Post on 07-Jan-2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A CULTURA HISTÓRICA ILUMINISTA: ENTRE O PROJETO POLÍTICO E O LIVRO DIDÁTICO
PAULO ANDRÉ BATISTA MIRANDA
Orientadora: Profa. Dra. Regina Célia Gonçalves
Co-Orientadora: Profa. Dra. Vilma de Lurdes Barbosa
Área de Concentração em História e Cultura Histórica
Linha de Pesquisa em Ensino de História e Saberes Históricos
JOÃO PESSOA – PB Agosto/2011
A CULTURA HISTÓRICA ILUMINISTA: ENTRE O PROJETO
POLÍTICO E O LIVRO DIDÁTICO
Paulo André Batista Miranda
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em História, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em História, Área de Concentração em História e Cultura Histórica.
Orientadora: Profa. Dra. Regina Célia Gonçalves
Co-Orientadora: Profa. Dra. Vilma de Lurdes Barbosa
Linha de Pesquisa: Ensino de História e Saberes Históricos
JOÃO PESSOA
Agosto/2011
M672c Miranda, Paulo André Batista.
A cultura histórica iluminista: entre o projeto político e o livro
didático / Paulo André Batista Miranda. - João Pessoa, 2011.
171f.
Orientadora: Regina Célia Gonçalves Co-orientadora: Vilma de Lurdes Barbosa Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA
1. Livros didáticos - História – ensino médio. 2. Cultura
histórica. 3. Ensino de história. 4. Iluminismo.
UFPB/BC CDU: 002(075)(043)
A CULTURA HISTÓRICA ILUMINISTA: ENTRE O PROJETO POLÍTICO E O LIVRO DIDÁTICO
Paulo André Batista Miranda
Dissertação de Mestrado avaliada em ___/___/___ com conceito _______________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profa. Dra. Regina Célia Gonçalves Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal da Paraíba
Orientadora
____________________________________________ Profa. Dra. Vilma de Lurdes Barbosa
Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal da Paraíba Co-Orientadora
_____________________________________________
Profa. Dra. Regina Coeli Gomes Nascimento Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal de Campina
Grande Examinador externo
_____________________________________________
Profa. Dra. Cláudia Engler Cury Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal da Paraíba
Examinadora interna
____________________________________________
Prof. Dr. Severino Cabral Filho Programa de Pós-Graduação em História - Universidade Federal de Campina
Grande Suplente externo
____________________________________________
Prof. Dr. Severino Bezerra da Silva Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Federal da Paraíba
Suplente interno
Aos meus familiares:
Luíz (pai) e Lourdes (mãe),
Mário e Diego (irmãos)
e Jéssica (sobrinha).
i
AGRADECIMENTOS
Gostaria de fazer uma grande lista de agradecimentos se pudesse, mas como sou
lacônico com as palavras sentimentais prefiro encurtá-las para não ficar sem saber o que
expressar.
Em primeiro lugar agradeço imensamente à UFPB e ao Programa de Pós-
Graduação em História por ter me concedido a oportunidade de estudar, mais uma vez,
nessa instituição como parte importante da formação da minha vida. Agradeço a
paciência que os coordenadores do mestrado tiveram comigo: no primeiro momento
com os Profs. Raimundo Barroso e Elio Flores, e principalmente, no segundo com as
Profas. Carla Mary e Serioja. Muito obrigado mesmo.
Agradeço também à CAPES, pela concessão da bolsa que foi fundamental para
que eu tivesse acesso aos materiais necessários para a redação dessa dissertação.
Um agradecimento fraternal a alguns amigos como Walber, que continua sendo a
personificação do “Dalai Lama” e Lucas Espanhol. A alguns colegas de curso de
mestrado como Bernardo, Alessandro e, principalmente, Jivago com quem tive a
oportunidade de trabalhar. Jivago, muito obrigado pela chance e pela força, e vamos
fazer aquela visita que ficamos devendo!
Para minha namorada Nadine que tem uma história fantástica comigo nesses
últimos vinte e quatro meses. Obrigado por ter aceitado minha renúncia quando precisei
ficar longe de você para ficar perto dos livros. Obrigado por ter suportado, às vezes,
minha indiferença e distância, e desculpe também por qualquer coisa que porventura a
tenha magoado, mas eu precisava da solidão, ela é necessária em alguns momentos.
A professora Claudia Cury que conheço de perto, desde o tempo em que fui seu
monitor da disciplina Teoria da História II, ainda na graduação. Eu confio o meu
trabalho para suas leituras e análises desde o começo do mestrado. Obrigado pelas
críticas e por teimar para que eu deixasse a teimosia com que estava conduzindo meu
trabalho. Obrigado, dama da História!
Um agradecimento ao senhor Marcos William que cuidou e teve a paciência de
escanear todas as imagens dos livros didáticos e formatar a versão final. Obrigado
carioca gente fina! Agradeço também a gentileza do Samuel Filho pelo abstract.
ii
E um agradecimento especial para as professoras Regina Célia Gonçalves
(orientadora) e Vilma de Lurdes Barbosa (co-orientadora). Comecei a trabalhar com
ambas desde 2005 com o projeto de História Local dos municípios paraibanos. Agora
no Mestrado tem sido muito mais que orientadoras. Vocês têm noção o quanto estão me
ajudando? Se não fosse vocês não sei como seria, se é que seria. Muito obrigado
mesmo, por tudo. Desculpem-me por qualquer coisa que tenha feito de errado ou
equivocado e agora vou deixar vocês em paz, não mais as perturbarei (risos).
E um obrigado às pessoas que me ajudaram, direta ou indiretamente, nesse difícil,
mas importante processo. Se esqueci de alguém foi por falta de espaço ou de memória,
mas jamais por falta de gratidão.
Muito obrigado! Até a próxima, se houver claro. Valeu!!
iii
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS...........................................................................................................i SUMÁRIO.............................................................................................................................iii RESUMO...............................................................................................................................iv ABSTRACT............................................................................................................................v LISTA DE ABREVIATURAS........................................................................................vi EPÍGRAFE...........................................................................................................................vii 1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................1
2. LIVRO DIDÁTICO E CULTURA HISTÓRICA....................................................8 2.1 Uma breve história do livro didático no Brasil.....................................................10 2.2 A produção/reprodução da cultura histórica pelos livros didáticos...................21 2.3 Conceitos sobre cultura histórica...........................................................................28 2.4 Livro didático como um artefato cultural.............................................................35 3. EDUCAÇÃO E MODERNIDADE: DO HUMANISMO AO ILUMINISMO.....46 3.1 Educação, Humanismo e Reformismo no Século XVI.........................................48
3.1.1 Os Humanistas Cristãos do século XVI........................................................50 3.1.2 A pedagogia da Reforma Católica (Contra Reforma..................................54
3.2 Do utilitarismo empirista ao protótipo do homem burguês no século XVII......58 3.2.1 O utilitarismo de Francis Bacon....................................................................59 3.2.2 “Ensinar tudo a todos”: A utopia de Comenius...........................................66 3.2.3 A educação do gentleman burguês em John Locke.....................................73
3.3 A educação nas bases das luzes do século XVIII..................................................80 3.3.1 A laicização e o mundo dos livros para a formação....................................82 3.3.2 A Educação Pública em Condorcet...............................................................88
3.4 Considerações sobre a importância do livro no pensamento moderno..............96 4. O ILUMINISMO NOS LIVROS DIDÁTICOS......................................................98 4.1 Livro 1 – História, de Divalte Garcia Figueira....................................................100 4.2 Livro 2 – História: das cavernas ao terceiro milênio de Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick................................................................................................108 4.3 Livro 3 – A Escrita da História de Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda........................................................................................................................130 4.4 Um olhar sobre as obras.......................................................................................139
4.4.1 Problemas conceituais encontrados nos livros didáticos...........................152 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................159 6. FONTES E REFERÊNCIAS..................................................................................163 7. ANEXOS...................................................................................................................169
iv
RESUMO
Este trabalho tem, como objeto de análise, livros didáticos de História para o Ensino Médio e o tratamento que seus autores conferem ao tema do Iluminismo. Partindo do princípio de que a sistematização e a divulgação do conhecimento científico na Modernidade se processaram inclusive através da organização de materiais didáticos voltados para os sistemas de ensino que começaram a ser montados a partir de então, consideramos o livro didático como um objeto cultural iluminista. Por sua vez, a historiografia contemporânea tem revisitado o tema do Iluminismo na Modernidade, a partir de uma abordagem que ultrapassa a associação estabelecida entre filosofia iluminista e o século das luzes como fenômeno francês. A nossa análise procura perceber como o Iluminismo é abordado nos manuais didáticos brasileiros contemporâneos, quais as perspectivas teóricas predominantes e como os conceitos centrais daquela filosofia são tratados. A análise de livros didáticos se justifica pelo fato de que, na nossa cultura, eles se constituem como um importante instrumento de veiculação do saber histórico, além de promoverem a formação docente e discente na área. Além disso, as idéias e as propostas dos pensadores modernos de extração iluminista ainda se constituem, na nossa perspectiva, em elementos fundamentais da cultura histórica e política contemporânea.
Palavras chave: Iluminismo; Livro Didático; Cultura Histórica e Ensino de História.
v
ABSTRACT This work has as its object of analysis high school History textbooks and the treatment their authors give to the Enlightenment. Assuming that the systematization and dissemination of scientific knowledge in the Modern age were carried on including through the organization of teaching materials designed to the education systems that began to be assembled at the time, we consider the textbook as a cultural object of the Enlightenment. In its turn, the contemporary historiography has revisited the theme of the Enlightenment in Modernity, from an approach that goes beyond the association established between Enlightenment philosophy and the Age of Reason as a French phenomenon. Our analysis aims to understand how the Enlightenment is addressed in Brazilian current textbooks, the predominant theoretical perspectives and how the central concepts of that philosophy are treated. The analysis of textbooks is justified by the fact that in our culture they constitute an important tool for conveying the historical knowledge, other than promoting teacher and student training on the subject. Furthermore, the ideas and proposals of the Enlightenment modern thinkers are still present – from our point of view – in basic elements of contemporary historical culture and politics.
Keywords: Enlightenment; Textbook; Historical Culture and History teaching.
vi
LISTA DE ABREVIATURAS
CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FAE – Fundação de Apoio ao Estudante
IES – Instituições de Ensino Superior
LD – Livro Didático
LDB – Lei De Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PCN – Parâmetros Curriculares Nacional
PNLA – Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
PPGH – Programa de Pós-Graduação em História
PUC – Pontifícia Universidade Católica
RBH – Revista Brasileira de História
UniBH – Centro Universitário de Belo Horizonte
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
USP – Universidade de São Paulo
vii
Quanto mais os homens forem dispostos, pela educação, a raciocinar com justeza, a apreender as verdades que lhes são
apresentadas, a rejeitar os erros dos quais se quer fazê-los vítimas, mais também uma nação, que veria dessa forma as
luzes se ampliarem cada vez mais e difundirem-se num maior número de indivíduos, deve esperar obter e conservar as boas
leis, uma sábia administração e uma constituição verdadeiramente livre.
(Condorcet- 1791)
1
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem, como objeto, a análise de livros didáticos no que se refere ao
tratamento dado ao tema do Iluminismo. Procuramos fazê-lo tendo, como pano de
fundo, as abordagens sobre o tema que a historiografia de uma forma geral tem
construído, tanto a clássica, quanto a que procedeu a uma intensa revisão nas últimas
décadas do século XX.
Em termos de apoio teórico para estudamos a ilustração, seja na concepção
francesa ou inglesa, nos fundamentamos nos conceitos de Ilustração e Iluminismo.
Segundo Rouanet (2005), a Ilustração1 foi um movimento intelectual do século XVIII
em que se propunha que o homem deveria basear seu conhecimento e ação no uso da
razão e da crítica contra os valores tradicionais na sociedade européia marcados pelo
matiz feudal. Por outro lado, “o Iluminismo é uma tendência trans-epocal que cruza a
história humana” (p.26). Ou seja, segundo essa formulação, existiram, antes do século
XVIII e depois dele, pensadores com uma perspectiva racional do devir histórico das
sociedades humanas. Assim, podemos afirmar que a Ilustração moderna foi mais uma
fase do Iluminismo. Atualmente, por exemplo, podemos identificar um neo-Iluminismo
que procura uma crítica da sociedade não colocando apenas a ciência e o progresso
como forma de resolução dos problemas, mas também estabelecendo uma autocrítica
quanto aos seus limites e excessos que podem ser fator de desequilíbrio econômico,
social e ambiental.
No século XVIII, a Ilustração foi um movimento que buscava, exclusivamente
através do esclarecimento, fazer com que o homem superasse a ignorância e fosse dono
de seu próprio destino através do conhecimento, tal como afirmava Kant (2008). A
crença no progresso, na ciência e no esclarecimento o conduziria a um estágio de
emancipação em que não sofreria mais coerções por parte das estruturas e das
instituições do Estado e, assim, alcançaria a felicidade plena.
A partir deste projeto ilustrado, podemos dizer que a história profana/civil
começa a se desligar gradativamente do providencialismo medieval e, por conseqüência,
1Segundo Sérgio Paulo Rouanet, o termo ilustração se reserva exclusivamente às correntes de idéias que apareceram no século XVIII, enquanto que o Iluminismo refere-se a uma tendência intelectual independente de época, com viés crítico sempre apoiado na razão.
2
a cultura histórica também é afetada e modificada. Surge, assim, um novo tipo de
cultura histórica, baseada nas grandes realizações do homem no campo da ciência e
tecnologia. Trata-se da tentativa de romper com os antigos e com a escolástica
medieval. É nesse aspecto que se pauta a cultura histórica do Iluminismo - em uma
ruptura com o passado, na busca de um progresso material através do devir histórico
pautado na educação; razão e experiência concebidas como elementos para a vida
prática e como projeto universal para o cidadão.
Há diferença entre esses projetos, há particularidades históricas de cada nação.
Isso é evidenciado na trajetória do Iluminismo na França e na Inglaterra. Nos dois
países foram criadas bases para o conceito de progresso e, da mesma forma, espaços de
circularidade cultural2 para ele. Os ingleses lançaram as bases da tecnologia e da ordem
pautadas na matemática; já os franceses as da ampliação das liberdades individuais. Da
mesma forma, essas concepções se complementarão envolvendo os mesmos espaços de
experiência e a previsão teleológica do futuro.
Apresentados esses pressupostos teóricos, passamos a relatar a trajetória deste
trabalho que começou a ser elaborado desde fins de 2007, com a monografia de
conclusão do Curso de Licenciatura Plena em História, intitulada “Ciência e Progresso:
os dois vetores do Iluminismo Inglês”. Ali procuramos localizar temporal, histórica e
filosoficamente o Iluminismo na Inglaterra, assim como apontar as contribuições de
quatro grandes nomes dessa produção inglesa para a construção da Modernidade:
Francis Bacon, John Locke, Isaac Newton e David Hume. No entanto, vale ressaltar que
o interesse pelo tema surgiu através de aulas de Teoria da História nas quais, a partir das
discussões das contribuições de Edward Palmer Thompson e Christopher Hill, foi
identificado um novo tipo de olhar sobre o Iluminismo.
Com relação ao projeto de Mestrado essa temática continuou no campo da
filosofia da história ao procurar responder certas questões que não haviam sido
esgotadas na monografia, mas daí surgiu um novo elemento que se relaciona com a área
2Para Ginzburg (2006), inspirado em Bakhtin, há uma permanente circularidade cultural na sociedade, que possibilita sua constante reprodução e renovação; a cultura é um campo de forças dividido e contraditório, entre hegemônicos e subalternos. As classes dominantes, por via de dominação e hegemonia, buscam apropriar-se das culturas subalternas (seus temas, motivos e elementos) e modificá-las segundo os seus interesses, criando um “consenso”, para enquadrar os subalternos.
3
de concentração do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal
da Paraíba - PPGH/UFPB, Cultura Histórica, e com a linha de pesquisa Ensino de
História e Saberes Históricos. A relação dessa temática com o livro didático como um
dos elementos centrais da pesquisa surgiu durante o curso das disciplinas3. Partíamos da
idéia de uma suposta ausência de discussão teórica sobre o Iluminismo nesse tipo de
artefato didático. Ao mesmo tempo, queríamos entender de que forma o Iluminismo
inglês é apresentado nos livros didáticos, se é que isso acontece. E, se não acontece,
como foi constatado em pesquisas com livros didáticos mais antigos, nos quais no
máximo autores ingleses como Locke apareceriam como precursores de um pré-
Iluminismo, a questão era o porquê disso?
Enquanto aluno do Ensino Médio no fim dos anos 1990, não estudávamos
Iluminismo como um fenômeno inglês tanto quanto francês. A referência continuava
sendo a França. E, em outro momento, já dez anos depois, na condição de professor na
rede estadual de ensino da Paraíba no Centro Experimental de Ensino Sesquicentenário,
nos anos de 2008-2009 chegamos à mesma constatação. Quando o assunto tratado nas
turmas de 2º ano de Ensino Médio era Iluminismo, procurávamos começar as aulas com
as primeiras ponderações a partir da Inglaterra para, depois, fazer uma contextualização
da ilustração na Europa. Muitos alunos nem sequer compreendiam e indagavam:
“Existiu Iluminismo na Inglaterra? Os filósofos iluministas não eram franceses?”. Em
suma, desde o Ensino Fundamental a cultura escolar apresenta para os alunos o
Iluminismo como um acontecimento exclusivamente francês. A perspectiva de um
fenômeno inglês ou mesmo continental bem integrado na Europa, como aponta
Jonathan Israel (2009), são questões que, se não são descartadas, pelo menos não são
usuais no ensino de história e em grande parte dos livros didáticos.
Desta forma, com aporte nos questionamentos teóricos da historiografia
revisionista, e na própria experiência de vida como estudante secundário, universitário e
professor de história, novos questionamentos surgiram. Isso ainda acontece? Se deve a
que motivos? A responsabilidade seria dos autores de livros didáticos que, mesmo
recebendo orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs para mudar os
objetivos de ensino, considerar a renovação historiográfica e metodológica, e
3Essa questão surgiu no decorrer da disciplina Tópicos Especiais em Historiografia do Ensino de História, cursada entre julho e outubro de 2008, pouco antes do processo de seleção de Mestrado do PPHG.
4
procederem a revisão de conteúdos, não o estariam fazendo? Será que os autores e as
editoras não se aproximaram suficientemente das mudanças acadêmicas? Ou a razão
estaria no professor que não teve formação suficiente para suprir essas mudanças e,
portanto, não procura se atualizar com uma perspectiva diferente de ensino?A
responsabilidade do ensino de história pode se resumir especificamente aos conteúdos
veiculados nos livros didáticos? Se o problema for a formação, há uma dificuldade
ainda maior, o agente formador. Ou seja, a própria academia e os docentes responsáveis
pela produção do conhecimento durante a formação dos futuros professores.
Interessados, portanto, nos livros didáticos enquanto documentos a serem
analisados, estabelecemos alguns critérios de seleção: 1) serem livros destinados ao
Ensino Médio na formatação de volume único; 2) terem sido analisados e aprovados
pelo Ministério da Educação através do Plano Nacional do Livro Didático do Ensino
Médio - PNLEM; 3) terem sido escolhidos pelos professores e adotados para o Ensino
Médio da rede pública do estado da Paraíba, e, por fim, 4) terem sido utilizados em sala
de aula na nossa prática docente. Em nosso estudo três livros didáticos foram escolhidos
para a análise segundo o estabelecido pelos critérios acima mencionados. No entanto,
foi realizada, na amostragem de material, uma pesquisa inicial4 com 10 livros didáticos
que foram aprovados no PNLEM, e um livro didático dos anos 1970 (História Geral de
autoria de Armando Souto Maior) que serviu como base para mostrar a forma
tradicional que o Iluminismo era apresentado nesse período e nos serviu como
parâmetro se nos últimos anos os livros modificaram suas perspectivas. .
Quanto à metodologia e às fontes, para a realização desta dissertação, a pesquisa
se caracteriza, básica e essencialmente, por sua natureza bibliográfica. Um significativo
arsenal de fontes bibliográficas foi utilizado: livros de autores que discutem as idéias
4Foram os títulos da amostragem inicial: 1) A Escrita da História - Volume Único - Renan Garcia Miranda, Flavio de Campos - Editora Escala. 2)História - Volume Único - Divalte Garcia Figueira - Editora Ática. 3) História das cavernas ao terceiro milênio - Volume único - Patrícia do Carmo Ramos Braick, Myriam Becho Mota - Editora Moderna. 4) História Global - Brasil e Geral - Volume Único - Gilberto Vieira Cotrim - Editora Saraiva. 5) Nova História Crítica - Volume Único - Mario Furley Schmidt - Editora Nova Geração. 6) Rumos da História - Geral e do Brasil - Volume Único - Maria Thereza Didier de Moraes, Antonio Paulo de Morais Rezende - Editora Saraiva. 7) História Geral e Brasil - Volume Único - José Geraldo Vinci de Moraes - Editora Saraiva. 8) História - Volume Único - Gislane Campos Azevedo Seriacopi, Reinaldo Seriacopi - Editora Ática. 9) História para o ensino médio – História Geral e do Brasil – Volume Único – Cláudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo – Editora Scipione. 10) História: uma abordagem integrada - Volume Único - Eduardo Aparecido Baez Ojeda, Nicolina Luiza de Petta, Luciano Emidio Delfini - Editora Moderna. Todas as edições foram dos anos 2005, 2006 e 2007.
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acerca de características sociais, econômicas, científicas e culturais sobre o Iluminismo
inglês, Rossi (1989), Soares (2001; 2003); Burke (1995); Thompson (1998; 2001); Hill
(1987; 1992). Foram estudadas também as obras dos filósofos iluministas ingleses
Francis Bacon (2006), David Hume (2003; 1999) e John Locke (1986; 2005; 2007)
além de comentadores e artigos escritos em língua portuguesa, espanhola e inglesa
sobre o tema. Há um grande acervo de periódicos sobre o Iluminismo inglês, em língua
inglesa, em bibliotecas virtuais. Da mesma forma, foram utilizados filósofos franceses
como Condorcet (2008) Diderot (2006); Rousseau (1979); e, comentadores como
Cassirer (1994); Falcon (1982); Grespan (2003); Vovelle (1997); Weffort (2006).
Nascimento e Nascimento (1998).
Utilizamos, como documentos a serem analisados, três livros didáticos que
atendem aos critérios acima mencionados, buscando neles a expressão do Iluminismo.
Observamos de que forma a historiografia brasileira sobre o tema é por eles apropriada,
uma vez que o livro didático tem sido se não o único, pelo menos o principal
instrumento utilizado em sala da aula e, portanto, um dos principais veiculadores do
saber histórico sistematizado pelos historiadores.
Sendo assim, em nossa análise, procuramos dar conta de alguns elementos que
envolvem os livros didáticos, especialmente aspectos relacionados à sua produção, sua
materialidade e abordagem teórica. Optamos por não desenvolver, neste trabalho de
dissertação, outro componente importante que diz respeito aos usos que são feitos deste
material didático, pois entendemos que este pode ser estudado em continuidade aos
estudos de pós-graduação. Para nossa análise, como já explicitado, procuramos verificar
esses elementos a partir de um conteúdo específico – o Iluminismo. Desta forma a
dissertação teve sua estrutura delimitada de acordo com o que passamos a apresentar.
Estrutura do texto
Este trabalho será dividido em quatro partes. A primeira parte é composta por
essa introdução, na qual, em linhas gerais, delineamos nossa proposta de estudo e
pesquisa e, apresentamos a estrutura do texto. Na segunda parte procuramos fazer um
breve histórico sobre o livro no Brasil e proceder a uma reflexão sobre o livro didático
enquanto um artefato inserido na cultura histórica de uma época marcada pelas idéias
iluministas e enciclopédicas. A partir de então, desenvolve-se uma cultura que passa a
ter predominância laica e, ao mesmo tempo, a incentivar a leitura. Sua introdução no
6
Brasil foi um instrumento importante para a formação do Estado-nação no século XIX.
Desenvolvemos a perspectiva de estabelecer uma relação entre cultura histórica e livro
didático procurando questionar as posturas que vêem o último apenas como um
reprodutor do conhecimento histórico acadêmico. Ao contrário, nele reconhecemos uma
função didática que o caracteriza enquanto uma fonte de construção do conhecimento
histórico escolar.
Na terceira parte discutimos como a modernidade européia, desde o humanismo,
contribuiu para a valorização do livro, e como alguns modelos pedagógicos foram
fundamentais para a elaboração do livro didático que conhecemos hoje. Isso pode ser
visto nos modelos educacionais de Comenius, John Locke, Condorcet e no próprio
contexto histórico das Luzes. Procuramos apresentar, como pano de fundo para essa
discussão, a historiografia, tanto a tradicional, que parte da concepção do Iluminismo
como um fenômeno francês, alicerçada em autores como Cassirer (1994), Grespan
(2003), Falcon (1982), como aquela que tem posições discordantes. Entre essas últimas
vozes situamos as posições presentes nas obras de Burke (1995), Thompson (1998;
2001) e Israel (2009) que apontam características peculiares ao Iluminismo inglês e
continental, além da própria antecedência da ilustração na Inglaterra em relação aos
outros países. Enquanto, na Inglaterra, o Iluminismo surgiu e se difundiu dentro da
“ordem estabelecida”, sem quebrar as hierarquias e tradições da sociedade inglesa, na
França, por sua vez, foi necessária uma Revolução longa e de muitos desdobramentos
para que tais idéias entrassem em prática. Outro aspecto de diferenças relevantes é que o
Iluminismo Inglês se apresenta não meramente como uma teoria política de reforma do
Estado, como foi na França, mas com uma grande preocupação quanto ao
desenvolvimento da ciência e da tecnologia representada por várias gerações de
intelectuais, artesãos e mecânicos que trabalham de forma mais harmônica em
academias não oficiais como a Royal Society5.
O quarto momento apresenta e analisa de que forma essa discussão da
historiografia contemporânea, travada desde os anos de 1970, vem sendo implementada
5Segundo Rossi (2001), a Royal Society é uma academia científica construída e inaugurada oficialmente em julho de 1662 pelo rei Carlos II. Apesar do nome do nome Royal (real), possuía total independência e praticamente não recebia investimento da coroa inglesa. Nesse espaço de saber e tolerância, homens de várias formações: matemáticos, astrônomos, químicos, filósofos, físicos e de diferentes religiões participavam. Dela fizeram parte Robert Boyle, John Evelyn, Robert Hooke, William Petty, John Wallis, Thomas Willis e Sir Isaac Newton.
7
e repercutida na historiografia didática, especialmente nos anos 2000. Sendo assim,
realizamos uma comparação entre alguns livros didáticos, procurando analisar a sua
abordagem sobre o Iluminismo. Algumas perguntas-chave permeiam nossa
investigação: como os autores desses livros formulam o que os alunos da Educação
Básica devem compreender acerca do Iluminismo? Como algumas tradições
historiográficas sobre o Iluminismo são apropriadas e apresentadas nos livros didáticos?
De que forma os livros didáticos expressam (se é que o fazem) a mudança de
perspectivas que se constituiu, a partir dos anos 1970-80, sobre a centralidade da razão e
do progresso conforme a formulação dos pensadores iluministas do século XVII e
XVIII?
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2. LIVRO DIDÁTICO E CULTURA HISTÓRICA
Neste capítulo, procuramos trabalhar as relações teórico-práticas entre livro
didático e cultura histórica. O Iluminismo formulou, com a sua pedagogia social
baseada nos direitos humanos, uma proposta para livrar o homem da ignorância
medieval, levando-o ao esclarecimento. O que é esclarecimento?6 Segundo Kant, em
sua famosa resposta ao músico Mendelssohn, seria:
[...] a saída do homem de sua menoridade, da qual o culpado é ele próprio. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu próprio entendimento, mas na ausência de decisão e coragem de servi-se a si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem a ousadia de fazer uso de teu próprio esclarecimento – tal é o lema do Esclarecimento (2008, p. 115).
No entanto, esse esclarecimento teve suas limitações ao se traduzir em ações
práticas, pois, até o século XIX, foi reservado exclusivamente a uma parcela da
sociedade, representada pela aristocracia conservadora e pela burguesia do capitalismo
industrial. O livro, de uma forma geral, e o livro didático, de forma mais específica,
foram responsáveis pela inserção dessa parcela da sociedade no mundo de um saber que
procurava uma reposta racional, lógica, para as questões da existência humana e, por
outro lado, exaltava os princípios e a origem do Estado, da nação, da cultura e dos
costumes personificados em ícones heróicos.
Nossa proposta é procurar observar o livro didático, a partir de um olhar histórico,
para entender como ele se tornou não só um item de produção técnica e científica, mas
um produto cultural também responsável pela difusão de uma determinada cultura
histórica no Ocidente. Procuramos destacar que esse artefato cultural possui várias
facetas que expressam sua posição como resultado da produção e da reprodução de
conhecimento. O livro didático mudou ao longo dos séculos. Cremos que, quanto a essa
afirmação não há qualquer discordância. No entanto, outras questões permanecem. Por
exemplo, o conhecimento impresso nele, em termos teóricos, pode ser chamado de
6O termo esclarecimento, etimologicamente, vem da palavra alemã Auflaklärung e se tornou uma importante discussão da filosofia de Imamuel Kant. A definição e compreensão de Iluminismo ou Esclarecimento podem ser encontradas em seu livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos, publicado em 1785.
9
disciplina ou matéria escolar? O seu conteúdo expressa uma “transposição didática”7 do
conhecimento produzido pela academia? Apresenta uma forma de conhecimento com
técnicas e metodologias próprias e independentes?
Desde as últimas décadas do século XVII, é importante perceber como a
influência do Iluminismo foi importante para o aumento progressivo de alfabetizados
provocando uma mudança nos hábitos cotidianos e culturais da Europa, cultura essa que
deixa de ser apenas oral e passa a ser também escrita. Pois, na medida em que,
gradativamente, um significativo número de pessoas consegue atingir um maior grau de
leitura, esse mesmo ato de ler cria, como afirma Fisher (2006)8, uma espécie de
consciência universal na Europa e no ocidente e o livro, com isso, ganha um status
considerável na disseminação do saber.
Em suma, essas mudanças trazidas pela Ilustração possuem um íntimo
relacionamento com o aumento da leitura e com os manuais didáticos e enciclopédicos.
Esses instrumentos serão, a partir de então, de valiosa importância para a circulação do
conhecimento laico. Nesse período, a educação começa a passar por um profundo
processo de intervenção dos Estados Nacionais europeus que buscam construir um novo
ideário baseado no civismo e na civilidade do homem. Da mesma forma, os manuais
desse período procuravam transmitir esses valores, através de uma didatização da
história e da exaltação dos grandes feitos humanos, suas verdades e suas conquistas.
Assim, no século XIX essa idéia seria um importante fundamento da formação e da
unidade dos Estados Nacionais. Na atualidade, perguntamos ainda, mesmo com crítica
às ideologias e a busca de um saber universal: os livros didáticos continuam a ter
posicionamentos críticos e racionais, com capacidade de esclarecer o indivíduo?
O livro didático é um artefato cultural que possui métodos e ideologias,
principalmente no que se refere à formação do aluno que geralmente tem nele sua
experiência inicial no mundo da leitura e do saber. Assim, o compreendemos como um
7O termo “transposição didática” foi utilizado fortemente por uma corrente de educadores ingleses e franceses, que afirmavam uma hierarquização dos conhecimentos, segundo a qual aquele produzido na academia seria superior ao produzido na escola. Por isso a produção livros didáticos seria uma reprodução e simplificação desse conhecimento acadêmico. Entre os defensores dessa concepção destaca-se o pesquisador e matemático francês Chevallard (1991). 8Steven Roger Fisher é um historiador da lingüística dedicado à investigação sobre os sistemas de escritas antigas e também sobre linguagens dos tempos contemporâneos como a linguagem virtual da internet. Essa discussão sobre a idéia e necessidade criada pelo Iluminismo sobre o hábito da leitura pode ser encontrada no seu trabalho História da Leitura. Tradução Claudia Freire. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
10
artefato iluminista que ganhou grandes proporções em vários lugares no mundo, de
acordo, logicamente, com as especificidades que assumiu em cada um deles, em
diferentes momentos.
2.1. Uma breve história do livro didático no Brasil
No Brasil, o Iluminismo chegou principalmente através de aristocratas, filhos de
ricos comerciantes e de latifundiários que traziam para o lado de cá do Atlântico
inovações intelectuais surgidas na França, Inglaterra, Portugal daquele período. No
entanto, esses intelectuais brasileiros trouxeram um tipo de Iluminismo que, apesar de
ter como o grande marco histórico a Revolução Francesa, se colocava contra os ditos
excessos cometidos pelos revolucionários jacobinos. No Brasil, apesar da influência
iluminista em seus três principais movimentos, A Inconfidência Mineira (1792), A
Conjuração Baiana (1798) e Revolução Pernambucana (1817), em duas delas, a mineira
e a pernambucana, as elites que participavam do movimento eram contra a radicalização
social e não olhavam com bons olhos, por exemplo, o fim da escravidão. E, mesmo na
baiana, que foi uma revolta de segmentos mais humildes, muitos intelectuais,
profissionais liberais e proprietários de terras abandonaram o movimento por conta das
propostas de negros e mestiços.
Em síntese, o que podemos afirmar é que esse Iluminismo que penetrou o Brasil,
apesar de, em termos políticos, se aproximar do francês, defendendo a emancipação
política, em termos sociais possuía certa mediação com o Iluminismo mais conservador
inglês, pois as mudanças políticas não permitem uma ruptura radical em termos sociais.
Aliás, a Inglaterra experimentou isso com a Revolução Gloriosa de 1688, em que,
mesmo com o fim do absolutismo, e com a carta de direitos do cidadão, a nobreza não
foi expulsa do poder, mas passou a dividi-lo com o parlamento, com a burguesia e a
gentry (a nobreza mais modernizadora que buscou um processo de capitalização na
agricultura). Assim, nobreza e burguesia praticamente dividiram o poder até o começo
da década de 30 do século XIX quando ocorreram as reformas políticas e trabalhistas de
1832. Até que isso acontecesse, Whigs e Tories se mantiveram no poder de forma
rotativa como bem retrata Edward Palmer Thompson (2001).
Voltando aos aspectos históricos, ideológicos e metodológicos do livro didático no
Brasil, o século XIX, com a formação do Estado Nacional, foi importante para a
11
consolidação do que as elites queriam implantar como a nação ideal. Nesse cenário o
ideário iluminista universalista teve sua parcela de contribuição, mas adaptado às
condições e peculiaridades brasileiras. Apesar do processo de independência manter as
estruturas sociais baseadas na escravidão, na cidadania excludente e no voto censitário,
não era mais possível manter uma educação somente para as classes dominantes. Daí os
manuais didáticos, entre várias outras iniciativas, surgirem para dar uma justificativa
para a formação desse Estado Nacional.
Os princípios norteadores de civilização - conceito de Voltaire - foram
importantes para a construção de uma produção didática voltada para o civismo e a
valorização da pátria e da religião cristã tendo como referência a Europa industrializada
e modernizadora. Por isso, no Brasil, nesse período, criou-se a necessidade de produzir
livros baseados nos moldes europeus, como afirma Bittencourt (2008, p. 25), citando
um fragmento de texto do século XIX de autoria de Andrada:
A fase inicial correspondeu a projetos que insistiam sobre a necessidade de se construir livros seguindo modelos estrangeiros, notadamente franceses e alemães. A geração de intelectuais do inicio dos oitocentos determinou que os livros escolares fossem adaptados de obras estrangeiras, podendo-se mesmo traduzir-se alguns, que há nas outras nações cultas, particularmente a alemã, que mais se tem assinalado nesta espécie de instrução, apropriando-se ao sistema estabelecido nesse plano.
Nesse período o livro didático possuía a função de atender as necessidades do
professor e servia como instrumento para suprir as suas deficiências técnicas. Da mesma
forma, os livros possuíam uma aparência bem enciclopédica, a exemplo da criada por
D’Alambert e Diderot. No que se refere à sua construção, o livro didático era um objeto
criado por sábios que possuíam formações de outras áreas do conhecimento como
Medicina e Direito, além dos políticos. Os livros eram escritos por intelectuais
estrangeiros e, quando não, eram obras de autores brasileiros que possuíam uma forte
influência estrangeira, principalmente francesa e alemã. Livros como o de Martin
Francisco de Andrada, segundo Bittencourt, foi uma espécie de tradução adaptada da
Second Mémorie Sur I’Instruction Publique de Condorcet, sobre o qual trataremos com
mais detalhe no próximo capítulo, que era tido, segundo Bittencourt (2008, p.27), como
uma espécie de modelo a ser seguido pelos professores e pelos intelectuais do período.
Ainda no século XIX, a crítica a essas compilações de livros de história baseadas
em obras de autores estrangeiros, servirá de estímulo para a chamada corrente
12
nacionalista. Esse grupo, a partir principalmente da década de 1870, e com ideais
republicanos, defendia que a produção intelectual de livros didáticos deveria ser
conduzida por autores genuinamente brasileiros, considerados mais aptos para tratar de
assuntos de história, principalmente história nacional.
No século XIX, grande parte dos intelectuais defendia um livro didático que
procurasse se assemelhar, em termos metodológicos e teóricos, com os princípios
civilizatórios e cristãos das sociedades européias. O livro didático, por força do Estado
Imperial, foi um dos principais instrumentos que buscavam a justificação desses
valores, bem como a disseminação da história dos chamados “grandes homens” que
possuíam um passado glorioso.
Em termos teóricos, apesar dos livros didáticos serem produzidos por intelectuais
e buscarem conceitos universalistas e explicativos que indicavam uma direção ao futuro
do país e, apesar da defesa do chamado Estado modernizador, muitos intelectuais,
presidentes de províncias, senadores, tinham receio da idéia iluminista do livro como
fonte para emancipação individual e coletiva em termos de organização social. Por isso,
os educadores de “bom gosto” privilegiavam mais os valores da ética cristã e do
civismo patriótico do que a formação de um cidadão crítico. Em termos de métodos os
livros mantinham um legado, que não conseguiram romper, com a tradição jesuítica e
sua perspectiva pedagógica.
Como afirmam Gondra e Schueler (2008, p. 53), a educação brasileira nesse
período possuía três pontos a serem destacados: “Quem deveria ensinar? Quem deveria
aprender? O que difundir e como ensinar?”.
No Colégio Pedro II, escola de suma importância que serviu de modelo para as
que foram criadas nas demais províncias no Brasil no século XIX, o estudo de história
se dividia em História Sagrada e História Profana e o estudo da História da Pátria
deveria ocorrer junto com a História Geral de forma a semear as idéias de comparação e
integração entre Brasil e Europa.
Os livros desse período buscavam, através da memorização, explicar a história de
uma forma contínua, apresentando o maior número de fatos, nomes e datas possíveis.
Assim, “[...] ler, escrever, contar e crer por meio de saberes como a língua nacional,
cálculos, geometria, história nacional, religião católica, apostólica e romana [...]” (idem,
p. 54), eram os itens essenciais para o cidadão do século XIX. Essa forma herdada dos
jesuítas tomava a configuração do catecismo, com um método de perguntas e respostas
13
que os alunos deveriam repetir oralmente ou por escrito. Entre os intelectuais laicos
esse tipo de método foi chamado de método mnemônico elaborado pelo historiador e
pedagogo francês Ernest Lavisse. Circe Bittencourt nos dá esclarecimentos de como
esse método era realizado e como influenciou a pedagogia brasileira em fins do século
XIX e começo do XX:
Lavisse pretendia desenvolver a inteligência da criança por intermédio da capacidade da memorização, sendo esta construída ao se estabelecer a relação entre a palavra escrita e as imagens. Para isso, seus livros didáticos para a escola primária francesa no fim do século XIX, apresentou uma série de imagens acompanhadas de exercícios e atividades cuja finalidade era o reforço para uma “memorização histórica”. Na prática, no entanto, parece ter prevalecido não exatamente a preocupação com uma memorização ativa, mas simplesmente com a decoração de nomes e datas dos grandes heróis e dos principais acontecimentos da história nacional. (2009, p. 69).
Na passagem do final do século XIX para o século XX houve algumas mudanças
no que se refere ao teor e à função dos livros didáticos no Brasil. No entanto, é
necessário proceder a uma contextualização histórica deste processo. Agora, como um
país agro-exportador industrial, com o fim de regime monárquico e com a abolição da
escravatura se criou uma sociedade mais impactada com a urbanização, marcada pelo
aumento populacional e, por outro lado, pela assimilação dos valores iluministas, dessa
vez revestidos de Positivismo, com a crença no progresso material e na ordem. Essas
mudanças, em termos sociais, se refletiram, ainda que timidamente, na organização
social e na cidadania brasileira. Segundo a constituição de 1891, por exemplo, somente
os analfabetos e as mulheres não possuíam direito a voto. Assim, a recém criada
república brasileira teve que, através da educação, ou melhor, da instrução, elaborar
políticas públicas para setores que, antes, eram mais marginalizados. Procurava-se,
ainda, mecanismos para justificar a unidade nacional através dos representantes das
elites que buscavam conduzir o país para o progresso.
Nesse período da história da educação brasileira foi inserido o chamado currículo
científico em substituição ao currículo humanístico; a idéia era formar profissionais,
principalmente voltados para as áreas das Ciências Exatas e da Natureza, de forma a
atender aos interesses do mundo industrial capitalista nascente no país. Em tese, a ação
racional por parte do Estado seria a principal responsável pela promoção das conquistas
humanas e da civilização. Trata-se, ainda, de um ingrediente iluminista importante para
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o período, em que pesasse, no caso do Brasil, as características ainda predominantes do
período colonial em pleno século XIX, notadamente a persistência da escravidão.
No que se refere ao ensino de história, podem ser identificadas algumas linhas:
enfatizou-se a história da civilização ocidental (européia) utilizando métodos
comparativos, promoveu-se a separação da história sagrada e da história profana e
aplicou-se a famosa divisão quatripartite da história. O nacionalismo ainda era o tom
principal, pois o esforço estava concentrado na construção da unidade nacional. Na
sociedade brasileira predominava a mentalidade de uma elite aristocrática que ocupava
os principais postos da burocracia civil e militar, mas já se manifestavam algumas vozes
discordantes no que se refere ao ensino de história e quanto à idéia de origem, formação
e governo do Brasil.
O nacionalismo elitista ainda era o principal agente de condução do país, o esforço
por construir um panteão dos grandes heróis nacionais, assim como a vinculação do
Brasil à história e às características da “civilização” européia, eram os principais
objetivos a serem alcançados também pelos intelectuais e, principalmente, pelo
conhecimento histórico e seu ensino. No entanto, pensadores como Afonso Celso9 e
Jonathas Serrano10 já expressavam certa discordância quanto à direção do ensino de
história e os destinos do país.
O primeiro, em sua obra Porque me ufano de meu país de 1900, livro que foi
escrito como comemoração dos 400 anos do “descobrimento do Brasil”, dividido em 49
partes (capítulos), retrata um país, em termos estéticos e bem na esteira do movimento
literário naturalista, a partir da exaltação das suas belezas naturais e apontando-o como a
9Nascido em 1860 foi professor, poeta, político e historiador. Tornou-se um dos responsáveis pela fundação da Academia Brasileira de Letras, na qual ocupou a cadeira de número 36. Escreveu vários poemas, e obras políticas como Contradições Monárquicas (1896). Nacionalista republicano causou polêmica quando escreveu Porque me ufano deste país (1900), por defender posições que rompiam com a elite imperial. A partir de 1912 foi eleito presidente do IHGB, cargo que manteve até a sua morte em 1938. Informações obtidas do seguinte sítio eletrônico: www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=32&sid=327. Acesso em: 01 jul. 2011. 10Jonathas Serrano (1855-1944) foi professor, pedagogo e membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Produtor de obras didáticas e de metodologia da história traz com seu método a tarefa de “ensinar a ensinar” história com um modelo de pedagogia cientifica combatendo o modelo de Herbart de uma psiciologia cronológica e também combatendo o pragmatismo de Dewey. O modelo de Serrano se baseava numa psicologia experimental amparada na Educação Funcional de Edouard Claparède na obra Arquivos de Psicologia de 1912. Informações extraídas do livro de Itamar Freitas. A Pedagogia Histórica de Jonathas Serrano: Uma teoria do ensino de História para a escola secundária brasileira (1913-1935). São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju, 2008.
15
potência nascente por conta de seu grande território. A ênfase nesses aspectos cria um
padrão de otimismo e nacionalismo que coloca o Brasil como país do futuro chegando a
apontar dez motivos de sua superioridade em relação aos outros. Entre esses motivos
estavam: as riquezas naturais, a beleza do país, as variações climáticas, a educação e o
cavalheirismo em relação aos povos estrangeiros.
No entanto, o motivo que mais chama atenção é o sexto capítulo que se refere aos
tipos étnicos que formaram o povo brasileiro. Afonso Celso dá grande importância ao
mestiço como elemento da formação brasileira, discordando, de certa forma, da
concepção de herança cultural genuinamente européia. No entanto, vale ressaltar que os
mestiços descritos por Celso foram pessoas que se associaram ao modo de vida
português e à concepção de mundo cristã. Ainda no livro ele dedica uma parte à
descrição muito amistosa dos hábitos e costumes dos negros e índios, agradecendo e
reconhecendo os seus “honrosos” serviços prestados ao país.
De qualquer forma essa concepção de um Brasil miscigenado como fundamento
de integração e identidade nacional, procurando criar uma espécie de consciência
histórica, era um elemento novo que grande parte dos intelectuais, dos políticos e da
elite em geral não viram com bons olhos. Como o próprio Celso afirma:
É hoje verdade geralmente aceita que, para a formação do povo brasileiro, concorrem três elementos: o selvagem americano, o negro africano e o português. Do cruzamento das três raças resultou o mestiço que constitui mais da metade de nossa população. Qualquer desses elementos, bem como resultantes deles, possui qualidades de que nos devemos ensoberbecer. Nenhum deles fez mal a humanidade ou a deprecia (2002, p.64).
Apesar dessa concepção de história nacional elaborada por Celso, isso não
significa um rompimento com a história nacionalista formada pelos grandes heróis da
elite civilizadora e fundadora do civismo em nosso país. Quase todos os heróis estão no
capítulo 37 “Grandes nomes de nossa história”. O curioso é que Cabral não é citado,
mas Martim Afonso de Souza, Tomé de Souza e outros governadores gerais, políticos e
poetas como José Bonifácio de Andrada, Castro Alves, militares como Duque de Caxias
e os Imperadores Pedro I e Pedro II, ganham destaque. Com relação aos imperadores
brasileiros demonstrou um grande apreço heróico e admiração apologética pelos
mesmos e, sobre Pedro II, fez uma espécie de biografia pessoal e política apontando
todos os feitos realizados chegando a ponto de compará-lo, como superior em termos de
16
realizações e como imperador, a Napoleão Bonaparte. Uma grande preocupação de
preservar sua memória para as futuras gerações é demonstrada neste extrato do final do
capítulo 38, sobre a morte de D. Pedro II:
E lá descansa em S. Vicente de Fora, longe do Brasil que tanto amou, tanto serviu, tanto exaltou. Mas há de voltar; de tornar-se legendária a sua memória imortal. Há de voltar triunfalmente, sim, para jazer ao lado de seus queridos compatriotas, do mesmo modo que de Santa Helena volveram as cinzas de Napoleão, a fim de repousarem nos inválidos, como ele pedira, junto da de seus bravos. E a história reconhecerá que a glória do imperador brasileiro é mais alta e mais pura que a do sanguinário imperador francês, aniquilado em Waterloo (2002, p. 182).
Com relação ao segundo autor, Jonathas Serrano, este contribuiu para a introdução
de novos métodos pedagógicos para o ensino de história. O prof. Serrano, como era
chamado, escreveu livros didáticos de História do Brasil e de História Geral e também
obras sobre teoria e metodologia da história. Em sua Methodologia da história na aula
primária, de 1917, uma das principais obras de seu tempo, procurou estabelecer
métodos para o conhecimento histórico. Para tal trabalho, em um de seus capítulos,
estabeleceu sete métodos existentes classificados da seguinte forma: etnográfico,
sincrônico, cronológico, regressivo, anedótico e biográfico, continuado e concêntrico.
Uma boa análise de sua proposta é realizada por Schmidt (2009) em artigo para a
Revista Brasileira de História (RBH). Nele a historiadora demonstra a preocupação de
Serrano em criar métodos para que os alunos compreendam a história não como um
apanhado de fatos em um processo de memorização mecânica e sem significado. Sua
metodologia, procurou impedir e se distanciar do crescimento da chamada Escola Nova
ou Nova Pedagogia do autor norte americano John Dewey11; procura uma pedagogia
que está centrada na figura da criança em primeiro lugar, e não no professor, buscando
estímulos que despertassem o significado e a sua curiosidade pelo saber. A introdução
11John Dewey foi filósofo e pedagogo norte-americano conhecido por ser um dos fundadores da escola filosófica do Pragmatismo, que buscava inserir o indivíduo na sociedade através de um modelo de ensino que possuísse relação com a prática cotidiana. Seu método é conhecido como “Educação Progressiva”. Para entender melhor o seu pensamento consultar: Interest and Effort in Education (1913); traduzido para o português por Anísio Teixeira sob o título de Interesse e Esforço (In: Os Pensadores, Abril Cultural, 1980), Experience and Nature (1925); traduzido para o português por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme sob o título de Experiência e Natureza (In: Os Pensadores, Abril Cultural, 1980), e Experience and Education (1938); traduzido para o português por Anísio Teixeira sob o título de Experiência e Educação (Companhia Editora Nacional, 1971).
17
desse método marcará uma longa tradição no ensino e nos livros didáticos até anos
1970, período em que os governos militares no Brasil estarão mais preocupados com os
procedimentos pedagógicos do que com o aprendizado do aluno, resultando no ensino
tecnicista.
A preocupação de Serrano, em relação aos seus antecessores, é de estabelecer a
crítica da aprendizagem da história de “cor”, com a memorização exata dos principais
fatos históricos e a resposta aos questionários, aos exercícios, conforme o modelo do
catecismo. A obra de Serrano nos livros didáticos traz algumas inovações até então não
conhecidas ou pelo menos não utilizadas no ensino de história como, por exemplo, na
sua obra Epítome da História Universal, cuja primeira edição foi de 1912, em que
apresenta, após cada capítulo, quadros sinópticos e cronológicos, mapas e ilustrações.
O autor ainda faz referência ao cinema como um recurso para se estudar história
em um processo que o mesmo chama de “ressurreições históricas”, pelo qual é possível
aprender com as imagens e não somente com os ouvidos. Com relação à abordagem
histórica, Serrano ainda possui uma forte relação com o ensino de história voltado para
a adoração da pátria e o culto aos heróis e suas respectivas biografias. Além do fato de
manter o pressuposto iluminista de estudar as civilizações e seus acontecimentos mais
importantes de forma linear em uma cadeia de causas e conseqüências.
A partir dos anos 30 do século XX o ensino de história e os livros didáticos
receberão uma influência ainda mais forte do Estado, por conta da conjuntura provocada
pela Revolução de 1930 e pelo Varguismo. As concepções ultranacionalistas
influenciadas pelo nazi-fascismo mostram-se evidentes nesse período. A doutrinação
dos estudantes através dos estudos de Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais
exemplifica esse movimento.
Nesse período se estabelece a obrigatoriedade do Ensino Infantil, pelo contingente
de pessoas analfabetas que passava dos 60% e pelo crescimento no processo de
urbanização e industrialização no país; situação que exigiu algumas reformas por parte
do Governo Federal. O Estado Novo, a partir do decreto-lei nº 1.0006, de 30 de
dezembro de 1938, através da Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), criou a
primeira política efetiva para o controle, produção e circulação dos livros didáticos no
país.
No Estado Novo, e mesmo na experiência democrática liberal dos anos 50 e
começo dos 60 e também na ditadura militar, os livros didáticos passaram por intenso
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monitoramento em sua distribuição e circulação, enquanto o tema do nacionalismo se
torna ainda mais central, usado como instrumento de ideologia a serviço do poder. Uma
vasta historiografia didática é produzida no período, tendo a pátria e a segurança
nacional como seus temas norteadores. Dentre os principais e mais conhecidos autores
de livros didáticos estavam, então, Joaquim Silva, Antonio José Borges Hermida, Elias
Esaú, Luiz Gonzaga de Oliveira Pinto e Duílio Ramos.
Um trabalho que mostra as relações entre o conceito de segurança nacional e os
livros didáticos é o de Andréia Lozano (2006). Nele, em dois capítulos, a autora faz
referências e alusões de livros didáticos dos autores acima citados sobre temáticas como
a questão racial no Brasil, os heróis e mártires exaltados, as grandes batalhas como a
expulsão dos holandeses, a Guerra do Paraguai, a participação do Brasil na segunda
Guerra Mundial, a questão do comunismo no país. Todos estes aspectos são analisados,
assim como outras questões problemáticas e inconsistentes em termos históricos, a
exemplo do tratamento dado à escravidão, em que se evidenciam as abordagens que se
referem a ela como fenômeno observado apenas no período colonial e, da mesma forma,
se referem unicamente à presença do negro escravo nas relações de trabalho, sempre em
posição de passividade diante da sujeição. Da mesma forma, o índio era retratado como
um grupo social que não teria se adaptado ao trabalho escravo, como afirma a própria
Lozano:
O índio é retratado como um elemento um tanto quanto inapto ao trabalho nas fazendas, com vocação a liberdade, arruinando concomitantemente as reais intenções do português em escravizá-lo. Em nenhum momento é abordada a questão dos embates travados pelo aborígine contra o jugo do europeu, delineando-se desta maneira uma história permeada de nuances de amistosidade e de cooperação (2006, p. 94-95).
A questão da miscigenação, nestes livros didáticos, aparece claramente
influenciada pelo pensamento de Gilberto Freyre e sua tese da democracia racial.
Compreende-se, assim, o interesse do Estado em divulgá-la como uma proposta
harmoniosa, para esmaecer os conflitos e criar uma idéia de unidade para a população
brasileira. Essa mudança de perspectiva no tratamento da questão racial brasileira nos
livros didáticos começou a partir dos anos 1950. No entanto, o enaltecimento do
elemento branco na constituição de nosso país continua evidente, como demonstra a
autora citada, em várias citações presentes nesses livros didáticos como figura de
19
importante e inevitável valor para a construção do país, e também da importância do
imigrante para o processo de modernização do trabalho no Brasil. O Estado brasileiro,
em especial no período da ditadura militar e os autores da literatura didática, fizeram
questão de manter o nacionalismo presente em figuras como Duque de Caxias e
Tiradentes. O primeiro, chamado nos livros, de “o grande pacificador” e, o segundo, de
o “precursor da independência”. Esse tom nacionalista e de conciliação entre os
diversos grupos sociais foi a tônica nos livros desse período.
A partir dos anos 1980, depois de anos de luta contra a ditadura militar, os livros
didáticos passaram por diversas revisões e embates na sala de aula. A redemocratização
no país acabou criando um cenário de aversão ao livro didático que, em muitos casos,
passou a ser considerado o “vilão da história”, principalmente por ter sido utilizado
como um instrumento ideológico e doutrinário no ensino das disciplinas de História,
Organização Social e Política do Brasil, Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais.
Nesse período os professores começaram uma espécie de boicote aos livros didáticos e,
em muitos casos, passaram a usar materiais próprios ou, então, a buscar outros que
tivessem mais proximidade com a produção acadêmica recente. Esta fase foi marcada
principalmente pelo marxismo estruturalista, que estava em destaque no período de
redemocratização, mas também por uma abertura, em termos historiográficos, para os
Annales da 3ª geração e para a história cultural. Como afirma José Jobson de Arruda,
um dos principais historiadores a produzir livros didáticos no período:
A História que se desenvolveu a partir dos anos 70, 80 na Europa, mas no Brasil mais nos anos 80, começa a tender para o lado da História da Cultura, do cotidiano, do imaginário. Na verdade foi a quebra da rigidez da interpretação mais ortodoxa, mais marxista, diga-se de passagem, no meu texto, se você lê, não há determinismos dessa natureza, há sempre uma interação. Essa nova história, ela traz contribuições notáveis quando contempla essa diversidade, as variedades, as várias racionalidades, etc. Isso é fundamental para se entender História do Brasil, pois ela deixa de ser um apêndice de outras histórias, sobretudo da História da Européia (Apud, GATTI, 2004, p.95).
Nesse período, apesar das obras dos Annales e da nova história cultural circularem
nos meios acadêmicos, em termos teóricos e de perspectiva de atuação política e social,
grande parte dos historiadores buscaram no Marxismo seu principal aporte. Nessa
conjuntura, grande parte dos profissionais de história buscam mudanças na sociedade e
esta perspectiva estará bastante explícita também nos livros didáticos que, além de
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apresentarem conteúdos mais críticos, introduziram novas mudanças em termos teóricos
e metodológicos. Esse clima de mudança da postura do professor, com ampla
repercussão sobre sua prática de ensino, é bem assinalado por Monteiro (2009, p. 175):
Traduzindo de certa forma o processo em curso de intenso debate e ações políticas pela redemocratização do país, uma nova safra de livros didáticos começou a ser produzida, apresentando uma versão de história engajada, militante, recorrentemente baseada na interpretação marxista da história, e assumindo uma linguagem que buscava se tornar mais próxima, e assumindo uma linguagem que buscava se tornar mais próxima dos alunos, estabelecendo relações com o presente e introduzindo charges, letras de músicas, noticiário de jornais, para aproximar os temas em estudo da realidade dos alunos e, ao mesmo tempo, aprofundar a perspectiva crítica (2009, p. 175-179).
Os anos 1980 também revelaram outra mudança que é bastante visível na
sociedade capitalista atualmente: a transformação do livro didático em mercadoria e a
conseqüente preocupação com os números relativos às tiragens e às vendas. Surgem ou
crescem enormemente as editoras de livros e se constrói e consolida um expressivo
mercado editorial para livros didáticos. Nessa mesma década surgiu através do decreto-
lei nº 91.542, de 19 de agosto de 1985, o Programa Nacional do Livro Didático, também
conhecido como PNLD. Esse programa, em termos práticos, foi uma espécie de lei
áurea para os professores que puderam, a partir daquele momento, escolher os livros
didáticos a serem utilizados. Representou também a melhoria de características técnicas
do livro didático, o fim da participação financeira dos Estados com a Fundação de
Apoio ao Estudante - FAE assumindo a responsabilidade no controle do processo de
avaliação e distribuição dos livros didáticos.
Na década de 1990, outras políticas procuraram aperfeiçoar e modernizar o
sistema educacional brasileiro do ponto de vista de reformulação curricular associado a
conjuntura político-economico da época. Nesse período, marcado pelo triunfo do
neoliberalismo e da globalização, quando o capitalismo triunfante transforma todo
objeto de produção material e intelectual humana em mercadoria, ocorreram, do ponto
de vista da reforma educacional no Brasil, várias reformulações curriculares. O ensino
passou por um processo de massificação escolar nunca visto até aquele momento. Essa
massificação trouxe para as escolas a complexa heterogeneidade da população
brasileira, característica que resultou, para a escola pública e para os alunos de baixa
renda, em um processo de queda na qualidade do ensino. Em contrapartida, as escolas
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particulares com o ensino regular e cursos preparatórios para o vestibular entraram em
uma fase de apogeu, com melhores estruturas e professores mais bem pagos. A
redemocratização política não foi refletida no ensino, pois o modelo educacional do
liberalismo só fez aumentar as disparidades sociais e regionais. Os livros didáticos, por
sua vez, e em decorrência do PNLD, passaram a ser objeto de disputas pelas principais
editoras do país.
Nesse período, com as perspectivas de mudanças provocadas pela
redemocratização, foram realizadas novas alterações no sistema educacional brasileiro,
procurando adequá-lo aos novos tempos. Assim é definida, em 1996, a nova Lei De
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); em 1997, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) e, também nesse ano, a avaliação pedagógica dos livros didáticos, o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A partir deste último também são
criados posteriormente o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e
Adultos (PNLA), ambos em 2007.
2.2. A produção/reprodução da cultura histórica pelos livros didáticos
Nesse item apresentaremos algumas reflexões em relação ao livro didático como
formador e produtor de uma cultura histórica, procurando, assim, estabelecer algum
debate sobre o próprio conceito de cultura histórica.
O livro em geral e, o didático (de história) em especial, é um objeto complexo que
traduz pensamentos, memórias e sentimentos sobre uma determinada época histórica e,
além disso, é instrumento formador de opinião sobre os processos históricos. Pela
abrangência do público ao qual é destinado – crianças, adolescentes, jovens e adultos
(no caso da Educação de Jovens e Adultos), os conteúdos presentes nos manuais
didáticos são essencialmente formadores de consciências e opiniões, e, em muitos casos
esse artefato didático é, para estes sujeitos e suas famílias, o único livro disponível em
casa, na escola, enfim, nos seus lugares de pertença. A perspectiva de formação a que
nos referimos tem o sentido do que afirma de Rüsen (2007, p. 95), quando diz que esta
é:
[...] o conjunto de competências, interpretações do mundo e de si próprio, que articula o máximo de orientação do agir com o máximo de autoconhecimento, possibilitando assim o máximo de auto-realização ou de reforço identitário.
22
A partir dessa idéia podemos estabelecer alguns parâmetros sobre como o livro
didático se processa em uma cultura histórica e uma cultura escolar em seu determinado
tempo; tempo que não é uniforme e que, certamente, não apresenta a rigidez evolutiva
encontrada em alguns autores e suas obras. Entender o livro didático como componente
da cultura histórica, enquanto difusor do conhecimento, pode nos instrumentalizar para
concebê-lo enquanto formado por e formador de concepções históricas e identitárias.
Da ação prática associada à razão surge uma cultura histórica que concebe a
difusão do conhecimento. A Europa entre os séculos XVI a XIX conseguiu desenvolver
muitos fundamentos importantes trazidos pela racionalização das coisas, das instituições
e também pela experiência sensível, humana - a construção de novos saberes como as
Ciências Naturais (Física, Química, Biologia), e também no campo da divulgação
desses saberes como uma maior produção e circulação de livros, graças à imprensa.
Desse modo podemos afirmar que a responsabilidade por esse investimento
em conhecimento e em educação de uma forma mais abrangente, deve-se em grande
parte ao Iluminismo. Na Inglaterra, na luta a favor das quebras das barreiras sociais e
culturais, os empiristas da escola baconiana procuraram estreitar as relações entre
mecânicos, artesãos e os filósofos acadêmicos, pois, segundo eles, “os homens deveriam
buscar o conhecimento para o beneficio e utilidade da vida, e aperfeiçoá-lo e dirigi-lo
para a caridade” (BACON, 2006, p.130).
Lugares como a Gresham College e a Royal Society eram importantes centros
de saberes de construção e de difusão do conhecimento. Se tomarmos pelo conceito de
que cultura histórica é, segundo a afirmação de Jörn Rüsen (2001, p. 121) “o campo em
que potenciais de racionalidade do pensamento histórico atuam na vida prática”, a
Inglaterra vai ser um desses importantes espaços de experiência que visam esse
conhecimento como uma função, tanto política como estética, que procura dar um
sentido à vida prática. Vida prática essa que passava pela construção de uma
consciência histórica de que o passado dos antigos estava superado, em vista de um
clima e espaço de otimismo realizado pelas significativas conquistas dos ingleses como
grande potência. Assim, na Inglaterra, a consciência histórica no campo político e
científico, principalmente, serviu como instrumento para a construção de cultura
23
histórica que não apenas se resumia ao campo do saber erudito. O Jornal Spectator12,
segundo Pallares-Burke (1995, p. 57) trouxe à tona um típico exemplo de como se
produzir um saber relacionado com a história no qual “a virtude que aqui praticamente
se confunde com o autoconhecimento passível, portanto de ser ensinada para todos uma
vez que todos sem exceção possuem o mesmo atributo racional que jaz, no talento,
muitas vezes adormecido ou abalado”. A propagação do ensino tinha a preocupação de
constituir uma ética que se pautasse pelos valores morais. A própria razão precisaria ser
racionalizada para que a mesma não se tornasse a maior das paixões e perdições da
natureza humana.
A educação no sentido socrático é necessária para que o cientista seja um
condutor ancorado na moral, pois a natureza essencial do homem é a própria razão.
Desta forma, espaços como o The Spectator, os bares e as tabernas na Inglaterra
criavam um importante espaço de experiência que conduzia os intelectuais a se
aproximarem cada vez mais dos homens comuns. No caso do The Spectator, a
importância da opinião pública cria um fator base na construção da educação iluminista,
na medida em que as pessoas têm mais acesso à cultura e cultivam expectativas pelo
progresso material. Passado e futuro se distanciam, acelerando o tempo histórico, de
forma que o passado, na modernidade trazida pelo Iluminismo, não produz mais
nenhum tipo de influência nem para o espaço de experiência nem para o horizonte de
expectativas.
Como tentativa de romper com os antigos e com a escolástica medieval, é nesses
aspectos que se pauta a cultura histórica trazida pelo Iluminismo, em uma ruptura com o
passado, a busca de um progresso material pelo devir histórico pautado na educação que
trará a razão e a experiência como elemento para a vida prática e como projeto universal
12O Spectator foi um periódico diário criado em 1711 na Inglaterra pelos escritores e ensaístas Joseph Addison e Richard Steele. Esse periódico tinha o objetivo de trazer a filosofia para as massas no começo do século XVIII, geralmente muitos textos e artigos eram publicados por autores que não eram muito conhecidos na cena intelectual do Iluminismo na Inglaterra. Os textos escritos em tons didáticos, literários e jornalísticos tratavam de assuntos cotidianos da sociedade inglesa como a política, filosofia, ciência, história e moral inglesa, mas também trazia assuntos de entretenimento, tornando-se um grande sucesso de público. Esse período é considerado um divisor de águas na esfera da imprensa pública segundo Habermas por conta de se expressar como um veículo das mass media, na citação de Maria Lúcia Pallares Burke. O periódico foi encerrado em 6 de dezembro de 1712. Em junho 1714, tentaram reativar o periódico que passou a ser publicado três vezes por semana durante seis meses, porém, ficando muito aquém da primeira versão sendo definitivamente em 20 de dezembro de 1714.
24
para o cidadão. Há, como já dissemos anteriormente, diferenças entre esses projetos, há
particularidades históricas de cada nação. Isso é evidenciado pela na França e na
Inglaterra. Os dois países criaram suas bases para o conceito de progresso e da mesma
forma instituíram espaços de circularidade cultural para esses conceitos. Os ingleses
lançaram as bases da tecnologia e da ordem pautada na matemática, os franceses da
ampliação das liberdades individuais e da mesma forma se complementarão esses
conceitos envolvendo os mesmos espaços de experiência e a previsão teleológica do
futuro.
A modernidade iluminista traz, através do conceito de progresso em suas mais
multifacetadas alusões: material, humano, intelectual, econômico, o primeiro grande
conceito genuinamente histórico como Koselleck (2006:128) afirma:
O conceito de progresso único e universal nutria-se de muitas novas experiências individuais de progressos setoriais, que interferiam com profundidade cada vez maior na vida cotidiana e que antes não existiam. O progresso reunia, pois, experiência e expectativas afetadas por um coeficiente afetadas por um coeficiente de variação temporal. Um grupo um país, uma classe social tinham consciência de estar à frente dos outros, ou então procuravam alcançar os outros ou ultrapassá-los.
Desta forma, podemos imaginar que as transformações ocorridas na Inglaterra,
desde a filosofia mecânica de Bacon, passando Revoluções Gloriosas do século XVII, e
a Revolução Industrial, a partir de 1760, foram os momentos de cristalização da
consciência histórica no ocidente, no qual o futuro ou horizonte de expectativa passa a
ser uma categoria histórica, elemento antes não levado em consideração nas próprias
ações do homem. Isto sendo um produto intelectual do ocidente, o futuro e a esperança
de mudança deram à modernidade não um esquecimento do passado, mas uma proposta
de que o passado não se repita. A cultura histórica trazida pelo Iluminismo foi, assim,
um projeto apresentado não somente pelos intelectuais, filósofos, mas também por
artistas, mecânicos, homens simples que, através da educação, buscaram transformar o
conhecimento com vínculos com a vida prática e com a ética. Essa cultura histórica
tinha o interesse não somente de romper, mas de certa forma apagar o passado medieval
oral e feudal, e implantar a cultura do futuro como novos tempos para o presente.
A racionalização das instituições como síntese de uma transformação da cultura
européia em mera cultura profana como pensou Weber (2002), não no caso da
Inglaterra, na qual o sagrado e profano conviviam, se não de forma harmônica, no
25
mínimo de forma amistosa, pois Iluminismo e religião possuíam uma boa convivência e
uma certa relação de mutualidade, na medida em que os iluministas ingleses vieram de
uma dissidência religiosa protestante.
A educação, na Inglaterra, baseada no princípio da tolerância e da moderação será
importante instrumento de difusão de conhecimento e da formação dessa cultura
histórica moderna que aliou, em certa medida, tradição e novidade:
A proliferação das sociedades filosóficas e científicas, dos clubes, dos bares, dos cafés e das tabernas na Inglaterra pode ser associada ao fenômeno de ampliação dos espaços de sociabilidade e discussão (transferidos cada vez mais para a esfera pública), fenômeno também verificado na França e nos demais países europeus e que se tornou característico da ação dos grupos ilustrados (SOARES, 2001, p. 24).
Essa cultura se propagou também em lugares não oficiais buscando manter, no
conjunto dessas tradições formadas, uma diversidade de discussões e de trabalhos que
muitas vezes fugiam dos olhos do Estado inglês, pois ainda segundo Soares (2001, p.24-
25).
Na Inglaterra, os grupos ilustrados espalharam-se pelo interior e, talvez com objetivo de fugir da chancela da Ciência Oficial, representada pela Royal Society, fundaram diversas academias ou sociedades filosóficas e científicas provinciais, algumas delas obtendo lugar de destaque no movimento ilustrado inglês da segunda metade do século XVIII: a Lunar Society de Birmingham (criada em 1766) e a Literary and Philosophical Society de Manchester (fundada em 1781).
Com esses dados devidamente interpretados podemos chegar a um conceito de
Cultura histórica no Iluminismo Inglês surgido no século XVII, e ampliado, saindo de
sua territorialidade no século XVIII, abrangendo toda a cultura européia e
posteriormente em outros continentes. A cultura histórica gerada pelos ingleses está
associada a uma consciência histórica de que transformações estavam ocorrendo e
somente a experiência poderia ser o parâmetro para vivê-las. E estas inovações foram
formuladas também no campo das ciências, das artes e da religião.
Dessa forma a Inglaterra inseriu muito mais do que uma mentalidade histórica,
construída pelo campo da memória; a cultura histórica do Iluminismo surgiu e se
desenvolveu por uma tentativa no campo do conhecimento de ampliar mudanças para a
26
vida prática numa difusão trazida pela educação como fonte de propagação para o povo
inglês. É uma cultura feita por intelectuais (filósofos), autores, professores, mas também
por artistas e escritores literários, em que cada segmento usou um tipo de linguagem
para caracterizar tal cultura. É um coletivo singular pela pluralidade trazida por esses
grupos em seu espaço de experiência somados individualmente como sujeitos, e
também na junção dessa pluralidade associada às estruturas sociais, econômicas,
artísticas. Na Inglaterra isso pode ser caracterizado, segundo Elio Flores (2007:95)
como:
[...] uma intersecção entre a história cientifica, habilitada no mundo dos profissionais como historiografia. Dado que se trata de um saber profissionalmente adquirido, e a história sem historiadores, feita, apropriada e difundida por uma plêiade de intelectuais, ativistas, editores, cineastas, documentaristas, produtores culturais, memorialistas e artistas que disponibilizam um saber histórico difuso através de suportes impressos, audiovisuais e orais.
Na Inglaterra, a cultura histórica é propagada pelos físicos, matemáticos,
economistas, literatos, religiosos, artistas que mantêm um dialogo com o passado e com
a transformação do presente. A cultura histórica do Iluminismo deve ser entendida
como um conjunto de práticas que surgem, como uma preocupação trazida pela
consciência histórica, como um produto da experiência de diversos grupos humanos que
interpretam as permanências e transformações da sociedade de acordo com a sua forma
de conhecer. É algo que é realizado pelos sujeitos conectados com as estruturas. Uma
cultura histórica aproxima economia, política, ciência, arte e religião em suas diversas
linguagens, todas preocupadas em transformar a vida prática. Assim, ela possui
dimensão política e estética como afirma Rüsen (2001, p.121)
A cultura histórica nada mais é, de inicio, do que o campo da interpretação do mundo e de si mesmo, pelo ser humano, no qual devem efetivar-se as operações de constituição do sentido da experiência do tempo, determinantes da consciência do tempo, determinantes da consciência histórica humana [...]. A formação histórica assume, na cultura histórica a importante tarefa de reconhecer e valorizar o peso próprio dos fatores estéticos no manejo interpretativo da experiência histórica.
Desta forma, a cultura histórica surge pelos diversos segmentos da sociedade; os
seres humanos são de certa forma sujeitos transcendentais de uma consciência histórica.
27
Porém, não se limitam ao campo da memória, mas utilizam a ação prática para a
manutenção ou para a mudança. Uma cultura histórica não é um mero consenso, ela
surge como discordâncias de pluralidades que procuram, através de leis, códigos e da
racionalidade, criar uma ordem para a vida dos homens. No entanto, temos que perceber
que vários projetos são disputados até a hegemonia de um único projeto.
A cultura histórica é também a discordância e o reconhecimento e não-
reconhecimento de outros grupos que habitam os mesmos espaços. Na Inglaterra foi da
mesma forma; a cultura histórica vinda desde os mecânicos baconianos teve que
conviver com outras culturas que possuíam posições idênticas ou divergentes, até que
ela, apoiada na ciência moderna, se tornasse o modelo hegemônico local, para depois
entrincheirar o seu projeto continental e produzir um legado para a sociedade moderna.
Podemos concluir esse raciocínio assegurando o livro didático, primeiro como
produto de cultura histórica por estar inserido em uma época e local específicos,
permanecer determinado tempo no mercado e por respeitar as demandas editoriais. E ao
mesmo tempo é um produtor de cultura histórica por trazer linguagens e códigos
específicos que os próprios livros didáticos têm, mas também por abordar segmentos
teóricos acadêmicos na sua construção e, nos últimos anos, por ser objeto de pesquisa
de monografias e dissertações das mais variadas formas e naturezas como é o caso do
Programa de Pós-Graduação em História da UFPB que tem produzindo dissertações
sobre ensino de história incluindo a temática do livro didático13.
Sua interação imagética produz cultura histórica na medida em que autores e
editores buscam códigos que não perpassam pela academia para se produzir
conhecimento, criando uma nova alternativa ao chamado dualismo que o livro didático
vivia, ou era reprodutor sintético de conhecimento acadêmico através da transposição
didática, ou obedecia aos princípios técnicos da pedagogia. Com o recurso da
informática e nele, a internet, muitas fontes foram possibilitadas para uso, assim como a
dramaturgia através do cinema, da literatura, de quadros artísticos. Essas recentes
13Como por exemplo, as dissertações de: André Mendes Salles, intitulada A Guerra Do Paraguai Na Literatura Didática: Um Estudo Comparativo (2011) e Hérick Dayann Morais de Meneses, intitulada As contribuições de Maximiano Machado e Irineu Pinto para a Cultura Histórica sobre o período holandês na Paraíba (1634-1654) (2009).
28
possibilidades se acrescidas às fontes tradicionais primárias que também sofreram um
processo de expansão ajudam nessa construção.
2.3 Conceitos sobre cultura histórica
Se fazem necessárias algumas reflexões que, no nosso entendimento, contribuem
para a compreensão do que seja cultura histórica, e nela, o lugar do livro didático.
Assim, apreendemos que a mesma detém um conceito amplo e que ultrapassa não só o
próprio campo da história científica produzida e ensinada na academia, mas também o
conhecimento histórico escolar, pois segundo Rocha (2009. p. 267) a cultura histórica
Abrange não só o conhecimento histórico em seu sentido mais estrito, como o ultrapassa, porque permite envolver outras formas de expressão cultural, como a literatura, o folclore e outras manifestações que possuam relação com o passado.
Assim, a cultura histórica excede o próprio campo de conhecimento do
historiador, perpassando seus fazeres sociais e culturais o que, indelevelmente, ganha
visibilidade através das suas construções históricas e nos variados veículos que
possibilitam expressões culturais, como por exemplo, nas escolhas e seleções feitas
sobre concepções, temáticas e conteúdos, recortes temporais e espaciais, sujeitos
históricos, disponíveis em artigos, dissertações e teses, relatos de experiências, projetos,
livros acadêmicos e livros e materiais didáticos.
No entanto, se quisermos recuperar um pouco na historiografia vamos perceber
que a expressão cultura histórica foi utilizada por Jacques Le Goff (2003) que buscou,
associando-a à idéia de mentalidade coletiva, conceituar a percepção que os diferentes
povos tem de seu passado. O campo de atuação na história, como nos é apontada por
Elio Flores (2007), ultrapassa o campo da história científica realizada por historiadores
de formação. Essa característica sui generis dá à história uma perspectiva de construção
que ultrapassa os pressupostos acadêmicos e, como afirma Le Goff, a sua propagação
precisa de uma certa vulgarização.
Porém, há uma discordância de Flores em relação a Le Goff. Para o primeiro, há
uma separação nítida entre cultura histórica e memória coletiva. O autor reconhece que
existem aproximações entre história e memória, mas daí constituir cultura histórica
como uma psicologia coletiva que se tem do passado é cair em um conceito fechado e
29
simplista. No caso, seria reducionista conceituar ou estudar cultura histórica apenas
como mentalidades individuais e coletivas de uma época sujeitas a determinadas
estruturas e que, por isso, obedeciam a determinadas leis, pensamentos, costumes,
hábitos sem uma perspectiva de movimento ou mudança de mentalidade. Desta forma
percebemos que a cultura histórica em Elio Flores mantém uma intersecção com o que
pensa Rüsen (2007, p. 121):
A cultura histórica nada mais é, de início, do que o campo da interpretação do mundo e de si mesmo, pelo ser humano, no qual devem efetivar-se as operações de constituição do sentido da experiência do tempo, determinantes da consciência histórica humana. É nesse campo que os sujeitos agentes e padecentes logram orientar-se em meio ás mudanças temporais de si próprios e de seu mundo.
Assim, percebemos porque o termo cultura histórica ultrapassa o campo da ciência
da história e não pode ser percebido como uma mera estrutura. O problema da memória
se coloca na medida em que se quer tratá-la como uma fonte histórica, pois devemos
analisá-la com a sua respectiva especificidade e devemos observar os seus limites. A sua
função é a de auxiliar a história, seja ela científica, literária, religiosa, mas não ser um
ramo independente da própria da história. A memória gera história na medida em que
ela se associa às experiências práticas, sejam elas individuais ou coletivas. Os
indivíduos, apesar de possuírem memória, não podem ser colocados em campos
estruturais de pensamento, pois daí se teria a idéia de que toda memória coletiva de uma
epocalidade é fixa, portanto, uma estrutura.
A memória por ela mesma não pode ser considerada história e muito menos
parâmetro de cultura histórica; para ela ser aceita como parte integrante da história seria
necessário uma análise mais criteriosa de vários de tipos de sujeitos e, não tomar como
exemplo, alguns casos como representantes da totalidade da memória de uma época.
Para uma memória ser tomada como critério para a construção de uma cultura histórica
é necessário estar intimamente relacionada com a vida prática do homem, seja ele
considerado como indivíduo ou como ser pertencente a uma coletividade. Para isso
confirmar a memória e a história apontam muitas formas de análises e concepções que
ultrapassam o campo cientifico e caem na literatura, no cinema, nas artes e no ensino de
história.
30
Essas diferenças entre história e memória, porém, não são atuais, elas retomam o
século XVIII na perspectiva do Iluminismo francês. Para a Ilustração, a memória teria
que ser objeto de crítica e análise sistemática das fontes, pois aquela transmitida pela
tradição eclesiástica envolveria muitos pontos não explicados, e explicar, nesse período,
segundo os filósofos da Luz, era a ordem da razão. A Ilustração, na medida em que
procurava romper com o passado medieval e com as explicações dogmáticas da Igreja,
procurava criar um novo tipo de memória baseada na codificação escrita da história e do
conhecimento humano, como foi o exemplo da Enciclopédia.
Desta forma, com a crítica da memória trazida pela igreja, que justificava o mito, a
Ilustração conseguia abrir espaço definitivo para a história laica, com humanos como
sujeitos dela, interpretando suas próprias leis, inaugurando o método investigativo da
história. A universalização da consciência histórica construiu esse novo tipo de cultura
histórica, a cultura da crítica e da racionalização do homem e da natureza. Como afirma
De Decca (1995, p.65), memória e passado, na Ilustração, ganhariam uma nova
modalidade, pois
O domínio do passado por meio de uma metodologia racionalista, uma sistemática pesquisa de fontes e a busca de uma razão universal e imutável que estaria sempre presente no universo das ações humanas seriam as balizas dessa nova historiografia. A memória, portanto deveria ser objeto de uma nova definição, para que ela pudesse servir de fonte para a crítica racionalista e ao mesmo tempo ser reinventada como um novo lugar possível de acumulação e ampliação de conhecimentos. Não mais um lugar onde imperasse as superstições e as crenças religiosas, mas o espaço racional por meio de Enciclopédias e dicionários e de organização documental sistemática pela constituição dos arquivos do passado.
No entanto, isso não significa que a história, tomada como ciência, criaria um
mundo totalmente desmistificado e desencantado. O próprio Rousseau (1979) achava
que o excesso de racionalização privava o homem dos sentimentos, e que essa
racionalização não teria condições de formular e potencializar essa consciência
histórica. Pelo contrário, isso significa que, em determinado período histórico, tal
consciência tomou significado de si própria e foi formulada como uma tentativa
universalista. Como afirma Koselleck (2006), o século XVIII, o das Luzes, foi
responsável por essa mudança de paradigma pelo fato de olhar com receio para o
passado e com otimismo para o futuro, e, de que o Iluminismo, com o seu conceito de
civilização, apontava para uma espécie de aperfeiçoamento da história. Assim, nesse
31
período, essa consciência histórica passou a exigir um método científico em que as
interpretações humanas dos profissionais da história exibiam pretensões de validade
para o seu conhecimento.
O legado de uma história crítica, que não necessariamente precisava ser cartesiana,
pautada nas relações dos homens com os outros homens, com métodos de investigação
e análise próprias ou emprestadas de outras ciências, através do confronto de idéias,
traduz a complexidade do conhecimento histórico para a construção do saber da
modernidade. Esse método racional associado ao empirismo é o protótipo do homem
moderno que busca trazer à tona as experiências adquiridas através do saber (e não da
fé) em suas perspectivas de mudança no tempo histórico privilegiado que é o futuro.
Esse futuro para a Ilustração tinha que ser materializado no presente. Por isso,
como afirma Vovelle (1997), o homem do século XVIII é o homem voltairiano, ou seja,
um erudito das letras. Esse homem de letras é um homem enciclopédico, assim a cultura
instruída do século XVIII é a cultura enciclopédica. Confunde-se muito enciclopedismo
com Iluminismo, mas o que podemos afirmar é que o enciclopedismo foi uma fase do
Iluminismo, principalmente a partir de 1750 quando o engajamento político e social dos
ilustrados era mais forte. As críticas eram mais ácidas e permitiam que esse homem
surgisse em todas as classes sociais. A definição desse sujeito de letras não é a mesma
do intelectual tradicional, reservado em seu espaço das idéias, que tem um
conhecimento profundo de determinado assunto, mas a de um homem que possui vários
conhecimentos básicos adquiridos ao longo da vida. É com esse olhar de identificar,
conceituar, classificar que a Enciclopédia vai ser, como afirma Darnton (2008), “a
corporificação do Iluminismo”. Esse homem das letras mais orgânico que surge nesse
período será inspirado no homem do Dicionário Filosófico de Voltaire. Segundo
Vovelle.
A definição do homem de letras apresentada na Enciclopédia é, então, a de um enciclopedista: não é um erudito que adquiriu saber profundo sobre uma determinada disciplina, mas um homem que possui conhecimentos em todas as áreas do saber. Para Voltaire, as letras não são sinônimo de literatura. A sua definição aproxima-se mais da que é apresentada no dicionário de Furetière (Letras,também se diz ciências [...] Chama-se letras humanas, e indevidamente belas artes, ao conhecimento dos poetas e dos oradores, enquanto as verdadeiras belas letras são a filosofia, a geometria e as ciências sólidas). As belas letras são o conhecimento dos oradores, dos poetas e dos historiadores. (1997; p, 119).
32
Enfim, o papel desse saber cosmopolita vai ser o papel adotado pela pedagogia
iluminista, sobre a qual trataremos no próximo capítulo, além da cultura através da
própria Enciclopédia e dos manuais didáticos como produtos e produtores do saber
ensinado, aprendido e escolhido. A Enciclopédia, dessa forma, triunfará como um
grande legado para o conhecimento científico e sua popularização para a cultura
histórica de seu tempo. Os esquemas conceituais e definidores da Enciclopédia e do
Dicionário de Voltaire serão fundamentais na constituição dos futuros livros didáticos
de história, e neles a inserção da cultura histórica em relação direta com a cultura
escolar.
Com relação ao livro didático, entendemos que este é um dos principais
instrumentos da formação escolar e constituinte de uma cultura histórica. Le Goff
(2003, p.48) afirma que “um estudo dos manuais escolares de história é um aspecto
privilegiado, mas esses manuais praticamente só passaram a existir depois do século
XIX”. Apesar da observação final, essa afirmação indica que o livro didático também é
uma possibilidade de entender a cultura histórica de uma época ou civilização. A
importância desses estudos, como afirma Le Goff, alcançou visibilidade nos últimos
anos pelo fato do livro didático ser um objeto que passou a fazer parte de um processo
de massificação que vem ganhando contorno desde os anos 1970. Essa evolução do
livro didático, em termos numéricos, muitas vezes não representou um avanço em
termos de conteúdos e metodologia do ensino.
Ao longo da história da educação e do livro didático no Brasil, como já dito
anteriormente, percebemos que um dos principais ingredientes em torno da formação da
cultura histórica escolar esteve centrado no nacionalismo. Segundo Pinheiro (2009), a
cultura histórica escolar também possui uma semelhança em relação à cultura histórica.
Isto pode ser percebido à sua produção de saberes por pessoas que não são historiadores
de oficio, mas que tem preocupações e anseios não somente com o tempo passado, mas
com as realidades no tempo presente educacional. Muitas de suas práticas implantadas
no século XIX, não existiam mais no século XX. Isto define a diferença que a cultura
histórica de certa forma se preocupa com a relação que um povo na perspectiva das
permanências da longa duração que um segmento social mantém com o seu passado, e a
cultura histórica escolar com a dinâmica e mudança que tem através do tempo
conjuntural e dos eventos mesmo tendo a intenção de se tornar duradouro como a
33
cultura histórica. No entanto, resquícios, memória e reminiscências são indícios de cada
duração e permanência são também categorias da cultura histórica educacional.
Desde a produção do primeiro livro didático de história elaborado para escolas
públicas, o Resumo de História do Brasil, de Luis Henrique Niemayer Bellegarde
(1831) até os livros didáticos dos fins do regime militar, a ideologia da nação e do
civismo esteve bastante forte nos livros. É interessante perceber porque o nacionalismo
parece ser o mais importante referencial legítimo da cultura escolar, pois mesmo com as
passagens do regime monárquico para o republicano, de um regime autoritário como o
Estado Novo para uma democracia populista, e desta para a ditadura militar, a questão
do nacionalismo não saiu do foco.
Pelo que parece, a espécie de “vergonha e vazios” deixados pela herança colonial
na constituição de um país de etnias muito diversas, sempre criou dificuldades para os
intelectuais brasileiros ocupados em construir uma idéia de nação e, mais que isso, de
sentir orgulho por ela. O receio ao longo do tempo, da existência de uma classe popular
esclarecida fez com que o Estado brasileiro se preocupasse em usar também os livros
didáticos, embora não apenas eles, como um instrumento de doutrinação tendo o
nacionalismo como principal símbolo ideológico uma vez que, no Brasil, as questões de
língua, etnicidade e território não foram suficientes para se constituir uma identidade
nacional por conta da vasta diversidade. Hobsbawm (1990:25) nos ajuda a apresentar
outra hipótese para a sustentação do nacionalismo como ideologia:
Qualquer corpo suficientemente grande de pessoas que se consideram membros de uma nação. Para elas quem estava fora da comunidade nacional era considerado inimigo. Normalmente, os nacionalistas demonstram grande orgulho por Deus ou pela História. Tal como uma religião, o nacionalismo daria ao indivíduo um senso de comunidade.
Esse senso de comunidade foi muito bem explorado nos livros e criou uma cultura
histórica de longa duração na educação e na sociedade brasileira mesmo com todos os
problemas sociais e as disparidades regionais envolvidos.
O livro didático produz cultura histórica na medida em que produz ideologias que
perpassam as mentalidades coletivas e atravessam gerações. Este tipo de material
didático também, desde que passou a utilizar imagens como recurso metodológico,
produziu uma cultura histórica imagética. Isso pode ser claramente demonstrado no já
conhecido quadro da independência do Brasil, O grito do Ipiranga de Pedro Américo.
34
Quadro tradicional nos livros didáticos de história criou uma dimensão histórica de que
o cenário pintado de fato correspondesse à verdade definitiva sobre o evento do 7 de
setembro de 1822.
Temos que, ao contrário, problematizar e perceber a imagem, qualquer imagem,
como uma representação de determinado evento. A representação de um evento não
responde por si mesma, pois nela estão incluídos desejos, vontades, ideologias de quem
a realizou. No entanto, como ferramenta pedagógica nos livros, essa falta de
problematização alimenta uma cultura histórica imagética que produz verdades
absolutas que, muitas vezes, se tornam insuperáveis nas consciências individual e
coletiva. Como bem salienta Chartier (1988, p.17), ”as representações no mundo social
não produzem discursos neutros, mas atuam para a produção de estratégias e práticas
sociais, escolares e políticas”. Assim, a complexidade do livro didático, como produtor
de cultura histórica, está além das suas linhas escritas.
Professores e autores também contribuem para a formação histórica através de
seus modelos pedagógicos. A cultura histórica produzida nos livros didáticos pode ser
bem percebida no conceito de consciência histórica e utilização para a vida prática, e,
para tanto, valem os mesmos pressupostos citados por Rüsen. Sendo assim, a cultura
histórica no livro didático pode ser apreendida da seguinte forma:
O livro didático de história em seu aspecto de fonte para conhecer o modo como determinada sociedade estabeleceu relação com o seu passado, na medida em que o livro escolar participa como expressão, agente e produtor de uma cultura histórica. Sua elaboração abrange processos de filtragem de informações históricas que são divulgadas de forma didática, bem como informações coletadas em vários setores da vida social – notícias, fotos, documentos, mapas etc. – e processos de construção e criação dos diferentes modos de escrita, organização de texto, edição, impressão (GASPARELLO: 2009, p. 267-268).
Essa caracterização pedagógica do livro didático foi de importante definição para
se construir um tipo de tradição escolar. Segundo a autora, esse impacto é atribuído a
“um conjunto de práticas e representações que marcaram o processo de escolarização
moderna” (p. 268). Desta forma, as pesquisas sobre livros didáticos e ensino de história
também estão relacionadas com as práticas escolares. A escola é o ambiente histórico da
educação onde se processa também a transmissão de valores, de elementos ideológicos
e de estereótipos. Os autores dos livros didáticos e os professores de história possuem
35
sua parcela de responsabilidade na manutenção ou mudanças desses aspectos, assim
como de resto, em qualquer outro recurso didático elaborado/utilizado também.
2.4 Livro didático como um artefato cultural
Há um consenso em torno da produção sobre livros didáticos de história e de suas
respectivas características, funções e utilidades. Mesmo se debatendo sobre a questão da
produção, do mercado editorial e da industrial cultural envolvida, não se pode negar o
fato de que o livro didático é um artefato cultural que tem uma tradição de pelos menos
dois séculos na educação. Essa duração temporal faz dele uma referência de cultura
histórica por produzir ideologias, valores, práticas, por incentivar professores e alunos a
buscarem outros livros e, portanto, a ampliarem seu conhecimento. Sobre o livro
didático Gatti Jr. (2004, p.159) afirma que
[...] o leque bastante amplo de condicionantes; sua existência como produto cultural resulta de uma série de pressões, umas mais fortes e contínuas, outras mais ocasionais, advindas do conjunto social em que foi gestado e que lhe conferem uma historicidade muito rica.
Essa historicidade pode ser conferida pelo próprio reconhecimento da academia,
que há algumas décadas coloca a importância do livro didático como objeto de estudo.
Percebe-se nas pesquisas mais recentes sobre esse artefato cultural que a trajetória tem
sido não somente a de fazer um estudo panorâmico, simplificado, sobre o livro didático,
mas aprofundá-lo nos que respeita aos métodos de aprendizagem, ao conteúdo escolar
veiculado, aos usos desse material e ao papel do professor e sua interação com ele.
Como afirma Bittencourt (2009, p.306), o objeto da análise dos livros didáticos, na
atualidade, está centrado:
Na compreensão das relações entre conteúdo escolar e métodos de aprendizagem expressos nessa literatura pedagógica, das articulações entre conteúdo e livro didático como mercadoria, dos vínculos entre políticas públicas educacionais e os processos de escolha desses livros pelos professores e dos diferentes usos que professores e alunos fazem do material.
36
A diversidade faz do livro didático um objeto complexo que possui várias funções,
sendo considerado pelo historiador francês Alain Choppin (2002) como uma ferramenta
“polifônica”. Segundo esse autor, o livro didático possui, em seu estudo histórico,
quatro funções primordiais: 1) função referencial, 2) função instrumental, 3) função
ideológica e cultural e 4) função documental.
A função referencial se refere a toda questão política e burocrática do livro
didático. Apresenta-se como item correlacionado aos programas curriculares e suas
relações com o Estado. Essa função demonstra os interesses e interferência do Estado na
elaboração dos materiais didáticos. Como afirma Bittencourt (2009:298), “A escolha do
material didático é assim uma questão política e torna-se ponto estratégico que envolve
o comprometimento do professor e da comunidade escolar perante a formação do
aluno”.
A função instrumental está preocupada em lançar o livro didático como um
suporte pedagógico munido de métodos de aprendizagem, como laboratório de
exercícios, atividades, sugestões de trabalhos que buscam facilitar a memorização, não a
memorização mecânica linear, mas a consciente, baseada em conceitos e contextos. Em
síntese, essa função tem a característica de associar conteúdo e método de ensino.
A função ideológica e cultural esta estabelecida há uma longa data, pois ela trata
justamente das questões referentes à formação do cidadão como integrante de uma
cidade, um estado, uma nação. A preocupação com essa função existe desde o século
XIX, quando ocorreu a formação dos estados nacionais europeus após a Revolução
Francesa e, desde que se tem conhecimento, foi neste período que os livros ou manuais
didáticos, como eram chamados, passaram a fazer parte dos programas escolares
oficiais, buscando em sua abordagem criar um senso de unidade cultural a partir da
veiculação de aspectos como a língua, a raça, os hábitos, a religião, a história.
Essa função é a mais complexa, e a que exige maiores cuidados quando se trata de
analisar livros didáticos, pelo fato de ser necessário perceber que eles passaram e
passam por mudanças lentas e graduais. Afinal, o mesmo tema pode ter abordagens
diferentes; esse é o caso, por exemplo, da questão do nacionalismo que esteve sempre
presente nos livros didáticos brasileiros até os anos de 1990. No Brasil, o nacionalismo
do século XIX imperial, não é o mesmo do século XX republicano. Para isso, a
contextualização histórica e dos respectivos projetos envolvidos é um importante
instrumento de compreensão para se analisar os livros. Essa função traz à tona a
37
importância do livro didático como símbolo cultural pedagógico na construção do papel
político na sociedade.
A função documental está preocupada com a questão estética e literária do livro
didático. Essa característica procura observar o conjunto de documentos textuais, das
fontes como artifícios metodológicos que buscam desenvolver a aprendizagem do
aluno. Desta forma, procura-se avaliar até que ponto o conhecimento disponibilizado
pelo livro didático é relevante para professores e alunos, e a escolha de documentos e
fontes até que ponto influi na abordagem e na perspectiva histórica apresentada/
transmitida/construída em sala de aula? Essa função refere-se a uma escolha autônoma
do autor que produziu o livro didático, ou trata-se de uma recomendação para realizar o
já conhecido trabalho de transmissão de conhecimentos em uma perspectiva limitada e
memorialística?
Porém, vale destacar que as funções referidas não podem ser consideradas regras
absolutas. Para serem inseridas precisam estar em acordo com as condições do ambiente
sociocultural, da época (historicidade), dos níveis de ensino e das formas de utilização e
das próprias condições que a escola, como instituição de formação na sociedade civil,
coloca como suporte.
Circe Bittencourt também compartilha dessa mesma opinião afirmando, depois de
anos de análise, e de muitos trabalhos feitos sobre o tema, que o livro didático possui
“múltiplas facetas”14, e que a sua elaboração, produção e circulação constituem nestes
mesmos fatores apresentados por Choppin. Porém, como afirma a autora, no Brasil, o
maior destaque para as obras se refere aos estudos dos aspectos ideológicos dos livros
do didático. A ênfase nesse aspecto se explica porque, no país, desde o século XIX, há,
como já foi dito anteriormente, um histórico vínculo entre a produção de conhecimento
e organização dos livros didáticos com os interesses do Estado Nacional acerca da
formação de cidadãos patriotas.
Assim, o desde o século XIX até o presente momento na história brasileira, o país
passou a maior parte do seu tempo em regimes não-democráticos e mesmo no curto
espaço de tempo da democracia liberal populista dos anos 1950 e começo dos 1960 o
Estado brasileiro, inserido no contexto internacional da Guerra Fria, associado ao bloco
capitalista norte-americano, usou práticas historiográficas que incentivavam a harmonia
14Termo empregado como sinônimo do usado por Alain Choppin, o de ferramenta “polifônica”.
38
entre os povos e evitavam o conflito, o que impedia, ou pelo menos dificultava, a
produção de trabalhos críticos.
Assim, somente nos últimos vinte anos, é possível, de fato, afirmar um
crescimento em estudos sobre essas reparações e outros olhares históricos a respeito dos
livros didáticos. Os mais recentes desenhos que avaliam esse tipo de literatura,
procuram considerar as diferenças e aproximações entre conhecimento histórico
acadêmico e conhecimento histórico escolar.
No do ensino de história existe uma clássica discussão no que se refere à produção
ou reprodução do conhecimento histórico escolar. O livro didático, objeto em questão,
geralmente é colocado como princípio norteador no que se refere ao ensino de história,
por ser considerado, por alguns, como uma solução adequada. Ele deve ser apropriado
às fases cognitivas dos alunos, na perspectiva de adaptação ao conhecimento e ao
ambiente escolar. Outros consideram, entretanto, que o livro didático é uma espécie de
vilão que coloca o professor subordinado às suas metodologias, conteúdos e operações
técnicas. Daí decorre uma já tradicional discussão sobre aspectos referidos à história
como disciplinar escolar: 1) a sua função apenas é a de reproduzir, de forma simples e
adaptada, o conhecimento produzido pela academia, respeitando os seus pressupostos
teóricos em um processo que muitos chamam de transposição didática; 2) se o
conhecimento produzido em sala de aula possui uma especificidade interior produzindo
o que chamamos de cultura escolar.
A chamada “transposição didática” tem desenvolvimento nos estudos de Yves
Chevellard (1991), que passou a utilizar o termo a partir de suas experiências em aulas
de matemática. Em seu livro La Transposición Didactica, del saber sabio al saber
enseñado, parte do pressuposto de que o ensino de um determinado elemento do saber
só será possível se esse elemento sofrer certas “deformações” para que esteja apto a ser
ensinado. Esse conceito procura, através dos métodos de ensino e da didática, suprir
deficiências que, por ventura, existam no sistema de ensino ou no professor. Outro
aspecto relevante se refere à submissão da disciplina escolar em relação ao
conhecimento científico, pois, esse modelo privilegia uma espécie de hierarquia dos
saberes constituídos colocando o saber escolar como um saber inferior. Desta forma,
segundo Bittencourt,
No que se refere aos conteúdos e métodos de ensino e aprendizagem, os partidários da idéia de transposição didática identificam uma
39
separação entre eles, entendendo que os conteúdos escolares provêm direta e exclusivamente da produção científica e os métodos decorrem apenas de técnicas pedagógicas, transformando-se em didática (2009, p. 37).
Esse sistema didático está situado na noosfera, ou seja, no interior da sociedade
através de agentes que estão fora da sala de aula, como técnicos pedagógicos,
inspetores, famílias. Segundo, Martha Marandino, a noosfera:
É onde se opera a interação entre o sistema de ensino stricto sensu e o entorno social; onde se encontram aqueles que ocupam postos principais do funcionamento didático e se enfrentam com os problemas resultantes do confronto com a sociedade; onde se desenrolam os conflitos, se levam a cabo as negociações; onde se amadurecem soluções; local de atividade ordinária; esfera de onde se pensa. Para explicar como ocorrem os fluxos do saber que vão desde o entorno até o sistema de ensino, passando pela noosfera, e que garantem a possibilidade de ensino, Chevallard afirma a importância da compatibilização entre esse sistema e seu entorno (2004, p. 97).
A questão da noosfera como eixo fundamental da transposição didática traz
algumas complicações e reflexões. A primeira se refere à ausência do professor nesses
processos de escolha do conhecimento produzido, já que ele é o agente que possui uma
interação tanto no que se refere à sua formação acadêmica, como em sua práxis social
como educador. Colocar o professor em uma posição intermediária e de mero
reprodutor/adaptador do conhecimento erudito é colocá-lo em uma posição secundária
no processo de ensino e aprendizagem e desprovê-lo da capacidade de apreender,
produzir, e ensinar a cultura histórica para além do que está prescrito na legislação e/ou
nos materiais didáticos.
O segundo ponto a ser analisado se refere à concepção da disciplina escolar como
conhecimento autônomo e independente da academia. Esta teoria é defendida
principalmente pelo francês André Chervel (1991) e pelo inglês Ivor Goodson (2008a;
2008b), que criticam a posição do conhecimento transmitido em sala de aula como uma
“transposição didática”. Segundos esses autores, os estudos das disciplinas escolares
estão além das questões da adaptação do conhecimento produzido pela academia para a
escola. Existe um significado bem maior sobre isso; o conhecimento estudado em sala
de aula deve levar em consideração o papel da escola como formadora de opinião e
40
também de cidadãos, deve considerar também a importância de ensinar e aprender as
diversidades presentes na própria cultura histórica e escolar.
Estuda-se na escola levando em consideração os seus aspectos sociais
relacionados com o cotidiano e a cultura escolar, sendo assim ela é um lugar social que
produz conhecimento próprio. Além do mais, criticam a transposição didática por se
tratar de um conceito que não leva somente à questão epistemológica de hierarquização
dos conhecimentos, mas por manter a sociedade capitalista em seus moldes através de
uma hierarquização social de classes. Essa tese da disciplina escolar e da escola como
entidades autônomas considera a questão das finalidades que, segundo o próprio
Chervel, existem desde quando as disciplinas escolares passaram a fazer parte do
currículo escolar, por volta de 1910.
Como afirma Bittencourt, sobre as finalidades de uma disciplina escolar, ela é
“essencial para garantir sua permanência no currículo, caracterizam-se pela articulação
entre os objetivos instrucionais mais específicos e os objetivos educacionais mais
gerais” (2009, p. 41). Nessa perspectiva, os objetivos educacionais gerais são muitos
importantes porque procuram articular o indivíduo em seu espaço social e prepará-lo
para a vida prática através de objetivos conceituais, procedimentais e atitudinais. Assim,
a escola ganha um papel não só de autonomia, mas de responsabilidade social maior,
pois ela:
[...] é importante destacar, integra um conjunto de objetivos determinados pela sociedade e articula-se com eles, contribuindo para os diferentes processos econômicos e políticos, como o desenvolvimento industrial, comercial e tecnológico, a formação de uma sociedade consumista, de políticas democráticas ou não (Idem, p.42).
As disciplinas escolares, quando lecionadas, devem sê-lo em seu contexto,
garantindo, assim, a inserção do aluno na cultura escolar e, no caso da disciplina de
história, na própria cultura histórica. Sobre a escola como lugar de produção de
conhecimento Bittencourt ainda uma vez nos alerta:
As disciplinas escolares devem ser analisadas como parte integrante de uma cultura escolar, para que se possam entender as relações estabelecidas com o exterior, com a cultura geral da sociedade. Conteúdos e métodos, nessa perspectiva, não podem ser entendidos separadamente, e os conteúdos escolares não são vulgarizações ou
41
meras adaptações de um conhecimento produzido em um “outro lugar”, mesmo que tenham relações com esses outros saberes ou ciências de referência (Idem, p. 39).
A discussão sobre disciplina escolar e produção de conhecimento pode ser
colocada do ponto de vista da problematização dos conteúdos e métodos, pois está
inserida na estrutura da educação (problemas na escola, péssimos materiais didáticos,
entre outros), ou na formação profissional do professor. Segundo Chervel (1991), esse
problema está acentuado por haver uma crise na formação acadêmica que se deve ao
fato de, cada vez mais, haver um distanciamento entre pesquisa e ensino. No entanto,
temos que ser cautelosos com relação às concepções sobre a transposição didática e a
disciplina escolar como autônoma.
De fato, em termos de conhecimento erudito, de acumulação de conhecimento
acadêmico adquirido e de experiência de sala de aula, não podemos colocar o
conhecimento produzido em sala aula como uma mera reprodução, pois os objetivos da
escola são diferentes dos da academia. Apesar de, em tese, os dois espaços possuírem a
função social de darem um retorno à sociedade sobre aquilo que se produz, os dois
possuem também métodos diferentes de fazê-lo. Na academia, por exemplo, o
conhecimento histórico tem uma preocupação em obedecer a critérios de avaliação
científica na formação do profissional de história e de formar um especialista no
conhecimento, enquanto na escola tem a função de produzir cidadãos ativos,
comprometidos com as questões sociais de seu tempo.
Porém, o conhecimento produzido para o público alvo (alunos), não tem a função
de formar especialistas em história, por isso não pode ser tão rigoroso em aspectos
científicos como se constitui na academia. Por outro lado, colocar o conhecimento
escolar e seus espaços como totalmente autônomos em relação ao conhecimento
acadêmico, traduzido em suas ciências de origem ou de referência, seria um contra-
senso. Jamais se poderia negar a importância do conhecimento acadêmico, pelo fato
dele se constituir como eixo de mudanças de olhares, de perspectivas e de
confiabilidade em seu processo de pesquisa, embora seja importante superar o tipo de
formação eurocêntrica que privilegia alguns aspectos históricos tradicionalistas. Essa
estrutura, que ainda mantém uma forte vinculação com a academia, está de certa forma
atrasada em relação às mudanças históricas ao longo do século XX, inclusive no que se
refere às perspectivas teóricas como o marxismo, os Annales e a nova história cultural.
42
A mudança na academia também é importante para a mudança na formação de
professores e, conseqüentemente, na mudança do ensino e conhecimento produzido na e
para a Educação Básica.
Vale ressaltar que é possível conciliar conhecimento acadêmico e conhecimento
escolar e, de certa forma, isso já é operacionalizado, no caso da História, através do
diálogo estabelecido, embora ainda insuficiente, entre os locais de produção/divulgação
do saber a exemplo do que acontece em seminários de pesquisa, simpósios temáticos e
em programas de pós-graduação como o da UFPB, sobre Cultura Histórica e sua Linha
de Pesquisa em Ensino de História e Saberes Históricos que procura revitalizar as
relações entre ensino e pesquisa e, considerar a cultura histórica como elemento basilar
e qualquer nível de ensino.
Assim como é importante observar, também, o papel da escola e os seus interesses
locais, bem como o público alvo do conhecimento produzido em sua realidade social.
Podemos perceber, desta forma, que através dessas interações a escola tanto reproduz
conhecimento, trazido de forma científica pela academia, mas também produz
conhecimento através das técnicas pedagógicas e didáticas estando elas presentes em
currículos ou programas, e principalmente pelo lugar social em que determinada escola,
professores e alunos estão inseridos e suas aspirações como lugar de interação social,
com seus códigos, condutas e projetos.
Para todo fim, é importante perceber as interações entre espaço acadêmico e
escolar, assim também como suas especificidades, e não cair no erro de generalizações
para uma ou outra posição, sobre a questão da transposição da didática e do
conhecimento escolar. Sobre essas reflexões recorremos a Barbosa (2005:97) em sua
análise sobre o ensino de história15:
Para não incorrermos na generalização ao afirmar que essa é uma prática dominante e incontestável no ensino de história, é reconhecer que o avanço do conhecimento histórico observado na academia, apesar de, timidamente operacionalizado pelos professores em sala de aula nos demais níveis de ensino, pode ser vislumbrado no registro de relatos e experiências em livros e em simpósios na área. Porém, destacamos que predomina a evidência de ações isoladas, e, em alguns casos, configuram-se como exemplos de dificuldades encontradas na distinção básica entre o conhecimento histórico
15Especialmente em “Ensino de história; do geral ao global, relevância e significado”, segundo capítulo da tese de doutorado, Contribuições Para Pensar, Fazer e Ensinar A História Local, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2005.
43
acadêmico como um campo de pesquisa e produção do conhecimento de domínio dos especialistas e o conhecimento histórico escolar, como conhecimento produzido no espaço da escola.
A autora adverte que esse resquício do tradicionalismo eurocentrista e da
transposição didática ainda se mantém no ensino de história, mesmo com as mudanças
trazidas com novas edições dos livros didáticos e com debates acadêmicos sobre a
estrutura curricular e sobre a formação do professor. Essa incoerência entre a produção
do conhecimento acadêmico, mesmo com renovações, e o que é produzido pelo
conhecimento histórico escolar é citado mais uma vez:
Assim, é no espaço do conhecimento histórico escolar que mais se fazem sentir os resquícios da elaboração historiográfica eurocêntrica, e eles podem ser percebidos ainda hoje em vários aspectos. Há de se atentar, por exemplo, para a indistinção entre o conteúdo dos programas de curso e dos livros didáticos, baseados nessa perspectiva historiográfica, pois não se consegue perceber quem direciona quem. Neste sentido, cabe considerar, além da participação do Estado, através do Ministério da Educação e das Secretarias de Educação Estaduais e Municipais, que elaboram Currículos e Programas, o papel desempenhado pela indústria cultural e editorial na produção dos manuais didáticos [...]. O agravante nessa situação é que, por diversas razões, entre elas a formação dos professores e a ausência da autonomia na prática educativa, constatamos a tendência em ministrar o conteúdo do livro como saber concreto, pronto, indiscutível e como um fim em si mesmo. O livro deixa de ser uma referência de consulta para a preparação de aulas e passa a ser a única fonte, além do fato de que, se o professor não consegue vinculá-lo à proposta curricular com freqüência se desobriga dessa passando a utilizar unicamente a seqüência de conteúdos proposta pelos livros didáticos (BARBOSA, 2005, p. 98-99).
Com essas reflexões sobre a transposição didática, o conhecimento acadêmico e o
conhecimento escolar, a formação do professor e sua suposta submissão ao livro
didático, trazemos à tona uma discussão séria no que se refere à organização e produção
de conhecimento nos livros didáticos. Ainda é possível argumentar que o livro didático
possui os “caracteres da ciência” como concebidos no século XVIII? Se pensarmos no
fato de que, na atualidade, possuem uma forte vinculação com a indústria cultural
representada pelo grande mercado editorial, e com a produção em parceria com o setor
público e também com o privado, a partir de meados dos 1970, como devemos conduzir
nossa análise sobre o conteúdo por ele veiculado? Na mesma proporção podemos
44
indicar que à medida que o país estava se redemocratizando, os aspectos ideológicos dos
livros didáticos foram enfraquecendo? Caso a resposta seja afirmativa para esta última
questão, tal fragilidade teria permitido a introdução e perpetuação do lema: “o que
importa não é a ideologia contida no livro e sim sua aceitação no mercado”, tal como
analisa Munakata (1997).
Mesmo com a imensa sofisticação e envolvimento de vários profissionais na
produção deste símbolo industrial da educação contemporânea, em suas etapas
produtivas, pode-se ainda falar em ciência nesses livros? Mesmo com as mudanças
teóricas e metodológicas nas práticas de ensino introduzidas pelos PCN de 1997,
juntamente com PNLD e as revisões e renovações das edições, podemos afirmar que,
mesmo não possuindo tanta preocupação com as ideologias, os livros didáticos são, em
termos de elaboração, pesquisa, metodologia e fontes, um instrumento que produz e
reproduz conhecimento ou apenas uma mercadoria? De que forma, esses materiais
oportunizam a perspectiva de apreensão da cultura histórica? E da cultura escolar?
O fato de o livro didático ser preparado, produzido fora da academia sob a
interferência direta das editoras e do mercado editorial, com envolvimento de outros
profissionais, não anula os caracteres científicos que possui. Os aspectos
mercadológicos não podem ser ignorados, porém, eles também não anulam a presença
de elementos científicos do livro, principalmente se levarmos em conta a metodologia e
as fontes utilizadas.
As práticas trazidas pelo professor é que podem modificar o ensino, embora, como
afirma Bittencourt, eles geralmente não consigam colocar para os alunos que o livro
didático é uma obra que tem o mesmo valor que uma obra literária ou outros livros de
ficção. Os livros são tratados como instrumentos dos quais é necessário apenas extrair
os conteúdos e demarcar determinadas páginas a serem estudadas para as avaliações,
negligenciando-se, muitas vezes, o fato de que poderia ser utilizado como incentivo para
posteriores leituras.
A partir deste ponto podemos voltar à questão se o conhecimento do livro
didático, tendo em vista toda a sua produção, a escolha de fontes, a bibliografia vasta
pode ser considerado como instrumento de transposição didática? O livro didático tem a
função sim de fornecer uma didática que respeite os processos de aprendizagem e os
aspectos cognitivos de acordo com a faixa etária do aluno, mas isso não significa que
simplesmente faça a transposição do conhecimento acadêmico ou das chamadas
45
ciências de referência. A transposição didática deve ser feita pelos professores. O
docente precisa de sensibilidade e formação suficientes para avaliar e selecionar aquilo
que é mais significativo para os alunos e o seu cotidiano no ambiente escolar. Não
adianta livros fáceis com linguagens acessíveis, com professores desqualificados e mal
preparados para a docência.
Entendemos que se existe algum mal no livro didático, independente de sua
corrente ideológica ou mercadológica, esse mal reside em pretender transformá-lo no
único instrumento metodológico de apreensão na história, como se fazia nos anos 1970,
com o ensino tecnicista na Ditadura Militar. Transformá-lo no salvador do ensino
esquecendo o profissional que o conduz, bem como as outras fontes e metodologias, é
cair nas vicissitudes que empobrecem o ensino de história, o conhecimento histórico e a
própria escola como instituição de produção e transmissão de saberes e experiências.
Desta forma, compreendemos o livro didático como um instrumento da historiografia
que muda suas concepções, suas abordagens de acordo com o tempo, de acordo com as
tendências historiográficas e com os novos olhares lançados sobre novos e antigos
objetos da história.
No próximo capítulo, dando sequência a esta reflexão, procuraremos discutir
como os livros e as leituras foram compreendidos enquanto instrumentos educacionais
pelos pedagogos da Modernidade, com especial destaque para os iluministas.
46
3. EDUCAÇÃO E MODERNIDADE: DO HUMANISMO AO ILUMINISMO
Nesse momento consideramos ser necessário tecer algumas reflexões
retrospectivas sobre a pedagogia moderna. Por quê? Se quisermos considerar a ideia do
livro didático como um produto acabado do próprio Iluminismo, temos que voltar ao
século XVII, o da Didática Magna de Comenius. Porém, para se chegar a Comenius é
necessário um esforço intelectual de inseri-lo, e aos seus antecessores, nos primórdios
da pedagogia moderna em busca do significado que a leitura de “materiais didáticos”
teve em suas propostas.
Esse capítulo tem o intuito, portanto, de apresentar as principais reformas
educacionais pedagógicas do Ocidente entre o século XVI e o período das Luzes do
século XVIII; época em que é elaborada a proposta de livro didático na perspectiva
enciclopédica e também seu lugar no projeto de educação de Condorcet, o responsável
pelas principais bases da educação contemporânea presentes em seu Relatório de
Instrução apresentado na Assembléia Constituinte francesa no auge das conquistas
populares entre 1791 e 1793. Como importantes referenciais para nos situarmos sobre as
principais propostas da pedagogia e educação na modernidade, utilizamos as obras de
Franco Cambi, A História da Pedagogia e de Frederick Eby, História da Educação
Moderna: séc. XVI/séc. XX. Os dois autores são historiadores e comentadores da
educação e suas obras se comprometem com um esforço de síntese. Porém, não nos
limitaremos aos comentadores, pois no que se refere à obra e o pensamento de alguns
dos pensadores discutidos, por falta de um referencial mais consistente, optamos por
utilizar diretamente seus textos, em traduções para o português.
Nosso interesse não é elaborar uma síntese da história da pedagogia na
Modernidade de forma linear, compreendendo-a como um avanço inevitável, sem
nenhum tipo de embate político e social e sem tentativas de retomada das antigas
tradições educacionais. Trata-se de momento chave para a construção das liberdades
através do saber laico. Da mesma forma, se trata de um período importante na história
de uma sociedade que ainda se pauta fundamentalmente pela cultura oral, mas que
transita para uma cultura escrita e livresca.
Os livros, desde o Renascimento de Gutemberg com a imprensa, passam a
facilitar a transmissão e divulgação de conhecimentos dos artistas, filósofos e cientistas
no mundo europeu. Em suma, buscaremos em alguns pensadores a importância dada
aos livros e sua função social na educação ao longo da modernidade europeia. A
47
pedagogia moderna16, além da imprensa, do Renascimento Cultural, do pensamento
humanista e da Reforma Protestante, foi importante passo para transformar o livro, de
uma maneira geral, em uma ferramenta de mudança do pensamento social e da milenar
cultura oral do feudalismo católico.
Nesse período de transição entre os séculos XIV-XVI, o método escolástico
começava a sofrer suas primeiras rachaduras reforçadas com o surgimento do
pensamento humanista. Esse espírito de liberdade intelectual e artística que começava a
tomar forma refletiu-se em vários âmbitos:
Nesse contexto, o humanismo tornava a leitura privada, questionava o conhecimento transmitido e vislumbrava novas alternativas com criatividade. A ortodoxia comum tinha que passar pelo crivo da opinião individual, já que o leitor transformou-se em uma autoridade. A manifestação social dessa mudança fundamental de atitude – sobretudo possibilitada pelas mudanças nos hábitos de leitura – foi a Renascença, que acarretou transformações drásticas em todas as esferas da vida cotidiana da Europa: as teses e o protestantismo de Lutero, a cosmologia de Copérnico, a expansão pelo Novo Mundo e pelo Pacífico, e muito mais (FISHER, 2006, p.197).
A imprensa de Gutemberg talvez tenha sido a invenção e o fato social que mais
impacto imediato provocou no mundo europeu. A revolução na imprensa foi tão rápida
que os impressores de oficio desenvolveram técnicas para produzir mais livros, assim
como de melhor qualidade e de tamanho mais reduzido para facilitar o seu transporte
pelo leitor. Para se ter uma ideia dessa mudança em termos práticos: “Em 1450, apenas
uma prensa estava em operação em toda a Europa. Em 1500, cerca de 1700 prensas em
mais de 250 centros de impressão já haviam publicado por volta de 27 mil em mais de
dez milhões de cópias” (FISCHER, 2006, p.190). Esse aumento significativo de livros
disponíveis gerou também um aumento importante de leitores e o embrião da
consciência da necessidade de se constituir uma cultura letrada e escrita para se formar
uma sociedade culta.
Assim, com esse aparato de mudanças instrumentais, o mundo das ideias também
começou a ser alterado com a crítica ao pensamento católico, assim como às suas
16Para maiores detalhes consultar Steven Roger Fisher, História da Leitura. Trad. Claudia Freire. São Paulo: Editora UNESP, 2006, especialmente o Capítulo 5: A Página Impressa, p.187-229.
48
práticas, a exemplo do comércio de indulgências que atingia boa parte do clero, ou sua
concepção de educação sustentada na tradição oral em detrimento da escrita, esta, aliás,
algo muito distante de seu rebanho. Essa conjuntura de mudanças impulsionada pela
imprensa e pela crise institucional da igreja teve na própria bíblia, o primeiro livro
prensado por Gutemberg, seu impulso inicial. De qualquer forma, o movimento
reformador, através de Lutero e Melanchton, iria propor uma nova concepção de
educação, de escola e de cultura essencial para a conformação dos direitos e deveres dos
fiéis. Assim afirma Franco Cambi sobre o movimento reformador:
Pode-se dizer que, com o protestantismo afirmam-se em pedagogia o princípio do direito e dever de todo cidadão em relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e da gratuidade da instrução, lançando-se as bases para a afirmação de um conceito autônomo e responsável de formação [...]. O movimento de cultura que o movimento reformador tem em mira para organizar as próprias escolas é o humanístico baseado na prioridade das línguas e na centralidade da educação gramatical (1999, p. 248).
Com essas propostas inovadoras do pensamento reformador começaremos a
jornada pedagógica da educação moderna e a importância dos livros a partir dos
pensadores reformistas, e humanistas do século XVI.
3.1. Educação, Humanismo e Reformismo no século XVI
Em primeiro plano temos que estabelecer o que significa o termo “Humanismo
Cristão” no século XVI, pois existe uma certa visão superficial de que, na medida que o
pensamento humanista ganhava fôlego e tomava sua própria face, mais ele se afastava
da religião, o que de fato é bastante controverso. Humanismo não significa
necessariamente falta de religiosidade, apesar de críticas ferrenhas como a de Erasmo de
Roterdan. O espírito do século XV-XVI ainda não permitia um cenário de construção de
autonomia total do indivíduo perante a religião (igreja como instituição) ou a
irreligiosidade (descrença total da autoridade divina). Esse cenário ainda não permitia o
surgimento do ateu moderno que conhecemos hoje, com exceção do famoso caso de
49
Rabelais17, cujas atitudes e interpretação dos fenômenos e da vida podem ser
compreendidas como concepções agnósticas ou ateístas.
No entanto, existem diferenças entre o Humanismo que nós conhecemos e o
Humanismo Cristão. O Humanismo secular, podemos assim chamar, devido à sua
tradição antropocêntrica, como afirma A. Bullock, “caracteriza-se pela tendência de se
estabelecer o conhecimento a partir das experiências humanas, ou seja, “o próprio
homem como ponto de partida para o conhecimento humano de Deus, das coisas e de si
mesmo” (apud CARDOSO, 2007, p.30). Já o Humanismo Cristão, segundo J. Shaw:
[...] compartilha o motivo de descobrir e apoiar tudo aquilo que enriquece a existência humana, mas difere de outros tipos de humanismos ao discernir a fonte e alvo do potencial humano em Deus – o criador, redentor e espírito. Os humanismos seculares excluem conscientemente de consideração qualquer fator transcendente, ao passo que o humanismo cristão procura entender toda experiência humana à luz da revelação de Deus à humanidade na pessoa e obra de Jesus Cristo [...]. A fé em Deus [...] resulta num humanismo mais amplo e rico que qualquer perspectiva não-teista (apud CARDOSO, 2007, p.30).
O que se observa nesse período é que as duas formas de humanismo conviveram
relativamente em harmonia, pois mesmo com a cisão da cristandade com a Reforma
Protestante, no século XVI, ambos deixaram suas tradições e foram extremamente
importantes para a expansão do saber e da educação na Europa. No entanto, a partir do
século XVII o humanismo secular começa a ganhar um maior fôlego por conta da
filosofia racionalista de Descartes, do empirismo de Bacon e Locke e da filosofia
mecânica de Newton que estiveram na base do Iluminismo, a filosofia da época em que
se operou a cisão entre fé e ciência. A partir deste momento é que o humanismo cristão
perdeu força na Europa para o humanismo secular e a crença do progresso material,
moral e do conhecimento por conta do esclarecimento e da autonomia do homem
perante a natureza e as instituições do feudalismo, do absolutismo e da igreja.
17O caso de Rebelais e seu suposto ateísmo ou incredulidade é discutido na clássica obra de Lucien Febvre. O problema da incredulidade no século XVI: a religião de Rabelais. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
50
3.1.1. Os Humanistas Cristãos do século XVI
Martinho Lutero (1483-1546), além de ter sido um dos principais expoentes da
Reforma Protestante na Europa foi também um dos maiores educadores do seu tempo
na medida em que afirmava que a educação “deve apoiar-se no estudo das línguas, as
antigas e a nacional, porque as línguas são a bainha na qual está guardada a espada do
espírito, o meio para chegar e compreender a verdade do evangelho” (CAMBI, 1999,
p.249). A reforma tinha o intuito de realizar uma nova cruzada cristã. A arma principal
dessa cruzada seria a instrução, principalmente das crianças que, em sua maioria, não
freqüentavam aulas e eram analfabetas. Lutero propugnava que toda criança devesse ser
apresentada à bíblia antes de atingir dez anos de idade. Ler a bíblia, segundo ele, era um
ato de fé individual que cada um deveria buscar se quisesse alcançar a salvação e isso
deveria ser feito sem a intervenção da igreja. Esses procedimentos, incentivando a
leitura e a mudança de comportamentos, foram apresentados em seu tratado Apelo à
Nobreza Cristã da Nação Alemã, de 1520. No entanto, o próprio Lutero tinha suas
restrições quanto ao uso da bíblia. Ele achava que era perigoso que muitas pessoas
tivessem acesso ao conhecimento do livro sagrado após a tradução para a língua
materna sem o devido acompanhamento, pois isso poderia gerar um planetário de erros
de interpretação.
O próprio Lutero questionava se fora correto ter traduzido a Bíblia e (relembrando a queixa de Sócrates) de colocá-la ao alcance de leitores que poderiam chegar a conclusões que, ele na verdade, condenava. (Como já não havia mais mediação da igreja, quem estaria por perto para interpretar um texto “de modo correto” para o leitor inculto?). Lutero, assim como diversos ‘humanistas’ do período, também se preocupava se a proliferação de títulos estaria incentivando os leitores a fazerem uma leitura superficial demais, levando a que perdessem, assim, o significado das entrelinhas, o qual o erudito procurava, por certo, em todos os textos (FISCHER, 2006, p.209).
Com essas preocupações, tanto a educação, de uma forma mais ampla, quanto a
educação escolar e doméstica, estavam na mira de Lutero. Em sua concepção de escola,
afirmava que a mesma deveria ser organizada em quatro setores:
Os das línguas (latim, grego, hebraico, alemão), para remontar às fontes das sagradas escrituras; o das obras literárias (pagas e cristãs), para o ensino da gramática e a leitura dos textos sagrados; o das ciências e das artes, e o da jurisprudência e da medicina. A freqüência
51
escolar é limitada a ‘uma ou duas horas por dia’, enquanto o tempo restante é dedicado a trabalhar em casa, a aprender um oficio, a fazer tudo que se espera deles (CAMBI, 1999, p.249).
Dentro dessa perspectiva de mudança na pedagogia o próprio Lutero modificou
alguns de seus princípios como, por exemplo, sua perspectiva em relação à língua
vernácula. Antes defendia, na escola, o uso do alemão junto com o latim e o grego, mas
definiu, em seguida, que o alemão fosse usado apenas para leituras domésticas. A
própria ideia de distribuir a bíblia para todos foi revista por Lutero, que passou a
defender a restrição da instrução religiosa das pessoas e das crianças aos catecismos,
pelo fato de que, para ser ter uma boa compreensão da bíblia, o ensinamento deveria
seguir passo a passo, linha por linha, afim de se evitar uma liberdade absoluta de
interpretação.
Lutero também foi o primeiro reformador a defender a ideia de que a educação
deveria ser obrigatória. Suas principais influências para essa argumentação foram o
velho testamento e a educação dos turcos; além disso, defendia o princípio de que o
poder público, o Estado, as autoridades municipais, deveriam conceber a educação
como um bem para a comunidade.
Estabeleceu que era obrigação das autoridades municipais e dos príncipes estabelecer e sustentar escolas; e foi tão longe a ponto de exigir para o bem do Estado, da cidade e da Igreja, que os pais fossem obrigados a enviar seus filhos a escola [...] Esta exigência de educação compulsória baseava-se no bem estar público. Pessoas educadas dão melhores servidores civis, juízes, médicos, pastores e súditos mais obedientes. Naturalmente Lutero não tinha em vista a moderna concepção de eleitores esclarecidos, nem que a frequência deveria ser universal (EBY, 1976, p.61).
Lutero, em seus tratados e discursos, defendeu e discutiu arduamente com os
príncipes alemães e também com as autoridades municipais essa nova formação e
concepção de escola. A sua preocupação era bem funcional; a educação deveria ajudar a
criar indivíduos obedientes ao Estado, aos príncipes e a Deus, e cada indivíduo deveria
ser ensinado, doutrinado a cumprir aquela função na sociedade. A educação intelectual
para Lutero deveria possuir uma ligação com o mundo do trabalho, mas ao mesmo
52
achava que a educação escolar não deveria interferir na educação prática do lar, para
não questionar o poder e a responsabilidade que pais têm sobre seus filhos.
No que tange a essa preocupação sobre a escola, que matérias de instrução e que
tipo de escola estavam nos planos de Lutero? Para ele, o alvo principal das escolas
deveria ser o ensino da religião, bem como os estudos da gramática latina e também da
história, matemática e música. Essa preocupação estava centrada na religião devido à
preocupação de promover a formação de futuros bons eclesiásticos, disseminadores da
palavra cristã e, ao mesmo tempo, formar uma classe intelectual erudita defensora dos
interesses do Estado. Apesar de ser grande crítico das universidades, que segundo o
próprio Lutero eram instituições a serviço do demônio, houve uma preocupação de sua
parte em realizar reformas no ensino superior para combater os princípios corrompidos
do clero católico e de grande parte da escolástica medieval. Lutero utilizou o critério de
que os “mais aptos” deveriam freqüentar as universidades, pois esses homens seriam os
mais bem preparados para a compreensão das escrituras sagradas e para defender os
princípios cristãos e combater movimentos heréticos. Mesmo com as críticas,
reconhecia que a universidade poderia ser um espaço de contribuição para a sociedade.
Sua posição com relação ao ensino superior segundo Frederick Eby é a seguinte:
Apesar de encarar as universidades como ‘Escola de Satã’, não concordava com o grande número de pessoas simples que desejava aboli-las inteiramente. Ao contrário, Lutero desenvolveu todos os esforços para reformar sua disciplina e cursos de estudo; porque, a despeito de sua violenta denúncia, percebe que as universidades tinham um indispensável serviço a realizar para o bem estar da sociedade. Para as escolas superiores ele enviaria ‘apenas os mais aptos’. Aí os mestres deveriam preparar homens que compreendessem as escrituras e que desejassem tornar-se bispos e padres e postar-se à nossa frente, contra heréticos e o demônio e o mundo todo (1976, p. 66).
Assim, podemos concluir que Lutero foi importante para a inserção de novos
elementos na educação de seu tempo. Entre elas temos que destacar a inclusão das
crianças no ensino religioso através dos catecismos. A sua contribuição na tradução de
obras laicas e eclesiásticas para o dialeto do alto alemão de sua região é outro aspecto
importante. Até mesmo quando rompeu com o papado romano e com as suas amarras
sobre a educação, Lutero defendia certas restrições ao acesso ao saber pelas camadas
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populares. Temia que o conhecimento laico ou livre da interferência de um mestre
ligado à religião pudesse desvirtuar o caminho e a moral dos homens para conhecer
Deus. De qualquer forma, o conhecimento de forma autônoma em relação ao clero
católico foi uma importante tentativa e começo de autonomia para a educação popular e
individual.
Sendo um dos principais nomes do Renascimento fora da Itália, Erasmo de
Roterdan (1465-1536), por sua vez, possuía uma retórica e uma proposta educacional de
teor moralista com o intuito de melhorar o relacionamento entre os povos e combater os
sucessivos erros morais e teológicos cometidos pelo clero católico. Como princípio
educacional extraído de sua Enchidion Militis Christiani, publicada em 1501, procurou
indicar caminhos para a moralização dos costumes da Europa de seu tempo buscando
resgatar os estudos dos pensadores clássicos com os princípios de ética e moralidade
cristã. Da mesma forma que os reformadores germânicos, Erasmo defendeu a tradução
das escrituras para o vernáculo em suas Opera Omnia. Defendia também que o acesso
às escrituras fosse disponível para todos os fiéis e não reduzida exclusivamente ao clero.
Erasmo, apesar de conhecer o espírito reformista e as ideias de Lutero e de criticar
duramente o clero e exigir reformas como as apresentadas no Elogio da Loucura
(1509), se distanciou de Lutero quando o frade alemão propôs a ruptura com Roma; da
mesma forma possuía divergências teológicas, criticando o princípio luterano do livre-
arbítrio18.
Para Erasmo, a educação deveria ter um caráter utilitário, ser um instrumento da
formação do caráter desde o começo da vida. Sua concepção para o início da
experiência escolar era bastante radical para o período, pois defendia que ela se desse a
partir dos três anos de idade, e não aos sete anos como era a tradição. Suas principais
ideias educacionais vinham dos oradores gregos e romanos. Segundo sua concepção um
dos principais problemas dizia respeito à questão metodológica sobre o ensino das
línguas, principalmente do latim, de que era um grande e sofisticado conhecedor. Suas
críticas e dúvidas sobre o ensino foram bastante discutidas e, às vezes, com alternativas
nada convencionais, como aponta Frederick Eby:
18A crise sistemática do princípio do livre-arbítrio de Lutero está na obra A Liberdade da Vontade publicada em 1524.
54
Deveria o latim ser ensinado pelo método gramatical ou pela conversação? Deveria a gramática ser uma série de regras ou um estudo de formas usadas, como se encontrava nos melhores autores? Os educadores discordavam no tocante a quais autores deveriam ser lidos. [...] Surgiu a questão do tipo de escola. Deveria ser o ensino particular, em casa, em conjunto com um grupo seleto de estudantes ou deveria a criança ser mandada a uma escola particular, ou a escola municipal era a melhor? Estes, assim como numerosos outros problemas, foram discutidos por Erasmo (1976, p.38).
Com grande interesse em disseminar sua filosofia educacional humanista, Erasmo
publicou muitos livros sobre latim como Os Adágia, em 1500, que possuía mais de 800
provérbios e Os Colóquios, em 1519. Em seu clássico Elogio Da Loucura (1509)
criticou exaustivamente os abusos cometidos pelo clero, assim como a autoridade
absoluta do papado sobre os fiéis, a ganância de poder e o desrespeito moral de padres e
monges, isso incluindo o comércio de indulgências. Sua crítica também não perdoou o
modelo de Aristóteles nas universidades, assim como a vulgarização do ensino do latim.
O legado de suas críticas às instituições ultrapassadas da era medieval foi importante
para o pensamento crítico e satírico de Rabelais.
3.1.2. A pedagogia da Reforma Católica (Contra Reforma)
A igreja católica, sentindo-se bastante ameaçada quanto ao controle do seu poder
espiritual e temporal sobre as pessoas por causa da ruptura provocada pela Reforma
Protestante e pelo Renascimento Cultural e Científico, procurou também formular uma
pedagogia, uma forma de educação para manter suas bases ideológicas. Na verdade, a
pedagogia da chamada contra-reforma católica buscou amalgamar o que de mais recente
estava acontecendo na Europa no campo do saber, mas o projeto possuía uma essência
conservadora, pois o seu grande interesse era manter não só o poder da instituição,
como combater o protestantismo e expandir sua doutrina de caráter universalista. De
qualquer forma o Concílio de Trento (1546-1563), apesar de manter as estruturas
básicas da Igreja e da Fé Católica, por outro lado promoveu uma notável mudança
cultural das congregações religiosas por conta da educação humanista.
As obras escritas foram um importante instrumento do clero católico para
fomentar o respeito e temor a Deus, porém com um discurso que tentava se encaixar
com a nova realidade cultural trazida pelo Renascimento. Além do mais, foram
importantes para sanar a crise institucional que a igreja estava passando. Entre esses
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livros, ganham notoriedade os três volumes de Dell’Educazione Cristiana e Politica dei
Figliuoli do bispo Silvio Antoniano (1540-1603), publicada em Verona em 1583. Ele
lançava um novo olhar para o papel social da igreja, afirmando que a educação poderia
e deveria melhorar a natureza humana. Outros livros como os do jesuíta espanhol Juan
Bonifácio, Institutio Christiani Pueri Adoslescentiaeque Perfugium (1576) e De
Sapiente Fructuoso (1589), seguiam a mesma linha de raciocínio dos livros de
Antoniano.
A contra-reforma introduziu, com alguma inovação inspirada no humanismo, o
sistema escolar ligado ao modelo de colégio/internato. Na Espanha, essas escolas eram
chamadas Escolas Piedosas e tiveram a liderança de São José Calanzans; entre as suas
peculiaridades estava o esforço por trazer o povo, ou seja, pessoas que não faziam parte
do clero, para essas escolas, e também por serem instituições que dedicavam uma parte
de seu tempo para estudos científicos. Como afirma Franco Cambi:
Sua organização de estudos prevê cinco classes elementares e quatro de gramática com o predomínio do latim e da leitura como método didático, mas também a introdução de elementos de matemática e de algumas posições intelectuais típicas da ciência moderna como pesquisa e espírito inconformista (CAMBI, 1999, p.260).
Havia também outras escolas como as dos barnabitas fundadas por Antônio Maria
Zaccaria (1502-1539). Nelas se estudava grego e latim, história, matemática e música, e
o seu principal objetivo era formar jovens para congregações religiosas para serem
combatentes das heresias. A igreja se preocupou com escolas também para as crianças
órfãs, conhecidas como “somascos”, fundadas por São Jerônimo Emiliano (1481-1537),
que possuíam a função principal de promover estudos preocupados com a leitura, a
escrita e a música. A essência do seu pensamento está na obra que foi publicada após
sua morte Ordini per educare li poveri orfanelli, de 1610.
Como exemplo de educação elaborada pela igreja católica, não podemos esquecer
a principal ordem religiosa que pôs em termos práticos os princípios da contra-reforma
católica, a ordem dos jesuítas. Inácio de Loyola19 (1491-1556) ex-militar combatente foi
19Inácio de Loyola (1491- 1556) nasceu em Azpeitia, região do País Basco. Quando jovem foi voluntário na luta contra os franceses na invasão a Pamplona. Gravemente ferido nesta batalha, passa meses inválido no castelo de seu pai em 1521. Depois de um período de conflito espiritual, decide sair da casa do pai e dedicar-se às obras de Deus. Em 1528 entra para a Universidade de Paris, no Colégio de Santa Bárbara
56
o fundador dessa ordem em 1540, e através de sua Companhia de Jesus criou vários
colégios para religiosos logo depois abertos também para leigos. O crescimento dos
colégios católicos criados por essa ordem na Itália, e em grande parte da Europa, foi
bastante rápido e sua pedagogia, sistematizada na Ratio atque institutio studiorum
Societais. Em seus trinta capítulos, o livro é um verdadeiro manual de organização que
busca sistematizar a função do corpo docente, da direção da instituição e das
disposições didáticas para as disciplinas ensinadas, pois, “em estreita relação com os
fins ético-religiosos da ordem: formar uma consciência cristã culta e moderna e orientar,
também mediante a instituição escolar, para uma obediência cega e absoluta (perinde ac
cadaver) à autoridade religiosa e civil” (CAMBI, 1999, p.262). Em termos didáticos a
Ratio estabeleceu dois tipos de métodos: o método praelectio e o método concertatio. O
primeiro método consistia nos estudos gerais; filosóficos, científicos, teológicos ou
literários que utilizam a leitura de uma passagem inteira de um livro sem interrupção
para a explicação do sentido das palavras. O segundo método utiliza uma espécie de
disputa entre os concorrentes20 na sala de aula, através de perguntas dos professores e de
respostas corrigidas ou novas indagações trazidas pelos alunos rivais.
Os jesuítas desenvolveram um sistema de ensino preocupado apenas com os
níveis universitários e secundários. Participavam das escolas jesuíticas crianças a partir
dos dez anos em média. Os jesuítas acreditavam que a atitude e a personalidade das
crianças eram determinadas antes dos sete anos de idade. Assim, quando o menino
conseguindo sua licença de docente em 1533. Sua produção intelectual começa com fundação da Companhia de Jesus em 1534, junto com mais seis pessoas. Em 1548, foram impressos os Exercícios espirituais, objeto de inspeção pela Inquisição romana, tendo sido, no entanto, autorizados. Escreveu as Constituições Jesuítas, adotadas em 1554, que criaram uma organização hierarquicamente rígida, enfatizando a absoluta auto-abnegação e a obediência ao Papa e aos superiores hierárquicos (perinde ac cadaver, "disciplinado como um cadáver", nas palavras de Inácio). Seu grande princípio tornou-se o lema dos jesuítas: Ad Majorem Dei Gloriam (pela maior glória de Deus). A educação foi considerada por Inácio de Loyola o principal instrumento de reconquista dos protestantes de catequização do gentio. Assim, os jesuítas fundaram missões, retiros, colégios e universidades. Seu papel papel na educação merece destaque na colonização do Brasil através de padre José de Anchieta e Antonio Vieira. Morreu em Roma em 31 de julho de 1556, sendo canonizado em 12 de março de 1622 pelo Papa Gregório XV. Fonte: Enciclopédia Barsa, 2001. 20Esse termo veio surgir na educação jesuítica pelo fato de desenvolverem a técnica de despertar a rivalidade entre os alunos em sala de aula. Esse método da Antiguidade foi “ressuscitado” pelos Renascentistas e adotado pelos jesuítas. Nele, as classes eram divididas em dois grupos rivais: uns chamados de “Romanos e os outros de “Cartagineses”. Cada aluno, nas classes, fazia parelha com um colega. Os colégios eram divididos em “campos” disputadores, e em cada grupo se distinguia um aluno. Acreditava-se que, através desse método, o aluno despertava o seu talento individual nas artes, nas ciências, assim como os princípios individualistas na vida como um todo.
57
chegava à idade ideal para ser educado, a ordem jesuítica queria participação e controle
exclusivo na sua educação. Dentro dos próprios colégios jesuíticos havia uma divisão:
Dois tipos de colégios eram dirigidos pela Ordem, o inferior, que durava cinco ou seis anos, e o superior, de verdadeiro nível universitário. O currículo dos colégios inferiores era dividido em três classes de gramática, seguidas de uma quarta, chamada humanidades, e uma classe denominada de retórica. Nas universidades, filosofia, incluindo matemática e ciências naturais, eram estudadas durante três anos. Desde o início, os colégios eram fundados somente quando eram obtidos fundos de doação suficientes para sustentar o número de professores exigido para conduzir a instituição adequadamente. A instrução era gratuita, mas o hábito de aceitar presentes substituiu as taxas (EBY, 1976, p.95).
Para compreendermos a pedagogia da contra-reforma, temos que inseri-la em seu
contexto espaço-temporal. O momento crítico pelo qual passava a Igreja Católica e as
transformações ocorridas na Europa feudal e urbana foram importantes para que vozes
dissonantes criassem uma nova proposta de sociedade. E isso se deu também no campo
educacional, pois as mudanças trazidas pela educação humanista foram de suma
importância para que o próprio catolicismo criasse novas instituições escolares que, em
grande parte, passaram a assimilar e incorporar aos seus métodos, os da educação
humanista.
Sobre a educação do século XVI, que pontos podemos afirmar que foram, de certa
forma, positivos para a constituição da educação e do saber? O primeiro é que o espírito
Renascentista e as disputas religiosas que resultaram na Reforma Protestante foram
facas de dois gumes no que se refere à educação. Da mesma forma que permitiram a
emergência de uma nova proposta criticando o modelo milenar da escolástica,
impulsionaram o início da expansão da educação para fora das igrejas e das
universidades, que eram comandadas por membros do clero e da aristocracia. Essas
mesmas disputas e querelas nas questões teológicas, entre católicos e as seitas
protestantes, impediram um maior desenvolvimento da educação. O segundo ponto
segue como desdobramento do primeiro. A dificuldade de criação de escolas,
principalmente nas áreas rurais, nas vilas e aldeias, foi empecilho enorme ainda nesse
período. As pessoas pobres tinham poucos incentivos para freqüentar as escolas e
procurar instrução para seus filhos, pois, os camponeses raramente saíam da condição
da servidão. Além disso, havia ainda a dificuldade de se construir prédios para abrigar
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as escolas e também encontrar professores preparados para ensinar. O terceiro ponto diz
respeito às mudanças que estavam ocorrendo no mundo urbano com o renascimento
comercial e cultural; mundo urbano que se tornou o centro de difusão do saber e da
construção da promessa do esclarecimento, da liberdade e do individualismo, âncoras
importantes do pensamento que se tornaria muito influente do século XVII em diante.
3.2. Do utilitarismo empirista ao protótipo do homem burguês no século XVII
O século XVII foi bastante marcado por contradições políticas, filosóficas,
religiosas e culturais. Esse foi o século que praticamente deu a largada definitiva ao que
chamamos de Modernidade. O mesmo século que produziu a evolução da educação com
a Revolução Científica de Bacon e Newton foi aquele em que se consolidaram as
Monarquias Absolutistas com seus reis de origem divina, sua vasta burocracia e toda a
exclusão política da plebe burguesa e social dos camponeses. Nesse período, o embate
entre forças que defendiam os direitos naturais do homem, o individualismo e a
sociedade civil vão entrar em cena através da ilustração inglesa do século XVII,
exemplificada na obra de John Locke. O século que exigia a paz e união entre a
cristandade, como fora pedido por Comenius, foi o mesmo da intolerância religiosa com
suas devastadoras guerras, como a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). O capitalismo
e a economia de mercado começavam a ter seus primeiros avanços significativos, com
uma burguesia mais esclarecida e ativa intelectualmente, ao mesmo tempo em que a
secularização catolicista e feudal tentava manter seus princípios econômicos e a
sociedade baseada nas ordens. O mesmo século que conheceu o renascimento definitivo
do classicismo, como movimento de vanguarda artística, e do racionalismo, através de
Descartes, foi o que produziu a insegurança e a superstição observáveis, por exemplo,
no Barroco. Essa conjunção de eventos antagônicos se condensará na Modernidade
européia:
Nesse cadinho de eventos contraditórios, mas radicais e geralmente inovadores, vão se afirmando também aqueles processos sociais de racionalização, de secularização e de domínio que permanecerão cruciais e constantes na Modernidade e aqueles ‘mitos’ que acompanharão (e guiarão) seu crescimento e desenvolvimento: os mitos do Estado, do Poder e do Dinheiro, o da Razão e o do Progresso ou o mito da Revolução, o do Trabalho e o da infância acompanhado do mito do bom selvagem. São esses mitos que atravessarão a Modernidade e virão a caracterizar sua mentalidade
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em curso de laicização, mas que se nutre desses princípios normativos e os afirma como valores guia – também no individuo, também nos seus processos de formação (CAMBI, 1999, p.278).
Se o século XVII foi palco dessas trincheiras de mudanças e permanências,
retrocessos e progressos, isso se deve à mudança comportamental do homem europeu
movido pela luz da educação e do acesso a livros e conhecimento. Novas instituições se
formam nesse período, as escolas trazem a tradição da igreja, mas também são
renovadas com o surgimento dos colégios, dos programas, dos métodos, das classes
organizadas por idade, dos currículos. A educação escapa do modelo pedante que
somente se preocupava com o intelecto (e não mantinha nenhuma relação com o mundo
prático), e passava a se preocupar com a profissionalização dos indivíduos, com o
mundo do trabalho, com o método empirista, desenvolvido com a nova ciência através
de academias e escolas técnicas.
3.2.1. O utilitarismo de Francis Bacon
Nesse quadro de transformações, um outro pensador foi extremamente
importante, Francis Bacon, cuja vida intelectual começou cedo. O filho de um nobre que
era Lorde guardião do selo da rainha Elisabeth, em 1577, se tornou aluno do Trinity
College, e rapidamente percebeu a inadequação do método de Aristóteles para a busca
da verdade exigida em seu tempo. Em 1582 passou a trabalhar como advogado e
escreveu o esboço para uma de suas principais obras, O Novo Organon. Em novembro
de 1584 assumiu um lugar na Câmara dos Lordes, onde tinha discussões árduas com
seus colegas. A partir de 1597 passou a dedicar-se quase exclusivamente à produção
intelectual. No mesmo ano publicou Ensaios que passou por inúmeras adições e
revisões. Em 1604 voltou ao Parlamento por Ipswich e no ano seguinte publicou Da
Proficiência e o Avanço do Conhecimento Divino e Humano, que dedicou ao rei Jaime
I. Bacon foi um típico homem da nobreza que defendia o regime absolutista como
forma de governo, ao mesmo tempo em que se colocava contra as práticas feudais no
modelo econômico. Em 1617, no fim de sua vida, assumiu o mesmo cargo que o pai
havia tido, se tornando guardião do selo real. E, no ano seguinte, recebeu o título de
lorde Chanceler e de Barão de Verulam. Em 1621 assumiu um dos cargos mais altos do
reino, tornando-se Visconde de St. Albans, título que carregou até a sua morte em 1626.
60
O pensamento baconiano, apesar de não ter sido algo que possamos chamar de
original dentro dos conceitos ocidentais, pois o que o mesmo pregara já era praticado
entre os artesãos e mecânicos nos centros urbanos europeus de sua época, teve algo que
pode ser considerado de fato inovador para a história do pensamento filosófico,
científico e educacional: o esforço por transformar esse conhecimento cotidiano dos
trabalhadores em uma forma sistemática de conhecimento científico, que fosse estudado
nas academias e universidades. Para que esse plano fosse executado, existia um sistema
que deveria ser derrubado, o de Aristóteles.
Segundo Bacon, o sistema de Aristóteles, assim como toda a escolástica
medieval21, não se sustentava, de fato, em um conhecimento verdadeiro, pois suas
especulações não produziam nenhuma espécie de explicação da realidade, muito pelo
contrário. Colocavam o homem como subordinado à natureza, acorrentado pela sua
impotência que é dada por sua posição na sociedade, condenado à contemplação e,
portanto, à falta de uma solução prática. Em Aristóteles o homem não é reconhecido
como agente da transformação. Bacon ainda criticava Aristóteles pela falta de
praticidade empírica de seu conhecimento, que se sustentava através de argumentações
meramente retóricas, além do fato de suas explicações serem a-históricas, porque tudo
estaria previamente definido em um script dado pelos deuses em sistemas e formas de
governos cíclicos.
Bacon estava preocupado não somente em romper com o pensamento grego em si,
por causa de seu desprezo pela resolução prática das indagações humanas, mas também
em criar um sistema de conhecimento que estivesse preocupado em buscar respostas,
através da experiência, aos problemas humanos. Buscava um saber progressivo que
estivesse preocupado com o bem estar dos seres humanos. Assim, criava um sistema
em que havia uma funcionalidade, uma organicidade para o filósofo. Segundo ele, o
erudito não deveria apenas obter o conhecimento para seus caprichos individuais;
conhecimentos que o colocassem apenas como mais um segmento que se separa dos
21A escolástica medieval (do século VIII ao século XIV) engloba pensadores europeus, judeus e árabes. Sua Filosofia é uma teologia. Essa filosofia foi responsável por “guardar” o pensamento grego no período medieval. Defendiam, assim como os gregos, a separação entre corpo (matéria) e alma (espírito). Aceitavam a idéia de uma superioridade de seres que governavam os inferiores, assim como pensavam os gregos. Pelo princípio da autoridade, os escolásticos defendiam que uma idéia é verdadeira se seus argumentos forem defendidos por uma autoridade reconhecida. Ex: a bíblia, o papa. Entre esses teólogos podemos destacar Abelardo, Santo Anselmo, São Tomás de Aquino, Averróis, Maiomônides (CHAUÍ, 1995, p.54-55)
61
estratos sociais e, através do seu saber, cria uma nova forma de poder. O erudito,
segundo Bacon, em primeiro plano, teria que trabalhar de forma cooperativa com outros
cientistas e com os artesãos para a melhoria da condição humana.
O método experimental da filosofia natural de Bacon era de fundamental
importância para se conciliar teoria e prática nas universidades. Para isso, ele indica
uma nova direção para a história da ciência, em que se busque o conceito de verdade
que rompa com as especulações provocadas pela observação dos fenômenos. O próprio
Bacon afirmava: “A prática é a única forma de comprovação da verdade; se o
conhecimento é possível ou não, é algo que deve ser estabelecido não pelos argumentos,
mas pela experiência” (apud HILL, 1992, p.129). Essa busca de Bacon por colocar a
ciência como forma de esclarecimento que emancipa os indivíduos era uma proposta
radical para o período, tendo em vista a cultura e os costumes da sociedade européia
daquela época que, mesmo passando por mudanças de mentalidade feudal inclusive com
o retorno à razão grega provocada pelo renascimento cultural, ainda não permitia
rupturas e avanços bruscos. Os percalços provocados pela resistência do
providencialismo medieval eram bastante fortes nesse final do período medieval.
No entanto, os saberes técnicos provocados pelas grandes navegações e pela
descoberta da bússola e da pólvora criaram uma espécie de ruptura histórica que,
segundo as concepções de Bacon, jamais tinha sido vista até então. Na concepção
baconiana desaparece a inferioridade humana diante da natureza, assim como sua
incapacidade de transformá-la. Em síntese, podemos afirmar que a história natural cedia
espaço para a história investigativa em que seria necessário estudar as civilizações
humanas com uma perspectiva de mudanças nas mentalidades e nas maneiras como as
pessoas vivem. Bacon tinha uma preocupação social muito forte, em especial quanto à
condição material humana e, mesmo fazendo parte das cortes de Elizabeth (1558-1603)
e de Jaime I (1603-1625), deu voz e concordou com muitas indagações colocadas pelo
baixo escalão do parlamento inglês. A transformação se daria através dessa análise
histórica em que seria necessário mudar as condições de bem estar social. A sua
preocupação com a história derivava de sua compreensão de que, no passado, podiam
ser encontrados os problemas que impediram o avanço das condições humanas e do
conhecimento. Além disso, tinha uma proposta para o futuro, uma espécie de teleologia
histórica que se baseava na força da razão instrumental como motriz para fazer uma
reforma na sociedade; a busca do progresso que traria, para o homem, o esclarecimento
62
e sua autonomia perante a natureza e os outros indivíduos. A teleologia de Bacon era
formar uma cultura histórica baseada no progresso em que houvesse uma ética de
cooperação entre mecânicos e filósofos para a construção de categorias que servissem
universalmente à humanidade.
Bacon, em sua filosofia natural, também criticou os “empiristas puros”22 que
somente procuravam coletar dados sem nenhum tipo de análise racional, como era a
tradição dos mecânicos e dos alquimistas. Entretanto, para o avanço do seu método e da
ciência, procurou trabalhar em cooperação com vários profissionais dessas áreas em
suas pesquisas. Em muitas ocasiões teve que justificar que o trabalho que estava sendo
feito por seus cooperadores não possuía um teor subversivo, que contrariasse as normas
da religião e dos planos de Deus para os homens. Bacon procurou usar sua tolerância
religiosa, mesmo sendo um calvinista, em nome do crescimento científico, e
consideramos que, na sua perspectiva, a união entre a tradição puritana, a matemática e
a alquimia, serviu de suporte para seus seguidores criarem a Royal Society, em 1661, já
no período da restauração monárquica de Carlos II.
O otimismo era característico do pensamento de Bacon; um otimismo que servirá
de inspiração para o Cândido de Voltaire. Essa positividade, para Bacon, era real e
podia ser observada, por exemplo, nos avanços navais, no comércio exterior, nas
conquistas tecnológicas que podia observar em seu tempo. Tudo isso, no seu
pensamento, possuía uma origem histórica e um lugar definido no espaço físico, e
considerava que, posteriormente, o que estava acontecendo na Inglaterra seria o modelo
para qualquer país que procurasse o bem estar social.
Em sua filosofia natural Bacon usava as bases cristãs da caridade e do altruísmo,
para criticar o conceito de pecado original do catolicismo medieval que colocava o
trabalho como um castigo divino para os homens. Ao contrário, a lógica e o espírito
protestante é a do trabalho como fonte de dignidade e de melhoria das condições sociais
de existência. Bacon tinha uma posição contra a ambição pessoal e o uso da ciência para
fins de dominação para projetos políticos. A sua admiração pela técnica era, talvez, mais
apaixonada do que a de um mecenas pelas obras de arte que encomendava. A técnica
22Segundo Christopher Hill, em Origens Intelectuais da Revolução Inglesa (1992), o termo “Empiristas puros” foi utilizado pelo próprio Bacon para criticar colegas que utilizavam unicamente o recurso da experiência para explicação dos fenômenos, esquecendo a teoria. Muitos desses membros trabalharam na Gresham College dirigida por Bacon. Ele não cita os nomes daqueles cientistas a quem atribui a tal característica.
63
seria um instrumento que avançaria progressivamente de acordo com as novas
necessidades que aparecessem na sociedade e servissem para o homem dominar de vez
a natureza, em um tipo de conhecimento resultante da colaboração entre filósofos,
mecânicos e artesãos, ao contrário do que pensava a filosofia clássica dos gregos e seu
individualismo. Esse discurso otimista com relação à filosofia natural é destacado por
Paolo Rossi, em Os Filósofos e as Máquinas:
Tal progressividade, característica das artes mecânicas e do saber técnico, deve segundo Bacon, a uma precisa ao fato de que, neles, muitas inteligências colaboram para um único fim: “Não é absolutamente estranho que se observe essa diferença entre a mecânica e a filosofia, porque na primeira os engenhos individuais se misturam, na segunda se corrompem e se destroem”. Nas artes mecânicas, não há um lugar para o poder ditatorial do indivíduo, mas apenas para um “poder senatorial” que não exige que os seguidores renunciem à sua liberdade, tornando-se eternos escravos de uma só pessoa: “nas artes mecânicas confluem os engenhos de muitos, ao passo que nas artes e ciências liberais os engenhos de muitos se submeteram ao de uma só pessoa e os seguidores, além do mais, corromperam-no ao invés de iluminá-lo”. Assim, em contrapartida, para destruir os edifícios, inicialmente perfeitos, construídos pelos filósofos (1989, p.76-77).
Para o método experimental de Bacon funcionar não bastava que a razão
instrumental funcionasse por si mesma, era preciso que teoria e prática se unissem com
um propósito. Bacon reserva um lugar especial para a história no panteão de
conhecimentos. Considerava que ela deveria ser ensinada nas universidades inglesas, e
que o seu ensino tinha que ser incentivado. Segundo ele, havia uma diferença entre
história política, eclesiástica, natural e literária. E reconhecia que, “à sua época, ainda
não existiam profissionais que houvessem feito um estudo de gestão sobre o
conhecimento que é obtido durante eras e a maneira como esses vestígios históricos
sobrevivem, ou seja, as antiguidades que comparava aos “destroços de um naufrágio”
(BACON, 2006, p.88). A idéia de história e vestígio histórico para Bacon está muito
ligada à questão da memória, de preservar essa memória histórica que possui uma
preocupação com a linearidade dos acontecimentos; pois a função da história é acolher e
guardar os feitos humanos. Essa preocupação não é um historicismo de louvação ao
passado pela cultura antiga, mas pelo fato dos feitos e dos conhecimentos obtidos em
gerações, com uma preocupação que esses feitos particulares fossem relatados a partir
64
de uma ótica que priorizasse a verdade como status de comprovação e de validade
histórica.
Todavia, segundo o próprio Bacon, para que a filosofia natural de fato se tornasse
um sistema preponderante nas academias, seria necessário que se utilizasse a história
mecânica, voltada para todas as descobertas e invenções provocadas pelo progresso
técnico-científico através desse método experimental; uma forma de história que
produziria grandes feitos da mesma forma ou até mais que a história política tradicional
dos grandes líderes. Essa história serviria como forma de conhecimento que, de fato,
estivesse preocupado com a melhoria da vida humana. Em suma, podemos dizer que
Bacon estava preocupado com uma filosofia da história pelo fato de que a sobrevivência
de seu método e sistema filosófico como forma de mudança social estaria acoplada a um
período histórico definido pelas condições materiais em que a Inglaterra vivia até aquele
momento. Esse era um modelo diferente daqueles dos antigos que tinham uma relação
de insuficiência perante a natureza, sem relações de causa e efeito, e com explicações
fora da contextualização histórica. Com essa filosofia da história Bacon queria garantir
a sobrevivência do conhecimento através da experiência como forma de explicação da
realidade para, a partir desse momento, constituir as leis que regem o presente da
humanidade e procurando criar metas para o futuro de acordo com os avanços técnicos,
em que a razão, e não mais a superstição e as abstrações, reinasse no mundo das
explicações. Essa filosofia instrumental baseada em um conceito de história progressiva
se constituirá como um grande modelo para autores da futura Ilustração Inglesa como
Locke e Hume. Sobre a história mecânica era essencial mostrar os avanços que esses
mecânicos e artesãos vinham realizando desde o fim do período medieval com a
transformação das cidades européias que se monetarizavam e avançavam
economicamente. Era necessário mostrar que suas invenções como a imprensa, a
pólvora e a bússola, em cem anos, foram mais úteis do que tudo que os filósofos e os
césares da Antiguidade tinham realizado até então.
O que temos a observar acerca dessa querela entre os modernos e os antigos é que
se trata de uma discussão nitidamente inglesa; do pensamento inglês, com sua
perspectiva de progresso técnico do mundo, e de uma conjuntura que, apesar de
turbulenta no campo político, compensava pelas conquistas e modificações econômicas
e no campo do saber. Se tomarmos a Itália como exemplo no mesmo período, em fins
do século XVI e começo do XVII, que foi o da vida de Bacon, existia uma cultura
65
renascentista com traços muito fortes da Antigüidade e a preponderância de princípios
como o individualismo, em contraste com a filosofia de esforço coletivo desejada por
Bacon. Na França, do mesmo modo, o cartesianismo e as discussões sobre lógica eram
centrais nas academias e universidades. Bacon representou o começo de uma abertura
pragmática em busca de uma mudança histórica que, até aquele momento, não somente
os homens tinham conquistado, mas que também conheciam de uma forma especifica.
Pois, na Antiguidade, todas as mudanças históricas eram lidas como provocadas pelas
posições individuais tomadas por grandes líderes que, de forma messiânica, mudavam e
decidiam o destino da humanidade, enquanto que o saber servia apenas de justificativa e
status de uma pequena aristocracia que legitimava esses governos. Com os modernos
teria havido uma inversão, proposta por Bacon, que foi a de fazer que o conhecimento
produzido tivesse mais importância do que as decisões político-militares. O
conhecimento material é que mudaria as condições sociais e históricas de um
determinado espaço. Essa superioridade moderna, proposta pela filosofia mecânica, é
muitas vezes considerada pragmática e utópica por muitos, porque não teria levado em
conta os movimentos e dinâmicas de cada sociedade, e além do mais, foi um tipo de
filosofia e construção de modelo universal aos quais as nações que tinham pretensões
em se tornarem fortes teriam que se adequar.
Os escritos de Bacon, em termos intelectuais, não enfatizaram a educação
propriamente dita. E em termos de elaboração de um método educacional, Bacon não
prescrevia nada muito além do que as práticas já existentes de instrução conforme
pensavam os jesuítas. O seu grande mérito educacional está na insistente aplicação da
ciência e no método indutivo como fonte de investigação e do conhecimento. A ciência
leva o homem à virtude e à felicidade. A mudança educacional em Bacon se coloca na
crítica de que a educação e o conhecimento se constroem com pouca observação e
muito raciocínio. E inverte esse sentido. Na sua obra inacabada, A Nova Atlântida, faz
descrições de um colégio denominado Casa de Salomão ou Colégio dos Trabalhos dos
Seis Dias. Segundo ele, essa instituição tem o objetivo de buscar as causas e
movimentos das coisas que buscam o aprimoramento humano e a ampliação de seus
limites investigativos. A observação e análise dos fenômenos da natureza são os estudos
mais importantes, e de certa forma criam, ajudam a construir exatamente o que os
cientistas e pesquisadores vêm trabalhando nas universidades. Historiadores da
educação como Frederick Eby, afirmam que A Nova Atlântida foi importante para a
66
criação de centro de pesquisas e academias científicas, como a Royal Society em 1660, e
outros posteriores.
Bacon foi utópico e pragmático, mas tinha motivos para isso, pois seu país
passava por modificações e dinâmicas jamais conhecidas até então no campo do saber.
Talvez seu espírito cristão de trazer “a boa nova” para o conhecimento científico e seu
altruísmo, fosse seu grande projeto de vida para a pesquisa e avanço da ciência e, de
toda forma, foi um pensador que procurava romper as dificuldades da mentalidade
aristocrática, feudal e estratificada de seu tempo.
3.2.2. “Ensinar tudo a todos”: A utopia de Comenius
João Amós Comenius (1592-1670) nasceu na Morávia e passou uma grande parte
de sua vida refugiando-se em países da Europa, por conta das guerras religiosas que
envolveram grande parte do século XVII. Sua posição de fé e pensamento protestante
em sua terra natal, que era dominada por reis católicos, foi a causa de suas sucessivas
fugas da Boêmia. Por exemplo, em 1618, teve que partir para a Polônia quando
começou a Guerra dos Trinta Anos e o rei Ferdinando II, reinstalou o catolicismo. A sua
indignação pela situação de sua pátria, o levou a escrever trabalhos filosóficos e
pedagógicos criticando a ordem vigente. A circulação de suas ideias ganhou notoriedade
devido à admiração de alguns pensadores ingleses que o convidaram a trabalhar na ilha,
mas os trabalhos nem sequer começaram por conta de mais uma guerra. Dessa vez, se
tratava da Guerra Civil Inglesa, em 1642, que fez com que Comenius aceitasse um
convite para ir para a Holanda, onde permaneceu até 1648. Em seguida retornou para a
Polônia e lá trabalhou por alguns anos. Nessa breve tentativa, apoiada numa ilusória
expectativa política de tentar voltar à sua terra natal e libertar seus irmãos, acabou
sofrendo mais perseguições religiosas que o obrigaram a voltar a viver, como exilado,
na Holanda, onde terminou vários escritos, inclusive a revisão e publicação da
Didactica Magna, em 1657. Viveu seus últimos anos de vida em Amsterdã com uma
produção bastante significativa, mas o desinteresse de teólogos e cientistas por suas
obras o levou à reclusão e ao afastamento dos ambientes protestantes. A partir daí
passou a se dedicar a seitas místicas e milenaristas até a sua morte em 1670.
Sobre o seu projeto de educação, Comenius representava exatamente todo o
sentimento de antítese que se vivia na Europa do século XVII. Sua influência, trazida do
empirismo de Bacon, e sua ética, trazida do protestantismo, foram duas fortes âncoras
67
do seu pensamento e de seu projeto educacional. Seus sentimentos de angústia e
sofrimento por conta das guerras religiosas foram importantes em grande parte de sua
obra em que busca a harmonia cristã trazendo a perspectiva de uma pacificação
universal. Comenius foi bastante influenciado pelo pensamento renascentista,
principalmente Campanella, e também por Platão, Aristóteles e vários pensadores
clássicos23.
De fato, o interesse pela pesquisa científica trazida pelo renascimento fez com que
Comenius buscasse uma pedagogia para as crianças o mais próxima possível do mundo
real. Esse mundo, segundo ele, deveria se constituir em figuras, para um maior
desenvolvimento do aparelho sensorial e para a memória da criança. Essa preocupação,
na verdade, estava presente em um projeto de reduzir ao máximo o pedantismo
intelectual que apenas buscava um saber erudito que mantinha os estratos sociais, sem
nenhum engajamento vinculado à mudança social. Em Comenius há uma preocupação
maior com as coisas do que somente com as palavras; para ele as palavras só têm
sentido quando primeiro se busca o significado delas através da experiência. É
exatamente dessa forma que afirma o próprio Comenius:
As palavras, portanto, deverão ser ensinadas e aprendidas sempre em conjunto com as coisas correspondentes, assim como se vende, se compra e se transporta o vinho juntamente com a garrafa, a espada com a bainha, o tronco com a cortiça, os frutos com a casca. E o que são as palavras senão o invólucro e a bainha das coisas? Por isso, seja qual for a língua que se esteja aprendendo, mesmo a vernácula, sempre se devem mostrar as coisas designadas pelas palavras e ensinar também a saber expressar com a palavra tudo que a língua e a compreensão das coisas se desenvolvam e aperfeiçoem paralelamente (2006, p.223).
Nessa crítica ao estudo somente com base nas palavras está inserida uma outra
crítica, ao inatismo. Apesar de ser grande admirador do platonismo e do aristotelismo,
Comenius criticava o inatismo por deduzir que as coisas passavam simplesmente e
diretamente pelo intelecto sem precisar passar pelos sentidos; idéias prejudiciais ao
ensino por conta do método que prioriza os conceitos através das palavras sem se
visualizar as coisas. Antecipando a famosa tese da tábula rasa de Locke, Comenius
23Os dados aqui apresentados sobre a vida e obra de Comenius foram retirados da Seção Nota Biográfica da edição que utilizamos da Didática Magna (3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006).
68
defendia que as coisas feitas pelos homens necessariamente sempre começam pelos
sentidos. A única capacidade inata admitida por Comenius, e por Locke posteriormente,
seria a própria capacidade de pensar. Tese essa inicialmente defendida por Descartes.
Com esse conceito Comenius modificaria o mundo da pedagogia, do ensino, e
posteriormente seria considerado o pai da didática moderna. Ele inicia tal modificação,
modificando a pergunta sobre como se deve ensinar: “A instrução deveria começar pela
explicação verbal das coisas e não por sua observação direta?” (COMENIUS, 2006,
p.233). Desta forma propõe uma padronização na educação criando desdobramentos no
ensino, na aprendizagem, na conduta do professor e nos materiais de ensino.
Seu projeto será conhecido como “pansófico”, ou seja, “ensinar tudo para todos”.
Podemos dizer que a concepção de escola e educação de Comenius é democrática? Não
é nosso objetivo nesse trabalho discutir isso, mas certamente as ideias e práticas da
educação comeniana conseguem avanços bem mais significativos neste sentido do que a
pedagogia de Lutero, por exemplo. Primeiro, seu interesse, de fato, era que a maior
quantidade de pessoas deveria frequentar as escolas, crianças, homens, idosos e
inclusive mulheres. Segundo, achava que o conhecimento seria a flecha de ponta para
acertar as almas das pessoas por um mundo mais pacífico. Terceiro, considerava o
pedantismo e o uso da violência como método de punição para indisciplina ou para
erros dos alunos uma atitude sórdida para um mestre (professor).
Comenius concebia a ideia que somente através da escola e da educação seria
possível fazer da piedade cristã um instrumento de pacificação universal entre os
homens, transformando-os em pessoas melhores, constituindo esse pacto sócio-
religioso. Como afirma Cambi:
A concepção pedagógica de Comenius baseia num profundo ideal religioso que concebe o homem e a natureza como manifestação de um desígnio divino. Para Comenius, Deus está no centro do mundo e da própria vida do homem. Com esta base se esclarece a forte carga religiosa que atravessa seus projetos de reforma da sociedade e da escola. Toda construção pedagógica de Comenius é, de fato, caracterizada por uma forte tensão mística que sublinha seu caráter ético-religioso e a decidida conotação utópica: A educação neste quadro é a criação de um modelo universal de “homem virtuoso”, a qual é confinada a reforma geral da sociedade e dos costumes (1999, p.286).
69
O que podemos afirmar em termos práticos é que a educação “pansófica”
universalista de Comenius contribuiu bastante para a aceitação gradativa da idéia da
educação como fonte de saber natural para os seres humanos e não como privilégio de
uma classe social especial ou superior justamente por ser detentora do saber. A sua
concepção de educação trouxe uma importante contribuição para a educação laica e
burguesa do século XVIII e de todo o período das luzes.
O seu método de ensino foi bastante eficaz e inovador para o período. Em um
misto de inovação e conservadorismo, Comenius defendeu o princípio de que nas
diferentes fases escolares devem-se ensinar as mesmas disciplinas com graduais e
progressivos níveis de dificuldade e sofisticação do conteúdo de acordo a mudança de
nível cognitivo do aluno. Da mesma forma, defendia que todas as disciplinas e ciências
devem estar contidas nos livros e em sala de aula, mas somente uma matéria deve ser
ensinada por vez; da mesma forma que um padeiro não começa a fazer o segundo pão
sem terminar o primeiro. Seu interesse nesse tipo de método era criar uma enciclopédia
que tivesse os caracteres do saber universal de todas as ciências juntas. E esse método
deve consistir basicamente no fato de que se deve ensinar as coisas juntamente com as
palavras, como já dissemos antes.
No entanto, como processo de pesquisa e análise da didática moderna e da
educação como um todo, certamente uma das grandes inovações trazida por Comenius
se refere aos materiais didáticos. Décio Gatti afirmou que: “em pleno século XVII [estes
materiais didáticos] ganhavam uma função que conservam até os dias de hoje, a de
portadores de caracteres das ciências” (2003, p.36). Agora vamos buscar esses
caracteres e os responsáveis por esses caracteres que ajudaram na construção do livro
didático que conhecemos atualmente.
Comenius tem uma grande responsabilidade sobre essas características científicas
que o livro didático passa a assumir a partir deste momento. Na Didática Magna, no
Capitulo XIX: Princípios de um ensino rápido e conciso, Comenius questiona como
pode ser possível que todos aprendam com os mesmos livros. O primeiro ponto da
resposta já está incluído na própria pergunta. Para Comenius, os alunos devem ter os
seus próprios livros, pois criticava bastante as escolas que, na época, mal os possuíam e
usavam o recurso medieval de copiar os textos ditados pelos professores. Para
Comenius isso era uma perda de tempo enorme. Tendo em vista também a sua
preocupação com os poucos professores que havia nesse período, os livros didáticos
70
também foram pensados para eles. O próprio Comenius procurou demonstrar um outro
aspecto: Como um só professor podia “ensinar a um certo número de meninos, não
importando quantos, ao mesmo tempo”? A resposta está, primeiro, em ter livros
didáticos e, em seguida, na padronização deles. Para os nossos dias parece uma coisa
bastante simples e até vulgar tendo em vista as muitas críticas ferozes que são feitas aos
livros didáticos, mas isso não era nada simples no século XVII. Para Comenius era
importante essa padronização dos livros, porque primeiro o professor perderia bem
menos tempo para ensinar aos seus alunos. Segundo, essa padronização facilitaria o seu
trabalho. Terceiro, na medida em que cada aluno tivesse seu próprio livro teria sua
própria cópia do texto que deveria ser estudado naquele momento, assim, as atividades
poderiam ser realizadas individualmente e, em seguida, discutidas. Observe-se o que o
próprio Comenius comenta sobre o livro didático como um item agilizador no processo
educacional:
Portanto, haverá grande economia de tempo, em primeiro lugar, se aos alunos só for permitido estudar nos livros didáticos de sua classe, para pôr em prática o lema que se repetia a quem fazia sacrifícios: Faze isto, e basta! De fato, quanto menos os outros livros ocuparem os olhos tanto mais os didáticos ocuparão os espíritos. Em segundo lugar, haverá grande economia de tempo se todo material escolar (ou seja, tábuas, programas, exercícios, léxicos, material de artes) estiver sempre disponível. De fato, quando (como sempre acontece) os professores preparam as tabelas alfabéticas para os alunos no último momento, ou então quando ensinam caligrafia ou ditam regras, textos, traduções etc., quanto tempo perdem! Portanto, será muito cômodo já ter prontos, em número suficiente, todos os livros que servirão em cada classe e também aqueles que deverão ser traduzidos para a língua vernácula com a versão para o confronto (2006, p.216).
No mais, Comenius defendia que os livros deviam ser de fácil acesso, com uma
didática bastante clara, detendo-se no que fosse essencial, as idéias principais de cada
matéria. Deviam, além disso, tratar daquilo que era necessário para a vida. Da mesma
forma, a didática deveria servir para o aluno aprender até sem o professor, ou seja, com
esse método Comenius defendia que os livros, desde que bem redigidos, poderiam
ajudar os alunos a praticarem o autodidatismo e não dependerem completamente do
professor:
Os livros, pois deverão ser redigidos para todas as escolas segundo os nossos princípios de faculdade e solidez e brevidade, contendo tudo o
71
que for necessário e de modo completo, sólido e preciso, de tal modo que possam ser uma imagem veracíssima do universo (que deverá ser pintado nas mentes dos alunos). Acima de tudo, desejo e solicito que os assuntos sejam expostos em linguagem familiar e comum, para permitir que os alunos entendam tudo espontaneamente, mesmo sem mestre (2006, p.216).
Comenius detalhava sua proposta de organização dos livros até no que se referia à
forma de sua escrita. Deveriam seguir em forma de dialógo, para facilitar a assimilação
da matéria de acordo com a faixa etária e cognitiva das crianças; deveriam também ter
um único narrador, distante do contexto apresentado pelo livro, o que abriria a
perspectiva de que existisse um diálogo múltiplo que facilitasse o diálogo entre os
próprios alunos, bem como a sua memorização. Ele não era contra a memorização,
achava que ela era importante na concentração dos estudos, mas também era a favor de
métodos mais lúdicos, e que os próprios livros didáticos trouxessem situações que
despertassem a curiosidade e a descontração de alunos e mestres. Sobre a importância
dos livros na forma de diálogo Comenius afirma suas vantagens:
1) Para adaptar mais facilmente a matéria e o estilo com que as mentes das crianças, de tal sorte que ninguém tenha a impressão de alguma coisa que lhe é inacessável, árdua ou difícil demais; de fato, nada mais familiar e natural que o dialógo que pode conduzir o homem a qualquer lugar, sem que perceba. 2) Os diálogos também estimulam, reavivam e mantêm e desperta atenção graças à variedade de perguntas e respostas, as diversas situações e formas, sobretudo se entremeados com coisas divertidas; ademais, graças a diversidade e a mudança das pessoas que dialogam. 3) O diálogo torna a instrução mais firme. Assim como lembramos mais as coisas vistas pessoalmente do que as coisas que só servimos contar, também na mente dos alunos se imprime com mais tenacidade o que apreendido no modo de representação ou de dialógo (Porque nos parece ver mais que escutar) do que aquilo que só se houve o professor contar: tudo isso é provado pela experiência (2006, p. 217-218).
Comenius demonstra interesse também na edição dos livros. Segundo a sua
Didática Magna, os didáticos devem possuir o mesmo número de páginas, linhas e fazer
parte da mesma edição, para que não haja nenhuma espécie de atraso nas aulas. Da
mesma forma o livro didático não deve somente conter textos resumidos, mas também
recursos didático-pedagógicos que, em nossa educação atual, parecem bastante
72
inovadores como mapas, ilustrações, exercícios para um melhor aproveitamento e
memorização do aluno.
O sensualismo de Comenius é um dos principais traços de sua pedagogia em
busca de um aprendizado que ressaltasse mais as coisas do que as palavras. Suas
próprias metáforas traduziam isso, utilizava exemplos práticos da natureza,
principalmente do reino animal e seu comportamento, assim como coisas do cotidiano
para criar metáforas e comparações para a formação educacional dos homens virtuosos.
Para Comenius essa representação das coisas e do mundo em figuras (desenhos)
facilitaria o entendimento, o aprendizado e a memorização.
A sua concepção de mundo, através da ética cristã, tornou-se instrumento para
formar cidadãos mais justos, mais éticos e que buscassem a palavra de Deus respeitando
a autoridade dos pais, professores e mestres. Comenius acreditava na possibilidade de
uma harmonia universal entre os povos, e isso se cristalizaria através da educação dando
credibilidade e importância ao papel da escola na vida das pessoas. Sua concepção de
educação passa por um processo conhecido como triádica visão da realidade. Segundo
João Luis Gasparin essa trilogia é:
[...] uma visão de mundo que concebe, analisa e trabalha toda a realidade na perspectiva do triádico. Ela está presente quando se refere ao mundo sobrenatural, bem como ao tratar do mundo intelectual e do mundo prático. Esse modelo triádico de análise tem como sua base primeira o pensamento cristão. O fundamento de tudo não se encontra em Deus como ‘Ser Primeiro’, mas em Deus como ‘Ser Trinário’. Desta forma, procura encontrar as propriedades de Deus na sua obra, na natureza e no homem (GASPARIN, 1998, p.87).
Esse modelo motivador para existência humana em Comenius tinha uma grande
força na bíblia como fundamento de unificação e harmonização do universo. No
entanto, o que se passa por interessante é que esses conceitos metafísicos não impediam
que ele dialogasse com outras fontes de conhecimento, filosóficas, históricas e
observações empíricas. Trilogia que, em termos humanos, é importante para o
desenvolvimento do pensamento, do discurso e da sua ação. Esses fundamentos podem
ser sintetizados nas três importantes palavras do objetivo educacional comeniano: saber,
virtude e piedade para a construção do reino de Deus na terra.
O seu olhar contempla, como já vimos, a preocupação social de incluir um maior
número de pessoas na educação e cobrar dos poderes públicos uma maior participação
73
na construção de escolas e na contratação de professores. A ideia de escola universal
também pode ser expressa como a busca por maior igualdade jurídica e social na
educação, mas também pela padronização do que viria a ser a escola moderna e
contemporânea. Com relação aos livros escolares a contribuição de Comenius foi
enorme tanto para o ensino e aprendizagem dos alunos como também para professores.
O seu modelo de livro escolar influenciou bastante a educação Iluminista no século
XVIII, em especial no que se refere à proposta de que as ciências deveriam estar juntas
nos livros; esta se constituiu, por exemplo, numa idéia forte da proposta do
enciclopedismo e na organização da própria Enciclopédia francesa. Esta buscava,
através de textos organizados didaticamente, atingir uma grande parcela de leitores dos
mais diferentes estratos sociais. Além disso, a defesa da ética cristã e sua percepção
empírica da realidade o colocaram como um dos grandes pensadores da educação como
sendo um direito natural para todos.
3.2.3. A educação do gentleman burguês em John Locke
Locke viveu a infância em um período conturbado da história inglesa quando um
governo baseado no “direito divino”, o de Carlos I, foi derrubado e cedeu lugar para a
ditadura de Oliver Cromwell. Em 1652 Locke foi estudar medicina em Oxford, lugar
em que, posteriormente, se tornou professor. Em 1666 foi requerido como médico e
conselheiro de Lorde Shaftesbury. Em 1675 tornou-se secretário do Conselho de
Plantações e Comércio. Em 1683 foi obrigado a se refugiar na Holanda, sob acusação de
fazer parte de uma conspiração contra o rei Carlos II. Suas obras primas vieram a ser
publicadas somente entre 1689 e 1690; entre elas estão o Ensaio Sobre o Entendimento
Humano e os Dois Tratados Sobre o Governo Civil. Esse período da Revolução
Gloriosa (1688) que coincide com a fase final de sua vida lhe foi, certamente, de
extrema importância para a elaboração de suas teses.
Para Locke, a propriedade se constituía como um direito inalienável e irrevogável
de todo cidadão. Todavia, para ele tal idéia não era apenas uma formulação teórica
idealista, mas, de fato, uma realidade costumeira da situação da história da humanidade.
Segundo sua formulação, somente seria possível a existência da propriedade privada se
existisse uma sociedade civil, baseada na ação dos cidadãos que fazem parte de uma
comunidade e que abdicam de seu poder “natural”, ou seja, que vivem em estágio de
natureza sem estar prescritos por nenhuma lei. Essa abdicação ocorre por meio de um
74
consentimento entre as partes envolvidas; consentimento esse baseado no princípio da
maioria. Por que, para Locke, é importante esse tipo de estrutura? Pelo fato de
considerar que somente a propriedade privada garante a ordem e a sobrevivência de
qualquer sociedade. Essa formulação também garantiria, através das leis da
comunidade, que o soberano não tivesse poder sobre as propriedades de tais membros,
algo que acontecia com frequência na Inglaterra dos fins do século XVI e do século
XVII, que vivia a política de cercamentos e expropriação de terras. Locke formulou o
direito de propriedade como uma garantia para os cidadãos. Não que fosse contrário à
política de cercamentos, de fato ele era a favor contanto que as terras fossem compradas
e que a venda tivesse o consentimento dos proprietários. Locke via a propriedade como
uma fonte de renda e investimentos, desde que se respeitassem os direitos individuais de
qualquer cidadão, porque a terra era vista como uma fonte de Deus.
Assim a razão nos diz que o veado é propriedade do índio que o caçou; permite que pertençam os bens aquele que lhes dedicou o próprio trabalho, embora anteriormente, como bens potenciais, fossem direito comum a todos (LOCKE, 2005, p.39).
Por outro lado, no estágio de sociedade civil as formas para se obter a propriedade
mudam. Primeiro pela chegada do dinheiro, que se torna um novo instrumento de
compra para quantidades ilimitadas se for do interesse do comprador, e também se
inaugura a idéia daquilo que chamamos de bens imóveis como casas, fazendas,
veículos, enquanto que, no estágio de natureza, a propriedade era conseguida através da
produção humana de ferramentas para caça e do próprio objeto da caça. A diferença
básica entre esses estágios de civilização é que no estágio de natureza existe a limitação
da propriedade pela própria capacidade humana de trabalho, e por seu cumprimento e
ter que obter somente o necessário para sua sobrevivência e que o excedente deve ser
distribuído entre os membros de sua aldeia. No estágio de sociedade, a capacidade de
compra assume um caráter quase que ilimitado para aquisição de bens, e não existe uma
preocupação em repartir essas propriedades com terceiros.
Como foi dito, Locke percebia que, através da propriedade privada baseada no
conceito de cidadania em uma sociedade que possui leis escritas positivas, seria possível
constituir uma vida mais segura e que não colocasse em risco os cidadãos. Temos que
75
perceber que o próprio conceito de cidadania, nesse período na Inglaterra, se refere ao
de propriedade. Em síntese, não existe cidadão sem propriedade e vice-versa.
Outra teoria fundamental da filosofia política de Locke se refere à sua crítica
voraz ao absolutismo monárquico. Para Locke, toda forma de governo em que apenas
um homem detém todos os poderes de ação sobre uma comunidade, um país, acaba
resultando em uma tirania sem precedentes. Locke lança sua filosofia contra o
absolutismo primeiro por uma questão metafísica, pois quando Deus criou a terra não
deu o poder por completo a Adão para fazer o que quisesse, mas sim para trabalhar de
acordo com os seus desígnios.
Todas essas teses político-filosóficas estão inseridas numa vasta rede de seu
projeto pedagógico para a formação do gentleman burguês. Os princípios educacionais
de Locke estavam intimamente voltados para a moral do gentleman. Há uma dose de
críticas a Locke por conta de ter elaborado uma teoria educacional que atendesse a um
demanda social da nascente burguesia inglesa. No entanto, a sua teoria pedagógica está
inserida no contexto histórico inglês do século XVII e começo do século XVIII. O
gentleman é o protótipo ou tipo ideal no modelo Weberiano de um novo tipo de homem
que está surgindo e adquirindo espaço econômico e político. Esse indivíduo precisa de
um molde educacional de valores, costumes e comportamentos que devem ser
adquiridos para o seu sucesso.
Como citado anteriormente, a preocupação de Locke estava mais voltada para a
formação moral, a ética, do que para o conhecimento erudito por si mesmo; estava
relacionada com a vida prática e social desse gentleman em seus círculos sociais. Essa
preocupação se refere principalmente ao âmbito de disputas políticas e religiosas da
Inglaterra do seu período. Segundo Locke seria interessante conviver em uma política
de paz e tolerância religiosa. A sua Carta sobre a Tolerância foi fonte essencial para o
Bill of Rights24 de 1689, como instrumento de respeito mútuo entre as religiões e as
minorias religiosas. Como o próprio Locke define, não deve ser de interesse dos
magistrados civis interferirem nas questões religiosas dos súditos, da mesma forma
ninguém deve ser perseguido ou perder seus bens por diferir de sua concepção religiosa:
24Esse documento foi de extrema importância depois da Revolução Gloriosa 1688, pois com ele o poder do monarca foi reduzido, transformando a Inglaterra em uma Monarquia Constitucional. Esse mesmo documento construiu o modelo da moderna cidadania inglesa, pois determinava que os cidadãos ativos eram aqueles que possuíam renda declarada, criando o modelo de voto censitário. Além disso, definiu uma política de tolerância religiosa entre os grupos dissidentes protestantes e católicos.
76
Em primeiro lugar, sustento que nenhuma igreja é obrigada pelo dever de tolerância a manter em seu seio qualquer pessoa que, depois de continuadas admoestações, ofenda obstinadamente as leis da sociedade [...]. Em segundo lugar, nenhuma pessoa privada tem o direito de prejudicar outra pessoa em seus benefícios civis, seja qual for a maneira, apenas porque ela é de outra igreja ou religião. Todos os direitos e regalias que lhe pertencem, ou como homem, ou como morador, são irrevogavelmente de sua escolha [...]. Em terceiro lugar, vejamos o que o dever de tolerância exige daqueles que são distintos do resto da humanidade, dos laicos como eles gostam de nos chamar, por alguma característica e ofício eclesiásticos, sejam eles bispos, sacerdotes, prebísteros, ministros ou qualquer outra dignidade ou distinção. Para terminar, ninguém, nem um individuo, nem mesmo comunidades tem algum título apropriado para invadir os direitos civis e os bens terrenos dos outros, sob a desculpa da religião. Aqueles que são de outra opinião fariam bem em considerar o quão pernicioso é a semente da discórdia e da guerra, quão poderosa é a provocação de ódios infindáveis, rapina e homicídios que eles têm até aqui fornecido [...] (2007: p, 47-51).
Desta forma, o esquema quatripartite, virtude, sabedoria, educação e
conhecimento é importante na formação ética do gentleman que deveria ser racional,
prudente e capaz de resistir aos mais temíveis desejos. Trata-se do ascetismo25 conforme
discutido por Max Weber na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Da mesma
forma, esse gentleman tem que ser humanitário, afetuoso com os outros homens, e usar
25Segundo Weber a Reforma Protestante foi o evento mais importante para a construção do ascetismo como base do homem moderno. O ascetismo calvinista destacou a importância da disciplina como instrumento de fuga das tentações mundanas e dos vícios. O homem ascético é aquele que valoriza o trabalho ao invés do ócio, que não perde tempo com conversas fúteis, que não dorme mais do que o necessário. A doutrina calvinista de predestinação a autoconfiança é um instrumento de fé e de vocação para o trabalho. O trabalho e a acumulação de capital são fundamentos de dignidade, mas essa dignidade só permanece na medida em que o homem ascético ganha dinheiro para a aplicação na poupança e para o investimento no próprio trabalho e na obra de Deus, e não para demonstrar luxúria, ganância e amor pela riqueza. Isso não significa que calvinistas e puritanos tivessem aversão a todas as formas de lazer mundano, só não aceitavam quando essas atividades atrapalhavam o trabalho ou desperdiçassem grande quantia em dinheiro. Para o estilo de vida puritano o mais importante era a vocação para um ramo do trabalho lucrativo de forma racional. Segundo Weber, existem duas formas de Ascetismo: o innerweltliche e ausserweltliche, que significam, respectivamente, "dentro do mundo" e "fora do mundo". O asceticismo “ extraordinário” refere-se a pessoas que desistem do mundo para viver uma vida ascética (o que inclui monges, que vivem em monastérios, bem como os ermitões que vivem sozinhos). O asceticismo “ordinário” ou laico referem-se a pessoas que vivem de forma ascética mas não se retiram do mundo e de atividades do cotidiano na medida que não atrapalham a sua vocação para o trabalho. Para maiores detalhes consultar A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (São Paulo, Martin Claret, 2002), especialmente os capítulos II (O Espírito do Capitalismo) e IV (Fundamento Religioso do Ascetismo Laico).
77
a prudência como fundamento essencial para evitar a arrogância. O terceiro ponto é que
o gentleman deve possuir hábitos cotidianos vindos de uma boa educação, não provocar
intrigas com os outros, não ter más opiniões sobre eles, não ter maus hábitos, não
demonstrar tanta confiança em si mesmo para não ir contra a modéstia. Além disso,
deve ser suave nos gestos e nos olhares sobre as pessoas, em uma crítica clara à rudeza
da nobreza tradicional. E somente a educação é capaz de gerar essas características:
Llamo prudencia, em su sentido popular, a la cualidade de um hombre que conduce em el mundo sus asuntos com habilidad y previsión. Es efecto de una constitución feliz, de la aplicación del espíritu, y, sobre todo, de la experiencia[...]. Habituar un niño a tener nociones exactas sobre estas cosas, y a no darse por satisfecho em tanto que no lo está; educar su espíritu em los pensamientos grandes y nobles; pornelo em guardiã contra la falsedad y contra la astúcia, que va siempre mezclada com algunos grados de falseadad, tal es la mejor preparación para la prudencia (1986, p.195).
Os fundamentos educacionais de Locke constituem a formação de uma nova
aristocracia através do gentleman que ganha os bons modos do homem cortesão, mas ao
mesmo tempo, usa o conhecimento e a virtude como méritos para justificação e
pertencimento a uma classe social, sintetizando seu objetivo educacional:
Lo que todo caballero que se cuide de la Educación de su hijo desea para el, además de la fortuna que le deje, se reduce(supongo) a estas cuatro cosas: la virtud, la prudencia, las buenas maneiras y la instrucción[...]. Pongo la virtud como la primera y la más necesaria de las cualidades que corresponden a um hombre o a um caballero; porque es absolutamente indispensable para asegurarle la estimación y el afecto de los demás hombres, para que sea agradable, o, al menos, soportable para el mismo. Sin ella no creo que pueda ser dichoso ni em este mundo ni em el outro. Como fundamento de ella, es menester desde muy pronto, imprimir em el espíritu del nino uma nócion verdadera de Dios, presentándole como el Ser independiente y mesmo supremo, como el autor y el creador de todas las cosas, de quien recibimos nuestra dicha (1986, p.189).
No que se refere a quem deve conduzir a educação das crianças Locke é
bastante enfático ao afirmar que a prioridade da formação está com a família, ou seja, a
sua concepção é a de uma educação privada. Apesar de reconhecer a importância do
Estado na construção de escolas e na educação, Locke criticava o modelo pedante que
vigorava em seu país, sem vinculação nenhuma com a realidade inglesa, além de
78
denunciar os abusos de violência contra os alunos. Os princípios e os direcionamentos
educacionais, segundo Locke, deveriam se assentar na “prioridade da formação prático-
moral em relação à intelectual e do critério da ‘utilidade’ das disciplinas a ensinar aos
jovens” (CAMBI, 1999, p.318), da mesma forma que os educadores deveriam
raciocinar como as crianças. No entanto, vale ressaltar que apesar de está formalizado
com a educação infanto-juvenil, a grande preocupação de Locke não é com essa fase do
desenvolvimento do ser humano, como será em Rousseau posteriormente, mas sim com
o futuro do gentleman.
Com relação à formação e ao currículo escolar, Locke terá como grande foco as
disciplinas que possam trazer utilidade para o gentleman em sua conduta moral pela
vida. Por isso, a religião será um dos fundamentos mais importantes com o estudo da
bíblia não de forma completa, mas através de trechos mais compreensíveis levando-se
em conta o desenvolvimento cognitivo e a faixa-etária. Segundo ele, seria inútil ler um
livro tão complexo como a bíblia, muito menos decorar passagens inteiras, mesmo
porque várias delas seriam incompreensíveis para grande parte das crianças:
Para la Bíblia, que se emplea ordinariamente com los niños a fin de ejecitar y desenvolver sus aptitudes de lectores, pienso que la lectura completa e indiscreta de este libro, em la serie de sus capítulos, está tan lejos de ser ventajosa para los niños, lo mismo para perfecccionarlos en la lectura que desde el punto de vista de los princípios de la religión, que quizás sea imposible encontrar um livro peor. Em efecto qué estímulo puede haber para un nino em leer en un libro en que hay tantas partes que no comprende?. Y qué poco se adaptan a la capacidad de los niños las Leys de Moisés, Los Cânticos de Salomón, Las Profecias del Antiguo y del Nuevo Testamento, las Epístolas y el Apocalipsis! Y los mismos cuatro Evangelios, com los hechos de los Apostoles; aun cuando sean más fáciles de comprender, son enteramente desproporcionados a la inteligencia infantil (1986, p.213).
Locke tinha uma grande preocupação com a leitura formal, por achar que ela se
tornara uma tarefa obrigatória e maçante. Para ele era possível transformar a leitura e o
aprendizado em algo divertido, como uma espécie de jogo, em que alguns brinquedos,
como os dados, por exemplo, poderiam ser utilizados para se aprender o alfabeto. A
educação teria que ser transformada em um momento de entretenimento e não em um
processo burocrático em que se obriga ou usa a violência para as crianças continuarem
79
lendo. Por isso, em seu currículo havia também uma preocupação com a prática de
atividades físicas, além dos jogos ao ar livre, natação, esgrima.
Com relação aos estudos de formação humanística Locke refutava, com muitas
críticas, o modelo de ensino aristotélico predominante e, principalmente, o modo como
eram ensinadas línguas como grego e latim. Assim, definiu que, como era um
desperdício de tempo ler, declamar e escrever todos aqueles versos ciceronianos, se
deveria preservar o latim e o grego, mas a escolha para seu estudo se daria apenas no
curso universitário. Em seguida, no currículo vinham os estudos das línguas modernas
como francês e inglês. O inglês era estudado diariamente nas casas através das fábulas
de Esopo e da tradução da bíblia. Após esse estudo das línguas vinham os estudos sobre
aritmética, astronomia, geografia, história e cronologia. Para Locke, o estudo da
cronologia era de muita importância para a geografia e história, para a organização da
memória e concentração do jovem gentleman e homem de negócios. O melhor livro
utilizado para o estudo de cronologia, segundo Locke, era o tratado de Strauchius26
intitulado Brevianirum Chronologicum, uma grande síntese de cronologia com as mais
célebres personagens de eras históricas.
E, sobre a história, Locke faz um grande elogio, afirmando que se trata da forma
de conhecimento que mais atrai os jovens por mostrar toda a parte civilizada do mundo.
Para Locke, a cronologia ajuda a combater qualquer confusão histórica que a criança
venha a fazer em seus estudos, e recomenda textos de autores mais fáceis e
compreensíveis para, em seguida, partir para textos mais difíceis da historiografia latina:
26Egidio Strauchius (1632-1682) foi matemático, filho do professor de Direito e membro do Conselho Eleitoral, Johann Strauch, nascido em 21 de fevereiro 1632 em Wittemberg. Já em 1646 participou de conferências na Universidade de Wittemberg e trabalhou nas áreas de história, matemática e línguas orientais. Em 1649 ingressou na Universidade de Leipzig, onde continuou seus estudos de língua e se dedicou ao estudo da teologia. Em 1650 voltou para Wittemberg e recebeu, em 29 de abril de 1651, o grau acadêmico de mestrado em filosofia. Em 13 de outubro de 1662 se tornou doutor em teologia e, em 1666, foi nomeado assessor da Faculdade de Teologia na Universidade de Wittemberg. Era freqüentemente envolvido em disputas teológicas, tanto com os católicos romanos e quanto com os calvinistas, a partir de seu zelo destemperado em favor do Luteranismo. Morreu em Wittemberg em 1682. Publicou vários trabalhos matemáticos, mas foi principalmente distinto por suas dissertações cronológicas e históricas, de que publicou um número considerável entre 1652-1680. Richard Um dos melhores e mais úteis, o seu Breviarium Chronologicum, era muito conhecido no país por três edições (com melhorias em cada) a partir de uma tradução em inglês. O elogio a este trabalho, provavelmente introduzido como um manual útil de cronologia, deveu-se ao fato de que o próprio Locke o considerava o melhor publicado até então. Fonte: http://de.wikipedia.org/wiki/Aegidius_Strauch_II. Acesso em 10 de julho de 2011.
80
Nada enseña, ni nada deleita tanto, como la historia. De estos dos méritos, el primero es uma razón para que se recomiende su estúdio a los hombres hechos; el segundo, me hace pensar que la historia es la ciência que más conviene al espíritu de los jóvenes. Poned em sus manos algún historiador latino desde que hayan hecho conocimiento com las épocas históricas que es costumbre distinguir en esta parte civilizada del mundo[...].Una vez que , mediante lecturas continuas, llegue a dominar los más fáciles, tales, quizás, como Justino, Eutropio, Quinto Curcio, etcétera, el grado siguiente no le producirá gran pertubación; y así mediante un progreso gradual, después de haber leído los historiadores mais claros y más fáciles, llegará a leer los más dificiles y los mais sublimes escritores latinos, tales como Cicerón, Virgilio y Horacio (1986, p.241).
Que importância o modelo educacional de Locke traz para a história? Primeiro,
um novo grupo social que estava a ascender ganha um projeto de educação para não
somente conviver com os outros grupos sociais, mas ser aquele que dominará a
Inglaterra posteriormente, isso constitui o tipo de modelo de educação burguesa,
evocando a sua consciência de classe. Segundo, em termos epistemológicos, de buscar a
centralidade na educação com a utilidade das coisas baseada na experiência. Terceiro,
que o seu modelo de tipo gentleman não incorporava as camadas sociais mais baixas.
Locke defendia que os filhos de pessoas mais pobres deveriam estar em escolas de
trabalho dos três até os quatorze anos de idade para aprender a exercer algum tipo de
oficio, e que assim as mães ficavam livres para o trabalho. Em quarto foi uma
importante e sistemática teoria educacional que defendeu e respeitou processos
psicológicos e a limitação cognitiva das crianças, com uma doutrina de disciplina moral,
ética e prudência baseada na experiência, com a sua filosofia natural que ajudou a
formar o estereótipo cultural do moderno homem de negócios e cavalheiro, dócil e de
bons gestos, que influenciarão bastante Adam Smith e David Hume na Inglaterra, bem
como a França ilustrada do século XVIII, através de Voltaire e Rousseau, e também na
Alemanha com a filosofia crítica de Kant.
3.3. A educação nas bases das luzes do século XVIII
O século XVIII foi um dos mais importantes para a história da sociedade moderna
e para a Europa mais especificamente. Foi, sem sombra de dúvidas, o período de
mudanças mais radicais no que se refere à ordem econômica, política, social e
educacional. Esse século certamente foi o maior divisor entre o mundo moderno e o
81
mundo contemporâneo. A sociedade burguesa lançava suas apostas para definitivamente
quebrar os resquícios do feudalismo e da sociedade das três ordens. O capitalismo já
tomava a forma do que viria a ser no globo com a Revolução Industrial na década de
1760 na Inglaterra. O século XVIIII foi um século de reformas. Reformas essas que já
haviam alcançado um determinado nível na Inglaterra do século XVII com as
Revoluções Inglesas. A França do século dos filósofos Voltaire, Rousseau,
Montesquieu, Diderot lançará propostas das mais variadas para a elaboração de uma
nova forma de Estado. Apesar de suas divergências, um ponto comum foi estabelecido
entre eles, a crítica do Antigo Regime.
É exatamente essa crítica que será uma das grandes peculiaridades desse período.
Os filósofos iluministas, moderados ou radicais, lançarão suas apostas na crença do
progresso material humano e no progresso moral através da educação e da leitura. Os
iluministas lançaram a educação como a única e legítima realidade reformadora da
sociedade, da política, da religião e dos valores de uma forma geral. Desta forma de
organização social é que os embates sobre os direitos naturais do homem se tornam
direitos universais. O mérito, no campo intelectual ou nas artes e nos ofícios, é o ponto
de mudança individual e social do período, e não as velhas garantias baseadas nos laços
sanguíneos. Esse novo homem que surge com essas propostas de mudança é o homem
das letras. Os intelectuais passam a ser os porta-vozes entre a sociedade civil e o poder.
Os princípios de autonomia trazidos pelo conhecimento filosófico e científico serão
levados até as últimas circunstâncias com a Revolução Francesa. A educação se
modificará, transitando de um modelo secular clerical para um modelo de laicização
progressiva, na mesma medida em que os livros passam a circular mais nos meios
acadêmicos e também na casa das pessoas comuns. O livro, que se tornou um
importante modelo de civilidade para a Modernidade, passa a carregar também as
aspirações de uma geração de pensadores que conceberam o conhecimento como o
princípio de uma nova forma de organização social. O intelectual desse período sai de
seu gabinete e passa a participar das questões políticas, esgrimindo os argumentos da
razão e da experiência, e não da educação pedante que tem o saber para si mesmo e não
para a construção do bem comum. Desta forma, o intelectual tem, acima de tudo, o
papel de esclarecer as massas em sua condução para uma cidadania mais ampla.
82
3.3.1. A laicização e o mundo dos livros para a formação
O século XVIII foi responsável por um grande crescimento do número de livros
em circulação e também das práticas de leituras, como bem afirma Chartier em Leituras
e Leitores na França do Antigo Regime (2003), que demonstra que as leituras e os
livros podiam possuir várias formas e estilos. O livro, nesse período, ainda era um
objeto bastante caro, que muitas pessoas não tinham condições de comprar. Assim,
muitos adotaram o empréstimo como forma de obter acesso às leituras ou, então,
passaram a freqüentar bibliotecas públicas e gabinetes de leituras que permitiam esse
acesso coletivo. De qualquer forma, mesmo a baixa condição social e o restrito acesso
aos livros não foram suficientes para impedir que essa nova cultura, vinda através da
leitura e da pedagogia iluminista, se propagasse nas vidas das pessoas e na construção
de um novo imaginário social. O próprio Chartier (2003) mostra em estudo documental
sustentado na análise de inventários e testamentos, que a leitura na França no século
XVIII era bastante difundida se comparada ao período medieval. Também percebeu
que, na França, a leitura no seio dos grupos que pertenciam ao chamado “Terceiro
Estado” cresceu gradativamente, principalmente no interior e nas cidades localizadas ao
oeste francês. Em Lyon, por exemplo, os inventários mostram que 48% dos burgueses
possuíam livros, da mesma forma que 42% de comerciantes e negociantes. Apesar de,
como já foi dito, o livro ser um item caro nessa região de Lyon, por volta, de 70% de
operários e padeiros e 65% de sapateiros sabiam ler e escrever seu nome (CHARTIER,
2004, p.179). Em Paris os dados se apresentam de forma bem diferente e a educação era
bastante limitada à aristocracia devido ao predomínio das escolas comandadas pelos
jesuítas que reforçavam os princípios do Antigo Regime, o absolutismo e os privilégios
feudais.
Esse impacto de mudança em algumas regiões também tem responsabilidade na
laicização da educação e da interpretação da realidade pelos fatos e pelas origens das
coisas como era o projeto de jusnaturalistas como Locke e Rousseau. No século XVIII
os chamados livretos faziam bastante sucesso e, dirigidos ao povo, eram bastante
didáticos, pois eram simples, possuíam uma média de 24 páginas, compondo uma
leitura bastante informal. Como as escolas ainda, em muitos lugares, estavam passando
por reformas e discutindo a ampliação e socialização dos estudos, os camponeses em
grande parte liam com dificuldade utilizando o recurso da oralidade com pausas para se
83
entender o significado das palavras. A chamada “leitura completa”, ou seja, aquela que
não utiliza o recurso da oralidade como complemento, somente será utilizada no século
XIX pelos netos e bisnetos desses camponeses. As dificuldades não tiram o impacto
dessas leituras que falavam sobre coisas cotidianas, o comportamento social, os fatos
relevantes para as pessoas. Tais práticas tiveram consequências importantes no
cotidiano como aponta Steven Roger Fisher:
Apresentando conteúdos de literatura de evasão, introduções a etiqueta e ao comportamento geral sobre o mundo e seus fatos marcantes, essas publicações baratas e curtas continham capítulos breves que condensavam as narrativas na linguagem mais simples e atualizada possível para que fossem compreendidas de modo imediato. [...] Ainda assim, a maior parte do público dos livretos tinha dificuldade nessa leitura. Camponeses franceses aprendendo a ler durante a Revolução Francesa, por exemplo, isolavam-se com um desses livros durantes horas a fio, movendo os lábios palavra por palavra durante a leitura e refletindo por muito tempo sobre cada frase. Sabe-se que esses mesmos camponeses recitavam, muitas vezes de cor, extensos trechos desses livretos, revelando quanta memorização e tradição oral ainda estavam arraigadas ao processo inicial de alfabetização (2006, p.237).
Esse período também foi caracterizado principalmente pela gradativa mudança
da educação que, antes, estava sob controle absoluto da igreja e passa para o controle
dos Estados Nacionais. As obras dos pensadores Iluministas disseminaram os chamados
direitos naturais do homem compartilhando um espírito que estava além do humanismo
renascentista. O espírito iluminista é o espírito do humanismo filantrópico.
Fatores como o estudo e a discussão sobre a origem e a natureza dos governos
civis e o detalhamento da discussão sobre os direitos do indivíduo são importantes para
a constituição de leis naturais, baseadas no conceito de lei de Isaac Newton, para
inclusive modificar o perfil dos governantes. Os reis absolutistas, sob a influência dos
intelectuais, começam a implantar reformas políticas, econômicas e também
educacionais. Esse espírito de filantropia por parte dos filósofos não significa que a
sociedade francesa precisaria passar por profundas transformações, lógico com as suas
devidas exceções. Além do mais, muitos filósofos alimentavam uma desconfiança cética
em relação a um possível aprofundamento na democratização e as reformas
republicanas. Da mesma maneira, a educação, nesse período, terá dois propósitos, como
muito bem frisou Rousseau: serve para a formação do homem em si, e, por outro lado,
84
serve para a formação de cidadãos, modelo hegemônico no período da Revolução
Francesa e principalmente no da formação do Estado nacional francês do período
napoleônico em diante.
O que de fato chama atenção nesse momento histórico é que o papel do intelectual
sai de vez do mundo das idéias, para se colocar ou ao serviço do poder dominante ou do
povo. Os intelectuais tornam-se agentes sociais promotores não só do saber erudito, mas
também de transformação para a posteridade:
Nasce o intelectual contemporâneo com seu papel decisivo e central na sociedade, com a sua função educativa de promotor do progresso, mas também do amortecedor de conflitos sociais, dos contrastes de grupos ou de ideologias. A sua função educativa, de fato, mostra-se dupla: estimula ao novo, difunde suas sementes ideais, promove seus mitos modelos, slogans etc., como também faz convergir as massas para o poder, assumindo o papel um tanto paternalista da educação social (CAMBI, 1999, p.325).
Esse papel de autonomia que os intelectuais passaram a exercer foi extremamente
importante para o processo de laicização ocorrida, por exemplo, na França, depois de
1750. A educação abandonará o modelo aristocrático a partir de 1763 quando os jesuítas
são retirados de parte do controle das escolas. Quando esse fato começa a ocorrer a
educação francesa passa por uma nova fase. Deixa de ser uma educação secular cristã, e
passa a ser genuinamente nacional, atendendo aos interesses do estado francês e
incluindo os vários segmentos sociais, inclusive o “3º estado” (pequenos e médios
burgueses, trabalhadores urbanos e camponeses). Os filósofos iluministas rapidamente
se lançaram nas trincheiras elaborando fundamentos de como deveria ser essa nova
educação. O marco inicial nesse projeto é elaborado por Louis René de La Chalotais
que, em 1763, publicou seu Ensaio de Educação Nacional que discutia os pressupostos
de uma educação estatal que tinha a finalidade de formar o cidadão civil, ao mesmo
tempo em que criticava os colégios que adotavam a pedagogia eclesiástica retórica e
defendia um modelo de escola moderna que trouxesse conhecimentos voltados para a
organização técnica que a sociedade moderna francesa então precisava.
De qualquer forma, a batalha contra o clero no campo educacional não foi nada
fácil, pois grande parte das escolas ainda adotava o modelo jesuítico e os pensadores
católicos, em reação, procuraram organizar um pensamento e um modelo de escola anti-
iluminista. Isso mostra o quanto, mesmo com o avanço das reformas trazidas pelo
85
Iluminismo e pela Revolução Francesa, as principais forças políticas e econômicas na
França eram bastante conservadoras.
Porém, mesmo nesse embate de forças, os ilustrados lançaram alguns fundamentos
como âncora de sustentação do projeto educacional. Os ilustrados defendiam que, de
qualquer maneira, a educação fosse retirada das mãos da igreja e controlada pelo
Estado, da mesma forma que deveria ser universal e gratuita para o nível primário.
Diderot, um dos mais radicais, defendia que a educação deveria ser gratuita até o ensino
superior. Para os iluministas, a educação nesse momento possuía novos objetivos, tais
como a valorização dos aspectos cívicos, da fraternidade do espírito nacional e a
formação de cidadãos instruídos e justos que se tornariam os quadros indispensáveis
para as repartições do Estado. Os currículos escolares foram duramente criticados
exigindo mais livros de textos escolares e valorizando o estudo, principalmente, das
ciências naturais, da história e geografia geral e local.
O que podemos traduzir como importante do modelo de educação francesa é que
se trata de um sistema incentivado pelo Estado. Traduz a importância de criar
mecanismos de uma educação de qualidade que permitisse a liberdade do ensino com
sua consequente universalização em que várias classes sociais participam desse
processo, além de uma ampliação dos níveis de estudo que se estende da escola primária
até a Sociedade Nacional de Ciências e Artes.
O caso inglês no século XVIII é bastante curioso, pois a Inglaterra, nesse período,
não adotará um sistema unificado de educação. Mesmo tendo resolvido seus problemas
políticos entre nobres e burgueses na Revolução Gloriosa de 1688, e em seguida ter
lançado o Bill of Rights que, em um dos artigos, estabelecia a tolerância religiosa e o
respeito mútuo entre diferentes congregações, vários setores das tradições dos puritanos
e anglicanos não aceitaram uma educação totalmente laica. Os pressupostos
educacionais na Inglaterra indicam que “os líderes religiosos de todas as seitas se
atinham irredutivelmente a duas proposições. Primeira: a educação é inseparável da
instituição religiosa e não deve, sob qualquer circunstância, ser secularizada pelo
Estado. Segundo: O ensino de religião não pode ser confiado ao Estado” (EBY, 1976,
p.323). A própria intelectualidade britânica, laica e ilustrada, era contra um modelo de
política educacional estatal. Adam Smith, David Hume, Blackstone, todos eles eram
contra esse modelo.
86
No mais, a Ilustração inglesa concentrou muitos de seus esforços na evolução das
forças produtivas capitalistas e na tecnologia. Não houve, como na França, um tipo de
ilustração que questionasse paradigmas ancestrais como religião, fé ou mesmo a
existência de Deus. Os ingleses, inspirados pelo utilitarismo empirista de Bacon junto
com o racionalismo de Descartes, implantaram o sistema mecanicista formulado por
Newton. Desta forma, a aliança filosófica entre religiosidade e ciência gerou o modelo
de deísmo inglês, que conviveu, na maior parte do tempo, pacificamente com as outras
correntes do período e influenciou bastante o pensamento e a educação ilustrada
francesa. Esse modelo de concepção deísta de educação pode ser assim apresentado:
o sistema celestial newtoniano revelou que o universo físico é inteiramente mecânico. Nenhuma energia é destruída e nenhuma nova energia é criada. Essa ordem material está sob a lei absoluta de causa e efeito. Não há portanto, possibilidades de milagres e quem ensinar de outra maneira está ludibriando o povo. Espíritos inteligentes não podem aceitar a noção de uma divindade interferindo no mecanismo da natureza (EBY, 1976, p.323).
Esse misto de religião natural e ciência era a moda inglesa que durou pelo menos
uns dois séculos e foi importante nas escolas e universidades. As leituras inglesas,
influenciadas por essas seitas religiosas reformadas como os metodistas, atingiram
várias camadas sociais, inclusive os camponeses. Entre as principais leituras havia os
periódicos e os romances que faziam muito sucesso entre os trabalhadores. Obras de
ficção como Robson Crusoé de Daniel Defoe e as Viagens de Gulliver de Jonathan
Swift eram livros que venderam milhares de exemplares em formato resumido, como
livretos.
No entanto, o processo da Revolução Industrial seria responsável por modificar
não somente o quadro das forças produtivas e econômicas, mas também o quadro social.
Na medida em que a Revolução Industrial avança o trabalhador passa a ser mais
explorado, mais dependente da disciplina fabril e sem condições de se educar, entre
outros fatores por conta das longuíssimas jornadas de trabalho. Nesse aspecto, vários
intelectuais, poetas e filantropos criticarão todo esse modelo de relações de trabalho e
denunciarão principalmente o trabalho infantil que impedia que muitas crianças
frequentassem as escolas.
Como foi citado, uma das peculiaridades da educação inglesa foi a falta de um
sistema educacional implementado pelo Estado. Por esse tipo de conduta, grande parte
das escolas, sociedades de ciências e artes, como a Royal Society que teve Newton como
87
presidente, eram organizadas através de donativos. Eram as chamadas escolas de
caridade financiadas, em geral, por homens ricos com algum espírito de filantropia ou
por sociedades beneficientes. As escolas dominicais surgidas no ápice da Revolução
Industrial são exemplos dessa iniciativa. Frederick Eby apresenta uma dessas
iniciativas:
Robert Raikes, editor em Gloucester, concebeu a ideia original de que a instrução poderia ser ministrada a crianças que trabalhassem sem perda de salários, utilizando o único feriado que tinham na semana, o domingo. Em 1780, abriu a primeira escola de caridade comum na qual os estudos seculares, leitura, escrita, numeração e soletração eram ensinados juntamente com a instrução religiosa costumeira, o canto de hinos, catecismo e as escrituras (1976, p.324).
O quadro de exploração do trabalhador e das famílias pelo sistema fabril, os
pulmões capitalismo industrial, fez com que alguns capitalistas se preocupassem com a
crescente desordem social provocada pela pobreza da população que teve como
consequência o alcoolismo, a devassidão, a inépcia e a ignorância que resultou na
formação de uma grande massa de analfabetos e pessoas sem instrução formal.
Os ingleses tentaram resolver esses problemas com os chamados sistemas
monitorais. Essas escolas de caridade davam a oportunidade para crianças pobres que
não tinham condições de obter educação elementar. Como a massa de crianças era
enorme esses sistemas tiveram dificuldade de se desenvolver por conta das altas
despesas (já que dependiam dos donativos) e também pela falta de professores. Desta
forma, para tentar resolver esses problemas os professores ensinavam as lições aos
meninos que tinham melhor desenvolvimento separadamente dos demais, e
consequentemente, esses meninos eram monitores dos outros tantos garotos aplicando
as lições do mestre. Esse método em seguida ficou popular como o chamado método de
Lancaster. Outra tentativa nesse contexto de ilustração inglesa e Revolução Industrial
em fins do século XVIII e começo do XIX foram as tentativas dos socialistas utópicos.
Robert Owen (1771-1858) buscou amenizar as tensões do sistema capitalista criando
um sistema de escolas gratuitas para os trabalhadores e crianças dos cinco aos dez anos
de suas fábricas. Nessas escolas se ensinava noções e valores de higiene e tolerância
religiosa. A sua visão e tentativa de humanização do capitalismo, buscando a
reconstrução de uma sociedade mais justa, foi descrita na obra Uma Nova Visão da
Sociedade ou Ensaios Sobre a Formação do Caráter Humano, de 1813, em que
88
depositava esperanças tanto na regeneração da sociedade capitalista como da natureza
humana. Depois, outras escolas surgiram como a Infant School Society (Sociedade da
Escola Pré-Primária), em 1824, a British and Foreign School Society (Sociedade
Escolar Britânica e Estrangeira), além de escolas nas regiões da Irlanda e Escócia.
Em suma, o que podemos afirmar de inovações e consequências trazidas pela
laicização das escolas do século XVIII como uma das grandes bandeiras do
Iluminismo? Franco Cambi aponta três renovações nesse processo: 1) No nível da
organização, dando vida a um “sistema escolar” orgânico e submetido a controle
político articulado em várias ordens e graus; 2) No nível de programas de ensino,
acolhendo as novas ciências, as línguas nacionais, os saberes úteis e afastando-se
nitidamente do modelo humanístico de escola e, 3) No nível de didática, dando lugar a
processos de ensino e aprendizagem bastante inovadores, mais científicos. Além do fato
de que, apesar de todas as contradições trazidas pela Revolução Francesa, pela
Revolução Industrial e pelo próprio Iluminismo, elas foram importantes para um maior
desenvolvimento educativo e dos recursos para a educação e leitura como a difusão dos
livros e jornais e aumento expressivo de leitores na Europa e também em outras regiões
do globo. Além da grande função e influência que o intelectual passa a exercer na
modernidade.
3.3.2. A Educação Pública em Condorcet
Para quem não conhece sua obra, Condorcet geralmente é colocado como um
filósofo de segundo escalão na plêiade dos iluministas. A sua menor fama em relação a
Voltaire, Montesquieu e Rousseau, no entanto, não o coloca em importância menor.
Pelo contrário, sua obra tem uma relevância descomunal para a educação pública da
França e do Ocidente. Seu nome de batismo era Marie Jean Antonie Nicolas Caritat,
nascido em 17 de setembro de 174327. De família nobre, ganhou o título de Marques de
Condorcet. Sua formação foi em uma escola jesuíta em Reims e recebeu uma educação
científica rigorosa no Colégio de Navarra, na Universidade de Paris. Formado em
matemática e filosofia sua pesquisa inicial foi nas áreas de cálculo e teoria das
probabilidades, e mais tarde tentou aplicar matemática para o estudo do comportamento
27Os dados sobre a vida e a obra de Condorcet foram retirados da Apresentação do livro Cinco Memórias Sobre a Instituição Pública. Tradução Maria das Graças de Souza. São Paulo, Editora da Unesp, 2008.
89
humano e organizações políticas a fim de criar uma "aritmética social do homem". Seu
Ensaio sobre a aplicação da matemática à teoria da tomada de decisões (1785) foi uma
tentativa de mostrar como a matemática da probabilidade poderia ser usada para fazer
da tomada de decisão política algo mais racional e, portanto, mais esclarecido. No
entanto, sua atuação mais importante para a educação se deu na conjuntura da
Revolução Francesa.
No começo do movimento, Condorcet editou uma revista em que publicou um
ensaio intitulado Sobre a admissão de mulheres para os direitos de cidadania, em 1790.
Eleito para representar Paris na Assembléia Legislativa, em 1791, rompeu com os
liberais moderados, juntando-se aos republicanos moderados Brissot e Thomas Paine na
demanda pelo fim da monarquia e pela introdução de uma Constituição republicana.
Serviu na Comissão da Instrução Pública da Assembléia Legislativa e escreveu, em
abril de 1792, seu famoso Relatório sobre a educação, de que trataremos adiante.
Condorcet também foi membro da Convenção que discutiu qual punição o rei Luís XVI
deveria sofrer. Ele votou pela deposição do rei, mas foi contra a sua execução.
Em fevereiro de 1793 Condorcet apresentou um plano de instrução na Convenção
Constitucional com base em sua idéia de usar a matemática para criar um plano nacional
de ensino. Quando líderes Girondinos foram expulsos da Convenção, Condorcet
protestou e, em seguida, teve que se esconder por conta de suas ideias para evitar a
prisão. Nesse periodo escreveu uma de suas obras mais importantes, Esquisse d'un
tableau historique des progrès de l'Esprit humain (1795) que mostra, em primeiro lugar,
como os seres humanos têm sido capazes de melhorar sua situação ao longo dos séculos
através do uso de razão, tecnologia e liberdade, e em segundo lugar, como num futuro
próximo uma verdadeira utopia liberal poderia ser criada. Em março de 1794 deixou seu
esconderijo e logo foi preso, morrendo na prisão após dois dias de cativeiro em
circunstâncias controversas, por conta de um possivel suicídio ou de um assassinato
pelos próprios Jacobinos.
Um dos motivos que qualificam Condorcet como um dos grandes pensadores do
Iluminismo é a sua preocupação com a educação. Intelectual orgânico e atuante na
Revolução Francesa, quando foi nomeado presidente do Comitê de Instrução Pública da
Assembléia Legislativa Francesa buscou criar um modelo de educação mais
democrático e liberal para praticamente todos os estratos sociais. Esse plano buscava
90
melhorar todos os indicadores sociais e econômicos, como também criar finalmente um
modelo de educação do qual o Estado fosse o principal instrumento de suporte.
O Plano de Instrução Nacional, como ficou conhecido, foi um Relatório
elaborado por Condorcet e discutido na mesma Assembléia Nacional Francesa, em
1792. Trata-se de um documento que, se não teve a atenção merecida por conta do
fervor, das disputas e das mudanças constantes da Revolução Francesa, teve um papel
importantissimo no século XIX na reorganização do Estado Nacional Francês e se
tornou uma referência transnacional atingindo boa parte do continente europeu e a
América Latina. O eixo condutor desse Relatório era a defesa de uma escolarização
laica, pública, gratuita para ambos os sexos e universalizada. De caráter republicano, o
plano de Condorcet propunha diminuir ao máximo possível as desigualdades através da
educação, compreendida como o instrumento para diminuir as diferenças materiais e
morais pois, “o dever da sociedade relativamente à obrigação de estender de fato, tanto
quanto for possível, a igualdade de direitos, consiste, por conseguinte em propocionar a
cada homem a instrução necessária a exercer as funções comuns de homem”
(CONDORCET, 2008, p.21). A ideia de desenvolvimento, em Condorcet, está
associada a bem estar social porque o poder público deveria criar e multiplicar os
mecanismos necessários para a aquisição de conhecimentos e oficios úteis para a
sociedade.
Em sua obra Cinco Memórias Sobre A Instrução Pública desenvolveu toda a
organização da educação contemporânea. Publicado em quatro partes em números de
jornais em 1791 foi a base de sua apresentação na Assembleia Nacional em 1792. Seu
eixo central se sintetiza nos princípios do acesso universal, gratuidade e independência.
Nessa obra sistematizou suas ideias que tratam desde o momento correto das crianças
frequentarem as escolas, de como os professores devem ser escolhidos e pagos, da
divisão de instrução educacional em graus, da escolha de livros para a alunos e
professores e do currículo escolar. Em síntese, os aspectos pedagógicos, estruturais e até
mesmo burocráticos foram pensados por Condorcet nessa obra. Nas Cinco Memórias
Sobre A Instrução Pública vamos começar o estudo a partir da segunda memória que
remete mais ao sentido de educação na prática que está no foco de nosso estudo.
Nesta segunda memória o autor se preocupa com a organização educacional
destinadas àss crianças, adolescentes e jovens adultos dividindo o ensino em primeiro
grau: escolas primárias; segundo grau: escolas secundárias; terceiro grau: institutos, e
91
depois liceus e Sociedade Nacional das Ciências e das Artes. Na escola primária, os
anos escolares são divididos de primeira a quarta série. Nesse período é fundamental
que os alunos assimilem as primeiras ideias morais, a questão da cidadania e com a
memória cívica, através de festas e feriados nacionais, reforcem os grandes feitos
trazidos pela revolução. Os livros também ganharam destaque, pois Condorcet, no
relatório, pediu que houvesse obras específicas para as escolas nos três primeiros graus
de ensino. A escolha caberia ao poder público com uma espécie de concurso para
definir os autores dos livros, principalmente daqueles voltados para o ensino primário e
o secundário.
Com relação específica às séries, cada uma possuía funções técnicas particulares,
por exemplo, para a primeira série a função mais importante era ensinar a ler e a
escrever de forma relacionada e contínua. Os livros deveriam possuir palavras
acessíveis à idade das crianças com frases mais simples e com histórias morais que
despertassem sentimentos de respeito e piedade em relação à natureza, aos animais e ao
próprio homem. Na instrução para a segunda série as histórias morais continuariam a ser
um dos temas importantes, mas com uma reflexão maior que nos livros do primeiro ano.
Ou seja, os conteúdos eram basicamente os mesmos, porém os livros do segundo ano
ganhariam mais detalhes e utilidades mais práticas, principalmente no ensino de
aritmética que era sempre privilegiada por ele. Na instrução para a terceira série são
inseridos o ensino de história natural e de noções básicas e práticas de geometria:
os alunos serão levados aos elementos da Agrimensura, que serão desenvolvidos de modo suficiente a torná-los capazes de medir um terreno, não pelo método mais cômodo e com as simplificações usadas na prática, porém por um método geral cujos principios sejam dificeis de esquecer, de sorte que a falta de uso não impeça que possam empregá-lo quando tiverem necessidade. As crianças seriam exercitadas a práticar no terreno, seriam também exercitadas a fazer figuras, seja com uma régua e o compasso, seja à mão livre (2008: 91).
A partir da quarta série os princípios morais passariam a ser estudados através de
pequenos manuais simplificados com influência na conduta social, assim como seria
estudado um resumo sobre a história natural do seu país.
Condorcet demonstra um grande interesse pela elaboração de um método de
ensino adequado para uma aprendizagem que se preocupasse mais com a formação de
92
ideias através de um método descritivo da leitura ao invés de exercitar a memorização,
pois “não exercitaremos as crianças a aprender muito de memória, mas faremos que
relatem a história, a descrição que acabam de ler, o sentido da palavra que acabaram de
escrever e por esse meio aprenderão a reter as ideias, o que é melhor que repetir
palavras” (CONDORCET, 2008, p.95). Com relação à metodologia de trabalho dos
professores Condorcet propôs mudanças que servirão até os dias atuais, como o
interesse em criar um livro para o professor. Esse livro tem muitas características
parecidas com os livros didáticos atuais, pois eles tem a função de acompanhar aqueles
que são dados aos alunos como também, em termos estruturais, serviriam como uma
padronização e maior equidade de ensino entre escolas diferentes. No entanto, para
Condorcet existem três motivos básicos e importantes para a existência desses livros
que deveriam conter:
1- observações sobre o método de ensino; 2- esclarecimentos necessários para que o professor tenha condições de responder as dificuldades que os alunos podem propor, às perguntas que elas podem fazer; 3- definições, ou melhor, análises de algumas palavras empregadas nos livros postos nas mãos das crianças e das quais é importante lhe dar ideias precisas (2008, p.79).
Essas características estão bem explícitas no livros didáticos da atualidade em que
há sugestão de atividades para a condução das aulas, assim como um manual de
respostas e palavras-chave que o professor pode utilizar como consulta para tirar as
dúvidas dos alunos que por ventura venham a aparecer. O importante nessa questão dos
livros é que Condorcet concebe a ideia de que os livros são importantes para a instrução
das pessoas, principalmente para aquelas que só terminaram os dois primeiros graus de
instrução. Porém, o livro não é o principal meio de instrução e de método de ensino. Ele
não é um facilitador do trabalho do professor como queria Comenius, e o professor em
sua ótica não possui a obrigação de ensinar tudo e muito menos responder todas as
questões que são colocadas pelos alunos. Para Condorcet, o livro é um dos instrumentos
de auxílio nos estudos, e no mais, quanto mais se estuda mais se deve buscar livros
diferentes para se buscar novos olhares além das opinões formadas que os livros trazem,
pois na sua ótica os livros ainda possuem o defeito de trazer muitos conceitos abstratos
que não possuem articulação com as coisas “reais”.
O modelo de ensino de Condorcet é baseado na experiência sensível, a descrição
de um objeto só tem sentido para quem já tem conhecimentos reais sobre aquele objeto,
93
ou seja, “a descrição de uma máquina ou de uma planta, o relato de uma experiência
química não substituem a visão da máquina, nem da planta, nem da experiência, a não
ser para aqueles que já tem conhecimentos reais da mecânica, da química”
(CONDORCET, 2008, p.175), e os livros deveriam adotar o mesmo sentido: as coisas
antes das palavras. E temos que entender que existe uma diferença entre os livros que
são estabelecidos por meio de um consenso pela instrução pública para as instruções dos
três primeiros graus, e os livros que são estudados nas academias de ciências que
possuem uma maior independência de escolha do professor. Em suma, os livros não
podem, não devem e não conseguem ser o agente definidor na circulação do
conhecimento na educação, pois:
Por mais bem feito que seja um livro, ele não terá nunca senão uma semi-utilidade, se aquele que o lê não sabe encontrar num outro um esclarecimento do qual tem necessidade, procurar uma palavra num dicionário, um objeto numa tabela, um lugar num mapa, uma época num quadro cronólogico, ou seguir uma descrição sobre uma prancha. Isso ainda não é tudo: pode-se responder que um homem só lerá obras elementares que contêm apenas verdades? É preciso, pois, ensiná-lo a ler outros livros, a aplicar seus raciocínios e as máximas aos princípios sobre os quais já tem opinião formada, a não tomar de modo literal as figuras de estilo nem os exageros de ideias (CONDORCET, 2008, p.175).
Para o ensino do segundo grau de instrução Condorcet propõe uma divisão do
curso em dois módulos: o primeiro entendido como uma continuação do que foi
estudado no primeiro grau de instrução, com duração de quatro anos. Enquanto que o
segundo seria uma especialização do estudo das ciências particulares com duração de no
máximo dois anos. Esse currículo é um tipo de instrução comum em que todos os
alunos devem passar com um curso básico de matemática, história natural, física e
também alguns princípios de ciência política. Nesse momento o ensino das ciências
começa a ganhar um corpo docente de especialistas da mesma forma que ocorre a partir
do Ensino Fundamental II28 em nossa sociedade. Para Condorcet, é necessária uma
divisão com quatro professores sendo um para as ciências morais e políticas, outro para
matemática e física na parte de cálculo, um terceiro para as ciências físicas no estudo
28Essa aproximação da divisão de ensino proposta por Condorcet com o nosso sistema de ensino é apresentada por Carlota Boto no trabalho Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita: O Relatório de Condorcet (In: Educação e Sociedade. v.24, n.84. Campinas, 2003, p.735-762).
94
de observação e, por último, um professor para o ensino de história e geografia política
e que o mesmo professor se encarregasse de ensinar gramática. A teoria e método de
ensino devem privilegiar o mundo prático e social com o intuito de esclarecer os alunos,
ajudando a construir novas ideias, mas também deve prepará-los para o mundo do
trabalho, seja ele no campo, na cidade ou nas indústrias.
Condorcet se arrisca a criar um esboço de como deveria ser o ensino de história e
geografia. Essa formulação tem uma grande influência de sua formação em matemática,
pois para ele, o estudo da história deveria obedecer um quadro cronológico de forma
exata com o período de ocupação humana no globo, com o nome dos principais homens
da história, primeiro os grandes exemplos do passado como Plutarco e depois a vida dos
modernos com enfâse nos chamados patriotas. Desta forma ele aplica a sua chamada
“matemática social” através do uso da cronologia para a organização dos fatos
históricos, e também para o estudo de todas as ciências através desses quadros para a
didatização ou matematização do conhecimento de forma exata e uniforme:
Limitar-me-ei aqui a dizer que será útil compor um quadro para cada gênero de ciência, a fim de que cada aluno possa, por esse meio, rever de uma só vez e se lembrar do que foi lhe foi sucessivamente ensinado, abarcar desse modo o resultado de sua instrução inteira, e poder torná-la presente para si em qualquer momento. Acrescentarei que o ensino da Geografia e da História deve se restringir à explicação de tais quadros, uns cronólogicos, outros geográficos (2008, p.105).
Apesar do modelo de ensino de história através desses quadros paracer apenas um
modelo de empirista superficial, o argumento de Condorcet supreende, pois o mesmo
afirma que esse método visa coibir a memorização de cor através das palavras. Para
Condorcet, o aprendizado está em conhecer as coisas com o principio da observação e
os livros didáticos, com esses quadros, poderiam ajudar nessa aprendizagem.
Para o terceiro grau de instrução que equivaleria ao Ensino Médio na atualidade
seria o momento para o desenvolvimento de uma maior capacidade intelectual tendo em
vista a ocupação de funções públicas que exigem uma maior erudição do aluno. O
ensino das ciências seria a única forma de acabar com todas as surpestições e atrasos
que ainda existiam na educação francesa. O seu otimismo se apóia na perspectiva de um
progresso material e moral que estava sendo cristalizado através da busca da verdade
Iluminista. Assim, o aprendizado da história, das línguas e das ciências morais, deveria
95
se dar “de acordo com o duplo princípio de deter-se naquilo que é de utilidade imediata
para os cidadãos que só querem se preparar dignamente para todas as funçoes públicas”
(CONDORCET, 2008, p. 112). Da mesma forma, no segundo grau, os professores
devem ser especialistas e as matérias ensinadas separadamente. A única diferença é o
aumento do número de professores:
Um deles seria encarregado da Metafísica, da Moral e dos principios gerais da constituições políticas; um outro, da Legislação e da Economia Política; o terceiro ensinaria as Matemáticas e suas aplicações às ciências físicas e políticas; um quarto, suas aplicações às ciências morais e políticas. A Física, a Química, a Mineralogia- e suas aplicações às Artes – seriam objeto das lições do quinto professor. A anatonomia e as outras partes da História Natural, seus usos na Economia rural ocupariam o sexto. O sétimo ensinaria a Geografia e a História; o oitavo, a Gramática e a arte de escrever (2008, p.113).
Para o quarto grau de ensino, Condorcet vai usar a denominação de Liceus, ao
invés de Universidades. A princípio deveria haver liceus que ficariam estrategicamente
em diferentes regiões do território francês que tinham a função de formar sábios e
professores para os outros graus de ensino. A grande importância desses liceus era a já
referida gratuidade do ensino, como queria Condorcet, mas também a de ser um espaço
social em que pessoas dos mais variados estratos sociais estivessem presentes, de forma
que se diminuísse as distorções sociais e econômicas entre os membros da sociedade
francesa. O interesse de Condorcet era de que se construísse uma sociedade em que
todos são iguais perante a lei, sendo o mérito o modelo a ser seguido para se chegar aos
mais elevados graus de instrução.
Como desfecho deste capítulo percebemos que as ideias trazidas por Condorcet no
seu Relatório, de um ensino totalmente público e gratuito, com a sua consequente
universalização, são bandeiras que hoje parecem ainda bastante utópicas, e, para alguns,
até ingênuas, mas foram importantíssimas no calor da Revolução Francesa. O seu
interesse era de que a rede pública, em seus diferentes níveis, funcionasse de forma
articulada, uníssona, laica e estatal, mas sem se submeter diretamente ao poder do
Estado. As ideias de Condorcet representavam um momento, como nunca havia se
chegado na França das Luzes, pelo fato de criar um projeto de educação que pensasse o
futuro e reescrevesse o passado. O projeto racional do Iluminismo com a chegada do
homem moderno e dos “novos tempos” trazidos pela Revolução Francesa foi o processo
96
de aceleração histórica para a execução de projetos do futuro. Então, se ainda
defendemos uma educação gratuita de qualidade que se dirige ao bem comum de todos
os cidadãos, uma autonomia universitária, liberdade de catédra, políticas públicas de
direitos sociais, parece que o Relatório de Condorcet ainda está bem atual e o paradigma
Iluminista não foi superado, porque nem sequer foi cumprido ainda.
3.4. Considerações sobre a importância do livro no pensamento moderno
O que vimos nesse capítulo foi como o livro passou a ser um instrumento de
interesse, disputa e transformação na sociedade europeia. Percebemos que a imprensa
foi um marco imprescindivel para essa transformação.
Com Lutero surgirá o primeiro modelo pedagógico de se criar um currículo de
aulas com independência em relação à igreja católica. Em seu modelo, defende o
princípio de que cada fiel deve ter a sua própria biblia como acesso ao saber e, por
consequência, chegar a Deus através da livre interpretação. No entanto, o próprio Lutero
tinha suas ressalvas quanto à indepedência absoluta dos leitores em relação a bíblia. Por
isso, a leitura deveria ser vigiada de perto por professores, pastores e pelo Estado. No
século XVI a reforma e o humanismo foram importantes para essas conquistas com o
livro e a educação.
Na sequencia, com Comenius vai se estabelecer uma das maiores inovações na
história da educação escolar. Os materiais didáticos passam a ser padronizados, tendo a
mesma quantidade de páginas e osmesmo textos para todos os alunos. Além disso,
deveria usar recursos como mapas e imagens, tal como ocorre nos livros didáticos
atuais. Essa padronização de Comenius tinha como principais interesses a expansão do
ensino para a maior quantidade possivel de alunos e a sistematização e faciltitação do
trabalho do professor, que ainda não havia se tornado um especialista em um ou outro
tema. Desta forma, os saberes disciplinares deveriam ser apresentados conjuntamente
nos livros didáticos. Outra grande novidade nos livros de Comenius é a forma através da
qual os conteúdos deveriam ser transmitidos, ou seja, através de dialógos, incentivando
a relação entre leitor (aluno) e livro, fazendo com que a leitura não se restringisse ao
ambito escolar, mas que chegasse inclusive às casas com estudos individuais e
coletivos, despertando, assim, o autodidatismo.
97
No século XVIII percebemos que a Ilustração e as transformações econômicas,
políticas e sociais promovidas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa,
foram substanciais para a melhoria das condições educacionais e, portanto, para a
melhoria dos indicativos em termos de instrução na Europa.
Condorcet é figura de destaque neste contexto, pois defendeu a expansão da
educação paratoda a população na França, e seu modelo influenciou enormente os
projetos desenvolvidos pelos mais variados Estados Nacionais no século XIX, incluindo
o Brasil. No seu relatório, os livros didáticos, assim como a educação em geral, tem a
função de esclarecer e de estabelecer os direitos e deveres do cidadão. Esses dois
caracteres são as principais influências da educação iluminista, e de sua perspectiva e
herança nos livros didáticos. A ideia de ideologia como fator de influência na formação
do cidadão vai ser forte a partir de Condorcet. Os livros procurarão falar dos grandes
exemplos, homens e estadistas do passado, e também da atualidade da realidade
francesa. São com esses herois que se fundam a perspectiva de otimismo com o futuro e
com o progresso, e a memoria cívica da nação.
Nesse mesmo período as discplinas passam a ser ensinadas por especialistas, o
que foi provocado pelo aumento expressivo de professores, e os livros ganham
destaque. Passam então, a apresentar seus conteúdos de forma especializada,
respeitando cada área do conhecimento. Os livros, de acordo com a proposta de
Condorcet, também vão se basear de acordo com o avanço cognitivo dos alunos,
classificados em série, como é atualmente em nosso ensino de base. Os livros,
principalmente nos dois primeiros graus, em termos de investimento, são de obrigação
exclusiva do Estado Nacional, outra herança trazida para a nossa sociedade. Assim
como toda a organização e divisão do ensino por graus que vão delimitar as áreas do
conhecimento que serão estudadas, além, é claro, da função principal do sistema
educacional, o de produzir cidadãos. Em linhas gerais todas essas propostas tinham o
interesse de criar um modelo de sociedade mais justa e racional, com os lemas da
igualdade e liberdade de todos, sem distinção de classe perante a lei.
98
4. O ILUMINISMO NOS LIVROS DIDÁTICOS
Nesse capítulo analisaremos como o Iluminismo é abordado em livros didáticos de
história do Ensino Médio. Apreciamos o conteúdo sobre o Iluminismo procurando
articular: a concepção expressa por cada autor, os contextos históricos em que é
considerado e sua filiação teórica, observando em que perspectiva o tema é abordado.
Da mesma forma, será analisada a abordagem empreendida para o movimento
iluminista e qual de suas versões se apresenta com mais ênfase nos livros didáticos. Para
isso utilizaremos uma classificação proposta por Jonathan Israel em sua obra
Iluminismo Radical. A Filosofia e a Construção da Modernidade (2009), qual seja, em
primeiro lugar, é possível identificar um Iluminismo mais conservador e moderno que
foi aquele desenvolvido entre 1640 e 1750, e em seguida, outra tendência marcada por
ideias mais radicais contra o Antigo Regime na Europa demarcado de 1750 até a
Revolução Francesa. No primeiro momento, as formulações de Descartes, Newton,
Spinoza, Locke foram muito importantes por introduzirem muitas das idéias que serão
centrais nesse movimento, tais como a importância do princípio da dúvida, a defesa do
livre pensar e a experimentação. No entanto, o pensamento renovador desses autores
não propôs a ruptura com certos elementos do Antigo Regime, como os dogmas da
Igreja e da Teologia, mesmo que os membros do clero e os pensadores escolásticos não
aceitassem uma interpretação filosófica sobre a Bíblia.
No segundo momento, as ideias são mais críticas e severas às instituições do
Antigo Regime e aos membros da igreja. Vão surgir principalmente a partir de
pensadores que contribuíram com a expansão da liberdade, a defesa da democracia, o
fim dos privilégios do clero, a separação entre Estado laico e eclesiástico, expressas
principalmente nas obras de Voltaire, Rousseau, Diderot. Essa fase radical também
ganha importância por conta da reunião de vários desses pensadores no movimento
enciclopedista. No entanto, vale ressaltar que já na primeira fase havia radicais no
Iluminismo, porém essa corrente ganhou mais força e influência a partir da década de
1750, com a crise institucional e econômica das monarquias absolutistas, a derrocada do
clero e do mundo da nobreza, provocando a chamada crise da mentalidade européia.
Considerando tais aspectos como centrais passamos à análise dos livros por nós
selecionados. Tal seleção teve como base os seguintes critérios: serem destinados ao
99
Ensino Médio; terem sido aprovados pelo PNLEM29; se apresentarem como uma das
opções adotadas pela Rede Estadual de Ensino do Estado da Paraíba; se constituírem
como volume único apresentando uma versão definida como história integrada30 e,
finalmente, por terem sido utilizados por nós nas aulas de regência em nossa prática
profissional.
Assim, as obras selecionadas para a análise foram:
Livro 1 Livro 2 Livro 3
História. De Divalte Garcia Figueira. Publicado pela Editora Ática, em volume único e na edição de 2005.
História: das cavernas ao Terceiro Milênio. De Myriam Becho Mota e Patricia Ramos Braick. Publicado pela Editora Moderna, em volume único e na edição de 2005.
A escrita da História. De Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda. Publicado pela Editora Escala, em volume único e na edição de 2005.
A seguir faremos a análise dos livros didáticos na ordem de exposição do quadro
acima apresentado.
29O Programa Nacional de Livros Didáticos para o Ensino Médio do MEC foi implantado em 2004, prevendo a distribuição de livros didáticos para os alunos do Ensino Médio público de todo o País. Inicialmente, o Programa atendeu de forma experimental a avaliação e distribuição de livros das disciplinas de português e de matemática. As outras áreas do conhecimento foram atendidas de forma progressiva. Assim, esclarecemos que as edições dos livros analisados nesta dissertação foram as do ano de 2005, já que os mesmos foram avaliados conforme a Portaria nº 907, de 13/04/2006 (em anexo), pelo PNLEM em 2007, e distribuídos em 2008, para o triênio 2009-2010-2011. 30Essas obras se propõem a apresentar os conteúdos selecionados, organizados e sistematizados a partir de uma perspectiva cronológica da História Geral de modo integrado à História do Brasil, desde as origens da humanidade aos tempos atuais.
100
4.1 Livro 1 – História, de Divalte Garcia Figueira.
O primeiro livro que analisamos é de autoria de Divalte Garcia Figueira – História.
Volume Único, que faz parte da Série Novo Ensino Médio31 da Editora Ática, com um total
de 296 páginas. O autor é Bacharel e Licenciado em História, Mestre e Doutor em
História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Ensino Fundamental e
Médio e autor das seguintes obras: Cidades Históricas e o Barroco Mineiro (livro de
natureza acadêmica, publicado pela Editora Itatiaia, 2000), Soldados e Negociantes na
Guerra do Paraguai (livro de natureza acadêmica, publicado pela Editora Humanitas,
2001) e A Era Mauá. Os Anos de Ouro da Monarquia no Brasil (paradidático da
Coleção Que História É Esta? publicado pela Editora Saraiva, 2002).
A estrutura do livro didático se apresenta em quatro partes – A Antiguidade com
as unidades I, II e III; O Feudalismo com a unidade IV; A modernidade com as
unidades V, VI, VII e VIII; O mundo hoje, com as unidades IX, X, XI e XII; uma parte
com questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e outra com Questões de
Vestibulares. O conteúdo referente ao Iluminismo está na Unidade VIII do livro
intitulada: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, com a seguinte estrutura:
Quadro 1. Relação unidade/capítulo/conteúdos do livro didático 1
Unidade VIII
Título Liberdade, Igualdade e Fraternidade
Página 123
Capítulo Conteúdo/tema 34 A Revolução Industrial 123 35 O Iluminismo
1. Novos princípios em cena 2. Os ideais das luzes 3. Os filósofos iluministas 4. Luzes na economia Questões de estudo (quatro perguntas subjetivas)
126 126 126 127 128 128
36 A independência das treze colônias inglesas 129 37 A Revolução Francesa 132 38 O período napoleônico 136 39 A independência das colônias da América espanhola 139 40 Rebeliões na América portuguesa 143 41 A Família Real no Brasil 147 42 Independência ou morte! 151
31Esta série é composta por livros em volume único - definidos como Edição Compacta, para cada uma das seguintes disciplinas: Português, Matemática, Inglês, Biologia, Física, Biologia, Geografia, História. Todos lançados em 2004 e presentes no mercado de livros didáticos até o presente (2011).
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Todo o conteúdo explicitado da Unidade apresenta, de alguma forma, uma relação
com as idéias do Iluminismo destacadas no capítulo 35, que ocupa três páginas - 126 a
128. No começo do capítulo o autor coloca o século XVIII, na França e na Inglaterra,
como o centro das ideias iluministas e a luta contra o pensamento absolutista e religioso.
O autor elege como marcos definidores do Iluminismo europeu, justamente o momento
que se convencionou, pela historiografia tradicional32, chamar o século das Luzes
(século XVIII), fase de maior popularidade e radicalização das ideias iluministas. De
acordo com Jonathan Israel (2009, p. 41), com cuja leitura concordamos, é possível
observar que o processo de elaboração do pensamento iluminista, embora atinja seu
apogeu a partir de 1750, expondo a crise européia que pode ser observada especialmente
no âmbito filosófico-político-social, resultou, na verdade, de uma
[...] convulsão intelectual sem precedentes que começou em meados do século XVII, com o surgimento do Cartesianismo e a subseqüente divulgação da “Filosofia Mecânica” ou “visão de mundo mecanicista”, uma inovação que prenunciava o Iluminismo em si nos últimos anos do século. Admite-se que novas ideias filosóficas e cientificas, como o Cartesianismo, não podem ser atribuídas com o crédito de ter construído a resultante transformação revolucionária da cultura européia. Novos tipos de controvérsia teológica contribuíram quase sempre para enfraquecer a coesão interna dos principais blocos confessionais e, conforme foi demonstrado no caso de declínio da crença no inferno e do eterno tormento para os pecadores, para comandar algumas das mudanças mais características de atitude com relação às crenças tradicionais durante esse período – o mais decisivo de todos os períodos de mudança cultural. Entretanto, foi inquestionável o surgimento de novos e poderosos sistemas filosóficos, enraizados nos avanços científicos do início do século XVII, em especial na visão mecanicista de Galileu.
Em seguida o autor do livro didático procura apresentar sinônimos para a palavra
Iluminismo associando-a à palavra Ilustração, seguindo a mesma linha de argumentação
de Sérgio Paulo Rouanet (2005). Para Rouanet, a Ilustração dos filósofos no século
XVIII faz parte de uma tradição muito mais antiga do pensamento crítico ocidental, que
32Neste trabalho, ao fazer referência ao termo historiografia tradicional, estaremos nos reportando ao seguinte sentido: a historiografia comumente chamada de metódica, de características positivistas. Esta historiografia, por exemplo, segundo Cassirer (1994), afirma que o conjunto de idéias da ilustração francesa corresponde ao século das luzes, terminologia criada para exaltar a época, o local, as idéias e os autores franceses.
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ele intitula “tradição iluminista”. Para Figueira (2004) o Iluminismo é um movimento
filosófico que teve influências na política, na economia, na arte e na literatura; e, ainda
ressalta que, no que se refere aos aspectos políticos desse movimento, houve,
principalmente, uma preocupação com os direitos naturais do homem e contra os
excessos do Absolutismo Monárquico.
No tópico seguinte do capítulo Novos princípios em cena, o autor procura
sintonizar que o Iluminismo tem sua ascendente na medida em que o racionalismo passa
a ser o elemento principal para a interpretação do mundo e das coisas. Segundo
Figueira, esse racionalismo é encontrado desde o Renascimento Cultural e Científico
dos séculos XV e XVI. Afirma que
No afã de conhecer o indivíduo e o mundo que o cercava, os renascentistas fortaleceram a importância da experimentação, da observação e da investigação na produção do conhecimento, base para o desenvolvimento do racionalismo (2005, p. 126).
Adiante, o autor classifica o século XVII como o período em que constituíram as
bases necessárias para toda a crítica Iluminista seguinte. Pensadores como Francis
Bacon, René Descartes e John Locke foram importantes como um prenúncio intelectual
de que novos tempos estavam chegando e habitando a vida das pessoas. O autor, nesta
parte do texto didático, dá grande ênfase às transformações e necessidades econômicas
do período. O mercantilismo era o grande modelo econômico que projetava a burguesia
- comerciantes e banqueiros, mas que, em termos políticos, esbarrava nos interesses dos
reis e da nobreza.
No segundo item do capítulo, intitulado Os ideais das luzes, é mostrada a
importância da formação do Estado na concepção Iluminista e também a concepção
teleológica de progresso e desenvolvimento presentes no movimento. No que se refere
ao tipo de Estado exigido pelos iluministas, o autor faz referências críticas ao
absolutismo monárquico, pautando as novas ideias no pensamento burguês. Os
governos e suas formas foram criados pelos homens e não pela providência divina. As
teses da formação do Estado, segundo o autor, são as que defendiam os princípios
liberais, tanto econômicos como individuais, acabando com a escravidão e a servidão
feudal. Desta forma, a sociedade aristocrática baseada na divisão estamental deveria ser
dissolvida.
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Em seguida, a discussão se coloca em torno de que tipo de Estado é defendido
pelos Iluministas. O livro didático usa o termo contrato social para defini-lo; um
contrato baseado na defesa dos direitos naturais e inalienáveis do homem, a liberdade, a
vida e a propriedade. Segundo os contratualistas ou jusnaturalistas, os indivíduos
viviam em um estágio de barbárie e primitivismo, o “estado de natureza”, em que não
havia regras ou leis e nem governo. Percebemos que o autor, em termos do uso da
expressão “contrato social”, não cita o filósofo inglês Thomas Hobbes que foi o
primeiro a utilizá-la em sua obra Leviatã (1999).
Na parte final sobre esta discussão Figueira (2004, p. 127) cita o pensador John
Locke como expoente na defesa desta forma de Estado. No livro didático analisado se
apresenta a perspectiva vencedora que foi a corrente liberal reformista surgida após a
Revolução Gloriosa de 1688, da qual Locke era defensor ativo. Um tipo de Estado em
que o rei governa em coalizão com os outros poderes sem, no entanto, interferir nos
direitos naturais do cidadão. Esse contrato deve ser realizado entre governantes e
governados, caso contrário, se o Estado não realiza essa função a população tem o
direito de derrubar seu governante; ato que não passava pelo pensamento de Thomas
Hobbes. Para Hobbes, o Estado seria uma construção dos indivíduos como alternativa
para controlar a tendência natural egoísta de cada um e possibilitar a vida em sociedade.
Desta forma, o Estado seria um instrumento de controle social, no qual para se
conseguir benefícios da sociedade, os homens precisariam abdicar de seus direitos
naturais, transferindo poderes a um soberano ou a um pequeno grupo homens que
representam toda a sociedade.
Figueira elabora, como instrumento para sistematizar essa discussão, um quadro,
colocado em box, baseado no livro Iluminismo, a revolução das luzes (NASCIMENTO
e NASCIMENTO, 1998) em que é apresentado o desenvolvimento do pensamento do
século XVII, relacionando nomes de filósofos e cientistas importantes para o período
tais como Francis Bacon, René Descartes, Isaac Newton e John Locke.
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Neste quadro, intitulado O triunfo do pensamento científico, o autor opta por uma
apresentação cronológica dos filósofos do século XVII citados para o advento do
pensamento iluminista. Porém, mesmo estando indicada a nacionalidade dos autores,
Figueira, como grande parte dos autores de livros didáticos que consultamos, não
procede a uma reflexão que relacione nacionalidade/origens. Por exemplo, se são
simultâneos em suas epistemologias ou mesmo como movimentos, francês e/ou inglês,
propriamente ditos. O que de fato transparece é o embate e também a vinculação entre
Cartesianismo (Descartes), Método Experimental (Francis Bacon), Filosofia Mecânica
(Isaac Newton) e Jusnaturalismo (John Locke) que se tornarão as idéias exponenciais do
Iluminismo do século XVIII na Europa e na América.
A seguir, no item três, intitulado Os filósofos iluministas, é apresentado um
esquema-resumo, sobre o que o autor define como tendo sido “os principais pensadores
iluministas”. Chama-nos a atenção o fato de que, neste esquema-resumo, impera a
presença de filósofos franceses em detrimento de qualquer indicação de pensadores
ingleses e/ou de outras nacionalidades, como podemos observar nas indicações
específicas do século XVIII: Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755), Diderot
(1713-1784) e Rousseau (1712-1788). Nele são fornecidas pequenas biografias destes
filósofos, bem como suas principais obras, a exemplo de O Espírito das Leis e Cartas
Persas de Montesquieu e o Contrato Social de Rousseau.
O caso de Rousseau é um exemplo claro que ilustra a abordagem do autor do livro
didático analisado, ele coloca sinteticamente um perfil do filósofo agregado a algumas
de suas obras e, de acordo com seu título, se propõe a apresentar resumidamente o
pensamento. No que se refere a Rousseau evidencia que este foi crítico em relação à
própria racionalidade humana, vista como uma via para a eliminação dos sentimentos e
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que era bastante cético em relação à possibilidade de progresso material da humanidade.
Esta síntese é assim apresentada:
Em parte de sua obra, Rousseau procurou analisar as razões das desigualdades sociais. Segundo ele, o ser humano é naturalmente bom, mas a sociedade o corrompe, gerando desigualdade social, escravidão e tirania. Assim, ao contrário da maioria dos iluministas, Rousseau questionava a crença no progresso contínuo da humanidade. Em seu livro O contrato social, publicado em 1762, sustentou forte argumentação a favor de uma sociedade democrática, baseada na igualdade entre os indivíduos e no respeito ao que chama de ‘vontade geral’. Defensor da soberania popular foi condenado e perseguido por sua obra. Suas idéias influenciaram os revolucionários de 1789 (2005, p. 128).
O último tópico do livro é dedicado ao pensamento econômico no Iluminismo.
Intitulado Luzes na economia, esse item fala da crítica que o nascente liberalismo
econômico faz em relação à doutrina mercantilista e aos monopólios econômicos ainda
vigentes em grande parte dos reinos europeus. Segundo o autor, os primeiros
pensadores a defender essa liberdade da economia em relação ao Estado foram os
franceses, chamados fisiocratas. Entre os citados estão François Quesnay, que defendia
a liberalização da agricultura como principal meio de geração de riqueza do país. Outro
pensador francês foi Vincent de Gournay, com o famoso lema “Laissez Faire, Laissez
Passer” (deixe fazer, deixe passar). Segundo o autor do livro, esses dois pensadores
fisiocratas foram as principais influências sobre o escocês Adam Smith33, em algumas
obras conhecido como fundador do liberalismo econômico, defensor das iniciativas do
livre mercado, do trabalho assalariado e crítico do sistema colonial e das grandes
intervenções do Estado na área econômica.
Logo em seguida, após a discussão sobre liberalismo, é apresentado fragmento de
texto extraído da mesma obra utilizada para elaborar o box da página 127 acerca do que
foi o despotismo esclarecido na Europa. Nele é realizada uma análise do que se costuma
chamar de despotismo e da figura do déspota. O déspota é conhecido como um tipo de
governante que detém o poder soberano seguindo suas próprias vontades.
33Adam Smith, que era escocês de nascimento, desenvolveu seus estudos e trabalhos na Inglaterra, por isso, não é incomum a sua identificação como inglês, inclusive em livros didáticos.
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Figueira apresenta, neste Box, a idéia dos autores Milton Nascimento e Maria
Nascimento em que afirmam que os filósofos Iluministas depositaram esperanças de
que os reis chegassem ao esclarecimento e se tornassem filósofos, permitindo a
liberdade religiosa e a tolerância, instituindo a criação de mecanismos de modernização
do Estado, como é verificado no caso de pensadores como Voltaire e Diderot que foram
hóspedes de cortes como a de Catarina II da Rússia e a de Frederico da Prússia. Apesar
do sucesso inicial e da euforia de alguns monarcas pela filosofia iluminista, os filósofos
se decepcionam com o espírito belicoso dos reis. O autor didático apenas coloca este
extrato dos autores citados, não indicando se compactua ou discorda das afirmações
feitas. Pela lógica, no entanto, entendemos que se ele o utilizou é porque está em
consonância com suas próprias idéias.
Neste sentido, discordamos de tal perspectiva, pois as guerras do século XVIII não
podem ser explicadas apenas pelo “espírito” belicoso dos reis. Isso é personalização da
história, é história dos grandes homens, conforme a “historiografia tradicional’. As
explicações para as guerras se dão por variados motivos, como por exemplo, os
interesses econômicos em manter e expandir os impérios coloniais; pela reação dos
povos colonizados que ansiavam por liberdade e soberania de seus territórios; pelo
próprio avanço dos pensamentos iluministas, entre outros.
Com relação a aspectos materiais e ilustrativos do livro como, por exemplo, o uso
da iconografia, há apenas uma imagem, reprodução de quadro pintado por Anicet-
Charles-Gabriel Lemonnier, realizado por volta de 1814, que representa a primeira
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leitura do livro de Voltaire, O órfão da China34. Na pintura, que se encontra na página
127, observa-se uma reunião da elite que freqüentava salões literários da época
discutindo filosofia. Trata-se de ambiente dominado pelos homens, mas com destaque
para a presença de algumas mulheres.
Em termos de exercícios este livro didático apresenta um pequeno questionário
com perguntas de ordem conceitual: sobre o que foi o Iluminismo, qual a importância
da razão para os iluministas e o que foi o chamado despotismo esclarecido. A reduzida
quantidade de perguntas reflete as poucas páginas de atenção que são dedicadas ao
conteúdo, apenas três, mas também afirma o compromisso que o livro tem com uma
lógica voltada para o vestibular. Dessa forma, as poucas questões mostram a
necessidade e interesse de abordar praticamente todos os conteúdos.
Ao final do livro são disponibilizadas oito páginas com questões do Exame
Nacional do Ensino Médio – ENEM e mais seis com questões de vestibulares de várias
34O órfão da China, tragédia em cinco atos, foi escrita por Voltaire em 1755. Sobre a “moda chinesa” na França do século XVIII, o contexto em que a obra é produzida, há referência no artigo “China: do exotismo ao “perigo amarelo””, de autoria de Christophe Courau. In: Revista História Viva, nº 83 de set. 2010. Disponível em: http://issuu.com/varantes/docs/revista-historia-viva. Acesso em 18 de julho de 2011.
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Instituições de Ensino Superior – IES, no total são 82 questões sendo que, destas, 4
fazem referência ao Iluminismo.
Outra observação a ser destacada é que, além do uso de boxes em forma de textos
complementares, com informações extraídas de uma única obra, Iluminismo, a
revolução das luzes, o mesmo não apresenta nenhum tipo de indicação de leitura ou
sugestão de atividades complementares, como por exemplo, a utilização de variadas
linguagens historiográficas para o ensino de história na Educação Básica, tais como
música, literatura, filmes, documentários, entre outros.
Com relação à indicação bibliográfica e/ou documental, no capítulo sobre o
Iluminismo, assim como em todos os outros, também não se apresenta nenhuma
referência. Da mesma forma, ao final do livro o autor não elaborou ou referenciou as
obras, os documentos e os fragmentos de textos que aparecem no corpo dos capítulos, o
que, em nossa opinião, é fundamental para o trabalho do professor e do próprio aluno
que, de posse das referências, podem ampliar seus conhecimentos sobre o conteúdo, a
abordagem teórico-metodológica e os procedimentos de pesquisa, ou mesmo, se
contrapor às opiniões do autor a partir de outros referenciais.
Assim, após a análise do capítulo do livro didático de autoria de Figueira, que trata
especificamente sobre o tema, fica a perspectiva geral de que a concepção histórica que
o mesmo apresenta em sua abordagem, reflete a idéia do Iluminismo como uma
filosofia política que buscou modernizar os Estados europeus tirando-os do chamado
Antigo Regime; que seu ideário se caracterizou como influência fundamental para a
deflagração da Revolução Francesa, bem como para muitos dos movimentos de cunho
revolucionário que se sucederam. E, finalmente, que o mesmo teve, como eixo central,
ideias que circularam na França e na Inglaterra, dando grande destaque para os
pensadores franceses do século XVIII.
4.2 Livro 2 – História: das cavernas ao terceiro milênio de Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick
O segundo livro que analisamos foi História: das cavernas ao terceiro milênio de
autoria de Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick. Ensino Médio – Volume
único. São Paulo, Editora Moderna, 2005.
Myriam Becho Mota é mestre em Artes pela Universidade de Ohio-Athenas,
EUA (2001), com dissertação intitulada “Political and social changes promoted by the
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1979 social revolution in Nicaragua”, orientada por Thomas W. Walker. De 1989 a
1995, fez cursos complementares no Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH)
em Teoria e Método em História Moderna e do Brasil (1995); História Moderna e
Contemporânea (1991); História do Brasil (1989). Em 2004 vinculou-se ao Doutorado
em História da UFMG, embora o ano da conclusão não conste nem em seu currículo
Lattes35 nem no sítio eletrônico da instituição. É professora no Instituto Superior de
Educação de Itabira em Minas Gerais. Segundo informações de seu Currículo Lattes, a
autora possui experiência na área de História, com ênfase em Culturas Políticas e
desenvolve estudos sobre temas, tais como, Antropologia, Ciência Política, História
Contemporânea e História da América.
Patricia Ramos Braick36 é formada em História pelo Centro Universitário de Belo
Horizonte (UniBH), mestre em História das Sociedades Ibero-Americanas e Brasileira
pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul e ministra aulas no Ensino Médio em
Belo Horizonte.
O livro encontra-se estruturado em 592 páginas, nas quais apresenta os
conteúdos37 da seguinte forma: Introdução e oito unidades assim distribuídas: I. Das
cavernas ao legado cultural do Helenismo, com nove capítulos; II. A construção dos
sentidos, com nove capítulos; III. Os diferentes povos da América, com três capítulos;
IV. É uma casa portuguesa, com certeza, com seis capítulos; V. Era das Revoluções,
com cinco capítulos; VI. Um período de ebulição, com doze capítulos; VII. Guerra e
paz, com dez capítulos; VIII. O sonho não acabou, com cinco capítulos e, Bibliografia.
Com relação ao conteúdo sobre Iluminismo ele está inserido na unidade V
intitulada A era das revoluções, especificamente nos capítulos 28 e 29, das páginas 249
a 264. Da mesma forma que no livro anteriormente analisado, percebemos que a
unidade contempla o conteúdo sobre as idéias iluministas em todos os capítulos, como
podemos ver a seguir, no quadro que apresenta a sua estrutura. Ao final de cada um dos
capítulos, as autoras acrescentam: Texto Complementar; Atividades; Exercícios do
Vestibular e do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM e Sugestão de filme.
35Atualizado pela última vez em março de 2009. 36O Currículo Lattes da autora existe desde 07/07/06, mas não está preenchido, assim, não oferece nenhuma informação sobre a mesma. Acessado pela última vez em 11 de julho de 2011. 37Para nós, o conteúdo do livro didático abrange todas as formas de apresentação nele usadas, da parte textual, imagética, documental, referencial, de atividades propostas e exercícios.
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Quadro 2. Relação unidade/capítulo/conteúdos do livro didático 2
Unidade V
Título A era das revoluções
Página 248
Capítulo Conteúdo/tema 28 Universalidade, individualidade e autonomia
O triunfo da racionalidade na elaboração do pensamento iluminista
249
29 A ilha da vanguarda iluminista
As Revoluções Inglesa 257 257
30 A caminho de uma sociedade de excluídos A Revolução Industrial e as profundas mudanças sociais por elas desencadeadas
265
31 Liberdade, fraternidade e igualdade para quem? As causas, o desenvolvimento e o impacto da Revolução Francesa
273
32 Napoleão: mito ou realidade? Um gênio militar consolida as conquistas da Revolução Francesa – exceto a promessa de Liberdade, Igualdade e Fraternidade
285
Nesse livro a abordagem sobre o Iluminismo, apresenta uma posição teórica
diferente se comparado com o anterior, pois busca articulá-lo como uma perspectiva de
teoria da História e mostrar que, mesmo com o fim do século das luzes, muitas das suas
características permanecem presentes no século XXI.
No início do capítulo, as autoras procedem a uma interessante reflexão utilizando
um extrato do artigo de Eric Hobsbawm, Barbárie: manual do usuário38, no qual o
autor adverte quanto ao significado da palavra barbárie em seu sentido originário e
também quanto à perda dos valores do projeto iluminista do século XVIII na atualidade.
Isso pode ser explicado em função do desenvolvimento da sociedade industrial de
consumo e do individualismo. Adverte, ainda, que só não chegamos a um novo estado
de barbárie por causa dessa mesma herança iluminista que, apesar de estar em crise,
ainda permeia a mentalidade e o senso comum das sociedades contemporâneas.
Ainda na primeira página as autoras continuam a discussão teórica sobre a crise
pela qual a civilização contemporânea vem passando e apontam dois importantes
pensadores sobre esta questão. O primeiro, Sergio Rouanet, que caracteriza esta fase
como uma espécie de “mal estar da modernidade” e afirma a necessidade de
resgatarmos um novo tipo de Iluminismo. Esse, segundo sua concepção, já não pode ser
uma reedição daquele do século XVIII, mas uma proposta que busque usar a razão
38Este artigo está publicado na obra de HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.268-280.
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crítica como essência primordial e que também reconheça os seus próprios limites na
crítica e na racionalidade universalista, respeitando as condições sociais, ambientais em
sua especificidade. Citamos o próprio Rouanet (2005) quanto a esse novo Iluminismo:
A razão do novo Iluminismo não pode mais ser a do século XVIII, que desconhecia os limites internos e externos da racionalidade e não sabia distinguir entre razão e ideologia. A nova razão deveria ter as características que atribui a razão sabia: capaz de crítica e auto crítica, apta a devassar em suas verdadeiras estruturas as leis e instituições, armada para desmascarar os discursos pretensamente racionais e consciente de sua vulnerabilidade ao irracional. A nova crítica não pode ser a da Ilustração, porque o seu objeto não é mais o mesmo. Ela continua sendo a crítica da atualidade, mas é evidentemente outra atualidade. A crítica da ilustração se defrontava com uma atualidade pré-moderna, em que não haviam surgido ainda as condições estruturais para assegurar a autonomia humana. A nova crítica se defronta com uma modernidade madura [...]. Assim, o novo Iluminismo proclama sua crença no pluralismo e na tolerância e combate todos os fanatismos, sabendo que eles não se originam de manipulação consciente do clero e dos tiranos, como julgava a Ilustração, e sim de mecanismos sociais e psíquicos mais profundos. Revive a crença no progresso, mas dissocia de toda a filosofia da história, que o concebe como uma tendência linear e automática, e passa a vê-lo como algo de contingente e probabilístico e dependente da ação consciente do homem (p. 31-32).
O segundo autor citado é o próprio Hobsbawm, já utilizado no início do capítulo,
que atribui essa crise da sociedade ocidental a essa barbárie ou fenômeno chamado de
incivilidade. Seguindo esse raciocínio, o livro didático aponta algumas destas
características, tais como a proliferação dos particularismos nacionais, culturais, raciais
e religiosos, e também dos ingredientes da sociedade neoliberal a partir da década de
1990, como o conformismo, o consumismo, o vazio ideológico generalizado provocado
principalmente pelo chamado fim das utopias e da crença em um sistema alternativo ao
capitalismo, como foi o caso do socialismo até o começo dos anos 1990.
Ainda como introdução do assunto, as autoras utilizam a imagem de uma tela do
pintor norte-americano Norman Rockwell, datada de 1961 e intitulada A Regra de
Ouro, e orientam que, depois da leitura do capítulo, seja elaborada uma reflexão
comparativa entre as propostas iluministas e a tela.
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Dando continuidade é apresentado um tópico intitulado Luzes contra trevas:
origens do iluminismo, partindo do seu conceito. Ele é apresentado da seguinte forma
O Iluminismo foi um movimento de ideias que teve origem no século XVII e se desenvolveu especialmente no século XVIII. Sua denominação estava ligada ao fato de seus impulsionadores, os filósofos iluministas, verem a si mesmos como militantes da razão, a ‘luz’, contra a tradição cultural e institucional, as ‘trevas’ (MOTA e BRAICK, 2005 p. 250).
As autoras destacam a importância dos escritos dos pensadores iluministas e do
uso da racionalidade como meio de propagação para se atingir o progresso material e
humano, e apontam que o projeto iluminista se baseia na empreitada civilizatória. Esse
projeto civilizatório se fundamenta em três princípios básicos: universalidade,
individualidade e autonomia. O livro traz um pequeno esquema apontando o significado
destes três princípios que seriam o eixo de condução do que foi o Iluminismo, além de
dar ênfase ao significado da palavra ideologia, porém, utiliza um recurso frágil que é o
verbete de um dicionário39, sem posteriormente, apresentar qualquer reflexão sobre o
mesmo.
Ideologia: sistema de ideias (crenças, tradições, princípios, mitos) interdependentes, sustentados por um grupo social de qualquer
39O dicionário utilizado é o de Antônio Houaiss. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
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natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
O livro é bastante cuidadoso quando se refere ao Iluminismo como um movimento
homogêneo, a exemplo, do que é colocado em alguns livros didáticos. Elas procuram
afirmar que o seu surgimento se deu de forma mais integrada no continente europeu,
asseverando que suas ideias iniciais podem ser encontradas na Holanda e na Inglaterra
do século XVII. Mas, reafirmam a posição de que ele se tornou uma doutrina social na
França do século XVIII, na crise da monarquia absolutista. Nesse sentido,
compreendemos que essa idéia se aproxima da posição de Jorge Grespan (2003, p.38)
quando afirma que o primeiro alvo da crítica iluminista foi o dogma político provocado
pelo absolutismo monárquico e seus excessos:
Em primeiro lugar, o alvo da crítica foi o próprio poder absoluto dos reis, situando-se com isso no campo político. A definição de tirania dada por Locke, como abuso das prerrogativas da Coroa sobre os ‘direitos naturais’ do povo, permanecerá em todo o século XVIII, compondo as categorias centrais da filosofia política iluminista.
Assim, a abordagem presente no livro analisado, apesar de tratar de forma geral o
movimento iluminista na Europa e as principais características que assemelhavam as
várias experiências, não deixa de apontar variações de seu estabelecimento em
diferentes países, especialmente relacionando suas origens em diferentes séculos,
informando o trajeto desse movimento desde as idéias iniciais até se tornar uma
doutrina social. Enfim, a perspectiva histórica é de tratar o pensamento iluminista dos
filósofos e da burguesia como reformista, defendendo a monarquia constitucional para,
a partir deste instante, transformar esse mundo da nobreza tradicional em um mundo
burguês.
O tópico seguinte do livro trata da mentalidade Ilustrada. Há um destaque para o
fato de que o seu surgimento se deu com base na sistematização do pensamento de John
Locke. É citada, como fonte desse espírito, a famosa obra Segundo Tratado Sobre o
Governo Civil, de 1619, que coloca a defesa do contrato social para a criação da
sociedade política ou civil com divisão de instâncias de poderes contra a tirania do
absolutismo, e do estado natural por não dar garantias aos direitos básicos do indivíduo:
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vida, liberdade e propriedade. Esse exemplo de crítica ao modelo monárquico inglês foi
a plataforma política necessária para pensadores reformistas como Voltaire e
Montesquieu criarem, em suas obras, uma teoria do Estado para a França do século
XVIII. O convívio desses dois filósofos na Inglaterra foi de extrema importância para a
circulação dessas idéias, como corrobora Grespan:
De volta a sua pátria, Montesquieu e Voltaire se encarregaram, cada um ao seu modo, de difundir o pensamento inglês e desenvolvê-lo em função das condições da França. Em 1734, logo depois de seu retorno, Voltaire publica as Cartas Filosóficas, cujo primeiro título foi Cartas escritas de Londres. Nelas o elogio das instituições e da filosofia do país vizinho servia para julgar e condenar seus congêneres franceses, o que teve grande impacto junto ao público. Mais tarde ele tratou de traduzir e divulgar o pensamento de Newton e Locke, sempre com o mesmo intuito crítico. Também Montesquieu escreve um Ensaio sobre a Constituição Inglesa, e a sua influência da sua estadia na Inglaterra se faz sentir em obras posteriores, inclusive na mais importante, O Espírito das Leis, de 1748. (op. ct. p.43)
Em seguida as autoras reforçam as teses lockeanas através da inclusão, na página
250, de uma citação de Gruppi (1998), na qual este reforça os princípios da importância
dos homens se reunirem em sociedade com o objetivo máximo de preservar a
propriedade privada.
Continuando no mesmo item fazem uma referência ao enciclopedista Denis
Diderot, que foi um dos poucos filósofos Iluministas que, de fato, defenderam o fim da
monarquia absoluta e constitucional e que, para isso, propôs os princípios da
democracia moderna. As autoras sintetizam os princípios filosóficos e políticos de
Diderot e de seu colaborador, o matemático Jean D’Alembert, destacando a
contribuição destes filósofos que, segundo as autoras, alçaram à categoria de
enciclopedistas.
Segundo as autoras a Enciclopédia foi concebida como uma obra que buscava
criticar todas as concepções medievais, escolásticas, políticas e culturais da Europa, e,
ao mesmo tempo, apresentava todas as novidades no campo das ciências naturais e
humanas no século XVIIII. Começou a ser organizada por volta de 1751e foi concluída
em 1772. Pela etimologia da palavra, o termo ciclo significava a tentativa de buscar a
totalidade de todos os conhecimentos organizados sistemática e didaticamente, enquanto
a expressão pedia, vinda do grego Paidéia, significa educação. Desta forma, a
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Enciclopédia Iluminista tinha duas funções básicas como projeto social. A primeira, de
instruir as pessoas buscando melhorar os níveis de educação na Europa, para ser um
instrumento de circulação de conhecimento. E, a segunda, de buscar a crítica como
fundamento essencial e cristalino para as mudanças políticas, sociais e de mentalidade
da sociedade européia. A crítica seria extremamente importante para o debate filosófico
nas obras dos autores e para estabelecimento da liberdade de expressão na Europa.
O próprio formato da Enciclopédia, com assuntos e temas que eram trazidos em
ordem alfabética, agrupava pensadores que tinham profundas diferenças, como
Rousseau e Voltaire, numa estratégia para estimular o debate e a crítica. Esse novo olhar
sobre as coisas e sobre a natureza, sociedade, religião, política era importante para o
sucesso da Enciclopédia. Neste espírito investigativo, Grespan (2003, p. 52), destaca
afirmações de Diderot, na perspectiva de democratizar o conhecimento:
Sem meias palavras, isso é dito na famosa recomendação dada por Diderot a seus colaboradores: “é preciso examinar tudo, remexer tudo sem exceção e sem escrúpulos”, para ‘mudar a maneira geral de pensar’. Ideia, aliás, que ele já havia expressado nos seus referidos Pensamentos Filosóficos, com uma admoestação: “apressamo-nos a tornar a filosofia popular. Se quisermos que os filósofos caminhem para a frente, aproximemos o povo do ponto onde se encontram os filósofos”. Ou seja, não é só o povo que precisa da filosofia; também esta necessita ser popular se quiser progredir na dupla acepção, certamente relacionada, da política e dos conhecimentos que investiga. A Enciclopédia não é vista por seus autores, portanto, como simples compilação de informações, e sim como um poderoso meio de intervenção social.
Com relação ao enciclopedismo de Diderot, o livro didático que ora comentamos
traz, na página 251, uma citação da obra Autoridade Política40 deste autor, extraída do
livro 900 Textos e Documentos de História de autoria de Freitas (1977). O trecho faz
uma reflexão sobre a importância do uso e do gozo da liberdade em uma sociedade,
assim como critica toda forma de poder que é obtida e exercida através do uso da força.
40Segundo Diderot, Autoridade Política significa a forma como se concebe o poder, possui duas origens distintas: a força e a violência daquele que dela se apoderou ou através do consentimento daqueles que a ela se submeteram através de um contrato, celebrado ou suposto. Para Diderot, a primeira forma significa a usurpação, enquanto a segunda se torna legitima através do acordo e da participação da sociedade civil. Essa definição encontra-se nos Verbetes Políticos da Enciclopédia. Diderot e D’Alembert. Tradução Maria das Graças de Souza. Editora: UNESP, São Paulo, 2006.
116
Para Diderot o poder deve emanar do consentimento dos povos para uso racional e
limitado de uma República.
Em seguida, o livro didático apresenta um tópico referente aos pensamentos de
Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Com relação a Voltaire, na página 251, coloca-o
como um pensador inspirado nas teses lockeanas de um governo com poderes limitados
e dos direitos naturais do homem como liberdade, propriedade e proteção das leis.
Voltaire é apresentado como um pensador que estava longe de defender a democracia
devido ao seu medo em relação ao anseio por uma intensa participação popular no
processo político, defendendo, assim, uma monarquia esclarecida.
O livro apresenta, de forma simplificada, o processo de perseguição pelo qual
Voltaire passou e de seu exílio na Inglaterra onde publicou Cartas Inglesas (1734),
como instrumento de crítica ao clero e ao Absolutismo. Ainda no final da citada página
as autoras utilizam uma citação do próprio Voltaire extraída de seu Dicionário
Filosófico (1764):
Entre os papéis de um jurisconsulto foram encontradas notas que talvez mereçam um pouco de exame. Que nenhuma lei eclesiástica vigore, salvo se receber sansão expressa do governo. Foi por este meio que Atenas e Roma nunca tiveram querelas religiosas. Estas querelas constituem a divisão das nações bárbaras ou tornadas bárbaras. [...] Que todos os eclesiásticos sejam submetidos, em todas as circunstâncias, ao governo, pois são súditos do Estado.
Neste extrato Voltaire critica vigorosamente a igreja e as leis eclesiásticas,
defendendo, em tese, a separação entre Estado e Igreja, e também que os próprios
eclesiásticos fossem submetidos ao Estado e respondessem à lei civil constitucional.
Com relação a Montesquieu as autoras fazem um breve comentário sobre sua
atuação como colaborador da Enciclopédia e também ao fato do mesmo ser um
estudioso do pensamento lockeano, que desenvolveu a tese das formas de governos
associadas ao tamanho físico dos Estados. Desta forma, como se apresenta no livro
didático, uma monarquia despótica seria o melhor regime para países com enormes
territórios, assim como a monarquia limitada seria um bom regime para os países que
possuíssem tamanho médio e, a república, para países de tamanho pequeno. No entanto,
segundo a sua visão naturalista, Montesquieu afirma que os homens possuem uma
ordem natural que os leva a abusar do poder quando ele lhe é confiado. Assim, há
novamente o destaque para a famosa tese de divisão dos três poderes para se evitar o
117
despotismo. Logo em seguida, na página 252, para reforçar os conceitos de moderação
de Montesquieu é apresentado um extrato de texto de autoria do mesmo, sobre o que é a
liberdade41.
É bem verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, mas a liberdade política não consiste em fazer o que se quer. Num Estado, isto é, numa sociedade em que existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e a não ser coagido a fazer o que não se deve querer. É preciso ter em mente o que é a independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, ele não teria mais liberdade, porque os outros também teriam esse poder.
Já Rousseau é conceituado, no livro didático, como um crítico do jusnaturalismo,
por conta de sua posição antagônica a Locke. Enquanto o pensador inglês enxergava o
estado natural como uma ameaça à humanidade, Rousseau o percebia como a fonte de
convivência harmoniosa entre os seres humanos. É destacada a famosa ideia de
Rousseau de que o começo da sociedade civil está associado ao conceito de
propriedade. O livro didático, mais uma vez, ilustra o pensamento desses iluministas
através de um extrato da obra de Rousseau, Discurso sobre a origem da desigualdade
entre os homens, de 1775:
O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores pouparia ao gênero humano aquele que arrancando as estacas ou enchendo o fosso, [...] tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém.
Percebemos que ele pontua como foram demarcados os primeiros territórios, daí
surgindo a propriedade e, consequentemente, o Estado. Rousseau também trabalha com
a categoria de Contrato Social42, principalmente no âmbito do direito. Para ele,
41O referido extrato foi retirado da coletânea de textos da obra de Francisco Weffort. Os Clássicos da Política. v.1. São Paulo: Ática, 1989. 42Segundo Rousseau, o contrato social é o estágio de transição do Estado de natureza para a sociedade civil. Essa mudança significa que o que o homem perde com o Contrato Social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para o indivíduo isso significa que, no Estado de natureza, o estabelecimento de vida comunitária se coloca no campo da afetividade e de seus desejos. A partir do Contrato Social o homem aprende, através da razão imperativa de um governo ou soberano, a abandonar seus desejos, diminuir sua
118
diferentemente de Hobbes e Locke, esse contrato se coloca não como uma solução e
submissão política a um indivíduo ou soberano, mas porque a única forma dos
indivíduos de uma comunidade garantirem seus direitos é através de um contrato em
que se submetem ao princípio da maioria. Ainda nessa perspectiva, no livro didático há
um comentário sobre a famosa tese rousseaureana da bondade natural do homem que foi
corrompida pelo processo civilizatório e pela propriedade privada, defendendo, assim, o
Estado como expressão da vontade geral.
Saindo um pouco dos grandes ícones da filosofia francesa do século XVIII, o livro
didático analisado traz um tópico sobre o pensamento do alemão Immanuel Kant.
Comenta-se, ainda que rapidamente, a origem social de Kant e sua admiração pela obra
de Rousseau. No entanto, na análise da filosofia kantiana, as autoras do livro didático
cometem um erro ao tratar do sistema filosófico de Hume. No final da página 252
afirmam que
Com seus livros Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática, deu importante contribuição para as bases do pensamento contemporâneo. Kant conciliou as correntes de pensamento empirista (teoria defendida por Locke, segundo a qual a consciência humana depende das experiências práticas) e idealista – teoria defendida pelo escocês David Hume, que acreditava ser o conhecimento humano derivado das sensações.
O erro está em afirmar que o pensamento de David Hume é idealista. A
conciliação de sistemas filosóficos que Kant faz é entre o idealismo e o inatismo de
René Descartes e o empirismo de Locke e do próprio Hume. Aliás, Hume na sua obra
Investigação Acerca do Entendimento Humano (1748) postulou uma profunda crítica
aos fundamentos da metafísica e radicalizou quanto ao modelo que afirmava que o
conhecimento é adquirido através dos sentidos e das sensações. Sua teoria do
conhecimento afirma que o sujeito do conhecimento é que opera as sensações trazidas
pelos órgãos dos sentidos, e posteriormente, as chamadas impressões sobre essas
sensações partem para o campo racional. As sensações, em Hume, não estão no campo
das racionalizações puras, mas no campo da experiência sensível, através dos sentidos,
da prática. Desta forma, Hume afirma que os dois pressupostos-chave da metafísica: 1º.)
liberdade para uma ação individual e coletiva que respeite os outros indivíduos e também o princípio da maioria, que é a vontade geral.
119
a realidade em si existe e pode ser conhecida, e 2º. as ideias ou conceitos são um
conhecimento verdadeiro da realidade, porque a verdade é a correspondência entre as
coisas e os pensamentos, ou entre o intelecto e a realidade, não fazem sentido algum e
não possuem validade, por ignorarem o meio experimental. Na verdade, o princípio da
dúvida de Hume, conhecido como ceticismo, lançará o chamado princípio da
casualidade43 e influenciará não somente Kant, como inúmeros de pensadores do século
XIX, vinculados às mais variadas correntes.
Em seguida, ainda sobre Kant, é comentada a importância de seu pensamento para
o conceito de soberania e cidadania, já que ele formulou o de cidadania ativa e passiva.
Os cidadãos ativos são aqueles que possuem independência e autonomia por possuírem
propriedade privada e, por conseqüência, terem direito a disputar cargos públicos, além
do direito a voto. Os cidadãos passivos são aqueles dependentes que não possuem
propriedade privada e direito ao voto. Essa análise de Kant será o modelo adotado por
praticamente todos os Estados-Nação do século XIX, ou seja, o direito de cidadania
baseado na propriedade privada. O livro didático utiliza exatamente o mesmo
argumento de análise de Francisco Weffort (2008, p.62).
Essa concepção de cidadania tem por base os direitos inatos à liberdade e à igualdade. Trata-se, naturalmente de uma ideia reguladora; mas ela tem consequências práticas imediatas. Nenhuma constituição, por exemplo, poderia autorizar a escravidão, por ser ela absolutamente incompatível com os princípios da justiça [...]. De fato, estabelecida a sociedade segundo o direito, nem todos os seus membros qualificaram-se para a atuação política através do voto, ou seja, para a cidadania ativa. Não se qualificam os que vivem sob proteção ou sob as ordens de outrem, como os empregados, os menores e as mulheres; esses são cidadãos passivos.
No item seguinte, intitulado Os economistas liberais, se discute o pensamento
econômico do Iluminismo. Em comparação com o livro didático anteriormente
analisado não existem muitas diferenças quanto aos precursores e os
desenvolvimentistas do liberalismo econômico. O livro parte da premissa da
43Para Hume, esse princípio significa o hábito que nossa mente adquire de estabelecer relações de causa e efeito entre percepções e impressões continuas, chamando as anteriores de causas e as posteriores de efeitos. A propagação constante e uniforme de imagens ou impressões seguidas nos leva à crença de que existe uma causalidade real, exterior, própria das coisas e separada, autônoma de nós. Para maiores esclarecimentos consultar a própria obra de Hume (Investigação Acerca do Entendimento Humano. Tradução Anoar Aiex. Editora: Nova Cultural Ltda, 1999).
120
importância da fisiocracia dos franceses Quesnay e Turgot e da teoria do laissez faire,
laissez passer. A pequena novidade está relacionada com o liberalismo econômico na
Inglaterra e os chamados “pais da economia política”. No livro, além do já reverenciado
Adam Smith, são citados também os nomes de David Ricardo, Thomas Malthus e John
Stuart Mill.
Com relação a Smith são apresentadas as famosas teses sobre a crítica à
interferência do Estado nas atividades econômicas, sobre a importância do trabalho
produtivo em relação à agricultura e a visão otimista sobre a divisão do trabalho que,
além especializar a mão-de-obra e melhorar a produção de bens, conseguiria trazer
solidariedade entre os homens e as nações. Já sobre David Ricardo rapidamente é
mencionada a chamada “Lei dos salários”, e sua relação com o custo de vida dos
trabalhadores. Logo em seguida, na página 253, o livro didático apresenta uma breve
citação de Ricardo, extraída de Beaud (1991), sobre o valor do trabalho “[...] O preço
natural do trabalho é aquele que fornece aos operários em geral os meios de subsistir e
de perpetuar a sua espécie sem crescimento nem diminuição. [...]”
Em seguida, são tratadas questões complexas como a do valor das mercadorias e
do trabalho agregado a essa mercadoria e não do aumento dos salários. Sobre Thomas
Malthus o livro analisado menciona a tese sobre a produção de alimentos associada ao
crescimento populacional e necessidade do controle de natalidade. O livro didático
utiliza mais uma citação de Michel Beaud extraída do próprio texto de Thomas Malthus
sobre esse tema no final da página 253:
Em primeiro lugar, [...] a alimentação é necessária ao homem; em segundo, [...] a paixão entre os sexos é necessária e se manterá, com poucas diferenças, tal como existe agora [...] o poder da população é infinitamente maior que o poder da terra para produzir as substâncias necessárias ao homem. A população se não encontra obstáculos, cresce de acordo com uma progressão geométrica. As substâncias crescem com uma progressão aritmética. Basta um pequeno conhecimento dos números para mostrar a imensidade do primeiro poder em comparação com o segundo.
Ainda na perspectiva do crescimento populacional, John Stuart Mill tinha um
posicionamento parecido com o de Malthus ao defender a limitação do crescimento
populacional. No entanto, Mill apresentava algumas alternativas para a já existente crise
121
do capitalismo no século XIX, como a criação de cooperativas para diminuir a miséria
em que os trabalhadores viviam no período.
Como último tópico de conteúdo é abordado o Despotismo Esclarecido. As
autoras têm a preocupação em apresentar como este teve, nos séculos XVIII e XIX, de
se adequar às reformas exigidas pelo pensamento Ilustrado e, por outro lado, em
destacar sua importância e sobrevivência para a posteridade das nações em todos os
continentes. O livro procura dialogar com a contemporaneidade, com a nossa época, em
que os princípios Iluministas sobreviveram tanto nas ditaduras e regimes autoritários,
em termos de realizações de reformas modernizadoras, como nas democracias, em
busca das bandeiras sociais e contra os equívocos cometidos pelos governantes. A
contemporaneidade e a atualidade do Iluminismo e suas reformas, mesmo com toda a
crítica ao racionalismo e ao progresso, ainda permanecem muito fortes no campo
político como pode ser observado no seguinte trecho do livro didático:
O que torna o despotismo esclarecido algo original, diferente do absolutismo tradicional, é que, a partir de práticas intervencionistas e autoritárias, os déspotas se consolidam no poder. Se tomarmos como referência alguns governos da América Latina, do Oriente Médio, da Ásia, da África e até mesmo da Europa central e oriental podemos constatar que esse modelo persiste até os dias atuais. Em certa medida, essa sobrevivência do autoritarismo esclarecido vem confirmar que o Iluminismo é uma corrente de pensamento em progresso constante. Nas sociedades democráticas contemporâneas, não-autoritárias, a contribuição iluminista mostra-se ainda mais evidente. E, no campo dos explorados, as concepções deixadas pelos iluministas sobrevivem até os dias de hoje, servindo de incentivo para muitos povos erguerem as bandeiras da liberdade, igualdade e fraternidade, diante das injustiças e da arbitrariedade de alguns governos. (2005, p. 254).
Após o término da apresentação do conteúdo sobre o Iluminismo o livro apresenta
um texto complementar de Robert Darnton intitulado: O Iluminismo preparou a Europa
do século XXI, publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 21 de julho de 2002. Nesse
texto é realizada uma comparação entre o surgimento do euro como instrumento de
unificação da Europa e o mesmo clima de cosmopolitismo presente no século XVIII.
No entanto, temos que perceber que o cosmopolitismo do século XVIII estava
habitado na efervescência cultural e lingüística dos povos na Europa naquele momento.
A universalização dos direitos também é um ponto de vista cosmopolita que ainda
sobrevive nos dias atuais. Desta forma, mesmo com as guerras nacionalistas do século
122
XIX, e com as duas grandes guerras mundiais, a comunidade européia, através da
unificação monetária, procura criar uma identidade e manter a Europa unida. A dúvida
se refere ao questionamento sobre até que ponto essa unificação monetária pode
implodir as aspirações nacionalistas e manter o sonho comum de uma Europa unificada
e sem conflitos.
Em termos de contexto histórico o livro apresenta, no capítulo teórico sobre o
Iluminismo, no que se refere ao século XVIII, as monarquias absolutistas, as críticas ao
clero e ao Mercantilismo e a busca por novas reformas econômicas e sociais. Porém, no
capítulo seguinte (capítulo 29), A ilha da vanguarda iluminista, se busca, em termos de
processos históricos, a origem, a formulação e aplicação dessas ideias ilustradas, tanto
as do Iluminismo radical como as do moderado.
Esse capítulo procura, através da análise das revoluções inglesas do século XVII,
inserir a Inglaterra como ícone das lutas sociais contra o Antigo Regime. A base de
concentração desse capítulo é a perspectiva historiográfica de Christopher Hill (1985,
1987 e 1990), aliás, o capítulo começa com uma citação extraída do próprio Hill (1985),
de um discurso de Gerard Winstanley, líder dos Diggers44, na página 257 sobre a
liberdade e o interesse comum da terra. Ainda na mesma página, as autoras, em um box,
apresentam um fragmento de entrevista concedida a André Petry e Eduardo Oinegue,
intitulada O que eles querem, por João Pedro Stédile45, matéria publicada na Revista
44Segundo Hill (1987, p.30), a expressão Diggers, vem do verbo to dig, “cavar”. Esse nome surgiu após sujeitos que eram, em sua maioria, agricultores se instalarem em 1648, no interior da Inglaterra, em um terreno não aproveitado para semeadura, numa espécie de reforma agrária feita espontaneamente, em direta oposição aos poderes da sociedade e do Estado. 45Economista gaúcho. É um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a mais importante organização de luta pela reforma agrária no Brasil. João Pedro Stedile (25/12/1953) nasceu em Lagoa Vermelha, no interior do Rio Grande do Sul, em uma família de imigrantes italianos. Aos 10 anos, foi para o seminário a pedido de sua mãe e fez o ginásio em um colégio de frades capuchinhos. Abandonou a formação eclesiástica no segundo grau e, em 1972, mudou-se para Porto Alegre para cursar Economia na Pontifícia Universidade Católica (PUC). No ano seguinte, começou a trabalhar na Secretaria da Agricultura. Nessa época, filiou-se ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves e vinculou-se à Comissão Pastoral da Terra, empenhada na reorganização das lutas camponesas. Com a atuação na pastoral, entrou em contato com trabalhadores rurais sem-terra e participou da primeira ocupação de uma fazenda, em 1979, no Rio Grande do Sul. Stedile tem papel central na criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), ocorrida em janeiro de 1984, durante o 1º Encontro Nacional dos Sem-Terra, que articulou e unificou as várias reivindicações pela terra em curso no país. Desde então, as ocupações de propriedades rurais - principal instrumento de pressão pela reforma agrária - já ultrapassam 1,5 mil. Stedile é um dos principais articuladores da organização das atividades do MST em âmbito nacional ao implantar uma estrutura que dá autonomia a seus diretores para solucionar questões regionais. Criou ainda a Associação Nacional de Cooperação Agrícola, encarregada das questões jurídicas do movimento. É de sua autoria o projeto que transforma o Pontal do Paranapanema, oeste de São Paulo, no centro das ações e decisões do MST. Em 1986, mudou-
123
Veja, em 03 de abril de 1998, que trata da reforma agrária. Em seguida estimulam os
alunos a fazerem uma comparação entre os princípios defendidos pelos Diggers e o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Elas indagam: “Você acha que
as concepções dos Diggers pertencem ao passado? Compare-as com o texto a seguir,
sobre Stedile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil”.
Percebemos o esforço das autoras em dois sentidos diferentes, porém
complementares, a depender dos usos que o professor fizer. Primeiro estabelecendo
conexões entre o passado, a origem do capitalismo, e o presente, a sua fase
contemporânea e mais uma vez, sua crise, usando para isto a questão agrária. Segundo,
ao compartilhar de uma concepção da “história vista de baixo”, estão tentando conectar
passado e presente, tentando demonstrar a continuidade das lutas dos “de baixo” ao
longo da história do capitalismo. Esse é um exercício interessante do ponto de vista da
História porque faz com que os jovens percebam que também fazem parte de algo vivo,
que a história é viva, que as bandeiras de outros sujeitos sociais, de outros tempos e de
outros lugares, continuam sendo as bandeiras de povos do presente.
Entendemos, porém que, não podemos limitar a discussão sobre a questão agrária
de forma descontextualizada, especialmente se o recurso utilizado for o método
comparativo associando ideias como a Revolta dos Diggers (século VXII), Revolução
Russa de 1917 e o Movimento do MST, mais contemporâneo. A questão é que
parâmetros podemos utilizar para fazer as comparações sem cair no anacronismo
histórico só pelo fato desses movimentos defenderem a reforma agrária?
Na página 258, no tópico O acirramento das tensões, é apresentada uma seqüência
de fatos políticos que perpassam dois séculos, iniciando no fim do XVI no governo da
rainha Elisabeth I, passando pela crise sucessória no trono inglês após a sua morte e, nos
governos de Jaime I e Carlos I que, além de adotarem fortes medidas para aumentar a
cobrança de impostos, acirraram conflitos religiosos e tomaram medidas políticas para
enfraquecer o parlamento, gerando a crise monárquica que culminou na guerra civil de
1642 a 1651.
se para São Paulo já como principal dirigente do MST. Escreve os livros Assentamentos: Uma Resposta Econômica da Reforma Agrária (1986), A Luta pela Terra no Brasil (1993), em parceria com Frei Sérgio Görgen e Brava Gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil, junto com Bernardo Mançano Fernandes em 1999. Nesse mesmo ano, foi indiciado pela Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional depois de defender manifestação de sem-terra em uma rodovia de São Paulo. Disponível em: http//www-mendhell.blogspot.com. Acessado em: 05 de junho de 2011.
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No tópico seguinte Puritanos contra cavaleiros, é discutida toda a questão social
envolvendo o parlamento inglês, os grupos sociais representados na Câmara dos Lordes
e na Câmara dos Comuns e a diversidade de grupos religiosos em disputa. Os interesses
diversos, a luta de forças e o direito de pertencer ao parlamento estão apresentados em
uma citação de Christopher Hill, na página 259:
O Parlamento representava as classes proprietárias: apenas os homens que tivessem alguma propriedade tinham direito de voto, e nenhuma mulher, obviamente. As pessoas comuns não participavam diretamente na eleição dos membros do Parlamento e menos ainda das eleições políticas [...]. 46
Ainda na perspectiva da história social envolvendo o Parlamento, a Guerra Civil
inglesa ganha uma nova formação militar chamada Exército de Novo Tipo. Essa nova
organização militar foi um importante instrumento utilizado por Oliver Cromwell, pois
permitiu que pessoas que não fizessem parte da nobreza pudessem ingressar no exército
através do mérito pessoal e da aptidão. Essa adesão social de pessoas que faziam parte
da Câmara dos Comuns como membros da burguesia, da gentry (a pequena nobreza
rural), os pequenos proprietários e comerciantes, foi decisiva para a vitória das tropas de
Cromwell. A estratégia adotada foi a livre discussão e organização, fazendo com que se
manifestassem também os membros dos grupos mais radicais, como os Diggers e os
Levellers47, que queriam reformas mais profundas como a igualdade de todos perante a
lei, além de uma grande reforma religiosa. Em seguida, no livro utiliza, na página 259,
mais uma citação de Hill para explicar o funcionamento do Exército de Novo Tipo:
No Exército de Novo Tipo, os oficiais eram voluntários e deviam suas promoções ao valor pessoal”. Até mesmo partidários do parlamento se escandalizavam com a promoção de “Plebeus” aos cargos de oficiais. Mas os construtores da organização sabiam que, com aqueles homens humildes, unidos pela religião, submetidos a uma rígida disciplina e forjados em combate, derrotaríamos “cavaleiros” – o termo com que eram desdenhosamente designadas as tropas reais. Como observou Oliver Cromwell, organizador e líder do Exército de Novo Tipo:
46Como referenciado pelas autoras: HILL, Christopher. Virando o mundo de ponta-cabeça: o outro lado da Revolução Inglesa (In: Varia História, nº. 14, Belo Horizonte: setembro de 1995). 47Segundo Hill (1987), a expressão Levellers, foi usada para nomear os militantes que defendiam a proposta de nivelar (verbo to level) as distintas condições sociais; o adjetivo “nivelador”, o verbo “nivelar”, quando forem usados, é porque se referem a eles.
125
Prefiro um capitão trajado de panos grosseiros, mas que sabe pelo que está lutando, àqueles a quem chamais de gentis-homens e que disso não passam. Honro um cavalheiro que se comporta como tal [...] Se escolherdes homens honestos e de bem para capitães de cavalaria, os homens honestos os seguirão. [...].48
Em seguida, no tópico Do rei ao Lorde protetor, o livro trata de uma sequência de
fatos que resultaram na crise da monarquia absolutista e da hegemonia do Parlamento
por setores da Câmara dos Comuns. Em consequência disto o rei Carlos I, considerado
traidor, foi decapitado em 1649, e surgiu a República sob comando de Oliver Cromwell.
Como o livro segue a perspectiva de Hill, já no governo de Oliver Cromwell, há uma
grande preocupação com os setores sociais em disputa. A luta de interesses entre os
realistas, que defendiam a monarquia, e os puritanos, que defendiam a República de
Cromwel, e os radicais Levellers e Diggers são preocupação constante do livro.
Os radicais, que tinham sido elementos importantes no Exército de Novo Tipo
para a vitória dos comuns sobre os realistas, à medida que Cromwell foi governando e
adotando medidas autoritárias, como o fechamento do parlamento em 1653 devido às
pressões que vinha sofrendo tanto pelos radicais como dos conservadores, passaram a
criticá-lo. Passaram a cobrá-lo pela falta de participação política e de medidas
democráticas que, de fato, resolvessem os problemas da maioria da população logo após
a Guerra Civil.
Na página 260, são citadas duas revoltas encabeçadas pelos Levellers e pelos
Diggers, que são pouquíssimo citadas em livros didáticos de uma forma geral. A dos
Levellers foi a chamada Revolta de Buford, ocorrida em 1649, por conta das exigências
de grandes mudanças estruturais na política e na economia inglesa. Como parte do
programa dos radicais havia a exigência de flexibilização do câmbio para os pequenos
produtores, a separação entre Igreja e Estado, a abolição das dízimas, a proteção da
pequena propriedade, a reforma da lei dos devedores e o direito de voto para todos os
homens. Na medida em que os Levellers se levantaram contra o governo de Cromwell,
o mesmo se recusou a negociar com os revoltosos e usou as tropas de seu governo para
esmagar e executar as suas principais lideranças. No mesmo ano de 1649, os Diggers,
em uma revolta de menores proporções, tentaram desobedecer ao governo e se
48Como referenciado pelas autoras: Hill, Christopher. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.
126
instalaram em uma propriedade abandonada em St. George’s Hill, no Surrey. O governo
utilizou o mesmo método através da repressão violenta que levou à expulsão dos
ocupantes da propriedade.
Desta forma, como desfecho das lutas sociais dos radicais da Revolução Inglesa, é
utilizada mais uma citação de Christopher Hill criticando a tirania de Cromwell e
comparando-o aos monarcas absolutistas: “[...] Antes éramos governados por um rei,
lordes e comuns, agora o somos por um general, uma corte marcial e a Câmara dos
Comuns; e peço que me digais onde está a diferença! [...]”49.
Logo após as disputas entre radicais e moderados o livro traz alguns dados sobre a
República de Cromwell e uma breve biografia incluindo as datas de seu nascimento, da
primeira vez em que foi eleito para o parlamento e da sua morte, em 1658, quando seu
filho, Richard Cromwell, assumiu o cargo do qual seria deposto logo a seguir, em 1659.
Como item final de conteúdo neste capítulo, na página 261 - A caminho da nova
ordem política, trata do período da chamada restauração monárquica do absolutismo
com a volta dos Stuarts ao poder com Carlos II (1660-1685) e Jaime II (1685-1688).
Nesse período, apesar do avanço e do progresso econômico no comércio, na indústria,
na navegação, a posição ideológica religiosa dos monarcas comprometeu seus governos.
Como os monarcas eram católicos e o parlamento era de maioria protestante (puritanos,
presbiterianos, anglicanos), o governo de Jaime II, por exemplo, tentou reativar isenções
de taxas de pagamentos para católicos, além de indicar alguns deles para cargos
importantes no governo. A insatisfação do Parlamento traduziu-se na chamada
Revolução Gloriosa de 1688, que depôs do poder Jaime II, e conduziu a ele Guilherme
de Orange, monarca de origem holandesa, protestante, que atendia mais aos interesses
do Parlamento inglês, principalmente da grande parcela da burguesia e da gentry.
Nesse novo momento político, como a Inglaterra estava se tornando um país
liberal burguês, novas leis foram inseridas nesse quadro. Entre essas medidas está a
Toleration Act, que concedia liberdade religiosa para os vários segmentos da religião
cristã. Essa lei foi inspirada na obra de John Locke Carta sobre a Tolerância, que tinha
como interesse criar uma igualdade absoluta e imparcial para todos em termos religiosos
e políticos, e acabar com os excessos de intolerância que assolavam a Inglaterra no
49Como referenciado pelas autoras, Panfleto Leveller. In: HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça. São Paulo, Companhia das Letras, 1991.
127
século XVII. Essa nova concepção sobre a diversidade religiosa é assim apresentada
pelo próprio Locke (2007, p. 35-36):
Ora, as divisões entre as seitas não devem ser encaradas como obstáculo à salvação das almas. No entanto, não se pode negar que adultério, fornicação impureza, lascívia, idolatria e coisas assim são obras da carne, a respeito das quais o apóstolo declarou expressamente que” aqueles que as praticam não herdarão o reino dos céus” [...]. Mas se alguém age de outra maneira e, sendo cruel e implacável com aqueles que diferem dele em suas opiniões, é indulgente com iniquidades e imoralidades inadequadas a um cristão, mesmo que essa pessoa fale muito sobre a igreja, é outro reino que ela almeja, e não o progresso do reino dos céus.
Como encerramento do capítulo 29 é discutida a introdução do Bill of Rights
como instrumento político que reduziu o poder do rei na Inglaterra. Entre as medidas
adotadas por esse documento o rei perdeu a função exclusiva de criar impostos e
execução de lei sem a permissão do Parlamento e também o de julgar indivíduos sem
um júri.
Da mesma forma que o capitulo 28 neste também é utilizado, como atividade de
aprofundamento, um texto complementar na página 262, sobre o protesto das mulheres
na Revolução Inglesa. O texto é de autoria dos historiadores franceses Georges Duby e
Michelle Perrot50 extraído do livro História das Mulheres – do renascimento à Idade
Moderna, com o título As Niveladoras, e trata do período de convulsão social iniciado
com a Guerra Civil, em 1642, em que mulheres fizeram uma petição exigindo o fim da
guerra e o retorno à paz. O Parlamento, em tom de discurso machista, não as atendeu
pedindo que as mesmas voltassem para casa e cuidassem de seus afazeres domésticos.
O texto complementar aponta uma interessante análise sugerindo que as mulheres
não possuíam simplesmente um discurso que tinha como meta acabar com o
preconceito de gênero, por conta de sua “natureza inferior”, ou de serem mais frágeis do
que os homens e de sua submissão aos pais e maridos. Havia também, nesse discurso,
um tom político questionando a busca pela liberdade individual expressando um
sentimento de insatisfação não com sua situação. Esse sentimento pode ser percebido
em uma de suas reclamações no Parlamento Inglês em 1649:
50Como referenciado pelas autoras: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres – do renascimento à Idade Moderna. São Paulo, Ebradil, 1991.
128
Não temos nós um interesse igual aos dos homens desta Nação, naquelas liberdades e garantias contidas na Petição de Direito e noutras boas leis de terras? Será que alguma parte das nossas vidas, membros, liberdades ou bens nos podem ser retirados mais do que aos homens?... E devemos nós ficar sossegadas em nossas casas, como se nós, as nossas vidas e liberdades e tudo, não estivessem em causa ?... Por conseguinte, uma vez mais, imploramo-vos que reconsidereis a nossa última petição... porque não estamos nem um pouco satisfeitas com a resposta que deste aos nossos maridos e amigos.51
Quanto aos aspectos relativos à materialidade e à ilustração do livro no capítulo
28, Universalidade, individualidade e autonomia, este tem sete páginas, incluindo o
texto complementar. O capítulo começa na página 249 e termina na página 255. Nele as
autoras utilizam tanto imagens de época, quanto algumas imagens de reflexão que
necessariamente não são imagens do século XVII-XVIII. Desta forma, o livro tem uma
perspectiva de que o Iluminismo possui uma mentalidade Trans-epocal como afirma
Rouanet. 52
A primeira imagem utilizada é a reprodução de uma tela de autoria de Norman
Rockwell intitulada A Regra de Ouro53. Esse quadro, pintado em 1961, inspirado no
lema: “Faça pelos outros o que você gostaria que eles fizessem por você”, retrata uma
sociedade multicultural com as mais variadas tendências religiosas e também
multirraciais. As imagens são bastante sintomáticas justamente porque os EUA
passavam naquela época, um período bastante turbulento pelos impactos da Guerra Fria
no campo externo, e pela luta dos direitos civis e políticos que negros, mulheres e outros
setores sociais, incluindo minorias, então travavam. No entanto, as autoras do livro
didático fazem uma sugestão aos alunos: primeiro é necessário ler o capítulo sobre o
Iluminismo e depois de tirar conclusões sobre o referido assunto, retornar à figura e,
então, realizar as comparações entre o pensamento iluminista e o quadro do pintor.
A segunda imagem utilizada é bastante tradicional nos livros didáticos: a capa da
primeira ou segunda edição da Enciclopédia comandada por Denis Diderot. O titulo
original Encyclopedie ou Dictionaire Raisonne Des Sciences, Des Arts Et Des Métiers,
51Idem. 52Segundo Rouanet (2005), Trans-epocal, tem o significado de que cruza uma determinada época histórica. Desta forma, a perspectiva e presença de Iluminismo, encontradas no livro didático analisado, atravessam o século XVIII. 53Ver a imagem reproduzida anteriormente neste capítulo.
129
é uma das imagens mais famosas da cultura letrada do Iluminismo para o mundo
ocidental, e está incluída na página 251 do livro.
Em seguida é colocada, não uma reprodução de um quadro, mas de uma foto de
1999, da Praça dos Três Poderes, em Brasília. A foto está na página 252, na parte de
discussão sobre o pensamento de Montesquieu. Com a foto se busca demonstrar não só
a permanência do pensamento Iluminista com a divisão dos poderes, mas também que
essa organização política é a forma mais moderna e mais utilizada pelos países no
mundo atual.
130
A última ilustração traz uma reprodução de pintura do inglês Thomas
Gainsborough, datada de 1748-50, que retrata cena do cotidiano de um casal de nobres
ingleses, destacando a paisagem de uma propriedade privada, conformando o
pensamento iluminista como o de John Locke, que a exaltava.
Da mesma forma que o livro didático anterior analisado, este em termos de
exercícios possui uma vasta lista que está mais voltada para vestibulares com algumas
atividades complementares e exercícios de fixação voltados para uma reflexão mais
crítica e uma interação com o cotidiano do aluno. Principalmente no que se refere as
imagens e ao que se transmite nos veículos de comunicação.
4.3. Livro 3 – A Escrita da História de Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda
O terceiro livro que analisamos foi A Escrita da História de autoria de Flávio de
Campos e Renan Garcia Miranda. Ensino Médio – Volume único. Editora Escala
Educacional, 2005.
Flávio de Campos é formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1986), Mestre (em 1993 com a dissertação Os trabalhos e os dias eternos: a
131
escravidão africana nos sermões de Antônio Vieira) e Doutor (em 2000 com a tese A
escrita e a conversação honesta sobra a história de Portugal. As “Trades do Verão” do
Frei Jerônimo Baia.) em História Social pela Universidade de São Paulo. É professor de
História Medieval no Departamento de História daquela universidade, vinculado à
Linha de Pesquisa de História Sociocultural no Programa de Pós Graduação em História
da USP. É autor de vários livros didáticos de História para a Educação Básica.
Renan Garcia Miranda é Bacharel em Jornalismo e Licenciado em História pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de história das redes pública e
privada de Ensino Médio e de Cursos pré-vestibulares na capital paulista e, colaborador
em edições de livros didáticos.
O livro encontra-se estruturado em 656 páginas, nas quais apresenta os conteúdos
da seguinte forma: nove unidades assim distribuídas: I. Nas fronteiras da antiguidade,
com quatro capítulos; II. Idade Média, idade dos homens, com dois capítulos; III. A era
dos Impérios coloniais, com dois capítulos; IV. O Antigo Regime e a América, com
quatro capítulos; V. A era das revoluções e dos impérios, com quatro capítulos; VI. A
República no Brasil, com dois capítulos; VII. A era dos extremos, com três capítulos;
VIII. Moscou contra 007, com três capítulos; IX. Aldeia Global, com três capítulos e
Bibliografia.
Com relação ao conteúdo sobre Iluminismo ele está inserido na unidade IV
intitulada O Antigo Regime e a América, especificamente no capítulo 12, das páginas
257 a 264. Para nossa análise trataremos dos conteúdos que estão até a página 261, já
que as três últimas tratam especificamente das reformas pombalinas e da extinção da
Companhia de Jesus, o que foge do nosso objeto de estudo, especialmente com relação
ao recorte temporal e temático.
Neste caso, os autores apresentam um tratamento específico e estanque para o
Iluminismo, já que os outros temas tratados na unidade fazem referência a conteúdos
nos quais essa temática não se faz presente54. Isso o diferencia, como pudemos observar,
dos outros livros analisados nessa dissertação. Ao final do capítulo, os autores
acrescentam: Verificação de Leitura (questionário); Um outro olhar (texto
54Esta unidade é apresentada da seguinte forma: Capítulo 9: O império de Deus pelos ibéricos; Capítulo 10: A civilização do açúcar; Capítulo 11: Monarquias européias; Capítulo 12: Nem tudo que reluz é ouro.
132
complementar); Oficina da História (texto complementar e exercícios); Atividades de
fechamento (bateria de exercícios) e Radar (questões de vestibulares de toda a unidade).
O conteúdo sobre Iluminismo se estrutura da seguinte forma:
Quadro 3. Relação unidade/capítulo/conteúdos do livro didático 3
Unidade 4
Título Antigo Regime e a América
Página 192
Capítulo 12
Conteúdo/tema Nem tudo que reluz é ouro
246
Caminhos e fronteiras A expansão das fronteiras
247 248
A idade do ouro no Brasil As regras da exploração A sociedade dos mineradores e o comércio interno A economia do Império colonial A Inglaterra e a economia portuguesa
250 251 253 254 256
O Iluminismo Adam Smith e o Liberalismo econômico
257 261
O despotismo esclarecido As reformas pombalinas Extinção da Companhia de Jesus
262 262 263
Nesse livro o contexto histórico de origem do Iluminismo está nas grandes
descobertas e evoluções trazidas pelo método newtoniano. Aqui a história do
Iluminismo é entendida como parte do progresso da humanidade, a partir de uma
perspectiva tecnológica e científica, que caracterizou o movimento na Inglaterra. Na
página 258 os autores destacam os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural55 como
uma das principais obras da ciência de todos os tempos e citam versos do poeta inglês,
Alexander Pope, que exaltam a obra de Newton: “A natureza e as suas leis jaziam na
obscuridade. Deus disse: ‘que Newton seja’, e tudo se tornou luz”56.
55Para esta afirmação os autores se baseiam em Isaac Newton, se referindo à gravitação e procurando estabelecer uma relação entre a matemática cartesiana e o empirismo baconiano e, assim, fundamentar as idéias iluministas. Sobre os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, escrito em 1687, apresenta uma série de definições sobre tempo, espaço, força, movimento utilizando o método matemático para a explicação desses conceitos. Esse livro foi extremamente importante para a elaboração das chamadas três leis fundamentais da mecânica newtoniana. A primeira, a lei de repouso ou movimento de acordo com forças impressas nele. A segunda lei sobre força motriz que produz movimento de acordo com a quantidade empregada. Ex: uma força dupla produzirá um movimento duplo. E a terceira lei trata da atração dos corpos em que a “uma ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois corpos um sobre outro sempre são iguais e se dirigem a partes contrárias”. 56
Os autores não especificaram a fonte que utilizaram. No entanto, trata-se de verso do panegírico que o poeta Alexander Pope (1688-1744) escreveu em homenagem ao cientista e que, inclusive, está gravado no túmulo de Isaac Newton, na Abadia de Westminster, em Londres, Inglaterra. No original inglês o verso
133
Em seguida, no livro didático analisado, é apresentada uma síntese do pensamento
de Kant com destaque para o seu conceito de esclarecimento como fuga da superstição e
das trevas, e para sua concepção do deísmo como princípio espiritual dos filósofos
iluministas.
Já no contexto francês são apresentadas as idéias de Pierre Bayle e seu Dicionário
histórico e crítico57, atacando o absolutismo monárquico e a doutrina da igreja católica.
Logo após, da mesma forma que nos livros anteriormente analisados, são apresentados
resumos das obras e do pensamento dos principais nomes do iluminismo francês:
Voltaire, Montesquieu e Rousseau.
Assim como no livro anteriormente analisado, os autores se preocupam em situar a
presença das mulheres. A novidade nesta obra á apresentá-las no contexto francês, o que
é feito através de texto intitulado: As mulheres e as idéias iluministas que apresenta
comentários sobre a participação feminina nos salons do século XVIII na França. O
texto mostra que os principais filósofos da época como Rousseau, Kant e o Barão de
Holbach eram contrários à participação feminina nessas discussões e defendiam
princípios naturalistas de diferenças de capacidade entre homens e mulheres, a exemplo
da afirmação dessas serem menos racionais que os homens. No entanto, ainda no texto é
citada uma autora inglesa e feminista da época, Mary Wollstonecraft (1759-1797)58 que
defendia que os princípios de direitos sociais e políticos tinham que ser estendidos
também para as mulheres. Em sua obra, Defesa dos direitos da mulher, exigia uma
revolução nos costumes femininos. Segundo a mesma, a sociedade patriarcal teria
corrompido as mulheres e, da tirania masculina, viria a maior parte das loucuras
femininas.
é o seguinte: “Nature and Nature's law lay hid in night. God sad “Let Newton be“ and all was light”. 57Esse dicionário foi publicado pela primeira vez em 1697. Trata-se de obra de suma importância para discussões entre as contradições teológicas e os ditames da razão, além de defender uma perspectiva de tolerância religiosa em tempos conturbados. Sua influência foi bastante forte nos materialistas e céticos do Século XVIII, especialmente Denis Diderot e David Hume. O livro foi escrito em meio às perseguições religiosas que havia na França em fins do século XVII e começo do século XVIII, no período do reinado de Luis XIV que revogou o Edito de Nantes. 58
Escritora britânica considerada precursora do moderno feminismo escreveu livros e artigos, entre eles a obra Reflexões sobre Educação de Filhas (1786), na qual analisou as restrições educacionais impostas às jovens, assim mantidas em um estado de "ignorância e dependência". Mostrou-se especialmente crítica da sociedade que encorajava as jovens a serem "dóceis e atentas à aparência", concluindo com a sugestão de uma ampla reforma do currículo escolar. Seus textos abordavam temas variados, a exemplo das injustiças com os pobres e condenando o tráfico de escravos. Informações disponíveis no sítio eletrônico http://www.historyguide.org./intellect/Wollstonecraft.html. Acesso em 11 jul. 2011.
134
No tópico seguinte, Adam Smith e o Liberalismo Econômico, são citados os
princípios do liberalismo econômico e de sua crítica ao mercantilismo, bem como a
defesa da importância da divisão do trabalho, do aumento do comércio e da
industrialização. A importância do empreendedorismo e do papel do homem de
negócios é realizada através de uma analogia com o personagem Robinson Crusoé de
Daniel Defoe, escritor inglês que descreve a importância da intervenção do homem na
natureza como constituição básica para a construção do homem moderno e do triunfo e
da estimulação dos princípios individualistas.
Em seguida, no último tópico do livro, são discutidos os princípios do Despotismo
Esclarecido na Europa. Comenta-se sobre o interesse dos monarcas em adotar as
reformas iluministas sem perder o poder absoluto. Como exemplo o livro cita dois
importantes nomes desse período: Frederico II, o Grande e o Marquês de Pombal e as
reformas políticas que atingiram diretamente o Brasil no século XVIII.
Sobre os aspectos da materialidade e as imagens do livro no capítulo 12, Nem tudo
que reluz é ouro, este tem cinco páginas e apresenta alguns recursos ilustrativos e
imagéticos, como demonstraremos a seguir. Na primeira página (257), é apresentada
uma reprodução de pintura do artista inglês Joseph Wright retratando um grupo de
amigos que observam uma experiência com uma bomba de ar, datado de 1768. Fica
evidente a influência do pensamento iluminista em seu trabalho, já que o mesmo retrata
avanços conseguidos com o desenvolvimento da ciência, fundamentais para a
Revolução Industrial.
135
Na página 258, ao se reportarem às idéias de Newton, os autores do livro didático
lhe garantem um destaque especial e relacionam, em um box ilustrativo, um texto
retirado da obra de Carl Sagan59, que trata da influência das leis de movimento e um
diagrama de Newton datado de 1728, sem maiores referências ao seu conteúdo.
Na página 259 é apresentada uma espécie de árvore da Enciclopédia de Diderot e
D’Alambert como parte do sistema do conhecimento humano. Ao seu lado consta
quadro com um extrato do livro de Robert Darnton60, O Grande Massacre de Gatos,
sobre os objetivos da Enciclopédia. O texto de Darnton reflete sobre como ela
contribuiu para todo o processo de didatização do conhecimento em disciplinas
específicas, inclusive para a elaboração dos currículos escolares de acordo com as áreas
e associados a princípios cognitivos para o ser humano.
59Os autores apresentam a seguinte referência: SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia da Letras, 1996. p. 47. 60Os autores apresentam a seguinte referência: DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p.272-273.
136
De acordo com essa árvore do conhecimento, o saber, segundo os enciclopedistas,
é dividido em três partes: 1. Memória, 2. Razão e 3. Imaginação. A primeira parte é
composta pela História como ciência matriz. A História, segundo o modelo dos
enciclopedistas, era dividida em História Natural e História Civil Sagrada. A segunda
era a parte mais longa da enciclopédia. A filosofia era a principal área de estudo,
dividida em conhecimento da natureza e conhecimento humano. Por sua vez o
conhecimento da natureza passava por mais uma divisão: Física (Filosofia Natural) e
Matemática. A Física (Filosofia Natural) passava por uma fragmentação sendo estudada
pela Química, Particular (ex: Zoologia) e Geral (ex: Astronomia Física). Já a
Matemática era estudada através da Matemática Aplicada (ex: Mecânica) e Pura (ex:
Aritmética). O conhecimento humano era dividido em Ética que tinha uma subdivisão
137
em Particular e Geral e na Lógica que possuía uma subdivisão em A Arte de
Comunicação, A Arte de Memorizar e A Arte de Pensar. Na parte três sobre
imaginação, o conteúdo da poesia era o eixo de conhecimento, sendo dividida em
Poesia Sagrada e Profana.
O que de fato Darnton procura chamar a atenção é que essa classificação e
didatização de estudos em matérias separadas seriam de expressiva importância para a
didática de uma forma geral e também para a organização/escritura dos livros didáticos.
A árvore do conhecimento da Enciclopédia de Diderot possui mais de 50 disciplinas
sem contar suas subdivisões. Isso demonstra a importância e significado da
Enciclopédia para a educação européia no período.
Em seguida, na página 260, na parte em que se encontra box com texto sobre As
mulheres e as idéias iluministas, destacando o dilema da participação das mulheres na
sociedade, para além dos seus deveres familiares, o mesmo se contrapõe a uma
reprodução de pintura em tela da Marquesa de Pastoret, datada de 1792, pertencente ao
acervo do Instituto de Arte de Chicago, que apresenta a mesma em uma atividade
nitidamente doméstica, como podemos constatar a seguir.
138
Na última imagem, na página 261, em outro box, consta um texto que reflete sobre
a questão do individualismo na modernidade, junto a uma reprodução de pintura datada
de 1810, de autoria de Caspar David Friederich, com o título Monge à beira mar. Neste
caso, os autores procuram, mais uma vez, estabelecer um contraponto, já que no corpo
do texto do livro didático, ao se reportar a Adam Smith, este expressa seu otimismo com
relação ao desenvolvimento da sociedade, ao individualismo e a interferência do homem
na natureza visando o progresso. Já na pintura está retratada a perplexidade do homem
(o monge) frente à imensidão da natureza, que equivale a um enigma sobre o qual a
humanidade não tem domínio. Campos e Miranda (2005) utilizam, inclusive, o recurso
estilístico da literatura aproximando-a da História ao afirmar que as idéias iluministas
produzem uma sociedade de “Robinsons Crusoes”.
139
Com relação aos exercícios esclarecemos que os autores procedem da seguinte
forma: apresentam, na unidade 4, quatro capítulos, nesses diversos itens. No caso do
capítulo 12, se apresenta uma divisão em quatro itens, que são reunidos a cada dois
deles e solicitado uma Verificação de leitura 2. Para o conteúdo do Iluminismo, em seus
dois itens – O Iluminismo (tratado nesta dissertação) e Despotismo Esclarecido, estão
presentes na página 264 nove questões subjetivas. Elas versam sobre a importância de
Newton para o Iluminismo; as relações do Iluminismo com a igreja; a comparação entre
as posições políticas de Rousseau e Montesquieu; como as idéias de Adam Smith se
opunham ao mercantilismo; se os déspotas esclarecidos podem ser considerados
iluministas e mais outras quatro questões sobre o Marquês de Pombal.
Concluindo o capítulo, são disponibilizados dois quadros intitulados Um outro
olhar e Oficina da História, com textos e exercícios. Seguem-se Atividades de
Fechamento e Radar, esses últimos com questões de vestibulares.
4.4 Um olhar sobre as obras
Como afirma Bittencourt, um dos primeiros aspectos a ser observado são os
aspectos formais do livro didático. Tomamos como exemplo o livro 3, a começar pela
sua capa, este é conhecido entre alunos e professores como o livro da capa azul, possui
várias ilustrações. Entre essas, algumas são fotografias, como a de uma rua qualquer no
Brasil no período imperial. Já, outras, são representações de cenas cotidianas como o
quadro a “Elevação da Cruz” de Pedro Peres, sobre o processo de catequização cristã na
América Espanhola colonial. Logo abaixo aparece uma outra ilustração do livro de Frei
Bartolomé de Las Casas, Narratio Regionum per Hispanes quosdam devastarum
veríssima. Essa ilustração em forma de representação faz uma grande crítica ao
processo de escravidão dos indígenas que habitaram o império Inca. As duas ilustrações
fazem parte do conteúdo do livro. O que já se percebe é que os autores estão bastante
preocupados com as ilustrações e imagens que fazem parte constante de praticamente
todos os 27 capítulos. Os autores colocam duas ilustrações antagônicas, o que
demonstra a preocupação com os conflitos entre grupos sociais diferentes e que
possuem características culturais e simbólicas totalmente antagônicas. Essa preocupação
demonstra uma perspectiva de história que procura evidenciar como as diferenças
conviveram e podem conviver no mundo atual. As páginas coloridas definem um tipo
140
de livro que atende às tendências do mercado editorial contemporâneo, com grande
apelo estético, e com uma escrita mais agradável e leve.
No entanto, a questão pedagógica entra em cena. Há uma divisão, por cores, das
páginas e cada uma delas indica uma função. Por exemplo, em todo começo de capítulo
existe uma página de cor amarela que possui um texto introdutório sobre aspectos
importantes de determinada civilização ou conjuntura histórica. As páginas brancas, por
sua vez, possuem os textos didáticos do livro, ao mesmo tempo em que, nessas páginas,
aparecem partes demarcadas com fundo verde. Sempre procuram explicitar alguma
curiosidade histórica, um aspecto cultural, ou a mini-biografia de algum personagem
histórico, geralmente aparece alguma ilustração. Essas páginas se confundem com as
próprias páginas brancas por também fazerem parte do conteúdo didático. As páginas
azuis e cinzas fazem parte de textos complementares, acompanhados de exercícios e,
finalmente, as páginas laranjas se referem às questões de fechamento de conteúdo e
questões de vestibulares. Percebe-se que essa divisão faz parte de um projeto
pedagógico para se trabalhar com as diferentes possibilidades do livro didático.
A partir daí podemos estabelecer algumas discussões sobre aspectos científicos
que ainda podem ser encontrados no livro. Os textos complementares foram extraídos
das mais variadas fontes: imagens de quadros e fotografias, pinturas representativas,
textos acadêmicos, textos publicados em jornais, textos de obras literárias que procuram
sempre sair do espectro da história metódica dos grandes eventos e das grandes
estruturas. Entretanto, isso não significa que os textos complementares rompam
definitivamente com isso, mas se procura, de certa forma, apresentar conceitos ou
pontos de vista que diferem das posições tradicionais. Por isso, no livro, essa seção leva
o nome de “Um outro olhar”, “Oficina da História”, pois procuram construir um tipo de
história em forma de síntese de textos acadêmicos que apresentam segmentos sociais e
aspectos culturais que se integram, despertando um embate entre sujeitos históricos.
A cientificidade está centrada nas próprias fontes, na medida em que o livro
possui uma vasta bibliografia com cerca de 140 títulos, o que indica um grande processo
de seleção de fontes e autores, item básico para qualquer historiador, pois como diria
Edward Carr (2002), o historiador é, antes de mais nada, um selecionador. Porém, as
fontes indicam também um certo ecletismo teórico-metodológico por incluírem autores
de várias tendências. O livro sugere uma aproximação com as novas perspectivas do
mundo globalizado e multiculturalista, sem abandonar a história política. As fontes dos
141
textos demonstram a cientificidade do trabalho do livro didático por muitas delas serem
documentos selecionados com rigor.
Essas fontes primárias atestam que o livro didático pode ser considerado um
trabalho científico que possui duas peculiaridades. A primeira, por ser feito/elaborado
fora do ambiente acadêmico, mesmo que os autores possuam pós-graduação. A
segunda, por ser um trabalho científico elaborado para não-cientistas, se pegarmos
como exemplo o público alvo dos livros que são os alunos, seus principais
consumidores. Daí poderia surgir uma pergunta: e os professores? Os livros didáticos
não são feitos para eles também, já que passaram por um processo de graduação
licenciando-se para exercer a prática docente? Podemos afirmar que, de certa forma,
não. Pois, o fato de o livro didático ser elaborado para alunos de graduação em história
que atuam como professores do Ensino Básico, deveriam estes últimos estabelecer uma
certa autonomia em relação a eles, na medida em que os livros didáticos não devem ser
tratados como único instrumento de aulas. Afinal, eles, por mais bem elaborados que
sejam, não vão resolver os principais problemas do ensino, se não existir um professor
bem preparado para fazer as articulações necessárias entre ensino e aprendizagem.
A formação do professor e a sua interferência são aspectos de que depende a
dinâmica em sala aula. O fato de o livro didático ser preparado, produzido fora da
academia sob a interferência direta das editoras e do mercado editorial, com
envolvimento de outros profissionais, não anula os caracteres científicos que possui. Os
aspectos mercadológicos não podem ser ignorados, porém, eles também não anulam a
presença de elementos científicos do livro, principalmente se levarmos em conte a
metodologia, e as das fontes utilizadas.
As práticas trazidas pelo professor é que podem modificar o ensino, embora, como
afirma Bittencourt, os professores não consigam geralmente colocar para os alunos que
o livro didático é uma obra que tem o mesmo valor que uma obra literária ou outros
livros de ficção. Os livros são tratados como instrumentos dos quais é necessário apenas
extrair os conteúdos e demarcar determinadas páginas a serem estudadas para as
avaliações, negligenciando-se, muitas vezes, o fato de que poderia ser utilizado como
incentivo para posteriores leituras.
A partir deste ponto podemos voltar à questão se o conhecimento do livro
didático, tendo em vista toda a sua produção, a escolha de fontes, a bibliografia vasta
pode ser considerado como instrumento de transposição didática? O livro didático tem a
142
função sim de fornecer uma didática que respeite os processos de aprendizagem e os
aspectos cognitivos de acordo com a faixa etária do aluno, mas isso não significa que
simplesmente faça a transposição do conhecimento acadêmico ou das chamadas
ciências de referência. A transposição didática deve ser feita pelos professores. O
docente precisa de sensibilidade e formação suficientes para avaliar e selecionar aquilo
que é mais significativo para os alunos e o seu cotidiano no ambiente escolar. Não
adianta produzir livros fáceis com linguagens acessíveis, se temos professores
desqualificados e mal preparados para a docência.
Entendemos que se existe algum mal no livro didático, independente de sua
corrente ideológica ou mercadológica, esse mal reside em pretender transformá-lo no
único instrumento metodológico de apreensão na história, como se fazia nos anos 1970,
com o ensino tecnicista na Ditadura Militar. Transformá-lo no salvador do ensino
esquecendo o profissional que o conduz, bem como as outras fontes e metodologias, é
cair nas vicissitudes que empobrecem o ensino de história, o conhecimento histórico e a
própria escola como instituição de produção e transmissão de saberes e experiências.
Desta forma, compreendemos o livro didático como um instrumento da historiografia
que muda suas concepções, suas abordagens de acordo com o tempo, de acordo com as
tendências historiográficas e com os novos olhares lançados sobre novos e antigos
objetos da história.
A partir deste momento, procuraremos estabelecer algumas pontes de análise e
comparação entre os materiais didáticos no que se refere aos conteúdos e perspectivas
teóricas e historiográficas sobre o Iluminismo. No primeiro livro analisado, o de Divalte
Figueira, é percebível que o autor segue uma perspectiva mais tradicional, já bem
consolidada na historiografia e na cultura histórica contemporânea, sobre o Iluminismo
na Europa. O seu foco é o tratamento da Ilustração como principal fonte propagadora de
ideias da França do século XVIII.
Apesar de o mesmo considerar importantes as bases do Renascimento Cultural e
da Revolução Científica do século XVII, bem como as obras de autores como Bacon e
Locke, o autor coloca que o racionalismo francês, com suas críticas às instituições do
Antigo Regime é a principal expressão do pensamento Iluminista. Essa perspectiva se
encaixa na vertente de pensadores como Voltaire que, em sua análise das sociedades,
ancora-se na proposta de descobrir as “leis gerais” que as explicam. Segundo ele, o
decurso da História poderia passar por revoluções e evoluções, da mesma forma que a
143
física, daí porque os conceitos de civilização e de evolução são chaves para a
interpretação da história e das sociedades.
A posição do autor desse livro didático aproxima-se, assim, da daqueles
pensadores que, tal como Ernest Cassirer, sem dúvida um dos mais importantes e
influentes, que colocam o Iluminismo francês como a mais viva expressão do
movimento e a França como o seu maior centro. Resultado dessa posição é considerar o
século XVIII, como o Século das Luzes e, portanto, o século da crítica. Trata-se de uma
posição já consolidada na cultura histórica e política contemporânea e que, de certa
forma, reduz o movimento da Ilustração do XVIII, à sua dimensão política, traduzida na
luta contra o Antigo Regime, característica do processo histórico francês naquele
período.
Se fizermos uma comparação entre esta obra e a de Myriam Becho Mota e
Patrícia Ramos Braick, História: das cavernas ao terceiro milênio, perceberemos uma
sensível diferença de perspectivas. As autoras partem do ponto que o Iluminismo e suas
conquistas ultrapassaram o século XVIII e possuem ainda fortes raízes no mundo
europeu e ocidental como um todo. Nessa obra didática, ao contrário da primeira, se
busca trabalhar, ainda que de modo sintético, alguns conceitos-chave do Iluminismo
como liberdade, universalidade e individualidade. O foco do livro é ainda na perspectiva
política, mas com enfoque na tradição liberal inglesa latitudinária de John Locke.
Essa corrente latitudinarista do Iluminismo inglês, timidamente aparece na
perspectiva de abordagem das autoras. Por exemplo, essa tradição, que foi uma das mais
importantes para a ilustração na Inglaterra, teve em Locke, com sua filosofia política e
teoria do Estado, baseadas no contrato social entre governantes e governados e no
conceito de cidadania associado ao de propriedade privada, é minimamente destacada
neste livro didático. Segundo esta tradição, a sociedade civil, por sua vez, baseada no
conceito de defesa da propriedade, é incompatível com o absolutismo monárquico.
Desta forma, Locke lança as bases da cidadania moderna sustentada na renda que define
a partição no parlamento inglês. Sobre esta tradição, Luiz Carlos Soares afirma que
O ideário latitudinário se fundamentava na valorização de uma racionalidade, sensualista, empirista e indutivista, que integrava plenamente os sentidos ao exercício da razão, tal como preconizara Locke no An essay concerning, human understanding (Ensaio sobre o entendimento humano, de 1689), e que entendia o conhecimento do mundo e da natureza – quer dizer, a descoberta da verdade – como um processo sempre parcial e cumulativo, tal como Newton adiantara
144
enfaticamente nos Philosophiae naturalis principia mathematica (Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, de 1687) e na Óptica (Ótica, de 1704). A intolerância e a superstição religiosas, representadas pelo conservadorismo e pelo tradicionalismo tory, eram plenamente atacadas com base nos ideais lockeanos da Letter concerning toleration (Carta sobre a tolerância, de 1689), seguidos pelos teólogos anglicanos liberais, como Samuel Clarke, que, em 1712, iniciou um processo de radicalização do latitudinarismo, ao publicar o livro The scripture-doctrine of the Trinity (A doutrina bíblica da Trindade). (2003, p. 14-15).
Esta tradição de Locke - o conceito de tolerância religiosa - será introduzido no
Bill of Rights de 1689 - e busca, através da crítica da superstição e da intolerância, uma
nova forma de compreender as obras de deus criando bases para um religião racional
trazida da tradição dissidente anglicana e associada à ciência racionalista e empirista.
Desta forma, toda a tradição latitudinarista e as que surgiram posteriormente puderam
criar condições legais de cooperação nos trabalhos científicos, trazendo à tona a idéia e
a prática de um Iluminismo pautado na tolerância e moderação com relação às
instituições inglesas.
Locke também procurou demolir as teses aristotélicas sobre a origem e a
legitimidade dos governos e sobre a interação entre indivíduo e sociedade defendendo
uma evolução social em que não há nenhuma sociedade civilizada que não tenha
passado pelo estágio de selvageria natural. A política Lockeana defende a trincheira da
razão política como um dado histórico e não como um fenômeno da natureza; assim, a
sociedade existe antes do indivíduo, contrariando Aristóteles e defendendo e
legitimando a construção da sociedade civil baseada na razão, na experiência evolutiva
histórica e no consentimento entre os cidadãos.
A sua teoria do Estado será o modelo empreendido pelas monarquias
parlamentares e, posteriormente, pelo surgimento das repúblicas, em uma incisa crítica
ao absolutismo monárquico, à teoria do poder divino dos reis e ao arcaísmo feudal. Para
o segmento da sociedade civil é necessária a representação do povo no parlamento, com
o compartimento dos poderes.
Nesta obra didática uma outra importante tradição do iluminismo inglês aparece
nos teóricos economistas liberais. O livro cita logicamente a importância da fisiocracia
francesa, porém afirma que a evolução do capitalismo teve como peso fundamental as
teses de pensadores como Adam Smith e David Ricardo. Para sermos mais justos, o
145
livro de Figueira cita Adam Smith, mas elucida pouco as suas principais teorias sobre o
trabalho, seja no campo da divisão ou da especialização, como acontece no livro
História: Das cavernas ao terceiro milênio. Além do mais, essa última obra discorda e
relativiza alguns conceitos sobre a chamada liberdade total da economia de mercado. O
livro propõe que Smith defendia algumas formas de intervenção estatal desde que
estimulassem a educação e a saúde pública, por exemplo. Vamos conhecer um pouco
desta tradição também conhecida como escola histórica escocesa.
A escola histórica escocesa61 foi uma das tradições mais latentes do pensamento
britânico no século XVIII. David Hume, Adam Smith e Edward Gibbon cristalizam, de
forma mais objetiva, a ética do capitalismo liberal e industrial que surgia a plenos
motores, com máquinas e trabalho humano. A partir deste momento este projeto passa a
ser o hegemônico dentro da Inglaterra e, posteriormente, na Europa continental. Essa
corrente de pensadores, apesar de possuir suas devidas particularidades, possui um
ponto em comum: a introdução da economia política na história.
O pensamento materialista cético de David Hume (1711-1776) lançara o
desenvolvimento capitalismo como um produto do desenvolvimento evolutivo e linear
da história. Para Hume, o capitalismo passou a se desenvolver na medida em que a
economia baseada na ética absolutista começa a entrar em franca decadência. O
desenvolvimento humano passaria pela “primeira fase [que] foi a do selvagismo, em
que os homens se dedicavam unicamente à caça e a pesca. Daí saiu para passar à outra,
em que cresceram desigualmente a agricultura e as manufaturas” (FONTANA, 1998, p.
85). Dentro deste processo evolutivo de desenvolvimento humano que leva ao
capitalismo, a divisão do trabalho e articulação da economia de mercado são peças
fundamentais. Assim, podemos estabelecer parâmetros de aproximação entre o
pensamento da escola histórica escocesa, amparado no pensamento newtoniano. São
itens-chave para o desenvolvimento do capitalismo industrial.
O capitalismo, de fato, se desenvolveu por uma série de processos que podem ser
citados rapidamente: o cercamento das terras provocando a expulsão dos trabalhadores
rurais ingleses, conhecido como enclousures; o desenvolvimento tecnológico das forças
61Surgidos na segunda metade do século XVIII, na Escócia, esses pensadores são conhecidos por introduzirem a economia política na história e também por defenderem as famosas teses do liberalismo clássico. Apesar dos escoceses possuíam um grande intercâmbio com pensadores e instituições localizados na Inglaterra. Essas informações sobre a escola histórica escocesa estão no livro História: Análise do passado e projeto social do historiador catalão Josep Fontana (Bauru, Edusc,1998).
146
produtivas no campo; as Revoluções Inglesas do século XVII; as grandes reservas de
carvão. No entanto, posições e leituras tradicionais de filósofos como Ernest Cassirer e
historiadores como Eric Hobsbawn não enxergam o desenvolvimento da Revolução
Industrial como um processo associado aos intelectuais mecânicos vinculados à tradição
newtoniana e smithiana. Segundo a leitura desses autores o desenvolvimento industrial
se deve unicamente a fatores econômicos, não analisando a questão das instituições de
ensino, a exemplo da fundação da universidade gerada pela dissidência calvinista
escocesa. Como posição antagônica a esta se pode afirmar que:
[...] na segunda metade do século XVIII, a Concepção Mecanicista de Mundo – fundamentada sobretudo no Mecanicismo Newtoniano – já estava consagrada nos meios intelectuais ingleses e franceses e, através da sua vulgarização e divulgação, tornou-se uma das poderosas alavancas intelectuais da grande transformação técnico-produtiva e social que se verificou na Inglaterra a partir dos anos 1780 – a Revolução Industrial. A disseminação do Mecanicismo nos meios técnicos e industriais, por sua vez, fundamentou a idéia de que o mundo da produção e, em particular, da produção industrial, poderia também se submeter à lógica da mecanização (SOARES, 2003, p. 103-133).
Pela citação observamos que, na grande explosão da primeira Revolução
Industrial, o mecanicismo newtoniano estava no auge. Pensadores como Hume e Smith,
tinham várias teses em defesa deste processo. Percebemos que essa tradição escocesa
que defendia a evolução do capitalismo como um processo natural, baseou seu conceito
de evolução nos de causa, efeito e de ordem de Newton, que foram propagados por
Voltaire na França. Com estas bases claramente expressas na Revolução Industrial,
podemos afirmar que ciência e progresso tecnológico são os dois vetores do Iluminismo
inglês. Esse momento torna-se chave no que se refere à consciência histórica trazida
pela escola de Hume e Smith. O feudalismo estava acabado, a escravidão e o
mercantilismo colonial da mesma forma. O comércio exterior e os pactos de parceria
comercial com países vizinhos definem que esses novos tempos chegavam e esse
comércio transmite segurança, otimismo, dinamiza a economia, constrói cidades,
aumenta a riqueza dos súditos. A força das leis de mercado como desenvolvimento
histórico traz para o plano de espaço de experiência e horizonte de expectativas uma
consciência histórica de que esse espaço estava sendo modificado constantemente pela
saída do homem da selvageria para a sofisticação econômica da cultura.
147
Segundo a análise humiana, a cultura altera o espaço social em forma de novos
hábitos de civilidade associados à cultura material, e o refinamento dos hábitos torna o
homem mais feliz e sociável; o homem urbano, que vive do avanço do comércio, da
indústria e da sofisticação das artes é o protótipo da modernidade e civilidade, trazendo
valores de liberdade e tolerância para o campo e avanço do saber; ao contrário do
mundo rural feudal representado pela reminiscência do barbarismo juntamente com o
absolutismo. As teses de Hume encaixavam-se com o otimismo e com as grandes
transformações passadas pela Inglaterra no período. Esse entusiasmo trazido pela
economia de mercado, progresso e pela modernidade esclarecida, trouxe o capitalismo
como a grande alternativa para a felicidade e como último estágio evolutivo da
humanidade. Essa mudança e avanço culturais estão expressos da seguinte forma pelo
próprio Hume:
Quanto mais avançam essas artes refinadas, mais sociáveis tornam-se os homens; nem é possível que, uma vez enriquecidos pela ciência e possuidores de um lastro de conversação, possam se contentar com a solidão ou viver distante dos seus concidadãos, maneira peculiar as nações bárbaras e ignorantes. Reúnem-se em cidades, gostam de receber e comunicar conhecimento; de mostrar seu engenho ou sua educação seu gosto na conversação ou na vida, em roupas ou em mobília. A curiosidade fascina os sábios; a vaidade, os tolos; e o prazer, ambos. Clubes e sociedades privados são formados por toda parte: os sexos se encontram de maneira fácil e sociável; e o temperamento dos homens, a exemplo de seu comportamento refina-se rapidamente. Com isso, além de todos os aprimoramentos que recebem do conhecimento e das artes liberais, não podem deixar de experimentar um aumento de humanidade com o habito mesmo de conviverem e contribuírem para o prazer e entretenimento uns dos outros (2003, p. 134).
Adam Smith, seguidor das idéias de Hume, possuía uma mesma posição sobre a
necessidade dos homens saírem do estágio de selvageria, sem governo baseado no
consentimento, passando por estados de avanço. O próprio Smith afirma que os
modernos realizaram os dois maiores feitos da humanidade:
[...] o descobrimento da América e da passagem para as Índias ocidentais pelo Cabo da Boa Esperança. Não como se dizia em muitas ocasiões, pela chegada de metais preciosos e pela revolução dos preços, mas pela expansão do mercado, que suscitou a extensão da divisão do trabalho e a inversão crescente de capital, dois processos que devem marchar conjuntamente para que continue o progresso e se consolide o ‘sistema mercantil’, o quarto e supremo estado da evolução humana (Apud FONTANA, 1998, p. 92).
148
Desta forma, o pensamento de Smith coloca em prática todo o projeto político da
burguesia que, no século XVII se constituía como classe revolucionária, e na conjuntura
do século XVIII passa a ser o grupo conservador da sociedade inglesa. No entanto,
Smith defende, nesta escala evolutiva, que o capitalismo diminuirá as diferenças sociais
e melhorará o conhecimento humano. Assim, aponta, em sua concepção eurocêntrica,
porque africanos e asiáticos não foram contemplados pela mesma forma de
desenvolvimento. Como argumenta Fontana,
[...] por trás de A Riqueza das Nações há, como se vê, uma concepção coerente da história que, por sua vez, implica numa visão claramente conservadora da sociedade. Se o progresso econômico explica por si só a ascensão do homem desde a época da barbárie sem propriedade e vivendo da caça, sem distinção de estratos, até a civilização e a riqueza [...] para ver como a propriedade estende-se ‘aos mais baixos’ escalões do povo’ e também com o tempo , a todos os povos explorados do mundo, na medida em que sejam capazes de imitar os métodos de seus exploradores (1998, p. 94).
Smith acreditava que o sistema capitalista liberal, dominado pela mão invisível do
mercado, seria um modelo teórico e prático universal a ser seguido.
Assim, precisamos perceber que, nesse período, a economia liberal não foi o
único projeto social para a Inglaterra. Essa doutrina foi a mais bem sucedida e, de fato,
realizou muitos avanços em termos tecnológicos e profiláticos para os seres humanos,
pois o progresso caminhava junto com a ciência, e por conseqüência, o bem estar.
Temos que examinar o pensamento liberal, no seu contexto e gênese, se quisermos ter
uma melhor compreensão desta cartilha, e não nos determos somente às críticas
contemporâneas aos pensadores da escola histórica escocesa. Existiam, nesse período,
outros modelos econômicos na Inglaterra, como a chamada “economia moral das
multidões”62 que, no entanto, foram solapados pela economia de mercado. Por isso,
precisamos ser os mais coerentes possíveis com o que foi o liberalismo do século XVIII,
62Ver no artigo de Edward Thompson, “A Economia Moral da Multidão”, a origem, as características e a tradição que essa economia moral tinha até o momento em que a economia de mercado passa a ser hegemônica na Inglaterra. In: Costumes em Comum. Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional. Trad. Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
149
suas propostas e intenções nesse período, pois, de fato, a Inglaterra e a Europa foram
transformadas por esse pensamento.
Continuando a comparação entre as obras, o livro História: das cavernas ao
terceiro milênio, além apresentar uma relativa importância para a Inglaterra em termos
de Ilustração, de certa forma, se aproxima mais da vertente historiográfica que
acabamos de apresentar, pelo menos se o compararmos ao livro de Figueira. Este último
está mais próximo, como foi citado, de uma historiografia mais tradicional em que as
ideias iluministas, de fato, somente vingam com a Revolução Francesa. No livro de
Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick, os marcos cronológicos de
implementação das ideias Iluministas são bem anteriores, já estando presentes nas
Revoluções Inglesas do século XVII, como é destacado no capítulo 29. No referido
capítulo, as Revoluções Inglesas no século XVII são recuperadas como eventos
importantes da vanguarda iluminista com tentativas de romper com a sociedade do
Antigo Regime.
Esta obra, em termos historiográficos, aproxima-se bastante da perspectiva da
História Social Inglesa principalmente de autores como Eric Hobsbawn e Christopher
Hill em seu esforço por recuperar a participação das multidões no processo da
Revolução Inglesa, a chamada “história vista de baixo”. Esse livro didático busca a
integração e o papel dos radicais da Revolução como Levellers, Ranters e Seekers com
outros setores como a nobreza e a burguesia que são geralmente citados no processo
revolucionário. Hill é um dos estudiosos desse período que colocam essas minorias não
somente no processo, mas também apresenta o que seria um projeto e um discurso
próprios das mesmas como se pode observar em O Mundo de Ponta-Cabeça (1987), ao
fazer isso, o historiador britânico descarta a tese tradicional de que a Revolução Inglesa
de 1640 foi um conflito de classes envolvendo apenas aristocracia de um lado e
burguesia do outro como defendia a historiografia liberal. Desta forma, o livro didático
de Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick segue nessa perspectiva de incluir este
terceiro grupo no processo quebrando a concepção dualista.
Esse livro didático segue a corrente de Hill ao demonstrar também a importância
dos grupos religiosos protestantes e dissidentes, e que os aspectos ideológicos têm a
mesma importância, senão maior em algumas situações, que os aspectos econômicos e
políticos. No livro didático de Figueira, por exemplo, esses radicais sequer são citados
150
no conflito, pois a sua perspectiva é economicista e política centrando a atenção nos
agentes históricos que são considerados os principais: a burguesia e a aristocracia.
Mesmo no que se refere ao Iluminismo francês existe uma diferença fundamental
entre o livro de Figueira e o de Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick. O
primeiro segue os requisitos de um Iluminismo francês que teve como ações principais
o campo da política como um projeto da crise do Antigo Regime no século XVIII. O
segundo segue uma perspectiva mais ampliada de colocar a ilustração francesa além do
campo político e do próprio século XVIII. As ilustrações do livro são claras ao
demonstrar a herança do Iluminismo em nossos dias, como também a importância da
educação e da leitura para a cultura européia, sintetizando a cultura francesa da época
como uma cultura enciclopédica e humanista.
Com relação ao terceiro livro analisado, A Escrita da História de Flávio de
Campos e Renan Garcia Miranda, a perspectiva historiográfica muda substancialmente
em relação aos dois livros anteriores. Nessa obra didática o principal ponto de origem e
paradigma iluminista é a tradição newtoniana. O livro parte dessa filosofia como
parâmetro para toda a organização da ciência, do conhecimento e de uma nova
percepção para a análise dos fatos e visualização do universo. Esse modelo de Newton
que une o cartesianismo, a metafísica aristotélica e o empirismo baconiano será
importante para uma nova modalidade de concepção de razão, e não de um mero
empirismo experimental cego e superficial. Para Newton, apesar dos mecânicos
realizarem muitas conquistas para o conhecimento humano, nem tudo poderia ser
simplesmente apresentado pela experiência pura e simples. Os principais pressupostos
de Newton que são o conceito de progresso tecnológico, de ordem e de causa e efeito,
são chamados de teorias gerais, pelos seguintes motivos: 1) por constituírem
explicações de um sistema que conferia unicidade e regularidade e simultaneidade geral
das coisas, ex: corpos celestes, e, 2) por influenciarem todo o pensamento europeu pós
século XVII, e servirem como o modelo das ciências naturais e, também das humanas,
no século XVIII e, principalmente, no XIX.
Para que essas buscas de explicações gerais acontecessem, o sistema newtoniano
incluía a influência de dois métodos de conhecimento em sua carreira: o método do
racionalismo de Descartes que deu suporte às suas aplicações matemáticas, e, suas
posições no estudo da lógica, principalmente no que se refere à leitura geométrica
acerca das coisas do mundo. Além do mais, Newton tinha uma admirável consideração
151
pela lógica de Aristóteles e pelo conhecimento dos antigos de uma maneira mais
específica; recorria, por exemplo, com freqüência, aos conhecimentos dos egípcios
sobre astronomia por achar que a gênese da civilização estava naquela região. O
racionalismo lógico (método dedutivo)63 era importante na medida em que não é
possível, em todas as ocasiões, usar somente a experiência para atingir resultados
satisfatórios, por isso, passou a calcular a imagem das coisas do mundo que passou a
coincidir com as coisas “de fato” no mundo real. O segundo método foi o empirismo de
Bacon, mas o uso de um empirismo mais responsável, preocupado em trazer uma
metodologia para esse método experimental, pois
[...] na ciência como em nossa vida, há um contínuo vaivém: a descoberta real segue-se ao pensamento acerca das implicações do que descobrimos e de novo o regresso aos fatos para comprovar e descobrir, numa perene alternância de experiência e teoria, esquerda, direita, esquerda, direita, continuamente (BRONOWSKI, 1977, p. 34).
Com esse método Newton fez com que a ciência moderna começasse a ganhar
estatuto de legitimidade de um modelo dominante e de universalidade que influenciou
toda a Europa com a idéia de ordem. Essa tradição de Newton provocou, na França, o
movimento da anglomania que levou pensadores como Voltaire e Montesquieu a
traduzirem, para o francês, as obras dos pensadores ingleses, especialmente Newton e
Locke, que passaram a ser muito divulgados na Europa continental. A lógica e a leitura
newtoniana da história adotada por Voltaire é destacada por Josep Fontana:
Que a história lhe interessa, antes de tudo, como meio para a compreensão da sociedade em que vive, mostra ao recusar a história antiga e declarar que só lhe importa aquela que permite compreender os progressos da sociedade européia progressos que parece identificar com a gênese do capitalismo. Ele vê a evolução da humanidade em termos culturais e estabelece quatro grandes épocas, quatro séculos, que correspondem à Grécia clássica, a Roma imperial, à Europa do Renascimento e, finalmente, esse “século de Luís XIV” em que a razão humana aperfeiçoou-se e pode chegar a conhecer “a sã
63O “Método Dedutivo” consiste em partir de uma verdade já conhecida (seja por intuição, seja por uma demonstração anterior), em que essa verdade é demonstrada para se aplicar em todos os casos particulares iguais. Segundo o método dedutivo, um fato ou objeto particular é conhecido por uma inclusão numa teoria geral. Esse método sustenta-se no uso da razão, o que pode ser percebido nos planos cartesianos e equações como fazem os matemáticos e físicos. Consultar Marilena Chauí. Convite a Filosofia. São Paulo, Ática, 1995. p. 81-82.
152
filosofia”, se bem que não faltem em ocasiões percepções em outro sentido, como os que levam a relacionar desenvolvimento industrial e cultura (1998, p. 66-67).
Voltaire fazia parte da tradição anglomaníaca que se formou na França no século
XVIII, defendendo as grandes conquistas da ciência inglesa, e se tornando um dos
principais ideólogos da monarquia parlamentar. Para Voltaire, esse seria o sistema
político perfeito para deter os abusos e o atraso políticos causados pelo absolutismo
monárquico. A liberdade que se obtinha na Inglaterra para os pensadores era algo
invejável e admirável pelos pensadores franceses daquela época.
Montesquieu, em sua principal obra, O Espírito das Leis, sistematiza, através do
conceito newtoniano de lei, a sua leitura para as sociedades, buscando aquilo que pode
ser generalizado e uniforme para a política, assim com as leis de massa, movimento e da
gravidade. Segundo Montesquieu, e posteriormente Comte em sua Física Social, seria
necessário adaptar essas leis universais extraídas da física, como a lei de gravitação
universal; criar leis e instituições positivas para dominar o comportamento humano e
dar um destino à humanidade:
[...] tal como é possível estabelecer as leis que regem os corpos físicos a partir das relações entre massa e movimento, também as leis que regem os costumes e as instituições são relações que derivam da natureza das coisas. Mas aqui se trata de massa e movimento de outra ordem, a massa e o movimento próprios da política, que poderiam corresponder, se precisássemos levar a metáfora, a quem exerce o poder e como ele é exercido (WEFFORT , 1989, p. 115).
Em suma, Newton e sua tradição são os expoentes máximos dos conceitos de
ordem, lei e progresso científico que aceleraram a história no campo das idéias e no
horizonte de expectativas com sua perspectiva mecanicista.
4.4.1 Problemas conceituais encontrados nos livros didáticos
Um dos grandes desafios dos autores de livro didáticos é a apresentação de
conceitos e com o Iluminismo não é diferente. Nos livros didáticos que fazem parte da
análise desse trabalho, como também em vários outros, são encontrados problemas
comuns relacionados aos vários conceitos históricos e filosóficos apropriados pelos
historiadores para uma conjuntura e mentalidade de determinada época. Vamos
comentar alguns desses problemas conceituais encontrados.
153
O conceito de razão certamente é um dos grandes nortes orientadores do
Iluminismo. Nos livros didáticos ele aparece de uma forma bastante uniforme, pautada
na ideia de razão “pura” encontrada em si mesma e auto-explicativa, como se bastasse a
si própria é apresentada como uma dádiva, uma iluminação e, portanto, a partir de uma
perspectiva a-histórica. Essa ideia de razão nos livros didáticos não explicita as
condições sociais, econômicas os avanços científicos da época que levaram à sua
formulação, pelo contrário, se apresenta muito ainda na perspectiva cartesiana baseada
na dedução. Esse tipo de verdade filosófica é uma das maiores confusões para o
conceito de razão no século XVIII definido como Século das Luzes.
Como bem analisou Cassirer, no século XVIII se busca uma alternativa, um outro
modelo de explicação. Nesse período a física newtoniana toma o centro do conceito de
razão, principalmente com o conceito de leis universais que substitui a dedução pura de
extração cartesiana. Desta forma, “a via newtoniana não é a da dedução pura, mas a da
análise” (CASSIRER, 1994, p. 24). Esse princípio da análise é o modelo investigativo
do século XVIII, em que fatos encadeados em uma regularidade e estabilidade
constituem os critérios de verdade. Essa razão do século XVIII, está inserida nos
fenômenos, ela não existe a priori, mas se constitui a partir de um prazo na medida em
que se conhecem os fatos através da análise.
No entanto, temos que atentar que esse modelo de razão newtoniana não exclui ou
rompe com o modelo de razão cartesiana, pois busca harmonizar o espírito imaginativo
(dedutivo) com espírito analisador (factual). Afirma Cassirer:
A conciliação do “positivo” e do “racional” não é uma exigência puramente teórica; essa síntese é um fim acessível, um ideal realizável: o pensamento setecentista vê aí a prova concreta, imediatamente convincente no curso que as ciências, desde o seu renascimento, efetivamente adotaram (1994, p. 27).
A razão filosófica, da análise newtoniana do século XVIII, cria um novo
paradigma para a história do conhecimento humano, e constitui o princípio das
descobertas e saber. O que podemos concluir é que o conceito de razão iluminista não
deve ser tratado como único, simples e dedutivo. Deve-se compreender que não existe a
razão do Iluminismo, pronta e acabada, como está em muitos livros didáticos, mas sim
as razões que perpassam o movimento ilustrado. Essas razões são históricas, possuem
suas origens na modernidade européia, e se desenvolveram com o intuito de conceber a
154
explicação da totalidade. No entanto, o grande equívoco que se coloca com a ideia de
razão como ela é apresentada nos livros didáticos é de que essa possui uma trajetória
linear na história da humanidade e do pensamento mais especifico.
Um outro conceito apresentado de forma problemática é o de progresso. Nos
livros didáticos ele é colocado sempre como a válvula propulsora da humanidade, como
o princípio básico da autonomia individual e depois coletiva. Em síntese, a
historiografia e os livros didáticos contribuíram para aquilo que alguns vão chamar de o
“mito do progresso”, mito esse bastante criticado por conta do liberalismo econômico e
suas constantes crises no interior do modo de produção capitalista. Porém, nos livros
didáticos os autores, apesar de citarem o progresso constantemente, apresentam
dificuldade de defini-lo em seus mais variados sentidos.
Essa dificuldade surge tanto na sua distinção como na gênese do conceito.
Richard Nisbet, em sua obra, História da Idéia de Progresso (1985), procura mapear a
origem dessa ideia na modernidade européia, assim como discute se alguns autores
importantes, como Bacon e Descartes, seriam de fato defensores do progresso material
como geralmente se tem conhecimento. O primeiro é questionado pelo fato de sua
posição que advoga as realizações humanas de interferência e autonomia sobre a
natureza como sendo suficientes para defini-lo como teórico do progresso, e o segundo
pela ideia da sintonia mecânica que dá dinâmica ao universo. Segundo Nisbet, se
Descartes fosse progressista, o universo não estaria em equilíbrio pleno, mas sim em
constante mudança. Polêmicas a parte, Nisbet também procura dar sua definição e
entendimento do que seria progresso:
Por essa idéia entendemos a noção de que a humanidade tem avançado vagarosa, gradual e continuamente desde uma condição original de despojamento cultural, de ignorância, e de insegurança até etapas de civilização cada vez mais elevadas, e que esse avanço deverá, com alguns possíveis retrocessos, continuar no presente e no futuro afora (1985, p. 123).
No entanto, podemos afirmar que esses dois autores abriram toda essa discussão
para os séculos XVII, XVIII e XIX. O referencial que se tem sobre o progresso nos
livros didáticos se aplica por conta da visão etapista e linear predominante. Essa visão
de progresso e também de crítica se coloca por conta da concepção materialista e
economicista da mesma. Nos livros didáticos essa visão do Iluminismo como criador do
mito do progresso está apresentada por conta da citação que se faz de Adam Smith
155
como sendo o economista das luzes. Nos livros, Smith e seus princípios aparecem
constantemente indicando-o de forma imprecisa e sintética como o grande defensor do
progresso material, que, em linhas gerais, representa aumento da produção de bens
materiais e de consumo e, da mesma forma, o aumento em larga escala e em grandes
distâncias do comércio continental e sem necessariamente precisar do aval do Estado
para a realização dessas transações comerciais. A importância dada a Smith sobre essa
concepção de progresso deveria ser dividida com Condorcet que também a defendia.
Em suma, essa ideia de progresso deveria até ser menos enfatizada em Smith por
conta da sua incerteza, enquanto na obra Condorcet aparece de forma muito mais
sistemática. A própria expressão Esquisse des Progrès, surgiu com Condorcet por conta
de seu otimismo com as condições macroeconômicas da França no período pré-
revolucionário. O que podemos afirmar é que mesmo Condorcet sendo um dos grandes
elaboradores do conceito de progresso material, o mesmo nem sequer é citado nos livros
didáticos, o que não diminui sua importância:
Condorcet, como vimos, predispunha–se a ser crédulo, em especial no seu Esquisse des progrès. A credulidade, para Smith, representa uma deficiência das crianças, e é necessária uma longa e suficiente experiência da falsidade da espécie humana para convertê-las a um grau razoável de acanhamento e de desconfiança [...] Condorcet era impetuoso, inclinado aos arrebatamentos, às tempestades vulcânicas. Escrevia com razoável frequência, em sua polemica dos anos 1770 a favor do livre comércio, em um tom de permanente e fortuita indignação. Smith, ao contrário, era extraordinariamente cauteloso e circunspecto (ROTHSCHILD, 2003, p. 244).
Esse é apenas um dos problemas apresentados sobre a questão do progresso nos
livros didáticos sobre Iluminismo e não é o único. Temos que levar em conta que em
todo o processo da Ilustração existiram outras formas de progresso que não passam
necessariamente pelo campo material. Um dos processos mais importantes é o próprio
progresso da razão que seria obtido através do grande projeto educacional e de
esclarecimento entendido como caminho para o progresso da moral e da ética humana.
O progresso moral da humanidade foi bem explicado por Kant no ensaio Ideia
para uma história universal (1784). Nessa obra Kant elabora nove teses sobre a
filosofia da história procurando convencer que o progresso da racionalidade no
Ocidente foi possível por conta de um projeto de esclarecimento. A história seria o
marco empírico para mostrar que esse progresso faz parte do crescimento da boa
156
vontade humana, da filantropia pelo dever que explicam uma trajetória do crescimento
moral. Em síntese, o progresso da Ilustração, segundo Kant, foi possível porque a moral
também progrediu nesse período. O progresso é a passagem para a maioridade
(esclarecimento), e através desse crescimento da razão seria possível construir uma
grande nação cosmopolita que não precisasse fazer guerras ou ameaças para a
constituição do bem estar social e, portanto, do progresso coletivo. A síntese desse
desejo pode ser afirmada na tese número oito da Ideia para uma história universal:
A história da humanidade pode ser encarada, em geral, como a realização do plano secreto da natureza para estabelecer uma constituição política perfeita enquanto única situação na qual as capacidades da humanidade podem ser plenamente desenvolvidas e, também, para gerar a relação entre Estados que seja perfeitamente adequada a esse fim (WEFFORT, 2008, p. 88).
Nos livros didáticos esses aspectos do progresso humano como progresso moral
são pouco elucidados ou se confundem com a ideia de progresso material e econômico.
Esses princípios elaborados por Kant praticamente não aparecem nos livros didáticos.
As próprias ideias de Kant, quando aparecem, é de forma sintética mostrando sua
preocupação com o esclarecimento, com sua teoria do conhecimento através de suas
obras Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática, mas a questão da moral e do
próprio cosmopolitismo, conceito importante da modernidade européia como
padronizador de hábitos e costumes, possui pouca relevância nos livros didáticos.
Em linhas gerais procuramos mostrar que, apesar dessas diferenças conceituais
encontradas, percebe-se que houve avanços na organização de conteúdo, bem como a
ruptura com o estereótipo de que os Iluministas, nas suas mais variadas correntes, foram
homens das letras com perfis de racionalistas, frios, metódicos que não deram nenhum
tipo de contribuição moral e muito menos sentimental para a humanidade.
Enfim, como considerações da nossa análise podemos apontar alguns elementos
importantes. Em termos de teoria da história os livros ainda são marcados pela
predominância da visão galocêntrica. Porém, observa-se que dois dos livros
pesquisados: Das Cavernas ao Terceiro Milênio e A Escrita da História, já incorporam
a importância do Iluminismo na Inglaterra, ao mesmo tempo em que estão atentos à sua
organização no continente europeu e seus desdobramentos atingindo o continente
americano.
157
As fontes utilizadas nos textos didáticos estão bastante atualizadas. Com exceção
do livro de Divalte Figueira que nem sequer apresenta referências bibliográficas, os
outros livros pesquisados apontam uma riquíssima quantidade de referências. Nestas
obras são mais utilizados os comentadores e especialistas sobre o Iluminismo do que as
próprias obras dos Ilustrados do século XVII e XVIII. É perceptível que livros de
autores como Francisco Weffort e Cristopher Hill são os que mais aparecem nas obras
didáticas.
A historiografia tradicional e também a renovada aparecem dividindo espaço nos
livros didáticos. No livro de Filgueira predomina a perspectiva de Milton Meira do
Nascimento que tem uma concepção mais focada para as reformas político-sociais, o
que direciona sua posição mais ao Iluminismo francês. Já no livro Das Cavernas ao
Terceiro Milênio temos uma hegemonia forte da História Social Inglesa com as obras de
Hill principalmente e Hobsbawm, em um segundo plano, e também da perspectiva
contemporânea de Rouanet reforçando a permanência de alguns princípios Iluministas
em nossa sociedade. Um outro autor que é presente tanto nesse livro didático como em
A Escrita da História é Robert Darnton a sua perspectiva de circularidade da cultura
iluminista na Europa através das leituras oficiais como a obra dos filósofos, a
enciclopédia e também das leituras consideradas marginais. No livro A Escrita da
História a mulher ganha destaque na cultura e intelectualidade Iluminista obscurecidas
por muito tempo em livros didáticos.
Entre os pensadores Iluministas os que aparecem mais frequentemente são
Voltaire, Montesquieu e Rousseau na França, e John Locke na Inglaterra. Em menor
proporção aparecem Diderot, Newton e Hume. Na Alemanha o único filósofo que
aparece é Kant. E quando se fala em economia no período iluminista a maior referência
é Adam Smith.
Esse quadro demonstra que, por conta dos autores de livros didáticos usarem
muitos comentadores, a depender da vertente historiográfica com que se tenha contato,
muitos pensadores do Iluminismo ficam obscurecidos, como é o caso de Condorcet.
Além disso, os conceitos históricos são empregados de forma imprecisa e sujeita a
vários erros como foi citado anteriormente.
A questão material dos livros está bem delineada, todos os quadros e imagens
analisados possuem de fato relação com a temática. Os boxes demonstram como livros
didáticos, independentemente do fato de que as escolhas sejam dos autores ou dos
158
editores, não se submetem somente a historiografia acadêmica, mas contemplam
também artistas, pintores, literatos, o cinema que constituem elementos da cultura
histórica contemporânea. Em síntese, os livros didáticos atuais estão em sincronia, não
só com a emergência de “novos” sujeitos na história (a exemplo das mulheres e dos
trabalhadores, dentre outros), mas também com a ampliação da noção de fontes
provocada pela tecnologia e pela sociedade de imagem, com a televisão e o computador.
159
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como encerramento deste trabalho vamos destacar alguns elementos importantes
que foram foco de nossa reflexão, bem como apresentar novas perspectivas de estudo
para a temática.
O primeiro deles se refere à tentativa de analisar nos livros didáticos a abordagem
que é dirigida ao Iluminismo. As problemáticas iniciais sobre que tipo de Iluminismo é
trabalhado, qual a perspectiva geo-histórica adotada pelos autores? Francesa, inglesa ou
continental? Nas pesquisas dos três livros didáticos que empreendemos, ficou evidente
que há uma relativa predominância do Iluminismo francês, mas isso não significa que
outras nações européias não foram contempladas. Os resultados mostram que essa
perspectiva já não reina soberana nos livros didáticos.
A renovação historiográfica trazida pela história social inglesa também vem
ganhando significativo espaço nesses livros. A nossa intenção não era fazer uma espécie
de mito das origens do Iluminismo, tentando apontar a Inglaterra como gênese do
movimento, mas o interesse foi mostrar que as características inglesas eram diferentes
das francesas - não menos importantes, e que, ao mesmo tempo, possuem pontos de
intersecção. Assim, ratificar que para o saber histórico escolar e para a própria cultura
histórica, identificar a pluralidade de perspectivas ao se (re)constituir um processo
histórico é importante e fundamental para as bases do conhecimento na modernidade.
A segunda questão relevante aos livros didáticos é que, independente do tipo de
Iluminismo seja ele francês, inglês ou alemão, a forma como o seu conteúdo é tratado
apresenta-se recorrente na literatura didática, foi assim que se apresentaram nas obras
analisadas e que, por seguirem uma orientação baseada nos PCN e prescrições
curriculares e, sujeitos que são, de critérios estabelecidos e de análise periódica por
parte do PNLEM, entendemos que esta abordagem assemelha-se nos demais livros
didáticos.
Que forma/abordagem é essa?
A configuração naturalizada de uma história etapista que coloca o Iluminismo
como uma sistematização de algumas correntes dominantes que se instalou na França,
Inglaterra e restante da Europa e se tornou hegemônica. Ao que nos contrapomos, pois
como vimos no capítulo três dessa dissertação, de fato não é isso que aconteceu, pois,
tanto em sua fase moderada no século XVII como na sua fase radical a partir da segunda
160
metade do século XVIII, o Iluminismo foi duramente combatido por uma corrente
reformista da Igreja Católica que rechaçou e procurou censurar muitas obras e ideias
dos pensadores ilustrados.
A questão é que esse contra-Iluminismo não é evocado nos livros didáticos dando
a impressão que o Iluminismo era uma alternativa inescapável e determinista. O
interessante e oportuno seria que os livros apresentassem esse contra-Iluminismo para
mostrar através do ensino o embate de forças políticas e ideológicas do período. Estudar
essa corrente anti-Iluminista tem tanta importância como à própria ilustração, e isso
demonstra de forma mais evidente como o Iluminismo foi um processo conjuntural, mas
que tem visibilidade e analogias em uma duração que persiste até dias atuais, já que
concepções e princípios desse fenômeno histórico se fazem presentes em nossas
instituições, legislações, literatura e cotidiano.
Percebemos que os textos produzidos nos livros didáticos são em sua maioria
retirados de comentadores e em alguns casos das próprias fontes originais de pensadores
Iluministas. Com essa constatação apreendemos que muitos aspectos conceituais
clássicos sobre o Iluminismo como progresso, razão, liberdade são apresentados de
forma insuficientes ou que deixam pouco evidente a sua dinâmica hodierna, mesmo se
tratando de um conceito.
Os aspectos materiais como boxes e imagens são artifícios conectivos bem
utilizados nos livros e servem como instrumento alternativo de análise da cultura
histórica de uma época. Os livros dialogam com outras formas de conhecimento e de
interpretação da realidade.
Em termos de ensino de história acreditamos que estudar essas diferenças e
perspectivas entre o Iluminismo em suas várias vertentes possibilita aos alunos - que é o
principal leitor dos livros didáticos, construírem novas possibilidades de interpretação,
incentivo a novas leituras, visões e versões da história do pensamento e do projeto
político e a cultura histórica que representou o Iluminismo para o mundo ocidental.
Assim como também permite uma reformulação intelectual na formação e prática
docente do professor em sala de aula.
Nos capítulos desta dissertação, tanto sobre a análise de livros didáticos como da
função do livro no período moderno e no próprio Iluminismo, foi possível perceber as
conexões que esses artefatos didáticos contemporâneos possuem em relação aos
princípios iluministas como o da análise e da crítica, na formação de mentalidades
161
coletivas que constituem um consenso seja de uma comunidade, seja de uma nação
como foi percebível no século XIX na formação dos Estados Nacionais. Neste aspecto,
os livros possuem o mérito de conceituar, apresentar definições e explicações como foi
o propósito da própria Enciclopédia, expoente do pensamento iluminista.
Assim, a partir do momento em que os livros didáticos passaram a fazer parte das
políticas públicas do Estado, independente de sua concepção ideológica, se apresentou
uma espécie de trocadilho relacionado a uma via de mão dupla, em que podemos
considerar que tanto o Iluminismo, através das suas características foi um propulsor da
leitura e do livro entre eles, o didático, como o próprio livro didático serviu/serve a
divulgação dos princípios e projetos iluministas. Desta forma ele é produto e produtor
de um ideário iluminista!
Gostaríamos de concluir que um trabalho dessa natureza não se exauri em si
mesmo. Poderíamos direcionar de várias outras formas o que foi bastante discutido
durante todo o processo de produção textual da dissertação. Porém, preferimos adotar
esse modelo, pois queríamos buscar uma intensa conexão entre Iluminismo e livro
didático.
O intuito deste trabalho foi colaborar para futuros trabalhos que possam se
estender e romper com os limites do universo acadêmico. Boaventura de Sousa Santos
(2006) reuniu no livro Conhecimento prudente para uma vida decente, no qual
concentra artigos de vários autores, sobre a validade do conhecimento científico e do
discurso sobre as ciências, nos faz um alerta de como a academia tem que se aproximar
da sociedade. Para esse autor, as pesquisas científicas precisam extrapolar os espaços
nos quais são produzidos e tornarem-se acessíveis e fatíveis.
Desta forma estudos como esse pode ser aproveitado e ampliado para a produção
do conhecimento histórico em variados aspectos da Educação Básica, como por
exemplo: nos currículos, na legislação, em referenciais, nos planejamentos escolares, na
formação dos professores e nas reflexões sobre o livro didático incluindo sua revisão
conceitual e de conteúdo, enfim, de como as escolas podem se apropriar e criar formas
de utilização da cultura histórica no conhecimento histórico escolar.
Fica a perspectiva de ampliação desse estudo/temática, desta feita para
complementar o entendimento de um conteúdo significativo não só para a época em que
ocorreu, mas, e principalmente, para a contribuição que este conhecimento pode
oferecer no cotidiano dos sujeitos históricos.
162
Neste sentido, um caminho a seguir é o estudo dos usos que professores e alunos
fazem do conhecimento impresso nos manuais didáticos seja em qualquer tema
histórico, e neste caso em especifico, do Iluminismo.
163
7. REFERÊNCIAS
Documentos
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8. ANEXO - Diário oficial de 04-2066
Edição Número 73 de 17/04/2006
Ministério da Educação Gabinete do Ministro
PORTARIA Nº 907, DE 13 DE ABRIL DE 2006 O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições legais, resolve Art.1º Divulgar o resultado das avaliações dos Livros Didáticos dos Componentes Curriculares de História e Geografia, realizadas no âmbito do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio - PNLEM/2007: I Componente Curricular - História a) Títulos Recomendados 1. A escrita da História - Volume Único - Renan Garcia Miranda, Flavio de Campos - Editora Escala; 2. Brasil - História e Sociedade - Volume Único - Francisco Maria Pires Teixeira - Editora Ática; 3. História - Volume Único - Divalte Garcia Figueira - Editora Ática; 4. História - Volume Único - Gislane Campos Azevedo Seriacopi, Reinaldo Seriacopi - Editora Ática; 5. História - Coleção Vitória Régia - Volume Único - Renato Mocellin - Editora IBEP; 6. História das cavernas ao terceiro milênio - Volume 1, 2, 3 - Patrícia do Carmo Ramos Braick, Myriam Becho Mota - Editora Moderna; 7. História do mundo ocidental - Volume Único Lizânias de Souza Lima, Yone de Carvalho Antonio Pedro - Editora FTD; 8. História em curso O Brasil e suas relações com o mundo ocidental - Volume Único - Marly da Silva Motta, Dora Guimarães de Mesquita Rocha, Américo Oscar Guichard Freire - Editora sil; 9. História Geral e Brasil - Volume Único - José Geraldo Vinci de Moraes - Editora Saraiva; 10. História Global - Brasil e Geral - Volume Único - Gilberto Vieira Cotrim - Editora Saraiva; 11. História Moderna e Contemporânea - Volume Único - Maria Helena Valente Senise, Alceu Luiz Pazzinato - Editora Ática 12. História - trabalho, cultura e poder - Volume 1,2,3 - Ediméri Stadtler Vasco, Sergio Aguilar Silva, Adriana de Oliveira, Gabardo Dell'Agostino - Editora Base;
170
13. História: uma abordagem integrada - Volume Único - Eduardo Aparecido Baez Ojeda,Nicolina Luiza de Petta, Luciano Emidio Delfini - Editora Moderna; 14. Nova História Crítica - Volume Único - Mario Furley Schmidt - Editora Nova Geração; 15. Nova História integrada - Volume Único - Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, João Paulo Mesquita Hidalgo Ferreira - Editora CDE; 16. Pelos caminhos da História - Volume 1, 2, 3, Adhemar Martins Marques - Editora Positivo; 17. Panorama da História Volume 1, 2, 3, Silvio Adegas Pêra, Newton Nazarro Jr., Elaine Senise Barbosa - Editora Positiva; e 18. Rumos da História - Geral e do Brasil - Volume Único - Maria Thereza Didier de Moraes, Antonio Paulo de Morais Rezende - Editora Saraiva. II - Componente Curricular – Geografia a) Títulos Recomendados 1. Geografia - Geografia Geral e do Brasil - Volume 1,2,3 - Igor Antonio Gomes Moreira – Editora Ática; 2. Geografia - Geral e do Brasil Volume Único - José Willian Vesentini - Editora Ática; 3. Geografia - Geografia Geral e do Brasil - Volume Único - Tércio Barbosa Rigolin, Lúcia Marina Alves de Almeida - Editora Ática; 4. Geografia - Projeto Escola e Cidadania para todos - Volume 1,2,3 Victor William Ummus, Silas Martins Junqueira Editora Brasil; 5. Geografia do Brasil e Geral - Volume Único Tiago Médici Garavello, Vagner Augusto da Silva, André Almeida Garcia - Editora Escala; 6. Geografia Geral e do Brasil - Estudos para a compreensão do espaço - Volume Único - Ivan Lazzari Mendes, James Onning T amdjian - Editora FTD; 7. Geografia - Coleção Vitória-Régia - Volume Único - Roberto Filizola - Editora IBEP; 8. Geografia: Pesquisa e Ação - Volume Único Wagner Costa Ribeiro, Raul Borges Guimarães, Angela Corrêa Krajewski - Editora Moderna; 9. Geografia Geral e Geografia do Brasil: o espaço natural e sócio econômico - Volume Único – Lygia Maria Terra, Marcos Amorim Coelho - Editora Moderna; 10. Geografia: a construção do mundo Geografia Geral e do Brasil - Volume Único - Regina Célia Corrêa de Araújo, Demétrio Martinelli Magnoli - Editora Moderno; 11. Geografia Geral e do Brasil - Ensino Médio - Volume Único - Elian Alabi Lucci, Cláudio Roberto Assis Mendonça, Anselmo Lazaro Branco - Editora Saraiva; 12. Geografia - Espaço e vivência - Volume Único - Levon Boligian, Andressa Turcatel Alves Boligian, Angelo Bellusci Cavalcante - Editora Saraiva; 13. Geografia - Volume 1,2,3 - João Carlos Moreira, José Eustáquio de Sene - Editora Scipione; e 14. Geografia Volume Único - João Carlos Moreira José Eustáquio de Sene - Editora Scipione. III Componente Curricular - História e Geografia
171
a) Títulos Recomendados 1. Ciências Humanas e suas tecnologias - Volume 1,2,3 - Alice de Martini, Rogata Soares, Del Gáudio, João Bernardo da Silva Filho, Carla Maria Junho Anastácia - Editora IBEP. Art. 2º Conforme definido em Portaria, bem como nas Resoluções e no Edital do Programa, a divulgação do resultado não implica no compromisso de aquisição dos referidos títulos. Art. 3º Informações a respeito dos Pareceres dos referidos títulos podem ser solicitadas à Diretoria do Departamento de Política do Ensino Médio/SEB. Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. FERNANDO HADDAD
172