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3 Os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 no contexto histoacuterico-literaacuterio veterotestamentaacuterio 31 Contexto histoacuterico do texto aludido 311 Da histoacuteria da redaccedilatildeo de Is 40-55 agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico de Is 5213-5312
Tendo presente a complexidade da histoacuteria redacional de Isaiacuteas faz-se
necessaacuterio como pressuposto para se determinar o contexto histoacuterico de Is 5213-
5312 levar em consideraccedilatildeo algumas questotildees quanto agrave unidade redacional do
Decircutero-Isaiacuteas
A primeira delas agrave qual se fez referecircncia quando se aplicou o criteacuterio do
Volume eacute se todo esse bloco tem como contexto histoacuterico o exiacutelio da Babilocircnia ou
se parte dele tem sua redaccedilatildeo no poacutes-exiacutelio
Outra questatildeo fundamental no que se refere ao contexto histoacuterico da
periacutecope isaiana estudada eacute se os assim chamados ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo
fazem parte originalmente do bloco formado por Is 40-55 ou se teriam seu processo
inicial de composiccedilatildeo separado do dito bloco
Para a maioria dos estudiosos de Is 40-55 ateacute os anos 1980 todo esse
conjunto de capiacutetulos era fruto do trabalho de um profeta anocircnimo que desenvolveu
seu ministeacuterio no exiacutelio da Babilocircnia com exceccedilatildeo das disputas nas quais se zomba
da fabricaccedilatildeo dos iacutedolos e para alguns dos ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo422
Esta visatildeo mais simples da histoacuteria redacional do Decircutero-Isaiacuteas passou a
ser questionada nos anos sucessivos dando lugar a modelos mais elaborados os
quais constam de vaacuterias camadas redacionais e muitos estudiosos que adotam esse
novo modelo percebem a partir dessa nova perspectiva os ldquoCacircnticos do Servordquo
como parte do processo de produccedilatildeo do referido bloco isaiano423
422 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies In Mccarthy C - Healey J F (ed) Biblical and Near Eastern Essays Studies
in Honour of Kevin J Cathcart JSOTS 375 London Continuum 2004 p 80 423 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 80 Para um panorama destes estudos mais recentes cf HERMISSON H-J
Neue Literatur zu Deuterojesaja (I) amp (II) TRu 65 237-84 379-430
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C Conroy propotildee uma siacutentese dos pontos em comum do que ele considera
as principais contribuiccedilotildees no que se refere a esta nova maneira de se ver o processo
histoacuterico-redacional de Is 40-55 ou seja as propostas de R G Kratz J van
Oorschot U Berges e J Werlitz424 Observa que tais estudos mesmo devendo ser
encarados com um certo ceticismo quanto aos pormenores de suas propostas
quando traccedilam as linhas gerais do processo histoacuterico-redacional do Decircutero-Isaiacuteas
esse esforccedilo deve ser considerado ldquocomo plausiacutevel e provaacutevelrdquo425
Entre os diversos pontos em comum a essas pesquisas acima citadas haacute um
acordo compartilhado por muitos outros estudiosos nos uacuteltimos anos de que o
material atribuiacutedo ao profeta exiacutelico denominado Segundo Isaiacuteas deve ser
encontrado quase exclusivamente nos capiacutetulos 40-48 de Isaiacuteas
Concordam ainda que a maioria do material encontrado em Is 49-55 eacute fruto
de vaacuterias redaccedilotildees realizados em Jerusaleacutem apoacutes o comeccedilo do retorno dos exilados
em algum momento entre os anos 530 e 520 aC426 Em siacutentese C Conroy diz que
agrave luz desses de outros estudos histoacuterico-redacionais agora parece provaacutevel que
devemos pensar na gecircnese de Is 40-55 como um processo complexo que comeccedilou
com uma coleccedilatildeo babilocircnica-exiacutelica seguida de adaptaccedilotildees e expansotildees de Siatildeo
cujos estaacutegios posteriores se estendem ateacute ao contato editorial com 56-66 e com 1-
39 (ou seja a chamada ldquogroszligjesajanische Redaktionrdquo ou ldquoredaccedilatildeo pan-isaianardquo)427
Quanto aos ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo mesmo persistindo a diferenccedila
entre aqueles que defendem a existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por estes e o fato
de que soacute em um momento posterior foram inseridos no Decircutero-Isaiacuteas e aqueles
que negam a existecircncia de tal coleccedilatildeo e dispotildeem os ldquoCacircnticosrdquo no processo de
redaccedilatildeo do referido bloco os estudiosos acima citados concordam que se deu uma
interpretaccedilatildeo coletiva da figura do ldquoServordquo mesmo que para alguns tal
interpretaccedilatildeo teria ocorrido somente nos uacuteltimos estaacutegios redacionais do Decircutero-
Isaiacuteas o que representa um distanciamento das pesquisas anteriores na sua maioria
424 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 24-48
KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu
Entstehung und Theologie von Jes 40-55 FAT 1 Tuumlbingen Mohr Siebeck 1991 OORSCHOT J
van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche Untersuchung BZAW
206 Berlin de Gruyter 1993 BERGES U Das Buch Jesaja Komposition und Endgestalt HBS
16 Freiburg Herder 1998 WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die
Endgestalt von Jesaja 40-55 BBB 122 Berlin Philo 1999 425 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 426 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 427 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43
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sendo que para estas a compreensatildeo ldquoautobiograacuteficardquo da figura do ldquoServordquo era
predominantemente defendida428
No entanto depois de se tomar consciecircncia da complexidade do processo
redacional de Is 40-55 permanece em aberto a questatildeo a respeito do contexto
histoacuterico do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo
R G Kratz repete as ideias comuns agrave pesquisa anterior ou seja que os trecircs
primeiros ldquoCacircnticos do Servordquo (Is 421-4 491-6 504-9) foram produzidos por um
profeta exiacutelico natildeo sendo poreacutem incorporados pelos seus primeiros disciacutepulos nos
estaacutegios iniciais de composiccedilatildeo do Deutero-Isaiacuteas no estrato baacutesico mas somente
em estaacutegios sucessivos formando assim uma coleccedilatildeo separada na qual o ldquoServo
de YHWHrdquo se referia ao proacuteprio profeta anocircnimo Quanto ao ldquoQuarto Cacircnticordquo
teria sido provavelmente segundo R G Kratz adicionado agrave coleccedilatildeo preexistente
pelos disciacutepulos apoacutes a morte violenta do referido profeta No entanto o ldquoServordquo
que inicialmente era identificado como sendo o proacuteprio profeta exiacutelico em estaacutegios
de composiccedilatildeo sucessivos passa a ser identificado como Ciro (no primeiro e no
segundo ldquoCacircnticordquo) como Siatildeo-Jerusaleacutem (no terceiro e no quarto ldquoCacircnticosrdquo
provavelmente) ou como o povo de Israel que retornara do exiacutelio e o que ainda
estava disperso429
Como representante de uma nova perspectiva sobre a histoacuteria da redaccedilatildeo de
Isaiacuteas tem-se o trabalho realizado por U Berges430 o qual foi capaz de colher os
resultados dessas novas contribuiccedilotildees em um estudo que contempla tanto a forma
final do livro quanto faz uma anaacutelise diacrocircnica do mesmo autointitulado por este
como uma ldquoabordagem siacutencrona que reflete a diacrocircnicardquo431
Quanto aos ldquoCacircnticos do Servordquo U Berges rejeita a ideia de uma coleccedilatildeo
preexistente sendo que para ele estes foram elaborados para o contexto no qual
estatildeo inseridos Tal redaccedilatildeo teria ocorrido concomitantemente agraves vaacuterias etapas de
formaccedilatildeo do material do qual hoje Is 40-55 eacute composto
428 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 429 Cf KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu
Entstehung und Theologie von Jes 40-55 pp 144-147 430 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form Sheffield Sheffield
Phoenix Press 2012 cf tambeacutem BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues
In SHARP C (ed) The Oxford Handbook of the Prophets Oxford Oxford University Press 2016
pp 153-170 BERGES U The Book of Isaiah as Isaiahrsquos Book OTE 233 (2010) 549-573
BERGES U Isaiacuteas El profeta y el libro Estudios biacuteblicos 44 Estella Verbo Divino 2011 431 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 503-504
111
A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio
de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o
anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo
fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original
deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um
oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico
do Servordquo432
A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado
por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um
grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e
521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este
a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno
Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do
estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a
Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434
A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a
ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta
redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52
os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435
Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do
Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos
repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de
esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o
acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais
tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497
Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como
Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque
o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a
Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios
entre Is 1-32 e Is 40-52436
432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
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Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o
natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e
portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual
teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das
profecias437
Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material
contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52
inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos
pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9
posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438
No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue
cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado
pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por
estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com
seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que
tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo
deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se
identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is
5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo
considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo
a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para
uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o
qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito
interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442
Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo
ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave
ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o
437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora
que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its
Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377
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ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma
interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de
se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo
coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de
esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos
reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta
esperanccedila
Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute
confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem
poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano
de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos
exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do
Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie
de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas
considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta
individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela
referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que
a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo
Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da
ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico
estaacute bem documentada por Ez 37
Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito
entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586
aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a
casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo
aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo
o povo de Deus444
Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por
G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo
recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para
uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo
dos trecircs primeiros
No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da
existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por
um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto
posteriormente por outros autores
443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die
Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck
2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163
114
J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave
existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de
uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende
sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos
Repatriadosrdquo apoacutes 5210445
Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas
perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas
tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo
da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as
diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno
Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do
Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do
uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva
enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio
Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do
Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma
dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico
do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa
A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-
se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada
a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e
entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da
diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou
pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees
reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre
A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do
exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda
estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos
- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais
requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes
Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou
impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente
porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal
ldquonacionalizaccedilatildeordquo448
445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja
40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche
Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
109
C Conroy propotildee uma siacutentese dos pontos em comum do que ele considera
as principais contribuiccedilotildees no que se refere a esta nova maneira de se ver o processo
histoacuterico-redacional de Is 40-55 ou seja as propostas de R G Kratz J van
Oorschot U Berges e J Werlitz424 Observa que tais estudos mesmo devendo ser
encarados com um certo ceticismo quanto aos pormenores de suas propostas
quando traccedilam as linhas gerais do processo histoacuterico-redacional do Decircutero-Isaiacuteas
esse esforccedilo deve ser considerado ldquocomo plausiacutevel e provaacutevelrdquo425
Entre os diversos pontos em comum a essas pesquisas acima citadas haacute um
acordo compartilhado por muitos outros estudiosos nos uacuteltimos anos de que o
material atribuiacutedo ao profeta exiacutelico denominado Segundo Isaiacuteas deve ser
encontrado quase exclusivamente nos capiacutetulos 40-48 de Isaiacuteas
Concordam ainda que a maioria do material encontrado em Is 49-55 eacute fruto
de vaacuterias redaccedilotildees realizados em Jerusaleacutem apoacutes o comeccedilo do retorno dos exilados
em algum momento entre os anos 530 e 520 aC426 Em siacutentese C Conroy diz que
agrave luz desses de outros estudos histoacuterico-redacionais agora parece provaacutevel que
devemos pensar na gecircnese de Is 40-55 como um processo complexo que comeccedilou
com uma coleccedilatildeo babilocircnica-exiacutelica seguida de adaptaccedilotildees e expansotildees de Siatildeo
cujos estaacutegios posteriores se estendem ateacute ao contato editorial com 56-66 e com 1-
39 (ou seja a chamada ldquogroszligjesajanische Redaktionrdquo ou ldquoredaccedilatildeo pan-isaianardquo)427
Quanto aos ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo mesmo persistindo a diferenccedila
entre aqueles que defendem a existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por estes e o fato
de que soacute em um momento posterior foram inseridos no Decircutero-Isaiacuteas e aqueles
que negam a existecircncia de tal coleccedilatildeo e dispotildeem os ldquoCacircnticosrdquo no processo de
redaccedilatildeo do referido bloco os estudiosos acima citados concordam que se deu uma
interpretaccedilatildeo coletiva da figura do ldquoServordquo mesmo que para alguns tal
interpretaccedilatildeo teria ocorrido somente nos uacuteltimos estaacutegios redacionais do Decircutero-
Isaiacuteas o que representa um distanciamento das pesquisas anteriores na sua maioria
424 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 24-48
KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu
Entstehung und Theologie von Jes 40-55 FAT 1 Tuumlbingen Mohr Siebeck 1991 OORSCHOT J
van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche Untersuchung BZAW
206 Berlin de Gruyter 1993 BERGES U Das Buch Jesaja Komposition und Endgestalt HBS
16 Freiburg Herder 1998 WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die
Endgestalt von Jesaja 40-55 BBB 122 Berlin Philo 1999 425 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 426 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 427 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43
110
sendo que para estas a compreensatildeo ldquoautobiograacuteficardquo da figura do ldquoServordquo era
predominantemente defendida428
No entanto depois de se tomar consciecircncia da complexidade do processo
redacional de Is 40-55 permanece em aberto a questatildeo a respeito do contexto
histoacuterico do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo
R G Kratz repete as ideias comuns agrave pesquisa anterior ou seja que os trecircs
primeiros ldquoCacircnticos do Servordquo (Is 421-4 491-6 504-9) foram produzidos por um
profeta exiacutelico natildeo sendo poreacutem incorporados pelos seus primeiros disciacutepulos nos
estaacutegios iniciais de composiccedilatildeo do Deutero-Isaiacuteas no estrato baacutesico mas somente
em estaacutegios sucessivos formando assim uma coleccedilatildeo separada na qual o ldquoServo
de YHWHrdquo se referia ao proacuteprio profeta anocircnimo Quanto ao ldquoQuarto Cacircnticordquo
teria sido provavelmente segundo R G Kratz adicionado agrave coleccedilatildeo preexistente
pelos disciacutepulos apoacutes a morte violenta do referido profeta No entanto o ldquoServordquo
que inicialmente era identificado como sendo o proacuteprio profeta exiacutelico em estaacutegios
de composiccedilatildeo sucessivos passa a ser identificado como Ciro (no primeiro e no
segundo ldquoCacircnticordquo) como Siatildeo-Jerusaleacutem (no terceiro e no quarto ldquoCacircnticosrdquo
provavelmente) ou como o povo de Israel que retornara do exiacutelio e o que ainda
estava disperso429
Como representante de uma nova perspectiva sobre a histoacuteria da redaccedilatildeo de
Isaiacuteas tem-se o trabalho realizado por U Berges430 o qual foi capaz de colher os
resultados dessas novas contribuiccedilotildees em um estudo que contempla tanto a forma
final do livro quanto faz uma anaacutelise diacrocircnica do mesmo autointitulado por este
como uma ldquoabordagem siacutencrona que reflete a diacrocircnicardquo431
Quanto aos ldquoCacircnticos do Servordquo U Berges rejeita a ideia de uma coleccedilatildeo
preexistente sendo que para ele estes foram elaborados para o contexto no qual
estatildeo inseridos Tal redaccedilatildeo teria ocorrido concomitantemente agraves vaacuterias etapas de
formaccedilatildeo do material do qual hoje Is 40-55 eacute composto
428 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 429 Cf KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu
Entstehung und Theologie von Jes 40-55 pp 144-147 430 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form Sheffield Sheffield
Phoenix Press 2012 cf tambeacutem BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues
In SHARP C (ed) The Oxford Handbook of the Prophets Oxford Oxford University Press 2016
pp 153-170 BERGES U The Book of Isaiah as Isaiahrsquos Book OTE 233 (2010) 549-573
BERGES U Isaiacuteas El profeta y el libro Estudios biacuteblicos 44 Estella Verbo Divino 2011 431 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 503-504
111
A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio
de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o
anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo
fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original
deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um
oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico
do Servordquo432
A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado
por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um
grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e
521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este
a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno
Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do
estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a
Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434
A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a
ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta
redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52
os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435
Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do
Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos
repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de
esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o
acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais
tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497
Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como
Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque
o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a
Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios
entre Is 1-32 e Is 40-52436
432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
112
Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o
natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e
portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual
teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das
profecias437
Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material
contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52
inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos
pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9
posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438
No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue
cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado
pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por
estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com
seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que
tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo
deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se
identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is
5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo
considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo
a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para
uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o
qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito
interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442
Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo
ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave
ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o
437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora
que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its
Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377
113
ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma
interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de
se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo
coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de
esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos
reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta
esperanccedila
Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute
confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem
poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano
de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos
exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do
Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie
de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas
considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta
individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela
referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que
a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo
Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da
ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico
estaacute bem documentada por Ez 37
Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito
entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586
aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a
casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo
aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo
o povo de Deus444
Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por
G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo
recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para
uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo
dos trecircs primeiros
No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da
existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por
um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto
posteriormente por outros autores
443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die
Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck
2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163
114
J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave
existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de
uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende
sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos
Repatriadosrdquo apoacutes 5210445
Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas
perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas
tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo
da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as
diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno
Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do
Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do
uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva
enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio
Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do
Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma
dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico
do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa
A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-
se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada
a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e
entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da
diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou
pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees
reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre
A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do
exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda
estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos
- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais
requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes
Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou
impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente
porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal
ldquonacionalizaccedilatildeordquo448
445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja
40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche
Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
110
sendo que para estas a compreensatildeo ldquoautobiograacuteficardquo da figura do ldquoServordquo era
predominantemente defendida428
No entanto depois de se tomar consciecircncia da complexidade do processo
redacional de Is 40-55 permanece em aberto a questatildeo a respeito do contexto
histoacuterico do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo
R G Kratz repete as ideias comuns agrave pesquisa anterior ou seja que os trecircs
primeiros ldquoCacircnticos do Servordquo (Is 421-4 491-6 504-9) foram produzidos por um
profeta exiacutelico natildeo sendo poreacutem incorporados pelos seus primeiros disciacutepulos nos
estaacutegios iniciais de composiccedilatildeo do Deutero-Isaiacuteas no estrato baacutesico mas somente
em estaacutegios sucessivos formando assim uma coleccedilatildeo separada na qual o ldquoServo
de YHWHrdquo se referia ao proacuteprio profeta anocircnimo Quanto ao ldquoQuarto Cacircnticordquo
teria sido provavelmente segundo R G Kratz adicionado agrave coleccedilatildeo preexistente
pelos disciacutepulos apoacutes a morte violenta do referido profeta No entanto o ldquoServordquo
que inicialmente era identificado como sendo o proacuteprio profeta exiacutelico em estaacutegios
de composiccedilatildeo sucessivos passa a ser identificado como Ciro (no primeiro e no
segundo ldquoCacircnticordquo) como Siatildeo-Jerusaleacutem (no terceiro e no quarto ldquoCacircnticosrdquo
provavelmente) ou como o povo de Israel que retornara do exiacutelio e o que ainda
estava disperso429
Como representante de uma nova perspectiva sobre a histoacuteria da redaccedilatildeo de
Isaiacuteas tem-se o trabalho realizado por U Berges430 o qual foi capaz de colher os
resultados dessas novas contribuiccedilotildees em um estudo que contempla tanto a forma
final do livro quanto faz uma anaacutelise diacrocircnica do mesmo autointitulado por este
como uma ldquoabordagem siacutencrona que reflete a diacrocircnicardquo431
Quanto aos ldquoCacircnticos do Servordquo U Berges rejeita a ideia de uma coleccedilatildeo
preexistente sendo que para ele estes foram elaborados para o contexto no qual
estatildeo inseridos Tal redaccedilatildeo teria ocorrido concomitantemente agraves vaacuterias etapas de
formaccedilatildeo do material do qual hoje Is 40-55 eacute composto
428 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 429 Cf KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu
Entstehung und Theologie von Jes 40-55 pp 144-147 430 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form Sheffield Sheffield
Phoenix Press 2012 cf tambeacutem BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues
In SHARP C (ed) The Oxford Handbook of the Prophets Oxford Oxford University Press 2016
pp 153-170 BERGES U The Book of Isaiah as Isaiahrsquos Book OTE 233 (2010) 549-573
BERGES U Isaiacuteas El profeta y el libro Estudios biacuteblicos 44 Estella Verbo Divino 2011 431 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 503-504
111
A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio
de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o
anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo
fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original
deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um
oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico
do Servordquo432
A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado
por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um
grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e
521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este
a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno
Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do
estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a
Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434
A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a
ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta
redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52
os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435
Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do
Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos
repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de
esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o
acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais
tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497
Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como
Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque
o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a
Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios
entre Is 1-32 e Is 40-52436
432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
112
Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o
natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e
portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual
teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das
profecias437
Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material
contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52
inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos
pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9
posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438
No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue
cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado
pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por
estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com
seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que
tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo
deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se
identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is
5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo
considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo
a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para
uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o
qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito
interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442
Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo
ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave
ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o
437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora
que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its
Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377
113
ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma
interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de
se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo
coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de
esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos
reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta
esperanccedila
Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute
confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem
poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano
de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos
exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do
Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie
de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas
considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta
individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela
referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que
a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo
Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da
ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico
estaacute bem documentada por Ez 37
Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito
entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586
aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a
casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo
aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo
o povo de Deus444
Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por
G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo
recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para
uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo
dos trecircs primeiros
No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da
existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por
um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto
posteriormente por outros autores
443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die
Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck
2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163
114
J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave
existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de
uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende
sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos
Repatriadosrdquo apoacutes 5210445
Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas
perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas
tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo
da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as
diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno
Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do
Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do
uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva
enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio
Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do
Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma
dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico
do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa
A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-
se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada
a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e
entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da
diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou
pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees
reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre
A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do
exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda
estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos
- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais
requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes
Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou
impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente
porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal
ldquonacionalizaccedilatildeordquo448
445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja
40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche
Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
111
A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio
de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o
anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo
fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original
deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um
oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico
do Servordquo432
A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado
por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um
grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e
521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este
a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno
Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do
estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a
Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434
A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a
ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta
redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52
os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435
Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do
Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos
repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de
esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o
acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais
tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497
Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como
Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque
o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a
Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios
entre Is 1-32 e Is 40-52436
432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
112
Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o
natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e
portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual
teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das
profecias437
Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material
contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52
inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos
pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9
posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438
No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue
cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado
pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por
estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com
seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que
tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo
deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se
identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is
5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo
considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo
a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para
uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o
qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito
interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442
Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo
ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave
ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o
437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora
que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its
Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377
113
ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma
interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de
se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo
coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de
esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos
reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta
esperanccedila
Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute
confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem
poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano
de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos
exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do
Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie
de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas
considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta
individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela
referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que
a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo
Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da
ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico
estaacute bem documentada por Ez 37
Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito
entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586
aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a
casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo
aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo
o povo de Deus444
Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por
G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo
recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para
uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo
dos trecircs primeiros
No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da
existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por
um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto
posteriormente por outros autores
443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die
Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck
2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163
114
J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave
existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de
uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende
sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos
Repatriadosrdquo apoacutes 5210445
Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas
perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas
tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo
da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as
diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno
Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do
Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do
uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva
enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio
Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do
Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma
dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico
do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa
A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-
se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada
a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e
entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da
diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou
pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees
reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre
A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do
exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda
estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos
- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais
requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes
Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou
impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente
porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal
ldquonacionalizaccedilatildeordquo448
445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja
40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche
Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
112
Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o
natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e
portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual
teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das
profecias437
Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material
contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52
inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos
pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9
posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438
No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue
cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado
pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por
estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com
seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que
tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo
deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se
identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is
5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo
considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo
a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para
uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o
qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito
interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442
Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo
ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave
ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o
437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora
que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its
Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377
113
ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma
interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de
se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo
coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de
esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos
reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta
esperanccedila
Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute
confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem
poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano
de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos
exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do
Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie
de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas
considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta
individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela
referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que
a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo
Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da
ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico
estaacute bem documentada por Ez 37
Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito
entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586
aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a
casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo
aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo
o povo de Deus444
Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por
G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo
recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para
uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo
dos trecircs primeiros
No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da
existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por
um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto
posteriormente por outros autores
443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die
Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck
2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163
114
J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave
existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de
uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende
sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos
Repatriadosrdquo apoacutes 5210445
Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas
perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas
tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo
da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as
diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno
Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do
Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do
uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva
enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio
Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do
Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma
dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico
do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa
A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-
se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada
a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e
entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da
diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou
pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees
reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre
A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do
exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda
estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos
- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais
requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes
Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou
impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente
porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal
ldquonacionalizaccedilatildeordquo448
445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja
40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche
Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
113
ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma
interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de
se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo
coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de
esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos
reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta
esperanccedila
Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute
confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem
poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano
de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos
exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do
Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie
de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas
considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta
individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela
referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que
a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo
Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da
ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico
estaacute bem documentada por Ez 37
Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito
entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586
aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a
casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo
aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo
o povo de Deus444
Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por
G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo
recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para
uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo
dos trecircs primeiros
No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da
existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por
um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto
posteriormente por outros autores
443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die
Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck
2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163
114
J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave
existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de
uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende
sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos
Repatriadosrdquo apoacutes 5210445
Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas
perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas
tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo
da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as
diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno
Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do
Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do
uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva
enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio
Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do
Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma
dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico
do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa
A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-
se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada
a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e
entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da
diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou
pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees
reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre
A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do
exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda
estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos
- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais
requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes
Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou
impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente
porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal
ldquonacionalizaccedilatildeordquo448
445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja
40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche
Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
114
J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave
existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de
uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende
sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos
Repatriadosrdquo apoacutes 5210445
Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas
perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas
tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo
da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as
diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno
Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do
Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do
uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva
enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio
Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do
Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma
dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico
do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa
A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-
se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada
a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e
entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da
diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou
pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees
reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre
A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do
exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda
estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos
- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais
requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes
Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou
impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente
porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal
ldquonacionalizaccedilatildeordquo448
445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja
40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche
Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-
historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
115
312
Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud
Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo
conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos
sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539
aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio
neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a
cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a
cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no
impeacuterio449
O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o
ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra
Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do
impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451
(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no
seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia
aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)
ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima
foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e
[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele
fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a
cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos
seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees
() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu
no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim
agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia
repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus
449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History
10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp
51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus
colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue
os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio
Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios
Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato
G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra
richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari
(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013
pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo
Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)
Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados
( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana
() Traduccedilatildeo duvidosa
(1) Nuacutemero da linha
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
116
habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos
senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses
(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que
viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=
Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o
Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais
as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de
Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito
d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou
controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de
seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu
chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452
De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos
Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da
Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre
a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro
aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim
do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez
a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe
herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e
talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda
de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar
Egeu ateacute a Aacutesia Central454
Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de
Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se
destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra
que
para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na
entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a
Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior
continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-
13 469-11 4812-16)456
452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)
4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq
On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)
Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual
Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011
p 40
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
117
Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que
muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados
na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo
de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457
Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as
inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe
pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que
segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458
(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia
[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos
[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar
[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas
as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees
distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me
trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram
os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)
Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute
o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem
do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes
os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees
eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459
No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na
Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras
quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave
restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido
pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato
estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo
Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus
aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e
objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute
normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao
mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou
autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses
isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites
poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta
contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a
captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma
cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel
pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados
457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158
118
anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que
fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em
favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente
judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico
do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram
um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e
comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das
dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461
Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim
chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e
incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas
devem ser admitidas462
Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno
maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem
conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por
Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando
encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas
possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria
contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do
Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial
pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo
das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo
posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso
valor simboacutelico463
Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe
daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato
a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de
461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a
permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao
mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala
deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as
revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram
sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre
membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta
y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57
119
Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos
judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464
Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status
poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa
constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e
depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo
como governador Neemias465
Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio
de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o
contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde
o tempo do exiacutelio
O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que
eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu
afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam
afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo
assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela
permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467
Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo
dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do
total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram
no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do
Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse
(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara
que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto
a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus
que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute
filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas
as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a
464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de
Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de
Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua
compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)
lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne
Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-
bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo
10 (2000) 183
120
comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a
comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo
fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus
exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468
Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco
convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da
dominaccedilatildeo babilocircnica
Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a
Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar
e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo
contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar
Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia
O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu
mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da
monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma
imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa
Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a
conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de
Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute
conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469
Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram
como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se
formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o
confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir
do ano 538 aC
No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados
isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os
quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem
senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus
herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa
propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais
caricaturalrdquo471
468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179
Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F
BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel
et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)
153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p
185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187
121
Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma
histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado
na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-
se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas
camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos
que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos
de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram
em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se
ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus
compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474
A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo
Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo
dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos
proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf
2Rs 2512 Jr 5216)475
O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno
as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo
poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se
utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave
reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese
para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros
declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia
inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando
os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo
da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os
Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute
temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc
haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque
todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam
permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo
totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser
472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des
Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418
SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176
BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de
YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o
paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de
ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186
122
senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem
porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477
313
Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das
Escrituras de Israel
Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K
Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico
mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo
intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de
que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos
veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4
3131
Zc 1210-131
31311
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131
Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo
utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-
Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade
utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo
lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-
Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo
do livro em Zc 1421479
A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-
136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de
falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda
477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-
187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087
123
falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma
intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as
uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480
Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica
precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem
fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como
a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir
que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte
de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma
reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras
coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc
102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os
habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim
sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH
e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483
estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484
O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na
escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do
seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo
Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai
desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca
de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos
Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e
comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como
forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487
480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53
e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079
124
31312
Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312
Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em
Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi
traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem
em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488
Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou
seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-
exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees
pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490
Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva
universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias
frutos de seus respectivos contextos491
Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas
figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma
perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados
Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd
sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o
sentido de ser traspassado492
Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo
dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os
seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que
purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou
lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493
488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
150
125
Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um
contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de
Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor
uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494
sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495
3132
Dn 121-4
31321
Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4
O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode
encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da
variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal
complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes
etapas redacionais497
Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica
iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com
o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo
antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498
Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria
apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte
santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e
Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a
imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta
para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo
menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do
494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis
Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
159
126
Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a
morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499
O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim
grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133
satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo
Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3
Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo
(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto
(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido
por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo
desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem
com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que
no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute
mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia
das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia
a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto
A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se
conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que
deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos
abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo
focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da
alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo
e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes
aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13
(sic)503
499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -
Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009
MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and
the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee
Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que
ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos
de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da
linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia
geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction
to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392
127
31322
Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312
De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante
elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos
justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב
Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב
pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo
vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos
KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב
Dn 123)rdquo506
De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir
agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede
ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב
condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM
agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב
como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de
Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma
linguagem fortemente escatoloacutegica508
Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב
em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso
ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-
se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel
aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram
504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place
pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160
128
ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509
Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב
reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do
Servordquo510
Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש
qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia511
Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de
contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que
podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica
que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas
interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513
32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior
Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no
item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope
isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte
ou seja Is 49-55514
509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb
NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo
p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C
The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book
of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e
silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21
129
Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo
cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de
ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver
no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515
Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode
verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a
manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma
promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-
se a si mesmordquo em Is 493516
O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o
Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-
9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um
meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a
qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do
uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo
que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo
Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517
O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da
Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na
sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu
provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do
ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is
497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518
Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua
missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos
povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica
515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U
The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria
redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp
415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary
LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154
130
de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc
iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio
materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute
glorificado (cf Is 491-12)520
Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo
para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo
entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da
Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser
nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado
pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as
forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se
podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)
Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende
estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522
Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm
consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois
como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila
na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute
o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro
glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a
Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de
retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()
No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para
o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra
(496b)523
A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o
iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda
em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423
que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por
meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem
muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos
520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio
di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345
131
seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do
Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524
Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is
4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu
o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do
exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa
intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento
(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos
nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo
provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal
cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo
pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste
modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo
ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que
YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que
YHWH a esqueceu (4914)rdquo525
No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is
4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos
de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria
esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a
comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir
que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe
demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527
Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento
dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo
que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a
sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de
Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso
nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na
524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976
p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition
and Final Form p 350
132
relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos
pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528
Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido
de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O
vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4
corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio
dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf
Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se
demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo
de muitos529
No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do
Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando
nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo
exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo
que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531
O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de
Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que
sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo
colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo
dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e
Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de
ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532
Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha
naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees
estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os
destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533
Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu
direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e
a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e
528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
133
leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias
dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem
o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus
inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534
A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que
a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute
mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como
ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou
inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535
Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no
qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de
Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que
a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos
(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do
Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma
dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute
tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem
chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se
revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537
Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente
pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de
Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante
dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do
nosso Deusrdquo538
A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir
no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que
provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com
534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a
hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte
im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz
Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103
134
esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus
inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou
aquele que vos consolardquo539
O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz
verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus
no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com
alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao
coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b
utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que
tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo
haacute uma mudanccedila
o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que
coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que
retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa
agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica
eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam
ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se
formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542
O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a
Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo
ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )
a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de
Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de
que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo
ainda necessita de restauraccedilatildeo544
Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram
para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820
eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se
539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-
55 Vol 2 268
135
encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex
1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de
Jerusaleacutem Aqui
o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu
povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de
YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas
para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546
Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair
agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo
ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute
agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo
sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal
interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute
o rei que lidera o povo na batalhardquo548
3212 Contexto literaacuterio posterior
Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute
emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a
ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de
Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em
Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia
da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo
Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is
4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549
Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente
sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a
integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa
integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o
mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos
545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355
PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360
136
heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma
harmonia mais amplardquo550
Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf
Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que
as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses
dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as
viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas
dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia
mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus
eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que
permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria
Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta
Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta
agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em
restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo
estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira
estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a
pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em
tensatildeo553
A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo
esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de
Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te
reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas
com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)
Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como
esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos
(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda
Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o
seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a
Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus
inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os
povos (cf Is 543)554
550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109
137
Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer
a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos
o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555
Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que
conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo
fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso
das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos
do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de
Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa
Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz
com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556
A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo
daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo
como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma
atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois
seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)
Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo
Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila
(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso
contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que
garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos
de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma
parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH
(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que
nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central
(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de
Deus557
Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do
capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada
atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do
Senhorrsquordquo558
555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469
138
No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b
tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro
Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-
se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por
Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do
servordquo560
A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre
normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se
o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do
Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-
66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo
fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero
e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as
duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir
dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo
tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)
formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito
foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah
dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa
passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a
mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da
salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562
Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma
lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de
encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551
convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510
877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem
alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir
aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB
ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis
559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York
2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366
139
feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das
naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como
principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles
acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando
seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a
comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se
voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563
Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o
Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra
transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia
ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564
322
O texto de Is 5213-5312 no seu contexto
O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por
uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De
fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo
motivos de esperanccedila e alento
A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em
514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens
(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo
ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila
na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se
tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus
opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta
profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de
YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas
(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O
convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do
Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente
anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande
transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e
alegriardquo565
No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo
sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente
563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37
140
que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente
novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411
Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo
do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-
531566
De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia
de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e
humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is
5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa
mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567
No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da
humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo
anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos
povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a
afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568
A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na
parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma
atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender
que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele
sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso
pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo
profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a
respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se
pode ver em Is 49 e 50569
Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando
o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo
das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570
No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os
capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema
566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39
141
da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue
estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita
continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve
desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais
como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em
Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em
5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata
dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que
se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos
ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua
descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto
das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior
(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se
encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus
descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572
No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto
Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui
o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa
conexatildeordquo573
Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por
meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa
promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos
sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da
verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a
voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este
apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram
salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua
obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim
diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e
eacute significativo que se decirc
no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo
de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos
571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469
142
servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo
nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece
identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que
os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575
Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto
Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que
a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente
entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos
52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como
ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo
chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos
(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de
partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os
insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real
apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees
fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que
natildeo ouviram (5215)576
Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e
posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e
glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da
humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram
do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)
Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a
mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de
Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor
aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577
Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se
mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na
qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que
como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do
Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-
575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40
GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su
libro p 104
143
5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor
(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579
Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de
Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas
Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo
ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado
(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do
Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de
Siatildeo-Jerusaleacutem581
323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo
3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582
5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o
meu servo
5213aכיל הנה די יש עב
5213b seraacute grande 5213b ירום
5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו
5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ
5214a Como pasmaram por causa de
ti muitos
5214a ר מו כאש יך שמ על
רבים 5214b de tal modo estava desfigurado
que natildeo585 era de homem seu aspecto
5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר
5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos
filhos de Adatildeo
5214c תארו ני ו אדם מב
578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah
40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria
com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi
144
5215a assim586 se maravilharatildeo
muitos povos
5215aן רבים גוים יזה כ
5215b Por causa dele reis fecharatildeo
sua boca
5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה
5215c porque o que natildeo lhes foi
narrado
5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה
5215d viram 5215dראו
5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ
5215f entenderam 5215f בוננו הת
531a Quem deu creacutedito ao nosso
relato
531a אמין מי נו ה מעת לש
531b E o braccedilo do Senhor a quem se
revelou
531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג
532a Ele cresceu como rebento diante
dele
532a פניו כיונק ויעל ל
532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ
532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר
532d nem formosura 532d לא הדר ו
532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו
532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו
532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו
533a Era desprezado 533a זה נב
533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל
533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ
533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע
533e e como algueacutem de quem se
esconde a face
533e ר ת מס נו פנים וכ ממ
533f era desprezado 533f זה נב
533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב
534a No entanto nossas enfermidades
ele levou
534aן נשא הוא חלינו אכ
586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ
segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a
145
534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס
534c Mas noacutes o consideramos um
golpeado
534c נהו נו חשב נגוע ואנח
534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ
534e e afligido 534e ענה ומ
535a Mas ele foi traspassado por
causa de nossas transgressotildees
535a הוא חלל ו נו מ שע מפ
535b foi esmagado por causa das
nossas iniquidades
535b דכא ינו מ עונת מ
535c O castigo de nossa paz estava
sobre ele
535c נו לומ עליו מוסר ש
535d e pelas suas feridas fomos
curados
535d פא־לנו ובחברתו נר
536a Todos noacutes como rebanho
erraacutevamos
536a תעינו כצאן כלנו
536b cada um se voltava para o seu
caminho
536b כו איש דר פנינו ל
536c mas o Senhor descarregou nele
as iniquidades de todos noacutes
536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון
537a Foi oprimido 537a נגש
537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו
537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ
537d como carneiro foi levado para o
matadouro
537d ה בח כש יובל לט
537e e como ovelha diante dos
tosquiadores silenciou
537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה
537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ
538a Por coerccedilatildeo e por julgamento
ele foi tomado
538a ר עצ פט מ לקח וממש
538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י
587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire
de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51
146
538c Pois foi cortado da terra dos
vivos
538c זר כי ץ נג ר א חיים מ
538d pela transgressatildeo do meu povo
foi golpeado de morte
שע למו נגע עמי מפ 538d
539a Seu tuacutemulo foi colocado com os
malfeitores
539a ן שעים וית ת־ר רו א קב
539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב
539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על
539d e natildeo houve engano em sua
boca
539d לא מה ו פיו מר ב
5310a Mas ao Senhor aprouve
esmagaacute-lo
5310a ץ ויהוה או חפ דכ
5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה
5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua
vida
5310c שו אשם אם־תשים נפ
5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר
5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך
5310f e o que apraz ao Senhor na sua
matildeo prosperaraacute
5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ
5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele
veraacute a luz
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש
5311c Por seu conhecimento o justo
meu servo justificaraacute a muitos
5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב
5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס
5312a Por isso lhe darei uma parte
entre muitos
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b e com os poderosos partilharaacute
o saque
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c porquanto fez despojar a si
mesmo588 ateacute a morte
5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ
588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn
147
5312d e com os transgressores foi
contado
5312d עים ת־פש א נה ו נמ
5312e No entanto os pecados de
muitos ele levou
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f e pela transgressatildeo deles
intercederaacute589
עים לפש גיע ו 5312f יפ
3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312
Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que
o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na
terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia
explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para
remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso
sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia
ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex
Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes
de ירום e 1QIsb
No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda
pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de
terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos
na versatildeo siriacuteaca e no Targum
Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo
ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na
linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da
terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590
Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior
e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis
589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto
interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford
Claredeon Press 1980 sect144 p
148
tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a
Septuaginta 1QIsa e 1QIsb
Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino
singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do
status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma
qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta
ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um
manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor
Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se
deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece
desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de
um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas
dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura
proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por
1QIsb
Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo
futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes
para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira
pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na
primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e
na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como
variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino
plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com
sufixo de terceira pessoa do masculino singular
A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de
hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode
colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas
outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser
591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia
- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario
Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
149
o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre
precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע
Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de
5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta
pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do
versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se
maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente
teria lido aiacute o raiz verbal zgr
Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo
masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino
singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na
Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino
singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se
acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade
dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular
a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura
Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt
o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal
[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal
na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira
1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal
particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o
vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa
do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh
eivj qanaton
Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o
contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que
um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato
criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz
respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis
593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156
150
Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato
criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que
vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do
masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato
criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo
l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos
vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como
mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o
contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato
criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela
transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo
Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma
masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de
um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta
dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante
wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo
deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o
correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia
AtmB sepulchum sum
Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela
Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor
adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b
AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status
constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa
do masculino singular
Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר
adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור
omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as
duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem
594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161
151
complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto
direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela
semelhanccedila entre estas palavras
Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas
de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da
atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de
testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes
No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור
apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou
semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio
difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto
leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais
diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva
a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta
A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre
a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור
por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por
homoioteacuteleuton
Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico
sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב
se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo
explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב
No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia
produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ
Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595
Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em
nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב
mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo
595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical
Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129
152
proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense
Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק
Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o
substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado
pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo
comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que
vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-
se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex
Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante
Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees
textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel
Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os
quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o
aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar
do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus
com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש
1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto
leningradense
3233
Anaacutelise semacircntica
A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo
uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de
algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso
neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope
por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise
mais aprofundada
596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44
153
32331
A raiz verbal lkf
Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf
ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no
hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597
Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base
no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen
sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil
lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este
termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como
haplografiardquo598
Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser
um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de
ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas
de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de
ldquocompreenderrdquo599
No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no
aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o
significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf
presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria
pela sua capacidade de interpretar os sonhos601
Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser
perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e
ldquocompreenderrdquo602
597
Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600
Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico
Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752
154
Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na
forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave
forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604
Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que
sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf
e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das
ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes
no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como
substantivo correspondendo portanto a lkf 606
Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes
Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber
claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo
dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis
vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem
traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato
de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido
de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607
Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera
capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma
faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de
quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235
Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar
sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular
(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf
(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)
603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar
Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756
155
dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus
estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609
32332
O substantivo t[D
A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute
presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados
aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos
textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em
Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute
poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em
Malaquias uma vez611
O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras
diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij
ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro
conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij
ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo
ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes
sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados
da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612
Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma
experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves
vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)
Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos
609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In
Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia
Paideia 1988 col 560-561
611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes
nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946
612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564
156
constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339
ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf
Ex 37)613
Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da
experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn
1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo
devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o
conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se
conheceraacute614
No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do
conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-
se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com
ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo
(cf Is 4120 4418) por exemplo615
Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a
sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos
como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um
grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616
Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que
proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-
9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia
humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do
termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e
quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O
Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617
613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico
dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col
947-950
614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975
615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572
616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576
617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577
157
Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do
Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf
tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira
religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo
ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618
32333
A raiz verbal qdc
A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito
veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em
aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619
Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido
como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de
justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de
acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a
verdade620
Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz
hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem
expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal
premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621
Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser
verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de
substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo
do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622
618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da
AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -
Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col
513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516
158
Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais
recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura
sapiencial623
A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil
constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael
em Gn 4416624
No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um
lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este
vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa
interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio
Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou
natildeo das normas625
Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e
libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas
em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto
a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua
justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode
manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura
impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626
Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas
Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou
ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo
ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa
o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila
tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex
237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627
623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)
Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524
159
3234
Criacutetica lexical e gramatical
Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K
Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel
desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628
Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o
seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a
dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo
com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope
chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada
com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o
segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is
5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma
outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo
Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש
comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo
de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais
explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao
Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים
a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ
relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira
Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do
masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute
entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo
seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo
628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b
160
em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute
relacionada com um sufixo diverso634
A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ
Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com
ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש
5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo
Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a
primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo
(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas
Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי
na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636
O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do
plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve
(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-
5)
Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do
ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento
do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo
considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo
Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a
descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com
duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um
atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas
negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f
Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com
a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute
utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v
8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental
634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153
161
como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou
na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab
A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira
precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases
observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o
Servo
Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o
sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz
px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na
sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)
Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela
o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da
preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna
instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor
No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is
5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional
precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das
afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase
Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz
respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva
ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento
(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo
Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que
ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se
salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e
ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito
como causa de tal accedilatildeo
638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo
JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c
162
Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ
no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do
Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do
singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo
pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos
muitos (cf Is 5310c)
Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no
piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do
Servo (12b)
O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva
indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil
tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ
de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua
proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si
mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)
satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor
da seccedilatildeo
Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo
referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute
no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor
como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם
ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os
transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo
que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada
3235
Criacutetica do gecircnero literaacuterio
No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente
chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver
a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute
163
mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na
forma quanto no conteuacutedo642
Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a
periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama
de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico
consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma
estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo
poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os
versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a
um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643
J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo
poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja
a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos
do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila
essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de
lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador
natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos
mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito
dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo
que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo
de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da
morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644
Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo
de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas
caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu
pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas
diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de
accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo
642
WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter
53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical
Studies 1978 p 112 643
NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-
LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644
Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963
pp 62-66
164
eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma
narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a
libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu
sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-
11a
conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo
tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta
segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a
humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi
causado por sua culpa646
Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do
ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo
De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado
gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse
entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria
preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas
um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade
apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura
do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria
ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu
conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647
Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto
isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio
Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam
poemas hiacutenicos M Trevis declara que
nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()
Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas
profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido
compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam
parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas
militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos
anuacutencios e oraacuteculos648
645
Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library
Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647
Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98
165
Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo
nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o
fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo
referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649
Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana
estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico
No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando
que tal ausecircncia
natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a
alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela
metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais
e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo
eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de
paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)
o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em
particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto
em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da
primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb
12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo
diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas
inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651
3236
Anaacutelise teoloacutegica
O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo
como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total
no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela
compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo
que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a
mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao
reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre
tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo
ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado
649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105
166
que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como
jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654
Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a
ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a
traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona
com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que
ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a
traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש
De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma
concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees
modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo
ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como
consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K
Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes
cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja
em primeiro plano656
Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um
lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou
seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do
Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo
Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu
rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo
(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os
41)657
O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente
em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)
ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento
654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella
letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590
167
tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por
falta de conhecimentordquo (Is 513)658
Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D
seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento
do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e
de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659
Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129
336 5311)
a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de
fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por
YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a
posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que
esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da
salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me
recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna
possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais
estreita comunhatildeo com ele ()660
Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D
defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do
Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental
dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua
vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo
Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave
condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao
Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is
5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo
Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo
eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo
dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade
de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida
como reparaccedilatildeo pelos pecados
658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591
660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m
168
No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode
ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-
exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre
como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o
seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-
se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo
com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662
No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado
ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele
ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento
substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como
no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem
como poder-se-ia entender essa entrega do Servo
Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento
substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais
como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados
do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares
ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua
de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-
5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais
foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do
ldquoQuarto Cacircnticordquo664
Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo
entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial
judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele
de fato ~va
designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo
involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue
662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico
Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944
663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664
FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu
alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de
Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950
169
no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais
importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo
foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao
procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus
como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -
em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666
No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do
sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue
derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do
campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da
periacutecope667
B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio
referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a
ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo
processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma
transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de
transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para
reparar a sua transgressatildeo668
Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo
incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro
para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo
essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano
de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A
ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo
idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669
Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si
assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas
suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo
seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como
666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In
Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp
68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p
69
170
sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is
5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)
33
Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312
TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA
5311a עמל שו מ ה נפ א יר
5311b בע יש
5311c תו דע דיק ב יצ
די צדיק לרבים עב
5311d ל הוא ועונתם ב יס
5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל
5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י
5312c ר תחת ערה אש ה
שו ת נפ למו
5312dעים ת־פש א נה ו נמ
5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח
5312f עים לפש גיע ו יפ
5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς
αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς
5311b καὶ πλάσαι
5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον
εὖ δουλεύοντα πολλοῖς
5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς
ἀνοίσει
5312a dia touto auvtoj klhronomhsei
pollouj
5312b kai twn ivscurwn meriei skula
5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton
5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh
5312e kai auvtoj amartiaj pollwn
avnhnegken
5312f kai dia taj amartiaj auvtwn
paredoqh
Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da
criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos
aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa
171
como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as
possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671
A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex
Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se
dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21
faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra
Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na
forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto
que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no
status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar
Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj
Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos
textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular
para o plural
Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no
lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש
Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees
1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um
substantivo plural taj amartiaj
Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas
sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o
qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e
da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza
עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש
sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual
provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega
Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por
Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi
670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex
Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se
aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament
Use of the Old Testament pp 49-50 672
Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163
172
em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam
tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673
34
Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12
Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar
como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram
compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa
compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das
Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674
Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-
5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas
do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-
se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676
e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da
ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a
aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode
trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado
de Targum de Joacutenatas677
Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga
ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da
Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica
673
JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674
Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto
utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -
STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources
Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua
interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-
5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli
London London Societyrsquos House 1871 675
Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia
Paideia 2003 676
Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2
Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli
London London Societyrsquos House 1871 678
LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155
173
e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua
anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas
caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas
especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e
a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312
De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o
Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o
Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da
versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras
as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios
(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da
figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681
Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os
anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro
condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a
polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato
de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura
da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo
O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus
ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de
divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade
judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do
Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a
tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no
que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a
leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura
que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel
Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que
ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave
679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception
of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah
In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian
Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682
Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo
J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca
dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos
literaacuterios p 158
174
de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo
do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683
Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto
Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos
70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo
do culto oficial e a diaacutespora684
No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as
cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas
no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano
estudado
De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma
libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar
Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum
messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais
do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos
impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave
diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar
Kokbah685
Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem
em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo
conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias
soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a
centralidade da Lei687
Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a
recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja
a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias
enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a
683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164
175
uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados
dos muitos689
Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do
Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute
provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo
Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto
para o perdatildeo dos pecados691
Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos
isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto
Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus
inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele
justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos
seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros
de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte
e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e
quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692
Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura
paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia
sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual
do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa
estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por
ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus
Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo
688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes
1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios
p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi
entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e
atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase
on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691
A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of
Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p
158