Post on 27-Feb-2021
Na voz do poeta: ecos da história, memória e ideologia...
Autora:Profª Elisabete Mogalski1
Co-autora: Profª Luciana Fracasse2
Agradecimento
A Deus, por toda a fé que tenho Nele. “Tudo posso Naquele que
me fortalece.”
À SEED,por ter nos proporcionado esta formação continuada,que
nos possibilitou a atualização de conhecimentos, o repensar da prática
pedagógica e um novo olhar para a Educação.
Aos meus pais, irmãs e às minhas filhas, Anna Paula e Gabrieli
que, com muito carinho e apoio, tiveram toda paciência e compreensão
em toda etapa do PDE .
À professora Luciana Fracasse pela paciência na orientação e
incentivo que tornaram possível a conclusão deste artigo.
À Diretora, professores, funcionários e alunos do terceiro ano do
Colégio Estadual Antonio Tupy Pinheiro, os quais foram tão importantes
no desenvolvi mento deste trabalho.
Às colegas, em especial,Adriana Bernardim ,Clair e Jacinta, pelo
incentivo e pelo apoio constantes.
Resumo
Este artigo é fruto de uma pesquisa-ação e objetiva refletir sobre a
prática de leitura nas turmas de terceira série do ensino médio, do
Colégio Estadual Antonio Tupy Pinheiro, no primeiro semestre do ano
de 2008, aplicando a teoria da Análise do Discurso (AD) de linha
francesa, sob a ótica de Bakhtin, Pêcheux, Foucault e Orlandi. O aluno
11990 – 1993 Graduação em Letras Português Literatura. Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO, Brasil. 1996 - 1997 Especialização em Gestão da Educação. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUCPR, Brasil.Tema: Avaliação.21997 -1999 Graduação em Letras Português-Inglês e suas Literaturas, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do Sul, FAFIJAN. 2002-2004 Mestrado em estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Londrina, UEL
ao ser confrontado com a linguagem e, por ela, com o mundo, necessita
de práticas mais significativas quanto à leitura. Nesse contexto, este
trabalho busca problematizar a relação com o texto, procurando
explicitar seus sujeitos, seus sentidos e sua história. O uso da teoria
da AD justifica-se por trabalhar com a língua no mundo e sua maneira
de significar, facilitando o diálogo texto/leitor, seduzindo-o com sua
plurissignificação e seu convite ao estranhamento. Os textos
selecionados:Que país é este de Affonso Romano de Sant’Anna,Que
país é este de Renato Russo e Bom conselho de Chico Buarque, foram
produzidos durante a época da ditadura. Seus autores, a partir da
posição histórico-social que ocupavam, imprimiram neles, consciente
ou inconscientemente, marcas de suas ideologias. Assim, um dos
pontos fundamentais na exploração dos textos, foi possibilitar que os
alunos percebessem essas marcas. Foi-lhes mostrado que o
posicionamento ideológico do autor não aparece apenas no tema, mas
também no vocabulário, no sentido dado às palavras, na construção
sintática e, sobretudo, na forma especial como organiza seus textos.
Palavras-chave: Discurso. Leitura. História.
Abstract
This article is the result of a research-action and its objective is to
reflect on the practical of reading in the groups of third grade of the
high school,of the State College Antonio Tupy Pinheiro, in the first
semester of the year of 2008, applying the theory of the Analysis of the
Speech of French Line, through the optics of Bakhtin, Pêcheux, Foucault
and Orlandi.Pupil being confronted with the language and for it, with
the world, needs some practices more significant for the reading. In this
context, this work searchs to put in doubt the relation with the text,
looking for to make explicit its citizens, its directions and its history.
The use of the theory of the Analysis of the Speech is justified for
working with the language in the world and its way to mean, facilitating
the dialogue reading text/, seducing it with its plurimeaningness and its
invitation to the unfamiliarity. The selected texts: “What country is
this?” by Afonso Romano de Sant'Anna, “What country is this?” by
Renato Russo and Good advice by Chico Buarque, they had been
produced during the time of the dictatorship. Its authors, from the
description-social position who occupied, had printed unconsciously or
conscientious , marks of its ideologies. Thus, one of the basic points in
the exploration of the texts, was to make possible that the pupils
perceived these marks. It was shown to them that the intentionality of
the author does not appear only in the subject, but also in the
vocabulary, in the direction given to the words, in the syntactic
construction and, over all, in the special form as they organize its texts.
Word – key: Speech. Reading. History
1.INTRODUÇÃO
Atendendo às Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa e
Literatura do Paraná (2008) que suscita uma nova forma de olhar para
o ensino da língua materna,numa concepção socio-interacionista,
propõe ao professor ver os alunos como sujeitos de um processo
histórico e social. Este precisa ser desenvolvido e ampliado nos
princípios de interação por meio das práticas discursivas. E é pelo ato
da leitura que isto se fará possível, na interação não apenas do leitor
com o texto, mas com as vozes presentes neles, marcas do uso que os
falantes fazem da língua, discursos que atravessam os textos e os
leitores.
Para atingir este objetivo foram usados os conceitos da Análise
do Discurso de linha francesa a qual surge num contexto sócio-
histórico e ideológico, no qual a leitura é considerada determinação
histórica dos processos de significação, pois quem lê produz sentidos a
partir de determinadas condições histórico-sociais. Por ser o texto
produzido a partir da posição histórico-social do autor, é claro que ele
imprimirá, consciente ou inconscientemente, no discurso produzido,
marcas de sua ideologia. Na ótica da Análise do Discurso (Escola
Francesa), a leitura é delimitada pela idéia de interpretação e de
compreensão, processos de instauração de sentidos.
Ler, portanto, não se resume a observar um texto como um
produto final, cujo sentido, às vezes supostamente “oculto”, seja
passível de ser apreendido em sua totalidade. Tampouco é objeto plano
que progride em sua extensão, mas como considera Orlandi (1996), é
um bólido de sentidos que parte em inúmeras direções, em múltiplos
planos significantes, é unidade que nos permite o acesso ao trabalho da
língua, ao jogo dos sentidos, do funcionamento da discursividade em
suas condições de produção.
Interpretar, pois, não é apreender, mas atribuir sentidos, mesmo
porque eles não existem a priori. Não sendo livre de determinações, os
sentidos são muitos, mas não quaisquer, porque atrelados à memória,
tanto a institucionalizada (“trabalho social da interpretação” em que se
distingue quem tem e quem não tem direito a ela), quanto a
constitutiva (o interdiscurso, o dizível, o repetível), afirma Orlandi
(1996, p. 68):
Compreender pressupõe saber como um objeto simbólico produz sentidos, através da exposição à materialidade dos processos de significação presentes no texto. Enfim, “é saber como as interpretações funcionam [...] ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo como eles se constituem”. (ORLANDI, 1999, p. 26).
Este artigo nasceu com o desejo de contribuir com a formação
de alunos – leitores criativos, críticos e dialéticos, envoltos pela
exigência de uma série de habilidades cognitivas, incorporando-os num
jogo interativo entre os interlocutores. Para que o aluno encontre e dê
significação ao texto, é necessário que ele saiba que o referente pode
não estar claramente expresso. Por isso, precisa saber que traz um
enorme repertório de textos em sua memória – embora não tenha
clareza e consciência desse fato – isto o ajudará a montar as espécies
desse jogo. É preciso mostrar-lhe que, nesse momento, entra toda a
sua experiência e vivência para a recuperação dos significados do texto
que será mais intensa quanto maior for sua capacidade de inserção
nesse processo. Os alunos foram direcionados, mas jamais induzidos
no seu processo de dar sentido ao texto, para que não se corresse o
risco de impedi-lo de uma apropriação particular da significação do
texto.
Essa apropriação de sentidos dos textos permitiu aos alunos a
formação de um significado mais amplo, que passa por um processo de
auto-conhecimento, ampliando seu quadro de valores até chegar a uma
visão mais crítica da sociedade.
Nesta pesquisa-ação, a seleção de textos (corpus) foi feita
considerando os conhecimentos acumulados pela literatura a qual
constitui a produção cultural da humanidade. Para uma exploração de
texto mais produtiva, foram observados os seguintes objetivos:
explicitar aos alunos o embasamento teórico que lhe permita
reconhecer no texto recursos expressivos para atingir um determinado
objetivo; fornecer dados (contextualização) que lhes permitam inferir
marcas ideológicas no texto; fazê-los perceber que os textos dialogam
entre si, captando o significado desta intertextualidade.
As músicas e poesias selecionadas, possibilitaram uma prática de
leitura mais abrangente, eficaz, consciente e uma análise sobre a
importância histórica destes textos enquanto prática discursiva.
Buscou-se, também, formar parte da consciência crítica dos alunos,
fazendo com que pensassem na estrutura sócio-política do país.
Foram utilizados os conceitos de sujeito, poder, história e
discurso baseados na teoria da análise do discurso de linha francesa,
sob a ótica de Bakhtin, Pêcheux, Foucault e Orlandi e a partir da idéia
de que o discurso poético traz múltiplos sentidos e se inter-relaciona a
outros contextos para fazer um novo significado.
O viés teórico da AD que fundamenta este artigo, justifica-se
pelo fato de que ela não trabalha com a língua enquanto sistema
abstrato mas, trabalha com a língua no mundo, com as maneiras de
significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos
enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto
membros de uma determinada sociedade.
Esta pesquisa-ação nasceu para contribuir com a formação de
alunos – leitores criativos, críticos e dialéticos, envoltos pela exigência
de uma série de habilidades cognitivas, incorporando-os num jogo
interativo entre os interlocutores. A grande contribuição da AD neste
trabalho foi o de observar os modos de construção necessários à
produção dos sentidos.
2. DESENVOLVIMENTO
Na tentativa de uma prática de ensino de leitura significativo,
este artigo tem como centro a formação de um leitor cuja competência
ultrapasse a mera decodificação dos textos , de um leitor que se
apropria de forma autônoma dos textos e do próprio processo de
leitura. Essa experiência de leitura, que não se faz sem o encontro
pessoal com o texto enquanto princípio de toda experiência estética se
traduz em uma experiência única de escrever e ler o mundo e a nós
mesmos.
Por meio dos conhecimentos prévios dos alunos permitiu-se
entender não apenas o que os texto dizem, mas, sobretudo, o que
revelam sem dizer explicitamente. E, principalmente, relacioná-los a
outros textos já lidos ou ouvidos, como foi o caso do texto Bom
Conselho de Chico Buarque, no qual há uso de ditos populares,
possibilitando, assim, a ampliação do campo de significados possíveis.
É preciso admitir, nessa perspectiva, que dois leitores, em função
de suas histórias de vida, jamais compreendem um mesmo texto da
mesma forma e mais, alguns dos alunos não conseguiram identificar o
interdiscurso entre eles. Todo texto se tece com fios do contexto em
que foi escrito. Quanto mais próximo se encontra o leitor do contexto
em que foi produzido o texto tanto melhor capta o seu pretexto
(significado).
A Análise do Discurso de linha francesa, na qual foi embasada
esta pesquisa, vem trazer não um método de interpretação, mas
problematizar a relação com o texto, procurando explicitar os processos
de significação que nele estão configurados e os mecanismos de
produção de sentidos que estão em funcionamento.
Por isso, considera-se o texto um produto polissêmico, que aceita
e suscita multiplicidade de leituras. Ler é estabelecer um diálogo entre
autor, texto, contexto, leitores e significados. Assim , o domínio de
cada um dos interlocutores é parcial em si e não tem unidade senão
no (e pelo) texto. O texto é unidade. A significação se faz no espaço
discursivo ( intervalo) criado pelos (nos) interlocutores, em um contexto
sócio-histórico dado.
Na literatura e na poesia, usa-se muito as polissemias e as figuras
de linguagem, que se relacionam diretamente com a criatividade
existente, quando se constrói um dizer novo, um modo de falar dife-
rente.
O discurso poético conduz à imaginação, à construção da
fantasia. Com isso,é capaz de retratar a realidade à luz estética. Nessa
prática poética, Chico Buarque de Holanda, Renato Russo e Affonso
Romano de Sant'Anna compõem seus poemas levando-nos a identificar
discursos críticos. Como escritores, eles têm o poder e a aptidão de
transmitir determinada mensagem em forma de arte, de maneira que o
leitor se identifique com ela.
Muitos textos da Música Popular Brasileira retratam um momento
histórico no qual foram produzidas e representam uma crescente
consciência da grande importância da produção litero-musical,
revelando a identidade brasileira. A canção se trata de um gênero
híbrido, de caráter intersemiótico, pois é resultado da conjugação entre
a materialidade verbal e a materialidade musical.
Observou-se claramente o modo como a censura funciona ao lado
da opressão. Proíbem-se certas palavras para se proibirem certos
sentidos. No discurso , o sujeito t e o sentido se constituem ao mesmo
tempo, ao se proceder desse modo se proíbe ao sujeito ocupar certos
lugares ou melhor, proíbem-se certas posições do sujeito.
Há uma forte tendência em se considerar a poesia e a letra de
canção dois gêneros específicos que se interseccionam por aspectos de
sua materialidade e por alguns momentos comuns de sua produção.
Partindo da premissa de que texto e melodia não são realidades
separáveis, mas duas materialidades imbricadas, esta será utilizada
apenas como texto. Para compreender os significados e a crítica social
dos poemas é preciso entender que "não há discurso que não se
relacione com outros"(Orlandi, 2000, p.31). Partindo dessa afirmação,
entendemos que a interpretação só acontece quando o sujeito
estabelece a relação do texto com a exterioridade, com os sentidos já
produzidos e que, de alguma forma, sempre retornam, seja para
instaurar a polêmica, seja para estabelecer uma relação contratual com
outros textos, outras vozes.
Assim sendo, conforme Orlandi (2003, p.31), "o interdiscurso
disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em
uma situação discursiva dada", visto que os sentidos não estão prontos,
pré-determinados, como postulam as teorias positivistas; pelo
contrário, para a AD, o que existem são efeitos de sentido criados
no/pelo discurso, no modo de funcionamento deste. Segundo o aparato
teórico da Análise do Discurso de linha francesa o sujeito não é livre
para dizer o que quer, mas instigado/interpelado, ainda que
inconscientemente, a ocupar seu lugar em determinada formação social
enunciando somente aquilo que lhe é permitido dizer, a partir do lugar
que ocupa, ou seja , para a AD, a linguagem é determinada pela
ideologia. A Análise do Discurso surgiu para responder à pergunta
"Como este texto significa?", pois a AD trabalha não com o que o texto
"quer dizer", mas "como" o texto funciona e o sentido não é universal,
convencional ou unívoco, ou seja, não é necessariamente expresso em
sua totalidade.
A idéia de polissemia (polifonia ou heterogeneidade) é
fundamental para AD, seja porque defende que os textos têm muitas
leituras (tantas quantas forem os atos de leitura feitos pelos leitores),
ou por considerar que as condições de produção são cruciais para a
interpretação. O objetivo da AD é teorizar a interpretação, realizar
leituras críticas e reflexivas que não reduzam o discurso (texto) a
aspectos puramente lingüísticos, assim busca-se compreender como os
objetos simbólicos produzem sentidos.
Para Orlandi (2004), "a finalidade da AD não é interpretar, mas
compreender como um texto funciona, como um texto produz
sentidos."Para AD os sentidos não estão apenas nas palavras, nos
textos, mas na relação com a exterioridade, nas condições em que eles
são produzidos e que não dependem somente da vontade do sujeito.
Ela leva em conta o homem na sua história, considerando os processos
e as condições de produção de linguagem, pela análise estabelecida
pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se
produz o dizer.
A concepção de leitura na perspectiva discursiva é a linguagem.
Segundo as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008), a
leitura é vista como co-produtora de sentidos. O leitor, nesse contexto,
ganha o mesmo estatuto do autor do texto. É um processo de
negociação de sentidos de contestação de significações possíveis.
Um texto apresenta várias possibilidades de leitura, não é
portador de um significado único e fechado em si mesmo. A construção
dos significados de um texto é de responsabilidade do autor e do leitor
e ainda, numa relação dinâmica entre o professor e o aluno, de forma
compartilhada, é uma prática ativa, crítica e transformadora.
As atividades de leitura devem considerar a formação do leitor e
isso implica não apenas considerar diferentes leituras de mundo,
experiências de vida e, diferentes leituras, mas também o diálogo dos
estudantes com o texto e não sobre o texto, dirigido pelo professor.O
maior objetivo da leitura é trazer um conhecimento de mundo que
permita ao leitor elaborar um novo modo de ver a realidade.
E ainda implica reconhecer a incompletude dos processos
discursivos, os vazios que eles apresentam implícitos, pressupostos,
subentendidos que devem ser preenchidos pelo leitor, por que faz
sentido e só faz sentido porque se inscreve na história e o objetivo do
analista do discurso é explicar como um texto produz sentidos,
descrever o seu funcionamento, analisando as pistas ou marcas que o
sujeito enunciador deixa, evidenciando seu comprometimento com
aquilo que diz.
Também estão presentes nos textos o silêncio que, segundo
Orlandi (2002) é a respiração (o fôlego) da significação; um lugar de
recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça
sentido. Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o
que não é 'um', para o que permite o movimento do sujeito".
Entendemos que é nesse movimento que alguns leitores
interpretam esse silêncio, a possibilidade do múltiplo, da circulação dos
sentidos proibidos, enquanto outros, lêem o sentido literal, sem
compreender como se dá o processo de construção da significação.
A literatura brasileira é rica e diversa, muitos textos da Música
Popular Brasileira retratam um momento histórico em que foram
produzidas e apresentam uma consciência cada vez mais crescente da
grande importância da produção litero-musical, revelando a identidade
brasileira.
Considerando a canção um gênero híbrido, de caráter
intersemiótico, resultado da conjugação entre a materialidade verbal e
a materialidade musical. Fizemos uso dos fragmentos do poema QUE
PAÍS É ESTE (2,6 e 7) de Affonso Romano de Sant’Anna e os poemas-
canção QUE PAÍS É ESSE de Renato Russo e DEUS LHE PAGUE de Chico
Buarque de Holanda, contemplando uma metodologia menos diretiva
e autoritária de leitura e compreensão que estão acostumados a fazer e
que muitas vezes não dão condições de uma pluralidade de leituras e
nem de trabalhar com o implícito do texto, desenvolvendo o processo
de inferências e o desenvolvimento de intertextualidade.
Nas atividades de leituras realizadas privilegiou-se não apenas os
aspectos pontuais do texto, mas elementos de fato relevantes para sua
compreensão global.
Além disso, discutiu-se as razões que levaram o autor a dizer o
que disse e da maneira como disse. Trabalhando o implícito no texto,
desenvolvendo o processo de inferências e desenvolvendo a percepção
de intertextualidade, situou-se os alunos no contexto político e cultural
em que foram produzidos os textos. O poema e as canções foram
veiculados durante o período da ditadura e o período de abertura
democrática.
O período militar compreendeu os governos de Arthur da Costa e
Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel
(1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985).Os governos
militares tiveram como principais objetivos: levar o país a um maior
crescimento econômico; exercer maior controle sobre a inflação;
diminuir as diferenças regionais em termos de desenvolvimento;
diminuir o déficit de nossa balança de pagamentos; incentivar as
exportações e atrair capitais estrangeiros.
No entanto, tais objetivos não foram alcançados em sua
plenitude, uma vez que não foi possível diminuir o déficit da balança de
pagamentos e as diferenças regionais, bem como não houve também o
controle da inflação, que chegou a 223% em 1984.
É importante ressaltar ainda que, durante o período militar, houve
um aumento considerável no número das empresas multinacionais
presentes no país e, com elas, vieram dois aspectos agravantes para a
situação nacional: as multinacionais levavam mais dólares do que
traziam, sendo que desenvolviam seus projetos com incentivos fiscais,
isto é, com dinheiro do povo brasileiro.
Dessa forma, o governo militar precisava de poderes
excepcionais, que não constavam na Constituição, numa tentativa de
sustentar a situação. Assim, os Atos Institucionais foram editados: AI nº
1, de 09.04.1964; AI nº 2, de 27.10.1965; AI nº 3, de 05.02.1966; AI nº
5, de 13.12.1968 e o AI nº 12, de 31.08.1969.
Dentre os Atos Institucionais editados, o AI nº 5 é tido como o
mais repressivo, é aquele, inclusive, responsável pela prisão e exílio de
vários artistas. Dentre eles Chico Buarque.
Em virtude da extrema repressão e controle, a imprensa e as
artes em geral sofreram rigorosa censura, foram impedidas da livre
manifestação e cerceadas as manifestações culturais.
O processo de abertura teve início em março de 1974, quando o
então presidente, Ernesto Geisel, apresentou aos brasileiros a proposta
de um “gradual, mas seguro, aperfeiçoamento democrático”. O mais
importante fato que consolidou a abertura gradual foi a extinção de AI
5.
Paralelamente à rígida censura e autoritarismo do regime militar,
acontecia em todos os setores artísticos uma forte participação em
busca da redemocratização brasileira. Nesse contexto, foi traçado um
breve percurso histórico da vida e da trajetória de Affonso Romano
Sant'Anna, Chico Buarque de Holanda e Renato Russo; Affonso Romano
de Sant'Anna nasceu em Belo Horizonte, no dia 27 de março de 1937,
filho de Jorge Firmino de Sant'Anna, Capitão da Polícia Militar mineira, e
de D. Maria Romano de Sant'Anna. Fez parte dos movimentos que
transformaram a poesia brasileira, sempre interagindo com grupos
inovadores e construindo sua própria linguagem e trajetória. Data desta
época a participação nos movimentos políticos e sociais que marcaram
o país. Como poeta e cronista, foi considerado pela revista "Imprensa",
em 1990, como um dos dez jornalistas formadores de opinião por
desempenhar atividades no campo político e social que marcaram o
país nos anos 60.
Em seu primeiro livro, lançado em 1962, "O Desemprego da
Poesia",Sant’Anna coloca seu inconformismo com a atuação do poeta
da época que não possuía a força dos poetas do século XIX. Analisa o
desencontro do poeta no seu tempo e sua frustração pessoal. O poeta
era tido como um ser boêmio, romântico, fora de época. Casa-se, em
1971, com Marina Colasanti, escritora e jornalista, segundo ele sua
melhor crítica e também musa inspiradora.
De 1973 a 1976, dirige o Departamento de Letras e Artes da PUC/RJ.
Para o curso de Pós-Graduação em Letras, realizado em 1976 na
PUC/RJ, promove a vinda de conferencistas internacionais, entre os
quais Michel Foucault, sociólogo francês.
Houve grande repercussão da visita de Foucault ao país, que se
encontrava em pleno regime ditatorial.
Lança seu segundo livro de poesias:”Poesia sobre poesia.”
Em 1980, lança o livro de poesias "Que país é este?", cujo poema título
é publicado com destaque pelo "Jornal do Brasil". Leciona, durante dois
anos, na Universidade Aix-en-Provence, na França, como professor
visitante. Chico Buarque de Holanda é uma das grandes referências
culturais do Brasil pós-1960, em especial a partir de sua participação
nos Festivais da Música Popular Brasileira. Nasceu em 1944 no Rio de
Janeiro, mudando-se, ainda criança, para São Paulo. Além de São Paulo,
também morou na Itália com sua família, voltando ao Brasil aos dez
anos de idade.
Foi incentivado desde criança à leitura desenvolvendo uma
imaginação espetacular com a qual foi capaz de criar um dos mais
importantes personagens de sua vida, Julinho de Adelaide, pseudônimo
utilizado pelo artista para conseguir escapar da censura do militarismo
da década de 70 do século XX.
Titulado de “artesão da linguagem”, consagrou-se na Música
Popular Brasileira a partir de 1964, justamente num período de grandes
tensões formadas na política brasileira. Foi o período do “Governo
Médici, do milagre econômico” e da tomada do poder pelos militares no
dia 1o de abril de 1964.
Em suas canções revela-nos uma paixão pela palavra, que nele,
torna-se instrumento de magia. Nesse período a censura era muito
forte, principalmente na década de 70. Pelo fato de possuir o domínio
da fala, foi muito perseguido no final da década de 60 e início de 70,
pois suas canções sempre foram carregadas de marcas corporais e de
valores significativos.
Esse artesão verbal busca sua fonte na “boca do povo”, por isso a
utilização de lugares comuns, provérbios e de frases feitas em suas
músicas. Porém, esses não são apresentados de forma passiva, “mas
age ludicamente: parodia, transgride, cria trocadilhos, frustra
expectativas montadas. Suas composições têm o aspecto da cultura
musical, contendo forma – que inclui a entidade física percebida –;
processos – denota o ato ou as ações/intenções envolvidos na produção
da forma –; conteúdo – mensagens conscientes e inconscientes
transmitidas através da música e da atividade musical –; e
determinantes ideológicas – a visão de si mesmo em relação à visão do
mundo, estética, valores sócio-culturais e conceitos que dão
significados a mensagens, moldes e processos musicais.
Chico Buarque sempre esteve ligado à questão social. Porém, é
na década de 70 que sua preocupação torna-se maior. Ao perceber-se
como profissional da música, tem sua concepção política transformada
– por política entende-se “a visão teórica básica da ordem social em
que se incluem as relações de poder entre os atores sociais de um
grupo determinado e as funções destes atores na rede de interação”.
Desde então, passou a lutar pelos direitos autorais, assumindo, mesmo
que de forma sutil, a liderança contra a censura. Renato Russo,com o
nome artístico de Renato Manfredini Júnior,nasceu no rio de Janeiro em
27 de março de 1960, faleceu em 11 de outubro de 1996, na mesma
cidade foi um cantor, compositor e músico brasileiro, membro da
banda Legião Urbana.Tentou buscar novos valores, novas formas de
relacionamento que pudessem fundamentar uma nova ética. Para tanto
se valeu de Camões e Buda, de Thomas Mann e George Orwell, de
Friendrich Nietzsche e Jean-Jacques Rousseau, de Caetano Veloso e
Chuck Berry, de Godard e Pasolini...multiplicou referências, desdobrou-
se, tentou buscar alguma resposta, mas teve o mesmo fim de diversos
ídolos roqueiros: foi consumido.
Na seqüência, procedeu-se à aplicação de conceitos da análise do
discurso, buscando os efeitos de sentido nos textos selecionados:
A)Que país é este – Renato, B) Que país é este?-Affonso Romano de
Sant’Anna, C) Bom conselho – Chico Buarque de Holanda. Os três
textos trazem pontos que se relacionam, possibilitando várias leituras
e como objeto discursivo, não é fechado, portanto, se relaciona com
outros textos.
Os autores revelam uma postura ideológica de luta, resistência e
descontentamento ao regime da época. Eles se apresentam como
críticos da realidade social que estavam vivendo. Por meio da poesia e
da canção, os autores escancararam fragilidades, inquietudes, revoltas
e indignação do povo, de forma sutil e artística.
Qualquer um dos discursos (textos) podem ser atualizados aos
dias de hoje. Nesse viés observou-se que cada aluno produziu um
sentido diferente de acordo com a sua história, memória e diferenças
culturais.
Estamos no século XXI, mas ainda nos vemos diante de situações
que são colocadas na década de 70 e 80, a corrupção, a exploração e a
destruição estão presentes em nossa sociedade e como Affonso R.
Sant’ Anna escreve em seus versos: “O povo, aliás, deve estar cansado
desse nome, embora seu instinto o leve à agressão e embora o
aumentativo de fome possa ser revolução.” (Que país é este –
fragmento 6). Segundo Orlandi (l983), “a leitura é produzida e cria o
conceito de condições de produção de leitura de um texto; É na sua
interação que os interlocutores instauram o espaço da discursividade.
É importante esclarecer que a Análise do discurso não é um
método de interpretação, não atribui nenhum sentido ao texto. O que
ela faz é problematizar a relação com ele, procurando apenas explicitar
os processos de significação, para atingir os mecanismos de sua
produção.
No discurso “ Que país é este” de Renato Russo, fica claro quais
eram os objetivos do regime Militar: levar o país a um maior
crescimento econômico; No entanto, tal objetivo não foi alcançado em
sua plenitude.
Quando Renato escreve: Ninguém respeita a constituição/ ...Mas
todos acreditam no futuro da nação... /Terceiro mundo, se for /Piada no
exterior
Mas o brasil vai ficar rico/ Vamos faturar um milhão./....... Quando
vendermos todas as almas / Dos nossos índios num leilão.
Qual seria a alma dos índios ? Alma não se vende.
Seriam as riquezas naturais de nosso país e que fazem parte da
alma dos índios?
E nos versos: Na morte o meu descanso, mas o /Sangue anda
solto/Manchando os papéis e documentos fiéis/Ao descanso do
patrão.Aqui lembramos do aniquilamento de tantas tribos índigenas,
desde a colonização até o dias de hoje. Quem é patrão ? Quem
realmente manda em nosso país ? Fazemos tudo em favor da
globalização.
Mas o brasil vai ficar rico/ Vamos faturar um milhão Às custas da
exploração e da miserabilidade do povo ?
No poema: Que país é este de Affonso Romano Sant’Anna
observamos a mesma relação,de poder e ideologia.
Há 500 anos caçamos índios e operários,
Há 500 anos queimamos árvores e hereges,
Há 500 anos estupramos livros e mulheres,
Há 500 anos sugamos negras e aluguéis.
A repetição das palavras e o paralelismo das construções
enfatizam o tempo (desde a colonização) e as ações que acontecem
até os dias de hoje:
Caçar, queimar, estuprar, sugar.....
Os clichês aparecem para conformismo e tranqüilizante para
comportamentos atrozes que sofre o povo brasileiro.
que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que São Jorge é guerreiro,
que do amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode sacode;
A presença da ironia: Há 500 anos somos pretos de alma branca,
não somos nada violentos,
(...)
Este é um país de síndicos em geral,
Este é um país de cínicos em geral,
Este é um país de civis e generais.
Aqui vemos presente também a intertextualidade com fábulas:
... somos raposas verdes
colhendo uvas com os olhos,
(...)
O povo, no entanto, é o cão
e o patrão
- o lobo. Ambos são povo.
E o povo sendo ambíguo
é o seu próprio cão e lobo.
As várias profissões que aparecem no poema nos mostram quem
é o Povo desse país : Síndicos, generais, políticos, policiais, civis,
operários, exegetas, atletas,poetas, poetas negros,carcereiros,
costureiras. E aqueles ainda, que sofrem preconceito: putas,
sifilíticos,bichas. Os fatos históricos são colocados de forma sutil:
joaquim silvério – (traidor) aquele que entregou Tiradentes à
forca;Faraós – exploração da mão-de-obra escrava.
Este é um povo bom. Isto também diziam os faraós enquanto
amassavam o barro da carne escrava. A censura que sofreram os
artistas aguçavam mais o gosto para escrever.
Mas este é um povo bom/me pedem que repita/como um monge
cenobita/enquanto me dão porrada/ e vigiam a escrita. No poema-
canção Bom conselho, Chico Buarque de Holanda, conseguiu driblar a
censura à música, usando provérbios conhecidos. Considerando o texto
(discurso) dentro do contexto histórico e social em que foi escrito,
novas inferências emergem, conduzindo para possíveis interpretações.
Este poema foi escrito em 1972, especialmente para o filme
Quando o carnaval chegar de Cacá Diegues.
Era a época da ditadura militar, em que as pessoas viviam
sobressaltadas com a ameaça constante, imposta pela repressão à
liberdade de manifestação do pensamento.
A realidade estava muito difícil, as pessoas sofriam, tinham
perdido a tranqüilidade e a espontaneidade. Em uma conjuntura dada,
as formações discursivas determinam “ o que pode e deve ser
dito”(Pêcheux,1972)A censura estabelece um jogo de relações de força
pelo qual ela configura, de forma localizada, o que, do dizível, não deve
( não pode) ser dito quando o sujeito fala.
O provérbio, em sua forma original, significa a consagração de
usos e costumes que se impõe a todos e, assim, num certo sentido,
postula a anulação da iniciativa pessoal, a recusa do pensamento e do
ato individual, para privilegiar modos de ser, de sentir e de pensar
coletivos. Todos os provérbios convocados por Chico Buarque nessa
canção reportam à uma aceitação das coisas, de medida, de
passividade. Pois os provérbios (restaurados na sua forma original)
“Quem espera sempre alcança”
“É só dormir, que a dor passa”
“Espere sentado para não se cansar”
“Pense duas vezes antes de agir”
“Não corra atrás do tempo”
“Devagar se vai longe”
São, em última instância, um convite à inércia e ao conformismo,
receitas tranqüilizantes e pacificatórias, reflexões padronizadas que
mascaram uma situação em que interessa manter-se o status quo. Com
efeito, é o “lugar comum”, o provérbio, o dito popular, no fundo, que
constroem o ideário popular, feito de recorrências e fatalidades – que
levam à aceitação acrítica da qualquer situação, à manutenção da
“ordem” – no limite, imobilismo.
Chico Buarque desconstrói os provérbios, de modo a recriar
mensagens novas. Na primeira estrofe, lê-se Ouça um bom conselho
que lhe dou de graça, isto contraria o senso comum de que se conselho
fosse bom, ninguém daria, mas venderia. Ao iniciar a estrofe com o
verbo na forma do imperativo - Ouça - o autor está impondo um
conselho.
A seguir, ele atenua esta imposição com um argumento
convincente: dou de graça. Adiante, mostra-se a razão porque enfatiza
que o conselho é bom. Espere sentado/ou você se cansa. Está provado,
quem espera nunca alcança. A segunda estrofe desenvolve-se a partir
do provérbio : Quem espera sempre alcança, que o autor transformou
em Quem espera nunca alcança. Apresenta a mudança do advérbio
sempre para nunca.
Esta troca resultou de um processo semiótico, no qual o signo
anteriormente usado motivou a inferência necessária na interpretação
do signo. Existe um objetivo motivando a alteração: a desconstrução do
provérbio. Venha, meu amigo,/Deixe esse regaço,/Brinque com meu
fogo./Venha se queimar./Faça como eu digo/Faça como eu faço./Aja
duas vezes antes de pensar. Na terceira estrofe, todos os versos são
iniciados por verbo na forma de imperativo afirmativo.
Este fato cria um distanciamento entre o eu poético e o leitor, ao
mesmo tempo que é ícone de um desejo e índice de um comando.
Todos os provérbios, usados neste momento, incitam a agir de maneira
contrária ao que tradicionalmente tem sido ensinado. Corro atrás do
tempo/Vim de não sei onde/Devagar é que não se vai longe./Eu semeio
vento na minha cidade/Vou para a rua e bebo a tempestade.
Por fim, a última estrofe está marcada pela presença do sujeito,
que se manifesta na forma verbal em primeira pessoa, presente do
indicativo. Esta forma verbal constitui um recurso lingüístico de
referência exofórica, apontando para (fora do texto) quem pratica a
ação do verbo e quando a pratica. Funciona como a concretização da
ação do verbo fazer, apresentado na frase Faça o que eu digo, mas não
faça o que faço. Há ainda, na localização espacial “minha cidade”, um
indício de patriotismo. A oração Vou para a rua faz referência às
manifestações estudantis que aconteciam nas ruas centrais das
grandes cidades do país. Bom conselho não só evoca os ditados, que
expressam o inconsciente coletivo do povo, mas destaca o
posicionamento pessoal do eu poético frente aos ensinamentos morais
por eles transmitidos.
Este posicionamento reflete opinião contrária a tudo que neles
está perpetuado. A constante oposição pode ser interpretada como
comportamento típico de jovem rebelde que se recusa a aceitar a
ordem estabelecida. No entanto, não significa rebeldia gratuita. Há
engajamento político bastante acentuado.
O autor usou a palavra dor como metáfora verbal para ditadura.
Ao mesmo tempo, dor funciona como signo icônico para sofrimento.
Havia a dor real de perder amigos que foram presos ou mortos nos
porões da ditadura. E um “bom conselho” consistiria em não se alienar
do que estava acontecendo, não adiantaria fugir à realidade, pensando
que assim não haveria repressão, porque ela não deixaria de existir.
Está é a razão para o verso: Inútil dormir que a dor não passa. O dito
Quem espera sempre alcança,ensina ao povo a necessidade de manter
a esperança para se conseguir o que se deseja, apresenta a mudança
do advérbio sempre para nunca.
Esta inversão de sempre para nunca traz a idéia de que se deve
lutar, de que as pessoas precisam ser agentes de seu próprio destino.
Desta forma, o poeta aconselha um engajamento político com o
objetivo de combater a ditadura. Não se deve aceitar o domínio dos
militares. Compete ao povo decidir como e quando resgatar a
democracia. Quem brinca com fogo se queima adverte sobre o perigo
que o fogo representa e, simbolicamente, mostra que todo aquele que
se aproxima do perigo está sujeito a algum tipo de risco. No contexto
da música, brincar com fogo continua representando um risco, porém,
necessário. As pessoas devem se queimar, devem se expor ao perigo
que representa o combate à ditadura. Faça o que eu digo, mas não faça
o que eu faço revela que as pessoas dão conselhos que as próprias não
seguem.
Ao contrário, Chico Buarque ordena que se faça o que ele faz,
que todos se exponham ao perigo e lutem juntos pela reconquista da
liberdade. Ele critica as atitudes dos militares e exige do povo esta
consciência crítica da situação vigente. Pense duas vezes antes de agir
ensina que se deve ter cautela antes de executar uma tarefa; que tudo
deve ser bem planejado para evitar danos maiores. Em Aja duas vezes
antes de pensar, com a simples inversão da posição dos verbos pensar
e agir na frase, incita as pessoas a agirem mais.
Com isto, o autor mostra que é preciso abandonar as atitudes de
passividade e cautela. Não se pode pensar muito nas conseqüências.
Fica claro que não agir constitui um perigo maior. Se as pessoas não
reverterem a situação, as conseqüências serão bem mais danosas.
Devagar se vai longe mostra a idéia de paciência, perseverança,
persistência. Ao inserir a negação, Chico Buarque muda a noção de que
ser paciente traz bons resultados. Aqui a idéia de paciência adquire um
sentido nefasto. Ele insiste na teoria de que há pressa, urgência em se
acabar com a dor.
Quem semeia vento colhe tempestade mostra o seu envolvimento
com essa causa e a sua capacidade de absorver os riscos resultantes
de sua ação em nome de um ideal maior. O envolvimento foi tanto que
o autor chegou a ser exilado. Todos os provérbios tradicionais utilizados
trazem a marca da cautela, da paciência, da passividade, da alienação,
da perseverança. Chico Buarque desconstrói esses provérbios, de modo
a subverter tais idéias e a incitar o leitor a engajar-se no processo
político de combate à ditadura, a correr todos os riscos necessários
para alcançar o objetivo.
Nesse sentido, todos os pequenos conselhos se unem num único
e bom conselho: reagir, lutar contra o mal, abandonar atitudes que
revelam passividade, paciência, cautela, conformismo. Os provérbios
populares se reuniram em Um bom conselho para denotar a
necessidade de orientação e conotar a necessidade de participação
popular na reconquista da democracia: governo do povo, pelo povo,
para o povo. Para concluir esta atividade é importante ressaltar que em
todo texto (discurso ) há o não dito, o silenciamento. Todas as palavras
são carregadas de silêncio, a escolha de uma palavra implica o
apagamento de muitas outras que poderiam ser colocadas no texto e
surtiriam um efeito de sentido diferente. O silêncio não age sobre o que
o sujeito não sabe, mas justamente sobre aquilo que ele é suposto
saber ( o já-dito). O problema, na censura, não é impedir a informação,
mas evitar que haja trabalho histórico do sentido e, conseqüentemente,
da identidade dos sujeitos. Ou seja, a censura procura estancar o
movimento social e histórico do sentido que produz os sujeitos em
seus processos de identificação. No trecho "pois Jesus Cristo nos mata
num carnaval de mulatas" (“Que país é este” - ARS)O que está sendo
silenciado? O comportamento dos brasileiros durante o carnaval? Será
que é Jesus Cristo que mata? Ou a nossa própria postura nos
encaminha tanto para o bem quanto para o mal? Que país é este ?
Esta pergunta é atravessada de silêncio. Ela já está cheia de
sentidos a não se dizer e, além disso, colocamos no silêncio muitas
delas. O dizer fica assim dominado pelo dizer que se omitiu e não
permite estabelecer o lugar de sua reflexão, lugar que lhe daria
especificidade e o abriria para novos percursos de sentido.
Isso leva a pensar; não pensar o que aconteceu na época em
que foi escrito o poema,o que o autor estava sentindo, que situação ele
estava passando para escrever tal poema (será que ele estava doente?
Chateado? À beira do suicídio? Apaixonado?),mas a pensar a verdadeira
essência do texto literário e poético. E compreendendo que discurso é
aquilo que segue um curso, um projeto, aquilo que retorna. A
itinerância do sujeito e o correr do discurso é a idéia de
“movimento”Porque o sentido não é um, é muitos. As palavras, na
perspectiva da análise de discurso, já são sempre discursos na sua
relação com os sentidos. Isto quer dizer que toda palavra, para
significar, tira seu sentido de formulações que se sedimentam
historicamente.
Muitos artistas expressaram toda sua dor, revolta e
inconformismo através da música e da poesia.
Neste caso, todos os autores selecionados: Affonso Romano
Sant’Anna, Chico Buarque de Holanda e Renato Russo, viveram nesta
época.
A filosofia, com seu lado questionador, possibilita o
relacionamento com a poesia, mostrando, com isso, um dos
caminhos,que deveria ser o único : olhar, pensar, discutir, questionar a
Literatura de uma maneira diferente e muito mais produtiva e, ainda,
possuindo um efeito espetacular: a não destruição, morte da poesia, a
essência de toda vida, de todo agir.
Estando abertos para a escuta e para o que o poeta escreve em
seus poemas, tomamos como ponto fundamental e principal a
inexistência do eu-lírico. Observamos o que o poeta diz, discute,
questiona e pensa em seus poemas e não o que “papéis” definidos
como o eu-lírico fazem no texto.
Ao imaginar estar explicitando algo que o outro deixou nas
margens do seu dizer. Entre o dito e não-dito há um espaço de
interpretação que não se fecha. Lugar de equívocos, de deslocamentos,
de debates, de possíveis.
Portanto, não comentar o discurso do outro é um modo de
imobilizar trajetos significativos, não historicizar a produção científica e
iludir-se com a idéia absoluta. Ao ler, ao compreender a idéia do outro,
o aluno, o leitor, assina o que aprendeu , o que leu, e “esquece” a fala
do outro, responsável por sua compreensão na leitura, nesse contexto,
no modo de produção intelectual já não existe mais leitor, só autor.
3. CONCLUSÃO
Com esta pesquisa-ação ficou evidenciado que os alunos estão
acostumados a um tipo de metodologia para estudar literatura, no qual
logo se vêm à mente expressões como “escolas literárias”, “gêneros
literários”, “análises”, “definições”, “vida e obra do autor”... a
verdadeira morte, o verdadeiro massacre do poema, pois é incapaz de
suscitar neles a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura.
Mas, quando abre-se os olhos e, principalmente, os ouvidos para tudo
o que está no poema, e o que ele nos diz, observa-se que ele caminha
num sentido totalmente diferente ao colocado e ordenado pela análise,
pelo sistemático.
Com base nos referenciais teóricos da Análise do Discurso de
linha francesa, este artigo trouxe reflexões sobre a pesquisa-ação
realizada e conclui-se que a palavra é a mediadora entre o social e o
individual. Ao aprender a falar, o ser humano também aprende a
pensar, na medida em que cada palavra é a revelação das experiências
e valores de sua cultura.
Desse ponto de vista, tem-se que o verbal influencia nosso modo
de percepção da realidade. Portanto, cabe a cada um assumir a palavra
como manutenção dos valores dados ou como intervenção no mundo.
Questões como a ditadura , por exemplo, que já foi pensada e
discutida e que pode e deve voltar a ser debatida, pois o Brasil, os
brasileiros viveram vinte e quatro anos numa sociedade, “alienada”
pelo sistema imposto como método “certo” e “único” para o viver e o
pensar das pessoas,faz parte de nossa História e que deve permanecer
na memória de todos nós.
Os alunos conseguiram olhar para estes poemas com essa
interpretação com o auxílio da teoria da Análise do Discurso.
Outras questões foram abordadas, tais como a Arte, a História e a
Sociologia.
Hoje, vivemos na Pós-Modernidade, o tempo da ditadura passou,
agora o que está em voga é o neoliberalismo, o sistema capitalista, a
globalização.
Nota-se, com isso, que, o que grandes pensadores discutiram e
pensaram há séculos atrás, hoje de nada valem para a sociedade e
para o sistema.
O sistema coloca à disposição modelos prontos de vida, mais
práticos, em que a pessoa não necessite – ou, como “eles” dizem, “não
tenham o trabalho de pensar” – de uma reflexão, para daí ocorrer a
mudança. Pensar e repensar o sistema político é voltar aos
pensadores originários, é refletir, é experienciar.
Como já dito no início, a Literatura possui questões que precisam
ser revistas e discutidas nos dias atuais, não permanecendo somente
na superficialidade do texto poético.
Por meio desta pesquisa-ação,buscou-se ver a Literatura de
outra maneira, não apegada somente à formas, definições, estilos,
gêneros, mas à diversidade, pois cada obra traz um olhar, uma
perspectiva, um modo de ver e representar o mundo. Porque
entendemos que o leitor não nasce feito ou que o simples fato de
saber ler não transforma o aluno em leitor maduro, ao contrário,
crescemos como leitores quando somos desafiados por leituras
progressivamente mais complexas.
Portanto, é papel do professor proporcionar o crescimento do
leitor por meio da ampliação de seus horizontes de leitura,
esclarecendo como ela se processa.
Que se possa – e isso não só nas Universidades e Faculdades de
Letras, do Paraná e em todo Brasil, mas através da sociedade – ouvir o
que os textos literários, os poemas tem a dizer, considerando aqueles
que não possuem o hábito da leitura ou não têm gosto e apego pelos
textos literários, também possam utilizá-los para a própria vida, por
meio das experienciações –e, com isso, estar aberto totalmente para a
escuta – não impondo visões, pontos de vista, pré-conceitos, mas estar
literalmente aberto para esse impressionante e magnífico diálogo,
numa perspectiva interdisciplinar.
4. BIBLIOGRAFIA
ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo:Parábola Editorial, 2003. (Série Aula; 1).
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
COSSON,Rildo. Letramento Literário. Teoria e Prática.São Paulo:ed.
Contexto,2007.
DIJK, Teun Adrianus Van. Cognição,discurso e interação(org. e
apres. de IngedoreV. Koch).6.ed. São Paulo:Contexto, 2004.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições
Loyola, 1996.
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 6. ed. Campinas: Pontes, 2005.
_____.Autoria, leitura e efeitos do trabalho
simbólico.4.ed. Campinas:Pontes,2004.
_____As Formas do Silêncio:No movimento dos sentidos.. 5.ed.
Ed. UNICAMP:Campinas,2002.
_____Discurso e Leitura.1. ed.São Paulo: Cortez,1988.
SARGENTINI,Vanice,org.,NAVARRO –Barbosa, Pedro,org. Foucault e os
domínios da linguagem: discurso, poder,subjetividade. São Car-
los: Claraluz, 2004.
Secretaria do Estado de Educação – SEED. DIRETRIZES CURRICULA-
RES DE LÍNGUA PORTUGUESA: para os anos finais do ensino
fundamental e Ensino Médio. Curitiba:SEED, 2008.
ZILBERMAN, Regina e THEODORO,da Silva Ezequiel (org.).
Leitura:Perspectivas Interdisciplinares.5.ed.(Série Fundamentos).
São Paulo:Ática.
ANEXOS
Bom conselho – Chico Buarque
Ouça um bom conselhoEu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentadoOu você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha meu amigoDeixe esse regaço
Brinque com meu fogoVenha se queimarFaça como eu digoFaça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do ventoVim de não sei onde
Devagar é que não se vai longeEu semeio o vento na minha cidadeVou pra rua e bebo a tempestade.
Que país é este – Legião Urbana –Renato Russo
Nas favelas, no senadoSujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituiçãoMas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?Que país é esse?Que país é esse?
No amazonas, no araguaia iá, iá,Na baixada fluminense
Mato grosso, minas gerais e noNordeste tudo em paz
Na morte o meu descanso, mas oSangue anda solto
Manchando os papéis e documentos fiéisAo descanso do patrão
Que país é esse?Que país é esse?Que país é esse?Que país é esse?
Terceiro mundo, se forPiada no exterior
Mas o brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhãoQuando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilãoQue país é esse?Que país é esse?Que país é esse?
Que país é este – Affonso romano de Sant’AnnaQue país é este?
Fragmento 2
Há 500 anos caçamos índios e operários,
Há 500 anos queimamos árvores e hereges,
Há 500 anos estupramos livros e mulheres,
Há 500 anos sugamos negras e aluguéis.
Há 500 anos dizemos:
que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que São Jorge é guerreiro,
que do amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode sacode.
Há 500 anos somos pretos de alma branca,
não somos nada violentos,
quem espera sempre alcança
e quem não chora não mama
ou quem tem padrinho vivo
não morre nunca pagão.
Há 500 anos propalamos:
este é o país do futuro,
antes tarde do que nunca,
mais vale quem Deus ajuda
e a Europa ainda se curva.
Há 500 anos
somos raposas verdes
colhendo uvas com os olhos,
semeamos promessa e vento
com tempestades na boca,
sonhamos a paz na Suécia
com suiças militares,
vendemos siris na estrada
e papagaios em Haia,
senzalamos casas-grandes
e sobradamos mocambos,
bebemos cachaça e brahma
joaquim silvério e derrama,
a polícia nos dispersa
e o futebol nos conclama,
cantamos salve-rainhas
e salve-se quem puder,
pois Jesus Cristo nos mata
num carnaval de mulatas
Este é um país de síndicos em geral,
Este é um país de cínicos em geral,
Este é um país de civis e generais.
Este é o país do descontínuo
onde nada congemina,
e somos índios perdidos
na eletrônica oficina.
Nada nada congemina:
a mão leve do político
com nossa dura rotina,
o salário que nos come
e nossa sede canina,
a esperança que emparedam
e a nossa fé em ruína,
nada nada congemina:
a placidez desses santos
e nossa dor peregrina,
e nesse mundo às avessas
- a cor da noite é obsclara
e a claridez vespertina.
Fragmento 6
Mas este é um povo bom
me pedem que repita
como um monge cenobita
enquanto me dão porrada
e me vigiam a escrita.
Sim. Este é um povo bom. Mas isto também
diziam os faraós
enquanto amassavam o barro da carne escrava.
Isso digo toda noite
enquanto me assaltam a casa,
isso digo
aos montes em desalento
enquanto recolho meu sermão ao vento.
Povo. Como cicatrizar nas faces sua imagem
perversa e una?
Desconfio muito do povo. O povo, com razão,
- desconfia muito de mim.
Estivemos juntos na praça, na trapaça e na desgraça,
mas ele não me entende
- nem eu posso convertê-lo.
A menos que suba estádios, antenas, montanhas
e com três mentiras eternas
o seduza para além da ordem moral.
Quando cruzamos pelas ruas
não vejo nenhum carinho ou especial predileção
nos seus olhos.
Há antes incômoda suspeita. Agarro documentos,
embrulhos, família
a prevenir mal-entendidos sangrentos.
Daí vejo as manchetes:
- o poeta que matou o povo
- o povo que só/çobrou ao poeta
- (ou o poeta apesar do povo?)
- Eles não vão te perdoar
- me adverte o exegeta.
Mas como um país não é a soma de rios, leis,
nomes de ruas, questionários e geladeiras,
e a cidade do interior não é apenas gás neon,
quermesse e fonte luminosa,
uma mulher também não é só capa de revista,
bundas e peitos fingindo que é coisa nossa.
Povo
também são os falsários
e não apenas os operários,
povo
também são os sifilíticos
não só atletas e políticos,
povo
são as bichas, putas e artistas
e não só os escoteiros
e heróis de falsas lutas,
são as costureiras e dondocas
e os carcereiros
e os que estão nos eitos e docas.
Assim como uma religião não se faz só de missas
na matriz,
mas de mártires e esmolas, muito sangue e cicatriz,
a escravidão
para resgatar os ferros de seus ombros
requer
poetas negros que refaçam seus palmares e
quilombos.
Um país não pode ser só a soma
de censuras redondas e quilômetros
quadrados de aventura, e o povo
não é nada novo
- é um ovo
que ora gera e degenera
que pode ser coisa viva
- ou ave torta
depende de quem o põe
- ou quem o gala.