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I
Graciliano Ramos e Walter Benjamin: memria e esquecimento.
Thiago Tavares Reis1
Sabemos que Proust no descreveu em sua obra uma vida como ela de fato foi, e sim uma vida lembrada por quem a viveu. Porm esse comentrio ainda difuso, e demasiadamente
grosseiro. Pois o importante, para o autor que rememora, no o que ele viveu, mas o tecido de sua rememorao, o trabalho de Penlope da reminiscncia. Ou seria prefervel falar o
trabalho de Penlope do Esquecimento?
Walter Benjamin, A imagem de Proust
Quem dormiu no cho deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tbuas estreitas. Escrever talvez asperezas, mas delas que a vida
feita: intil neg-las, contorn-las, envolv-las em gaze
Graciliano Ramos, Memrias do Crcere RESUMO Nesta pesquisa pretendemos refletir sobre os significados da memria e do
esquecimento dentro das narrativas de Graciliano Ramos. Alm disso, o objetivo deste artigo
interpretar Graciliano Ramos, especificamente Memrias do Crcere e Infncia luz do
mtodo de Benjamin.
PALAVRAS CHAVE: Graciliano Ramos; Walter Benjamin; Teoria da Literatura; memria
e esquecimento.
ABSTRACT: Graciliano Ramos; Walter Benjamin; Theory of Literature; memory and
oblivion.
KEYWORDS In this research we have intend to reflect about the meanings of memory and
oblivion insides of the Ramoss narratives. Moreover, the aim of this research is to interpret
Graciliano Ramos, specifically Jail Memoirs and Childhood - in the light of Benjamins
method.
1 Discente 8 perodo Departamento de Cincias Sociais (UFU). Rua: Viena, 537. Bairro Tibery Uberlndia MG. CEP 38400-086. E-mail: thiagotavaresr@yahoo.com.br. O presente trabalho teve orientao da Prof Dr Joana Luza Muylaert Arajo, do Instituto de Letras e Lingstica (UFU). Agradeo FAPEMIG pela concesso da bolsa de iniciao cientfica e a minha orientadora, pela acolhida prestimosa.
II
I. INTRODUO
No incio de 2008, tivemos
nosso plano de trabalho, Experincia e
Pobreza nas Memrias de Graciliano
Ramos, contemplado com uma bolsa
de iniciao cientfica FAPEMIG. O
mencionado plano esteve vinculado ao
projeto da Prof Dr Joana Luza
Muylaert de Arajo, intitulado Da
impropriedade da literatura brasileira e
de suas histrias: os modernistas e seus
precursores. Neste ltimo h o esforo
de se vislumbrar nas cartas, dirios e
memrias de autores modernistas,
outras possibilidades de escritas da
histria literria brasileira.
O mote seria, pois, o de
escarafunchar anotaes margem, no
to benquistas at o momento pelos
holofotes da crtica especializada;
perscrutando nas escritas que ora so
tratadas com vilipndio, pginas nas
quais avultam ricas possibilidades.
Cientes destas
observaes, fomos s confisses do
nosso escritor alagoano em especial,
Memrias do Crcere e Infncia -,
concatenadas por um ardil que
desmonta a ingnua noo do discurso
autobiogrfico enquanto uma grafia de
si, imaculada e congruente, sobre as
desventuras e acertos de um indivduo.
Ademais, para alm de surrupiar tal
noo, as confisses levam-nos,
amide, fico. Portanto, enxergar na
escrita de si uma reproduo fidedigna
e linear da vida daquele que escreve
seria, para Ramos, uma pilhria.
Enquanto alguns se jactavam de usar a
primeira pessoa, Ramos tinha ojeriza ao
pronomezinho irritante. Testemunhar
sobre a condio humana urgia mais do
que trazer tona veleidades individuais.
Portanto, tanto em Infncia quanto em
Memrias do Crcere, pulsou mais uma
memria coletiva do que reminiscncias
individuais.
Assim, mais judicioso
ver no escritor uma fico
autobiogrfica. Se o passado esmorece,
apraz ao romancista-memorialista
reviv-lo, embora saiba que no raro o
que findou jamais voltar. A memria
central na narrativa de Ramos. No
posfcio do professor Wander Melo
Miranda, presente na edio de
Memrias do Crcere, em volume
nico, tivemos uma pista:
A recriao da memria no se prende, pois, a mtodos apriorsticos de investigao, dependentes da experincia vivida e que visem satisfazer expectativas previsveis de configurao textual. Recordar
III
, para Graciliano, esquecer-se como sujeito-objeto da lembrana, esgueirar-se para os cantos, colocar-se margem do texto ser escrito por ele, ao invs de escrev-lo -, para que a linguagem, em processo intermitente de produo, possa cumprir seu papel efetivo de instrumento socializador da memria. (apud RAMOS, 2008, p.686). 2
Na memria como antdoto
contra o esquecimento atroz, o escritor
alagoano fez o seu ofcio. Neste sentido,
tal como antevamos no nosso plano de
trabalho sintomtico desta anteviso
o prprio ttulo, inspirado no pequeno
texto do filsofo alemo Walter
Benjamin 3-, o escritor brasileiro
2 MIRANDA, Wander Melo, Posfcio Em: RAMOS, Graciliano. Memrias do Crcere. Rio de Janeiro: 2008, p.686. 3 Tal como Graciliano, Benjamin no se sentia confortvel ao lidar com o discurso autobiogrfico. Infncia em Berlim por volta de 1900, noutro artigo, foi comparada, por ns, com a Infncia de Graciliano. A Mo, esse Don Juan juvenil, em pouco tempo, invadira todos os cantos e recantos, deixando atrs de si camadas e pores escorrendo a virgindade que, sem protestos, de renovava (BENJAMIN, 2000, p. 89). Infncia em Berlim por volta de 1900 adquire sua virtuose no exerccio filosfico de Benjamin de captar o peso da sensibilidade de uma poca na leveza dos mistrios de sua meninice. A cidade cindida confrontada com os brinquedos, o aspecto cinzento da urbe berlinense entra em coliso com as tonalidades vibrantes das fbulas pueris e a memria evocada no como uma musa a servio da remontagem fidedigna daquilo que est morto, mas sim como uma aliada da inventividade do crtico. Benjamin - a sombra de Nietzsche dinamitou, pois, a noo da escrita de si, jogando para os ares a pretensa castidade que esconde veleidades demonacas de exibies dissimuladas e projees narcsicas da autobiografia.
poderia ser lido luz da sensibilidade
benjaminiana.
Walter Benjamin apegou-se
ao que a cultura traz de, aparentemente,
fossilizado, anacrnico e encarquilhado
no por acaso que ele quis salvar o
drama barroco alemo (do sculo XVII)
para o incio do sculo XX. Emaranhou-
se pelos meandros da memria e do
esquecimento, lendo e traduzindo
Proust 4. Extasiou-se pelos contos de
fadas, colecionou, apaixonadamente,
brinquedos antigos a aquisio de
antigidades tinha em vista a idia de
rejuvenesc-las. Perscrutou a sua
infncia em Berlim na aurora do sculo
XX, no intuito, de buscar significados
no jazigo do esquecido. Alm de tudo
isso, encantou-se por Baudelaire, numa
mistura de lamentao e regozijo com a
queda da aurola do poeta na lama. E
em Kafka, vislumbrou uma doena da
tradio, cuja narrao ancorava-se,
justamente, na dificuldade do narrar.
No seu pequeno e
emblemtico texto Experincia e 4 Benjamin nutria verdadeira admirao pela obra de Proust. O que o encantava era a grandeza das lembranas proustianas ao mostrar as linhas tnues entre o passado e o presente. Portanto, a grandeza no vinha do contedo daquelas lembranas a vida burguesa no to interessante, funda-se mais na tagarelice do que no frescor mas de sua forma. No por acaso que Benjamin tambm tradutor do autor francs renunciou leitura de Proust, pois, temia que ela se tornasse um sedativo, tolhendo a sua prpria produo filosfica.
IV
Pobreza (1993), o filsofo registra-nos
que as aes da experincia estavam em
declnio numa gerao que, entre 1914 e
1918, viveu a truculncia da Primeira
Guerra Mundial. O frgil e minsculo
corpo humano se viu no campo minado
da experincia das trincheiras, no corpo
maltrapilho torturado pela fome, nas
esperanas frustradas em face da
frialdade da inflao econmica e no
pessimismo diante do cinismo dos
governantes. Destas experincias
indelveis, o frgil corpo humano ficou
privado das experincias comunicveis,
os homens que retornavam do front
viam no silncio o virtuosismo
porquanto a sofreguido interna era to
profunda que o comunicar-se era intil.
Longe se iam, por
conseguinte, os tempos nos quais os
loquazes provrbios ensinavam-nos
valores duradouros. Nos tempos
sombrios que marcaram o incio do
sculo XX, um velho moribundo
outrora ancio sapiente no ousaria
comunicar aos jovens alguma
experincia. O desenvolvimento da
tcnica, somado com a experincia
srdida da guerra, emudecera os
homens.
Todavia, o pensamento
de Benjamin, geralmente, aferra-se s
ambivalncias, isto , o declnio das
experincias comunicveis trouxe um
conceito novo e positivo da barbrie, na
qual a honradez est na confisso de
que estamos pobres, porm precisamos
nos arriscar. A pobreza da experincia
compele o brbaro a ir adiante, a
contentar-se com pouco. Na desiluso e
na fidelidade do brbaro ao sculo que
se inicia, Benjamin percebe certas
manifestaes artsticas nas quais a
linguagem est a servio da
transformao da realidade e no de
sua mera descrio.
Como se percebe, o
filsofo tem uma sensibilidade acurada
ao conseguir ver beleza naquilo que se
esvai captando potencialidades nas
runas histricas. Noutros ensaios, a
despeito das nuanas entre eles,
Benjamin persiste na sua faina de
colocar a nu as contradies de certos
fenmenos estticos da extino de
maneiras tradicionais de narrar -, os
quais carregam consigo outras
tendncias. Tanto no seu ensaio sobre A
crise no romance (1930) quanto em O
narrador (1936, o filsofo sente-se
extasiado (e nostlgico, embora de
uma maneira bem peculiar) em face da
corroso da narrativa tradicional.
Noutro momento, trabalharemos, com
mais vagar, estes textos.
De Walter Benjamin,
absorvemos a percepo da fora
salvadora da memria. O implacvel
V
trajeto da morte no consegue a tudo
ceifar, pois, os pncaros da memria
so, de certa forma, inalcanveis.
Graciliano Ramos sabia disso, no
toa que buscou testemunhar a verdade
humana, gravada nele desde menino. O
testemunho fia-se na memria,
esculpido na pedra dura da realidade
exterior. Cnscios destas consideraes,
envolvemo-nos com um Graciliano
Ramos que, no obstante declare no
conservar notas, elege a confisso como
misso de sua arte.
II. FORTUNA CRTICA E MTODO
A vida um emaranhado
de encontros e desencontros, e no raro
os desencontros trazem-nos belas
surpresas. No comeo da minha
graduao Cincias Sociais (UFU)
encantei-me com o frescor espiritual de
certo professor que iniciou o nosso
curso com o magistral estudo de
Marshall Berman, Tudo que Slido
Desmancha no Ar.
Naquele livro houve o
meu primeiro encontro; o turbilho da
modernidade era vislumbrado nas
pginas de vultos artsticos dos mais
sensveis, Fausto de Goethe, Flores do
Mal de Baudelaire, Memrias do
Subsolo de Dostoievski, ao lado de
figuras tais como Nietzsche, Weber,
Marx e Marcuse. A maneira mais
intempestiva de se comear um curso de
Cincias Sociais foi colocada
disposio. Restou-me o deleite destes
primeiros anos de graduao, pois,
sensaborias viriam com o tempo, desde
uma moribunda licenciatura at
casmurros professores.
Passado o xtase inicial,
argi o mencionado professor acerca da
possibilidade de juntos, trabalharmos
possveis interfaces entre as Cincias
Sociais e a Literatura. A acolhida foi
altura dos meus anseios tanto que a
parceria alou vos maiores, como o
trabalho de concluso do curso
embora se tenha revelado parcial, tendo
em vista as necessrias aspiraes
acadmicas. O encontrou tornou-se
desencontro.
Entretanto, um novo
encontro estava espreita. O meu
Professor acabou por me apresentar a
uma Professora de Literatura. A
acolhida foi generosa e prestimosa
acionando o aguilho da crtica quando
necessrio. A Professora logo notou que
meu esprito assistemtico precisava de
algumas lapidaes. At porque, nem
todo apaixonado por Literatura, est
credenciado a fazer crtica literria
mesmo que s vezes a sensibilidade do
VI
amador seja mais fina do que a do
profissional. Da uma nova parceria se
instalou na minha formao acadmica,
e a Professora tornou-se minha
orientadora, com todo o peso e leveza
que esta transformao implica.
Doravante, a Orientadora
montou um grupo de estudos com os
seus orientandos e interessados, cujas
temticas fossem congruentes com as
linhas de pesquisa adotadas. Neste
grupo de estudo, tentei contornar
minhas lacunas na teoria literria. Isto ,
estas digresses iniciais no so
fortuitas, se aqui esto, por algum
motivo. A fortuna crtica e a
metodologia adotada tm estreita
relao com aqueles encontros.
De propedutica,
tivemos os romances e os relatos
autobiogrficos de Graciliano Ramos.
Comeamos com Caets, seu livro de
estria por ironia, narrado em primeira
pessoa no qual a brevidade e a
condensao traam o perfil literrio do
autor. As leituras vindouras se
confundem - traar, neste momento, um
esboo linear das nossas leituras -nos
impossvel -, no entanto, sabemos que
comeamos com Caets e terminamos
com Memrias do Crcere.
Quando a leitura de
Angstia tornava-se asfixiante, amos
para a truculncia digna de um Paulo
Honrio, de So Bernardo. s vezes
queramos uma leitura mais sutil, ento
apelvamos para Vidas Secas. Ora ou
outra, a leitura sistemtica, isto ,
com vistas a pesquisar, a estudar uma
obra at a sua aparente exausto, torna-
se enfadonha. Nestes momentos,
refrescvamos no humor sutil e spero
de Graciliano Ramos, presente nas suas
glosas para jornais, reunidas nas Linhas
Tortas. A ttulo de curiosidade, lamos,
igualmente, Viagem, no intuito, de
verificarmos as impresses de
Graciliano Ramos acerca da antiga
URSS e da extinta Tcheco-eslovquia.
O arrebatamento final
veio com a leitura de Infncia e
Memrias do Crcere. Infncia, relato
autobiogrfico publicado em 1945,
caracteriza-se pelo clima pavoroso da
infncia do menino alagoano mido.
Numa prosa cortante, avessa s
pieguices e amenidades, os primeiros
anos vividos no interior de Alagoas e
Pernambuco vm baila junto com a
seca e a truculncia dos coronis. A
psicologia do pai vislumbrada nos
seus ecos kafkianos, enquanto um crivo
que a tudo abarca e submete. A
experincia advinda dos tempos pueris
a de que foi o medo que me orientou
nos primeiros anos, pavor. Nas
Memrias do Crcere, outra situao
kafkiana salta aos olhos, Graciliano
VII
preso sem motivos, tampouco
esclarecimentos. Naquelas memrias
avulta um dos melhores testemunhos da
literatura brasileira, no qual a
promiscuidade do encarceramento
vislumbrada sem arroubos lricos.
A propedutica findou-
se com as leituras que, na poca,
tnhamos de Walter Benjamin. Neste
momento, a admirao ainda no tinha
tanto rigor. Enfim, ramos ordinrios no
quesito terico. Ao lidarmos com
formas estticas, vamos apenas
epifenmenos do social, reproduzindo
uma sociologia da literatura trpega.
E por fim, ao lermos Benjamin
acabvamos por tach-lo nica e
simplesmente de terico do
desencantamento do mundo 5
desconsiderando toda a sua filosofia da
histria.
Com vistas a incrementar
a nossa rasa formao em teoria
literria, passamos a ler Luiz Costa
Lima sobretudo Teoria da Literatura
em suas fontes, organizado por ele -,
Antonio Candido, Maurice Blanchot,
5 To logo percebemos que esta formulao era imprecisa, passamos a encarar o filsofo no to-somente um terico do desencantamento do mundo lembremos que a dialtica benjaminiana, mesmo que fosse estupefaciente para o rgido Adorno, evocava, igualmente, por (re) encantamentos -, este refinamento devemo-lo a Jeanne Marie Gagnebin. GAGNEBIN, Jeanne Marie. Histria e Narrao em Walter Benjamin. So Paulo: Editora Perspectiva, 2007
Borges, Paul de Man, Derrida e
Nietzsche. Visando aperfeioar a leitura
de Benjamin, passamos a dialogar com
duas filsofas e um crtico literrio,
respectivamente: Jeanne Marie
Gagnebin, Olgria Matos e Willi Bolle.
Ao lidar com Graciliano
Ramos, listamos um rol de autores
fundamentais: Antonio Candido no
seu clssico Fico e Confisso -,
Wander Melo Miranda (UFMG), Rui
Mouro, Cludio Leito, Alfredo Bosi e
Otto Maria Carpeaux.
Desenvolveremos, com mais preciso,
estes autores direta e indiretamente
noutro momento.
Walter Benjamin
percebera em Kafka, uma doena da
tradio, visto que se a obra de Kafka
corrobora o fim de uma tradio, por
outro lado, ela no afirma a necessidade
de reencontrar qualquer baluarte. Em
tons prximos, Graciliano Ramos no
esteve afeito ao conselho - a dimenso
utilitria da sabedoria pica na viso de
Benjamin -, no entanto, elegeu como
ponto de partida da sua experincia
literria o dizer sem ornamentos, pois,
s possvel narrar o que visto e
sentido, mesmo que seja sobre a
dificuldade do narrar. O mestre Graa
no nos ofereceu panacias no
estamos diante de um escritor repleto de
empfia, cioso de se tornar um mrtir -,
VIII
mas sim um rico testemunho acerca da
condio humana.
A misso do escritor
alagoano foi a de nos contar alguma
coisa, mesmo que, em tempos sombrios,
no haja (quase) nada a contar
deduzimos este aparente paradoxo ao
incorporamos no trabalho a metodologia
benjaminiana. Mtodo do grego
methodos, de meta e odos, caminho.
Isto , mtodo o caminho que se
escolhe para alcanar certo fim. Fica
patente, pois, que o caminho que
escolhemos foi o de Walter Benjamin,
no fito, de vislumbramos o vigor da
memria em Graciliano.
III. RESULTADOS E DISCUSSES
III. I Walter Benjamin: a
insustentvel leveza da memria.
No se trata de apresentar as obras literrias no contexto de seu tempo, mas
de apresentar, no tempo em que elas nasceram, o tempo que as revela e
conhece: o nosso. Walter Benjamin, 1931.
Walter Benjamin num
projeto inacabado, Das Passagens-Werk 6, reuniu uma histria material do
6 Utilizamos da magnfica edio brasileira desta obra preparada aos cuidados de dois dos maiores especialistas em Walter Benjamin no Brasil, Willi Bolle e Olgria Matos.
sculo XIX por meio de aforismos,
inmeras citaes, anncios de jornais e
de meretrizes, na qual as passagens
parisienses, o mundo em miniatura
refgio de lojas resplandecentes nas
quais o fetiche da mercadoria vicejava e
seduzia os passantes revelariam o
cristal do acontecimento total da
modernidade. A memria das passagens
atualizada, em pleno sculo XX, no
intuito, de despertar a humanidade de
certos sonhos embotados.
No final de sua vida,
ainda teve flego para confeccionar
suas famosas teses Sobre o conceito de
histria, teses nas quais a f obtusa no
progresso to presente na social-
democracia alem dilacerada e que a
alegoria do anjo que sobrevoa as runas
da histria evocada. Benjamin no
contato sensvel com os objetos
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG e Imprensa Oficial, 2006. O crtico literrio brasileiro (BOLLE, 2000, p.49) d-nos um testemunho til: O texto de Benjamin publicado em 1982 com o ttulo Das Passagen-Werk (A Obra das Passagens) coloca o leitor diante de srias dificuldades para se orientar nesse projeto vasto, labirntico, difcil, fragmentrio e inacabado no qual o autor trabalhou de 1927 at 1940, ano de sua morte. Ver: BOLLE, Willi. Fisiognomia da Metrpole Moderna. So Paulo: Edusp, 2000, p. 49. Mas no lamentemos o carter fragmentrio da obra, tampouco a arte combinatria de Benjamin, cujas veredas nos convidam para um mosaico de citaes iluminado pela sensibilidade mpar do crtico alemo, visto que o carter inacabado da obra faz com que ela se torne arejada, obra aberta a ser continuada por ns, leitores.
IX
sentia-se extasiado em face das
transformaes modernas. Tocado pela
brisa da modernidade, o crtico sentia-se
comovido pelas runas histricas. A
empresa crtica converge, assim, para a
questo da memria e do esquecimento,
na luta para reativar esperanas
frustradas de outrora. Aquilo que
sabemos que no teremos diante de ns,
se torna imagem e, Benjamin d-nos
uma alegoria estonteante acerca da
fugacidade das coisas humanas: a de
que embora possamos sonhar que no
passado aprendemos a andar e de que
reconheamos que o saibamos, nunca
mais voltaremos a aprend-lo.
Todavia, no nos
arvoremos em interpretaes ora
nostlgicas ora ditirmbicas do
pensamento benjaminiano.
Reconheamos que o filsofo mais
formula problemas do que os resolve.
Tal como em Graciliano Ramos, no h
em Benjamin verdades fceis, panacias
e idias peremptrias.
No ensaio O Narrador
(1936) Benjamin d-nos timas pistas.
Se o manancial da epopia era a
tradio oral, o do romance seria a
solido dos indivduos, na sua
existncia individual incomensurvel. A
narrativa tem um senso prtico, cujo
esforo o de aconselhar. Enquanto o
romancista no quer aconselhar
ningum, ele demanda por leitores
desorientados, e no quer lhes inspirar
valores duradouros. A extino da
narrao est envolvida com a
emergncia da forma romanesca e da
informao jornalstica. Inicialmente, o
romance difere da narrativa pelo seu
prprio meio, o livro impresso
impossvel pens-lo antes da existncia
histrica da imprensa. Portanto, se na
narrativa pica o relato era extrado da
prpria experincia do narrador, com
vistas a intercambiar valores com os
seus ouvintes, no romance a tradio
oral no alimentada, apraz ao
romancista escrever para leitores cujas
vidas glidas precisam ser aquecidas.
A informao jornalstica
que joga a derradeira p de cal na
narrativa e deixa em prantos o prprio
romance aspira a uma verificao
direta, compreensvel em si e para si.
Enquanto os relatos de antanho
apelavam para aspectos miraculosos, a
informao moderna apelaria para a
plausibilidade exata, mensurada, na qual
toda a riqueza da vida reduzida a
dados. Ou seja, conforme o prprio
Benjamin, recebemos notcias de todos
os cantos do mundo, no entanto, somos
carentes de histrias que nos tirem o
flego.
No entanto, o fracasso da
arte de contar ligada a uma
X
experincia espontnea oriunda de uma
organizao social comunitria baseada
no artesanato precisa ser
acompanhado de novas formas de
narratividade. O leitor do romance
procura nos livros o que no mais
encontra na sociedade moderna: um
sentido explcito e reconhecido. O
romance clssico, na direo de aquecer
a vida glida de seus leitores deriva,
visa concluso. Porm, aqui Benjamin
envereda-se pelas ambivalncias, pois,
nalguns romances contemporneos o
no-acabamento e a obra aberta so
caractersticas marcantes. Basta
lembramos, tal como lembra Benjamin,
Proust e Kafka. Mencionemos que
Memrias do Crcere seguiu o mesmo
caminho.
Para Benjamin enquanto
Proust personificava a fora salvadora
da memria, Kafka fazia-nos entrar no
domnio do esquecimento 7. Este ltimo
domnio reverbera nos escritos
kafkianos, medida que a perda da
experincia de intercambiar
experincias e o desaparecimento de
7 A decifrao deste domnio em Kafka a decifrao de um mundo desfigurado pela injustia e pelo tormento, que se quer esquecido: Em Kafka, Odradek o mais estranho bastardo gerado pelo mundo pr-histrico com seu acasalamento com a culpa. [...] Odradek o aspecto assumido pelas coisas em estado de esquecimento. Elas so deformadas (BENJAMIN, 1996, p. 158).
um sentido primordial, portanto
colocada no primeiro plano. No h,
pois, o que se transmitir a no ser a
prpria dificuldade extenuante de lidar
com o mundo as parbolas de Kafka
so sintomticas desta dificuldade.
Plato tinha um alto
conceito do poder estupefaciente da
poesia a mmesis 8 tinha uma fora de
arrebatamento a qual toda a sua filosofia
procurou resistir no toa que ela a
julgava prejudicial na comunidade
perfeita dos filsofos governantes. Para
Benjamin a poesia e a literatura
exprimem o que de outra forma no
poderia ser dito. Elas nos arrebatam
como testemunhos histricos da nossa
condio.
Entretanto, se na
comunidade perfeita de Plato, a poesia
estaria banida por devassar o corpo, no
mundo moderno de Benjamin, ela
entraria em crise pela dificuldade de se
pronunciar sobre alguma coisa. H uma
parbola de Kafka sintomtica desta
crise, vejamo-la:
8 H um belo texto da filsofa Jeanne Marie Gagnebin acerca do conceito de mmesis em Benjamin e Adorno no qual ela antes de diferenar o conceito em ambos os autores, traa um breve resgate da depreciao do conceito por Plato e de sua respectiva reabilitao por Aristteles. GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre linguagem, memria e histria. Rio de Janeiro, Imago, 2005.
XI
O imperador assim dizem enviou a ti, sdito solitrio e lastimvel, sombra nfima ante o sol imperial, refugiada na mais remota distncia, justamente a ti o imperador enviou, do leito da morte, uma mensagem. Fez ajoelhar-se o mensageiro ao p da cama e sussurrou-lhe a mensagem no ouvido; to importante lhe parecia, que mandou repeti-la em seu prprio ouvido. Assentindo com a cabea, confirmou a exatido das palavras. E diante da turba reunida para assistir sua morte haviam derrubado todas as paredes impeditivas, e na escadaria em curva ampla e elevada, dispostos em crculo, estavam os grandes do imprio diante de todos, despachou o mensageiro. De pronto, este se ps em marcha, homem vigoroso, incansvel. Estendendo ora um brao, ora outro, abre passagem em meio multido; quando encontra obstculo, aponta no peito a insgnia do sol; avana facilmente como ningum. Mas a multido enorme; suas moradas no tm fim. Fosse livre o terreno, como voaria, breve ouvirias na porta o golpe magnfico de seu punho. Mas, ao contrrio, esfora-se inutilmente; comprime-se nos aposentos do palcio central; jamais conseguir atravess-los; e se conseguisse, de nada valeria, precisaria empenhar-se em descer as escadas; e se as vencesse, de nada valeria, teria que percorrer os ptios, e depois dos ptios, o segundo palcio circundante; e novamente escada e ptios; e mais outros palcios; e assim por milnios; e quando finalmente escapasse pelo ltimo porto mas isto nunca, nunca poderia acontecer chegaria apenas capital, o
centro do mundo, onde se acumulava a prodigiosa escria. Ningum consegue passar por a, muito menos com a mensagem de um morto. Mas, sentado janela, tu a imaginas, enquanto a noite cai 9 (apud BENJAMIN, 1996, p.19).
Portanto, diante de um
mundo lamacento, no qual a palavra
tem pouco valor, nada mais catalisador
do que a memria, na sua insustentvel
leveza. Tal leveza inspirou o nosso
escritor alagoano a observar que a
retomada das cenas do passado s
possvel a partir do momento em que se
reconhece que o passado, tal como ele
foi, est perdido para sempre. Tornar a
viv-lo mergulhar na sofreguido,
pois, o que foi no voltar mais. Porm,
ao que poderia ter sido e no o foi,
ainda resta uma chance as linhas
tnues entre o presente e o passado se
tornam risveis. Em Infncia e
Memrias do Crcere, o passado
formado por nuvens, espectros, rastilhos
imprecisos e impresses esmaecidas que
s voltaram a viver com a imaginao 9 Esta parbola volta duas vezes na obra de Kafka, como conto independente (Uma histria imperial) e dentro do conto maior Durante a Construo da Muralha da China. Benjamin capta em Kafka que no h mais nenhuma mensagem para se transmitir, exceto a de que no existe mais uma totalidade de sentidos. destas runas que nascero novas sensibilidades, outras narrativas e uma nova escritura da histria. BENJAMIN, Walter. Magia e Tcnica, Arte e Poltica (V. I). So Paulo: Brasiliense, 1996, p.19.
XII
do ficcionista. Como corolrio, a leveza
da memria diante do peso do
esquecimento acaba por dinamitar a
iluso autobiogrfica. Porquanto h
no memorialista um qu de ficcionista
insuspeito queles que acreditam,
credulamente, na veracidade das
autobiografias.
III. II Graciliano Ramos: o peso do
testemunho.
A primeira sensao do
leitor de Infncia de Graciliano Ramos
a vertigem. H nesta fico
autobiogrfica 10 lugares imprecisos,
pontos nebulosos, estremecimentos da
memria em face de fragmentos de
pessoas e de coisas que, juntos,
configuram-se no pequeno mundo
incongruente criado pelo ficcionista-
memorialista. O enleio de fragmentos
sugeridos pela memria a matria-
prima do relato, matria esta somada
com o hbito do ficcionista de criar
ambientes, coisas e pessoas que
ultrapassam os limites da suposta
veracidade. Graciliano acentua que suas
memrias no so cabais alis, 10 Ver: LEITO, Cludio. Lquido e incerto:
memria e exlio em Graciliano Ramos. Niteri: EdUFF, So Joo Del Rei: UFSJ, 2003. MIRANDA, Wander Melo. Corpos escritos: Graciliano Ramos e Silviano Santiago. So Paulo: Edusp; Belo Horizonte, UFMG, 1992.
nenhum mortal, em s conscincia,
pode se gabar da perfeio de suas
lembranas -, e por conta desta
impreciso, ele precisa recorrer a um
mundo que incongruente. Diante das
nuvens das lembranas, surge a letra de
frma do ficcionista, por conseguinte.
A memria ordinria do
memorialista eleva-se por meio da
criao do ficcionista, visto que existem
coisas que s existem por derivao e
associao. Graciliano desfaz a iluso
autobiogrfica, pois, seleciona e filtra
as lembranas a partir de um eu
inquiridor. Quo pesadas seriam as
pginas de Infncia, caso o escritor
ratificasse a possibilidade de relatar, de
maneira fiel e imaculada, a sua prpria
infncia.
Existe em Graciliano um
grito abafado que oscila entre as
cicatrizes da memria e o inventrio do
ficcionista 11. O ficcionista evade-se de
um mundo que abomina a partir de seu
registro. H uma busca incessante pelo
testemunho da verdade, seja qual for
esta verdade.
11 O oscilar entre a fico e a confisso foi um
desdobramento necessrio na arte de Graciliano Ramos. Para maiores detalhes, consultar: CANDIDO, Antonio. Fico e confisso: ensaio sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006.
XIII
A atmosfera acre que
paira nas pginas dos testemunhos de
Graciliano no est orientada, nica e
simplesmente, por um pessimismo
mrbido. Na verdade, o que importa o
testemunho da condio humana, nas
suas veleidades e mediocridades. A
escrita est atrelada com o intenso
desejo de testemunhar de salvaguardar
a memria do esquecimento.
As palavras no so
adornos, no nasceram para o decoro,
mas para dizer, sem floreios. No por
acaso que Graciliano nutria uma louca
obsesso 12pela escolha de suas palavras
o seu processo de criao notabilizou-
se pela lentido. Ramos resguardou
sua escrita o trao da perfeio, pois,
maneira das lavadeiras de Alagoas, a
couraa suja das palavras era lavada at
a limpidez total.
Todavia, no estamos
diante de um Flaubert, visto que a
fixao estilstica no segue os mesmos
parmetros, no caso do escritor
brasileiro tudo pensado tendo em vista
12 Em Memrias do Crcere freqentes so as passagens nas quais o romance Angstia denegrido, vilipendiado. Para Graciliano, Angstia estava mal escrito, gorduroso e medocre. Numa carta a Antonio Candido, Ramos alegou: Angstia um livro mal escrito. Foi isto que o desgraou. Ao reedit-lo , fiz uma leitura atenta e percebi os defeitos horrveis: muita repetio desnecessria, um divagar maluco em torno de coisinhas bestas, desequilbrio, excessiva gordura enfim (apud CANDIDO, 2006, p. 10-11.
a intensidade do testemunho. Em
Infncia h uma passagem sintomtica
da paixo firme que Ramos devotava ao
testemunho:
Meu av nunca aprendera nenhum ofcio. Conhecia, porm, diversos, e a carncia de mestre no lhe trouxe desvantagem. Suou na composio de urupemas. Se resolvesse desmanchar uma, estudaria facilmente a fibra, o aro, o tecido. Julgava isto um plgio. Trabalhador caprichoso e honesto procurou os seus caminhos e executou urupemas fortes, seguras. Provavelmente no gostavam delas: prefeririam v-las tradicionais e corriqueiras, enfeitadas e frgeis. O autor, insensvel crtica, perseverou nas urupemas rijas e sbrias, no porque as estimasse, mas porque eram o meio de expresso que lhe parecia mais razovel. (Ramos, 1999, p.19). 13
O escritor cria os seus
precursores, o menino, recriado pelo
adulto, elege o av e sua arte atenta s
rijas fibras das urupemas como modelo
para o ofcio do ficcionista-
memorialista apegado com as palavras
sinceras. As palavras rijas como as
urupemas devem estar esculpidas na
experincia humana. Divagar, sem
nenhum propsito digno, era para o
alagoano um descalabro.
13 RAMOS, Graciliano. Infncia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.19).
XIV
Memrias do Crcere
tem um carter experimental belssimo,
a sintaxe oprime tal como a lei, no
entanto, ainda h estreitos limites nos
quais o escritor pode se mexer. Mas o
que salta aos olhos o tipo de
reminiscncia que ali se desdobra.
Acerca deste desdobramento, Wander
Melo Miranda registra-nos que:
A possibilidade da reminiscncia descortina-se onde a histria triunfante dos homens gordos do primado espiritual procede ao cancelamento do que ficou para trs, ou seja, no detalhe, no pequeno, no insignificante, a partir deles e com eles. Se a perspectiva da morte, de fim de caminho, autoriza o autor a levar adiante suas memrias, o desejo de fazer viver o que estaria morto para sempre, mas que ainda persiste na sua demanda, o elemento deflagrador do processo da escrita. Reviver o passado, sim, porm enterrar de vez o que mantm o memorialista encarcerado e o impede de tomar posse efetiva do presente. (apud RAMOS, 2008, p.685). 14
Graciliano esgueira-se
nos cantos obscuros, pouco importa as
suas mediocridades de pequeno-
burgus, porquanto o que est em realce
a condio de pria social, do literato
14 MIRANDA, Wander Melo, Posfcio Em: RAMOS, Graciliano. Memrias do Crcere. Rio de Janeiro: 2008 p.685.
vivendo como rato, encarcerado,
diminudo, mas em contato direto com
outros prias. Reviver estes momentos
por meio das suas memrias, mas no
reviv-los como, deveras, foram. O
corpo esteve encarcerado, mas o esprito
no. Fazer viver o que estaria morto
para sempre: o elemento deflagrador
do processo da escrita do nosso escritor.
Sensvel notar que
Graciliano Ramos no visa expor-nos,
minuciosamente, a sua condio de
encarcerado. As sensaes do corpo
judiado so colocadas ao lado dos
contornos promscuos da priso. O
escritor se encarava como muito reles
para se tornar um mrtir. Terminemos
com o prprio Ramos, numas das partes
mais sublimes de suas memrias:
E aqui chego ltima objeo que me impus. No resguardei os apontamentos obtidos em largos dias e meses de observao: num momento de aperto fui obrigado a atir-los na gua. Certamente me iro fazer falta, mas ter sido uma perda irreparvel? Quase me inclino a supor que foi bom privar-me desse material. Se ele existisse, ver-me-ia propenso a consult-lo a cada instante, mortificar-me-ia por dizer com rigor a hora exata de uma partida, quantas demoradas tristezas se aqueciam ao sol plido, em manh de bruma, a cor das folhas que tombavam das rvores, num ptio branco, a forma dos montes verdes, tintos de luz, frases autnticas,
XV
gestos, gritos, gemidos. Mas que significa isso? Essas coisas verdadeiras podem no ser verossmeis. E se esmoreceram, deix-las no esquecimento: valiam pouco, pelo menos imagino que valiam pouco. (RAMOS, 2008, p.14). 15
V. Consideraes Finais
Walter Benjamin
mostrou-nos a fora da memria diante
das runas histricas. A tempestade do
progresso para lembrarmos a famosa
alegoria do anjo faz com que o anjo
da histria v adiante, melanclico ante
os detritos que se avultam abaixo dos
seus olhos, mas confiante quanto ao
futuro. No entanto, ora ou outra, o anjo
precisa acordar os mortos de outrora.
Trazer tona o passado viv-lo no
presente, cientes de que o que foi no
voltar mais, embora as esperanas
soterradas de antanho possam vir luz
no agora.
Graciliano Ramos fiou-
se no testemunho como premissa de sua
arte. As angstias do presente seriam
aliviadas no -nos possvel falar em
cura para Ramos pelos desejos no
ouvidos do passado. Mas, como em
Benjamin, nada voltaria como, de fato,
foi. O passado retorna na forma de
nevoeiros imprecisos, iluminados
15 RAMOS, Graciliano. Memrias do Crcere. Rio de Janeiro: 2008 p.14.
pelo presente. A leveza da memria
benjaminiana reforou o peso do
testemunho gracilinico. Como
desdobramento, os relatos
autobiogrficos tornaram-se,
igualmente, ficcionais. Memrias
lineares da vida de um indivduo
majestoso soam para Ramos uma
torpeza a ser evitada. A soberba no
consta no brevirio das qualidades do
escritor. O que fulgura o esgueirar-se
pelos cantos, haja vista que h algo mais
interessante a ser contado. As memrias
de Graciliano arvoram-se na experincia
do relatar, mesmo que os tempos sejam
dos mais pobres para as experincias
comunicveis. assim que nosso
escritor faz suas urupemas artsticas,
com vistas a nos ajudar.
XVI
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