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SE GU N DA - F E I RA , M A I O 0 1 , 2 0 0 6
O violão no Brasil depois de Villa-Lobos
por Fábio Zanon
Como o café e o futebol, o violão est á indissociavelment e ligado a uma visão sócio-cul tural
do Brasil, e nossa ident idade musical é impensável sem a sua presença. E não é para menos.
Inst rumentos da família do violão foram já t razidos pelos j esuítas e usados na catequese, e
José Ramos Tinhorão afirma que “ todos os exemplos de cant igas urbanas ent oadas a solo
por aqueles inícios do século XVI revelam em comum o acompanhamento ao som de viola” .
Dessa forma, desde o primeiro encontro que define nossa identidade cultural, o violão está
presente. Mas sua trajet ória é tortuosa. O violão em seu formato atual é, na verdade, umdesenvolvimento organológico do séc. XIX. Os instrumentos t razidos pelos j esuítas
provavelmente foram as vihuelas, alaúdes e violas – as quais, simplificadas, tornaram-se
guitarras barrocas - que, l evadas ao interior do país pelos bandeirantes, f oram adot adas
como o instrumento folclórico nacional por excelência: a viola caipira. Isto, conjugado à
marcada diferença cult ural ent re as classes sociais no período imperial , est igmat izou o
viol ão – como acont ecia na Espanha – como o instrumento do populacho, dos capadócios e
da marginalidade, em oposição ao piano, que realizava um ideal de bom tom das famílias
urbanas mais abastadas.
Até a met ade do séc. XIX há uma cert a confusão, como atest am as Memórias de um
Sargento de Mil ícias, entre a viola e o violão, mas depois de 1850 j á fica clara a dif erençaentre a viola, um inst rument o t ipicamente sertanejo, e o violão, ou a guit arra francesa
(como era chamada nos mét odos à venda no Rio de Janeiro), instrumento favorecido no
acompanhamento do cancioneiro popular de t radição urbana. Até este momento, não há
uma li t eratura específica para o inst rumento publi cada no país; os exemplos existentes são
escrit os para piano, sem dúvida pelo fat o de não haver violonist as capazes de ler música.
O violão também foi adotado como baixo-cont ínuo dos incipient es grupos de choro, e a má
fama decorrente é festejada nos romances de Lima Barreto. Os primeiros defensores sérios
do violão como instrumento de concerto, como o engenheiro Clementino Lisboa, o
desembargador It abaiana e o professor Alf redo Imenes, heroicamente se sujeit aram ao
ridículo público ao se apresentarem, por exemplo, no Clube Mozart , cent ro musical da el it ecarioca.
Os primeiros concert os de violão solo documentados no país foram oferecidos pelo violonist a
cubano Gil Orozco em 1904 e não chegaram a atrair muit a atenção, mas supõe-se que j á há
um ensino sério de violão clássico nesta época, j á que Vil la-Lobos admit iu haver aprendido
violão pelos métodos do espanhol Dionísio Aguado (1784-1849). Ent ret anto, aquele que
podemos apontar como o primeiro concert ista brasil eiro não sabia ler música e tocava com o
violão invert ido, mas com as cordas em posição normal: Américo Jacomino, o “ Canhoto”
(1889-1928). Canhot o era fi lho de it alianos, o que ilustra uma nova tendência de
popularização do violão: a sua adoção pela classe operária imigrante. Não é um mero
acidente os luthiers Di Giorgio, Del Vecchio e Giannini t erem se estabelecido no Brasil et ransformado sua at ividade art esanal em l inha de produção de inst rumentos dentro de
poucas décadas. Mas o violão cont inua sendo ridicularizado na imprensa, como alvo de
charges derrogatórias, apesar do enorme sucesso popular de viol onist as-compositores como
João Pernambuco (1883-1947).
O ano da virada da casaca é 1916, quando o crít ico do jornal O Estado de São Paulo ouviu e
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Índice: O Violão Espanhol
13. Década de 90: Mompou,Balada, Ruiz Pipó, Marco...
12. Década de 80: Asencio,Muñoz Molleda, Montsalv...
11. Torroba, Quadreny,Halffter
10. Década de 70: Sainz de laMaza, Cristóbal Half...
9. Década de 60: MorenoTorroba, Rodrigo, Mompou
VIOLÃO com Fábio ZanonArquivo dos programas de violão clássico apresentados por Fábio Zanon e t ransmit idos originalmente pela Rádio Cult ura FM de São
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se rendeu à arte do virt uose e compositor paraguaio Agust ín Barrios (1885-1944), que residiu
no Brasil em decorrência de seu sucesso. No mesmo ano, Canhoto apresentou-se no
Conservatório Dramát ico e Musical com ext raordinário êxit o.
“ É at ravés deste concerto que Américo Jacomino conquista a elit e paulist ana e assim,
possibil it ando o início da dissolução do preconceit o que freava o desenvolviment o da música
para violão” .
A part ir de então, a imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro passou a considerar o violão
como inst rumento de concert o e até a elogiar Barrios, Canhot o e a espanhola Josefina
Robledo, aluna de Tarrega que t ambém residiu no Brasil por vários anos.Como vemos, t alvez surpreendentemente, o violão como inst rumento de concert o ainda não
completou 100 anos no Brasil , o que faz da vulcânica personalidade de Heit or Vil la-Lobos
(1887-1959) um fenômeno ainda mais singular. As contingências sócio-culturais fizeram com
que seu inst rumento públ ico fosse o violoncelo e que o violão fosse somente um laborat ório
de fundo-de-quint al, que ele util izava para penet rar nas rodas de choro. A maior part e das
obras que escreveu ant es de 1920 perdeu-se, e a Suíte Popular Brasil eira (1912-23) só foi
publ icada décadas mais t arde – à sua revelia – na França. É uma obra característ ica do
período, onde a fronteira ent re o idioma clássico e as formas de dança popular não é muito
nítida.
Por mais original e promissora que possa parecer a produção da primeira fase de Villa-Lobos, até 1922, há uma nít ida mudança de marcha em sua estét ica que coincide com a
residência em Paris nos anos ́ 20, um fenômeno observado em outros composit ores de
orientação nacionali sta. Parece que a dist ância e a recept ividade do novo ambiente lhe
permit iram realizar uma sínt ese ent re uma visão pragmática, que aceita a superposição de
inf luências ext ernas como uma profecia auto-real izada em uma cult ura colonizada, e uma
visão idealizada, derivada de Rousseau, em que o compositor se via como um bom
selvagem, corrompido por estas mesmas influências. A formidável série de Choros, as
maiores obras para piano e os 12 Est udos para violão, compostos em 1929, são os f rut os
mais suculentos dessa sínt ese.
Seria absolutamente impensável a real ização desta obra dentro do context o acanhado do
violão clássico no Brasil dos anos 20. Por mais divergências que Vil la-Lobos possa ter t ido
com o dedicat ário, Andrés Segovia, a personagem dominante do violão no século XX, f oi,
sem dúvida, o vislumbre das possibi l idades latentes do violão, permit ido pelo ext raordinário
poder persuasivo de Segovia, que est imulou Vil la-Lobos a escrever uma coleção comparável
às grandes séries de estudos para piano ou viol ino. Não é exagero dizer que os 12 Estudos
são um divisor de águas dent ro da história do violão. De todos os composit ores que
escreveram inspirados pela art e de Segovia, Vil la-Lobos é o único que part e de um
conhecimento em primeira mão do arcabouço técnico do instrumento para a realização de
uma linguagem individual, que incorpora uma luxuriante paleta harmônica e um
compromisso com a inovação no discurso musical. Prova da qual idade visionária destas obrasé a espera, até 1947, para que Segovia as incluísse em seus programas e at é 1953 para que
fossem publicados. Neste hiato, Villa-Lobos já havia retornado definitivamente ao Brasil, e
sua l inguagem havia dado uma guinada na direção de um cert o conservadorismo posit ivista e
neo-clássico que pode ser det ectado na sua série de 5 Prelúdios (1940).
O legado de Villa-Lobos é tant o uma benção como um peso para os composit ores da geração
posterior. Seus Prel údios e Estudos são as obras mais populares do viol ão no séc. XX,
t ocados por t odos os violonistas de qualquer nível de excelência, e gravados centenas de
vezes. Seu Concert o para viol ão e orquest ra de 1951 é uma das poucas obras brasileiras,
t alvez a única, com lugar assegurado no repert ório int ernacional do gênero. As
possibil idades de reconheciment o internacional, assim abert as para um composit orbrasileiro, podem ser um tremendo fator de inibição, pelo temor à epigonia.
Some-se a isso o fat o de que uma sólida cult ura clássica para o violão ainda t ardou algumas
décadas para cristalizar-se no Brasil. O perfil de Barrios ou Canhoto não era suficientemente
“ clássico” para o projeto art íst ico de Vil la-Lobos, e a import ante contribuição de
prof essores como Att il io Bernardini (1888-1975) teve conseqüências mais visíveis no campo
do violão popular. A distinção entre o violão de concerto e o violão popular foi gradualmente
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se acentuando nos anos 1930, 40 e 50 e alguns dos músicos de maior visibil idade, como
Dilermando Reis (1916-1977), Aníbal Augusto Sardinha, o “ Garoto” (1915-1955), e Laurindo
de Almeida (1917-1995), construíram quase que a totali dade de suas carreiras à sombra da
Era do Rádio, criando um vasto repertório seresteiro no caso de Dilermando, incorporando
alguns elementos impressionistas que apontam para a bossa-nova no caso de Garot o, ou
simpl esmente est abelecendo-se nos EUA como um músico de j azz no caso de Laurindo.
Não obstante as l imitações destes grandes art istas na esfera do violão clássico, eles
estabeleceram uma relação próxima e est rearam algumas obras do composit or que mais se
esforçou em enfraquecer as barreiras entre a música clássica e a música popular de
qualidade: Radamés Gnatall i (1906-1988), que assim tornou-se o autor da obra violoníst icamais signif icat iva e numerosa a part ir dos anos 50, incluindo 5 concert os para violão e
orquestra (1952, 53, 55, 61 e 68). A advocacia de sua obra ministrada mais tarde por
violonistas da esfera clássica est imulou-o a compor extensivamente e criar obras de
considerável interesse, como a Brasil iana no.13, a Suíte, os 10 Estudos, os 3 Estudos de
Concert o e Alma Brasileira; seu legado se est ende à música de câmara com a suít e Retrat os
para 2 violões, a Sonat ina para fl auta e violão, uma Sonata para violoncelo e violão e out ra
para violoncelo e 2 violões, além de inúmeros arranj os que incluem o violão num context o
semi-orquest ral. A obra de violão de Gnatall i t raz t odas as melhores qualidades e os mais
evidentes problemas de sua produção como um todo: a excelente escrit a inst rumental, as
inesperadas soluções harmônicas e o verdor da inspiração, mas t ambém a notória falta de
paciência com o acabamento e um caráter sonambulístico e quase-improvisatório que, sobum cert o pont o de vist a, pode ser uma qualidade. Depois de Vil la-Lobos, a obra de violão
de Gnatal l i é a mais apreciada e freqüentemente tocada no ext erior.
Por um lado, o rádio enfraqueceu as distinções de classe através do gosto musical e
t ransformou-as numa massa indist int a chamada “ouvint e” , disposta a ouvir o violão sem
preconceitos; em 1928, o int eresse pelo inst rumento é vast o o suficiente para o surgimento
de uma revista, “ O Violão”, no Rio de Janeiro. Por out ro, ainda falt ava uma metodologia
que permit isse o surgimento de um número significat ivo de concert istas de violão que
preenchessem um vazio só ocasionalment e quebrado por raras visitas de art istas
internacionais como Regino Sainz de la Maza, Andrés Segovia (a part ir de 1937) e Abel
Carlevaro (nos anos 40).
O desenvolvimento desta metodologia veio com o uruguaio Isaías Sávio (1902-1977), que se
estabeleceu em São Paulo nos anos 30. Sávio foi um concert ista de modestos recursos, mas
um devotado professor e autor de mais de 100 peças originais para violão, algumas das
quais, como a Batucada das Cenas Brasileiras, perduram no repert ório. Ele teve um papel
considerável na promoção do violão dentro do establishment musical do país, publicou
dezenas de métodos e arranj os, e formou gerações de violonistas que pront amente se
estabeleceram como professores em outras capit ais, com destaque para Antonio Rebell o
(1902-1965) no Rio de Janeiro. A Sávio t ambém devemos a criação do curso oficial de viol ão
nos conservatórios e, pouco antes de falecer, nas universidades. Ele teve a sensibi l idade de
não sufocar a nat ural vocação do violão brasileiro para o cross-over e, entre seus alunos,
podemos contar t anto um Luís Bonfá ou um Toquinho quanto um Carlos Barbosa Lima.
A relação de Sávio com os composit ores “ sinfônicos” foi algo t ímida; a inst rução dos
composit ores cust ou a incorporar a técnica de escrit a para violão – uma novidade que
Segovia havia imposto a composit ores como Ponce e Turina nos anos 20 -, o exemplo de
Villa-Lobos provou-se um ideal alto demais para se alcançar, e a falta de seriedade com que
se encarava o violão no início do século ainda criou reverberações nos anos 40 e 50. Some-se
a isso o desfavor em que a est ét ica nacionalista caiu após a revolução de 1964 e temos um
desconfortável e algo vergonhoso hiato na incorporação da obra de Camargo Guarnieri,
Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone ao repertório int ernacional de violão.
Camargo Guarnieri (1907-1993) seria, levando-se em conta seu impl acável art esanato e
concisão, o composit or ideal para dar cont inuação ao fio condutor de Vil la-Lobos, mas na
prát ica isso não aconteceu. Ele se exasperava com as dif iculdades de se escrever bem para o
inst rumento, e seu único Ponteio (1944, dedicado a Carlevaro) para violão não tem o mesmo
carisma dos homônimos pianíst icos. Seus 3 Estudos (no.1: 1958, nos. 2 e 3: 1982), apesar de
ext raordinários como composições, apresentam um caráter torturado e esotérico que apela
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somente aos intérpretes mais intelectualmente inclinados. As 2 Valsas-choro (1954, 1986)
são obras bem mais simpáticas, mas, como de praxe em Guarnieri, a 2a delas ainda não
está sequer editada. Lorenzo Fernandez (1897-1948) foi ainda menos generoso: deixou
somente um pequeno Prelúdio (1942) de parco int eresse e um arranjo da Velha Modinha
(1938, original para piano como part e da Segunda Suit e Brasileira) dedicado a Segovia, que
freqüentement e é tocado como bis.
Se a cont ribuição destes composit ores magnos de nosso nacional ismo é numericamente
decepcionante, o mesmo não se pode dizer de Francisco Mignone (1897-1986). Suas
primeiras tentat ivas de escrever para o violão foram bem modestas, mas em 1970 ele
produziu a série de 12 Valsas, em t odos os tons menores, e 12 Estudos que, semmanifestarem o ímpeto renovador de Villa-Lobos, ocupam uma posição quase tão alta
quando a dele no repert ório brasil eiro pela precisão de escrit a, invent ividade no t ratamento
inst rumental e variedade de expressão. Seu quase t otal desapareciment o do repert ório
int ernacional é um acidente de percurso, e nenhuma out ra obra da escola nacionalista
merece maior atenção. O mesmo deve ser dit o do Concert o para violão e orquest ra (1976),
possivelmente a mais bem-concebida obra brasileira do gênero, mas que ainda não teve a
chance de ser plenamente avaliada devido ao seu quase-ineditismo. Duas peças curtas,
Canção Brasilei ra (1970) e Lenda Sert anej a (1982) completam um corpus de obras para
violão de máximo interesse.
A paixão de Mignone pelo violão em seu úl t imo período criat ivo foi causada em grande part epelos frutos colhidos da profissionalização do ensino de violão no país. Os anos 60 e 70
marcam não só uma ext raordinária expansão do ensino do violão popular com o advento da
bossa-nova, mas também a consolidação da carreira internacional de uma geração: Carlos
Barbosa Lima (n.1944), Turíbio Santos (n.1940), Sérgio (n.1948) e Eduardo Abreu (n.1949),
Sérgio (n. 1952) e Odair Assad (n.1956) e, mas tarde, Marcelo Kayat h (n.1964). A percepção
do Brasil como o país do violão deve muit o a estes dois event os conjugados. O cenário
nacional também se beneficiou desse arranque e uma nova geração de didatas se
estabeleceu neste período, com dest aque para Henrique Pint o (n.1941) e Jodacil Damaceno
(n.1929).
Junto com Isaías Sávio, estes violonistas foram o ponto de referência para toda uma geraçãode composit ores nacionalistas que deixaram itens isolados de considerável interesse, como
José Vieira Brandão (1911-2002) com o Mosaico, Walt er Burle-Marx (1902-1991), autor de
Bach-Rex e Homenagem a Vil la-Lobos, Souza Lima (1898-1982) com seu Cort ej o e
Divert imento, e Lina Pires de Campos (1918-2003), autora de 4 Prelúdios e Ponteio e
Toccatina. Três compositores já falecidos merecem uma menção particular pela sua
import ância dent ro da vida musical brasileira: Cláudio Sant oro (1919-1989), autor de um
Est udo, um Prelúdio e da Fantasia Sul América; Theodoro Nogueira (1913-2002), autor de
ext ensa obra que inclui 6 Brasil ianas, 5 Valsas-Choro, 4 Serest as, 12 Improvisos e um
Concertino para violão e orquestra; e César Guerra-Peixe (1914-1993) autor de 6 Breves, 10
Lúdicas, 4 Prelúdios e da primeira Sonata brasileira para violão, de 1969, uma obra
ext remamente engenhosa da sua fase nacionalista.
Os anos da ditadura militar provocaram uma dramática re-configuração da vida musical do
país. A considerável repressão da l iberdade de expressão forçou art istas e intelectuais a
t omarem posições drást icas. Compositores de tendência governista não t iveram sucesso em
persuadir as autoridades da necessidade de um desenvolvimento contínuo da educação
musical, e t iveram de responder por isso depois da abert ura nos anos 80. Uma maioria de
composit ores opostos ao regime refugiou-se na rot ina do ensino universitário e, seguindo o
modelo americano, cristalizou um sistema de ensino acadêmico que prescinde da atuação no
dia-a-dia do composit or prof issional e encoraja o surgimento de “ processos’ composicionais
que muit as vezes só podem ser decodif icados por colegas. Ao mesmo tempo, a part icipação
at iva dos cantores/ composit ores de MPB no processo de abert ura polít ica relegou os
composit ores clássicos a uma posição secundária dent ro do meio cul tural e a um
recrudesciment o do int eresse da imprensa pela produção de concerto, uma sit uação que não
parece passível de reversão num futuro próximo.
O violão, como um natural mediador, no Brasil , entre o universo da música clássica e da
popular, encont rou-se subit amente numa posição privilegiada. Int érpret es como Barbosa
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Lima, Turíbio Santos e o duo Assad, inicialmente escolados na tradição clássica do viol ão,
hoje atuam numa tênue l inha divisória em que a fronteira ent re o que é clássico e o que é
música instrumental brasil eira não é muito clara. Os composit ores at ivos criaram seus nichos
estét icos, muit as vezes opostos, e foram seduzidos pela garantia de inclusão de suas obras
para violão no repertório regular.
Os composit ores de orient ação pós-nacionalista que mais cont ribuíram para o repert ório
brasileiro são Marlos Nobre (n.1939) e Edino Krieger (n.1928). A obra de Marlos Nobre é
ext ensa e de incalculável alcance art íst ico. Os Momentos I-IV, a Homenagem a Vil la-Lobos,
as Reminiscências, o Prólogo e Toccata, a Ent rada e Tango, as Rememórias e o Concert o para
2 violões e orquestra cobrem 30 anos de produção art íst ica, atest am sua imaginaçãopoderosa e o colocam como um verdadeiro herdeiro de Villa-Lobos, em sua escrita
detalhada, robust a realização inst rument al e perfeit o equil íbrio entre a cor local e as
necessidades de um argumento formal de maiores proporções. A considerável dificuldade
t écnica de suas obras t em se most rado um fat or inibidor, e Nobre é, num plano
int ernacional, mais respeit ado que tocado, mas este é um fat or que deve ser superado em
favor de obras de qualidade superlat iva que merecem atenção incondicional. Já Edino
Krieger obteve considerável sucesso com sua Rit mat a de 1974, e suas obras mais recent es,
Passacaglia in Memoriam Fred Schneit er e seu Concert o para 2 violões e orquestra parecem
prontas a seguir o mesmo caminho. Um compositor de produção mais mirrada, mas de sumo
int eresse, é Osvaldo Lacerda (n.1927), autor de t rês encantadoras peças, Moda Paulista,
Ponteio e Valsa Choro. Um it em isolado de Ronaldo Miranda (1941), Appassionata, temmerecido uma calorosa acolhida int ernacional; a Sonat ina de José Albert o Kaplan (n.1935) e
a peça de mesmo t ít ulo de Sérgio Vasconcelos Corrêa (n.1934), t ambém autor de um
Concert o, demonst ram grande profissionalismo de fatura.
A produção dos composit ores independent es, seguindo a esfera de interesse dos intérpret es
a quem é dirigida, cobre um amplo espectro de possibi l idades estét icas. Almeida Prado
(n.1943) realizou experiment os com a sonoridade, comparáveis às suas Cart as Celestes para
piano, em Livre pour Six Cordes e Port rait de Dagoberto, dedicado ao violonista paulista
radicado na Suíça, Dagobert o Linhares, mas sua Sonata oscil a entre uma energia
prokofieviana e um nacionalismo desbragado. Outro prolífico compositor de música para
violão é Ricardo Tacuchian (n.1939), cuja produção pende entre o nacionalismo urbano da
Série Rio de Janeiro e da Imagem Carioca para 4 violões e o experimental ismo sonoro das
duas Lúdicas e dos dois Impulsos para dois violões. A expl oração de técnicas pouco
convencionais encont ra em Sighs de Jorge Antunes (n.1942) e no Estudo no.1 para viol ão e
narrador de Rodolfo Coelho de Souza (n.1952) o seu canal de vasão. A polissemia produziu
ao menos uma obra de interesse permanent e, Que Trat a de España de Wil ly Corrêa de
Oliveira (n.1938).
A prol if eração de concert istas de atuação local e as óbvias vantagens da colaboração ent re
eles e composit ores ainda não plenamente estabelecidos têm criado espaço para uma
atividade extensa, frenética e difícil de avaliar, mas eu apontaria os nomes de quatro
composit ores nascidos depois de 1960 que apresentam t odas as condições para uma pl ena
aceitação no repertório internacional: Alexandre de Faria (n.1972), cuja Entoada foi
agraciada com o primeiro prêmio no Concurso Internacional “ Andrés Segovia” de composição
em 1997, e que desde ent ão tem escrit o obras de ext rema intensidade t eat ral, que
absorvem alguns element os do minimal ismo, informadas por um raciocínio harmônico
personalíssimo e de total int ransigência de expressão: o Prelúdio no.1 “ Olhos de uma
Lembrança” e no.2 “ Death of Desire” , além de dois concert os para violão e orquest ra, o
segundo dos quais, “ Mikulov” , foi estreado com sucesso sem precedentes na República
Tcheca; Art ur Kampela (n.1960), cujas Danças Percussivas, também premiadas num concurso
int ernacional na Venezuela, incorporam elementos de modulação rít imica; Alexandre
Eisenberg (n.1966), aut or de ambiciosos projetos formais de caráter mais t radicional como oPrelúdio, Coral e Fuga e a Pentalogia; e Marcus Siqueira (n.1974), dono de um refinado
ouvido para colorido inst rument al, que é ilustrado pelo Impromptu Fragile, Impromptu
Móbile e Elegia e Vivo; seu concerto para violão, harpa, celeste e 2 orquestras de câmara
Hoquetus, Ecos, Espelhos ainda aguarda estréia. Há t ambém autores de it ens isolados de
alta qualidade, como Mikhail Malt (n.1957) e seu Lambda 3.99 para violão e sons gerados
por computador; Achil le Picchi (b. 1957), de feição algo mais convencional e bart okiana, com
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seu Prelúdio, Valsa e Finale e 3 Momentos Poéticos para violão e orquest ra; Harry Crowl
(n.1958), de genuína erudição, aut or de Assimet rias; e Robert o Vict orio (n.1959), com seu
Tet rakt is e um Concert o para violão, f lauta e orquestra. Todos est es composit ores, com a
provável exceção de Faria e Eisenberg, t êm de conviver com a nova ordem: dificuldades
para publ icação, distribuição e regist ro fonográf ico dest as obras levam-nos à t ábua de
salvação das universidades e das sociedades e fest ivais de música contemporânea; uma
aceitação menos circunscrit a à sua área de at uação será obra do acaso e do int eresse
continuado dos intérpretes.
Mais afortunados são aqueles que transitam na tênue linha entre o clássico, o jazz e o
inst rumental brasileiro. No mundo, e cada vez mais no Brasil , hoje, há uma verdadeiraindúst ria de sociedades, f est ivais, editoras e companhias discográficas dedicadas
exclusivamente ao violão “ clássico” , e entenda-se por clássico não uma categorização
estét ica, mas t ão soment e de t écnica inst rumental. Uma parcela signif icativa do público
para estes eventos e produt os carece de uma ampl a cul tura musical e certamente não
dispõe de elementos para uma apreciação crít ica da produção contemporânea; normalment e
são estudantes ou amadores sérios que travaram seu primeiro contato com o violão at ravés
do pop ou do j azz. O perfi l deste púbico det ermina a aceit ação internacional de
composit ores-viol onistas como Sérgio Assad (n.1952) que, além de ser um dos integrantes
do renomado duo Assad, t em int ensif icado sua produção nos últ imos 15 anos; obras como
Aquarel le, sua Sonat a, a série de Jobinianas, e várias peças para duo de violões como Vit ória
Régia, Pinot e e Recife dos Corais já fazem part e do repert ório regular de est udantes domundo todo. A ext ensa, variada e inst rument almente eficient e obra de Paulo Port o Alegre
(n.1956), Daniel Wolff (n.1967) e Maurício Orosco (n.1976) parece destinada ao mesmo
êxito.
O t raço que dist ingue estes composit ores daqueles chamados violonistas “ populares” é uma
evidente ambição formal decorrente de sua at ividade como concert istas. Compositores-
violonistas cuja principal atuação é na área dos shows ampl if icados ou como acompanhantes
de cantores ou solistas de jazz tendem a se encarar como herdeiros da t radição de Canhoto,
Garoto, Dil ermando Reis ou Baden Powel l, e suas obras são, conseqüentemente, restrit as às
formas de canção e dança, o que não as impede de serem adotadas amplamente como
material de concerto mundo afora. Êxit o incondicional t em obt ido a obra de Paulo Bell inati
(n.1950), cujo Jongo j á foi gravado pelos mais destacados solistas int ernacionais e que já
produziu centenas de obras na mesma veia, mas Marco Pereira (n.1955), Celso Machado
(n.1953) e Guinga (n.1950) também têm uma ampla base de admiradores.
Um caso singular encontramos em Egbert o Gismonti (n.1944), celebrado internacionalmente
como um dos maiores inst rument istas do j azz cont emporâneo, mas cujas obras Central
Guit ar e Variat ions: Hommage à Webern se alinham à produção experimental de concert o.
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