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O DEBATE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA LITERATURA DO SERVIÇO SOCIAL
BRASILEIRO
Annelyse Cristine Cândido1
RESUMO
A Assistência Social no Brasil, tem se consolidado em um campo fecundo e permeado por contradições advinda das mudanças no modo como são produzidas as riquezas na sociedade. O debate tem sido intenso e grande parte das elaborações deve ser creditada á vanguarda profissional do Serviço Social, com início na década de 80. Com as mudanças no cenário do capital o debate tem se agudizado no Serviço Social de forma crítica e propositiva, fazendo com que essa profissão seja referência compulsória, quando o que está em questão é a Assistência Social. Através desse artigo, buscaremos abordar as concepções existentes sobre Assistência Social na literatura do Serviço Social brasileiro, a partir da redemocratização do Brasil, analisando as proposições e verificando os pontos convergentes, divergentes e eixos de análise de cada uma delas. Palavras chave: Assistência Social, Política Social, Direitos Sociais.
ABSTRACT Social Assistance in Brazil has been consolidated into a fertile field and permeated by contradictions arising from changes in how they are produced wealth in society. The debate has been intense and many of the elaborations should be credited to the forefront of professional social work, beginning in the 80s. With the changing scenario of the capital has heightened the debate on Social Work in a critical and purposeful, so that this profession is a compulsory reference, when what is at issue is the Social Services. Through this article, we address the existing designs in the literature on Social Services Service of Brazil, from the democratization of Brazil, analyzing the
1 Estudante de Pós Graduação. Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT . annecandido@gmail.com
above propositions and checking the convergent, divergent lines of analysis of each. Key Words: Social Work, Social Policy, Social Rights.
1- INTRODUÇÃO
Enganam-se os que crêem Que as estrelas nascem prontas.
São antes explosão brilho e ardência Imprecisas e virulentas
Herdeiras do caos Furacão na alma
Calma na aparência Mauro Iasi
A política de assistência social tem sido um dos temas privilegiados no Serviço
Social brasileiro, ganhando profundidade na última década. (Iamamoto, 2007). As
contribuições e acúmulo sobre o tema tem oferecido um grosso caldo teórico no
interior da categoria, contribuindo para destrinchar o inicial “engodo” que foi para o
Serviço Social a Assistência Social. Para Netto (2010) a entronização da assistência
social, requisitada como direito e posta como demandante de intervenção técnico-
política, respondeu/responde á dinâmica sócio-política brasileira.
O presente artigo consiste em pesquisa bibliográfica e objetiva analisar a
literatura do Serviço Social brasileiro sobre a Assistência Social pós redemocratização.
A escolha das autoras partiu da contribuição de determinada obra ao debate, bem
como a densidade teórica sobre a Assistência Social, estudando os/as principais
autores/as no intuito de entender o caminho percorrido pelas pesquisadoras na área
do serviço social, para a elaboração das bases histórico conceituais sobre a Política
de Assistência Social.
2 - Aldaíza Sposati e a construção da especificidade e da intersetorialidade na
Assistência Social
Um dos debates teóricos desenvolvidos por Sposati, diz respeito ao campo
específico da assistência social e sua relação com a intersetorialidade das políticas
públicas. Demandado em 2003, com a criação do Ministério da Assistência Social2,
2 O Ministério da Assistência Social teve duração de praticamente um ano e foi substituído em 2004 pelo
Ministério de Desenvolvimento Social e combate á fome. Contudo, em nível nacional a discussão de se
Aldaíza (2004) afirma que, com essa mudança na esfera pública governamental se
instaura uma nova configuração da politica de assistência social no país, pois,
O novo é a perspectiva de alcançarmos o conteúdo de uma política de Estado em vez de fragmentar respostas sociais em múltiplas ações e intenções desconexas, como tem sido nesses anos desenvolvendo tão-só políticas e práticas de governos.(2004:33)
Por ser julgada equivocadamente, como uma política sem campo específico
(vista como instrumento de mediação das demais políticas sociais, processante e
responsável pelo mérito ou não do direito social) e enviesada em sua forma
intersetorial (travessia das políticas públicas; em si não tem resolução, mas agencia os
serviços dos outros) é que, a autora, acredita ser necessário “a defesa da
especificidade/particularidade da assistência social, com bases em uma nova
construção política” (2004:40), agindo na contramão do que se julga erroneamente no
campo público.
Entrelaçando a “especificidade/particularidade da assistência social com a
perspectiva de intersetorialidade”, aliada a construção de um novo paradigma da
assistência, como já dito anteriormente, acredita ser possível definir um conteúdo
próprio da assistência social “estabelecendo quais as vulnerabilidades sociais que
devem ser cobertas por uma política de proteção social ou de seguridade social”,
trazendo a possibilidade de instituir definitivamente a assistência social como direito na
sociedade brasileira.
2.1 - Potyara Pereira e o debate sobre a segmentação da política de assistência social
A autora inicia a argumentação sobre a “armadilha da segmentação na
assistência social”, ressalvando a relação equivocada entre pobreza absoluta e a
política de assistência. Pereira (2004), afirma que, essa vinculação pode ser geradora
das impossibilidades de eficácia democrática e cívica dessa política, pois,
Pobreza absoluta é uma aberração social que deveria ser erradicada de imediato por parte do Estado, com a participação da sociedade e não só pela política de assistência social. Alimentá-la ou postergar indefinidamente o seu enfrentamento com programas oficiais focalizados ou com caridade privada é
contribuir com o fracasso das políticas públicas no seu conjunto. (2004:55)
ter ou não um órgão de gestão específico da Assistência Social, ainda permeia a esfera pública, inclusive em nível local como veremos no capítulo III.
A vinculação da assistência social ao padrão de pobreza absoluta, contribui
com a permanência da noção viciosa de assistência social, identificando-a, como já
afirmado com a “desassistência social” ou como denomina Fleury, com a “cidadania
invertida” no qual para se ter atendimento na área social “o pobre tem que abrir mão
de seus direitos individuais”.
A alocação da assistência social em um campo setorial e autônomo, por um
lado pode ser positivo e por outro negativo. No primeiro sentido, aponta que pode dar
maior visibilidade a política e as ações, já no segundo ressalva que pode comprometer
o caráter interdisciplinar e intersetorial existente na matriz da política, pois, “é
justamente a defesa dessa setorialidade que pode descaracterizá-la como política
pública, com um conteúdo próprio, por que isso vai contra a sua natureza
genuinamente complexa, abrangente, interdisciplinar e intersetorial” (2004:59).
Nessa afirmativa, observa-se a defesa da autora pela interdisciplinaridade e
intersetorialidade, crendo que através dessas relações é possível manter “vínculos
orgânicos” com as demais politicas sociais e econômicas, crendo que nessa
articulação, “não correm o risco de se descaracterizar ou de se dissolver no interior de
outras políticas, desde que bem administradas”. Ainda assim, defende que a
assistência social requer,
Um lócus institucional definidor e controlador da política de assistência social [...] para tanto, os mecanismos operacionais precisam ser urgentemente pensados, mas á luz de uma clara concepção de política pública de assistência social que não tenha como referência privilegiada a pobreza absoluta [...] se quisermos defender a verdadeira identidade da política de assistência social, basta dizer que ela é uma política social particular, sem ceder á razão tecnocrática e denomina-la de setorial (2004:61)
Dessa forma, a autora afirma que se faz necessário visualizar os reais
problemas na efetivação da assistência em direito – como: a imprecisão conceitual e a
falta de clareza nos compromissos e ações; prevalência do nominalismo na
assistência (se utiliza a nomenclatura assistência, apenas para se utilizar do recurso
desta, quando na verdade de assistência social, as “políticas” não tem nada; a eterna
disputa dos poderes e recursos das diferentes instituições – constituindo um campo de
difícil enfrentamento , mas não insolúvel e negar essas reais determinações para uma
saída cômoda e apressada em nada irá alterar nos entraves da política de assistência
social.
2.2 – Ivanete Boschetti: O dilema da originalidade e do conservadorismo na
Assistência Social
Para destrinchar a política de assistência social, Boschetti aborda três
dimensões que permeiam a investigação: a primeira no que diz respeito a natureza,
abrangência e caracterização dos direitos previstos na LOAS; a segunda que abrange
o financiamento e alocação de recursos e a última que disserta sobre a organização e
gestão da política. A autora, visualiza com as novas regras para a assistência social
advindas da Constituição Federal e da aprovação da LOAS, que a interlocução entre
as três dimensões citadas, constitui em um verdadeiro desafio, frente as
características históricas que demarcam a assistência social no Brasil.
Ressalvando que a temática é nebulosa e insere-se em um dos temas caros na
atualidade ao Serviço Social brasileiro, a autora apresenta algumas dificuldades para a
materialização da assistência social como direito, afirmando que “tem-se um
movimento circular a mesma particularidade que dificulta o reconhecimento e a
materialização do direito se alimenta e se reproduz da condição de não direito”
(Boschetti, 2003:42).
Dentre essas dificuldades históricas sinaliza: a subordinação da assistência
social aos interesses clientelistas dos governantes, pois, a sua implementação se dá
em função de interesses político-econômicos dos governos e por conta disso é tratada
como prática assistemática e descontínua; possui em seu interior um confusionismo
teórico no que vem a ser a própria assistência e o que é a filantropia, qual a diferença
entre ambas e suas relações no espaço público e privado. (Boschetti, 2003).
Para Boschetti, essas dificuldades são agravadas com o desenvolvimento do
capitalismo e suas novas faces no século XXI, pois, com o acentuamento da questão
social, expressões históricas como o desemprego ganham nova roupagem no cenário
social sendo possível visualizar tensões entre políticas públicas como assistência
social e trabalho, próprias da intencionalidade do capital.
Nessa perspectiva Boschetti afirma que,
Trabalho e assistência, assim, mesmo quando reconhecidos como direitos sociais, vivem uma contraditória relação de tensão e atração. Tensão porque aqueles que tem o dever de trabalhar, mesmo quando não conseguem
trabalho, precisam da assistência, mas não tem direito a ela [...] E atração porque a ausência de um deles impele o indivíduo para o outro, mesmo que não possa, não deva ou não tenha direito. (Boschetti, 2003: 52)
Ainda que tenha se acentuado a relação conflituosa entre trabalho e
assistência social no século XXI, “a relação de atração e rejeição entre assistência e
trabalho predominante no capitalismo, tem origem anterior á consolidação da
sociedade de mercado”, pois é mantida a relação como elemento necessário á
produção e reprodução do sistema capitalista. (2003:58)
Para Boschetti, a assistência social “historicamente desfalcada de uma
legislação que a amparasse” ganha uma nova concepção do ponto de vista legal
havendo mudança no eixo norteador da política, através do posicionamento contrário
ás práticas caritativas, clientelistas e filantrópicas que até então eram hegemônicas no
trato da assistência. Assim, demarca dois marcos importantes o primeiro
transpassando de prática individual para um direito social dando a possibilidade de
reclamação legal pelo cidadão e o segundo é que passa a ser concebida “como direito
não contributivo, o que significa que é uma política social pública e não pode
submeter-se á lógica do mercado”. (Pereira, 1996, apud, Boschetti, 2003:79)
Os problemas teóricos advindos da execução do previsto em lei também são
frutos da análise da autora que os categoriza como imbrincamentos teóricos que vão
ao encontro de críticas já realizadas por outros autores, no que concerne a
materialização da política de assistência, para Boschetti,
A assistência social defronta-se permanentemente com o binômio seletividade versus universalidade. Muitas interpretações limitadas e equivocadas destas orientações levam a restringir os direitos assistenciais ao mínimo necessário para a sobrevivência humana, focalizando-os em segmentos e parcelas da população tidos como vulneráveis.
Essa interpretação da seletividade é orientada por uma perspectiva que alia a assistência a pobreza absoluta, limitando-a a ações minimalistas, em geral pontuais, assistemáticas, descontínuas e inócuas do ponto de vista da redução das desigualdades. (Boschetti, 2003:83)
Aqui, verificamos o diálogo da autora com a crítica aos mínimos sociais
realizada por Pereira. Reafirma-se que o conceito de mínimo social adotado na LOAS,
e executado pelos planos de governo atuais, tem sido utilizado de forma enviesada.
Tem-se os mínimos como forma de se manter vivo e reproduzir a força de trabalho,
mas não como meio de desenvolvimento das necessidades humanas básicas.
O que se denota do estudo de Boschetti é que a assistência social se situa em
um campo de tensos conflitos, que por um lado trabalham na perspectiva de manter
vivo o trabalhador e de outro de atender a suas necessidades sociais básicas,
correlacionando-se com outras políticas públicas. Nesse sentido afirma que a
Assistência centra-se em um dilema profundo que é ter originalidade de se efetivar por
seus meios legais já sancionados, mas possuir um traço permanente de
conservadorismo presente na sociedade. Fazendo com que os direitos sociais
convivam em uma dialética constante, pois, ainda que se efetivem princípios
inovadores que elevam a assistência ao patamar do direito social, essas convivem
com um quase sempre conservadorismo que é reproduzido pelo capital e acatado pela
sociedade. (Boschetti, 2003)
2.3 – Ana Elizabete Mota: A crise é do capital, mas quem responde são os
trabalhadores - determinações na Assistência Social em tempos de crise e a
reordenação política na seguridade social
A autora aborda em sua tese a relação da política de Assistência Social com a
conjuntura internacional vivenciada pelo atual modo de produção. Conjuntura essa,
que vem se aprofundando desde a transposição do capital da fase concorrencial para
monopolista, como uma tentativa de retomada de sua hegemonia e das altas taxas de
lucros, anteriormente vivenciadas. A autora tem como objeto de estudo, apreender as
particularidades da seguridade social em tempos de crise do capital e os efeitos dessa
crise para a classe trabalhadora.
Mota aponta que as tendências da seguridade social brasileira “expressam o
movimento de formação de uma cultura política de crise” que tem dois vieses: “a
defesa do processo de privatização, como forma de reduzir a intervenção estatal e a
constituição do “cidadão consumidor”, que é o sujeito nuclear da sociedade regulada
pelo mercado” (Mota, 2008:24). Para Mota, a crise atual do capital, não é apenas uma
crise econômica de reestruturação das bases materiais de produção, mas uma “crise
global ou societal da sociedade contemporânea”.
Nessa perspectiva, esses mecanismos consubstanciam a base do projeto
neoliberal em curso no Brasil, que tem como um de seus ideais o desmonte da
seguridade social brasileira, pois, reduzindo o papel do Estado na área de bem-estar-
social, transfere-se os serviços para o setor privado, alterando a relação estado-
sociedade vigente. Esse desmonte, capitaneado pelo capital estrangeiro e executado
no Brasil, faz parte de um novo trato dado á questão social, que repassa aos
organismos privados a proteção social que antes era pública (serviços de saúde e
previdência social) deixando para a esfera estatal a assistência social3 “que privilegia a
cultura da solidariedade social, seja ela denominada de redes de proteção social, de
políticas de combate á pobreza ou de expansão dos programas de assistência social”
(2008:220). A relação dialética entre as políticas públicas que compõem a seguridade
social acaba por criar uma cruel “posição de unidade contraditória: a afirmação de uma
política parece ser a negação da outra” (2004:01). Assim, uma perversa articulação é
interposta na sociedade, através da correlação de forças e jogo político em torno da
seguridade social. Para conseguir seu objetivo o governo burguês aposta na reforma
da previdência social4, tendo como estratégia a mudança de foco: da seguridade que
tem o trabalho como valor central, para a seguridade centrada na assistência social.
Assim, as reformas que são os mecanismos de efetivação mais direta dessas
propostas, se configuram como proposta “inteligente e engenhosa” de fazer com que
os trabalhadores sejam os financiadores do capital e ao Estado seja delegada apenas
a função de mantenedor da ordem social e controle político dos sujeitos alijados do
mercado de trabalho. Essa hipótese é sustentada sob a idéia de que “o processo de
3 A esfera da assistência social, historicamente também foi permeada pela privatização, haja vista, “a
proliferação das organizações não governamentais (ONG’s) que vêm fomentando a cultura das iniciativas autônomas, construindo uma antinomia entre a eficácia pública e privada” e a revalorização das entidades filantrópicas, do voluntarismo político e do apoliticismo” (2008:102)
4 Segundo Mota (2004) ocorreram duas reformas da previdência social que operam/sistematizam o
desmonte dessa política pública. A primeira na década de 90 e outra durante o atual governo Lula, que se caracterizaram como uma investida de sucesso, pois, “conseguiram operar um giro sem precedentes nos princípios que ancoram a previdência social como política de proteção, transformando-a numa modalidade de seguro social”(2004:04).Assim, especificamente a reforma aprovada no governo Lula, “dá seguimento a agenda de reformas iniciadas no governo FHC”.
precarização do trabalho é inevitável, definitivo e parte constitutiva das novas
experiências do trabalho”, ocasionando assim, a incapacidade do trabalho de
incorporar os indivíduos a sociedade “razão pela qual a assistência social focalizada,
ou até mesmo os programas sociais de renda mínima poderiam fazê-lo em
contrapartida á desregulamentação da proteção social e do trabalho” (2004:04)
O processo de reordenação dado á política de assistência social,
especialmente no Governo Lula, vai ao encontro da proposta esboçada pelos
intelectuais da burguesia, de construir um novo “desenho da assistência social, sem,
contudo, interferir radicalmente na natureza voluntarista e temporária de um conjunto
de programas que compõem a política de assistência social” (2004:04).
O conjunto desses ajustes e da realocação dentro da seguridade social faz
com que se tenha uma “reversão na intervenção social do Estado, base da construção
de um novo contrato entre Estado, sociedade e mercado” (2004:04). Ainda assim,
coloca em posição contrária a Previdência Social e a Assistência Social, pois, “a
negação de um sistema de previdência social pública é, ao mesmo tempo, a base para
afirmação de um sistema único de assistência social, no processo de constituição da
seguridade social brasileira” (2004:04). Para Mota (2010) a investida do capital em dar
centralidade á Assistência Social na seguridade social, em detrimento das duas outras
políticas faz parte de um engenhoso atributo operado de perverter demandas sociais
em meios para obter lucros e manter a acumulação. Assim, para a autora, o capital
invoca o estado determinando que este de respostas á classe trabalhadora via
políticas compensatórias na Assistência Social, inserindo em seu público alvo além
dos inaptos ao trabalho, aqueles que estão aptos mas não que não estão inseridos no
mercado de trabalho. Para Mota (2010) conforma-se assim, mais do que uma prática e
uma política social, a Assistência se torna um fetiche social, passando a assumir para
uma parcela da população “a tarefa e ser a política de proteção social e não parte da
política de proteção social.
2.4 - Carmelita Yazbek: A relação entre Assistência Social, pobreza, exclusão e
subalternidade
Em contato com a contribuição da autora, observamos importante definição
pedagógica do que vem a ser a Assistência Social no Brasil e sua relação com a
pobreza, exclusão e condição de vida material e subjetiva dos subalternos.
Para Yazbek, “a exclusão de bem materiais e culturais faz parte da reprodução
do cotidiano de um grande contingente populacional na sociedade brasileira”
(1993:15), condição essa que se agravou com os processos de estagnação
econômica vivenciados no Brasil e que hoje conformam um quadro de grande número
de cidadãos na condição de pobreza absoluta. A autora explicita a concepção de
pobreza, afirmando que “localiza a questão no âmbito de relações constitutivas de um
padrão de desenvolvimento capitalista em que convivem acumulação e miséria”
(1993:22). A autora ressalva que os critérios para definição da pobreza, precisam
superar o viés economicista, dos cálculos monetários e indicadores de renda pré-
definidos, mas visualizá-la como “expressão direta das relações sociais vigentes na
sociedade”, pois a privação econômica leva a privações políticas, social, cultural e
espiritual. A subalternidade diz respeito a ausência de poder de mando, decisão,
criação e direção. Historicamente ao subalterno tem sido introjetada a experiência
política da classe dominante que atrelada ao Estado reproduzem a estrutura da
sociedade a partir da ótica dos interesses do capital.
A autora identifica ainda, o lugar da assistência social na conformação dessa
identidade subalterna, como “ambíguo, contraditório e recriador da subalternidade,
mesmo que a intenção discursiva seja negá-la.” (1993:165). Ainda que a assistência
social seja campo de acesso a bens e serviços pelos usuários, por seu caráter
contraditório, é também um campo de interesses divergentes, “podendo constituir-se
em espaço de reiteração da subalternidade de seus usuários ou avançar na
construção de sua cidadania social” (1993:165)
Conforme aponta Yazbek, não há dúvidas de que o redimensionamento da
Assistência Social trouxe para essa política importantes avanços, novos desafios e
diversas possibilidades. O período de investida neoliberal nos anos 90, após
aprovação da Constituição Federal, operou um desmonte também na política de
Assistência Social que “construiu um perfil ainda longe do proposto pela LOAS, perfil
desarticulado que colocou em evidência um caráter seletivo, focalista e fragmentador”
(2004:12) que se caracterizam como medidas compensatórias frente ao ajuste
econômico nesse período.
Contudo, inserida na seguridade social, redesenhada e reavaliada no contexto
atual, a Assistência Social possui desafios que questionam a real efetividade da
política. Permeados pela cultura “assistencialista, clientelista, primeiro-damista,
patrimonialista, moralista e autoritária” acaba por reiterar o que Sposati denomina de
“não política”, dificultando a inscrição desta na responsabilidade pública e dever do
Estado em diferente níveis de gestão. Observamos ainda na tese defendida pela
autora, que a esfera pública pode-se aliar a defesa de um “lugar” específico da
assistência social, buscando correlacionar essa política com as demais políticas
públicas, bem como, tentando superar uma imensa fratura entre o anúncio do direito e
sua efetiva possibilidade de reverter o caráter cumulativo de riscos e vulnerabilidades
que permeiam a vida dos usuário.
3 - CONSIDERAÇÕES
Observamos que a conjuntura na qual a seguridade social se efetivou na
década de 80 foi conflituosa e tensionada pela correlação de forças internacional e
nacional. Nessa contenda, o Serviço Social foi uma das categorias profissionais que
mais presencialmente participou dessa efetivação intervindo ativamente no processo
de constituição das matrizes da CF e mais tarde da LOAS (instrumento que
juridicamente tem por objetivo regular de forma operacional o artigo 203 e 204 da CF).
Essa participação iniciada pela vanguarda da profissão, na contemporaneidade,
aglutina um elenco de produções, idéias e referências sobre essa política, que dão ao
Serviço Social o status de maiores pensadores críticos sobre a Assistência Social.
Essa intervenção para a profissão se constitui em um terreno nebuloso e
arriscado, no qual, temos que criticamente negar a existência de um pensamento
único sobre a temática na profissão, bem como não aceitar elaborações que coloquem
em xeque o real objeto de intervenção (questão social) e desviar de seu objetivo (luta
pela emancipação humana, política e pela afirmação dos direitos sociais para e pela
classe trabalhadora). No debate na literatura da profissão, que nesse trabalho foi
evidenciado pelas contribuições com maior caldo teórico acerca da temática,
verificamos inicialmente que há diferenças nas abordagens e dependendo de como
elas são trabalhadas podem ser mais favoráveis ao capital ou ao trabalho e aqui, a
nosso ver centra-se o maior dilema da discussão, pois afirmar isso é algo desafiador
nos limites de um artigo.
Acreditamos que diante da conjuntura atual é necessário ter clareza de que a
classe dominante tem invocado a Assistência Social como solução para combater a
pobreza. Em tempos de franca expansão da reestruturação produtiva, inovações no
âmbito da gestão da força de trabalho, novas formas de flexibilização, o caminho a ser
intensificado é: cada vez mais trabalhadores aptos ao trabalho expropriados dos
postos de trabalho. O capital, não tem mais condições de absorver a imensa massa de
trabalhadores alijados do mercado, invocando assim o Estado através da Assistência
Social, a absorver esse contingente. Para Mota (2010) a concepção de excluídos,
colabora para esse mito em torno da política de Assistência Social, pois, deixa saber
que os trabalhadores poderão ser “incluídos” através dos programas da Assistência
Social.
4 – REFERÊNCIAS
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MOTA, A E. Cultura da Crise e Seguridade Social. 5ª. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
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NETTO, J.P. FHC e a política social: um desastre para as massas trabalhadoras. In: O Desmonte da nação: balanço do governo FHC. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. v. 1.
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