Download - Vilão: a casa que virou bar

Transcript
Page 1: Vilão: a casa que virou bar
Page 2: Vilão: a casa que virou bar
Page 3: Vilão: a casa que virou bar

VILÃO

A casa que virou bar

| POR_KARINA CONSTANCIO| FOTOS_ANNA THEODORA

Page 4: Vilão: a casa que virou bar

Lembro da primeira vez que fui ao Vilão. Não faz tanto tempo assim, mas algumas coisas já foram esquecidas e muita coisa mudou. Não podemos dizer o mesmo do lugar, há 33 anos o Vilão é

desse mesmo jeito que a gente conhece e continua na Rua Sergipe, entre a Belo Horizonte e a Santos. De fora, nin-guém fala que é um bar e pode passar desapercebido por quem anda sem prestar muita atenção ou na correria dos tempos modernos. O motivo é que na frente fica a casa do proprietário do bar, o empresário Willian Amador Bueno de Moraes, aliás dono do local pelos mesmos 33 anos de exis-tência. Quem, como eu, também fica curioso para saber o que o espera além daquele portão e toma a decisão de ultrapassá-lo, se depara com um universo pouco usual.

Até chegar ao bar propriamente dito, percorremos um caminho todo ajardinado, como se fosse um labirinto, mas sem a opção de se perder. Algumas mesas colocadas em pontos estratégicos nos dão a possibilidade de beber um vinho ou saborear algumas das delícias da casa à luz da lua. Se você quer algo mais intimista, é convidado a ir mais ao fundo.

Ao entrar no bar do Vilão, é como se você fizesse uma viagem no tempo. A decoração o leva para algumas déca-das passadas. Peças antigas, centenas de vinis, meia-luz e o som ambiente com jazz e blues - saídos do mesmo aparelho Quasar que inaugurou o recinto - nos dão a sen-sação de estar em um daqueles pubs londrinos. Na parede, relógios. Muitos. De todos os tamanhos e peculiaridades.

Os objetos são um show a parte, a maioria bem anti-gos e esquisitos. Podemos ver desde o telefone preto saído da década de 60, a máquina registradora que fica no caixa até o, já citado, gramofone responsável pela música que embala a viagem. Na ponta do balcão, há um castiçal que guarda parafinas de 15 anos de queima de velas. Não tem como observar tudo de uma vez só e isso, talvez, seja o diferencial do lugar. A cada ida ao Vilão você se surpreende e descobre novos detalhes.

O clima acolhedor e aconchegante do espaço, transfor-mam o bar em um lugar perfeito para curtir a companhia. Por isso, muitos o consideram como lugar de casal. E, re-almente, é um ótimo programa para aproveitar a dois, mas essa visão é um tanto quanto simplista. O ambiente tam-bém é o ponto certo para relaxar com os amigos, ouvindo boa música e com a garantia de bebida e comida para to-dos os gostos. Quem sabe até para o tradicional “aquece” pré-balada?

Nessas três décadas que o Vilão faz parte da vida dos londrinenses, muitas histórias não serão esquecidas e tem uma história, particularmente, que merece ser contada: a do próprio Willian. Não tem como falar sobre o Vilão, sem falar do homem atrás do balcão. A trajetória da vida do em-presário vai de encontro e se mistura com história do bar.

Há 33 anosO Vilão é um dos bares mais tradicionais de Londrina,

faz parte da cidade e da vida dos londrinenses há 33 anos. O dia 24 de janeiro de 1978, inauguração do Vilão, não foi escolhido por acaso, era a data de aniversário da primeira mulher de Willian. Lilian é natural de Rolândia, conheceu Willian em São Paulo - ambos trabalhavam na Avon - e foi

uma irmã dela, dona de uma escola de inglês por aqui, que sugeriu ao casal que se mudasse para Londrina a fim de tratar melhor da bronquite asmática da primeira filha, Júlia.

A cunhada sugeriu que ele abrisse um bar porque “em Londrina não tinha bar”. “Na verdade, até tinha, era um cantinho na frente do Mater Dei, mas pessoas ficavam na frente do bar. Dentro do bar mesmo não tinha ninguém”, conta Willian. A ideia, então, era montar um negócio onde as pessoas fossem para dentro do bar.

Ele queria abrir um bar diferente daqueles convencio-nais, de preferência em “algum lugar esquisito, com porão”. Pelo menos diferente dos padrões brasileiros. O Vilão vai de encontro com o formato do pubs, algo bastante inovador para época. Desde a escolha da casa na Sergipe até a de-coração do lugar servem pra confirmar que o objetivo inicial foi alcançado. Willian revela que o grande segredo do bar é iluminação. Ela não agride e nem compete com demais ele-mentos do espaço. Ao contrário, é o convite para se deixar levar por esse universo que envolve o Vilão.

A decoração é mesma, nunca mudou. “Só vou acrescen-tando algumas peças que eu ganho.” Para Willian, a deco-ração é como se fosse uma história em quadrinhos, cada cantinho é diferente e transmite uma sensação diferente. Eu acrescento que no todo cada quadrinho se completa. Quem repara no lugar, diz com certeza que tudo aquilo foi

“Ao entrar no bar do Vilão, é como se você fizesse uma viagem no tempo. A decoração o

leva para algumasdécadas passadas. Peças

antigas, centenas de vinis, meia-luz e som ambiente

com jazz e blues”

Page 5: Vilão: a casa que virou bar

Page 6: Vilão: a casa que virou bar

pensado previamente. Willian garante que não. “Eu arrumo soluções para aquilo que tenho na mão. Muita coisa aqui foi pegada do lixo ou veio por doação. Sempre vejo possibili-dade em tudo, até no buraco”.

Esse pensamento de Willian contribuiu para que o Vilão permanecesse no quadro de bares da cidade e, mais ain-da, com o destaque e reconhecimento merecido. Toda obra bem sucedida, tem um mentor.

O homem atrás do balcão“O bar me deu três mulheres e muitas alegrias” . Pau-

listano, publicitário, avô e pai de 6 filhos. O filho mais novo é apenas alguns meses mais velho que seu único neto. In-teligente, visionário e com um humor ácido, Willian é quem administra o Vilão desde sua inauguração. Está ali porque gosta. Já pensou em largar tudo e seguir outro caminho. “Mas eu ia fazer o quê? Não seria tão feliz como sou hoje”.

Tem uma vida diferente. Não assiste televisão por esses mesmos 33 anos. “Essas coisas só servem para alimen-tar ilusões”. Ele vive o real. Logo bem cedo já vai fazer as compras do dia. Dorme durante a tarde. Lê jornal quando dá tempo. Por volta das18h, vai para o Vilão e fica lá até de madrugada, depende do dia e do movimento.

Trabalha sentado em uma cadeira de barbeiro da marca Ferrante. Um pouco acima tem um objeto onde ele pendura brincos que as mulheres, por uma razão ou outra, perderam no bar. Cada brinco, uma história que dentre muitas Willian já presenciou. As que ele mais se diverte são, sem dúvidas,

as brigas de casais. “Teve uma mulher que chegou aqui, o cara estava conversando comigo. Ela olhou pra ele, olhou pra mim, olhou pro copo e olhou pro celular. Eu pensei: vai jogar o celular dentro do copo. Não. Ela pegou o copo e jogou a bebida em cima do cara”. Ele conta que isso acon-tece direto e que já fica esperto quando vê esse tipo de movimentação. “Eu já vou fechando a conta”.

Mas nem tudo são brigas, muita gente também se co-nheceu no Vilão. Willian já perdeu as contas de quanto ca-sais se formaram no seu bar. “Até hoje vem gente aqui tirar fotos, trazer os filhos. É muito legal”. E a tradição de família não está envolvida apenas com os clientes. A atual cozi-nheira é filha da primeira cozinheira que o Vilão teve.

O segredo da tradição, para Willian, é o trabalho. “As pessoas ficam esperando as coisas acontecerem, mas nada cai do céu. Tudo vem por meio do trabalho. Trabalho é o que funciona”. Segundo ele, é por isso que muitos bares não dão certo. “As pessoas querem ganhar dinheiro fácil e bar dá trabalho. Dá muito trabalho”.

Willian também não deixa tudo a cargo da tradição, está antenado com o o mundo a sua volta. Ele não nega a im-portância de ir se adaptando com o tempo, pois as coisas mudam e é necessário acompanhar essa mudança. “Ino-var, mas sempre mantendo a tradição, as pessoas gostam disso. Elas vêm aqui e querem aquele mesmo beirute que eu faço há 33 anos. Casa da mãe, sabe? E quem não gosta da casa da mãe?”

Willian Moraes: “O bar me deu três mulheres e

muitas alegrias”

Page 7: Vilão: a casa que virou bar