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1 REVISTA DO CEDS Peridico do Centro de Estudos em Desenvolvimento Sustentvel da UNDB N. 2 Volume 1 maro/julho 2015 Semestral Disponvel em: http://www.undb.edu.br/ceds/revistadoceds
A ATUAO DO CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA NA CONSOLIDAO DOS TIMBIRAS COMO GRUPO AUTO-
ORGANIZADO1
Lorena Batista Tolentino2 Themis Galgani3
Isabella Pearce de C. Monteiro4
Sumrio: Introduo. 1. O Surgimento e consolidao das instituies indigenistas no Brasil, entre elas o CTI; 2. A atuao do CTI frente proteo do territrio e da herana sociocultural indgena; 3. A participao do ndio como sujeito ativo na defesa de seus direitos constitucionalmente protegidos, um vis de Governana Democrtica. Concluso.
RESUMO
O presente artigo visa o estudo de uma nova percepo da figura indgena,
por meio da qual esse passa a ser visto como sujeito ativo na defesa de seus direitos,
com vistas a desburocratizao da estrutura poltica vigente e em prol da concretizao
de um modelo de democracia participativa deliberativa integrativa, tendo como base,
para tanto, a atuao do Centro de Trabalho Indigenista, pois que esse oferece servio
de assistncia aos ndios brasileiros, especialmente os Timbiras, e se pauta no ideal de
desenvolvimento de uma autonomia funcional dos mesmos, atravs de um dilogo
intercultural que possibilite a compreenso do funcionamento do estado democrtico de
direito brasileiro, de modo que os ndios possam se auto organizar e atuar politicamente
pela proteo de seu territrio e pela preservao de sua identidade.
Palavras-chaves CTI; ndios; governana democrtica; autonomia funcional.
INTRODUO
At a conveno de 107 promovida pela OIT, que se coaduna como o 1Paper apresentado disciplina de Antropologia, da Unidade de Ensino de Direito - UNDB. 2Aluna do stimo perodo do vespertino do curso de Direito. 3Aluna do stimo perodo do vespertino do curso de Direito. 4Professora, orientadora.
2 REVISTA DO CEDS Peridico do Centro de Estudos em Desenvolvimento Sustentvel da UNDB N. 2 Volume 1 maro/julho 2015 Semestral Disponvel em: http://www.undb.edu.br/ceds/revistadoceds
primeiro instrumento internacional de proteo dos direitos indgenas, ratificada pelo
brasil e outros pases da Amrica Latina, os ndios brasileiros eram vistos como figuras
anmalas socialmente, constando como objetivo da repblica a sua incorporao a
comunho nacional.
A constituio de 67, todavia, trouxe alguns diferenciais, entre eles o
reconhecimento do direito terra, e o direito, estampado no art. 186 desse dispositivo,
ao "usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes".
Outros textos legais fundamentais a compreenso da imagem do indgena
vigente at o incio do sec. XXI so o cdigo civil de 16, que qualificava o ndio como
incapaz e o estatuto do ndio que reafirmava a necessidade de que houvesse uma
agencia estatal mediadora, que tutelasse os direitos indgenas. O que trouxe tona o
denominado "paradoxo da tutela", expresso utilizada por Pacheco de Oliveira em seu
livro "A presena indgena na formao do Brasil", para explicar a dicotomia existente
entre essa tutela estatal delegada aos indgenas e os interesses desenvolvimentistas do
estado de explorao das terras por eles ocupadas.
Nesse contexto surge o SPI, Servio de Proteo ao ndio, que passa a ser o
rgo estatal responsvel pela questo indgena, pois que, como afirma LOPES, a
criao do mesmo "diminuiu o papel que os estados desempenhavam sobre o destino
das terras indgenas e (...) afastou a Igreja Catlica da funo catequizadora" (2014, p.
6).
Frente a essa ao estatal, percebe-se a existncia de um movimento
progressista idealizado pela Igreja, que com a sua "misso calada", passa a atuar nas
aldeias sem interferir diretamente nos costumes indgenas; fortalecendo o iderio da
necessidade de se buscar uma maior autonomia dos indgenas com relao ao Estado.
A partir desse momento, dcadas de 70/80, comeam a ser organizadas as
Assembleias Indgenas, nas quais as tribos indgenas passaram a se reunir para trocar
experincias, e se articularem politicamente. Surgindo ento o movimento indgena, que
dando maior visibilidade a causa, apresenta um novo olhar sobre a figura do ndio,
agora mais independente e atuante na busca pela consolidao de seus direitos.
O que se intensifica pela ao do Centro de Trabalho Indigenista no
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Maranho, e outros centros pelo Brasil, que propem a auxiliar os ndios timbiras na
formao de uma conscincia poltica, por meio de trocas de experincias entre as
aldeias, auto-organizao em forma de assembleias, voltando-se, pois, a promoo
desses intercmbios, de modo a possibilitar que haja a gesto territorial pelos prprios
indgenas e a promoo de pesquisas realizadas pelos mesmos de modo a preservar suas
heranas culturais.
O que d margem a uma nova concepo do que seria um modelo
democrtico, que, denominado democracia participativa deliberativa, tem como fim a
reunio dos mais diversos setores sociais para o debate e percepo das demandas
existentes de modo que essas sejam atendidas de forma eficaz e equanime; dando-se,
pois, maior voz as camadas mais abastadas, que passam a integrar efetivamente os
campos da poltica, visto que a democracia, nos moldes atuais, se consolidou, segundo
Schumpeter, como um jogo de elites.
1 O Surgimento das instituies indigenistas no Brasil, entre elas a CTI
A primeira instituio indigenista brasileira surge no incio do sc. XX, e
atua at 1967. Denominada Servio de Proteo ao ndio, tinha como intuito a
promoo da tutela estatal dos direitos indgenas, de modo a evitar que esses indivduos
continuassem sendo deslocados de suas terras, servindo como mo-de-obra escrava ou
mesmo sendo exterminados, quando se negavam a faz-lo. No logrando muito xitos,
tendo-se em vista que a poltica adotada pelo rgo condizia com o contexto scio
histrico da poca, acercando-se, no mais das vezes, em fornecer terras desbravveis
aos colonos.
Em 1967, em vista da ineficiente atuao da SPI, surgiu a FUNAI que tinha
como objetivo a proteo dos direitos indgenas, entre eles o direito demarcao e
usufruto de suas terras, visto a herana cultural relacionada preservao das mesmas, o
direito a manuteno de sua cultura, mantendo-os imersos em suas formas de vivncia,
seus costumes e rituais, evitando assim que ocorresse um processo de ocidentalizao, e
promovendo o acesso educao e a sade. Entretanto, por ter sido criada em um
contexto de ditadura militar serviu mais a adequao das propostas governamentais,
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pautadas em ideias desenvolvimentistas, do que para a defesa dos interesses indgenas.
Considerando-se a inexistncia na prtica da preocupao
intergovernamental com as questes dos direitos humanos5 das minorias surgiram as
ONGs, que visavam fundamentar e apoiar as questes indgenas, dando nfase ao
movimento indigenista, entre elas encontram-se a ANAIs (Associaes Nacionais de
Apoio ao ndio), o CIMI (Conselho Indigenista Missionrio) e o NDI (Ncleo de
Direitos Indgenas) que se uniram para formar o ISA (Instituto Socioambiental) e o CTI
(Centro de Trabalho Indigenista). Voltando-se os militantes das mesmas para a
educao desses povos e para a defesa de suas terras, atuando para tanto como
professores nas aldeias e demarcando fronteiras, como forma de no permitir invases e
tomadas de posse.
No perodo ps-ditadura ocorre a consolidao dos direitos indgenas na
Constituio de 1988, e a reformulao da FUNAI nos governos de Collor, que
promoveu a descentralizao de suas funes, e de FHC, que possibilitou uma melhor
atuao da FUNAI em busca da concretizao de seus objetivos. Devendo-se citar,
tambm, a Conveno n- 169 da ONU que estabeleceu os direitos indgenas
diferenciados e a necessidade de se efetivar polticas de biodiversidade.
Em 1982, foi criado ainda o Grupo de Trabalho da ONU sobre populaes
indgenas e em 1993 o Frum Permanente sobre deliberaes indgenas, que s
comeando a atuar em 2002, tinha por objetivo averiguar, situar e fiscalizar todas as
deliberaes sobre assuntos indgenas pelo mundo, podendo qualquer membro indgena
participar, ativa ou passivamente.
Entre as ONGs que surgiram nesse perodo encontra-se o CTI, Centro de
Trabalho Indigenista, que sendo fundado por antroplogos e indivduos imersos na
questo indigenista, delinearam um propsito: promover uma coatuao dos ndios nos
projetos realizados em seus territrios, de forma que esses participem ativamente da
construo, andamento e consolidao desses projetos, buscando, assim, conscientiz-
los de seus direitos sobre aquele local, fonte viva de cultura e de subsistncia, e os
impelindo, assim, a atuar sem necessitar do auxlio estatal.
5 WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O universalismo europeu: a retrica do poder. So Paulo: Boitempo, 2007, p. 42.
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Sendo criado a partir da atuao dessa instituio no-governamental no
Maranho, o Centro de Educao Indgena Pnxwyj Hmpejx, em Carolina, onde os
timbiras aprendem as ferramentas necessrias a defesa de seus direitos mais bsicos.
Possuindo vis poltico-cultural, esse local serve como ponto de encontro para as
comunidades indgenas timbiras, com formao de professores para as aldeias, de forma
a promover uma educao e especializao dos indgenas sem afetar suas tradies,
contribuindo assim para a manuteno da cultura dessas comunidades.
A Constituio de 1988, nesse parmetro, estabeleceu-se como um elemento
consolidador dos direitos indgenas, pontuando a forma como se daria o direito ao
territrio e a demarcao dessas terras, sendo, em um primeiro momento, um marco da
defensoria das minorias inclusas no pas.
Entretanto, no so poucas as instncias que levam a quebra dessas leis que,
limitadas, ingerem ao Estado o poder de, em determinadas situaes, retomar essas
terras anteriormente ditas indgenas para a construo de usinas, hidreltricas, rodovias,
no protegendo os indgenas das invases de fazendeiros e madeireiros.
Sendo necessrio para a efetivao desses direitos impostos por lei, e
instaurados em estatutos como a Declarao dos Direitos dos Povos Indgenas
promovida pela ONU, que seja efetuada a conscientizao do indgena do seu papel
dentro da sociedade em que se encontra inserido, armando-o politicamente para que
possa se defender sem necessitar do amparo de um Estado que se encontra cada vez
menos presente.
Em vista do que, Oliveira defende a necessidade de fortalecimento de uma
autonomia poltica dos indgenas, haja vista que perceptvel a capacidade de
realizao de um dilogo Inter tnico das lideranas indgenas, o que favorece a
formao de assembleias, e a representao poltica em nvel regional ou mesmo
nacional.
2 A atuao da CTI frente a proteo do territrio e da herana sociocultural
indgena
O CTI, Centro de Trabalho Indigenista, uma instituio no
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governamental brasileira que visa a educao indgena como forma de promover a
coatuao dos mesmos, pois que, aprendendo a proteger seus direitos, no necessitariam
de uma atuao to forte do Estado na defesa de seus direitos, juntamente com outros
rgos paraestatais que lhes tutelam desde o descobrimento do pas.
Vez que, conforme delineia Oliveira, ao Estado caberia dar inicialmente o
"reconhecimento de suas organizaes para, posteriormente, empreender conversaes
com seus lderes para negociarem as normas pelas quais a interlocuo entre o campo
indgena e o campo indigenista poderia ser conduzida" (2000, p. 222).
Entre as polticas educacionais adotadas encontra-se o mapeamento das
terras indgenas, e o estabelecimento de polticas futuras, que possibilitariam um
desenvolvimento sustentvel dessas aldeias, a partir do uso da terra, sendo denominado
Plano de Gesto Territorial das Terras Indgenas.
Esse plano incluiria polticas que direcionariam a ao indgena, como a
demarcao e mapeamento participativos das terras indgenas, buscando, atravs da
reunio das teorias ocidentais e dos ensinamentos tradicionais daqueles, chegar a melhor
forma de gesto desse territrio, cabendo uma anlise participativa, no utilizando de
imposio mas de debate e deliberao.
Tendo em vista as presses sofridas pelos ndios Timbiras para o abandono
de seu territrio, constando como principais ameaas a pecuria extensiva de baixa
tecnologia, o aproveitamento intensivo dos solos para produo de gros e eucalipto e a
construo de usinas hidreltricas6, alm das madeireiras que chegaram ao Maranho
nos anos 70, se concluiu pela necessidade de se demarcar as terras habitadas por esses
povos, como forma de proteg-los desse surto desenvolvimentista, com a consoante
regularizao das suas terras.
Nesse sentido, a demarcao das terras indgenas atualmente realizada
atravs da FUNAI que reporta um antroplogo ao estudo do caso, o qual, se remetendo
inicialmente a anlise etno-histrica, sociolgica, jurdica, cartogrfica e ambiental do
territrio, delimita o espao fsico destinado ao usufruto dos indgenas.
6 CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA. Histrico Timbira. Disponvel em: http://www.trabalhoindigenista.org.br/pagina.php?p=2-1-histaorico.php. Acesso em: 06 de mar. De 2014.
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Uma vez que, como estabelece a Constituio Federal no primeiro pargrafo
do artigo 231, as terras indgenas
So terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios as por eles habitadas em carter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindveis preservao dos recursos ambientais necessrios a seu bem-estar e as necessrias a sua reproduo fsica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradies.
Todavia, compreendendo-se a forma como se d esse processo de
demarcao e tendo-se por base a concepo de que a gesto da terra deve ser realizada
pelos indgenas que a detm, infere-se, que a autodemarcao das mesmas se
configuraria como uma forma de autodeterminao. Pois que se faz notvel a
importncia da terra para o procedimento e manuteno dos mais diversos rituais,
havendo uma similaridade entre a terra habitada e a tradio que se busca postergar,
visto a organizao peculiar a cada comunidade e a preservao da memria dos mortos
e reconhecimento da identidade pelo prprio ndio a partir de elementos daquele local.
Pois que a no incluso do indgena nesses processos favorece o fenmeno
da alienao identitria do mesmo, que evolvidos em certo grau de etnocentrismo,
perdem a capacidade de se pensar como um grupo, demonstrando certa dificuldade de
interpretao da prpria identidade, que se localiza, conforme afirma Oliveira, "entre ser
e no ser ndio"(2000, p. 216). Cabendo, desse modo, a utilizao de critrios mais
subjetivos que objetivos na delimitao desse espao, em razo do que se aponta a
necessidade de haver uma participao indgena tambm na concretizao dessa
demarcao.
Para o que se apreende a necessidade, tambm, de domnio da linguagem de
modo a se assegurar "a comunicao competente no interior do discurso", condio essa
de "aprimoramento do dilogo Inter tnico e, naturalmente, de democratizao das
relaes entre ndios e no-ndios" (OLIVEIRA, 2000, P. 228).
Nesse consoante o Programa Timbira, no Maranho, institudo pelo CTI,
promove a educao dos ndios timbira, e atua na formao de profissionais dentro das
aldeias, que sejam capacitados para a realizao de dilogos culturais, fomentando a
vida acadmica e incentivando a pesquisa, para que os ndios timbiras passem a
possuir todo o aparato e conhecimento necessrios para o reconhecimento e preservao
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de sua herana cultural.
Em suma, a proposta do CTI:
Inclui a implementao de escolas nas aldeias; formao de professores indgenas, formao de jovens no processo de interfaces de seus conhecimentos com os conhecimentos da sociedade ocidental; formao continuada de jovens em gesto ambiental e culturas; coordenao de atividades socioculturais; sistematizao e monitoramento do acervo cultural Timbira7.
O objetivo principal do Projeto Timbira, desse modo, desvincular a
mediao que as ONGs e a FUNAI fazem entre ndios e o Estado; munindo-lhes de
embasamento terico para participar ativamente de deliberaes sobre questes
polticas, quer envolvam a questo do direito terra, ou mesmo a preservao de sua
cultura, vez que se sabe, conforme o demonstrado a ligao existente entre esses dois
mbitos.
Servindo como efetivao do objetivo do projeto, foram criadas a Escola
Timbira e a Cultura Viva Timbira, que so, respectivamente,
(...) resultado de vrios anos de atuao dos educadores do CTI com os povos Timbira um espao de discusso, de conhecimentos e de valorizao socioculturais, recuperando o reconhecimento da unidade sociocultural destes povos. A proposta formar os Timbira enquanto cidados crticos com conhecimentos suficientes para encarar os desafios do seu relacionamento com a sociedade envolvente..
(...) fortalecendo, h mais de 30 anos, a prtica musical e ritual dos Krah, Apinaj, Krikati, Pykobj, Apniekrs e Ramkokamekra, que formam atualmente o povo Timbira. O intercmbio de gravaes dos cantos e depoimentos entre as diferentes aldeias, distribudas em seis Terras Indgenas (...).
3 A participao do ndio como sujeito ativo na defesa de seus direitos
constitucionalmente protegidos, um vis de Governana Democrtica
O surgimento das instituies indigenistas se deu no incio do sculo XX,
decorrendo da necessidade de se proteger os direitos indgenas frente impetrao das
polticas de expanso, sendo a SPI (Servio de Proteo ao ndio) a primeira 7CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA. Aes prioritrias. Disponvel em: . Acesso em: 06 de mar. de 2015.
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organizao instituda para esse fim, tendo como base o ideal, destacado por Seplveda8
de que os ndios eram seres: Brbaros, simplrios, iletrados e no instrudos, brutos totalmente incapazes de aprender coisa que no seja atividade mecnica, cheios de vcios, cruis e de tal tipo que se aconselha que sejam governados por outros.
Constando os ndios, portanto, como indivduos incapazes de pleitear seus
prprios direitos.
Por meio do que se inferiu a necessidade do Estado lhes oferecer tutela,
defendendo seus interesses. Essa proteo baseava-se, pois, no conceito antropolgico
de meados do sculo XIX, que assimila as diferenas culturais como que centradas em
nveis de desenvolvimento, estando o ndio como um ser primitivo que era, no entanto,
apto a progredir e se tornar um cidado, constando essa assistncia como algo
provisrio, pois que se propunha buscar transformar o ndio em um trabalhador rural
ou proletrio urbano9. Promovendo, desse modo, a integrao dos povos indgenas
localizados em territrio nacional.
Em meados dos anos 60 foi criada a FUNAI, em substituio a SPI, como
forma de dar aos governantes maiores poderes sobre os ndios, principalmente sobre as
terras indgenas, possuindo, todavia, teoricamente, o propsito de atuar em prol do
estabelecimento da defesa dos direitos indgenas, atravs da conservao de seus
costumes e traos culturais e da demarcao de terras.
Tendo em vista esse atrelamento existente entre as instituies oficiais
ligadas a proteo do ndio brasileiro e o governo, surgiram ONGs que serviam como
mediadores entre os interesses dos ndios e os do Estado, pontuando as demandas
daqueles e lutando em prol da efetivao dos direitos que lhes foram
constitucionalmente reservados, a partir da comoo da sociedade civil e internacional e
do angariamento de fundos para investir na educao e sade dessas comunidades.
Em busca de acabar com a necessidade de tutela dos ndios pelo Estado,
8Juan Gins Seplveda, Demcrates segundo, o De ls justas causas de La guerra contra los ndios, apud WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O universalismo europeu: a retrica do poder. So Paulo: Boitempo, 2007, p. 33. 9 POVOS INDGENAS NO BRASIL. O servio de proteo aos ndios. Disponvel em: http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/orgao-indigenista-oficial/o-servico-de-protecao-aos-indios-(spi).
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ideia consolidada, segundo Wallerstein, com as grandes revolues anticoloniais de
meados do sculo XX, em especial no perodo entre 1945 e 1970, instituiu-se o direito
moral dos povos oprimidos de recusar a superviso paternalista dos povos que se diziam
civilizados (2007, p. 46). Surgindo, a partir da, a teorizao da participao e
corresponsabilidade indgena na gesto das polticas destinadas a eles10.
Sendo essa uma das propostas demonstradas pelo CTI, Centro de Trabalho
Indigenista, que surge em 1979 a partir da juno das vises de antroplogos que
mantinham contato com algumas aldeias e defensores da ao indigenistas.
Apresentando como objetivo oferecer recursos e assessoria tcnica, tornando os ndios,
desse modo, capacitados para atuar em prol da defesa desses direitos, principalmente no
tocante s demarcaes e defesa das terras indgenas que visando um
desenvolvimento, so invadidas por fazendeiros ou mesmo desapropriadas para a
construo de rodovias, hidreltricas, etc.
Sobreleva-se, nesse sentido, a importncia das Associaes Representativas
mantidas pelos prprios ndios, e por meios das quais, esses manifestam seu interesses
scio-poltico-culturais, sem necessitarem da mediao das instituies estatais. O que,
segundo Grupione, potencializado pela realizao do que denomina intercmbios
interculturais entre associaes indgenas e indigenistas, por meio dos quais esses se
renem para trocar experincias sobre temas e questes que lhes so comuns.
Cria-se, dessa forma,
Oportunidades de discutir temticas de interesse comum, trocando experincias e metodologias, discutindo resultados e dificuldades, e produzindo documentos para intervir nas polticas pblicas relacionadas aos povos indgenas e conservao da Amaznia. De maneira mais ampla, a troca de informaes e a sistematizao de saberes e prticas entre as organizaes indgenas e indigenistas potencializa a atuao local, regional e nacional desses atores e sua capacidade de interlocuo em reunies, fruns e colegiados, na defesa de seus interesses e pontos de vista (2011, P. 134)
Se faz necessrio, desse modo, que, segundo Oliveira, os responsveis pela
ao indigenista, sejam eles antroplogos, tcnicos ou administradores, estejam
"naturalmente imbudos dos princpios do etnodesenvolvimento e, portanto, procurem
dialogar com as lideranas locais sobre seus desejos de mudana", permeados, pois, por
10 POVOS INDIGENAS NO BRASIL. A fundao nacional do ndio. Disponvel em: http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/orgao-indigenista-oficial/funai
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um ideal de governana democrtica, visto que se insere o ndio no debate poltico de
seus direitos, promovendo, desse modo, um vis de democracia participativa
deliberativa.
Havendo, desse modo, intensa interlocuo, no que denomina de
comunidade de argumentao, "onde a troca de ideias estar baseada em argumentos",
formando, assim, uma comunidade intercultural. Indo-se de encontro, pois, ao ideal
presente nos programas desenvolvimentistas desenvolvidos em mbito estatal (2000, p.
219).
Tal modelo de etnodesenvoldimento pauta-se, na teoria de Oliveira (2000,
P.220), nos quatro princpios bases da Organizao de Profissionais Indgenas Nuas,
quais sejam: A unidade, por meio da qual se apoiam as aes na arte, produo e
educao; o sentimento de fraternidade, fraternidade essa tnica e Inter tnica; a raiz
antiga, que seria a capacidade de resgate das prprias origens; e a palavra dos ancios,
na qual se firma a memria histrica e cultural indgena.
O que vai de encontro ao ideal brasileiro manifestado pelas aes da FUNAI
atualmente, mesmo com as mudanas advindas em meados dos anos 80/90, conforme
descrito anteriormente, vez que tal organizao tem como cerne ainda o ideal de
insero dos ndios na sociedade civil, sendo esse tambm o propsito de boa parte das
ONGs que hoje funcionam.
Em vista do que, Oliveira defende a necessidade de fortalecimento de uma
autonomia poltica dos indgenas, em razo da importncia da realizao de um dilogo
Intertnico entre as lideranas indgenas, o que favorece a formao de assembleias, e a
representao poltica em nvel regional ou mesmo nacional.
CONCLUSO
Para resguardar os direitos indgenas, foi instituda a SPI, logo substituda
pela FUNAI, com a finalidade de mediar conflitos que pudessem vir a existir entre as
partes, Estado e ndio, garantindo assim uma resposta justa e sem consequncias, ou
apenas uma resposta. Entraram tambm como mediadoras as Organizaes No
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Governamentais, que surgiram ao longo do sculo XX, para efetivamente garantirem o
cumprimento dos direitos indgenas.
Tem-se claro que, por presso social interna e internacionalmente, o Estado
viu-se obrigado a no fazer, ou no ser representante, de meras mediaes. Foi preciso
efetivar as polticas indigenistas para que assim fossem garantidos e mantidos seus
direitos. Mesmo que alguns deles ainda hoje sejam feridos, como o direito terra, que
constantemente vem sendo alvo de interesses de particulares, para agricultura ou
pecuria extensiva, ou do interesse pblico, que no possuem uma forte logstica, mas
por ser a sada mais vivel, lhes so tomadas para obras como hidreltricas, usinas etc.
Um exemplo de evaso do direito terra dos indgenas a Portaria
303/2012, transformando 19 condicionantes utilizadas no julgamento da terra indgena
do povo Raposa Terra do Sol em normas e apesar de ser uma afronta a Conveno 169
da OIT, ainda houve quem a suportasse. Traz, em um de seus dispostos, o enunciado
que discorre sobre a no consulta dos povos indgenas residentes em determinada rea
que possa vir a ser, ou mesmo com a certeza de ser, utilizada para tais obras.
Para ento se ter uma viso mais crtica e selecionada sobre o assunto,
ONGs em parceria e com a consulta de antroplogos, fundaram a CTI, que tem por
objetivo a promoo da independncia desses povos com relao s ONGs e FUNAI,
representante da parte estatal, atravs da agregao dos ndios pela educao, e assim,
discernimento e amparo terico para eles mesmo deliberarem sobre seus anseios.
Com os vrios projetos que em meio a eles so implantados, como os j
citados Escola Timbira e Cultura Viva Timbira, que alm de promover e ampliar seus
conhecimentos para terem uma relao com a sociedade civil no indgena,
promovem a passagem, conversao e enaltecimento de sua cultura, por meios dos
vrios projetos secundrios que decorrem do Projeto Timbira.
Pelos conflitos no ou mal intermediados fez-se emergente a atuao de
ONGs, no caso o CTI, dentro do territrio indgena, para que com o aprendizado,
mesmo que ainda com um pouco de ocidentalizao, estes se tornassem autnomos
em relao resoluo de conflitos envolvendo terras, principalmente, mas tambm
para reivindicao dos seus outros direitos como sade e educao, que juntamente com
o direito terra so os mais questionados, sem que seja necessria a interveno estatal
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ou no estatal ou mesmo manifestaes explcitas dos prprios ndios., o que se
evidencia na formao das Associaes Indgenas e na realizao dos intercmbios
culturais.
Uma vez que, na lio de Mokasia, quando fala dos dilogos existentes
dentro das tribos no consoante aos modos de resoluo de conflitos, "quando querem
resolver alguma coisa, os chefes se renem para decidirem juntos. Ento no existe um
chefe mandando em outro chefe. Uma pessoa no pode decidir sozinha por outras
pessoas"(2015, P. 12).
O que revela a importncia de se possibilitar aos ndios que participem
como sujeitos ativos na concretizao de seus direitos, e, portanto, a importncia da
realizao dos dilogos interculturais por meio das trocas de experincias e das
Assembleias realizadas pelas tribos para a tomada de deciso, e mesmo da importncia
do papel desempenhado pelo Centro de Trabalho Indigenista dentro desse processo, que
evidencia a importncia da consolidao desse ideal de governana democrtica
traduzida por meio de novas noes do que seria a democracia, de modo a no se
perpetuar o denominado elitismo democrtico.
7. REFERENCIAL BIBLIOGRFICO
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