 – alto; acima de 50 – muito alto
A tabela 2 apresenta os resultados médios por habilitação militar e ano de formação
em comparação com os desempenhos do Escore C geral. Observa-se que os escores médios
para a competência moral estão em nível mediano, com tendência de diminuição do
desempenho em relação à progressão no curso. Os resultados são inferiores no 2º ano de
curso, ficando inclusive abaixo da média geral. Essa informação inicial sugere uma possível
correlação negativa entre o Curso e a competência moral. Contudo, com a análise dos dados
da Tabela 3, que utilizou da ANOVA (Análise da Variância) e da análise das diferenças das
médias com o teste post hoc de Tukey, observou-se que as diferenças não são significativas.
Tabela 3 – Análise das diferenças das médias de Escore C e o ano de formação
Variável (I) Ano (J) Ano Diferença entre as
médias (I-J)
Desvio
Padrão Sig.
ANOVA
F
Escore C
1 2 1,84 1,03 0,17
0,70
3 1,05 1,00 0,54
2 1 -1,84 1,03 0,17
3 -0,79 1,03 0,72
3 1 -1,05 1,00 0,54
2 0,79 1,03 0,72
66
Segundo os dados de pesquisas relatados por Von Rondon (2009), para que se possa
afirmar que um programa educativo está influenciando o desenvolvimento moral os resultados
no teste devem evidenciar diferenças de desempenho de valor igual ou maior a 6 pontos.
Desta maneira, ao observar os dados apresentados nas tabelas 2 e 3, verifica-se que não há
diferenças significativas de pontuação no Escore C, nem em função da especialidade militar,
nem em relação ao ano de curso. Desta maneira, é possível observar que o programa
educacional da AMAN não promoveu ganhos significativos para o desenvolvimento da
competência moral. Estes fatos são os primeiros indicadores para refutar a hipótese de que o
processo educativo estaria aprimorando (ou regredindo) a capacidade de julgamento sobre
dilemas morais.
Como o objetivo de estabelecer uma base comparativa entre os resultados de Escore
C para grupos civis e militares e para confirmar a tese de que processos educativos diferentes
influenciam no desenvolvimento das competências morais, citam-se os resultados de
pesquisas realizadas por com estudantes universitários brasileiros e alemães. O estudo
realizado com 618 estudantes brasileiros, divididos em dois grupos (universidades de alta
competitividade e de baixa competitividade), apontou Escores C médios entre 22 e 13,
respectivamente. Já os dados obtidos nos testes de 72 universitários alemães, os resultados
apresentaram escores médios de 37 pontos, isto é, numa faixa alta de competência moral. A
pesquisa de Schillinger-Agati e Lind (2003) corrobora a premissa de que o programa
educacional interfere no desenvolvimento da moralidade de forma significativa.
Embora os resultados do estudo Schillinger-Agati e Lind, com universitários
brasileiros, mantenham certa equivalência com os resultados da Academia Militar, isto é, com
escores na faixa mediana de competência moral, observa-se que as instituições universitárias
civis mais competitivas apresentam resultados significativamente melhores em relação à
AMAN.
Ainda com base nos dados apresentados na tabela 2, da análise do desempenho de
cada especialidade militar (curso), observa-se que o Curso de Engenharia tem o melhor
desempenho nos índices de Competência Moral. Ainda assim, os resultados foram piores do
que os obtidos pelos cadetes do Curso Básico (1º ano de AMAN).
Apesar de não apresentar significância estatística, avalia-se que a preparação
funcional dos militares de Engenharia exerça influência nos melhores resultados do teste de
competência moral, em relação a outras especialidades. Segundo Kohlberg, Boyd e Levine
(1990) o diálogo é fator fundamental para o desenvolvimento da moralidade, porque exige um
esforço de compreensão das razões que fundamentam os pontos de vistas de todos os
67
interlocutores envolvidos nos dilemas em julgamento. Sob esse aspecto, considerando que as
funções exercidas pelos militares de Engenharia envolvem intenso contato com a sociedade,
há, inevitavelmente, o freqüente diálogo com outros referenciais sociais, que não o militar,
sendo esse contato vetor de desenvolvimento moral. Em seus trabalhos, a Engenharia realiza
missões de suporte e assistência social, sob a forma de obras de infraestrutura (tais como a
construção de pontes, estradas, poços artesianos, estações de tratamento de água etc.), em
localidades onde a presença do Estado e da iniciativa privada é precária. Desta maneira, ao
administrar e executar essas obras em parceira com estados e prefeituras (inclusive com
emprego de mão de obra civil), o oficial de Engenharia exercita habilidades importantes para
o desenvolvimento moral: o diálogo, a negociação e a tomada de decisão. Por essa relação de
apoio e vinculação com a vida social não militar, avalia-se haver certo grau de influência
positiva nos resultados da competência moral de cadetes de Engenharia.
Por outro lado, o Curso de Material Bélico obteve os piores resultados em relação às
outras especialidades, o que pode ter relação ao seu perfil de atividade altamente técnico,
voltado para manutenção e controle do material militar (armamentos, munições e explosivos).
Para esse segmento militar, o trabalho sobre o material é mais significativo do que as
atividades de administração das relações interpessoais (podendo significar menores
oportunidades dialogar com outros profissionais de outros segmentos e de vivenciar dilemas
morais). Assim, por razões opostas ao que acontece com os cadetes de Engenharia, o
exercício de uma compreensão empática de problemas morais está reduzido em
oportunidades.
Entende-se que para ambos os cursos a explicação de Bronfenbrenner (2011) para o
desenvolvimento humano pode ser aplicada, quando ele argumenta que a compreensão das
singularidades do crescimento humano se dá pelas diferenças nas redes que compõe os
sistemas integrados, incluindo diferenças ligadas às pessoas, aos processos e ao contexto.
Desta maneira, cada especialidade militar com sua rede de sistemas de relacionamento exerce
influências específicas sobre as condutas e as competências dos indivíduos, sendo as
diferenças de desempenho entre cadetes de Engenharia e de Material Bélico, um exemplo.
As tabelas 4 e 5 apresentam os desdobramentos dos desempenhos de cadetes no teste
de competência moral, por faixas de escores, considerando o ano de formação e a
especialidade militar. Nelas há o registro da freqüência e do percentual de cadetes em cada
faixa de Escore C. Os desempenhos mais altos significam competência para decidir com base
nos estágios 5 e 6 de Kohlberg. Recorda-se que os escores indicam uma habilidade pessoal
68
atual, mas principalmente informam da influencia do processo social educacional no
aprimoramento das competências de julgamento moral.
Tabela 4 - Freqüência de resultados do Escore C por faixa de desempenho por ano
Faixas Escore C* Ano
Total Percentual Acumulado 1º 2º 3º
Baixo Freqüência 75 66 75 216
29,5 % 29,5 29,5 29,5 29,5
Médio Freqüência 139 136 145 420
86,9 % 54,7 60,7 57,1 57,4
Alto Freqüência 31 17 31 79
97,7 % 12,2 7,6 12,2 10,8
Muito Alto Freqüência 9 5 3 17 100,0
% 3,5 2,2 1,2 2,3
Total Freqüência 254 224 254 732
% 100,0 100,0 100,0 100,0
* Faixas de interpretação do Escore C: 1-9 – baixo; 10-29 – médio; 30-49 – alto; acima de 50 – muito alto
Tabela 5 - Freqüência de resultados do Escore C por faixa de desempenho por curso
Faixas Escore C* Curso
Total BAS INF CAV ART ENG INT CM MB
Baixo Freqüência 75 45 18 17 18 21 9 13 216
% 29,5 31,5 29,0 24,6 28,6 29,6 25,7 37,1 29,5
Médio Freqüência 139 83 38 44 35 42 21 18 420
% 54,7 58,0 61,3 63,8 55,6 59,2 60,0 51,4 57,4
Alto Freqüência 31 12 4 8 8 7 5 4 79
% 12,2 8,4 6,5 11,6 12,7 9,9 14,3 11,4 10,8
Muito Alto Freqüência 9 3 2 0 2 1 0 0 17
% 3,5 2,1 3,2 0,0 3,2 1,4 0,0 0,0 2,3
Total Freqüência 254 143 62 69 63 71 35 35 732
% 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
* Faixas de interpretação do Escore C: 1-9 – baixo; 10-29 – médio; 30-49 – alto; acima de 50 – muito alto
69
Observa-se que 29,5% dos respondentes tiveram desempenhos baixos de
competência moral, indicando dificuldades na estruturação formal de julgamentos morais com
base nos estágios 5 e 6. Como não há melhora de resultados dentro desta faixa, quando
comparados os anos de curso, tem-se um indicador de que o programa educativo da AMAN
não influenciou (negativamente ou positivamente) nos resultados.
Ao analisar a faixa média de desempenho dos Escores C, percebe-se que a melhora
nos percentuais do 2º ano (60,7%) em relação aos dois outros anos (54,7% e 57,4%), ocorreu
não pelo aprimoramento das respostas da faixa inferior, mas por regressão dos resultados das
faixas alto e muito alto, que representaram 13,1% da amostra. Tal situação reforça uma
posição heterônoma do desenvolvimento moral para o 2º ano, podendo ter relação com o
início da formação militar dentro das especialidades. Isto é, o 2º ano, como ocasião de
ingresso num dos grupos de formação, é o momento em que se desenvolve o chamado
“espírito militar” da arma, que para Castro (2004) significa a formação de uma identidade
social típica de cada segmento militar. Neste momento do curso, os oficiais instrutores de
cada especialidade militar exigem do cadete uma maciça afiliação e adesão às condutas,
comportamentos, códigos e tradições que demarcam o campo de cada segmento militar. Neste
sentido, a regra vinda de fora tem um peso mais intenso nesta fase do curso, indicando que o
fenômeno da segmentação moral, da forma como descrito por Bataglia, Schillinger-Agati,
Lind, Quevedo (2003) exerça influência sob as formas de tomar decisões morais, fazendo
prevalecer uma posição mais heterônoma nos julgamentos.
Como não há outras variações significativas apresentadas no cruzamento entre as
demais faixas de desempenho e o progresso no curso, sinaliza-se para uma refutação da
hipótese de que o programa educacional da AMAN impacta sobre a competência moral na
direção da autonomia.
A seguir são apresentados dados sobre as possíveis influências da origem escolar dos
cadetes (se realizaram ensino fundamental e médio em colégios militares ou escolas civis).
Tabela 6 - Médias dos escores de Competência Moral por origem escolar
Colégio Militar Escore C* N DP
Sim 17,42 191 9,88
Não 17,01 342 12,43
Total 17,15 533 11,57 * Faixas de interpretação do Escore C: 1-9 – baixo; 10-29 – médio; 30-49 – alto; acima de 50 – muito alto
70
Na tabela 6, as análises das médias dos Escores C geral não apresentam diferenças
significativas. Avalia-se que essa variável não produz tendência para segmentação dos
desempenhos para Escore C, ou seja, não há indicativos de que um fator externo (origem
escolar) esteja influenciando nas decisões morais na direção da heteronomia.
Tabela 7 - Cruzamento Escore C por faixa de desempenho com origem escolar
Faixas Escore C* Colégio Militar
Total Percentual Acumulado Sim Não
Baixo Freqüência 50 109 159
29,8 % 26,2 31,9 29,6
Médio Freqüência 115 183 298
85,7 % 60,2 53,5 55,9
Alto Freqüência 24 40 64
97,7 % 12,6 11,7 12,0
Muito Alto Freqüência 2 10 12 100,0
% 1,0 2,9 2,3
Total Freqüência 191 342 533
% 100,0 100,0 100,0
* Faixas de interpretação do Escore C: 1-9 – baixo; 10-29 – médio; 30-49 – alto; acima de 50 – muito alto
Dos dados da tabela 7 indicam uma equivalência de desempenho nas diferentes
faixas de Escore C, quando comparados cadetes que realizaram seus estudos iniciais em
colégios militares ou escolas civis (ensino fundamental e médio).
A seguir são apresentados dados sobre as possíveis influências da origem familiar
dos cadetes (se filhos de militares ou de civis).
Tabela 8 - Médias dos escores de Competência Moral por origem familiar
Família Militar ESCORE C* N DP
Sim 16,93 262 10,32
Não 17,39 270 12,69
Total 17,17 532 11,58
* Faixas de interpretação do Escore C: 1-9 – baixo; 10-29 – médio; 30-49 – alto; acima de 50 – muito alto
71
Tabela 9 - Cruzamento Escore C por faixa de desempenho com origem familiar
Faixas Escore C* Família Militar
Total Percentual Acumulado Sim Não
Baixo Freqüência 79 80 159
29,9 % 30,1 29,6 29,9
Médio Freqüência 149 148 297
85,7 % 56,9 54,8 55,8
Alto Freqüência 31 33 64
97,7 % 11,8 12,2 12,0
Muito Alto Freqüência 3 9 12
% 1,2 3,4 2,3 100,0
Total Freqüência 262 270 532
% 100,0 100,0 100,0
Não houve diferenças significativas entre os desempenhos no teste de julgamento
moral, quando observadas às origens familiares dos cadetes, isto é, se filhos de pais militares
ou de pais com profissões civis. Em ambos os casos, a freqüência de desempenho no teste de
competência moral é maior na faixa mediana (55,8%), mas ainda apresenta um percentual
significativo de cadetes na faixa baixa (29,9%), que indica dificuldade em compreender
argumentos dos estágios 5 e 6 como justificativa das decisões.
Tabela 10 - Médias dos escores de Competência Moral por denominação religiosa
Religião Escore C* N DP
Ateu 18,83 75 13,84
Católico 16,94 231 10,97
Evangélico 16,33 160 12,14
Espírita 17,76 58 8,60
Outros 18,67 3 18,50
Total 17,12 527 11,58
* Faixas de interpretação do Escore C: 1-9 – baixo; 10-29 – médio; 30-49 – alto; acima de 50 – muito alto
Apesar de não representarem diferenças significativas nos resultados gerais do
Escore C em função da religião (F = 0,662; p > 0,05), observa-se que as pessoas que se
declararam sem denominação religiosa apresentaram resultados um pouco melhores no teste,
tendência também identificada nos estudos de Schillinger-Agati e Lind (2003), com
universitários brasileiros e alemães. Esses fatos foram associados à menor influência de
segmentação moral, isto é, que este grupo sofre menor suscetibilidade do aspecto religioso
72
sobre as decisões morais, favorecendo um pensamento mais autônomo. Entre os indivíduos
que declararam opção religiosa, observa-se que os grupos majoritários (católicos e
evangélicos) apresentam uma redução nos escores de competência moral, embora os dados
não apontem para diferenças significativas entre os grupos em função da afiliação religiosa.
Esclarece-se que as razões da atual forma do MJT xt apresentar dois dilemas de vida,
consistem na finalidade de equalizar os efeitos do fenômeno da segmentação moral, quando
do julgamento do dilema da eutanásia. Como já mencionado, a pesquisa de Bataglia,
Schillinger-Agati, Lind, Quevedo (2003) foi observado que o fator religioso influenciava
negativamente na análise do dilema da eutanásia, interferindo nos resultados dos Escores C de
populações latino-americanas, que apresentavam resultados mais baixos em relação a grupos
europeus. Tal fato conduziu Bataglia a elaboração e validação do Dilema do Juiz, cujo
conflito consiste na obtenção de informações por meio de tortura de uma terrorista. Neste
sentido buscou-se a elaboração de mais uma alternativa ao Dilema do Juiz, que foi
apresentado neste trabalho como o Dilema dos Pastores. Passa-se a seguir a descrever os
resultados obtidos das duas alternativas de dilemas elaboradas para avaliar a competência
moral.
Apresenta-se a seguir os resultados correlacionais dos índices de Competência Moral
(Escore C) obtidos a partir da aplicação dos dilemas produzidos e validados por Lind e
Bataglia, com os Escores C Teste resultante da aplicação dos novos dilemas propostos neste
trabalho. Recorda-se que no teste já consagrado há dois tipos de dilemas em julgamento, isto
é, um dilema relacionado ao valor das coisas (expresso na forma do Dilema do Operário) e
dois dilemas relacionados à valorização da vida (Dilema do Médico ou Eutanásia e Dilema do
Juiz).
As alternativas de dilemas produzidas e testadas neste trabalho abordaram os dois
temas, sendo um dilema de valorização das coisas (Dilema do Estudante) e outro ligado à
valorização da vida (Dilema dos Pastores). No Dilema do Estudante o protagonista deve
decidir entre utilizar de cola durante um teste ou correr o risco de ser jubilado. No Dilema dos
Pastores, o comandante militar deve decidir entre colocar a vida de seus subordinados em
perigo ou decidir pela morte de civis. As alternativas de argumentação para os dois dilemas
seguem o esquema de argumentos pró e contra as decisões dos protagonistas, sendo
observadas justificativas nos seis estágios de desenvolvimento de Kohlberg. As apresentações
dos dilemas estão feitas no Anexo A, sendo indicado estágio correspondente para cada
proposição.
73
Os resultados apresentados na Tabela 11 sugerem que há correlação significativa
entre as duas formulações do teste e os resultados obtidos para o Escore C, mas que precisam
de ampliação da base de dados, devendo ser aprofundada as investigações sobre a covariância
entre os resultados em outras populações. Observa-se que os resultados obtidos no Dilema do
Juiz não apresentaram resultados de correlação significativa, nem na forma tradicional do
teste, nem na proposição feita neste trabalho. Por outro lado, a utilização do Dilema dos
Pastores como forma de avaliação da capacidade de julgamento sobre o valor da vida,
apresentou resultados significativos para população investigada, sendo melhor alternativa do
que a formulação proposta no Dilema do Juiz.
Tabela 11 - Cálculo do coeficiente de Correlação Linear de Pearson entre os dilemas morais e
antigos e novos
Escore C
Escore C
Teste
Dilema
Operário
Dilema
Médico
Dilema
Juiz
Dilema
Estudante T
Dilema
Pastores T
Escore C
1 0,489
** 0,156
** 0,134
** 0,010 0,653
** 0,645
**
Escore C
Teste
0,489** 1 0,105
** 0,091
* 0,019 0,726
** 0,801
**
* - Signifcativa ao nível de 0,05; ** - Significativa ao nível de 0,01. T – Dilema em teste
A seguir faz-se uma análise das respostas dadas por cadetes no teste MJT (xt),
considerando o grau de adesão a cada afirmativa que justifica as decisões morais tomadas
pelo protagonista do dilema. A intensidade da concordância com o argumento está
apresentada numa escala que varia de -4 até +4, sendo que os extremos significam se a
justificativa é completamente inaceitável ou completamente aceitável, respectivamente.
As elaborações das afirmativas foram estruturadas com base nos seis estágios de
desenvolvimento da moralidade de Kohlberg. Recorda-se que para Kohlberg (1992) o
desenvolvimento moral pode ser organizado em três níveis e 6 estágios: a) Nível Pré-Moral
ou Pré-Convencional: Estágio 1 – Orientação para o castigo e obediência e Estágio 2 – Moral
do hedonismo instrumental; b) Nível da Moral Convencional: Estágio 3 – Moral da aprovação
social e Estágio 4 – Moral do respeito à autoridade; c) Nível da Moral Pós-Convencional:
Estágio 5 – Moral do compromisso social e individual e Estágio 6 – Moral dos princípios
universais e da consciência individual.
74
O teste apresenta 12 afirmativas com seis argumentos favoráveis e seis contrários à
decisão tomada pelo protagonista do dilema. Desta maneira cada estágio de Kohlberg está
representado no dilema com dois argumentos, sendo um favorável e outro contrário a decisão
do protagonista. A finalidade dessa construção, segundo Lind e Bataglia (1998), é verificar o
grau de consistência interna na avaliação dos argumentos por estágio, bem como identificar se
há diferenças nas formas de julgar, quando se varia o tema em análise.
A seguir são apresentadas as respostas aos dilemas morais, analisados por nível de
desenvolvimento moral (Pré-convencional, Convencional, Pós-convencional). As formulações
dos dilemas, com a classificação de cada afirmativa favorável e contrária por estágio moral do
desenvolvimento, constam do Anexo deste trabalho.
Inicialmente, esclarece-se que as análises serão feitas sem considerar as diferenças
entre os anos, a afiliação religiosa, a origem familiar e escolar, pois os resultados obtidos
nesta pesquisa não identificaram diferenças estatísticas significativas entre os diferentes
grupos. Recorda-se, ainda, que os cálculos dos Escores C médios obtidos por cadetes no teste
de competência moral foram diagnosticados na faixa mediana de desempenho.
Tabela 11 – Freqüência de respostas aos itens dos dilemas morais dos estágios pré-convencional
(n= 728)
Estágio 1 Estágio 2
Dilemas Vida
(Médico/Juiz)
Dilemas Coisas
(Operários/Estudante)
Dilemas Vida
(Médico/Juiz)
Dilemas Coisas
(Operários/ Estudante)
Resposta Pro Contra Pro Contra Pro Contra Pro Contra
Completamente
Inaceitável / Inaceitável 72,7 12,5 82,1 13,9 30,3 22,4 73,9 4,1
Baixa diferenciação (-1/1) 24,2 49,6 17 68,5 55,7 45,8 25,2 41,3
Completamente
Aceitável / Aceitável 3,1 37,9 0,9 17,6 14,0 31,8 0,9 54,6
Total 100 100 100 100 100 100 100 100
A partir dos dados da Tabela 11, observa-se que há forte tendência em considerar
como inaceitável as justificativas em favor da ação dos protagonistas, elaboradas com base
nos argumentos morais do estágio 1 (orientado pela obediência como evitação do castigo).
Verifica-se que nos dilemas de valorização da vida (realizar a eutanásia e torturar a
prisioneira), 72,7% julgaram inaceitáveis as argumentações do estágio 1. Nos dilemas
relativos ao valor das coisas (roubar a informação da empresa e utilizar de cola na prova) 82,1
% classificaram como inaceitável a razão apresentada. Esse aspecto é positivo para o
75
desenvolvimento da moralidade, pois demonstra que há um reconhecimento da baixa
qualidade das razões morais do estágio 1, baseado na obediência por medo de punição.
Contudo, quando se analisam as argumentações em contrário à ação dos
protagonistas, com base no mesmo estágio, observam-se diferenças significativas, quando
comparadas com as respostas favoráveis nos dois tipos de dilema (12,5% e 13,9%). Essas
inconsistências na capacidade avaliativa dos argumentos podem estar associadas à dificuldade
em separar o aspecto afetivo e o cognitivo da escolha, isto é, a tendência de confirmar sua
própria opinião e a incapacidade de considerar, com relativa isenção, a lógica do argumento
de um interlocutor com opinião diferente.
Em questões ligadas a tomada de decisão justa, Kohlberg, Levine e Bold (1990)
destacam que as dificuldades dos sujeitos de se desvincularem do próprio ponto referencial,
para analisar outros pontos de vista, estão relacionadas a uma estrutura de pensamento
egocêntrica (fenômeno descrito por Piaget em seus estudos sobre o pensamento infantil).
Supõe-se que as inconsistências nos julgamentos dos cadetes sobre os argumentos favoráveis
ou contrários às ações dos protagonistas podem estar ligadas a essas características de
autoreferência. Desta maneira, como já discutido por Kohlberg e seus colaboradores, essa
tendência atuaria como fator limitador da habilidade para o julgamento moral, pois inibe
processos mentais importantes: a empatia em relação aos pontos de vista dos diferentes
agentes do problema, a possibilidade de se projetar em papéis diferentes do seu próprio, e a
capacidade de julgar, de forma multilateral, o alcance das decisões para outras situações
semelhantes, conferindo universalidade aos critérios utilizados.
Em relação aos resultados do estágio 2, cuja a orientação moral obedece a lógica do
hedonismo instrumental, tem-se que 30,3% dos cadetes julgaram como inaceitáveis os
argumentos favoráveis à ação dos protagonistas, nos dilemas ligados a valoração da vida, e
73,9% , quando o tema era ligado ao valor das coisas. Essa variação é bastante significativa e
pode ter relação com o peso do tema do Dilema do Estudante, que trata de fraude no processo
escolar. Este tópico é sensível ao cadete, porque a hierarquização existente entre eles deriva
dos desempenhos acadêmicos medidos por nota. A classificação do mérito escolar interfere
não somente na hierarquia na Academia Militar, mas em toda a vida funcional do futuro
oficial. Desta maneira, tem-se que o problema de fazer justiça pelo reconhecimento do mérito
escolar produz respostas significativas de segmentação moral, aproximando o cadete de uma
moral mais instrumental.
No caso dos dilemas de vida, 55,7% dos respondentes se posicionaram numa faixa
mais neutra de concordância/discordância com os argumentos estruturados no estágio 2, isto
76
é, não apresentam uma resposta com tendência definida (se o argumento é aceitável ou não).
Entende-se que essa indecisão é uma falha no desenvolvimento da competência moral,
considerando a grande vinculação entre a atividade militar e a natureza do tema em análise.
Cabe destacar que as decisões ligadas à aplicação da violência e a valoração da vida são
realidades presentes nos problemas do campo militar. Essa proximidade pode ser sentida, por
exemplo, no Dilema do Juiz, que para evitar outras mortes, tem que decidir sobre condutas de
maus-tratos em relação a uma terrorista. Esse poderia ser um problema típico de profissionais
militares. Por esse motivo, causa estranheza a dificuldade em se posicionar de forma clara
sobre o tema. Ainda mais pelos argumentos apresentados estarem fundamentados no estágio
2, quando o grau de maturidade e competência moral estão localizados nível pré-convencional
da moral. Observa-se, ainda, que 14% dos respondentes validam argumentos guiados por uma
moral de que os fins justificam os meios (torturar a terrorista para salvar vidas, realizar a
eutanásia, pois ela morreria de qualquer maneira).
Por outro lado, parece justo reconhecer dificuldades de avaliação dos argumentos de
valor da vida, quando considerados aspectos particulares da atividade profissional militar. Por
exemplo, as discussões feitas por Huntington (1996), Gonçalez e Medeiros Filho (2012), que
atribuem como característica da atividade militar a administração da violência do Estado, que
difere da simples aplicação da ação violenta, já demonstram certo grau de conflito. Por
exemplo, nos planejamentos das atividades de combate, os comandantes militares aprendem a
fazer estimativas de quantidade de baixas “aceitáveis” para o alcance de determinados
objetivos militares. Esses cálculos revelam um pensamento do tipo instrumental sobre a vida
dos soldados, conduzindo-os ao pensamento de que o sacrifício de vidas é válido, se conduzir
à vitória. Situa-se aqui num limiar entre o morrer por uma causa, como a soberania da pátria
(justificativa de níveis do desenvolvimento moral mais elevado) ou num outro tipo de
pensamento em que ganhar a guerra justifica a perda de vidas (os fins justificam os meios).
De qualquer maneira, a tendência de neutralidade frente a argumentos fundados no
estágio 2 (com foco no efeito da decisão), pode sugerir dificuldades futuras na diferenciação
entre administrar a violência e produzir violência. Verifica-se, assim, que há inconsistências
na avaliação das posições favoráveis e contrária, acrescidas de baixa discriminação das
estruturas dos argumentos baseados no estágio 2, sendo uma oportunidade para
aprimoramento do programa educacional.
Neste sentido, as proposições de Kohlberg (1992), sobre a comunidade justa, e as de
Bronfenbrenner (2011) sobre o desenvolvimento humano, estruturado nas interrelações entre
os aspectos ligados às pessoas (capacidades e subjetividade), ao processo (formas de relação
77
entre os agentes), e ao contexto (intercâmbio entre os sistemas integrados da realidade dos
indivíduos), podem auxiliar nas discussões e aprimoramentos da formação militar, no sentido
de esclarecer as confusões e ambigüidades sobre o julgamento do valor da vida, conduzindo a
reflexões mais consistentes quanto às implicações desses tipos de dilemas.
Tabela 12 – Freqüência de respostas aos itens dos dilemas morais dos estágios convencionais
(n= 728)
Estágio 3 Estágio 4
Dilemas Vida
(Médico/Juiz)
Dilemas Coisas
(Operários/ Estudante)
Dilemas Vida
(Médico/Juiz)
Dilemas Coisas
(Operários/ Estudante)
Resposta Pro Contra Pro Contra Pro Contra Pro Contra
Completamente
Inaceitável / Inaceitável 29,7 20,1 53,0 1,9 13,0 11,0 68,0 1,7
Baixa diferenciação 50,7 51,9 36,9 13,2 55,2 44,5 28,9 13,6
Completamente
Aceitável / Aceitável 19,6 28,0 10,1 84,9 31,8 44,5 3,1 84,7
Total 100 100 100 100 100 100 100 100
A tabela 12 apresenta a distribuição percentual de adesão aos julgamentos elaborados
com base na moral convencional de Kohlberg, estágios 3 e 4, cuja a orientação da conduta
moral está baseada na aprovação social e o respeito às leis e autoridade, respectivamente.
Nos dilemas relacionados à vida, da mesma forma que nas respostas do nível pré-
convencional, foram identificados altos percentuais de respostas na faixa neutra de decisão
moral (50,7% para as respostas fundadas no terceiro estágio e 55,2% para o quarto estágio).
Ainda sobre os dilemas de vida, os resultados do 3º estágio apresentaram 29,7% dos
cadetes avaliando como “inaceitáveis” as razões fundamentadas na aprovação social,
mostrando certa capacidade de desvincular o julgamento das expectativas sociais. Por outro
lado, quando analisados os argumentos contrários à ação do protagonista, observa-se queda
dos resultados de resposta “inaceitáveis” (20,1%) e um aumento das respostas aceitáveis
(28%), confirmando a tendência de validar a própria opinião em detrimento da lógica de
outros pontos de vista.
Quando as decisões sobre os dilemas de vida são justificadas por argumentos do
estágio 4, observa-se que há uma melhora na aceitação das razões (31,8%), indicando que a
adesão à autoridade e mais forte do que o bom-mocismo dos argumentos do estágio 3.
78
No julgamento do valor das coisas (roubar a informação e colar na prova), os dados
apresentados na tabela 12 permitem verificar que há forte oposição à decisão tomada pelos
protagonistas. Essa tendência é confirmada pela condenação da ação do protagonista (53%
para o estágio 3 e 68% para estágio 4) e grande aceitação dos argumentos contrários ao roubo
das informações da empresa e da não utilização da cola durante a prova (84% em ambos).
Neste caso a moral convencional prevalece como orientação para se julgar os dilemas.
Enquanto no julgamento dos itens estruturados nos estágios 1 e 2, verificou-se a
discrepância na valoração dos argumentos favoráveis e contrários nos dois tipos de dilemas,
as diferenças nos estágios 3 e 4 foram mais acentuadas nos dilemas de valor das coisas.
Avalia-se que parte dos motivos para as discrepâncias é decorrente de uma postura de
valorização extrema da própria posição, em detrimento de uma desvalorização de pontos de
vista outros. Isto é, a força da avaliação negativa da ação do protagonista está vinculada ao
posicionamento pessoal do avaliador em relação ao evento, e não propriamente à clareza do
exame cognitivo das qualidades do argumento. Retoma-se as idéias de egocentrismo
cognitivo, como os prejuízos para os processos de empatia, adoção de papéis recíprocos e
universalidade dos critérios de julgamento.
Como já dito anteriormente, compreende-se que o Dilema do Estudante teve uma
influencia mais significativa nas diferenças de avaliação entre os argumentos pró e contras a
decisão do protagonista. Este significado maior ao Dilema do Estudante pode ser atribuído as
relações de contexto da vida do cadete. Isto é, a sua atual condição de aluno de graduação e a
importância que o desempenho acadêmico tem sobre o ordenamento da carreira e vida do
militar, influenciaram na avaliação contrária do cadete à decisão do protagonista. Cabe
explicar, uma vez mais, que dentro da estrutura educacional militar todo desempenho
acadêmico é transformado em notas, que servem para escalonar os militares, numa hierarquia
de méritos. Essa meritocracia escolar tem implicações objetivas na vida do militar, pois
influencia no acesso às diferentes possibilidades profissionais e formas de progressão na
carreira. Por exemplo, sabe-se que os dez primeiros colocados de cada especialidade tem
aumentadas as possibilidades de ascender ao posto de general. A classificação no curso
interfere nas escolhas de localidades em que o militar irá servir; ou na possibilidade de
concorrer a determinadas missões fora do país; ou ainda nas formas de ascensão na carreira,
como, por exemplo, ser instrutor de cadetes na AMAN. Todas essas decisões estão
relacionadas aos resultados obtidos nas avaliações do curso de formação na Academia Militar.
Assim, a atitude do estudante de fraudar na prova é compreendida pela instituição, e
inevitavelmente pelos cadetes, como injustificável a priori. Desta maneira, os resultados
79
obtidos a partir dos julgamentos sobre o dilema do estudante permitem a demonstração do
fenômeno da segmentação moral, descrito por Bataglia, Schillinger-Agati, Lind, Quevedo
(2003), isto é, os julgamentos das afirmativas do dilema moral do estudante sofreram
influência das formas de raciocínio externas aos indivíduos (neste caso, uma influência da
cultura da organização, mas em outros casos pode ocorrer por outras razões, como religiosas
ou ideológicas, por exemplo).
Tabela 13 – Freqüência de respostas aos itens dos dilemas morais dos estágios pós-convencionais
(n= 728)
Estágio 5 Estágio 6
Dilemas Vida
(Médico/Juiz)
Dilemas Coisas
(Operários/Estudante)
Dilemas Vida
(Médico/Juiz)
Dilemas Coisas
(Operários/Estudante)
Resposta Pro Contra Pro Contra Pro Contra Pro Contra
Completamente
Inaceitável / Inaceitável 11,5 15,5 44,9 0,3 19,5 20,3 27,0 1,6
Baixa diferenciação (-1/1) 49,2 46,6 40,0 5,2 49,8 47,1 45 19,2
Completamente
Aceitável /Aceitável 39,3 37,9 15,1 94,5 30,7 32,6 28,0 79,2
Total 100 100 100 100 100 100 100 100
Segundo as análises feitas por Kohlberg, Levine e Bold (1990) o desenvolvimento da
moralidade segue um percurso que conduz para o nível pós-convencional do julgamento
moral. Este nível está organizado nos estágios 5 e 6, relativos à moral do contrato social e dos
princípios universais e da consciência individual. Nestes estágios se desenvolve a
competência para tomada de decisão com orientação fundamentada em categorias mais
abstratas de justiça, que consiste no respeito às idéias de igualdade, reciprocidade e equidade.
Com base na tabela 13, em relação aos dilemas de vida, observa-se que 39,3% e
30,7% dos cadetes avaliam como aceitáveis as justificativas para a ação do protagonista,
estruturadas com base nos estágios 5 e 6, respectivamente. O primeiro percentual revela o
grau de adesão aos argumentos que fazem menção à crença no contrato social como fórmula
válida para regulação das relações. O segundo indica a concordância com argumentos
elaborados em princípios de autonomia e dignidade da pessoa. Nestes dois estágios foram
encontradas as menores diferenças de percentuais entre os argumentos favoráveis e contrários
à ação do protagonista, quando comparados com as diferenças existentes internamente entre
outros estágios. Isso significa que, nos dilemas de vida, as argumentações pró e contra mais
80
consistentes dos dois estágios favorecem a avaliação como “razoáveis” outros pontos de
vistas diferentes do próprio, atingindo os limites entre 39% e 30,7% dos respondentes.
Contudo, permanece a tendência por uma avaliação neutra sobre os argumentos, com
percentuais de 49,2% para o estágio 5 e 49,8% para o estágio 6, significando que as decisões
no nível pós-convencional (com base na autonomia moral), não estão consolidadas como um
padrão de resposta dos cadetes. Juntam-se, ainda, a essas informações os percentuais de
avaliações “inaceitáveis” dos argumentos nos estágios 5 e 6, isto é, 11,5% e 19,5%,
respectivamente, indicando limitações para validar argumentos de maior autonomia moral.
Em relação aos dilemas das coisas, verificam-se os efeitos da segmentação moral,
quando analisadas as diferenças de avaliação entre argumentos pró e contras são elevadas. O
destaque aos altos percentuais de aceitação dos argumentos contrários à decisão do
protagonista de roubar a informação da empresa e colar durante a prova (94,5% para o estágio
5 e 79,2 para o estágio 6), parece conferir maior adesão aos argumentos que evocam o
contrato social, implicando confiança no sistema para solucionar problemas desta natureza.
Contudo, avalia-se que o Dilema do Estudante foi importante para a decisão de apoiar
argumentos contrários a posição do protagonista, sendo os altos índices influenciados pelo
pensamento institucional, compartilhado pelos cadetes, sobre esse tipo de realidade. Neste
sentido, esses resultados traduzem mais fortemente uma posição heterônoma sobre o dilema,
simplificando e direcionando o trabalho de avaliação dos argumentos, e não uma expressão de
maior autonomia moral no estágio 5.
4.2 Relação entre a formação e os Comportamentos de Cidadania Organizacional
Nesta seção faz-se a discussão da relação entre a formação profissional dos cadetes e
os Comportamentos de Cidadania Organizacional. Como primeiro passo, houve as
investigações das propriedades psicométricas dos instrumentos utilizados na coleta de dados
na amostra do presente estudo.
Inicialmente, considerou-se a Escala de Intenção de Comportamento de Cidadania
Organizacional (EICCO). Como tal instrumento já possuía estudos de validação para amostras
brasileiras (SIQUEIRA, 2014), foram realizados apenas os procedimentos visando à análise
fatorial confirmatória (AFC) do instrumento. Foram considerados os principais índices de
ajuste do modelo, conforme a literatura (FORMIGA, 2011; MARÔCO, 2010), sendo utilizado
o software AMOS, em sua versão 19.
81
A AFC realizada foi do tipo máxima verossimilhança, que dentro de uma lógica da
inferência estatística tem por objetivo a extração de informações sobre uma população a partir
de dados amostrais, sendo uma das etapas principais da obtenção da estimação dos
parâmetros.
De acordo com Marôco (2010), os valores ideais para os índices de ajustamento de um
modelo, seja de análise fatorial confirmatória, ou de uma análise de equação estrutural, são
discutidos por diversos autores. Entretanto, pode-se dizer que são suficientes os indicadores
X2/gl, RMR, GFI, AGFI, CFI e o RMSEA.
A razão do χ2 (qui-quadrado) pelo grau de liberdade avalia a pobreza do ajustamento.
Assim, quanto menor o valor, melhor. Em geral, o modelo ideal possui o valor de 1, sendo
aceitável um valor de até 5. Valores superiores a 5 indicam um modelo muito empobrecido,
que não deve ser aceito.
O Root Mean Square Residual (RMR) indica o ajustamento do modelo teórico aos
dados, na medida em que a diferença entre os dois se aproxima de zero, que seria o valor em
um modelo perfeito. Para o modelo ser considerado bem ajustado, o valor deve ser menor que
0,05.
O Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI) são
análogos ao R² em regressão múltipla. Portanto, indicam a proporção de variância–
covariância nos dados explicada pelo modelo. Estes variam de 0 a 1, com valores na casa dos
0,80 e 0,90, ou superiores, indicando um ajustamento satisfatório do modelo.
O Comparative Fit Index (CFI) compara, de forma geral, o modelo estimado e o
modelo nulo, considerando valores mais próximos de 1 como ideais. Entretanto, valores até
0,9 são considerados satisfatórios. A Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA),
com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), é considerado um indicador de fraqueza de
ajuste, isto é, valores altos indicam um modelo não ajustado. Assume-se como ideal que o
RMSEA se situe entre 0,05 e 0,08, aceitando-se valores de até 0,10.
É preciso considerar que na literatura há divergências entre os diversos autores sobre o
estudo da Modelagem de Equações Estruturais, os valores de referência são apresentados na
tabela 14 como indicativos para aceitação ou não do modelo, conforme estejam próximos ou
distantes do que indicado para ser aceitável.
Figura 01 – Análise Fatorial Confirmatória (AFC) da Escala de Intenção de
Comportamento de Cidadania Organizacional (EICCO).
82
Quando se comparam as apresentações dos itens feitos por Siqueira (2014), para a
Escala de Intenção de Comportamento de Cidadania Organizacional, e a proposição feita na
figura 1, observa-se a retirada da escala dos itens 1, 2, 5, 6, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 24, 25, 26,
28, 30, 33, 34 e 35, pois estes apresentaram valor de lambda abaixo de 0,5. O valor de lambda
indica uma medida de associação para variáveis nominais, podendo variar de 0 até 1. O
número relativamente elevado de itens retirados não comprometeu a capacidade avaliativa do
instrumento, visto que permaneceram itens suficientes (16 itens) para garantir uma variedade
de alternativas a serem julgadas pelos respondentes. Além disso, é importante considerar que
em sua validação, a EICCO foi aplicada a uma amostra bastante diferenciada da considerada
no presente estudo, justificando o ajuste na apresentação de itens do instrumento.
Os índices de ajuste obtidos na Análise Fatorial Combinatória (AFC) são
apresentados na Tabela 14, juntamente com os parâmetros ideais de cada medida.
Tabela 14 - Índices de ajuste da Análise Fatorial Combinatória da EICCO
Indicadores Valor obtido Valor ideal
X2/gl 1,642 Até 5
RMR 0,048 Menor que 0,05
GFI 0,974 Acima de 0,80
AGFI 0,962 Acima de 0,80
CFI 0,980 Próximo a 1
RMSEA 0,030 (0,021-0,038) Menor que 0,10
83
Com base na Tabela 14, é possível observar que os índices de ajuste obtidos foram
satisfatórios, atestando que o uso da EICCO é adequado, para fins do presente estudo. Após
essa verificação realizada, houve a realização dos procedimentos relacionados à Análise
Fatorial Combinatória (AFC) para a Escala de Comportamento de Cidadania Organizacional
(ECCO), sendo obtido o modelo abaixo.
Figura 2 – Análise Fatorial Confirmatória da Escala de Comportamento de
Cidadania Organizacional
A proposta inicial do instrumento apresenta formulação com 14 itens, sendo
distribuídos em três fatores (defesa da organização, sugestões criativas aos problemas da
organização e atitude de cooperação com os colegas de trabalho). Como pode ser observado
na figura 2, foram retirados os itens 1, 2 e 3, sendo um em cada fator. Em seguida, são
apresentados na Tabela 2, os índices de ajustes obtidos na AFC.
Tabela 15 - Índices de ajuste da Análise Fatorial Confirmatória da ECCO
Indicadores Valor obtido Valor ideal
X2/gl 3,10 Até 5
RMR 0,03 Menor que 0,05
GFI 0,97 Acima de 0,80
AGFI 0,95 Acima de 0,80
CFI 0,98 Próximo a 1
RMSEA 0,054 (0,043-0,065) Menor que 0,10
84
Considerando já haver a possibilidade de constituição dos fatores da Escala de
Cidadania Organizacional (Cooperação, Criatividade e Defesa Organizacional) e do fator
único da Escala de Intenção de Comportamento de Cidadania Organizacional, foi realizada
inicialmente uma análise correlacional entre tais variáveis, com utilização do coeficiente de
correlação linear de Pearson, com a intenção de verificar a direção e a magnitude da
associação, numa variação entre -1 e 1.
Tabela 16 - Cálculo do coeficiente de Correlação Linear de Pearson
entre os fatores da ECCO e a EICCO
Variáveis 1 2 3 1. EICCO - 2. CCO Criatividade 0,35** - 3. CCO Defesa da Organização 0,44** 0,24** - 4. CCO Cooperação 0,30** 0,36** 0,29**
** - Significativa a o nível de 0,01.
Em seguida, visando atingir o objetivo específico do estudo que pretende a análise do
Comportamento de Cidadania Organizacional e sua relação com o ano de formação, foram
realizadas as comparações das diferenças de médias obtidas pelos participantes do estudo em
função do ano de curso, com utilização da ANOVA (Análise da Variância Univariada).
Tabela 17 - Médias dos escores de ICCO, CCO e Escore C em relação ao ano de curso
Variáveis 1º ano 2º ano 3º ano
F Média dp Média dp Média dp
ICCO 5,64 0,71 5,51 0,68 5,46 0,90 3,55*
CCO Criatividade
2,61 0,78 2,57 0,84 2,70 0,77 1,55n.s.
CCO Defesa da Organização
4,21 0,69 3,74 0,87 3,47 0,91 50,96**
CCO Cooperação
3,86 0,72 3,77 0,68 3,69 0,67 3,51*
Escore C 17,75 12,56 15,91 9,94 16,70 11,19 1,63n.s. n.s. – Não significativa; * - Significativa ao nível de 0,05; ** - Significativa ao nível de 0,01.
Siqueira (2014, p. 92-93) explica que a Escala de Cidadania Organizacional produz
três escores médios, para cada um dos indicadores do comportamento de cidadania
organizacional. A interpretação dessas médias é feita com base nos seguintes parâmetros:
pontuação de 1 até 2,9, indica baixa tendência para exibição do comportamento; escores entre
3 e 3,9, representam uma intenção de freqüência média de resposta e, finalmente, entre e 4 e 5
85
pontos indicam alta disposição para CCO. Desta forma, observa-se que os resultados tendem
para uma faixa média para adoção de comportamentos de preservação do sistema (defesa da
organização) e de comportamentos de cooperação com os colegas.
Tabela 18 - Comparação das médias ICCO, CCO e Escore C em relação ao ano de curso
Variável dependente (I) Ano (J) Ano Diferença Média (I-J)
ICCO
3 2 - 0,18
**
1
0,04 n.s.
2 - 0,32 n.s.
CCO Criatividade
3 2 0,12 n.s.
1
0,08 n.s.
2 - 0,04 n.s.
CCO Defesa Organização
3 2 - 0,27**
1
- 0,73**
2 - 0,46**
CCO Cooperação
3 2 - 0,07 n.s.
1
- 0,16*
2 - 0,09 n.s.
Escore C
3 2 0,83 n.s.
1
- 1,05 n.s.
2 - 1,84 n.s.
n.s. – Não significativa; * - Signifcativa ao nível de 0,05; ** - Significativa ao nível de 0,01.
Realizadas as análises fatoriais confirmatórias e feitos os ajustes na composição dos
itens das escalas de EICCO e ECCO, identificou-se que há correlação significativa negativa
entre as medidas do Comportamento de Cidadania Organizacional e o desenvolvimento no
curso de formação. Esta ligação entre os fatores que constituem o constructo é mais
significativa para os comportamentos de preservação do sistema, isto é, aqueles ligados à
defesa da imagem, dos objetivos e da relevância social da organização.
Os comportamentos de sugestão de soluções criativas para os problemas da
organização não obtiveram resultados significativos na ECCO (Tabela 17). Da mesma forma,
não há diferenças significativas entre as médias dos anos (Tabela 18). Estes fatos aparentam
relação com a pouca experiência profissional dos cadetes, mas principalmente com a estrutura
organizacional da Academia Militar, de perfil altamente hierarquizado e com formato
instrucional restritivo quanto à apresentação de soluções para os problemas organizacionais.
As análises apontam para maiores médias dos indicadores de CCO no 1º ano de
curso, sendo significativo na EICCO e nos fatores de Defesa da Organização e Cooperação da
ECCO. Desta maneira, pode-se afirmar que há uma regressão das tendências de realização de
86
comportamento de cidadania organizacional à medida que o curso se desenvolve. Em relação
ao comportamento de defesa da organização, a regressão pode estar associada ao confronto
entre a idealização da atividade militar com a realidade da vida na caserna. Com relação aos
comportamentos de cooperação, avalia-se que a regressão está associada à competitividade
entre os cadetes, que disputam a ascendência hierarquicamente sobre os outros colegas, por
meio da classificação acadêmica.
As comparações em função de ter cursado ou não colégio militar o teste T de Student
para amostras independentes em função da origem familiar do cadete (se é filho de militar ou
de não militar) e a origem escolar dos cadetes (se curso colégio militar ou veio de escola
civil), não apresentaram diferenças significativas para o para a adesão a Comportamentos de
Cidadania organizacional.
4.3 Relação entre Competência Moral e os Comportamentos de Cidadania
Organizacional
Para testar a possível correlação entre o desenvolvimento da moralidade e a adesão à
organização, expressa por meio dos constructos Comportamento de Cidadania Organizacional
e Competência Moral, foram realizados os cálculos dos coeficientes de correlação de Pearson.
Recorda-se que a EICCO mensura a predisposição para os comportamentos de cidadania
organizacional, enquanto o ECCO verifica a disposição atual para as respostas do constructo
em suas três dimensões (a solução criativa de problemas da organização, a defesa da imagem
e objetivos da corporação, e a disposição para cooperação com outras pessoas).
Tabela 19 – Cálculo do coeficiente de correlação de Pearson entre o escore C (Competência Moral) e Comportamentos de Cidadania Organizacional
Variáveis 1 2 3 4 1. EICCO - 2.CCO Criatividade 0,35** - 3.CCO Defesa da Organização 0,44** 0,24** - 4.CCO Cooperação 0,30** 0,36** 0,29** - 5.Escore C - 0,68 n.s. 0,01 n.s. - 0,75* 0,02 n.s. n.s. – Não significativa; * - Significativa nível de 0,05; ** - Significativa nível de 0,01
Na tabela 19 os resultados corroboram parcialmente a hipótese de correlação entre as
variáveis Competência Moral e CCO. Especificamente, o comportamento de defesa da
organização apresentou correlação negativa com os resultados de Competência Moral da
amostra de cadetes. Isto é, o aprimoramento das capacidades de julgamento moral, com base
nos estágios de Kohlberg, varia com a diminuição dos comportamentos de defesa da imagem
87
e dos objetivos da organização. Esses resultados permitem afirmar que há desajustes no clima
ético organizacional em função das percepções sobre justiça na organização.
Como descritos na teoria, os papéis exercidos pelas três dimensões da justiça na
organização (distributiva, procedimental e interacional) têm importâncias diferentes para o
CCO. Rego (2002) ressalta como mais significativos para o CCO, os aspectos da justiça
procedimental (formas e critérios como são processados as recompensas e reconhecimentos
públicos pelo trabalho realizado pelos colaboradores) e da justiça interacional (se os gestores
agem com dignidade e respeito em relação aos colaboradores, e se oferecem justificações aos
indivíduos afetados pelas decisões tomadas). Essas informações permitem supor que os
desajustes ligados à percepção de justiça estejam localizados nos aspectos procedimentais
(ligadas à estrutura essencialmente hierarquizada) e interacionais (associada à centralização
dos processos decisórios). Neste sentido, a medida que se aprofundam os efeitos da
hierarquização e da centralização das decisões, realidades típicas da profissão militar,
observa-se como efeito a alteração na predisposição dos cadetes em defender a corporação.
Sob a perspectiva da Competência Moral de Kohlberg (1992) é possível afirmar que
a atividade laboral pode atuar como vetor de desenvolvimento da moralidade, principalmente
quando a natureza do trabalho permitir ao indivíduo a tomada de decisões com algum grau de
autonomia. Neste sentido, a condição de subordinação funcional do cadete pode se constituir
num limitador do desenvolvimento moral. Há razões para pensar que a excessiva
centralização das decisões militares, limita o diálogo e exime o cadete de refletir sobre as
deliberações, sob um ponto de vista da ética (os dados mostram que não houve mudanças
significativas no Escores C com passar do curso). Assim, o aprofundamento dessa questão
sugere que o processo educacional da Academia Militar não aprimora de forma significativa a
Competência Moral. No entanto, quando se processam progressos no desenvolvimento
moralidade, este vem acompanhado de uma redução dos comportamentos de cidadania
organizacional, na dimensão da defesa da imagem e objetivos organizacionais.
88
5 CONCLUSÃO
O capítulo que se segue aborda as principais conclusões obtidas na presente pesquisa.
Em relação aos objetivos de investigar e comparar as mudanças nos níveis de
competência moral de cadetes da Academia Militar durante o processo de formação para o
oficialato, verificou-se que não há diferenças estatísticas significativas, nem em decorrência
do ano de curso, nem função da especialidade militar. Apesar disso, observa-se uma tendência
de diminuição dos Escores C conforme avança a formação, sendo essa redução mais visível
nos resultados do 2º ano de curso.
O índice de competência moral obtido por cadetes no MJT-xt indica resultados
medianos, compatíveis com os desempenhos de universitários de IES civis brasileiros. Por
outro lado, quando os resultados são comparados com instituições de ensino civis de alta
competitividade, as diferenças passam a ser significativas, apresentando índices de Escore C
mais baixos para cadetes.
Ao comparar as variações dos níveis de desenvolvimento da moralidade dos cadetes
em função das origens familiares e escolares desses militares (família militar versus família
civil e estudante de colégio militar versus estudante de escola civil), observa-se que esses
fatores não apresentam diferenças significativas nos escores obtidos no MJT-xt. No tocante à
afiliação religiosa, não foram encontradas diferenças significativas dos Escores C, apesar de
serem observados escores um pouco mais elevados entre aqueles indivíduos que se
declararam ateus ou pertencentes a grupos religiosos minoritários.
Em relação às formulações alternativas de dilemas morais apresentadas neste
trabalho, verificou-se que houve correlação com os resultados obtidos nos problemas originais
do teste. Contudo, há necessidade de uma ampliação da base de dados para melhor avaliar os
efeitos desses dilemas em outras populações. Observou-se que o fenômeno da segmentação
moral foi significativo nas respostas de cadetes ao Dilema do Estudante. Esse fato foi
atribuído ao significado que uma fraude escolar tem sobre a vida atual e prospectiva do
militar, produzindo uma tendência a condenação dessas ações em detrimento de quais
motivos.
Em relação aos objetivos de analisar e comparar os Comportamentos de Cidadania
Organizacional e sua relação com o ano de formação, as análises indicaram que há correlação
negativa significativa entre as medidas do CCO e o progresso no curso da AMAN. Esta
ligação entre os fatores que constituem o construto é mais significativa para os
comportamentos de preservação do sistema, isto é, aqueles ligados à defesa da imagem, dos
89
objetivos e da relevância social da organização. A criatividade não apresentou resultados
significativos, o que pode ter relação com o ambiente organizacional militar que dificulta a
expressão de soluções criativas por parte dos cadetes.
Não foram identificadas diferenças significativas entre os índices de CCO e os
fatores psicossociais do cadete como a origem familiar do cadete (se é filho de militar ou de
não militar) e a origem escolar dos cadetes (se curso colégio militar ou veio de escola civil).
Para a realização das análises dos Comportamentos de Cidadania Organizacional
foram realizadas as AFC dos instrumentos, obtendo-se um melhor ajuste das EICCO e CCO.
Na primeira escala o ajuste implicou na redução de 35 para 16 itens, melhorando as
qualidades estatísticas do instrumento na predição dos comportamentos futuros de cidadania
organizacional. Na segunda escala o ajuste suprimiu 3 dos 14 itens previstos na escala
original, sendo de para cada fator da escala, preservando as qualidades do instrumento em
identificar comportamentos atuais de cidadania organizacional.
Sobre a última hipótese formulada, os dados da população pesquisada apresentam
correlação negativa entre os Comportamentos de Cidadania Organizacional, na dimensão
defesa da imagem e dos objetivos da organização, e os desempenhos de Competência Moral.
Isso significa uma alteração negativa nas formas de percepção da justiça no âmbito
organizacional, provavelmente ligada às esferas da justiça procedimental (aspectos da
hierarquização) e da justiça interacional (associada à centralização das decisões).
Os resultados obtidos no presente estudo devem ser interpretados com cautela.
Estudos adicionais são sugeridos, tanto no intuito de ratificar os resultados aqui obtidos, como
no sentido de ampliar o entendimento do desenvolvimento moral no contexto da formação do
Oficial do Exército Brasileiro.
Avalia-se, ainda, a inclusão de outras variáveis que vêm sendo relacionadas ao
desenvolvimento moral e aos comportamentos de cidadania organizacional, como exemplo
anomia organizacional e redtape, tal como consta na literatura especializada, sendo temas
significativos para estudos futuros.
90
REFERÊNCIAS
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94
ANEXO A – Moral Judgment Test Extended (MJT_xt)
APRESENTAÇÃO
Prezado Cadete! Impulsionado pela necessidade de aprimoramento do processo de formação
dos oficiais combatentes do Exército Brasileiro e de desenvolvimento da pesquisa psicológica
no campo militar, apresento-lhe a seguir meu projeto de pesquisa do Mestrado Acadêmico em
Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), versando sobre
Psicologia Moral e Cidadania Organizacional de Militares. Peço-lhe a colaboração, em caráter
voluntário, sob a forma de respostas aos itens que seguem. Não há respostas certas ou erradas.
Apenas siga as instruções e faça sua escolha de preferência. A pesquisa pretende analisar um
perfil coletivo de respostas para o ano de formação, e não se deterá em análises dos dados
individuais. Esclareço-lhe que o sigilo de fonte de informação é assegurado por legislação
sobre ética em pesquisa, portanto, você não será identificado. Desde já, agradeço-lhe a
colaboração.
INSTRUÇÕES – Dilemas Morais
Caro Cadete, a seguir serão apresentadas 04 situações-dilema das quais você deverá analisar
as condutas dos personagens e julgar cada uma as afirmativas apresentadas, conforme as
orientações abaixo.
a) Nos pedidos de Letra A, você atribuirá um grau de DISCORDÂNCIA / CONCORDÂNCIA
com o comportamento adotado na situação, seguindo a escala de -3 até +3:
Forte Discordância Forte Concordância
-3 -2 -1 0 +1 +2 +3
b) Nos pedidos das letras B e C, você atribuirá um grau INACEITÁVEL / ACEITÁVEL para as
justificativas das ações das personagens em cada afirmativa, seguindo a escala de -4 até +4:
Completamente inaceitável Completamente aceitável
-4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
95
I – Dilema dos Operários
Devido à existência de demissões aparentemente infundadas, alguns operários de fábrica
suspeitam que a chefia esteja ouvindo as conversas dos empregados através de um microfone
oculto, e usando tais informações contra os empregados. A chefia oficialmente nega essas
acusações enfaticamente. O sindicato declara que só tomará providências contra a companhia
quando forem encontradas provas que confirmem as suspeitas. Sendo assim, dois operários
decidem arrombar o escritório administrativo e roubam uma transcrição de uma gravação que
prova a alegação de espionagem por parte da chefia.
FONTE: LIND; BATAGLIA, 1998.
Pedido A – Você discorda ou concorda com o comportamento dos operários? Assinale na
escala a sua avaliação.
Forte Discordância Forte Concordância
-3 -2 -1 0 +1 +2 +3
Pedido B – Os seguintes argumentos são a favor do comportamento dos dois operários.
Suponha que alguém dê as justificativas abaixo relacionadas para agir como os operários
agiram. Você considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você
as classificaria cada resposta?
Eu considero esse argumento ......
Completamente inaceitável Completamente aceitável
-4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio
1. Eles não causaram prejuízos para a companhia 1
2. Devido ao desrespeito da companhia em relação às leis, os meios utilizados seriam permitidos com o objetivo de restabelecer a lei e a ordem.
4
3. A maioria dos operários aprovaria o que foi feito e muitos deles ficariam inclusive satisfeitos.
3
4. A confiança entre as pessoas e a dignidade contam mais do que regulamentos internos da empresa.
6
5. Desde que a companhia cometeu uma injustiça em primeiro lugar, os operários estariam justificados em arrombar o escritório.
2
6. Os operários não viram nenhum meio legal de revelar o mau uso que a companhia fazia das informações dessa forma obtidas e, portanto, escolheram fazer aquilo que consideraram “mal menor”.
5
FONTE: BATAGLIA, LIND, 1998.
96
Pedido C – Os seguintes argumentos são contra o comportamento dos dois operários.
Suponha que alguém dê essas justificativas abaixo relacionadas para não agir como os
operários agiram. Você considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4,
como você as classificaria?
Eu considero esse argumento......
Completamente inaceitável Completamente aceitável
-4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio
7. A lei e ordem na sociedade seriam colocados em risco se todos agissem como esses dois operários agiram.
4
8. Não se deve violar um direito básico como o direito à propriedade e tomar a lei em suas próprias mãos, a menos que algum princípio moral universal justifique agir assim.
6
9. É imprudente arriscar-se a ser demitido da empresa por causa de outras pessoas.
2
10. Os operários deveriam ter percorrido os canais legais existentes ao invés de ter agido contra a lei.
5
11. Se a pessoa quer ser considerada correta e decente, ela não invade um recinto alheio para apropriar-se do que quer que seja.
3
12. Os operários não foram afetados pela demissão dos outros empregados e portanto, não tinham nenhuma razão para roubar as transcrições.
1
FONTE: BATAGLIA, LIND, 1998.
II – Dilema do Médico
Havia uma mulher com câncer e não existia nenhuma esperança de salvá-la. Ela tinha dores
terríveis e estava tão fraca que uma dose maior de analgésico como morfina, por exemplo,
poderia causar a sua morte. Durante um período de temporária melhora, ela implorou ao
médico que lhe desse morfina suficiente para matá-la. Ela disse que não poderia suportar a
dor por muito tempo mais e que estaria morta em poucas semanas de qualquer modo. O
médico atendeu seu desejo.
FONTE: BATAGLIA, LIND, 1998.
Pedido A – Você discorda de ou concorda com o comportamento do médico?
Forte Discordância Forte Concordância
-3 -2 -1 0 +1 +2 +3
97
Pedido B – Os seguintes argumentos são a favor do comportamento do médico. Suponha que alguém dê essas justificativas abaixo relacionadas para dizer que o médico agiu corretamente. Você considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as classificaria? Eu considero esse argumento......
Completamente inaceitável Completamente aceitável -4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio
1. O médico tinha que agir de acordo com sua consciência. O estado de saúde da mulher justificativa uma exceção à obrigação moral de preservação da vida.
6
2. O médico era o único que poderia realizar o desejo dessa mulher; o respeito pela vontade dela fez com que agisse como agiu.
5
3. O médico apenas fez o que a mulher pediu a ele. Ele não precisava se preocupar com possíveis consequências negativas.
1
4. A mulher teria morrido de qualquer forma e não custou nada a ele dar-lhe uma overdose de analgésico.
2
5. O médico não agiu realmente contra a lei uma vez que a mulher não poderia ter sido salva e ele apenas quis abreviar seu sofrimento.
4
6. Os meus amigos, parentes e colegas médicos, provavelmente concordariam que a eutanásia era a melhor alternativa para aquela mulher.
3
FONTE: BATAGLIA, LIND, 1998.
Pedido C – Os seguintes argumentos são contra o comportamento do médico. Suponha que alguém dê essas justificativas abaixo relacionadas para dizer que o médico agiu de modo errado. Você considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as classificaria? Eu considero esse argumento......
Completamente inaceitável Completamente aceitável -4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio 7. Ele agiu contra as convicções de seus colegas. Se os médicos são contrários à eutanásia, ele não deveria tê-la praticado.
3
8. Deve-se ter absoluta confiança no juramento médico de preservar a vida ainda que se trate de alguém que esteja sofrendo muita dor ou quase morrendo.
5
9. A preservação da vida é a mais alta obrigação moral de cada um de nós. Como nós não temos critérios morais claros para diferenciar eutanásia de assassinato, não se tem o direito de decidir sobre a vida ou morte de ninguém.
6
10. O médico poderia se envolver em sérios problemas. Outras pessoas já foram severamente punidas por fazer algo semelhante.
1
11. Seria mais fácil ele esperar e não interferir na morte da paciente. 2 12. O médico agiu contra a lei. Sendo a eutanásia ilegal, não se deve aceitar pedidos como o daquela paciente.
4
98
III – Dilema do Juiz
O serviço secreto de um país europeu tem evidências de que um grupo terrorista está planejando um ataque de bomba a um trem muito usado no horário de rush. O ataque está previsto para amanhã. Os terroristas pretendem matar duzentas pessoas e o grupo é conhecido por sua crueldade. O serviço secreto prendeu uma mulher que se sabe ser uma das líderes do grupo terrorista. Há evidências de que a mulher participou do plano de ataque. A polícia acredita que poderia prevenir o ataque se conseguisse que ela falasse. Eles entrevistaram a mulher por várias horas. Entretanto, ela se recusa totalmente a cooperar. O serviço secreto teme que a mulher não fale antes que seja muito tarde para prevenir o ataque. Portanto, eles pedem a permissão ao juiz responsável pela investigação, a permissão para torturá-la e obrigá-la a falar. Nesse país a tortura é proibida por lei. A despeito disso, o juiz deu permissão para torturar a mulher visando prevenir o ataque e salvar a vida de várias pessoas. FONTE: BATAGLIA, LIND, 1998.
Pedido A – Você discorda de ou concorda com o comportamento do juiz?
Forte Discordância Forte Concordância -3 -2 -1 0 +1 +2 +3
Pedido B – Os seguintes argumentos são a favor do comportamento do juiz. Suponha que
alguém dê essas justificativas abaixo relacionadas para dizer que o juiz agiu corretamente.
Você considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as
classificaria?
Eu considero esse argumento...... Completamente inaceitável Completamente aceitável -4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio
1. O juiz está certo porque esta seria a melhor forma de prevenir ataques futuros.
2
2. Numa situação extrema, o direito das vítimas tem peso maior que os direitos do suspeito.
4
3. O juiz tem autoridade para decidir e não precisa se preocupar com consequências futuras.
1
4. O juiz deve fazer o que ordena sua consciência. Salvar a vida das vítimas, justifica uma exceção à obrigação moral de respeito à vida em geral.
6
5. Como membro da justiça, o juiz tem a obrigação de salvar vidas. 5
6. A maioria de seus colegas juízes, provavelmente teria feito o mesmo, se estivesse no seu lugar. O juiz teria a aprovação de seus colegas.
3
FONTE: BATAGLIA, LIND, 1998.
99
Pedido C – Os seguintes argumentos são contra o comportamento do Juiz. Suponha que
alguém dê essas justificativas abaixo relacionadas para não agir como o juiz agiu. Você
considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as
classificaria?
Eu considero esse argumento......
Completamente inaceitável Completamente aceitável -4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio
7. A tortura viola os direitos do suspeito e todas as pessoas têm os mesmos direitos.
5
8. Um juiz deve seguir a lei e nesse país a tortura é ilegal. 4
9. O juiz não deveria ter permitido a tortura porque ele poderia ser condenado pelas instâncias superiores.
1
10. Ele agiu contra a convicção de seus colegas juízes e por isso perderia o respeito de seu grupo.
3
11. O juiz está errado porque a vida humana deve ser o mais alto valor moral. Uma vida humana não pode ser usada como meio para atingir um fim.
6
12. Agindo assim, o juiz arriscou sua própria reputação. 2 FONTE: BATAGLIA, LIND, 1998.
IV – Dilema do Estudante
Um universitário do 5º ano do curso de Engenharia Elétrica realizava pela segunda vez a disciplina Cálculos Avançados IV. Essa disciplina era considerada muito difícil por todos os alunos, realidade confirmada pelos altos índices de reprovação, e contava com um professor conhecido por ser pouco didático e um dos mais rigorosos do curso. O estudante estava muito preocupado, pois se fosse reprovado novamente seria jubilado e perderia o curso. Os esforços de preparação do estudante para as provas finais, com aulas-extras, produziram grandes efeitos de aprendizado, mas ainda assim o universitário se sentia inseguro. Durante os estudos de preparação para o exame, o estudante gravou em sua calculadora as fórmulas utilizadas na realização dos exercícios. Mesmo sabendo que isso não era permitido, o universitário acabou por utilizar das informações gravadas na calculadora durante a realização da prova. FONTE: AUTOR, 2015.
Pedido A – Você discorda de ou concorda com o comportamento do estudante? Assinale na
escala a sua avaliação.
Forte Discordância Forte Concordância
-3 -2 -1 0 +1 +2 +3
100
Pedido B – Os seguintes argumentos são a favor do comportamento do estudante. Suponha
que alguém dê essas justificativas para dizer que o estudante agiu corretamente. Você
considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as
classificaria?
Eu considero esse argumento......
Completamente inaceitável Completamente aceitável
-4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio
1. O comportamento do estudante está certo, porque a disciplina é muito difícil e, provavelmente, seria reprovado.
2
2. Deve usar a informação porque a disciplina não interfere no seu desempenho profissional, mas sim de engenheiros civis, a quem cabem os cálculos estruturais.
4
3. O professor costumava deixar a sala durante a realização das provas, então poderia não ser pego consultando às informações gravadas.
1
4. Ser jubilado no curso significaria uma decepção para sua família, que em sua maioria era compostas por engenheiros.
3
5. Os elevados índices de reprovação na disciplina são decorrentes da dificuldade da matéria, mas também ao excessivo rigor do professor nas avaliações e a sua pouca habilidade didática. A omissão da direção pedagógica e a impossibilidade de apelação legal aos órgãos colegiados levaram o estudante a recorrer às informações memorizadas.
5
6. A memorização de fórmulas não significa aprendizado. Um sistema de avaliação educacional estruturado exclusivamente em provas de memorização tende a ser falho e injusto, quanto à verificação das capacidades dos alunos. As provas com consulta seria a forma equalizar as distorções.
6
FONTE: AUTOR, 2015.
Pedido C – Os seguintes argumentos são contra o comportamento do estudante. Suponha que
alguém dê essas justificativas para dizer que o estudante agiu de modo errado. Você considera
essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as classificaria?
Eu considero esse argumento......
Completamente inaceitável Completamente aceitável
-4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
101
Afirmativa Escala Estágio
7. O universitário poderia se envolver em sérios problemas. Outras pessoas já foram desligadas do curso por fazer algo semelhante.
2
8. Não se devem violar as regras do sistema educacional sob nenhum pretexto.
4
9. A violação das regras do sistema educacional coloca em risco a credibilidade sobre a competência e a idoneidade dos profissionais formados, afetando as instituições de ensino.
6
10. É imprudente arriscar-se na tentativa de ser pego, utilizando da informação gravada.
1
11. O estudante deveria recorrer ao conselho de ensino para tratar da situação da disciplina, do professor e dos altos índices de reprovação. Isso traria um aprimoramento das condutas para reparação do fracasso na aprendizagem, sem rompimento com o sistema educacional.
5
12. O bom aluno não deve utilizar de meios proibidos para a resolução de avaliações, pois mancharia sua imagem e da instituição.
3
FONTE: AUTOR, 2015.
V – Dilema dos Pastores
O Serviço de Inteligência Militar de um país Ocidental identificou a presença de um líder
terrorista e 150 milicianos, num vilarejo no Oriente Médio. Essa liderança era famosa por
aplicar “justiçamentos” cruéis aos seus oponentes, não lhes poupando a vida. Um grupo de
militares especializado em ações contra terrorismo recebeu a missão de repelir o grupo do
país e capturar o líder. Infiltrados nas montanhas da região, os militares aguardavam a melhor
oportunidade para a ação. Após alguns dias no deserto, quando já sentiam os efeitos do clima,
os militares foram surpreendidos com a aparição de três pastores de ovelhas: um velho, um
garoto de 14 anos e um homem jovem. Os militares renderam os três civis e devido às
dificuldades de comunicação, não conseguiram avaliar quanto as possibilidades de ligações
entre os pastores e os terroristas. O comandante militar da operação sabia que se fossem
descobertos, a missão e a vida de seus homens correriam sérios riscos. Por outro lado,
avaliava como certa a morte dos pastores se ficassem como prisioneiros, dadas as condições
das operações. Após várias considerações em contrário, o comandante decidiu pela liberação
dos pastores.
Pedido A – Você discorda de ou concorda com o comportamento do comandante? Assinale
na escala a sua avaliação.
Forte Discordância Forte Concordância
-3 -2 -1 0 +1 +2 +3
102
Pedido B – Os seguintes argumentos são a favor do comportamento do comandante. Suponha
que alguém dê essas justificativas para dizer que o comandante agiu corretamente. Você
considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as
classificaria?
Completamente inaceitável Completamente aceitável
-4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
Afirmativa Escala Estágio
1. Como os pastores eram civis, o comandante deveria soltá-los para não
ser punido como criminoso de guerra.
1
2. Deveria libertar os pastores para evitar a fúria da população local e da
mídia.
2
3. Apesar das opiniões em contrário, o comandante decidiu de acordo com
sua consciência. Como os pastores estavam desarmados e não conseguiram
se comunicar, não houve a oportunidade de dar-lhes o direito à defesa.
Então, decidiu libertar os civis.
6
4. O respeito às leis e aos acordos de conduta em guerra limitam o uso de
violência desnecessária pelos agentes militares, valorizando a vida de
populações civis envolvidas nos conflitos.
5
5. É o que preconiza as leis internacionais de guerra sobre conduta com
civis em combate. As leis devem ser cumpridas mesmo oferecendo risco
para os soldados.
4
6. Decidiu libertar os pastores porque teria a aprovação da mídia, da
opinião pública geral e dos Comitês de Direitos Humanos.
3
FONTE: AUTOR, 2015.
Pedido C – Os seguintes argumentos são contra o comportamento do comandante. Suponha
que alguém dê essas justificativas para dizer que o estudante agiu de modo errado. Você
considera essas justificativas aceitáveis? Em uma escala de -4 a +4, como você as
classificaria?
Completamente inaceitável Completamente aceitável
-4 -3 -2 -1 0 +1 +2 +3 +4
103
Afirmativa Escala Estágio
7. Não se sabe se eles fariam o mesmo pela gente. 2
8. Se todos os militares jurassem silêncio sobre a prisão dos pastores, não
haveria como puni-los pelas consequências dessa decisão.
1
9. O comandante deveria executar os objetivos da missão recebida dos seus
superiores, não se preocupando com as consequências da prisão dos
pastores, pois estava cumprindo ordens.
4
10. O comandante deveria escutar as opiniões de seus subordinados, que
eram contrários à liberação dos pastores. Do contrário, seria julgado um
mau comandante pelos seus subordinados.
3
11. A decisão de soltar os pastores atenta contra o papel do comandante de
preservar a integridade de seus homens. Além disso, demonstraria falta de
senso de comprometimento com a missão recebida.
5
12. A operação militar tinha um caráter de libertar uma população da
violência de milicianos. A fidelidade ao senso de liberdade e direito à paz
das populações em conflito justificam os efeitos colaterais de uma ação de
aprisionamento de civis.
6
FONTE: AUTOR, 2015.
104
ANEXO B – Escala de Comportamento de Cidadania Organizacional
INSTRUÇÕES – Escala de Comportamento de Cidadania Organizacional
Caro Cadete, a seguir serão apresentados uma lista de comportamentos que as pessoas podem
ter dentro ou fora da organização onde trabalham. Não há respostas certas ou erradas.
Apenas siga as instruções e faça sua escolha de preferência. A pesquisa pretende analisar um
perfil coletivo de respostas, não se deterá em análises dos dados individuais. O sigilo de fonte
de informação é assegurado por legislação sobre ética em pesquisa, portanto, você não será
identificado. A participação na pesquisa é voluntária. Desde já, agradeço-lhe a colaboração.
INDIQUE, de forma franca e leal, a frequência com que você prática esses comportamentos
atualmente. Dê suas respostas anotando, nos parênteses que antecedem cada frase, aquele
número (entre 1 e 5) que melhor representa sua resposta.
1 2 3 4 5
Nunca faço Poucas vezes faço Às vezes faço Muitas vezes faço Sempre faço
1. ( ) Quando alguém de fora fala mal do Exército ou das Forças Armadas, eu procuro
defendê-los.
2. ( ) Ofereço apoio a um colega que está com problemas pessoais.
3. ( ) Apresento ao meu chefe soluções para os problemas que encontro no meu trabalho.
4. ( ) Apresento ideias criativas para inovar o meu setor de trabalho.
5. ( ) Ofereço orientação a um colega menos experiente no trabalho.
6. ( ) Quando falo sobre o Exército Brasileiro ou as Forças Armadas, passo a melhor da
impressões para as pessoas que não a conhecem.
7. ( ) Apresento sugestões ao meu chefe para resolver problemas no setor onde trabalho.
8. ( ) Apresento ao meu chefe ideias novas sobre meu trabalho.
9. ( ) Dou orientação a um colega que se sente confuso no trabalho.
10. ( ) Apresento novidades para melhorar o funcionamento do setor onde trabalho.
11. ( ) Descrevo para meus amigos e parentes as qualidades desta Instituição.
12. ( ) Quando estou com meus familiares, costumo elogiar esta Instituição.
13. ( ) Ofereço ajuda a um colega que está com dificuldades no trabalho.
14. ( ) Dou informações boas sobre o Exército Brasileiro e as Forças Armadas para as
pessoas que me perguntam sobre ela.
FONTE: SIQUEIRA, 2014.
105
ANEXO C – Escala de Intenções de Comportamentais de Cidadania Organizacional
INSTRUÇÕES
Caro Cadete, a seguir, são apresentados situações que podem vir a ocorrer no ambiente de trabalho. Mesmo que você nunca tenha lidado com tal situação no dia a dia, deve imaginar qual a resposta que mais se aproximaria da decisão que tomaria em cada situação. Lembre-se de que não existe uma resposta certa ou errada. A melhor resposta é aquela que expressa o modo de pensar e agir de acordo com cada situação. Marque com um X qualquer um dos setes quadrados entre as opções de respostas A e B, sendo que os 3 primeiros indicam maior concordância com a alternativa A, e os 3 últimos maior concordância com a alternativa B. Quando tiver dúvidas ou não souber a opção a escolher, deve assinalar o quadrado central. 1. Em comparação com as organizações similares, os processos de trabalho sob a responsabilidade do seu setor são mais lentos e seguem somente os procedimentos de rotina. Você possui uma ideia inovadora e que poderia reduzir o tempo de trabalho e torná-lo mais diversificado. O que você faria?
Eu apresentaria minha idéia para organização
Eu não apresentaria minha idéia para organização
2. Sua organização lhe solicita a realização de uma tarefa que até então, você nunca tinha feito. Ao perceber que esta atividade tem um nível de complexidade alto, o que você faria? Não buscaria completar a tarefa Buscaria completar a tarefa
3. A organização na qual você trabalha adota um modelo de gestão participativa para que seus funcionários possam se envolver no processo de elaboração de novos projetos a partir do próximo ano. Diante da possibilidade de participação, o que você faria?
Eu não me ofereceria para participar desses novos projetos.
Eu me ofereceria para participar desses novos projetos
4. Seu grupo de trabalho possui algumas atividades que ainda não foram concluídas, e você tem disponibilidade de assumir mais tarefas no momento. O que você faria?
Eu ajudaria a equipe a finalizar suas atividades.
Eu não ajudaria a equipe a finalizar suas atividades.
106
5. Um novo colega de trabalho está apresentando dificuldades de realizar tarefas que você
sabe fazer. Mesmo que ele não tenha lhe pedido ajuda, o que você faria?
Buscaria orientá-lo. Não buscaria orientá-lo.
6. Imagine que você tem dúvidas sobre como realizar uma tarefa que nenhum outro colega da
organização tenha domínio. Diante disso, o que você faria?
Buscaria estudar assuntos que
possam contribuir para a realização
da tarefa.
Tentaria realizar a tarefa da
forma como eu acredito que
seja a correta.
7. Imagine que sua organização está realizando um evento que, embora não seja obrigatória
sua participação, contribuirá com o desenvolvimento das suas competências. O que você
faria?
Não participaria do evento. Participaria do evento.
8. Você fica sabendo que uma instituição de ensino está oferecendo cursos voltados para sua
área de atuação. Sabendo que não é política da sua organização custear cursos externos, o que
você faria?
Se eu pudesse, eu não
pagaria pelo curso. Se eu pudesse, eu pagaria pelo
curso.
9. O sistema de avaliação de desempenho da sua organização detectou que a produtividade da
sua equipe de trabalho não foi satisfatória, embora o seu desempenho tenha sido o esperado.
Buscando a melhoria do desempenho geral da equipe, a organização solicita que você
aumente conjuntamente o seu nível de produtividade. Diante da solicitação, o que você faria?
Eu não buscaria elevar o meu nível
de produtividade.
Eu buscaria elevar o meu
nível de produtividade.
107
10. Imagine que sua organização implantou um sistema de críticas e sugestões acessível a
todos os funcionários. Que posição você assumiria?
Caso tivesse críticas e sugestões,
eu as apresentaria à organização.
Mesmo tendo críticas e
sugestões, eu as guardaria
para mim mesmo.
11. Você é requisitado para assumir uma tarefa desafiadora que lhe consumirá muito tempo e
lhe dará muito trabalho. Tendo a possibilidade de passar essa atividade para outro colega, o
que você faria?
Não aceitaria a atividade e
encaminharia para outro colega.
Aceitaria a atividade e
tentaria fazer o trabalho.
12. Imagine que sua organização está passando por problemas financeiros e foi levada a
restringir a utilização de materiais e recursos (impressora, xerox, telefone, etc.), o que está
prejudicando o andamento das atividades do seu setor. Considerando que você possui uma
sugestão para economizar recursos, mas que você não tem certeza se daria certo, o que você
faria?
Eu daria a sugestão. Eu não daria a sugestão.
13. Sua organização deseja que você assuma um novo cargo, o qual exige a realização de
atividades que lhe são pouco familiares e diferentes das tarefas que você sabe fazer. Sabendo
que você pode desenvolver competências para ocupar o cargo, o que você faria?
Eu não assumiria o cargo oferecido
pela empresa.
Eu assumiria o cargo
oferecido pela empresa.
14. Você precisa tomar uma decisão importante que irá influenciar a realização das atividades
de sua equipe. Antes de tomar essa decisão, o que você faria?
Conversaria com meus colegas. Não conversaria com meus
colegas.
108
15. Seu colega de trabalho está precisando realizar uma tarefa difícil e em pouco tempo.
Mesmo que você esteja ocupado com uma tarefa que também precisa ser realizada, qual
postura você assumiria?
Eu me oferecia para ajudá-lo com a
tarefa.
Eu não me oferecia para
ajudá-lo com a tarefa.
16. Imagine que a organização em que você trabalha convoque uma reunião de voluntários
uma vez por semana, no horário após o expediente, sem pagamento de horas extras, a fim de
discutir questões de interesse da própria organização. O que você faria?
Mesmo que pudesse, eu não
participaria dessas reuniões.
Eu compareceria a essas
reuniões, caso tivesse tal
horário disponível.
17. Dificuldades financeiras levam a sua organização a restringir benefícios e vantagens que
vinha oferecendo ao trabalhador. Que posição você assumiria?
Eu não manteria o mesmo nível de
dedicação com meu trabalho.
Eu manteria o mesmo nível
de dedicação com meu
trabalho.
18. A organização está enfrentando um problema cujo encaminhamento está confiado a outro
setor de trabalho que não o seu. Você possui alguma ideia de como resolvê-lo. O que você
faria?
Eu me ofereceria para ajudar. Eu não me ofereceria para
ajudar.
19. Sua organização mantém publicações semanais atualizadas sobre o que vem ocorrendo na
empresa. Caso você tenha acesso a essas publicações, o que você faria?
Leria as publicações
periodicamente.
Não leria as publicações.
109
20. Em uma reunião de trabalho você percebe que alguns colegas não estão se posicionando
diante dos assuntos discutidos. O que você faria?
Não incentivaria os colegas para
que eles se posicionassem.
Incentivaria os colegas para
que eles se posicionassem.
21. Você descobre que uma empresa do mesmo ramo que a sua vem empregando uma
tecnologia mais moderna para execução de algumas atividades. O que você faria?
Não buscaria mais informações
sobre essa tecnologia.
Buscaria mais informações
sobre essa tecnologia.
22. Considerando que você sente necessidade de aperfeiçoar suas competências para melhorar
o seu trabalho e você possui a oportunidade de fazer isso fora do horário de serviço, o que
você faria?
Buscaria novas atividades fora do
horário de serviço.
Eu não buscaria outras
atividades fora do meu
horário de serviço.
23. A sua organização lança uma campanha para conservação dos espaços públicos da
empresa. A participação nessa campanha lhe tomaria um tempo de trabalho adicional. Diante
da possibilidade de recusa, o que você faria?
Participaria da campanha de
conservação da empresa.
Não participaria da
campanha de conservação
da empresa.
24. Ao achar que um colega seu cometeu um erro ao realizar uma atividade e que, se este erro
realmente existir, pode ocasionar problemas para ele, mesmo sem ter certeza da existência do
erro, o que você faria?
Não avisaria ao meu colega. Avisaria ao meu colega.
110
25. Em um contexto fora de sua organização, algumas pessoas que não trabalham nela tecem
comentários criticando-a injustamente. Qual a posição que você assumiria?
Eu não defenderia a organização
das críticas.
Eu defenderia a
organização das críticas.
26. Você foi convidado pela organização para participar de uma importante reunião que
definirá o futuro da empresa. Considerando um dos temas discutidos, você possui uma
opinião que diverge dos demais participantes. Diante dessa situação, o que você faria?
Eu daria minha opinião. Eu não daria minha
opinião.
27. Você tem suas atividades diárias para desempenhar, e seus colegas de trabalho solicitaram
sua ajuda para orientá-los nas atividades deles. O que você faria?
Ajustaria meu horário de trabalho
para ajudá-los.
Não ajustaria meu horário
de trabalho para ajudá-los.
28. Um dos clientes da organização na qual você trabalha dirige críticas ao atendimento
prestado por sua empresa. Sabendo que o atendimento foi prestado com a devida qualidade,
qual posição você assumiria?
Eu não defenderia a organização
das críticas.
Eu defenderia a
organização das críticas.
29. Sua organização foi indicada para concorrer a um prêmio anual como uma das melhores
empresas para se trabalhar. Por isso, é necessário que seus funcionários apresentem para a
comissão de avaliação os produtos e serviços prestados pela organização. Diante de tal
necessidade, qual posição você assumiria?
Apresentaria os produtos e serviços
da organização.
Eu não apresentaria os
produtos e serviços da
organização.
111
30. Sua equipe lhe solicita a realização de uma atividade que você acredita que irá lhe
sobrecarregar. Diante de tal solicitação, o que você faria?
Buscaria atender à solicitação. Não atenderia à solicitação.
31. Um colega de trabalho está com problemas de saúde, e durante esse período as atividades
dele não estão sendo realizadas. Tendo disponibilidade, o que você faria nessa situação?
Não realizaria as atividades do
colega.
Eu realizaria as atividades
do colega.
32. Suponha que sua organização solicitou-lhe que se engaje em atividades para melhorar a
forma como a organização é vista pela sociedade. Qual decisão você tomaria?
Eu tomaria alguma iniciativa no
sentido de promover tal melhoria.
Eu não tomaria qualquer
iniciativa no sentido de
promover tal melhoria.
33. Imagine que um colega de trabalho realizou uma tarefa de forma bem sucedida. O que
você faria?
Eu o elogiaria. Eu não o elogiaria.
34. Imagine que um colega de trabalho perdeu um parente próximo e chegou ao trabalho
bastante triste. O que você faria?
Iria encorajá-lo diante dessa
situação.
Não iria encorajá-lo.
35. Você tem um colega de trabalho que sempre realiza as atividades de forma lenta e pouco
produtiva. Sabendo da existência de um treinamento fora da organização que poderia
melhorar o desempenho dele, o que você faria?
Não opinaria a respeito. Sugeriria ao colega que
participasse do treinamento.
112
INFORMAÇÕES GERAIS
Idade: _____________. Local Nascimento:____________ Filho de Militar: ( ) Sim ( ) Não.
Religião:_______________ Estudou em Colégio Militar: ( ) Sim ( ) Não.
Nr Cadete:_________________ Ano de Formação: ( ) 1º ano ( ) 2º ano ( ) 3º ano
113
ANEXO D - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Cadete! Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa acadêmica, desenvolvida
por este oficial no âmbito do Curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRRJ), versando sobre educação profissional, desenvolvimento da
moralidade e cidadania organizacional.
O intento da pesquisa é de levantar elementos que permitam a compreensão das relações
entre a formação militar que ocorre na AMAN, os aspectos do desenvolvimento ético de
cadetes e o engajamento pessoal dos discentes com os objetivos da organização e da
Instituição Exército Brasileiro. A pesquisa parte da premissa que os processos educativos, e
de maneira especial aqueles que ocorrem em ambientes de ensino corporativos, podem
influenciar no desenvolvimento do pensamento ético e nas formas dos indivíduos se
relacionarem com os diferentes agentes do ambiente de trabalho e com as próprias
organizações, ficando a pergunta sobre a intensidade e a direção dessa influência à medida
que a formação profissional avança. Tais dados são indicadores dos alcances e limites dos
programas de educação profissionais, principalmente naqueles elementos relacionados às
atitudes desejáveis pelas organizações. Esses conhecimentos são de interesse não somente da
Academia Militar, mas também de outras organizações de ensino corporativas. Além disso, o
estudo amplia os dados empíricos sobre os campos de conhecimentos ligados à educação
profissional, à psicologia moral e à psicologia organizacional e do trabalho.
Busca-se a compreensão desses fenômenos pela ótica daqueles que são submetidos ao
processo de socialização profissional com a especificidade do Curso de Formação de Oficiais
da AMAN, na forma como está estruturado na atualidade, isto é, na busca a perspectiva do
discente. Isso significa que somente pela sua colaboração, oferecendo informações fidedignas
da sua percepção sobre o tema, durante o processo de coleta de dados, é que será possível a
obtenção de dados com qualidade e validade científicas suficientes para formulação de
qualquer esforço interpretativo.
Outro aspecto metodológico da pesquisa consiste na aplicação de escalas padronizadas e já
validadas em ambientes diversos, para a coleta dos dados. Assim, procura-se obter a garantia
necessária de que as perguntas e os instrumentos utilizados dizem respeito ao objeto a ser
estudado. Uma vez aplicadas as escalas de avaliação, em cadetes de diferentes anos do Curso
AMAN, serão executadas as análises estatísticas pertinentes para estabelecer um correlação
dos dados entre si, e contrastá-los em seu desenvolvimento em diferentes anos.
114
Com base na Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de
Saúde, e do Código de Ética dos Psicólogos, de 15 de agosto de 1987, fica assegurado o sigilo
de identidade das informações, oferecendo as melhores condições para o exercício da livre
expressão sem constrangimentos. A participação na pesquisa é voluntária e pode ser
interrompida em qualquer etapa. Igualmente por questões éticas haverá preocupação de não
constrangimento da Instituição que ambienta do estudo. Os resultados e informações
derivadas da pesquisa serão feitas no âmbito do curso em execução na UFRRJ, em banca
específica para avaliação da qualidade acadêmica do trabalho, e na Academia Militar, pelos
canais das Seções de Coordenação Pedagógica e Seção Psicopedagógica, sempre pontuando
as tendências gerais dos dados coletados, e as interpretações possíveis dessas tendências, sem
afetar o sigilo de fonte. Os resultados poderão resultar em publicações em periódicos civis e
militares, o que faz parte da praxe em pesquisa. A previsão para a conclusão dos trabalhos
coincide com o final do 1º semestre de 2016.
Antecipo agradecimentos e coloco-me a disposição para esclarecimentos e informações.
FLÁVIO FERREIRA DA SILVA – Cap Psico
Estou suficientemente esclarecido e dou o consentimento para utilização dos dados na
pesquisa.
Cadete Nº _________ Nome:_________________________________________________
Assinatura:______________________________________________________
Quartel em Agulhas Negras, Resende, RJ, _____de____________de 2015.
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