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Nome do Evento: 3º Seminário de Relações Internacionais da ABRI
Data e Local do Evento: 29 e 30 de setembro de 2016 – Florianópolis (SC), no campus
da Universidade Federal de Santa Catarina.
Área temática: Economia Política Internacional
Título do Trabalho: FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
PARA O DESENVOLVIMENTO
Nome completo e instituição do autor: Prof. Dr. Alfa Oumar Diallo - Universidade Federal da Grande Dourados - Mato Grosso do Sul - Brasil
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Resumo: O presente artigo versa sobre as tensões entre as dinâmicas de constituição de
uma sociedade internacional, a geopolítica dos Estados, o sistema econômico e os
processos de cooperação internacional. Mais particularmente, visa a analisar, na sua
primeira parte, a cooperação internacional na atualidade e num segundo momento os
fundamentos teóricos da cooperação internacional para o desenvolvimento, assim como os
seus processos de institucionalização.
PALAVRAS-CHAVE: Fundamentos teóricos – Cooperação internacional – Desenvolvimento
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FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O
DESENVOLVIMENTO
"Qualquer humanismo significativo deve começar a partir do igualitarismo e deve conduzir as políticas objetivamente escolhidas para a proteção e manutenção do igualitarismo." Kwame Nkrumah, Ex-presidente do e panafricanista Ghana
"A luz selvagem do Sol resplandecerá novamente sobre nós, enxugará as lágrimas e as nossas feições achincalhadas. Quando romperem estes grilhões, estas pesadas correntes, dispersar-se-á para sempre o tempo da crueldade, da maldade. Orgulhoso, o livre Congo se levantará da terra negra." Patrice Lumumba, Ex-presidente da República Democrática do Congo
Artigo produzido com o apoio da Fundação CAPES.1
INTRODUCÃO
A “ideia força” de cooperação existiu por toda a história e continuará a existir por muito
tempo onde ela será, não mais como uma proposta, mas como uma realidade onde todos
(as), de forma consciente, serão parte e cumprirão com suas responsabilidades que muitas
vezes superam o dogmatismo das regras e se encontram no “Espírito das Leis” devendo ser
reconhecido como fundamento da vida em sociedade.
A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento pode ser entendida como o conjunto
de ações direcionadas e executadas por atores públicos e privados de distintos países que
buscam, conjuntamente, promover um progresso mais justo e equilibrado no mundo,
objetivando a construção de um planeta mais seguro e pacífico. Mediante a introdução de
mudanças econômicas, sociais e políticas, tem como meta atual a consolidação dos
Objetivos do Milênio, possuindo como foco a melhora na vida das pessoas que habitam os
países do Sul. Tal cooperação é executada mediante uma ampla gama de organizações
nacionais e internacionais, que formam uma rede institucional que integra o que hoje se
conhece como Sistema de Cooperação Internacional ao Desenvolvimento. (Giulia
Manccini,2013)
1 Agradeço a CAPES pelo financiamento do meu pós-doutorado. Agradeço imensamente ao professor Dr.
Amine Ait-Chaalal e a sua instituição (Universidade Católica de Louvain-la-Neuve) por me permitirem realizar a minha pesquisa pós-doutoral nesta nobre instituição.
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A análise procurará demonstrar a relevância da cooperação internacional como vetor
estratégico e instrumento útil para as relações internacionais; examinando a cooperação
internacional na atualidade na primeira parte. O trabalho se concentrará também na
segunda parte sobre o enquadramento teórico e a análise das perspectivas teóricas.
PARTE I – A cooperação internacional na atualidade
Desde o início das discussões que norteiam as ciências políticas, a natureza do Estado e
seu comportamento em relação aos outros, é um dos principais focos de estudo e
discussão. Antes de Hobbes e Maquiavel, Platão, já dizia que todos os Estados estão
constantemente envolvidos numa incessante luta, uns contra os outros. Pois a paz, não
passa de uma palavra; a verdade é que todo Estado está, por uma lei da natureza, engajado
numa Guerra Informal contra todos os demais Estados. A cooperação internacional tem
desempenhado há mais de meio século papel significativo e especial nas relações
internacionais, tanto no plano bilateral quanto no multilateral.
O principal personagem de Platão, o “Forasteiro de Atenas”, reage ao sistema aristocrático,
dizendo que a legislação a ser buscada é a que vise a Paz e não a Guerra, e que propicie
uma vida feliz e não o predomínio de um Estado sobre o outro. É nítido que para Platão e os
demais autores gregos, a cooperação de que se fala, implícita ou explicitamente, é aquela
que seja capaz de impedir a guerra entre os gregos. É uma forma de organizar a sociedade
de maneira que evite um conflito. A idéia da cooperação internacional é então, esboçada
desde que se iniciam as discussões sobre os Estados e se modifica e aprofunda as
discussões de acordo com cada fase da história mundial.
Em outras fases da história, como por exemplo, o período medieval, as alianças (entendidas
como cooperação ou colaboração), são utilizadas como instrumentos para promover a fé
cristã e deter os avanços dos chamados bárbaros e infiéis. Foram necessários alguns
séculos de conflitos recorrentes, e, sobretudo, os desastres da primeira e segunda guerra
mundial, para que a cooperação assumisse força suficiente e viesse traduzir-se em ação.
Os primórdios da cooperação internacional perdem-se na noite dos tempos, muito antes que
surgisse o conceito moderno de desenvolvimento, isto é, o crescimento econômico aliado a
uma repartição social – tanto quanto possível equânime – dos seus benefícios, e sustentável
no tempo e no espaço. Conquanto possa parecer hoje politicamente incorreto, durante todo
o meio milênio que durou a epopeia colonial, e por mais que esta fosse – como o foi a da
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América, da África e da Ásia – predatória e espoliativa, houve, na realidade, na maioria dos
casos, elementos de cooperação, de transferência de tecnologia, por exemplo mediante a
implantação de uma administração organizada e de serviços públicos essenciais.
A cooperação internacional, não apenas sofreu grandes transformações ao longo do tempo,
acompanhando as mudanças no cenário das relações internacionais, mas também se firmou
como um componente essencial na política externa dos países. Em grande medida, foi essa
cooperação que permitiu a construção de um mundo de relações globalizadas onde o
conhecimento compartilhado e o emprego de padrões comuns e compatíveis entre si nas
muitas atividades técnicas desempenham um papel central.
Nos anos 1990, a preocupação das grandes agências internacionais teria se direcionado ao
ambiente político e estrutural dos Estados “subdesenvolvidos” porque entenderam que, sem
uma adequação neste sentido, recursos poderiam ser desperdiçados em projetos que não
visavam ao longo prazo. Os recursos provenientes da cooperação internacional
começariam, então, a ceder lugar de maneira a privilegiar os fluxos de capital privado. Isto
por conta da forte influência da ideologia neoliberal dominante no período, que pregava a
responsabilização dos países “subdesenvolvidos” pelo próprio processo de desenvolvimento
(HALLIDAY, 2007).
As ações de cooperação internacional para o “desenvolvimento” passaram a contar com
uma diversidade maior de atores desde o final da década de 1980. Os Estados nacionais
continuaram a desempenhar a função de planejamento de políticas públicas, mas também a
sociedade civil (preponderantemente por meio de organizações não-governamentais)
auxiliou na composição de um quadro mais amplo. Também as operações de bancos de
desenvolvimento, como o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), passaram a envolver de maneira mais acentuada tanto empresas e
grandes corporações privadas, quanto organizações representativas da sociedade civil,
além de atuar junto aos setores público e privado (BARROS, 2007).
Após o período da Guerra Fria, organizações representativas da sociedade civil começaram
a despontar com maior vigor e a reivindicar mudanças na forma como até então se concebia
a cooperação. As agências internacionais, então, passaram a propor uma concertação (a
chamada “parceria”) entre doadores e receptores dos recursos envolvidos na cooperação. O
discurso empregado defende que esta seria uma forma de os atores implicados projetarem
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e executarem planos de ação em conjunto, implicando o compartilhamento de
responsabilidades entre os atores envolvidos (FLORES, 2007; VADELL, 2005).
Em outras palavras, ocorreria uma substituição (ao menos parcial) da relação anteriormente
usual de dominação por outra, onde passaria a predominar uma forma mais sutil de poder,
velada por meio de um discurso de participação democrática, de descentralização do poder
e de responsabilização mútua, visando à sustentabilidade das ações anteriormente
planejadas estrategicamente pelas agências internacionais e organizações
intergovernamentais, quando, na verdade, haveria uma “regressão induzida pelas práticas
da governança em matéria de democracia” (HERMET, 2003).
Segundo Kazancigil (2002), haveria uma lacuna de percepção e tensões políticas cada vez
maior entre os países do Norte e os do Sul, não tanto em relação à globalização em si, mas
em relação às suas condições atuais e direção, e o fato de que as organizações
internacionais as quais guiam a globalização quase refletem exclusivamente os interesses e
as agendas dos poderes políticos e econômicos localizados no centro do sistema mundial,
às custas daqueles que estão na periferia.
O autor denomina “Consenso Pós-Washington” (KAZANCIGIL, 2002) à tentativa discursiva
de reforma do receituário do Consenso de Washington na segunda metade dos anos 1990.
Este renovado discurso abrangeria preocupação com temas como redução da pobreza,
igualdade social e transparência, de forma a abrandar os reflexos negativos decorrentes do
neoliberalismo. A mudança na retórica refletiria “uma Agenda do Norte ‘de cima para baixo’,
com os mesmos ‘mercados reguladores’ e os mesmos ‘executores das regras’”
(KAZANCIGIL, 2002), o que manteria alta a chance de ocorrer conflitos entre Norte e Sul,
dado que o “Sul” intitula um grupo complexo e diverso em seu conjunto (DAUVIN, 2004;
SANTOS, 2009; CARRION, 2010a) e o Norte compartilharia uma visão dominante de boas
práticas a serem seguidas e reproduzidas em larga escala.
Examinando criticamente a cooperação internacional para o “desenvolvimento” nas últimas
décadas, entende-se que as organizações internacionais desempenham um papel decisivo
com relação ao discurso e à prática do “desenvolvimento” em nível global. Sua tentativa de
articular um novo consenso (consenso “Pós-Washington”) (KAZANCIGIL, 2002; DINIZ,
2006) estaria firmada, fundamentalmente, sobre três iniciativas-chave: promoção de
objetivos de desenvolvimento em escala internacional; apropriação de políticas de
desenvolvimento pelo país recipiendário da cooperação; e estratégias de redução da
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pobreza. Estas ações, entre outras, fariam parte do que Ruckert (2008) denomina de “um
regime de desenvolvimento neoliberal modificado com orientação marcadamente ‘inclusiva’”.
Além disso, uma vez que as organizações internacionais não podem obrigar o cumprimento
de acordos, elas contariam com a avaliação e vigilância entre os próprios Estados. Também
a difusão de visões convergentes sobre como problemas associados a políticas sociais
devem ser abordados colaboram no mesmo sentido (RUCKERT, 2008).
Na verdade, não são apenas os mercados para os produtos, serviços e recursos financeiros
de um país que se abrem por meio da cooperação, mas também, talvez até mais
importante, a cooperação possibilita o intercâmbio de pessoas, experiências e
conhecimentos. É por meio dessa interação que as diferentes manifestações de culturas e
tradições, presentes nas instituições políticas e sociais nacionais, se fazem compreender
umas às outras tornando o meio internacional um ambiente mais amigável e,
eventualmente, mais propenso a uma convivência mais harmônica e pacífica. Assim, as
nações que participam mais ativamente de programas de cooperação internacional, além de
se beneficiarem das oportunidades oferecidas pela troca de conhecimentos e informações,
também têm na cooperação um fator de moderação na difícil barganha por interesses na
esfera internacional2.
A cooperação internacional emerge na atualidade como dimensão crucial. Em última
instância, constitui-se no canal pelo qual uma nação mantém-se conectada com padrões
econômicos e sociais predominantes no mundo e com as principais tendências em curso no
plano da ciência e do conhecimento bem como de suas aplicações para benefício das
sociedades. Por outro lado, o avanço dos mecanismos de cooperação significa também
novas oportunidades e novos problemas que, por sua vez, passam a demandar das
sociedades a construção de mais sistemas coerentes e compatíveis entre si em suas
práticas produtivas e em suas instituições políticas e sociais. (SATO, 2010)
Krasner oferece contribuição ao estudo da cooperação Sul-Sul. Ao enfatizar a análise
estrutural, permite entender por que nas décadas em que o Terceiro Mundo apresentou
crescimento mais expressivo foram justamente os momentos em que aqueles países
mobilizaram mais esforços na implementação de seu programa. Explica, ainda, a atuação
2 Desde o século XVII fala-se na tese do “suave comércio”, isto é, que o comércio suaviza as relações entre
povos, tornando-as mais pacíficas ao interagir e criar laços de interesse e entendimento. Entre os autores
lembrados dentro dessa tradição são lembrados notáveis pensadores como Montesquieu e Kant. Ver AlbertO.
Hirschman, A Economia como Ciência Moral. Editora Brasiliense, R. Janeiro, 1984.
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dos países em determinadas situações, como o apoio à quadruplicação dos preços do
petróleo mesmo cientes dos elevados custos econômicos daquela medida e a insistência da
OPEP em incluir itens, como a agricultura, nas suas discussões com os países do Norte. A
compreensão desses fatos escaparia numa interpretação eminentemente economicista.
Nesse sentido, a identificação de Krasner de um regime internacional proposto pelo Terceiro
Mundo, calcado em modo de alocação autoritário, pode ser compreendido como meio de
reduzir as vulnerabilidades daquele conjunto de países. O programa metapolítico endossado
pelo grupo visaria a minorar os constrangimentos impostos pela distribuição de poder
vigente, assegurando-lhes maior possibilidade de controlar e absorver os efeitos de custo
gerados pela interdependência. Para o autor, a unidade do Terceiro Mundo é resultado de
situação objetiva e de um auto-entendimento subjetivo. As condições objetivas consistem na
vulnerabilidade daquele grupo e as condições subjetivas são dadas pela coincidência de
visões sobre características desiguais do sistema econômico.
A perspectiva institucionalista liberal será adotada ao longo do trabalho por oferecer
subsídios para o entendimento da cooperação internacional, em geral, e da cooperação Sul-
Sul, em particular. Em primeiro lugar, propõe uma definição do conceito de cooperação
internacional como coordenação de políticas e esmiúça as condições em que essa situação
pode ocorrer3. Além disso, ainda que o foco de Keohane, Nye e Stein recaia notadamente
sobre as relações entre países do Norte, seus estudos trazem indicações para a
compreensão das relações entre países do Sul.
A ideia de que atributos do sistema internacional afetam a atuação dos países, presente nas
análises de Keohane e de Nye (2001), parece particularmente clara na situação dos países
em desenvolvimento. A vulnerabilidade gerada pela interdependência constrange
significativamente as ações daqueles Estados. Além de exercerem escasso controle sobre
os fluxos e de disporem de pouca capacidade para ajustarem-se a choques externos, os
países do Sul situam-se frequentemente em situações de desvantagem na negociação de
temas, vendo-se obrigados a transigir em seus interesses. A necessidade de cooperação
para obter resultados parece eficientes que, isoladamente, não seriam alcançados,
examinada tanto por Keohane quanto por Stein (1990), resulta fundamental para os países
do Sul.
3 Helen Milner salienta que esses dois aspectos constituem as grandes virtudes, as grandes “forças” da literatura
de cooperação internacional. Ver MILNER, Helen. “International theories of cooperation: strengths and
weaknesses. In: World Politics, vol. 44, no 3, 1992.
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A coordenação de políticas constitui meio estratégico de minorar os efeitos de custos
derivados da interdependência. A tomada de decisão conjunta traduz-se na defesa comum
de um regime internacional capaz de corrigir a distribuição desigual de poder e de garantir
aos países em desenvolvimento maior bem-estar econômico e controle político. Como
mostra Krasner, essa cooperação visa a uma meta de poder e à defesa de um regime
internacional lastreado em novos modelos.
Acresce o papel das instituições para os países do Sul. Como reúnem recursos de poder
limitados para controlar resultados em seu benefício, esses Estados necessitam de arranjos
que lhes permitam maior estabilidade, previsibilidade e entendimento. Ao preverem
mecanismos de monitoramento, as instituições facilitam a criação e o cumprimento de
acordos, tornando a cooperação Sul-Sul mais efetiva.4
Ao sediarem foros periódicos de discussão, reduzem custos burocráticos, permitindo aos
países do Sul o estabelecimento de múltiplos canais de contato, a articulação de posições e
a coordenação de políticas. Ao fornecerem informações razoavelmente fartas e confiáveis,
as instituições possibilitam aos países em desenvolvimento, sobretudo aos mais pobres, que
carecem de recursos humanos e materiais técnicos adequados para as negociações, a
identificação de pontos de convergência nas mais distintas áreas e o compartilhamento de
experiências, superando um dos grandes obstáculos à cooperação Sul-Sul: o
desconhecimento mútuo.5
Cabe mencionar, ainda, a influência das interações na formação de preferências e o
entendimento intersubjetivo de que a plêiade de interesses dos Estados não é algo dado,
mas constantemente renovado pela interação, que pode reforçar pontos de coincidência e
contribuir para a ação comum.
4 O relatório do Comitê de Alto Nível sobre a cooperação Sul-Sul de maio-junho 2005 mostra que um dos
maiores entraves à cooperação Sul-Sul consiste na dificuldade de implementação de acordos. “The
implementation of commitments made by developing countries had also been problematic. Targets and
initiatives had to be feasible and manageable if they were to be productive. There was a need to consolidate the
South agenda and create mechanisms to coordinate and keep South-South activities under review at all levels-
bilateral, sub-regional, regional and global”. United Nations, Report of the High-Level Committee on South-
South cooperation: 14th session (31 May-3 June 2005) res. A/60/30, p. 10.. 5 O relatório aponta que os países do Sul precisam superar a desinformação. “Communication systems and lack
of connectivity within and among developing countries posed a major problem... Much wider information-
sharing and awareness of realities in other developing countries were needed.” Idem, p. 10. Essa preocupação é
reiterada no estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ver UNDP, Forging a
global South-South cooperation. December 19th, 2004. Disponível em: www.undp.org, acesso em 20/09/2013.
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O debate intelectual, político e ideológico acerca das relações de disputa, antagonismo e
posicionamento internacional perante as dificuldades políticas e econômicas iniciava uma
trajetória de construção de métodos e conceitos que tinham a pretensão de permitir
compreender a natureza e o funcionamento do sistema internacional. Explicar os fenômenos
mais importantes que moldam a política mundial e as principais características dos
processos que se desdobram em ações, interações, conflitos e negociações entre as
nações em universo global passa a ser tarefa de um grupo de pensadores que se debruçam
para formular teorias que contribuam no sentido do entendimento desse processo.
PARTE II – Enquadramento teórico e a análise das perspectivas teóricas
A cooperação, voltada aos interesses exclusivos dos doadores possui sua base teórica no
realismo político e no neorrealismo, escolas mais difundidas na academia da sociedade
internacional, as quais abordam as relações internacionais como uma constante luta de
poder entre seus membros que vivem em uma sociedade anárquica e atuam de maneira
racional e egoísta para alcançar seus interesses nacionais. Nessa dinâmica, a cooperação
não é um exercício de solidariedade, e sim uma estratégia de política exterior, cuja
finalidade é satisfazer as necessidades internas do doador.
Hans Morgenthau, um dos principais teóricos do realismo, equiparou a ajuda internacional
com os subornos aos governos receptores, os quais são utilizados pelos países
desenvolvidos para obter benefícios que atendam ao interesse nacional. Ficando bem claro
tal teoria, quando analisamos o seu surgimento diante do contexto de Guerra Fria, quando
foi utilizada como o principal instrumento de “lealdade” para conter a ameaça comunista ou
o avanço do capitalismo. E, depois da Queda do Muro de Berlim e consequente fim da
Guerra Fria, a Cooperação e principalmente a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento6 se
reduziram sensivelmente. (Giulia Manccini,2013)
Exemplos atuais que ilustram a teoria realista também podem ser encontrados no
caso da União Europeia, que utiliza o modelo de cooperação para assegurar laços com suas
ex-colônias a fim de reafirmar a presença europeia em escala mundial e garantir que os
novos países adotem a economia de mercado e tenham como principais parceiros os países
europeus, facilitando a internacionalização de suas empresas e garantindo a segurança do
meio ambiente, visto que muitos desses países possuem ainda armas nucleares e outros
6 Donativos e empréstimos concedidos com termos financeiros concessionais, com origem em fontes oficiais e
com o objetivo de promover o desenvolvimento económico e bem estar.
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tipos de armamentos e bombas que causam um grande risco de desastre ecológico. E
também, após o 11 de Setembro de 2001, vários países têm optado por impor na agenda
global o fomento da segurança como prioridade, inclusive por cima dos compromissos
acordados através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, principalmente os Estados
Unidos da América, que voltou a utilizar sua ajuda como instrumento estratégico discricional
de segurança e não precisamente de desenvolvimento, deslocando, com essa atitude,
aqueles que não compartilham ou apoiam suas ações no plano internacional. (Giulia
Manccini,2013)
Assim, a evolução da cooperação mundial internacional ao desenvolvimento mostra que,
desde o seu nascimento, tem estado muito ligada à defesa dos interesses do doador,
principalmente a Europa em relação aos países africanos. O que até certo ponto resulta
lógico, porque a cooperação é parte da política exterior de um país e de uma região e o
objetivo essencial desta política é a defesa das posições nacionais. Contudo, é preciso
recordar que, em um mundo cada vez mais interconectado e afetado por graves desafios
globais, já não tem sentido uma política exterior de miras curtas a serviço das demandas
locais. (Giulia Manccini,2013)
Com o fim da Guerra Fria, surgiram muitas opiniões favoráveis que previam o surgimento de
uma nova ordem mundial e pregavam que o confronto deveria ser substituído pela paz e
confiança mútua. Nessa perspectiva, foi proposto que o dinheiro antes utilizado nos gastos
militares fosse dirigido para promover o desenvolvimento equilibrado do mundo, projeto
conhecido como Dividendos para a Paz. Fato que, se realizado, superaria a herança do
Plano Marshall. “O fim da guerra fria não trouxe temas para a agenda internacional
exatamente novos, somente os desvinculou da força que os prendia ao sistema bipolar
leste-oeste, tornando-os globais.”. Como a soberania estatal encontrou seus limites nos
problemas globais, a cooperação pareceu voltar aos eixos de sua proposta solidária. (Giulia
Manccini,2013)
A corrente teórica que diverge da realista e possui o aporte teórico correspondente a essa
esperança mundial, é a construtivista, para a qual as estruturas fundamentais da política
internacional são basicamente sociais e não dependem das relações de poder. Estas
estruturas sociais influenciam os governantes e condicionam os interesses, valores,
ideologia e as percepções dos atores internacionais. Ou seja, os interesses nacionais dos
países são produto das construções que seus respectivos estadistas percebem a respeito
do contexto internacional. De modo que os atores realizam suas ações sustentadas por uma
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série de valores e interesses através de determinados meios e capacidades definidas pela
estrutura social, a qual não corresponde a mero interesse nacional e egoísta, mas sim
considera outros elementos importantes como a ética. Sendo ponto pacífico para os
construtivistas que existe uma obrigação dos países do Norte para corrigir os problemas de
alcance global, em grande maioria causados por eles mesmos, e a Cooperação
Internacional para o Desenvolvimento é um mecanismo eficaz para isso, existindo uma
obrigação ética para praticá-la. (Giulia Manccini,2013)
O realismo e o construtivismo divergem sobre o fundamento da cooperação e possuem
exemplos históricos para fundamentarem suas teorias. Entretanto, a Cooperação
Internacional para o Desenvolvimento é uma realidade que vem se desenvolvendo e não
deve ser interrompida, pois, apesar da possibilidade de representarem interesses dos
países doadores, não significa que esses interesses não possam ser conjuntos, ou seja, um
determinado país do Norte pode estar investindo em uma área que lhe favoreça e favoreça
ao país receptor também. Devido a globalização e aproximação dos países que temos hoje,
a Cooperação é uma importante estratégia que, mesmo se em alguns casos seja somente
por decisão do país doador, não significa que seja ineficaz no combate ao
subdesenvolvimento. (Giulia Manccini,2013)
As interações entre os Estados – que permanecem como atores elementares, mas não
exclusivos, do sistema internacional – podem variar de diversas formas, entre o conflito e a
cooperação. Estas duas dinâmicas de interação entre os atores internacionais são
essenciais para os pressupostos teóricos de realistas e liberais, respectivamente. A teoria
realista defende que o sistema internacional é caracterizado pela anarquia, conceito que
define o sistema internacional como um ambiente desprovido de uma autoridade superior
que regule as interações entre os Estados soberanos.
Realism has dominated international relations theory at least since World War II. For realists,
international anarchy fosters competition and conflict among stats and inhibits their
willingness to cooperate even when they share common interests. Realist theory also argue
that international institutions are unable to mitigate anarchy’s constraining effects on inter-
state cooperation. Realism, then, presents a pessimistic analysis of the prospects for
international cooperation and of the capabilities of international institutions (GRIECO, 1988).
Assim, difundiu-se amplamente o fundamento de que a política entre as nações é
constituída essencialmente da luta pelo poder e do conflito de interesses, compreensão esta
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baseada fundamentalmente na obra de Morgenthau (2003), que oferece argumentos
coerentes sobre a política entre as nações e os princípios do realismo político, submetendo
suas hipóteses ao duplo-teste da razão e da experiência. Segundo a corrente teórica
ancorada nesta obra, os Estados só dispõem de sua autoajuda para garantir a própria
sobrevivência e satisfazer seus interesses. Sugeriria este quadro uma continuidade da
situação de anarquia. [Porém,] A novidade maior do tema ambiental, assim como o foi o
tema das armas nucleares, é que nesse terreno a permanência da anarquia e dos
interesses egoístas poderia levar a prejuízos irreversíveis para todos (VIGEVANI,
SCANTIMBURGO, 2011).
Ocorre que as transformações processadas no sistema internacional a partir de 1970,
causadas pela diminuição da intensidade do conflito na Guerra Fria, o temor da destruição
nuclear e o surgimento dos chamados novos temas, como os direitos humanos e o meio
ambiente, resultaram na expansão e diversificação das relações internacionais, ampliando
as interações entre os atores para além dos padrões e temas tradicionais da política de
poder e da economia. Neste cenário despontou a seguinte questão: como poderia ocorrer a
cooperação neste ambiente internacional determinado pela anarquia?
Axelrod e Keohane (1993) contribuíram para esta discussão com a obra: “Alcançando
Cooperação sob Anarquia: Estratégias e Instituições”. Estes autores afirmam que a
ocorrência da cooperação é compatível com a anarquia característica do sistema
internacional. Para eles a cooperação pode se desenvolver em algumas áreas das relações
internacionais enquanto outras áreas permanecem sob o domínio da anarquia:
Relationships among actors may be carefully structured in some issue-areas, even though
they remain loose in others. Likewise, some issues may be closely linked through the
operation of institutions while the boundaries of other issues, as well as the norms and
principles to be followed, are subject to dispute (AXELROD; KEOHANE, 1993).
Axelrod e Keohane afirmam ainda que a cooperação não é equivalente à harmonia, ou seja,
uma situação ideal. A harmonia requer completa identidade de interesses, mas a
cooperação só pode ocorrer em situações que contenham uma mistura de interesses
conflitantes e complementares. Nas palavras dos autores: Cooperation is not equivalent to
harmony. Harmony requires complete identity of interests, but cooperation can only take
place in situations that contain a mixture of conflicting and complementary interests
(AXELROD; KEOHANE, 1993).
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Ao reconhecermos a existência de interesses conflitantes e complementares no interior de
processos e negociações que visam à cooperação, elimina-se a perspectiva de que a
cooperação internacional seja um objetivo idealista, que desconsidera ou negligencia a
relação de forças da política mundial. Assim, pode-se analisar situações considerando a
relação conflitiva como fazendo parte integrante de tais situações, em vez de ser um mal
que se deve eliminar [...] O objetivo consiste em encontrar soluções estáveis que satisfaçam
as preferências mais elevadas dos atores (LE PRESTRE, 2000).
Esta perspectiva de compatibilidade entre a cooperação internacional e as forças
concorrentes da política mundial aparece nas obras de Keohane, em After Hegemony
(1984) e em Neorealism and its Critics (1986), nas quais o autor propõe um novo modelo de
análise das relações internacionais com ênfase no papel das instituições e regras
internacionais. “Nesses trabalhos, Keohane faz uso dos mesmos pressupostos do realismo
de modo a demonstrar que eles são condizentes com a formação de arranjos institucionais
conducentes à cooperação” (RAMOS, 2006).
Devido a esta realidade, Keohane e Nye (2001) buscaram unir conceitos das teorias realista
e liberal para criar um tipo-ideal para explicação dos fenômenos contemporâneos das
relações internacionais, a interdependência complexa. Façamos uma breve incursão nesse
debate para compreender sua relação com os desdobramentos atuais das questões
ambientais globais. As mudanças na política mundial identificadas por estes autores são
caracterizadas pela influência de processos transnacionais no sistema internacional. Para
estes autores, o sistema internacional encontra-se cada vez mais interligado devido ao
avanço nas comunicações, à intensificação das transações financeiras, ao crescimento do
volume de comércio, à atuação de empresas multinacionais, e às influências culturais e
ideológicas entre países.
Essa nova configuração da política mundial foi definida por Keohane e Nye como
interdependência complexa. Na política mundial, a interdependência refere-se a situações
caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países
(NOGUEIRA e MESSARI, 2005). Keohane e Nye (2001) apontam em sua obra que a
interdependência complexa tende a aumentar a ocorrência da cooperação e afirmam que a
interdependência possui três características principais: a existência de múltiplos canais
conectando as sociedades; a ausência de hierarquia entre os múltiplos temas da agenda
internacional; e, o fato do papel do uso da força militar estar diminuindo nas relações
internacionais. Esta última característica é um indício de que a intensificação da cooperação
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pode causar transformações nas principais estruturas do sistema internacional,
essencialmente, na anarquia e na tendência ao conflito permanente de interesses.
Por fim, a teoria da interdependência complexa, com os conceitos de sensibilidade e
vulnerabilidade, demonstra que os atores do sistema internacional se encontram altamente
interconectados através de redes difusas de comunicações, compromissos e desafios
globais como é o caso da problemática ambiental que se coloca, por exemplo, frente aos
Estados amazônicos. Para eles a interdependência entre os atores do sistema internacional
aumentaria a cooperação.
Todavia, esta interdependência não é simétrica, pelo contrário, as diferenças de poder dos
atores estão presentes nos acordos de cooperação. Desta forma, “a interdependência não
serve para explicar todos os eventos das relações internacionais, mas se aproximam muito
de alguns casos de interdependência econômica e ecológica”. A interdependência é um
fenômeno indissociável da cooperação, na medida em que os Estados, ao pretenderem
regular o meio ambiente que, na sua natureza físico-biológica é uma unicidade, a qual se
encontra acima de qualquer divisão entre as soberanias dos Estados, exige o
reconhecimento de que, para ser eficaz, qualquer regulamentação, inclusive em nível
interno, necessita basear-se numa reunião e conjugação de esforços com vistas a uma
finalidade comum (SANT’ANNA, 2009).
Portanto, o debate entre realistas e liberais sobre as características e possibilidades de
interação no sistema internacional oferece uma abertura bastante coerente para
aprofundamento dos estudos sobre a cooperação. É nesta lacuna que se insere o presente
estudo, com o intuito de, a partir da discussão estabelecida, inserir novos elementos
explicativos direcionados à compreensão e ao desenvolvimento da cooperação para o
desenvolvimento.
O referencial teórico básico de qualquer estudo de Relações Internacionais é, não resta
dúvida, o realismo, especialmente a partir das formulações de Edward Carr e Hans
Morgenthau, não sem que se dê a devida importância ao estruturalismo de Kenneth Waltz .
As mudanças no equilíbrio de forças e, conseqüentemente, de poder no cenário
internacional é objeto de análise de diversos autores. A forma como os Estados de maior
poder relacionam-se, pacificamente ou não, em última instância é o que determina a
estrutura das relações internacionais como um todo, influenciando as relações dos demais
16
países entre eles e com as potências. Tal campo de análise, contudo, é bastante complexo,
tendo em vista a diversidade de enfoques que podem ser adotados e a variedade de
aspectos a serem considerados quando se visa examinar o grau de poder de determinado
Estado ou organização internacional.
Com a crescente complexcidade das relações internacionais, as formas de explicar essa
realidade se diversificaram. As próprias teorias tradicionais foram reformuladas, basta
atentarmos para as análises dos autores neorealistas (como Keneth Waltz, por exemplo) e
neoliberais (como Joseph Nye, Robert Keohane e Richard Rosecrance, por exemplo). Se
isoladamente essas teorias não conseguem dar conta de elucidar as relações vigentes no
ambiente internacional, quando relacionadas e contrapostas conseguem se aproximar mais
das motivações que impulsionam os atores do sistema internacional a agirem de
determinada forma. Deste modo, as diversas teorias sobre a crescente interdependência
entre esses entes ajudam a explicar a relevância adquirida pela cooperação técnica
internacional como ferramenta de relacionamento e desenvolvimento mútuo no ambiente
internacional.
Desde o final da década de 1980, o campo das relações internacionais foi enriquecido ao
incorporar uma nova escola ao debate, até então dominante, entre neorealistas e
institucionalistas neoliberais – posteriormente chamados racionalistas. Trata-se da teoria do
construtivismo social, que critica as teorias racionalistas por considerarem os interesses e
identidades dos atores como exogenamente dados. Em oposição, o construtivismo resgata
e enfatiza as crenças causais e normativas dos decisores e proporciona uma reflexão sobre
como a distribuição de conhecimento conforma as identidades, preferências e interesses
dos atores.
A origem das teorias de regimes internacionais encontra-se na década de 1970, mais
precisamente com a publicação do artigo “International responses to technology: concepts
and trends” (Ruggie, 1975). Neste, John Gerard Ruggie suscitou a discussão acerca da
tensão existente entre política e ciência no que tange aos desafios tecnológicos em três
níveis distintos: cognitivo, regimes internacionais e organizações internacionais. A partir da
definição de John Ruggie de regimes internacionais7, iniciou-se um amplo debate entre
teóricos e acadêmicos das relações internacionais sobre essa categoria.
7 Para Ruggie, regimes internacionais são “conjuntos de expectativas mútuas, regras e regulações, planos,
energias organizacionais e comprometimentos financeiros que são aceitos por um grupo de Estados” (Ruggie,
1975: 570-571). Nota-se que o autor leva em consideração as expectativas mútuas entre os atores, diferentemente
17
A definição conceitual de regimes internacionais realizou-se no contexto do debate
neorrealismo x neoliberalismo, o qual contribuiu para o desenvolvimento de duas teorias de
regimes: a neorealista, para quem o poder constitui-se na variável-chave e os atores
buscam ganhos relativos e a institucionalista neoliberal, cuja variável central é os interesses
e, assim, os atores objetivam maximizar seus ganhos absolutos. Os principais expoentes
destas teorias de regimes são os neorealistas Stephen Krasner e Susan Strange e os
institucionalistas neoliberais Robert Keohane e Robert Axelrod8. Ambas correntes seguem a
mesma orientação metateórica, o racionalismo, e passaram a ser questionadas com o
surgimento de uma escola teórica baseada no cognitivismo: o construtivismo social.
A teoria construtivista, também chamada reflexivista, das relações internacionais originou-se
no final da década de 1980, mais especificamente com a publicação de “World of our
making: rules and rule in social theory and international relations” (University of South
Carolina Press, 1989), por Nicholas Onuf. Nesse período, iniciou-se um amplo debate –
sobretudo no âmbito da teoria das relações internacionais norte-americana – entre
neorrealistas e neoliberais (racionalistas) e teóricos críticos. O aporte construtivista surgiu
como um contraponto às escolas racionais, enfatizando a importância de estruturas
normativas (normative frameworks) e materiais na formação das identidades dos atores
políticos e na relação mútua entre agentes e estruturas.
Alexander Wendt sustenta o seguinte “Anarchy is what states make of it: the social
construction of power politics” e, a partir deste, o construtivismo se subdivide em duas
vertentes: a wendtiana, que busca estabelecer uma conexão entre o racionalismo e os
reflexivistas, à qual também pertence John Gerard Ruggie, e a corrente construtivista crítica,
da qual fazem parte Robert Cox, Nicholas Onuf e Friedrich Kratochwil. A essência da teoria
construtivista encontra-se nos conceitos de estrutura e identidade. A primeira corresponde à
interação de padrões e à interação entre agentes, idéias e práticas – que é denominada
intersubjetividade – e é construída socialmente. Já o segundo conceito, identidade, constitui-
se na base dos interesses dos atores.
Pode-se apreender três pressupostos fundamentais do construtivismo, quais sejam:
constituição mútua de agentes e estruturas; compreensão da condicionalidade das
da definição proposta pela corrente racionalista. É possível, então, perceber o elemento construtivista presente na
definição de Ruggie. 8 Para uma discussão aprofundada das teorias racionalistas de regimes, ver HASENCLEVER, A.; MAYER, P.;
RITTBERGER, V. (2004) Theories of international regimes. 2e. Cambridge: Cambridge University Press.
18
estruturas não-materiais sobre as identidades e interesses dos atores e importância
equitativa entre estruturas normativas e materiais, já que ambas moldam o comportamento
dos atores internacionais. Pode-se afirmar, então, que esse aporte é dialético, pois
reconhece que atores e estruturas influenciam-se mutuamente.
Os construtivistas negam antecedência ontológica tanto aos agentes quanto à estrutura e
afirmam que ambos são coconstituídos. Wendt propõe uma abordagem denominada
estruturacionismo (structurationism), que une “o melhor dos dois mundos” (Wendt, 1999)
das teorias neorealista e do sistema-mundo e confere tanto aos agentes quanto às
estruturas a mesma posição ontológica. Segundo ele, o problema agente-estrutura é, na
realidade, dois problemas inter-relacionados, um ontológico e outro, epistemológico. O
primeiro problema, e mais fundamental, diz respeito à natureza de ambos, agentes e
estruturas e, já que os dois se afetam mutuamente de algum modo, também às suas inter-
relações. Em outras palavras, que tipo de entidades são (ou, no caso de estruturas sociais,
são mesmo entidades?) e como se inter-relacionam? Há, basicamente, duas formas de se
abordar esta questão: tornar uma unidade de análise ontologicamente primitiva ou dar-lhes
o mesmo e, portanto irredutível, status ontológico. [...] Esta conceituação [estruturacionista]
nos força a repensar as propriedades fundamentais de agentes (estatais) e estruturas do
sistema. Em troca, permite-nos utilizar agentes e estruturas para explicar algumas das
propriedades-chave de cada um como efeitos do outro, ver agentes e estruturas como “co-
determinados” ou entidades “mutuamente constituídas”.
Ainda Wendt advoga que a anarquia não possui uma lógica única de conflito e competição;
antes, a anarquia pode reverter tanto lógicas de conflito quanto de cooperação, dependendo
de como os Estados a utilizam. No excerto acima, observa-se que, para o autor, os agentes
são estatais. Desta forma, pode-se inferir que a análise construtivista wendtiana é centrada
nos Estados e que se aproxima, em certa medida, da teoria realista, quanto à determinação
dos atores internacionais. Ainda, ela considera que o poder é um elemento importante,
embora não seja o único a moldar o comportamento e ações dos atores; considera-se que a
política de poder é uma idéia resultante das estruturas social e internacional.
Para o construtivismo, os Estados formam algo mais complexo do que um sistema: uma
sociedade. A análise da política internacional se dá por meio da abordagem tradicional (em
oposição à científica), ou seja, por meio do “exercício do julgamento” e não pela verificação
19
e prova. Ademais, a escola construtivista traz as normas para o centro do estudo das
relações internacionais, o que a aproxima da Escola Inglesa9.
Contudo, apesar da aparente dicotomia teórica entre racionalidade e normatização, entre a
abordagem racionalista e a construtivista, estas não devem ser entendidas como
mutuamente excludentes; antes, “a racionalidade não pode ser separada de qualquer
episódio politicamente
significativo de influência ou mudança normativa, assim como o contexto normativo
condiciona qualquer episódio de escolha racional”10. Portanto, evidencia-se que as
diferenças entre as correntes teóricas racionalistas e construtivistas não residem na questão
da racionalidade, já que o construtivismo afirma que a racionalidade e a escolha têm um
papel importante na análise das ideias e normas; antes se trata de arraigadas concepções
metodológicas que ambas as escolas, racionalista e reflexivista, não pretendem renunciar.
Finnemore e Sikkink11 afirmam que este embate favorece a produção intelectual mais
aprofundada acerca das idéias, normas, instituições e identidades e seus respectivos papéis
na mudança política, pois nenhuma escola está inteiramente satisfeita com suas
conclusões. Portanto, a fim de obter avanços teóricos sobre estas questões, faz-se
necessário a superação dos debates e discussões puramente metodológicos. Isto pode ser
percebido, em certa medida, na literatura contemporânea sobre instituições e regimes
internacionais, cujo enfoque repousa sobre a ontologia destes arranjos, permitindo, assim,
quando cabível, a assimilação de pressupostos racionalistas.
Desta forma, pode-se afirmar que a abordagem construtivista no estudo dos regimes
internacionais enfatiza o papel das ideias, das normas e do conhecimento como variáveis
explicativas do comportamento dos agentes na política internacional. Logo, esta abordagem
9 A Escola Inglesa remete à tradição grociana e confere significativa importância ao Direito, à ordem e às
normas internacionais. Ainda, defende a existência de uma sociedade internacional, apesar da existência da
anarquia. Caracteriza-se pela objetividade científica, negação do behaviorismo e cientificismo, no âmbito
metodológico, e utilização do método sociológico e análise institucional. Para maiores informações, consultar:
BULL, H. (2002) A sociedade anárquica. Brasília: Editora da UnB/IPRI; WIGHT, M. (2003) A política do
poder. Brasília: Editora da UnB/IPRI e SUGANAMI, H. (1983) The structure of institutionalism: an anatomy of
British mainstream International Relations. 10 Finnemore e Sikkink alertam para o fato de que instituições e normas são categorias distintas. Instituições são,
conforme definição proposta por Oran Young (1989: 32. Tradução nossa), “práticas sociais que consistem em
papéis facilmente reconhecidos agrupados em conjuntos de regras ou convenções que governam relações entre
os ocupantes destas regras”. Portanto, normas trabalham com padrões de comportamento, enquanto que
instituições, com a forma pela qual as práticas sociais são estruturadas. 11 FINNEMORE, M. Fights about rules: the role of efficacy and power in changing multilateralism. Review of
International Studies, 31, Supplement S1: 187-206, 2005.
20
é conhecida como teoria baseada no conhecimento e é subdividida em cognitivismo forte
(strong cognitivism)12 e fraco (weak cognitivism)13.
CONCLUSÃO
A evolução da cooperação internacional contemporânea é marcada por várias fases desde o
final da segunda guerra mundial até o início do século XXI. A cooperação surge, na segunda
metade do século XX, como um esforço internacional de reconstrução das zonas
devastadas pela guerra e em busca de um desenvolvimento das regiões e países mais
desfavorecidos. Com o fim da II Guerra Mundial começa o processo de descolonização e
emerge a problemática do subdesenvolvimento, iniciando-se a cooperação para o
desenvolvimento entre Estados.
A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento é um tema que estará sempre na
agenda internacional, mesmo que durante alguns períodos históricos não seja o foco, ela é
um instituto de melhora mundial que permeia diversos tipos de discussões sobre bem-estar
social. Os Objetivos do Milênio representam a conscientização mundial de que há muito a
melhorar e, mais do que apenas o conhecimento, significam a aliança global para promover
a realização das metas e o investimento no desenvolvimento.
A cooperação não se limita a uma dinâmica subalterna à competição, nem a um mecanismo
útil apenas à amenização do conflito. Configura uma opção política de interação que deve
ser distinta da luta de interesses desde suas motivações e em seus objetivos. Ou seja, o
favorecimento da cooperação visa reduzir potencialmente os conflitos, mas esta não é nem
deve ser sua única finalidade.
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12
O cognitivismo forte centra-se nas origens das compreensões dos atores sobre o ‘Eu’ e o ‘Outro’ e apresenta
um modelo sociológico de análise comportamental. 13 O cognitivismo fraco caracteriza-se pela ênfase nas origens e dinâmicas das compreensões de mundo dos
atores racionais, isto é, a demanda por regimes internacionais depende da percepção dos atores dos problemas
internacionais; ainda, admite os Estados como redutores de incerteza, em que incerteza refere-se à incapacidade
dos políticos em avaliar as prováveis consequências de suas decisões. Portanto, ele se apresenta como uma visão
complementar à teoria racionalista de regimes.
21
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