Post on 25-Nov-2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE CINCIAS ADMINISTRATIVAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO - PROPAD
JOS DE ARIMATIA DIAS VALADO
SEGUINDO ASSOCIAES SOCIOTCNICAS SOB A LUZ
DA TEORIA DO ATOR-REDE: UMA TRADUO DA
PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA PARA ROTINAS E
TECNOLOGIAS SOCIAIS
RECIFE
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO
CLASSIFICAO DE ACESSO A TESES E DISSERTAES
Considerando a natureza das informaes e compromissos assumidos com suas fontes,
o acesso a monografias do Programa de Ps-Graduao em Administrao da Universidade
Federal de Pernambuco definido em trs graus:
"Grau 1": livre (sem prejuzo das referncias ordinrias em citaes diretas e indiretas);
"Grau 2": com vedao a cpias, no todo ou em parte, sendo, em consequncia, restrita a consulta em ambientes de biblioteca com sada controlada;
"Grau 3": apenas com autorizao expressa do autor, por escrito, devendo, por isso, o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrio, ser mantido em local sob chave ou
custdia;
A classificao desta tese se encontra, abaixo, definida por seu autor.
Solicita-se aos depositrios e usurios sua fiel observncia, a fim de que se preservem as
condies ticas e operacionais da pesquisa cientfica na rea da administrao.
Ttulo da Monografia: Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede:
uma traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais
Nome do Autor: Jos de Arimatia Dias Valado
Data da aprovao: 06/03/2014
Classificao, conforme especificao acima:
Grau 1 X
Grau 2
Grau 3
Local e data:
Assinatura do autor
JOS DE ARIMATIA DIAS VALADO
Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede: uma
traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais
Orientadora: Dra. Jackeline Amantino de Andrade
Tese apresentada como requisito
complementar para obteno do grau de
Doutor em Administrao, rea de
concentrao em Gesto Organizacional, do
Programa de Ps-Graduao em
Administrao da Universidade Federal de
Pernambuco.
Recife
2014
Catalogao na Fonte
Bibliotecria ngela de Ftima Correia Simes, CRB4-773
V136s Valado, Jos de Arimatia Dias Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede: uma
traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais /
Jos de Arimatia Dias Valado. - Recife : O Autor, 2014.
294 folhas : il. 30 cm.
Orientador: Profa. Dra. Jackeline Amantino de Andrade.
Tese (Doutorado em Administrao) Universidade Federal de Pernambuco, CCSA, 2014.
Inclui referncias, apndices e anexos.
1. Tecnologia social. 2. Pedagogia da alternncia. 3. Rotinas. 4.
Mudanas. I. Andrade, Jackeline Amantino de (Orientador). II. Ttulo.
658.4 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2014 021)
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Cincias Sociais Aplicadas
Departamento de Cincias Administrativas
Programa de Ps-Graduao em Administrao - PROPAD
JOS DE ARIMATIA DIAS VALADO
Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede: uma
traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais
Tese submetida ao corpo docente do
Programa de Ps-Graduao em
Administrao da Universidade Federal de
Pernambuco e aprovada em 06 de maro de
2014.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________________________________
Jackeline Amantino de Andrade, Dra., UFPE (Orientadora)
__________________________________________________________________
Juvncio Braga de Lima, PhD., FUMEC (Examinador Externo)
__________________________________________________________________
Csar Augusto Tureta de Moraes, Dr., UFES (Examinador Externo)
__________________________________________________________________
Marcos Andr Mendes Primo, PhD., UFPE (Examinador Interno)
______________________________________________________________________________
Guilherme Lima Moura, Dr., UFPE (Examinador Interno)
AGRADECIMENTOS
Daniela, minha esposa, pelo amor, incentivo e apoio que me permitiu chegar at o final;
Profa. Jackeline A. Andrade, pela dedicao, pacincia e ateno que me orientou;
Ao Programa de Ps Graduao em Administrao (PROPAD/UFPE), pela oportunidade e
ateno que recebi de todos durante esses anos;
A todos os professores que contriburam para minha formao: Prof. Andr Leo, Prof.
Guilherme Moura, Prof. Walter Moraes, Profa. Jackeline Andrade, Profa. Rezilda Oliveira,
Profa. Dbora Dourado, Profa. Cristina Carvalho, Prof. Marcos Feitosa, Prof. Eduardo
Lucena, Prof. Ricardo Mendona, Prof. Srgio Alves e Prof. Marcos Primo;
Coordenao do Programa, em especial aos professores Jairo Dornellas e Walter Moraes;
Secretaria do Programa pela ateno e apoio, em especial Irani e Tatiana;
Dona Socorro e Dona Nilda, pelos inmeros cafs e a ateno desprendida durante o curso;
minha famlia, em especial minha Me, pelo incentivo e apoio;
CAPES pelo apoio financeiro;
Aos professores da Banca, Prof. Juvncio Braga, Prof. Csar Tureta, Prof. Marcos Primo e
Prof. Guilherme Moura, pela ateno de todos dedicada minha formao;
A todos os doutorandos da Turma 7 e os mestrandos da Turma 16 do PROPAD, em especial
ao Prof. Jorge Correia pelos inmeros cafs e discusses e ao Prof. Cordeiro Neto pelas
ideias, apoio e incentivo.
s demais turmas de discentes do PROPAD com quem convivi, em especial s Profas.
Vernica Macrio e Luciana Almeida pelo apoio e incentivo.
A todos da EFA Itapirema, em especial Profa. Marcia Selvatici e ao Prof. Pedro dos Santos,
pela ateno e pelo carinho;
Ao Renato Eberson pelo apoio;
AEFARO, em especial ao Geraldo, Rivelino e Elisngela, pela recepo e acolhida;
A todos da UNEFAB, em especial Iara, Myrane e Antnio Baroni.
Ao Governo do Estado de Rondnia e todas as organizaes que se fizeram presentes durante
a pesquisa e que, cada uma sua maneira, contribuiu para a coleta de dados.
A mensagem do caos, fala sobre coisas que ns podemos
determinar, mas no podemos prever. Ou seja,
matematicamente ns podemos determinar algo, mas to
instvel que rapidamente desvia da previso feita pela
equao. Isso foi algo profundo na fsica: constatar que ns
podemos determinar algo, mas no conseguimos prev-lo.
Michael Berry
Fsico especialista em Teoria Quntica
RESUMO
As Tecnologias Sociais (TS) tm sido consideradas solues viveis resoluo dos
problemas sociais e econmicos das comunidades de baixa renda, principalmente, por
envolver as prprias comunidades no desenvolvimento da tecnologia. A justificativa do
sucesso das TS se d devido adoo, diferente dos empreendimentos tecnolgicos anteriores,
dos processos de adequao sociotcnica que permitem o envolvimento de todos os
interessados. Crticas, contudo, tm mostrado que as dificuldades ainda continuam ao adequar
as TS s demandas e necessidades das comunidades atendidas. O estudo partiu da tese de que
essas dificuldades se do, pois, as bases sociotcnicas em que se baseiam as implementaes e
reaplicaes das TS, visando mudanas e transformaes sociais no so unicamente causas,
mas tambm os prprios efeitos das translaes dos atores-redes envolvidos com essas TS.
Essa argumentao foi baseada na Teoria do Ator-Rede (TAR). O caso emprico escolhido foi
a Pedagogia da Alternncia (PA). A PA um caso muito peculiar de educao do campo no
Brasil, tendo um nmero significativo de Centros Educativos no Pas na atualidade. O
Governo do Estado de Rondnia, no incio de 2011, props a PA como poltica pblica a ser
universalizada para todo o Estado. O estudo consistiu em analisar como as bases sociotcnicas
originrias de uma TS como a PA so transladadas em rotinas geradoras de mudanas e
transformaes sociais. Os procedimentos metodolgicos foram realizados em duas fases.
Uma que consistiu em acompanhar a implementao da PA ao longo de sua histria, para isso
foram realizadas anlises de documentos e entrevistas. E outra fase que consistiu em
acompanhar a disseminao da PA no estado de Rondnia, sendo realizadas entrevistas,
anlises documentais e observao participante. Alm de adotar a simetria generalizada como
base epistemolgica, a anlise foi realizada por meio da identificao e acompanhamento de
translaes. A principal concluso do estudo que a PA no se apresentou como produtos, tcnicas e/ou metodologias reaplicveis que causam transformaes sociais. Pelo contrrio, a PA fez parte das mudanas realizadas pelas associaes de atores, sendo vista
como um conjunto de inscries definidas e implementadas por cada associao resultante de
suas prprias translaes. No foi identificada reaplicao da PA, pois a mesma foi uma
implementao especfica de cada associao, por mais que as inscries e nomenclaturas
resistissem ao transladar de uma associao outra. Foi preciso considerar o implementar somente sentido de realizar, executar, por em prtica, pois cada associao realizou e dinamizou seus prprios objetivos e interesses de maneira coletiva e negociada. Os processos
rotineiros que permitiram definir a PA foram efeitos das aes dos atores que influenciaram
no delineamento de cada associao. Os atores, ao articularem passado e futuro, tanto para
assegurar suas realizaes, como para alcanar seus objetivos, fossem gerais ou especficos,
mantiveram processos rotineiros, em estados performativos e ostensivos, que possibilitaram
um processo contnuo de mudanas, sem perder, contudo, os ordenamentos traados em suas
redes.
Palavras-Chave: Tecnologia Social. Pedagogia da Alternncia. Rotinas. Mudanas. Teoria
do Ator-Rede.
ABSTRACT
Social Technologies (ST) have been regarded as impossible to solve social and economic
problems of low-income communities solutions, mainly by engaging their communities in the
development of technology. The justification of the success of ST is due adoption, different
from previous technological developments, the socio-technical adequacy of procedures that
allow the involvement of all stakeholders. However, critics have shown that difficulties still
continue to adjust the ST the demands and needs of the communities served. The study was
based on the assumption that such difficulties occur because the socio-technical bases on
which to base implementations and reapplication of ST, seeking change and social
transformation are not only causes but also the effects of own translations of actor-networks
involved those with ST. This argument was based on the Actor -Network Theory (ANT). The
empirical case chosen was the Pedagogy of Alternation (PA). The PA is a very peculiar case
of rural education in Brazil, with a significant number of educational centers in the country
today. The Government of the State of Rondnia, in early 2011, proposed the PA as a public
policy to be universalized throughout the state. The study was to analyze how socio-technical
bases originating from a ST as PA are translated into generating routines change and social
transformation. The methodological procedures were performed in two stages. One that
consisted of monitoring the implementation of PA throughout its history, for this analysis of
documents and interviews were conducted. And another phase which consisted of monitoring
the spread of PA in the state of Rondnia, interviews, documentary analysis and participant
observation being made. Besides adopting the generalized symmetry as epistemological basis,
the analysis was performed through the identification and monitoring of translations. The
main conclusion is that the PA did not appear as "products, techniques or replicable
methodologies" that "cause social change". Rather, the PA was part of the changes made by
the associations of actors, being seen as a set of entries defined and implemented by each
association resulting from their own translations. Not been identified reapplication of PA,
because it was a specific implementation of each association, however that entries and
classifications to resist translate an association to another. It was necessary to consider the
'implement' only sense of 'make', 'run', 'put into practice', because each association held and
streamlined their own goals and interests of collective and negotiated manner. The routine
processes that ascertained the effects of PA were actions of the actors that influenced the
design of each association. The actors, to articulate past and future, both to ensure their
achievements, and to achieve their goals, whether general or specific, routine processes
remained in performative and ostensive states, which enabled a continuous process of change,
without losing, however, systems outlined in their networks.
Keywords: Social Technology. Pedagogy of Alternation. Routines. Change. Actor-Network
Theory.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Momentos da Translao. 57
Figura 2 Rotina como Sistemas Gerativos. 63
Figura 4 Trajetria de Anlise de Escolha do Caso de Estudo. 68
Figura 5 Sequncia de Alternncia ou Unidade de Formao. 76
Figura 6 Distribuio dos CEFFAs no Brasil. 77
Figura 7 Fases da Coleta de Dados. 79
Figura 8 Documentos Digitais Baixados do Google Pesquisa Web. 82
Figura 9 Saturao dos Documentos de Pesquisa Google Pesquisa Web. 83
Figura 10 Modo de Seleo e Organizao dos Dados da Primeira Fase. 84
Figura 11 Modelo de Anlise dos Dados. 85
Figura 12 Deslocamentos Realizados Durante a Observao Participante. 87
Figura 13 Recorte de Notas de Campo Durante a Observao Participante. 88
Figura 14 Coleta de Documentos da Segunda Fase da Pesquisa. 91
Figura 15 Modelo de Coleta de Dados pelo Google Alerta. 92
Figura 15 Modelo de Coleta de Dados pelo Google Alerta. 93
Figura 17 Deslocamentos da Igreja Catlica e do Estado Expanso da PA. 100
Figura 18 Influncias do Personalismo e Sillon nas Definies Iniciais da PA. 104
Figura 19 Programas de Ao de Manuteno e Expanso da PA. 110
Figura 20 Principais Inscries que Possibilitaram a Translao Da PA. 117
Figura 21 Principais Problematizadores e Interessamentos de Surgimento da PA. 123
Figura 22 Inscries que Possibilitaram o Transladar da PA. 123
Figura 23 Relaes Entre os Diversos mbitos da Associao EFA. 130
Figura 24 Atores Mediadores da PA. 132
Figura 25 Relaes de Aplicao da PA. 147
Figura 26 Relaes Relevantes na Manuteno e Expanso da PA. 153
Figura 27 Centrais de Clculo de Manuteno e Expanso da PA. 164
Figura 28 Objetivos e Meios da PA. 166
Figura 29 Processo de Estabilizao da PA. 167
Figura 31 Condio Apresentada para Implantao da PA. 177
Figura 32 Recortes do Estatuto da AEFARO. 178
Figura 33 EFAs Implantadas ou em Fase de Implantao em Rondnia. 182
Figura 34 Problematizaes que Influenciam na Formao de Associaes. 202
Figura 35 Atores, Objetivos e Relaes Identificadas nas Associaes EFAs. 202
Figura 36 - Principais Foras e Efeitos Identificados nas Associaes EFAs. 204
Figura 37 Implantao do Grupo de Trabalho para Expanso da PA em Rondnia. 206
Figura 38 Parcerias para Implantao de Centros Educativos em Rondnia. 213
Figura 39 Envolvimento das Organizaes no Trabalho de Expanso da PA. 215
Figura 40 Reportagens sobre a Lei Escolas Guapor do Campo. 216
Figura 41 Mudanas no Processo de Expanso da PA. 218
Figura 42 Diferentes Vises dos Atores Envolvidos na Expanso da PA. 221
Figura 43 Discusses sobre PA em Rondnia e Participao do Governo do Estado. 223
Figura 44 Deslocamento dos Principais Atores Durante a Expanso da PA. 235
Figura 45 Indissociabilidade Entre as Relaes Associativas de Implantao da PA. 239
Figura 46 Implantao da PA Pelas Relaes de Atores-Redes. 241
Figura 47 Principais Atores Aliados na Implantao e Aplicao da PA. 244
Figura 48 Movimento dos Atores na Translao da PA. 250
Figura 49 PA como Inscries dos Atores em Busca de Alcance de Objetivos. 252
Figura 50 Influncia das Rotinas na Evidenciao da PA. 261
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Crticas Tecnologia Apropriada. 20
Quadro 3 Menes da Relevncia Social da PA. 69
Quadro 4 Instrumentos Metodolgicos da PA. 74
Quadro 5 Processo da Alternncia em Trs Momentos. 75
Quadro 6 Centros Familiares de Formao por Alternncia (CEFFAs/Brasil). 78
Quadro 7 Documentos Fsicos Coletados. 81
Quadro 8 Obteno de Dados Secundrios de Entrevistas. 83
Quadro 9 Entrevistas Realizadas Durante a Pesquisa. 89
Quadro 10 Estrato de um Estatuto de uma Organizao CEFFA. 96
Quadro 11 Dilogo entre Jean Peyrat e Abb Granereau. 107
Quadro 12 Estatuto do SCIR em 1935. 108
Quadro 13 Designaes Organizativas que Aplicam a PA no Brasil. 172
Quadro 13 Designaes Organizativas que Aplicam a PA no Brasil. 173
Quadro 14 Caractersticas das EFAs Pioneiras em Rondnia. 187
Quadro 15 Caractersticas das EFAs Implantadas Recentemente em Rondnia. 190
Quadro 16 Caractersticas das Associaes EFAs em Implantao em Rondnia. 196
Quadro 17 Principais Deslocamentos e Inscries Localizadas nas Associaes EFAs. 203
Quadro 18 Organizaes Envolvidas na Expanso da PA em Rondnia. 208
Quadro 19 Associaes EFAs Formadas em Rondnia e a Participao do Estado. 228
Quadro 20 Caractersticas das Aes Recentes de Implantao da PA em Rondnia. 231
Quadro 21 Depoimentos Sobre a Mobilizao Social na Implementao da PA. 237
Quadro 22 Depoimento sobre a Apropriao e Expanso da PA. 246
Quadro 23 Depoimentos Sobre Apropriaes da Rotina da PA. 249
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AEFARO Associao das Escolas Famlia Agrcola de Rondnia
AES Associao dos Amigos do Estado do Esprito Santo
AIMFR Associao Internacional das Casas Familiares Rurais
ARCAFAR Associao das Casas Familiares Rurais
AST Adequao Sociotcnica
ATER Assistncia Tcnica e Extenso Rural
CA Caderno da Alternncia
CAIXA Caixa Econmica Federal
CD Caderno Didtico
CEB Cmara de Educao Bsica
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CEE Conselho Estadual de Educao
CEFFA Centro Familiar de Formao por Alternncia
CNE Conselho Nacional de Educao
CNP Centro Pedaggico Nacional
CNPq Conselho Nacional Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CONAE Conferncia Nacional de Educao
CONTAG Confederao dos Trabalhadores na Agricultura
CPT Comisso Pastoral da Terra
CR Caderno da Realidade
EFA Escola Famlia Agrcola
EMATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecurias
ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio
GE Governo do Estado
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
IFOCAP Instituto de Formao dos Dirigentes Agricultores
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
MCC Movimento Campons Corumbiara
MDA Ministrio de Desenvolvimento Agrrio
MEC Ministrio de Educao
MEPES Movimento de Educao Promocional do Esprito Santo
MFR Maison Familiale Rurale
MST Movimento dos Sem Terra
ONGs Organizaes No Governamentais
OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PA Pedagogia da Alternncia
PF Plano de Formao
PIC Projeto de Integrao e Colonizao
PLANAFORO Plano Agropecurio e Florestal de Rondnia
PNLD Programa Nacional do Livro Didtico
PROMANEJO Projeto de Apoio ao Manejo Florestal Sustentvel na Amaznia
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PTTA Programa de Transferncia de Tecnologia Apropriada
PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
RO Rondnia
SEAGRI Secretaria de Estado de Agricultura
SEDUC Secretaria de Estado de Educao
SFR Scuolas della Famiglia Rurale
TA Tecnologia Apropriada
TAR Teoria do Ator-Rede
TI Tecnologia Intermediria
TS Tecnologia Social
UCB Universidade Catlica de Braslia
UEMA Universidade Estadual do Maranho
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFES Universidade Federal do Esprito Santo
UFMA Universidade Federal do Maranho
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNB Universidade de Braslia
UNEFAB Unio Nacional Escolas Famlia Agrcola
UNMFREO Associao Nacional das Casas Familiares Rurais para Educao e Orientao
VE Visitas de Estudo
SUMRIO
1 INTRODUO 17
1.1 Problema de Pesquisa 34
1.2 Objetivos da Pesquisa 34
1.2.1 Objetivo Geral 34
1.2.2 Objetivos Especficos 34
1.3 Justificativa 34
1.4 Estrutura da Tese 36
2 TEORIA DO ATOR-REDE (TAR) 39
2.1 Consideraes iniciais sobre a TAR 39
2.2 Irredutibilidade como ontologia dos atores-rede 44
2.3 Simetria generalizada como epistemologia da TAR 50
2.4 Ao como base para translao das redes de atores 54
2.5 Rotinas e mudanas como efeitos de translaes 59
3 DELINEAMENTO DA PESQUISA 66
3.1 Consideraes terico-empricas sobre a pesquisa 66
3.2 Estudo de caso 67
3.3 Caracterizao do caso estudado 74
3.4 Coleta e anlise dos dados 79
3.4.1 Primeira fase: implementao da PA 80
3.4.2 Segunda fase: reaplicao da PA 85
4 PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA (PA) 95
4.1 Translaes iniciais de surgimento da PA 95
4.1.1 Pontos de passagens obrigatrios igreja e ao Estado 95
4.1.2 Personalismo e Sillon como interessamentos iniciais 100
4.2 Problematizaes iniciais de formao da PA 105
4.3 Programas de ao de definio da PA 109
4.4 Inscries da PA como metodologia educativa 116
4.5 Consideraes finais sobre a formao da PA na Frana 121
5 TRANSLAES E ORDENAMENTOS DA PA 125
5.1 Estratgias translativas dos atores 125
5.1.1 Manuteno dos objetivos 126
5.1.2 Presena e participao de aliados 131
5.1.2.1 Atuao dos humanos 132
5.1.2.2 Atuao dos no-humanos 137
5.1.2.3 Programas de ao 143
5.1.3 Resoluo das controvrsias 148
5.1.4 Futuro das inscries 154
5.1.4.1 Elaborao e disseminao de material didtico-pedaggico 155
5.1.4.2 Proximidade com as Universidades 156
5.1.4.3 Relao com as instituies pblicas 158
5.1.4.4 Reconhecimento no mbito socioprofissional 160
5.1.5 Centro Pedaggico 162
5.2 Consideraes finais sobre as translaes da PA 165
6 TRANSLAO DA PA NO ESTADO DE RONDNIA 169
6.1 Transladar da PA no Brasil 169
6.2 Transladar da PA no estado de Rondnia 174
6.3 Expanso das EFAs em Rondnia 180
6.3.1 Centros pioneiros da PA em Rondnia 183
6.3.2 EFAs implantadas na ltima dcada no Estado 189
6.3.3 Regies que no possuem centros educativos 195
6.4 Consideraes finais sobre a translao da PA no estado de Rondnia 201
7 EXPANSO DA PA NO ESTADO RONDNIA 205
7.1 Problematizaes iniciais de expanso da PA 205
7.2 Interessamentos iniciais de reaplicao da PA 207
7.3 Definies para expanso da PA 211
7.4 Controvrsias sobre a expanso 214
7.5 (In)Dependncia das associaes locais em implantar a PA 222
7.6 Novas estratgias de ao 232
7.7 Concluso dos atores: tudo questo de mobilizao social 235
7.8 Consideraes finais sobre a expanso da PA no estado de Rondnia 240
8 CONSIDERAES FINAIS 251
REFERNCIAS 271
APNDICE A 284
APNDICE B 287
APNDICE C 290
ANEXO A 291
ANEXO B 292
ANEXO C 293
ANEXO D 294
1 INTRODUO
No final do sculo XIX e durante o todo sculo XX muitas crticas foram feitas ao
modelo de desenvolvimento baseado no capital e nos desenvolvimentos tecnolgicos em larga
escala (BOULDING, 1965; HARDIN, 1968; GEORGESCU-ROEGEN, 1986; MEADOWS et
al, 1992; HOHDE, 1994; LEFF, 2006; BURSZTYN, 2001; BARTOLO JR; BURSZTYN,
2001). Esse modelo acentua as diferenas entre ricos e pobres, explora alm dos limites
aceitveis os recursos naturais e coloca em risco as garantias de sobrevivncia das geraes
futuras (RAMOS, 1989; CAVALCANTI, 2001; FURTADO, 2004; MARTINEZ-ALIER,
2007). Em oposio a esse modelo desenvolvimentista, cada vez mais foi sendo proposto um
desenvolvimento sustentvel, solidrio e ambientalmente responsvel (MEBRATU, 1998;
CAVALCANTI, 2001; SACHS, 2002, 2007; DALY, 2005; VEIGA, 2006, 2008). Os Estudos
em Cincia e Tecnologia (MACKENZIE; WAJCMAN, 1985; BIJKER; HUGHES; PINCH,
1987), em Filosofia da Tecnologia (MUMFORD, 1955; MITCHAM, 1989, 1995;
HARAWAY, 1995; LATOUR, 2000, 2001; IDHE, 2004; DUSEK, 2006) e nas abordagens
conceituais emergentes em tecnologia (TRIST, 1981; EMERY, 1972; BIJKER, 1993;
LATOUR, 1994b; PINCH; BIJKER, 1987; ORLIKOWSKI, 2010) comearam a incorporar
uma necessidade de responsabilidade tcnica e social aos modos atuais de produo. As
Tecnologias Sociais (TS) foram sendo introduzidas nas discusses terico-empricas como
solucionadoras dos problemas ocasionados pelos modelos de desenvolvimento baseados nas
tecnologias em larga escala. Recentemente cada vez mais estudos confirmam a eficincia das
TS em promover desenvolvimento sustentvel (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010;
NOVAES; DIAS, 2010; THOMAS; FRESSOLI, 2010; DAGNINO, 2010; HERRERA, 2010;
THOMAS, 2009; FONSECA, 2009).
A emergncia do conceito de TS acontece no final do sculo XIX. Possivelmente os
primeiros a usarem o termo TS foram os pesquisadores da Escola de Chicago, principalmente
Small (1898) e Henderson (1901). Small (1898) na tentativa de encontrar metodologias
apropriadas para tornar conhecveis os problemas sociais, considerava que era necessrio
conhecer a realidade humana mais amplamente do que at ento tinha sido considerada. A
realidade humana, para Small (1898), era composta por um cosmos formado pelo mundo
das coisas e pelo mundo das pessoas. Por convenincia, segundo ele, a Sociologia faz a
diviso entre esses mundos, tornando a realidade observvel pertencente, ou ao mundo das
17
18
coisas, ou ao reino social. Ao estudar materiais, fatos ou eventos, Small (1898) entendia que
se estava estudando fases de um fenmeno social. A compreenso desses fenmenos, todavia,
s seria possvel por meio de um amplo conhecimento dos fatos e leis que os envolviam. As
TS eram vistas por Small (1898) como sendo o uso desses conhecimentos para que fosse
possvel alcanar os objetivos racionais sociais que se esperava com a Sociologia.
Henderson (1901) entendia, por seu turno, que uma tecnologia s pode ser considerada
como TS quando todos os elementos que dizem respeito ao bem-estar social estiverem
envolvidos e quando todos os membros pertencentes comunidade forem afetados. Para ele
as TS esto relacionadas (a) ou a um sistema de princpios de uma organizao ou
comunidade, pequena ou grande, com vistas a uma finalidade; (b) ou a um sistema ou
mecanismo adaptado, decorrentes de um grupo natural ou classe da sociedade, para promover,
da melhor maneira possvel, todos os interesses desses em harmonia com o interesse de toda a
comunidade ou; (c) a um mtodo de seleo de um problema, que no possvel um
tratamento adequado por uma cincia social especfica, mas que requer a coordenao e
cooperao de muitos ou de todos os meios disponveis pela comunidade para solucion-lo
(HENDERSON, 1901, p. 471). A partir dessas condies, TS, para Henderson (1901, p. 472,
traduo nossa), era conceituada como sendo
[...] um sistema de organizao consciente e proposital de pessoas, em que cada
organizao social, real e natural encontra seu verdadeiro lugar, e todos os fatores
em harmonia cooperam para realizar um conjunto cada vez maior e em propores
mais desejadas de sade, riqueza, beleza, conhecimento, sociabilidade e equidade".
Nessa mesma poca, paralelo ao conceito de TS, estava sendo desenvolvido o conceito
de Tecnologia Apropriada (TA). Sarovaya Gandhi foi considerado um dos propulsores do
conceito de TA. Em 1909, conforme dito por Herrera (2010), Gandhi j defendia uma poltica
cientfica e tecnolgica que garantisse desenvolvimento e bem estar para as pessoas. Suas
ideias envolviam a atualizao de tcnicas locais, a adaptao da tecnologia moderna e das
condies ambientais da ndia ao incentivo pesquisa cientfica e tecnolgica para resolver
problemas relevantes e com resolues imediatas.
Para Herrera (2010), Gandhi definiu que a tecnologia devia ser apropriada
contextualmente em um enfoque integrado de desenvolvimento social, econmico e cultural.
Esses pressupostos, a partir da repercusso dos esforos de Gandhi para melhoria das
condies do povo indiano, se espalharam para outras regies e esferas polticas. Brando
(2001, p. 31) destaca a esse respeito que as [...] ideias de Gandhi foram aplicadas,
primeiramente, na Repblica Popular da China, e, depois, foram retomadas e reconstrudas,
19
no Ocidente, por Schumacher. Mas essa expanso no ocorreu de imediato. Ocasionado
devido, principalmente, ao modelo de industrializao que se intensificou nas dcadas de
1920 a 1950, somente na dcada de 1960 que as ideias de Gandhi se proliferam
(BRANDO, 2001; HERRERA, 2010). Enquanto outras vertentes a consideraram como
Tecnologias Apropriadas (TA), Schumacher a definiu como Tecnologia Intermediria (TI).
Herrera (2010, p. 25, traduo nossa) fala a esse respeito que
A primeira [intermediria] foi proposta por Schumacher em meados dos anos 1960.
Refere-se a uma tecnologia que requer menos inverso de capital para cada posto de
trabalho que a correntemente em uso. Deveria ser em pequena escala,
descentralizada, com relevncia rural, baseada em recursos locais e de
funcionamento e manuteno simples. Tecnologia apropriada foi usada pelos
planejadores indianos no incio dos anos 1960 com significado, na prtica, muito
similar ao proposto por Schumacher, de tecnologia intermediria.
A partir de modelos como esse proposto por Gandhi, comeou a proliferar novas
produes terico-empricas alternativas aos modelos convencionais de tecnologia
(THOMAS, 2009). O objetivo explcito dessas alternativas tecnolgicas tem sido responder
problemtica de desenvolvimento comunitrio, de gerao de servios e de alternativas
tecnoprodutivas em cenrios socioeconmicos caracterizados por situaes de pobreza ou de
extrema pobreza. Mas foi a partir da dcada de 1960, com a proposio de Lewis Mumford de
tcnicas democrticas que esse corpo de conhecimento se intensifica (THOMAS, 2009).
Mumford (1964) denuncia os riscos polticos de produo em escala e prope o
desenvolvimento de tecnologias democrticas caracterizadas pela produo em pequena
escala. Seu argumento prope substituir tcnicas autoritrias tradicionais por tcnicas
democrticas que possibilitasse a participao direta das populaes de baixa renda.
As dcadas seguintes foram marcadas pela tentativa de introduzir o conceito de
tecnologias apropriadas s discusses de Cincia e Tecnologia. Divididas at a dcada de
1980 em vrias fases, principalmente por uma fase conhecida como tecnologias
intermedirias, mas que em grosso modo enfatizavam a necessidade de produzir em pequenas
escalas, com o uso de tecnologias prontas, de fcil uso, baixo custo e consumo energtico e
que fizessem uso de intensiva mo-de-obra (THOMAS, 2009; AKUBUE, 2000; GRAEML,
1996). As crticas, porm, deixaram claro que a implementao de tecnologias intermedirias
e apropriadas, sem prvio questionamento da racionalidade tecnolgica ocidental dominante
acarreta uma concepo neutra e, portanto, determinista da tecnologia como meio de mudana
social (RYBCZYNSKI, 1980; DAGNINO; NOVAES, 2005; THOMAS, 2009).
Em consequncia, a dcada de 1990 foi marcada pela busca de sair do problema
conceitual das tecnologias apropriadas e instrumentalizar tecnologias alternativas. Essas
20
tecnologias deveriam estar representadas em mquinas, tcnicas e instrumentos necessrios
que refletissem e mantivessem formas de produo social no opressoras, no manipuladoras
e uma relao no exploratria com o meio ambiente natural (THOMAS, 2009).
Denominadas tambm de alternativas ou, mais recentemente, de inovaes sociais
(MARTIN; OSBERG, 2007) ou grassroots (GUPTA, SINHA; JORADIA; et al, 2003), o
objetivo dessas tecnologias tem sido responder problemtica de desenvolvimento
comunitrio, de gerao de servios e de alternativas tecnoprodutivas em cenrios
caracterizados por situaes de baixo desenvolvimento econmico e social, se considerados
os parmetros atuais de ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outros ndices oficiais
das naes.
Esse conjunto de tecnologias, contudo, tem recebido crticas, desde sua concepo, at
seu desenvolvimento e uso. Herrera (2010, p. 27, traduo nossa) fala nesse sentido que
[...] a diferena principal entre tecnologia moderna e tecnologia apropriada [e demais tecnologias alternativas] que a primeira representa um conjunto completo de tecnologias coerentes, enquanto a ltima, at agora, somente uma
variedade de diferentes solues tcnicas. A explicao que a tecnologia ocidental
inclui um conceito integrado de desenvolvimento, enquanto as tecnologias
apropriadas existentes refletem uma aproximao pouco sistemtica sem um
contexto scio-econmico para dar-lhes a coerncia necessria.
As TAs e suas derivaes foram consideradas como inseridas dentro dos padres
tcnico-cientfico atuais no se diferenciando substancialmente das ideias fundamentadas no
paradigma moderno. Ou seja, as TAs foram percebidas como pertencentes s concepes de
neutralidade cientfica e determinismo tecnolgico. Pressupunha-se a cincia como uma
incessante e interminvel busca da verdade livre de valores e a tecnologia como uma evoluo
linear e inexorvel em busca da eficincia (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010, p.
79). No Brasil, enquanto, por um lado, os programas oficiais de TA se enfraqueciam, como
foi o caso do Programa de Transferncia de Tecnologias Apropriadas (PTTA), na dcada de
1980, realizada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
(CNPq) (ALBUQUERQUE, 2009; FREITAS, 2012), as crticas tambm se tornavam cada
vez mais contundentes. Garcia (1987) enumerou algumas dessas crticas oriundas de um
Seminrio sobre tecnologias apropriadas, realizado em So Paulo, nos dias 26 e 27 de
setembro de 1985, conforme pode ser visualizado no quadro 1.
Quadro 1 Crticas Tecnologia Apropriada.
Crtica Contedo
Unidimensional
Vocs esto complicando demais a questo; Para que esta doidura de variveis sociais, polticas e ecolgicas?; Tecnologia tecnologia - ora! - apenas um fator de produo.
(Continua)
21
Imponente Tecnologia algo que se adquire no mercado internacional, produzida por naes mais poderosas e de maiores recursos.
Crtica Contedo
Inautntica Os pases subdesenvolvidos no tm capacidade para produzir uma tecnologia realmente significativa.
Paradigmtica
O paradigma tecnocrtico tem como objetivo central de investigao o mercado. Este visto como constitudo de inmeros agentes que realizam
transaes exclusivamente como produtores ou consumidores. Isto implica que
todo comportamento econmico seja visto como comportamento de mercado e
que toda deciso econmica seja, direta ou indiretamente, uma deciso de
mercado.
Nominalista
A tecnologia apropriada no existe.; Tem muitos nomes diferentes.; Vocs, adeptos da tecnologia apropriada, nem sabem o que ela - so incapazes de
defini-la.
Pseudorealista
A proposta da tecnologia apropriada ingnua.; invivel e romntica. saudosista e retrgrada, pois prope um retorno s formas de vida e de produo
tradicionais e pouco produtivas.
Maniquesta
Em verdade, o que se quer com a tecnologia apropriada impedir o desenvolvimento dos pases do Terceiro Mundo.; No querem que a gente chegue l.; No se quer um desenvolvimento econmico compatvel com os padres internacionais.
Pseudoprogressista
A tecnologia apropriada refora o gap tecnolgico entre os povos do Terceiro Mundo e as naes desenvolvidas.; Consolida a dependncia e a organizao internacional do trabalho.; Condena os pases do Terceiro Mundo a serem exportadores de produtos pouco elaborados e de baixa densidade tecnolgica.
Fonte: Garcia (1987, p. 27-28).
Em resposta a essas crticas, recentemente as TS tm ganhado adeses em diversas
reas e um novo conjunto de trabalhos terico-empricos comeam a ser documentados
(DAGNINO, BRANDO; NOVAES, 2004; DIAS; NOVAES, 2010; THOMAS; FRESSOLI,
2010; DAGNINO, 2010; HERRERA, 2010; THOMAS, 2009; FONSECA, 2009). Esses
trabalhos tem argumentado, principalmente, que as TS so alternativas s discusses
anteriores por superar essa linearidade do modelo difusionista. A soluo desenvolver as TS
por meio de uma adequao sociotcnica (NOVAES; DIAS, 2010; DAGNINO;
BRANDO; NOVAES, 2010), aplicada com critrios suplementares aos tcnico-econmicos
usuais e aos processos de produo e circulao de bens e servios, com otimizao de seus
benefcios para os todos os envolvidos com essa tecnologia (DAGNINO; BRANDO;
NOVAES, 2010). A abordagem da Adequao Sociotcnica (AST) busca transcender a viso
esttica e normativa, de TS como produto idealizado a priori e introduzir a ideia de que a
tecnocincia em si um processo de construo social e, portanto, poltico (DAGNINO,
2010). As TS devem ser operacionalizadas contextualmente, sendo que seu resultado final
depende do contexto e da interao realizada entre os atores envolvidos.
Nesse sentido,
(Concluso)
22
A AST pode ser entendida como um processo que busca promover uma
adequao do conhecimento cientfico e tecnolgico (esteja ele j
incorporada em equipamentos, insumos e formas de organizao da
produo, ou ainda sob a forma intangvel e mesmo tcita), no apenas aos
requisitos e finalidades de carter tcnico-econmico, como at agora tem
sido o usual, mas ao conjunto de aspectos de natureza scio-econmica e
ambiental que constituem a relao Cincia, Tecnologia e Sociedade. No
contexto da preocupao com os empreendimentos solidrios, a AST teria
ento por objetivo adequar a tecnologia convencional da empresa capitalista
(e, inclusive, conceber alternativas) aplicando critrios suplementares aos
tcnico-econmicos usuais a processos de produo e circulao de bens e servios em circuitos no formais, situados em reas rurais e urbanas visando
a otimizar suas implicaes (NOVAES; DIAS, 2010, p. 145-146).
Com a AST, as TS passaram a ser consideradas, alm de suas possibilidades
ideolgicas, mas tambm seus processos e suas condies de operacionalidade (DAGNINO;
BRANDO, NOVAES, 2010; NOVAES; DIAS, 2010; THOMAS; FRESSOLI, 2010;
FREITAS, 2012). O quadro 2 mostra algumas modalidades bsicas que esto sendo aplicadas
para realizao de intervenes tecnolgicas, considerando os pressupostos da AST para o
desenvolvimento de TS.
Quadro 2 Modalidades de Adequao Sociotcnica.
Uso: O simples uso da tecnologia (mquinas, equipamentos, formas de organizao do processo de trabalho etc.)
antes empregada (no caso de cooperativas que sucederam a empresas falidas), ou a adoo de tecnologia
convencional, com a condio de que se altere a forma como se reparte o excedente gerado, percebida como
suficiente.
Apropriao: concebida como um processo que tem como condio a propriedade coletiva dos meios de
produo (mquinas, equipamentos), implica em uma ampliao do conhecimento, por parte do trabalhador, dos
aspectos produtivos (fases de produo, cadeia produtiva etc.), gerenciais e de concepo dos produtos e
processos, sem que exista qualquer modificao no uso concreto que deles se faz.
Revitalizao ou repotenciamento das mquinas e equipamentos: significa no s o aumento da vida til das
mquinas e equipamentos, mas tambm ajustes, recondicionamento e revitalizao do maquinrio. Supe ainda a
fertilizao das tecnologias antigas com componentes novos. Ajuste do processo de trabalho: implica a adaptao da organizao do processo de trabalho forma de
propriedade coletiva dos meios de produo (pr-existentes ou convencionais), o questionamento da diviso
tcnica do trabalho e a adoo progressiva do controle operrio (autogesto).
Alternativas tecnolgicas: implica a percepo de que as modalidades anteriores, inclusive a do ajuste do
processo de trabalho, no so suficientes para dar conta das demandas por AST dos empreendimentos
autogestionrios, sendo necessrio o emprego de tecnologias alternativas convencional. A atividade decorrente
desta modalidade a busca e seleo de tecnologias existentes.
Incorporao de conhecimento cientfico-tecnolgico existente: resulta do esgotamento do processo
sistemtico de busca de tecnologias alternativas e da percepo de que necessria a incorporao produo de
conhecimento cientfico-tecnolgico existente (intangvel, no embutido nos meios de produo), ou o
desenvolvimento, a partir dele, de novos processos produtivos ou meios de produo, para satisfazer as
demandas por AST. Atividades associadas a esta modalidade so processos de inovao de tipo incremental,
isolados ou em conjunto com centros de P&D ou universidades.
Incorporao de conhecimento cientfico-tecnolgico novo: resulta do esgotamento do processo de inovao
incremental em funo da inexistncia de conhecimento suscetvel de ser incorporado a processos ou meios de
produo para atender s demandas por AST. Atividades associadas a esta modalidade so processos de
inovao de tipo radical que tendem a demandar o concurso de centros de P&D ou universidades e que implicam
na explorao da fronteira do conhecimento.
Fonte: Freitas (2012, p. 113) baseado em Dagnino, Brando e Novaes (2004, p. 37-40).
Os pressupostos tericos e as modalidades de AST passam a permitir duas
possibilidades bsicas para as TS diferentes do que ocorreu com as experincias anteriores. A
23
primeira prtica, pois trata da operacionalizao de aes de fomento, planejamento,
capacitao e desenvolvimento de solues aos problemas sociais, tcnicos, polticos,
econmicos e ambientais. Isso para todos os envolvidos, tanto os gestores das polticas sociais
e de Cincia e Tecnologia, como para pesquisadores, professores, alunos, tcnicos,
trabalhadores e demais envolvidos com os empreendimentos solidrios (DAGNINO, 2010).
A segunda conceitual,
[...] a AST pode ser entendida como um processo inverso ao da construo, em que
um artefato tecnolgico sofreria um processo de adequao aos interesses polticos
de grupos sociais relevantes distintos daqueles que o originaram. Definido como um
processo, e no como um resultado (uma tecnologia desincorporada ou incorporada
em algum artefato) a ser obtido tal como concebia o movimento de Tecnologia
Apropriada (TA), a AST substitui a idealizao tpica do laboratrio pela prtica
concreta dos movimentos sociais (NOVAES; DIAS, 2010, p. 144).
Com a introduo da AST nos estudos em TS, a dualidade entre o social e o
tecnolgico foi superada na medida em que presumvel que comunidades, organizaes,
materiais, tcnicas, profissionais, governos e outros atores aceitam, rejeitam e transformam as
prprias TS nas quais desenvolvem ou fazem uso. A partir dessa abordagem ficou evidente
tambm nas discusses terico-empricas que da mesma forma que o tcnico socialmente
construdo o social tecnicamente conformado. As conexes se formam tanto pela atuao do
tcnico como pelo social, em consequncia, a adjetivao sociotcnica no meramente uma
combinao ntima de fatores sociais e tcnicos (BIJKER, 1993), ela a prpria unidade de
anlise dos estudos empricos sobre TS.
A partir da introduo da AST, tem sido evidenciado que as TS so geradoras de
solues viveis s comunidades atendidas (THOMAS, 2009; THOMAS, FRESSOLI, 2010).
Primeiro ao problema social. As TS so viveis, pois possibilitam novas articulaes no
campo da Cincia e Tecnologia, integrando inovao e desenvolvimento na gerao de novos
comportamentos diante das demandas sociais. Segundo ao problema cognitivo. Com as TS, as
conceituaes originais de excluso so abandonadas e passa-se a conceb-las como sistemas
tecnolgicos orientados gerao de dinmicas de incluso, com vias resoluo de
problemas sociais e ambientais (THOMAS, 2009, p. 46). Terceiro, no plano terico-
conceitual. Conceitualmente as TS superam as limitaes de concepes lineares, em termos
de transferncia e difuso, mediante a percepo de dinmicas de integrao em sistemas
sociotcnicos e processos de ressignificao de tecnologias (THOMAS; FRESSOLI, 2010).
Quarto, no plano socioeconmico. As TS geram ganhos econmicos, por meio de incluso,
emprego, integrao de sistemas de servios, educao e outros meios que originam novas
possibilidades e oportunidades aos padres produtivos atuais. E, por ltimo, no plano poltico-
24
institucional. A realizao de experincias com base em TS supe tambm vantagens
polticas: resoluo de problemas de incluso, seleo de objetivos e beneficirios e,
legitimao e visibilidade da ao governamental (THOMAS; FRESSOLI, 2010, p. 226).
Por outro lado, como nos modelos anteriores, continua no sendo fcil desenvolver e
implementar TS. Muitos dos desenvolvimentos tecnolgicos baseados em TS so
descontinuados ou geram significativos efeitos no desejados. Casos como o programa de
biodigestores na ndia, nos meados da dcada de 1960 e os coletores de nvoa no Chile, no
fim da dcada de 1980, so somente duas experincias que ficaram marcadas na literatura
como exemplos mal sucedidos de implantao de TS. So vrios os fatores que levam as TS a
falharem. No mbito poltico-institucional, os servios comunidade atendida so
privatizados; no mbito socio-institucional h inexistncia de estrutura local permanente para
a tomada de decises e gesto da tecnologia; no mbito sociocultural h desconfiana da
populao pela tecnologia implementada, bem como h impedimento devido tabus
religiosos e pelo sistema de diviso social do trabalho onde a tecnologia foi adotada e, dentre
outros; no mbito socioeconmico, h problemas de conflitos de direito de propriedade e de
atribuio do preo da matria-prima necessria para os processos da tecnologia (THOMAS,
2009).
A pergunta que tm sido feita por que as TS fracassam se, diferentemente dos
tradicionais desenvolvedores de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), os principais envolvidos
com essas tecnologias so os movimentos sociais, cooperativas populares, Organizaes No
Governamentais (ONGs), unidades pblicas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), divises
governamentais, organismos descentralizados e empresas pblicas? (THOMAS, 2009, p. 27).
A resposta que mais comumente tem sido discutida a de que, apesar de sinalizar integraes
de diversos setores da sociedade, inclusive com a presena das prprias comunidades, as
organizaes envolvidas ainda se limitam a reunir, organizar, articular e integrar um
conjunto de instituies com o propsito de contribuir para a promoo do desenvolvimento
sustentvel mediante a difuso e a reaplicao em larga escala de TS (SANTOS, 2008, p.
22).
Ao basear na difuso e reaplicao, as implementaes das TS tm sido realizadas em
trs fases bsicas (OTTERLOO, 2009): a adoo de TS como polticas pblicas; a
apropriao das TS por parte das comunidades e; o desenvolvimento de novas TS. A
definio de TS compreendendo um conjunto de produtos, tcnicas e metodologias
reaplicveis, desenvolvidas em interao com a comunidade e que reapresentam efetivas
solues de transformao social (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010) refora esses
25
passos. Se, por um lado, essa definio mostra os avanos que as TS representam face s
formas anteriores de tecnologia, principalmente ao considerar a participao das
comunidades, por outro lado, mostra suas limitaes conceituais por focar em um simples
conjunto de tcnicas e metodologias (OTTERLOO, 2009; DAGNINO, 2010).
O principal entrave para promoo das TS continua sendo sua proximidade conceitual
com a perspectiva difusionista, apesar de suas crticas aos modelos de TA. No seu
desenvolvimento, continua havendo uma fase de criao, da qual s se torna conhecida
quando h um reconhecimento da inovao que a gerou, seja de uma empresa, rgo
governamental ou iniciativa comunitria, mas ficando evidente que h um macro-ator
(LATOUR, 2000) que detm a responsabilidade da descoberta (SERRES, 1996) e dita
como ela deve ser reaplicada. Uma fase de transporte, que compreende a definio de quem
sero os representantes intermedirios dessa tecnologia, ou como disse Callon (1986), quem
sero seus porta-vozes e que garantiro sua manuteno, disseminao e originalidade (caixa-
preta). E por ltimo o emprego pelos usurios ou consumidores dessa tecnologia, que em
consequncia de sua aplicabilidade tcnica, tm seu uso definidor e condicionador das aes
desses usurios. s comunidades usurias resta sua aplicao ou, quando muito, a
readequao sua realidade, sendo teis para validar a eficincia dessa tecnologia e permitir
que sua difuso continue.
Com isso, so vrias as perguntas que tm sido levantadas e que ainda continuam sem
respostas com relao aos estudos em TS (THOMAS, 2009, p. 59). Por exemplo, como uma
TS se torna uma soluo tecnolgica adequada aos problemas sociais nas localidades onde
implantada? Como seus riscos, disfunes e efeitos no desejados so superados? Como a TS
articulada em seus processos rotineiros e nas dinmicas locais em que desenvolvida? Que
capacidades locais so requeridas para seu desenvolvimento? Como usurios finais
(movimentos sociais, ONGs, cooperativas populares, organizaes de base, governos e
outros) tornam-se participantes do seu processo de implementao? Como o sistema
cientfico e tecnolgico local aportam solues para seus resultados satisfatrios? Como
recursos humanos cientficos e tecnolgicos, altamente qualificados e disponveis se
relacionam na gerao de inovaes em sua continuidade em diferentes localidades? Como
ela avaliada e administrada? Como possibilita a gerao de novas estratgias de
desenvolvimento?
Esta tese levanta uma hiptese sobre as dificuldades que os estudos em TS ainda tm
para responder perguntas como essas. Apesar de se basear em AST, os estudos em TS faltam
assumir os atores como eles devem ser ontologicamente considerados na perspectiva
26
sociotcnica, ou seja, como atores-redes. A origem da AST advm dos estudos baseados nos
conceitos de sistemas tecnolgicos, de Thomas Hughes, de ator-rede, associada a Michael
Callon, Bruno Latour e John Law e de construtivismo social da tecnologia, dos socilogos da
tecnologia Wiebe Bijker e Trevor Pinch, mas pouco ainda se consideram as bases ontolgicas
e epistemolgicas da Teoria do Ator-Rede para definio e caracterizao das TS.
A Teoria do Ator-Rede (TAR) uma abordagem terico-metodolgica que trata das
demandas empricas e conceituais dos estudos em tecnologia. O seu emprego tem sido uma
das maneiras mais efetivas de resolver a dicotomia entre o determinismo tecnolgico e o
construtivismo social. A TAR concorda com a afirmao do construtivismo social de que os
sistemas sociotcnicos so desenvolvidos por meio de negociaes entre as pessoas,
instituies e organizaes, mas faz um argumento adicional de que os artefatos so parte
destas negociaes tambm (LATOUR, 1992). Isso no quer dizer que as mquinas pensam
como as pessoas e tomam decises por elas, mas muitas vezes interferem com iguais
possibilidades nos cursos dos acontecimentos cotidianos, sendo ambos atuantes e com papis,
muitas vezes, comparveis nas relaes sociotcnicas.
A TAR evidencia que
[...] o novo hbrido social e prticas materiais so restritas e ativadas por prticas
hbridas igualmente pr-existentes. Isso significa que novas prticas implicam em
teorias e verses do social e do mundo material que podem ser diferentes daqueles
que existiam antes. No entanto, por causa do cenrio de prticas existentes, tais
diferenas tendem a ser limitadas e o mundo sentido na verdade constitudo como slido e obturado. A Teoria Ator-Rede no relativista, mas tambm no
realista. Desconstruo sempre possvel, mas, dado o cenrio de prticas
existentes, tambm muito difcil. Conhecimento social e tecnolgico, mundo social
e seu contexto material, so todos obturados realmente translocal, desde que eles j carreguem de um lugar para outro as texturas da prtica (LAW; SINGLETON,
2000, p. 766, traduo nossa).
Os atores no so, na TAR, entidades absolutas e facilmente distinguveis a princpio.
O ator um conjunto heterogneo de elementos (animados e inanimados, naturais ou sociais)
que se relacionam de modo diverso, durante um perodo de tempo suficientemente longo, e
que so responsveis pela transformao (incorporao de novos elementos, excluso ou
redefinio de outros, reorientao das relaes) ou consolidao da rede por eles
conformada (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010, p. 89). Nas palavras de Latour
(1992, p. 175-176, traduo nossa), a TAR mostra que
a prpria sociedade que deve ser repensada de alto a baixo, uma vez que devem
ser adicionada a ela os fatos e os artefatos que compem grande parte dos nossos
laos sociais. [...] a coisa coletiva, [...] muito cheia de seres humanos para se
parecer com as velhas tecnologias, mas muito cheia de no-humanos para se
27
parecer com as teorias sociais do passado. As massas esto em nossas tradicionais
teorias sociais e no na tecnologia supostamente fria, eficiente e desumana.
A observao emprica, caso a caso, dos interesses, negociaes, controvrsias e
estratgias, associados aos elementos humanos, assim como dos aspectos relativos aos demais
elementos no humanos e de sua correspondente resistncia e fora relativa, como sugere a
TAR, o ponto de partida para entender a dinmica dos agrupamentos organizativos em que
as consideraes sociolgicas e tcnicas esto inextricavelmente ligadas (DAGNINO;
BRANDO; NOVAES, 2010). Para entender as transformaes sociais preciso
desconsiderar os pressupostos causais de que so as mudanas oriundas das organizaes que
podem levar a gerao de novas tecnologias ou, por outro lado, de que so as aplicaes
tecnolgicas organizacionais que provocam mudanas sociais. A mudana deve ser
analisada como um processo translativo e no difusionista.
Na conceituao de translao, as TS ajudam a compor as relaes entre os programas
de ao em curso pelas interaes de atores-redes. So as relaes que do suporte para que
programas de aes possam ser desenvolvidos entre diversos atores envolvidos em
associaes ou substituies, como disse Latour (2001), e no simples processos de
transferncia e reaplicao de tecnologias. Conceitualmente esses programas so sries de
objetivos, passos e intenes que podem ser descritos por um ator, ou vrios atores atuando
em processos organizativos e transformativos (LATOUR, 2001, p. 205). Diferente dos
modelos difusionistas, a translao deixa incerta os resultados finais dos programas de ao
em curso. Ela simplesmente indica [...] deslocamento, tendncia, inveno, criao de um
vnculo que no existia e que, at certo ponto, modifica os dois originais (LATOUR, 2001, p.
206).
A translao, diferente de entender as transformaes atribudas s TS como objetos
fixos que podem ser simplesmente transmitidos e reaplicados (JUSTESEN; MOURITSEN,
2011), prev que a mudana no ocorre linearmente, nem previsivelmente, ela est
exatamente onde ocorre o desvio costumeiro das prticas que se movem ao longo do tempo
e espao pelas interaes de uma multiplicidade de atores (ALCOUFFE; BERLAND;
LEVANT, 2008). As prticas organizacionais possibilitam que mudanas sejam
materializadas e significadas em rotinas cotidianas, enquanto essas mesmas rotinas continuam
participando das transformaes em curso na organizao.
Nesse sentido, esta tese levanta outra hiptese. Os estudos em TS apesar de se
posicionarem terico-conceitualmente baseados em AST, faltam reconsiderarem
epistemologicamente os estudos envolvendo as organizaes, focando simetricamente nas
28
relaes que originam os constantes processos de organizar e no nas virtuais estruturas
sociais estveis e presumivelmente duradouras. Apesar das organizaes hoje serem vistas
como fenmenos complexos e com mltiplas possibilidades de anlise, a maioria dos estudos
que as envolvem continua abordando facetas isoladas ou descontextualizadas do todo que
compe as redes organizacionais. Joerges e Czarniawska (1998) afirmam nesse sentido que
apesar de uma concordncia, quase que geral, de que qualquer organizao um misto de
dimenses simblica, poltica, material, ou at mesmo prtica, muitas pesquisas realizadas
tm abordado somente algum ou alguns desses aspectos.
Os estudos organizacionais, como um todo, tm se concentrado muito nos aspectos
estruturais e pouco tm sido a nfase nos aspectos relacionais que dinamizam as redes que
compe as organizaes. A ideia de que as pessoas esto localizadas em micro espaos e so
influenciadas e determinadas por macro estruturas ao mesmo tempo em que podem
influenci-las (ALCADIPANI; TURRETA, 2009, p. 653), conforme debate que tem sido
travado entre estrutura e agncia, superada quando analisada pela translao. Nessa
perspectiva, h a possibilidade de sair do mundo nico e mgico de estruturas e sistemas
como argumentou Andrade (2004b, p. 11), e empregar os conceitos da TAR para suscitar
novas perspectivas de anlises e novas formas de entender o cotidiano organizacional. Nesse
sentido,
Ao invs de privilegiar macro ou micro anlises, agncia ou estrutura, humanos ou
no-humanos, a idia iniciar a anlise sem noes pr-estabelecidas nos processos
construtivos. A TAR pode contribuir com os estudos organizacionais,
fundamentalmente, por no considerar organizaes como entidades relativamente
estveis que possuem fronteiras claras, mas sim como o arranjo de redes
heterogneas que esto em constante processo de alterao, mudana e estabilizao.
Dessa forma, as organizaes passam a ser vistas como resultados parciais que
precisam ser explicados de maneira emprica, destacando que ao invs de estudar
pessoas e estruturas sociais nas organizaes, fundamental compreend-las como
um conjunto de eventos e processos que no seguem, necessariamente, nenhuma
lgica comum (ALCADIPANI; TURETA, 2009, p. 659).
A TAR oferece a possibilidade de analisar organizaes como complexas e instveis,
sem assumir como certo a existncia de fronteiras claras, permitindo focar no constante
processo de organizar (ALCADIPANI; TURETA, 2009, p. 659). Isso implica dizer que
estruturas organizacionais nunca so idnticas e cada uma construda constantemente em
contextos locais e especficos. De modo geral, no existe um sistema macrossocial, por um
lado, nem um conjunto de partes microssociais, por outro (LAW, 1992, p. 2), o que existe, de
fato, so redes heterogneas formadas por padres diversos que envolvem simultaneamente
sociedade, organizaes, agentes e mquinas. Law (1992) chama ateno para o fato de que as
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organizaes so processos estveis unicamente momentneos, sendo a TAR til para
perceber como padres so gerados e como efeitos organizacionais ocorrem.
Reposicionando as organizaes como efeitos precrios e provisrios, pela perspectiva
da TAR, os artefatos e mquinas, at ento negligenciados nas anlises de gerao dos
padres e efeitos organizacionais, se tornam de significativa relevncia nos estudos
sociotcnicos. Uma das caractersticas principais dos artefatos ter papel chave nas aes que
definem o desenvolvimento das rotinas organizacionais (FELDMAN; PENTLAND, 2003;
PENTLAND; FELDMAN, 2005; DDADDERIO, 2008, 2011), j que as rotinas so
consequncias diretas dos repetitivos e reconhecveis padres oriundos de aes
interdependentes realizadas pelos diversos atores em rede (PENTLAND; FELDMAN, 2008,
p. 236). Os artefatos so relevantes de serem considerados, pois agem tanto na emergncia
como na persistncia das rotinas e, em consequncia, na desestabilizao ou na manuteno
dos padres de aes (DDADDERIO, 2011). Em outras palavras, ao reconceituar a discusso
sociotcnica a partir da TAR, os artefatos atuam ajudando na definio de pontos de
passagem obrigatrios (CALLON, 1986) possibilitando ou restringindo transformaes
sociais, performando ou estabilizando aes de outros atores (PENTLAND; FELDMAN,
2008, DDADDERIO, 2011).
Em consequncia, uma TS no uma realizao humana nem um artefato tcnico. Por
um lado, est claro, conforme j discutiu a AST, que as mesmas no so hardwares, que
dizem respeito unicamente ao emprego de mquinas nas atividades produtivas
(ORLIKOWSKI, 1991) na melhoria das condies dos padres tcnico-econmicos atuais.
Por outro lado, a tecnologia que participa do processo transformativo da organizao no
eminentemente social. No possvel considerar a tecnologia e ignorar a agncia humana ou,
por outro lado, focar nas interaes sociais e ignorar a tecnologia (VOLKOFF; STRONG;
ELMES, 2007). Para Barley (1990), do mesmo modo que uma mudana na perspectiva social
pode ser restringida pelas condies materiais da tecnologia, as limitaes tecnolgicas
podem resultar em foras sociais que continuaro a permitir essa mudana. nesse sentido
que essa tese sugere, a partir dos pressupostos ontolgicos e epistemolgicos da TAR, superar
limitaes conceituais lineares em termos de transferncia e difuso por meio de integraes
dinmicas entre atores-redes permitindo ressignificar os aspectos tericos e empricos das TS.
Como se d, em consequncia desses pressupostos, a implementao e reaplicao de
TS? Essa pergunta relevante na medida em que, ao se basear na TAR, no se tm,
linearmente, implementao e reaplicao de TS na gerao de mudanas. Para compreender
as transformaes h que reconfigurar a relao entre tecnologia e organizao de maneira a
30
examinar o processo de negociao em que os diferentes atores trabalham para inscrever uns
aos outros como aliados por meio dos quais seus interesses so trasladados e se tornam
alinhados (LAW, 1992 apud VOLKOF; STRONG; ELMES, 2007, p. 834). A prpria
mudana um efeito, pois as inter-relaes entre pessoas, ferramentas, tarefas e forma
organizacional, ao mesmo tempo em que compe um sistema sociotcnico (EMERY, 1972;
TRIST, 1981) interligam, organizao e tecnologia (PENTLAND; FELDMAN, 2007), na
constituio e caracterizao das mudanas organizacionais. nesse sentido que o presente
estudo parte da tese de que as bases sociotcnicas (pacotes de adequao) em que se baseiam
as implementaes e reaplicaes das TS, visando mudanas e transformaes sociais so,
como os prprios atores envolvidos nessas implementaes e reaplicaes, no unicamente
causas, mas tambm os prprios efeitos das translaes dos atores-redes.
Para uma verificao emprica dessa tese, foi escolhida a Pedagogia da Alternncia
(PA). A PA um caso de TS que trata de educao formal bsica para filhos de agricultores
familiares e que tm contribudo na conceituao de educao do campo no Brasil (Anexo A).
A PA baseia-se na formao de jovens rurais por meio do envolvimento e participao das
famlias, preparando-os para permanecer na propriedade familiar e promover melhorias,
principalmente, nos aspectos gerenciais e produtivos das atividades agrcolas
(BARRIONUEVO, 2004). Ela conhecida por fazer uma sincronia entre a escola e o
trabalho, permitindo que o jovem continue estudando sem precisar se desvincular da realidade
familiar, auxiliando nas atividades da famlia com sua participao e envolvimento. Dentre os
objetivos da PA est o desenvolvimento da realidade socioprofissional do jovem, a promoo
do desenvolvimento tecnolgico, econmico e sociocultural da famlia do aluno, e
consequente da comunidade, propiciando-lhe condies de fixar-se ao seu meio (GNOATTO
et al, 2006). Alm disso, sua aplicao visa oferecer aos jovens uma formao que lhes
permita descobrir a sua vocao e desenvolver um projeto profissional ou projeto de vida,
juntamente com suas famlias e nas comunidades em que vivem, abrindo as possibilidades de
insero profissional e atuao empreendedora, agindo como agentes de transformao de seu
meio socioprofissional (FONSECA, 2008).
Para Nascimento (2005), a PA possui trs objetivos formativos que podem ser
caracterizados como: 1) uma formao tcnica e prtica voltada para a aprendizagem da
agricultura; 2) uma formao geral ou integral que compreende a assimilao dos
conhecimentos tericos globais e, principalmente, locais e; 3) uma formao humana centrada
em valores cristos. Pedagogicamente, a PA um processo de ensino-aprendizagem que
acontece em espaos diferenciados e alternados. O primeiro o espao familiar e a
31
comunidade de origem (realidade); em segundo, a escola onde o educando partilha os
diversos saberes que possui com os outros atores e reflete sobre eles em bases cientficas
(reflexo). (PALITOT, 2007, p. 18). Estes perodos alternados variam de aplicao para
aplicao, onde trabalho e experincias sociais do meio integram o currculo, constituindo os
contedos vivenciais bsicos da ao educativa.
A PA aplicada, geralmente, por uma organizao educativa composta pelas famlias,
profissionais e outros agentes comunitrios. No Brasil, as organizaes que trabalham com a
PA so conhecidas como Centros Familiares de Formao por Alternncia (CEFFAs). Esses
Centros possuem uma proposta especfica de formao de jovens rurais, baseando-se em
quatro princpios. Primeiro, uma associao responsvel pelo processo educativo liderado
pelas prprias famlias; segundo, com uma misso de oferecer uma formao integral aos
jovens tanto profissional e intelectual, quanto social, poltico, cultural, espiritual e humano;
terceiro, com uma preocupao com o desenvolvimento local e; por ltimo, aplicar a
metodologia pedaggica especfica da PA ao fazer a alternncia entre o meio
socioprofissional e o Centro Educativo.
Puig Calv (2006, p. 57) define os CEFFAs como sendo uma associao de famlias,
pessoas e instituies, que buscam solucionar uma problemtica comum de evoluo e
desenvolvimento local por meio de atividades de formao, principalmente de jovens, porm
sem excluir os adultos. E, em consequncia, para Puig Calv (2006, p. 64), o propsito geral
da organizao conseguir a promoo e o desenvolvimento sustentvel das pessoas e de
seu prprio meio social, a curto, mdio e longo prazo, por meio de atividades de formao
integral, principalmente adolescentes, mas tambm de jovens e adultos.
Essa definio e esse propsito evidenciam os quatros pilares, como so chamados na
literatura sobre os CEFFAs, essenciais na constituio da organizao. Para Puig Calv
(2006) h, na constituio da organizao, uma necessidade de participao, baseada na
associao de famlias e que alie tambm as comunidades, instituies locais, profissionais e
outros agentes de promoo ambiental, envolvendo todos na gesto e no desenvolvimento da
organizao. H tambm a necessidade de uma formao integral das pessoas e que
possibilite-as para um projeto de vida e de melhorias das condies locais. Alm disso, deve
estar voltada para o desenvolvimento local por meio de atividades de educao de jovens e
adultos, tornando-os atores do progresso de seu prprio ambiente. E, ainda, que trabalhe a
metodologia prpria da Pedagogia da Alternncia, sempre com uma interao entre educao
escolar e ambiente socioprofissional.
32
O surgimento dessa TS data da dcada de 1930, na Vila de Lot-et-Garonne, na Frana,
por iniciativa de um grupo de agricultores que buscavam educao para seus filhos e
melhorias produtivas para suas propriedades familiares (BURGHGRAVE, 2003).
[...] para entendermos o processo melhor temos de voltar na histria e compreender
o contexto em que nasceu e cresceu a experincia na Frana no perodo entre-guerra.
O mundo rural vivia uma situao extremamente difcil e a crise era geral. O xodo
j era realidade e os jovens no encontravam nenhuma perspectiva de permanncia
digna no campo, no dispondo inclusive de nenhuma escola ou formao adaptada a
sua situao familiar e profissional. Insatisfeitos com esta situao, um pequeno
grupo de agricultores, com a ajuda do cura local, encontrou uma alternativa
educacional que motivasse os jovens a permanecer no meio, oferecendo-lhes a
oportunidade de se preparar melhor para o exerccio de sua profisso na propriedade
familiar, sem negligenciar todavia os outros aspectos da vida [...] (BURGHGRAVE,
2003, p. 16).
Os agricultores articularam um itinerrio para os jovens, de maneira que eles
permaneciam uma semana na Casa Paroquial, aprendendo contedos formais, ticos e
religiosos com o Proco e trs semanas na propriedade familiar, aprendendo com a famlia
sobre as atividades da agricultura e da participao comunitria (UNEFAB, 2005). Essa
experincia iniciada na Vila de Lot-et-Garonne continuou sendo aperfeioada, transferindo-se
em 1937 para Lauzun, na Frana. Em poucos anos, j existiam mais de 50 Centros aplicando
essa metodologia na Frana. Os agricultores, por meio de uma associao de famlias,
implantavam os Centros educativos, buscavam recursos para manuteno das despesas nos
perodos em que os jovens permaneciam no centro escolar e definiam sobre a continuidade de
sua formao, inclusive sobre os aspectos legais de reconhecimento junto ao sistema de
ensino francs.
Ocasionado, principalmente, pelas ausncias de polticas pblicas para promoo das
mudanas sociais, tcnicas e produtivas nas diversas regies em que os agricultores se
mobilizaram em torno da sua implantao, essa experincia educativa e organizativa se
expandiu rapidamente para outros pases. Primeiro foi na Itlia, logo aps o trmino da
Segunda Guerra Mundial, onde o modelo da PA foi visto como uma alternativa democrtica e
vivel para ajudar na reconstruo scio-poltica das comunidades no Ps-Guerra
(NOSELLA, 1977). Logo em seguida, na dcada de 1960, se expande para a frica,
primeiramente no Senegal, em uma realidade marcada pelo patriarcalismo, a ausncia de
educao bsica e tcnicas agropecurias muito incipientes se comparadas realidade
europeia. Na final da dcada de 1960, a PA j podia ser vista tambm em outros pases
europeus, como a Espanha, e na Amrica Latina, como Argentina e Brasil (GARCIA-
MARRIRODRIGA, 2002). As realidades onde os Centros de aplicao da PA foram
33
instalados eram marcadas pela pouca infraestrutura bsica, ausncia de ensino regular e baixas
condies socioeconmicas das famlias agricultoras. Em casos como o Brasil, havia uma
forte mobilizao popular, principalmente a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)
e outras articulaes comunitrias no campo.
Hoje no mundo existem aproximadamente 1200 Centros, espalhados por quase todos
os continentes1. No Brasil, conhecidos como Centros Familiares de Formao por Alternncia
(CEFFAs), o primeiro Centro foi fundado em 1968, no Esprito Santo, se espalhando
rapidamente por todo o territrio nacional (UNEFAB, 2010). Hoje so 2682 em
funcionamento no Pas. Inclusive Estados novos e mais distantes do Esprito Santo, onde se
iniciou o primeiro Centro, tambm tm a PA sendo aplicada.
Em Rondnia so sete Centros em funcionamento, quatro desses iniciados no final da
dcada de 1980 e incio de 1990 e que por muito tempo permaneceram sendo os nicos a
aplicarem a PA no Estado. Por ser um Estado novo, se comparado a estados de outras regies
do Brasil, principalmente aos estados do Nordeste, Sul e Sudeste, seu desenvolvimento mais
significativo se d somente a partir do sculo XX, baseando-se na extrao do ltex e de
madeiras, na garimpagem de ouro e cassiterita e na agropecuria com uso intensivo de
recursos naturais. Para desenvolvimento dessas atividades houve um povoamento
desordenado por meio, principalmente, de famlias de outros Estados sem condies
econmicas, formando uma zona rural sem infraestrutura, baixas condies econmicas, altas
concentraes de doenas tropicais e quase inexistncia de educao formal (OLIVEIRA,
2001).
Recentemente tem crescido o nmero de Centros com aplicao da PA no Estado. A
partir de 2010 o nmero passa de quatro para sete e a nova gesto do Governo do Estado
veiculou, logo aps vencer o pleito eleitoral de 2010, que haveria uma poltica de incentivo
expanso da PA como forma de melhorar e universalizar a educao do campo e promover
desenvolvimento sustentvel. Isso implicou questionar como foi o processo de implementao
da PA para que ela se tornasse uma TS vivel melhoria das condies de vida das
comunidades envolvidas e/ou atendidas e como se d seu processo de reaplicao, como o
caso que est ocorrendo no estado de Rondnia.
Essas questes definiram a PA como o caso emprico a ser estudado. Alm de fazer
uma investigao das translaes da PA desde sua origem, foi realizada uma observao
participante para acompanhar como tm se dado a expanso da PA em todo o estado de
1 http://www.mfr.asso.fr/pages/accueil.aspx
2 Resultado de uma pesquisa encomendada pela SECADI/MEC em 2013.
34
Rondnia. O principal propsito foi analisar como as bases sociotcnicas originrias de uma
TS como a PA so transladadas em rotinas geradoras de mudanas e transformaes sociais,
baseando-se na tese de que, ao invs de ser promotora de transformaes sociais, a PA
tambm um efeito direto das prprias atuaes rotineiras dos atores envolvidos em redes
associativas (sociotcnicas) e que definem seus prprios meios translativos.
1.1 Problema de Pesquisa
A principal questo que norteou a pesquisa foi: como as bases sociotcnicas
originrias de uma Tecnologia Social como a Pedagogia da Alternncia transladam em rotinas
consideradas geradoras de mudanas e transformaes sociais?
1.2 Objetivos da Pesquisa
1.2.1 Objetivo Geral
Analisar como as bases sociotcnicas originrias de uma Tecnologia Social como a
Pedagogia da Alternncia transladam em rotinas consideradas geradoras de mudanas e
transformaes sociais.
1.2.2 Objetivos Especficos
(1) Investigar as bases sociotcnicas de formao da Pedagogia da Alternncia na Frana;
(2) Examinar as translaes de formao das rotinas da Pedagogia da Alternncia na
Frana;
(3) Examinar as translaes de expanso da Pedagogia da Alternncia;
(4) Investigar as bases sociotcnicas de formao e translao da Pedagogia da
Alternncia no estado de Rondnia;
(5) Analisar as translaes de expanso da Pedagogia da Alternncia no estado de
Rondnia;
1.3 Justificativa
Espera-se com esse trabalho, contribuir teoricamente, dentre outras correntes, com a
TAR. A TAR, apesar de presente nos estudos organizacionais, pouco explorada no Brasil e
principalmente nos estudos organizacionais brasileiros (ANDRADE, 2004b; ALCADIPANI;
35
TURETA, 2009). Do mesmo modo, o aprofundamento em reas diretamente relacionadas
cincia e tecnologia pode trazer significativas contribuies para a rea das organizaes, de
modo geral e, em especial, para os estudos que vm sendo desenvolvidos no Programa de
Ps-Graduao em Administrao da UFPE.
Com relao aos estudos voltados para TS, a diversificao de temas e conceitos, por
si s, j justifica um aprofundamento terico mais consistente para discutir as bases da TS.
Muitos so os conceitos e muitas so as inter-relaes entre eles, mas pouco se sabe sobre
suas efetivas contribuies para trabalhos empricos. Brando (2001, p. 34) mostra como
dispersos esto os conceitos ao tratarem de uma viso tecnolgica alternativa s vises
tradicionais:
Tecnologia alternativa, tecnologia utpica, tecnologia intermediria, tecnologia
adequada, tecnologia socialmente apropriada, tecnologia ambientalmente
apropriada, tecnologia adaptada ao meio ambiente, tecnologia correta, tecnologia
ecolgica, tecnologia limpa, tecnologia no-violenta, tecnologia no-agressiva ou
suave, tecnologia branda, tecnologia doce, tecnologia racional, tecnologia humana,
tecnologia de auto-ajuda, tecnologia progressiva, tecnologia popular, tecnologia do
povo, tecnologia orientada para o povo, tecnologia orientada para a sociedade,
tecnologia democrtica, tecnologia comunitria, tecnologia de vila, tecnologia
radical, tecnologia emancipadora, tecnologia libertria, tecnologia liberatria,
tecnologia de baixo custo, tecnologia da escassez, tecnologia adaptativa, tecnologia
de sobrevivncia e tecnologia poupadora de capital.
Do mesmo modo, a opo por uma perspectiva tecnocientfica se apresenta como um
esforo vlido para capturar a multidimensionalidade das diversas e complexas possibilidades
de pesquisa em que as tecnologias e rotinas esto inseridas hoje nos estudos organizacionais.
possvel dizer que as TS abrangem essa diversidade de perspectivas e, consequentemente,
demarca um relevante campo conceitual estudado. Mas, por outro lado, esses campos
conceituais esto ligados gerao de habilidades e resoluo de problemas para dficits
pontuais e especficos. H uma necessidade hoje de superar essas limitaes de concepes
lineares em termos de "transferncia e difuso", principalmente mediante a percepo de
dinmicas de integrao em sistemas sociotcnicos e processos de redefinio de tecnologias
(THOMAS; FRESSOLI, 2010) como se pretende nesta tese.
No se pode negar tambm que o desenvolvimento de estudos na rea da presente tese
implica, muito alm do social obviamente, em entender tambm mais apropriadamente
aspectos tanto econmicos como produtivos e tcnicos, j que ser possvel estudar com mais
propriedade as associaes que as organizaes tm naturalmente formado. Alm do mais, a
tese pode contribuir com as pesquisas na rea dos estudos organizacionais, contribuindo para
o redirecionamento das pesquisas at ento focadas nas diversas caixas-pretas (tecnologia,
36
sociedade, organizaes e outras) para as suas inter-relaes, associaes e composies que
so continuamente formadas.
Para Neder e Thomas (2010), focar na anlise sociotcnica constitui, na atualidade, um
dos principais temas que podem significativamente contribuir para o avano do entendimento
da TS como campo cientfico, j que, conforme dito por Bijker (1993, p.125), a abordagem
sociotcnica, [...] no meramente uma combinao ntima de fatores sociais e tcnicos,
algo sui generis. Conjuntos sociotcnicos, em vez de artefatos tcnicos ou instituies sociais,
tornam-se nossa unidade de anlise. E processos sociotcnicos constituem os padres
discernidos pelos nossos conceitos tericos.
Complementarmente, a literatura tem destacado uma grande demanda por estudos que
abordem a TS. Mas, por outro lado, conforme ressaltado por Neder e Thomas (2010), um dos
maiores obstculos associados ao desenvolvimento de ferramentas tericas com relao a TS
a ausncia de anlises empricas. A maioria das informaes sobre TS vem de fontes de
livros, guias de recursos disponveis por grupos de trabalhos especializados ou, simplesmente,
por meio de estoques de experincias. Assim, a presente tese pode suscitar novas discusses
sobre o desenvolvimento de teorias acerca da TS no Brasil.
Do mesmo modo, a escolha emprica torna-se relevante pela peculiaridade do caso
escolhido. A disseminao da PA, desde os pases de primeiro mundo, como Itlia e Portugal,
na Europa, passando pelos emergentes, como Brasil e Argentina, na Amrica Latina, a pases
notadamente pobres, como Ruanda e Senegal, na frica, pode indicar uma universalidade da
proposta, o que fortalece a escolha dessa iniciativa de TS para anlise. No caracterizando
uma iniciativa que atende satisfatoriamente somente a espaos especficos, mas universalizada
em diferentes contextos.
1.4 Estrutura da Tese
Alm dessa introduo, a tese composta por mais seis captulos e as consideraes
finais. No captulo 2 apresentada a TAR e suas principais bases ontolgicas e
epistemolgicas. Inicialmente feita uma discusso ampla sobre as origens e posicionamentos
da TAR, apresentando a irredutibilidade como sua ontologia e a simetria generalizada como
base epistemolgica, destacando as implicaes desses posicionamentos para pesquisas
empricas. apresentado tambm os conceitos de ao, translao, rotinas e mudanas e
como eles esto, em uma anlise pela TAR, imbricados. O destaque desse captulo a nfase
na necessidade de reposicionar o conceito de mudana para alm do que normalmente
37
presumido nos estudos organizacionais. A translao assumida como um conceito basilar
para compreender a mudana organizacional.
No captulo 3 apresentado o delineamento da pesquisa. Evidencia que a pesquisa foi
baseada em um estudo de caso. Mostra os critrios que foram adotados para a escolha da PA
como caso intrnseco da pesquisa e detalha os principais aspectos e caractersticas dessa TS.
Alm disso, mostra que os procedimentos foram realizados em duas fases de coleta e anlise
dos dados e que as anlises foram realizadas por meio do acompanhamento das translaes
identificadas, tanto nos documentos, como nas entrevistas e observao participante
realizadas.
No captulo 4 delineado sobre a origem da PA. Primeiro mostrado como so
colocados pontos de passagens obrigatrios Igreja e ao Estado na definio das primeiras
evidncias da PA. Mostra tambm como movimentos de grandes amplitudes na poca como
personalismo e o movimento de Sillon corroboraram as translaes especficas da PA,
revelando como aspectos micro e macro das relaes esto diretamente imbricados. So
destacados tambm os principais atores que participaram das primeiras translaes e como
programas de ao foram definidos para que houvesse a materialidade da PA. O captulo
termina evidenciando como h uma mobilizao em torno da PA que a torna uma tecnologia
aparentemente fechada e sua translao para outras regies e pases parece se tornar possvel.
No captulo 5 so mostrados os ordenamentos necessrios para que a PA fosse
amplamente conhecida. Quatro estratgias so identificadas resultantes da atuao dos atores-
rede. Uma primeira que assegura a manuteno dos objetivos; uma segunda que permite a
presena e participao de muitos aliados, tanto humanos como no-humanos e que possibilita
a realizao de programas de ao; uma terceira estratgia que assegura que controvrsias
sejam resolvidas e; uma ltima que assegura o futuro das inscries e que perpetua as
caractersticas aparentemente definidoras da PA.
No captulo 6 so apresentadas as translaes que definiram a PA no Estado de
Rondnia. So destacadas as principais condues da PA ao longo da dcada de 1990 e como
os atores, por um lado, estiveram imbricados em manter a PA e, por outro, foram mantidos
vinculados sua execuo. So abordados sobre os projetos de expanso e como a PA vai se
constituindo como a prpria mudana por onde sua implementao, ou iniciativa de
implementao, acontece. Alm de uma filosofia de mudana, muitos so os atores
constituintes e constitudos nas suas translaes ao longo das dcadas desde seus primeiros
registros no Estado. A PA s pode ser vista como uma construo das prprias associaes de
atores, por mais que ela parea universalizada.
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O captulo 7 mostra como a aplicao da PA uma questo de mobilizao social,
como consideram os prprios atores envolvidos nas associaes estudadas. Ao relatar as
mobilizaes que esto, na atualidade, transladando a PA, evidencia-se como a PA est
inserida em associaes mais amplas e que faz dela muito mais um efeito das transformaes
ocorridas do que uma tecnologia transformadora. O captulo mostra ainda como a PA
translada como um conjunto relacional de atores e no por definio e interesse de um nico
ator, como pressups, no princpio, o Governo do Estado.
Na sequncia so feitas as consideraes finais, analisando o transladar da PA, tanto
no que diz respeito sua implementao, como reaplicao. Mostra que no caso estudado,
esses elementos no esto dissociados, pois a PA uma construo a partir de associaes e
redes especficas, precisando ser considerada somente nessa rede, pois inexistiu em todos os
momentos e lugares analisados uma tecnologia autnoma e independente, como pressuposto
existir ao analisar uma TS. A PA um elemento da rede de atores (re)significada a todo
momento. mostrado tambm como, ao disc