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1Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
FACULDADE DE DIREITO - UFGAPOSTILA DE
DIREITO CIVIL IIProfa. Ms. Márcia S. Soares
Faculdade de Direito Disciplina: DIREITO CIVILII – Parte Geral – arts. 104 ao 232 do Código Civil
Professora: Ms. Márcia S. Soares – marcia.soares@ufg.com
MATERIAL DE APOIO
2Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
OBJETIVO DO MATERIAL: o conteúdo desse material visa reforçar o aprendizado do aluno. Trata-se de uma síntese dos pontos principais do conteúdo programático, com opiniões do professor, de diversos autores e com a utilização, inclusive, da transcrição de vários trechos da doutrina. Dessa forma, este resumo não pretende ser original, muito menos se destina à publicação, sendo dirigido de forma a facilitar o estudo antes das avaliações, com a conseqüente compreensão dos temas pelo aluno. Imprescindível, portanto, a aquisição de livros e obras clássicas para o aprofundamento da matéria.
1- DOS FATOS JURÍDICOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS
4.1 Conceito
Na vida social os homens adquirem, resguardam, transferem, modificam e
extinguem ou têm extintos1 os seus direitos na medida da ocorrência dos acontecimentos
que se põe perante cada um de nós.
Esses acontecimentos são de duas espécies. Podem surgir com ou sem a
intervenção da vontade humana. Por exemplo, um terremoto, uma inundação, a morte, o
decurso do tempo2 são acontecimentos naturais, ordinários (de ocorrência cotidiana) ou
extraordinários (inesperados e imprevisíveis – caso fortuito e força maior3), que
repercutem no direito, mas que independem da vontade do homem. Já uma compra e
venda ou um testamento são acontecimentos que também repercutem no direito, mas,
1 Aquisição de direito ocorre quando se dá sua conjunção com seu titular. Não há normas no atual CC a respeito da aquisição de direitos, sendo certo, no entanto, que os chamados direitos futuros, sobre os quais mais se opera dúvidas, podem ser decompostos em: expectativa de direito (mera possibilidade de aquisição, pois que ainda não foi incorporada ao patrimônio do titular em pontencial – ex: fase de tratativas para celebração de contrato); direito eventual (situações em que o interesse do titular ainda não se encontra completo, pelo fato de não se terem realizado todos os elementos exigidos pela lei – ex: direito à sucessão só se consolida com a morte do autor da herança); e direito condicional (somente se perfaz se ocorrer determinado acontecimento futuro e incerto – ex: promessa de cessão, de transferência, de direitos autorais caso a obra alcance determinada edição).
Já a modificação de direito pode ser objetiva (alteração de quantidade ou qualidade do conteúdo) ou subjetiva (substituição do sujeito ativo ou passivo, salvo nos direitos personalíssimos).
Conservação de direitos implica em prática de atos que visem defender direitos caso eles sejam ameaçados por quem quer que seja, mediante ações cautelares, desforço imediato, ações possessórias etc.
Extinção de direitos ocorreria, exemplificadamente, no caso de perecimento do objeto, da alienação, renúncia, abandono, falecimento do titular, decadência, aparecimento de direito incompatível, implemento de condição resolutiva etc.2 O tempo qualifica-se juridicamente tanto para a aquisição (usucapião) quanto para a extinção de direitos e pretensões (decadência e prescrição).3 Há profunda divergência na diferenciação entre caso fortuito e força maior, sendo ora utilizadas como sinônimas, ora não, pelo CC. Mas tem prevalecido o entendimento segundo o qual se tratam de acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, diferenciando-se pelo fato de enquanto o primeiro refere-se à conduta humana (aumento do dólar, acidente de trânsito etc), o segundo relaciona-se aos fenômenos da natureza (terremoto, enchente etc). Lembre-se que são também considerados excludentes de responsabilidade civil.
3Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
pelo contrário, provém da vontade humana.
Em ambos os casos estamos diante do chamado fato jurídico, que, num sentido
amplo, pode ser definido como “todo acontecimento, natural (fato jurídico em sentido
estrito) ou humano (ato jurídico), capaz de criar, modificar ou extinguir relações
jurídicas, ou seja, capaz de gerar efeitos no mundo jurídico”. Se assim não fosse, seria
tal acontecimento um mero fato social, sem qualquer relevância jurídica.
Os fatos jurídicos repercutem no direito porque provocam aquisição,
modificação ou extinção de direitos subjetivos. A relação jurídica surge a partir do
momento em que o fato, abstratamente previsto na norma, se concretiza, formando um
vínculo entre os sujeitos que a compõe.
Percebe-se, portanto, que o fato jurídico, em sentido amplo, abrange o fato
jurídico em sentido estrito, que é o fato natural, e ato jurídico, que é o fato humano ou
voluntário.
Os fatos voluntários ou atos jurídicos, por sua vez, também devem ser vistos
num sentido amplo, o qual abrange os atos jurídicos lícitos (construir uma casa no seu
próprio terreno) e os ilícitos (invadir a propriedade alheia). Do ato ilícito advém a
responsabilidade, ou seja, a obrigação de ressarcir o dano causado (art. 186, CC).
Já os atos jurídicos lícitos são subdivididos em ato jurídico em sentido estrito (ou
propriamente dito, ou ato não negocial) e negócios jurídicos (ou contrato - acordo de
vontades), também chamado de ato negocial.
O ato jurídico em sentido estrito consiste em um simples comportamento
humano, voluntário e consciente, cujos efeitos são predeterminados na lei (ex:
percepção de um fruto, fixação do domicílio, intimação, notificação etc). Esses dois atos
são também chamados de atos de participação (mera comunicação, sem conteúdo
negocial). Os dois primeiros chamam-se atos materiais.
Já o negócio jurídico, categoria muito mais profunda, consiste em uma
declaração de vontade, emitida segundo o princípio da autonomia privada, pela qual as
partes auto-disciplinam os efeitos que pretendem produzir. A diferença, portanto, é a
liberdade de escolha dos efeitos. Ex: contrato, testamento, casamento etc.
Dentre os negócios jurídicos, há aqueles que se aperfeiçoam com uma única
manifestação de vontade, como no testamento, na instituição de fundação, na renúncia
da herança etc. Mas, em sua grande maioria, há uma composição, um acordo de
interesses e vontades, como ocorre na celebração dos contratos.
Há, ainda, quem coloca entre o fato jurídico em sentido estrito e o ato jurídico
FATO SOCIAL FATO JURÍDICO (lato sensu)
FATO JURÍDICO (stricto sensu)
ATO JURÍDICO (lato sensu)
ACONTECIMENTOS NATURAIS
(ordinários ou extraordinários)
LÍCITOS
ILÍCITOS
ATO JURÍDICO PROPRIAMENTE DITO
(stricto sensu)
NEGÓCIO JURÍDICO única declaração de
vontade ou contrato
4Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
uma terceira modalidade denominada ato-fato jurídico4, ou seja, fatos que, embora haja
atuação humana, não há manifestação de vontade, gerando, ainda assim, efeitos
jurídicos.
É que há certas ações humanas que a lei encara como fatos, sem levar em
consideração a vontade, a intenção ou a consciência do agente, podendo, inclusive, ser
praticado por um incapaz, sem que resulte em nulidade ou anulabilidade. Ex: achar um
tesouro, adquirindo-lhe a propriedade, é um ato humano, mas desprovido de vontade,
caracterizando-o como um terceiro gênero, posicionado entre o fato e o ato jurídico.
Para melhor visualizar o tema, parte-se do seguinte diagrama:
ATO-FATO JURÍDICO
EM SUMA:
Parte-se dos fatos – ordinários ou extraordinários – em que a intervenção
humana é inexistente (fatos jurídicos stricto sensu), passando por aquelas
situações em que, embora a atuação do homem seja da substância do fato
jurídico, não importa para a norma se houve, ou não, manifestação de vontade
4 A figura do ato-fato jurídico é devida à doutrina genial de Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Mello.
5Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
de praticá-lo (ato-fato jurídico) até chegar, finalmente, nas situações em que se
destaca juridicamente a ação da pessoa, seja com conseqüências jurídicas
impostas pela lei e não escolhidas pelas partes (ato jurídico stricto sensu), seja
pela regulamentação da autonomia privada (negócio jurídico). Não se pode
esquecer da atuação humana com efeitos não desejados pelo ordenamento
jurídico (ato ilícito), cuja classificação não é pacífica, sendo tratado por uns
como ato jurídico e por outros como mero fato jurídico.
Aliás, convém mencionar que o tema da classificação dos fatos jurídicos tem
sido alvo de inúmeras controvérsias doutrinárias, provocadas pelo próprio CC/16 que
não utilizou de boa técnica para tratar do assunto.
E embora ainda não seja perfeita a disciplina no novo Código Civil, por ter
omitido institutos como o ato-fato jurídico e os elementos do negócio jurídico, houve
considerável inovação por ter substituído a expressão genérica ato jurídico pela
designação específica negócio jurídico, pois que a este é que se aplicam as normas
explicitadas no Título I, do Livro III da Parte Geral, transferindo os atos jurídicos em
sentido estrito (ou seja, os atos não negociais) para título próprio (Título II), cujo único
artigo (art. 185) determina que a eles se apliquem as disposições do negócio jurídico.
Sendo assim, importa-nos ater ao estudo do negócio jurídico, contemplado entre
os arts. 104 a 184 do CC/02.
4.2 Negócio jurídico
4.2.1 teorias explicativas do NJ e conceito
Há na doutrina duas teorias que se digladiaram: a da vontade e da declaração.
Para os adeptos da primeira, o núcleo do negócio seria a vontade interna do
declarante. Porém, esta teoria foi muito criticada, tendo em vista que o declarante nem
sempre manifesta a sua vontade dirigida um determinado fim querido e previamente
conhecido (ex: conversão de um contrato de compra e venda, feito sem observar a
forma pública, em contrato de promessa de compra e venda, o qual se aperfeiçoa
mediante instrumento particular).
Então, para os adeptos da teoria da declaração, de natureza objetiva, o núcleo do
negócio seria a vontade declarada ou exteriorizada.
6Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Mas, na verdade, essas teorias não se contradizem, mas se complementam,
porque o negócio é fruto de um processo que se inicia na solicitação do mundo exterior,
passando pela fase de formação da vontade interna, culminando, ao final, com a
declaração da vontade. De forma que a vontade interna e externa são faces da mesma
moeda, sob pena de ter havido vício na manifestação de vontade.
A teoria que mais influenciou o novo CC foi o da vontade ou teoria voluntarista,
conforme se depreende da leitura o art. 112 do referido diploma legal, in verbis:
“Art. 112 – Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”.
Aliás, é bom que se diga que este dispositivo traz a regra de interpretação dos
negócios jurídicos, sendo a idéia da manifestação de vontade mais importante do que a
forma com que eles se materializaram. Isso, pois que a palavra manejada de forma
imprecisa não pode, ou melhor, não deve lesionar mais do que os limites da boa-fé.
Com base em tudo o que foi exposto, pode-se conceituar negócio jurídico como
sendo a declaração de vontade, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo
ordenamento jurídico pretendidos pelo agente.
4.2.2 classificação dos NJ’s:
Os negócios jurídicos podem ser classificados em:
a) unilaterais e bilaterais: segundo pressuponham para a sua configuração a
manifestação de vontade de uma pessoa ou de mais de uma pessoa. Ex: o testamento é
ato unilateral e a compra e venda é ato bilateral;
b) inter vivos ou causa mortis: segundo sejam praticados para produzir efeitos em vida
ou depois da morte do agente. Ex: testamento é negócio causa mortis; a compra e venda
é negócio inter vivos;
c) solenes ou não: segundo pressuponham forma especial para a sua configuração ou
não. Ex: o casamento é negócio jurídico formal ou solene, porque a sua realização
obedece a uma solenidade, cuja forma é prevista em lei; se empresto um alfinete de
gravata a um amigo, nenhuma forma é prevista em lei para este ato, como, aliás, para a
maioria dos negócios jurídicos (a regra é a informalidade);
d) gratuitos e onerosos: conforme exista ou não uma reciprocidade de direitos ou
7Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
deveres. Ex: a locação é um ato oneroso, pois exige ônus das partes, tendo que uma
pagar o preço da locação e a outra que ceder a coisa locada; já na doação, apenas uma
parte tem ônus, ao dispor da coisa a outrem;
e) puros e sob modalidades: caso os efeitos do ato jurídico dependam ou não da
configuração de certos elementos ou modalidades para se produzirem. Ex: a doação
feita sem a exigência de configuração de determinada condição é ato puro; ao contrário,
se, para aperfeiçoar-se, o doador exigir do donatário que este passe no vestibular, a
doação deixa de ser pura e passa a ser sob a modalidade condicional.
4.2.3 Plano de existência – pressupostos existenciais (ou elementos do negócio
jurídico)
Embora o Código Civil não tenha reservado capítulo expresso para plano de
existência, apenas enumerando os pressupostos de validade do negócio jurídico, a
doutrina preferiu estudá-lo com base na tricotomia existência-validade-eficácia, e não
apenas segundo a dicotomia validade-eficácia.
E é certo traçar diferenças entre validade e existência, pois é sabido que algo
pode existir, mas não ser válido, posto que é possível que esteja viciado ou que padeça
de algum defeito de origem.
Com base nesses conceitos, conclui-se ser possível que o negócio jurídico
exista, posto que observados os pressupostos existenciais, porém, não ser válido, em
virtude de estar eivado de algum vício ou defeito quando da sua elaboração.
Sendo assim, é necessário elencar, separadamente, os pressupostos existenciais
dos de validade, não obstante estejam correlacionados, tendo em vista que estes últimos
são qualificações ou adjetivações dos primeiros, a saber:
Pressupostos existenciais Pressupostos de validade
1. manifestação de vontade 1. livre e de boa-fé
2. agente (emissor da vontade) 2. capaz e legitimado (para o negócio)
3. objeto 3. lícito, possível e determinado ou determinável
4. forma 4. adequada (livre ou legalmente prescrita)
a) manifestação de vontade
8Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
A manifestação de vontade poderá ser expressa, através da palavra escrita ou
falada, gestos ou sinais, ou tácita, aquela que resulta de um comportamento do agente.
O emprego de meios que neutralizem a manifestação volitiva, como a violência
física ou até mesmo a hipnose, tornam inexistente o negócio jurídico.
Mas a grande questão que se coloca, quanto à manifestação de vontade como
elemento do negócio jurídico, é acerca do silêncio. Via de regra, o silêncio é a ausência
de manifestação de vontade, e, como tal, não produz efeitos. Mas há situações em que a
abstenção do agente ganha juridicidade e próprio código faz tal previsão,
institucionalizando o famoso bordão “quem cala consente”.
É o caso do art. 111, que diz que “o silêncio importa anuência, quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade
expressa”. Ex: arts. 659 e 539. Portanto, o puro silêncio só vale se lei assim o
determinar, ouse vier acompanhado de outros fatores externos. A atitude omissiva, pura
e simples, do destinatário não tem valor algum: não implica em negar, nem em afirmar.
Em cada caso, o juiz examinará as circunstâncias do silêncio, a ponto de ter
convicção que a abstenção de se manifestar foi no sentido de ter querido se obrigar.
O silêncio pode também, inclusive, configurar-se em causa de anulabilidade do
negócio, quando for intencionalmente empregado para prejudicar a outra parte, que, se
soubesse da real intenção do agente, não haveria celebrado a avença (art. 147 – chama-
se omissão dolosa).
b) agente (emissor da vontade)
Sem sujeito não se poderá falar em ato, mas tão-somente em fato jurídico em
sentido estrito. A participação do sujeito de direito, seja pessoa física ou jurídica, é
indispensável para a configuração existencial do negócio jurídico.
c) objeto
Da mesma maneira, todo negócio jurídico pressupõe a existência de um objeto,
em razão do qual giram os interesses das partes. Assim, se a intenção é celebrar um
contrato de mútuo, a manifestação da vontade deverá recair sobre coisa fungível, sem a
qual o negócio não se concretizará.
d) forma
9Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
A forma é entendida como meio pelo qual a declaração se exterioriza, sendo
escrita, oral, silêncio, sinais etc.
Sem forma, o negócio jurídico inexiste, uma vez que a simples intenção
encerrada na mente do agente não interessa para o direito.
Mas não há que confundir com forma – elemento existencial, com a forma
legalmente prescrita – elemento de validade do negócio jurídico.
Exemplo: um lavrador compra algumas glebas de terras de seu vizinho mediante
um simples recibo de quitação.
Neste caso, o negócio existiu, pois que presentes todos os elementos
existenciais, quais sejam, a manifestação de vontade (comprar), o agente (lavrador –
que é sujeito de direito), o objeto (bem imóvel – terras) e a forma (escrita), mas não foi
celebrado validamente, pois que, embora presente a forma, esta não foi como determina
a lei – mediante escritura pública registrada.
Percebe-se, portanto, que o negócio pode existir, mas não ser válido. E o CC/02
se encarrega de enumerar os pressupostos ou elementos de validade do negócio jurídico
no art. 104, conforme o estudo que se segue.
4.2.4 Plano de validade – pressupostos legais de validade do negócio jurídico
O art. 104 do CC/02 dispõe que o negócio jurídico será válido quando tiver: o
agente capaz; o objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e a forma
prescrita ou não defesa em lei.
Mas tal elenco não reflete a amplitude teórica do plano de validade do negócio
jurídico, sendo um rol insuficiente, lacunoso e impreciso.
Pode-se resumir os elementos ou pressupostos de validade do negócio jurídico
como sendo:
a) manifestação de vontade livre e de boa fé
A manifestação de vontade há de ser livre, ou seja, alheia de qualquer
interferência externa ou de terceiros, sob pena de se configurar como viciada, o que leva
à nulidade do negócio jurídico.
10Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
O CC/02 elenca os defeitos ou vícios do negócio jurídico nos arts. 138 a 165,
entre os quais estão o erro, o dolo, a coação, a fraude, a lesão e o estado de perigo,
sendo os dois últimos figuras novas. Já a simulação, que também é considerada vício ou
defeito do NJ, foi deslocada para o capítulo referente à invalidade do NJ.
A liberdade da manifestação de vontade está intimamente ligada à noção da
autonomia privada, princípio umbilicalmente ligado aos negócios jurídicos e à liberdade
negocial, a qual não é, obviamente, exercida ilimitadamente.
Sabe-se que é possível aos particulares travarem entre si os mais diversos
negócios jurídicos, desde que respeite a lei (para salvaguardar o bem geral), a moral
(forte carga ético-valorativa) e a ordem pública (observância de princípios superiores
ligados ao Direito, à Política e à Economia).
O individualismo exacerbado tem cedido lugar, no mundo globalizado, ao
solidarismo social, o que exige o reconhecimento de normas limitativas do avanço da
autonomia privada, em respeito ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Mas, além de livre, a manifestação de vontade também deve estar desprovida de
malícia (má-fé). Se uma das partes obteve o consentimento da outra mediante dolo, por
exemplo, violou-se o princípio da boa-fé, e o negócio resultante há que ser invalidado.
Esta boa-fé seria uma regra, implícita em todo negócio jurídico bilateral
(contrato), em razão do qual as partes devem não apenas cumprir a sua obrigação
principal, mas também observar deveres mínimos de lealdade e confiança recíproca. A
violação do boa-fé enseja não apenas a anulação do negócio (em virtude de erro
provocado ou dolo), mas também a condenação do infrator em perdas e danos.
O CC/02 deu tratamento especial à boa-fé (objetiva) quando, em seu art. 422,
dispõe que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
b) agente emissor da vontade capaz e legitimado para o negócio
Ainda, diz-se que o ato negocial demanda, para ser válido, a concorrência de um
agente emissor de vontade capaz e legitimado.
Desde que seja plenamente capaz, poderá a pessoa física ou jurídica (para esta
última, exigindo-se o necessário registro dos seus atos constitutivos) praticar atos e
celebrar os negócios em geral, na órbita jurídica.
O CC/02 prevê, em norma expressa (art. 104), a capacidade do agente com
pressuposto de validade do NJ.
11Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
No que se refere à pessoa natural, se lhe faltar plena capacidade, deverá ser
devidamente representada ou assistida, a fim de imprimir perfeita validade ao ato
praticado.
Mas não basta a capacidade do agente, é preciso que não esteja
circunstancialmente impedido de celebrar o ato, não obstante goze de plena capacidade.
Em outras palavras, é necessário, além da capacidade, haver legitimidade.
Lembre-se que legitimidade é a capacidade para a prática de um ato específico; é
a capacidade especial, também designada de impedimentos. São hipóteses de falta de
legitimidade: o tutor, plenamente capaz, não pode adquirir bens do tutelado; dois
irmãos, maiores e capazes, não podem se casar etc.
A conseqüência da violação de um desses impedimentos é a nulidade do negócio
que se realizou, por violação a expressa disposição de lei.
c) objeto lícito, possível, determinado ou determinável
A licitude traduz a idéia de estar o objeto dentro do campo de permissibilidade
normativa, o que significa dizer não ser proibido pelo direito e pela moral.
Tal característica confunde-se com a própria possibilidade jurídica, ou também
chamada de idoneidade do objeto. Assim, o objeto do negócio jurídico deve ser idôneo,
ou seja, conforme à uma disposição de lei, à moral ou aos bons costumes.
Exemplo: um contrato de prestação de serviços que tenha por objeto o
cometimento de um crime é um negócio que tem objeto ilícito ou juridicamente
impossível, bem como o contrato de prestação de serviços sexuais, e a compra e venda
de uma praça, que é bem público de uso comum.
Em todas essas hipóteses, o negócio seria fulminado de nulidade.
Mas, além de o objeto ter que se juridicamente possível ou lícito, é necessário
que seja também fisicamente possível, uma vez que não se poderia reconhecer validade
a um negócio que tivesse por objeto uma prestação naturalmente irrealizável, como, por
exemplo, a alienação de um imóvel situado na Lua.
Todavia, a referida impossibilidade só invalida o negócio se for absoluta, pois
que a relativa, permite, em tese, a realização por terceiro, à custa do devedor. Ex:
prestação de serviços de limpeza de tubulação, o encanador não comparece porque no
caminho acidenta-se. A impossibilidade física será relativa porque o serviço poderá ser
prestado por outro profissional da referida empresa (salvo se pactuado intuitu personae).
12Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Por fim, deve ser o objeto determinado ou, ao menos, determinável, sob pena de
se prejudicar a própria executoriedade da avença. Todo objeto deve, pois, conter
elementos mínimos de individualização que permitam caracterizá-lo.
No caso de alienação de um imóvel, por exemplo, as partes devem descrevê-lo
minuciosamente, explicitando as suas dimensões confrontações, na escritura pública de
compra e venda. Cuida-se, aqui, de objeto determinado.
Todavia, pode o objeto ser apenas determinável. Em uma venda de cereais, por
exemplo, admite-se não especificar, no instrumento negocial, a qualidade do café
vendido (se do tipo A ou B), mas o seu gênero (café) e quantidade (em sacas) devem ser
indicados, sob pena de se invialibilizar o negócio por força da indeterminabilidade do
objeto.
d) forma adequada (livre ou legalmente prescrita)
Por fim, para que o negócio jurídico seja perfeitamente válido, deve revestir a
forma adequada, ou seja, prescrita ou não defesa (proibida) em lei. Significa que se a lei
expressamente não determinar a forma, poderá ser adotada qualquer uma que não esteja
nela proibida.
No direito brasileiro, por expressa determinação legal (art. 107), consagrou-se o
princípio da liberdade da forma (“art. 107 – a validade da declaração de vontade não
dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”), o que
implica dizer que os negócios podem ser realizados de acordo com a preferência das
partes.
Quando a norma legal impõe determinado revestimento para o ato, como na
compra e venda de imóvel em que a lei exige a forma pública, diz-se que o negócio é
solene.
4.3-Interpretação do negócio jurídico:
É a operação que tem por objeto precisar o conteúdo exato de um negócio jurídico, diante da possibilidade de este conter cláusulas duvidosas, pontos obscuros ou contradições. Segundo Maria Helena Diniz (2003, 375-7), pode ser:
a) declaratória - se tiver por finalidade precisar a intenção das partes;
13Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
b) integrativa - “se pretender preencher lacunas contidas no negócio, através de normas supletivas, costumes etc.”;
c) construtiva - “se objetivar reconstruir o ato negocial, a fim de salvá-lo”.
Algumas regras a serem observadas na interpretação dos negócios jurídicos:
I - previstas no Código Civil:- Nas declarações de vontade atender-se-á mais à intenção nelas consubstanciada
do que ao sentido da linguagem (art. 112);OBS. Venosa (2003) assinala que “o intérprete não pode simplesmente
abandonar a declaração de vontade e partir livremente para investigar a vontade interna” (p.419) e também que “... apesar de o Código aconselhar preferência pela vontade interna, tal não é de ser utilizado se as palavras são claras e não dão margem a dúvidas” (p. 420).
- Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (art. 113);
- Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente (art. 114);
- Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente (art. 423);
- A transação interpreta-se restritivamente (art. 843);- A fiança não admite interpretação extensiva (art. 819);- Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes,
prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador (art. 1.899).
II - decorrentes de interpretações jurisprudenciais e doutrinárias:- Em relação aos contratos, deve-se ater à boa fé, às necessidades de crédito e à
equidade (RT, 145:652; 180:663);- Aos negócios causa mortis não se aplicam princípios pertinentes aos negócios
inter vivos, como o de boa fé, nem mesmo se permite sua interpretação com dados alheios ao seu texto;
- Nos contratos que contiverem palavras que admitam dois sentidos, deve-se preferir o que mais convier a sua natureza;
- Nos contratos de compra e venda, no que concerne à extensão do bem alienado, deve-se interpretar em favor do comprador (RT, 158:194);
- Na compra e venda, todas as dúvidas devem ser interpretadas contra o vendedor (RT, 159:173);
- No caso de ambigüidade interpreta-se de conformidade com o costume do país;- Nas estipulações obrigacionais dever-se-á interpretar de modo menos oneroso
para o devedor.
4.4 - Representação:
Segundo Silvio de Salvo Venosa (2003, 392), “a noção fundamental, pois, é a de que o representante atua em nome do representado, no lugar do representado. O representante conclui o negócio não em seu próprio nome, mas como pertencente ao representado. Quem é a parte no negócio é o representado e não o representante. Reside aí o conceito básico da representação. Estritamente falando, o representante é um
14Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
substituto do representado, porque o substitui não apenas na manifestação externa, fática do negócio, como também na própria vontade do representado”.
A representação pode ser:a) legal – é a lei que estabelece a representação, como nos casos dos incapazes.b) convencional – é a estabelecida pelo interessado, que em regra baseia-se no
mandato.Em qualquer desses casos, a manifestação de vontade pelo representante, nos
limites dos seus poderes, produz efeitos em relação ao representado. Entretanto, é anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. O prazo decadencial para pleitear tal anulação é de 180 dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade.
c) judicial - que se verifica em relação aos administradores nomeados pelo Juiz, no curso de processos, como os depositários judiciais.
O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.
Salvo se a lei ou o representado o permitir, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo (autocontrato ou contrato consigo mesmo). Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecido. Anteriormente à entrada em vigor do atual Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça já havia sumulado que “é nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse dele”
4.5 Defeitos do negócio jurídico
Os defeitos ou vícios do negócio jurídico incidem na manifestação de vontade
livre e de boa-fé, que são pressupostos de validade, ensejando a invalidação (ou
anulação = nulidade relativa) do negócio jurídico.
O Código Civil menciona e regula seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão e fraude contra credores, sendo o estado de perigo e a lesão novas
modalidades inseridas no novo Código Civil. A simulação, que estava prevista no
CC/16, foi transferida para o capítulo que trata da invalidade do negócio jurídico, pois
que, agora o negócio jurídico simulado deverá ser declarado nulo, e não mais anulado,
como nos demais casos.
São os defeitos ou vícios do negócio jurídico classificados em vícios de
consentimento, que são aqueles em que a vontade não é expressa de maneira
15Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
absolutamente livre, como no erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo; e em vícios
sociais, em que a vontade manifestada não tem, na realidade, a intenção pura e de boa-
fé que enuncia, onde se situam a simulação e a fraude contra credores.
a) Erro
É uma representação equivocada da realidade, que leva o declarante a celebrar o
negócio jurídico, que lhe é prejudicial. “É uma opinião errada sobre alguma coisa”
(Caio Mário). Esse conceito, em doutrina, não se confunde com o de ignorância, que é
negativo, que traduz no completo desconhecimento da realidade. Para o legislador, não
há diferença: ele diz erro ou ignorância.
O erro é causa de anulação do negócio jurídico e difere do dolo, pois, no erro, o
agente engana-se sozinho, enquanto que, no dolo, o erro é induzido pelo outro
contratante ou por terceiro. O Código Civil equipara o erro à transmissão defeituosa da
vontade (é o famoso “mal entendido” por culpa de quem celebrou o negócio).
Mas para que o erro possa realmente anular o negócio jurídico, tem que ter duas
características: ser essencial ou substancial, e perdoável ou escusável.
a.1) erro substancial ou essencial
Erro essencial ou substancial é aquele que incide sobre a essência (substância)
do ato que se pratica, sem o qual este não se teria realizado. É o caso do colecionador
que, pretendendo adquirir uma estátua de marfim, compra, por engano, uma peça feita
de material sintético.
Oposto a este e que não gera invalidação do negócio jurídico, é o erro acidental
porque se refere a circunstâncias de somenos importância e que não acarretam efetivo
prejuízo, ou seja, a qualidades secundárias do objeto ou da pessoa. Se conhecida a
realidade, mesmo assim o negócio seria realizado.
O erro substancial, segundo o art. 139 do CC/02, pode incidir sobre:
- o negócio (inciso I, 1ª parte): sobre a sua natureza jurídica. Ex: o contrato é de locação,
mas a pessoa pensa que é comodato (empréstimo de coisa infungível).
- objeto (inciso I, 2ª parte): versa sobre o objeto principal (compra de um cachorro
específico, mas leva outro) ou algumas qualidades a ele essenciais (compra de um anel
de cobre, pensando que é de ouro).
16Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
- pessoa do declarante (inciso II): versa sobre a identidade ou as qualidades de
determinada pessoa. A aplicação mais importante da teoria do erro sobre a pessoa é no
Direito de Família, sendo causa de anulação do casamento (art. 1556 e 1557, CC/02).
Ex: alguém se casa, sem saber, com seu irmão.
- erro de direito (error iuris – inciso III): é uma nova modalidade de erro consagrada no
novo Código Civil. Consiste na interpretação equivocada do alcance e incidência de
determinada norma jurídica.
Obviamente, o agente deve estar de boa-fé, ou seja, não pode traduzir em
oposição ou recusa à aplicação da lei. Além do mais, para ser admitido, o erro de direito
também tem que ter sido a razão determinante para a prática do ato. Ex: alguém celebra
um contato de importação de uma mercadoria, sem saber que foi expedido um decreto
proibindo a entrada de tal produto no território nacional. Não admitir a anulação do
contrato pela ficção legal da LICC (segundo a qual, em seu art. 3º, “ninguém pode se
escusar de cumprir a lei, alegando que não a conhece”), seria condenar quem realmente
estava enganado, pois que, em nosso país, é impossível ter conhecimento dos inúmeros
atos legislativos cotidianamente editados.
No caso do erro de direito, o indivíduo comete um ato proibido imaginando ser
permitido. Esta modalidade de erro não era trazida no bojo do CC de 1916, porque
Clóvis Beviláqua, ao contrário de Eduardo Espínola, Carvalho Ramos e Caio Mário,
não admitia a teoria do erro de direito, hoje reconhecida no novo Código Civil (art. 139,
III).
a.2) erro escusável ou perdoável
Diz o art. 138 que são “anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações
de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de
diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.
Portanto, além de erro ser substancial, há que ser escusável, isto é, perdoável,
justificável (justamente o contrário de erro grosseiro, decorrente do não emprego de
diligência ordinária), dentro do que se espera do homem médio que atue com grau
normal de diligência (este é padrão para aferir a escusabilidade). Não se admite,
outrossim, a alegação de erro por parte daquele que atuou com acentuado grau de
displicência, pois o direito não ampara o negligente.
a.3) diferença entre erro e vício redibitório
17Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
O erro, como sendo uma opinião não verdadeira a respeito do negócio, do seu
objeto ou da pessoa com quem se trava a relação jurídica, vicia a própria vontade do
agente, atuando no campo psíquico (dimensão subjetiva), o que resulta na anulação do
negócio jurídico.
Já o vício redibitório, por sua vez, consistente no defeito oculto na coisa
recebida, que lhe diminui o valor ou prejudica a sua utilização, autorizando o
desfazimento do contrato com a devolução do preço (acrescido de perdas e danos) ou no
abatimento do preço, não toca no psiquismo do agente, mas na própria coisa (dimensão
objetiva). Nesse caso, a parte recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar, porém,
ela portava defeito oculto.
Exemplo: se alguém adquire um relógio que funciona perfeitamente, mas não é
de ouro, como imaginava (e somente por essa circunstância o adquiriu), trata-se de erro
quanto à qualidade essencial do objeto. Se, no entanto, o relógio é mesmo de ouro, mas
não funciona em razão do defeito de uma peça interna, a hipótese é de vício redibitório.
b) Dolo
O dolo é um artifício malicioso que prejudica uma das partes e beneficia a outra
ou terceiro (dolo de terceiro). É um erro, porém, provocado por outrem.
Segundo o art. 145 do CC, o dolo que anula o negócio jurídico é o principal,
qual seja, o que ataca a causa, a raiz do negócio jurídico. Este não pode ser confundido
com o dolo acidental, que ataca aspectos secundários do negócio jurídico, não
impedindo a sua realização. Assim, a parte não tem direito à anulação, pois o dolo
acidental gera apenas a obrigação de pagar perdas e danos (art. 146). A aferição do dolo
principal e acidental dependerá de provas (análise probatória), pois se trata de uma
diferença psicológica.
O dolo pode ser proveniente do outro contratante ou de terceiro, estranho ao
negócio. O dolo de terceiro, segundo o art. 148 do CC/02, só anula o negócio jurídico
quando o beneficiado sabia ou devesse saber do engano. Se ele não adverte a outra
parte, está tacitamente aderindo ao expediente astucioso, tornando-se cúmplice. Ex: se o
adquirente é convencido por um terceiro que o relógio que está adquirindo é de ouro,
sem que tal afirmação tenha sido feita pelo vendedor, e este (beneficiado com o dolo do
terceiro) ouve as palavras de induzimento e não alerta o comprador, torna o negócio
anulável. Entretanto, se o vendedor não soube, nem pode saber do dolo do terceiro, o
18Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
negócio será mantido, podendo a vítima (comprador) requerer do terceiro perdas e
danos (art. 148, 2ª parte c/c art. 186, CC/02).
É bom mencionar que o dolo, causador de anulação do negócio jurídico, não é o
chamado dolus bonus, consistente numa técnica publicitária de realçar as características
de um produto colocado à venda, pela qual não se deixa envolver o homem médio
diligente.
Existe, no entanto, uma linha muito tênue entre o dolus bonus e a propaganda
enganosa, sendo que esta ocorrerá quando o anunciante deturpa as características de seu
produto ou anuncia características inexistentes. Nesse caso, estará ele agindo com o
dolo causador de anulação do negócio, também conhecido como dolus malus, pois que
tem o propósito de causar prejuízo.
Pode o dolo ser praticado por ação (dolo positivo) ou por omissão (dolo negativo
ou omissão dolosa). Dolo negativo, ou omissão dolosa, é aquele que resulta do silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja
ignorado (art. 147). Esteia-se tal dispositivo no princípio da boa-fé, que deve nortear
todos os negócios, pois a omissão dolosa implica na violação ao dever de informação.
O dolo pode ser, também, bilateral, isto é, de ambas as partes (art. 150). Nesse
caso, se ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis prejudicar a outra,
nenhuma delas pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização, porque
ninguém pode valer-se da própria torpeza.
c) Coação
Traduz uma violência psicológica ou ameaça séria e fundada dirigida a uma das
partes do negócio jurídico, fazendo com que ela se prejudique. É toda ameaça ou
pressão exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um
ato ou realizar um negócio.
O direito romano já distinguia a coação absoluta ou física (vis absoluta) da
relativa ou moral (vis compulsiva). Na coação absoluta inocorre qualquer consentimento
ou manifestação da vontade. A vantagem pretendida pelo coator é obtida mediante
emprego de força física. Ex: impressão de digital de analfabeto no contrato, agarrando-o
à força o seu braço. Para maioria dos autores, por inexistir qualquer manifestação de
vontade (que é pressuposto de existência do negócio jurídico), trata-se, na realidade, de
inexistência, e não invalidade do negócio jurídico.
19Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Assim, a coação que constitui vício da vontade e que torna o negócio anulável é
a relativa ou moral. Nesta, deixa-se uma opção ou escolha à vítima: praticar o ato
exigido pelo coator ou correr o risco de sofrer as conseqüências da ameaça por ele feita.
Trata-se de uma coação psicológica.
Embora o Código Civil não faça distinção, a doutrina entende existir coação
principal e acidental, sendo aquela a causa determinante do negócio e esta aquela que
influencia apenas as condições da avença, não impedindo a sua realização. Na primeira,
o negócio é anulável; na segunda, apenas ressarcimento do prejuízo.
Mas nem toda ameaça configura coação. O CC, no art. 151, especifica os
requisitos para que a coação possa viciar o consentimento:
- deve ser a causa do ato: deve haver uma relação de causalidade entre a coação e o ato
extorquido, ou seja, o negócio deve ter sido realizado somente por ter havido grave
ameaça ou violência, que provocou na vítima fundado receio de dano à sua pessoa, à
sua família ou aos seus bens. Sem ela, o negócio não se teria concretizado;
- deve ser grave: ou seja, fundado temor de dano a bem que considera relevante. Não é
aferida a gravidade pelo critério do homem médio, que é um padrão abstrato, mas
avaliam-se, em cada caso, as condições particulares ou pessoais da vítima – art. 152.
O art. 153, 2ª parte, não considera coação o “simples temor reverencial”,
consistente no receio de desgostar os pais ou outras pessoas a quem se deve obediência
e respeito, como os superiores hierárquicos. Pode, entretanto, viciar o consentimento
quando acompanhado de ameaças ou violências. Ex: graves ameaças de castigo à filha
para obrigá-la a se casar. Pontes de Miranda já ensinava que “o temor reverencial, por si
só, não anula o negócio jurídico, mas pode trazer consigo uma coação”.
- deve ser injusta: ou ilícita, contrária ao direito ou abusiva. Assim, configura a coação
não apenas quando o ato praticado pelo coator contraria o direito, como também sua
conduta, embora jurídica, constitui-se abusiva. Ex: policial que, surpreendendo alguém
a praticar algum crime, ameaça denunciá-lo caso não realize com ele determinado
negócio.
Portanto, por outro lado, com bem prescreve o art. 153, 1ª parte, “não se
considera coação a ameaça do exercício normal de um direito”. Ex: não constitui
coação a ameaça feita pelo credor de protestar ou executar o título de crédito.
- deve ser dano atual ou iminente: aquele prestes a se consumar.
- deve acarretar justo receio de dano: independentemente se igual ou proporcional ao
sacrifício exigido.
20Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
- deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, ou a pessoas de sua
família: o termo “família” tem, hoje, acepção ampla, compreendendo não só a que
resulta do casamento, como também a decorrente de união estável (entidade familiar).
Também não faz distinção entre parentesco legítimo ou decorrente de adoção. Incluem-
se também as ameaças a parentes afins, como cunhados, sogros etc, pois a doutrina já
vinha entendendo que a referência do texto a familiares, do código anterior, era
meramente exemplificativa (abrange, portanto, amigo íntimo, noivo, noiva etc). Por essa
razão, o CC/02 consignou, no parágrafo único do art. 151, que, se a coação “disser
respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas
circunstâncias, decidirá se houve coação”.
A coação vicia o ato, ainda quando exercida por terceiro, se dela tivesse ou
devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com
aquele por perdas e danos (art. 154).
Parece com o dolo de terceiro, com a diferença que o beneficiado responde
solidariamente com o terceiro por perdas e danos, quando sabia ou devesse saber da
coação, anulando o negócio jurídico. A lei explicitou a solidariedade do beneficiado.
Subsistirá, no entanto, o negócio jurídico se a coação decorrer de terceiro, sem
que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da
coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto (art. 155).
d) Estado de perigo
O estado de perigo é um defeito do negócio jurídico, consagrado pelo novo
Código Civil, que guarda semelhança com o estado de necessidade5 do Direito Penal,
onde é causa de exclusão de ilicitude.
Ocorre quando uma pessoa, premida da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de
sua família ou não (art. 156, parágrafo único – o juiz decidirá segundo as
circunstâncias), de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa (art. 156, sem correspondência no CC/16).
Exemplo clássico é a pessoa que está se afogando e, desesperada, promete toda
sua fortuna para ser salva. 5 Segundo o art. 23 do Código Penal, “não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade (...)”; estado de necessidade, por sua vez, é conceituado no art. 24 do mesmo diploma legal, que assim dispõe: “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar-se de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.”
21Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Outra hipótese, mais condizente com a realidade de nossos dias, é a caução
exigida nos hospitais a fim de internação ou atendimento emergencial6. Ora, a prestação
de serviços médicos emergenciais é uma obrigação, inclusive moral. Agora, prestado o
serviço, que se providencie a transferência do paciente para um hospital da rede pública.
Mas, para tratamento de emergência, qualquer exigência imposta como condição para a
pronta atuação médica é totalmente descabida, podendo, inclusive, gerar
responsabilização criminal dos envolvidos.
O estado de perigo compõe-se de dois elementos:
d.1) objetivo: assunção (assumir) de obrigação excessivamente onerosa;
d.2) subjetivo: caracterizado pelo constrangimento causado pela necessidade de salvar-
se, ou de salvar pessoa de sua família ou próxima (pessoa não pertencente à família –
art. 156, parágrafo único), de risco grave existente.
Parte da doutrina sustenta que o estado de perigo se aproxima da coação moral,
pois a vítima não se encontra em condições de declarar livremente a sua vontade.
Porém, no estado de perigo, inocorre a hipótese de um dos contratantes constranger o
outro à prática de determinado ato ou a consentir na celebração de determinado
contrato. O medo, a pressão, o perigo advêm de uma circunstância alheia à outra parte,
que deles se aproveita para se beneficiar.
Também não se confunde estado de perigo com lesão, pois enquanto naquele o
agente assume prestações excessivamente onerosas em virtude de um perigo de vida ou
de lesão a algum direito seu ou de sua família, do qual se aproveita, porém não provoca,
o beneficiado; nesta (na lesão), tal assunção decorre por razões essencialmente
econômicas e pessoais da vítima, como a sua inexperiência ou leviandade, prejudicando
a si próprio.
e) Lesão
A lei que criou a lesão foi uma lei criminal (Lei 1521/51 – lei da economia
popular), prevendo o crime de usura; posteriormente, regulamentado nas relações de
consumo (Lei 8078/90 – Código de Defesa do Consumidor, art. 6º). O CC de 2002, de
forma inovadora, em seu art. 157, seguiu o exemplo do CDC, prevendo a lesão, agora
aplicável aos negócios em geral.
6 A ANVISA baixou uma portaria orientando as pessoas vítimas dessa situação a ingressar com uma representação no Ministério Público Federal; sustar o cheque e invalidar a assinatura do contrato de garantia com base no estado de perigo.
22Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Está intimamente ligado com abuso de poder econômico. Pode-se conceituar a
lesão como sendo o prejuízo resultante da desproporção entre as prestações de um
negócio em face do abuso da necessidade econômica, inexperiência ou leviandade de
uma das partes.
A lesão representa vício consistente na deformação da declaração por fatores
pessoais do contratante, explorados indevidamente pelo outro contratante. Antes que se
diga que o direito não deve tutelar os negligentes, é bom observar que a tônica da lesão
é exatamente a presunção de que a parte beneficiada abusa destes estados psicológicos,
violando o princípio da boa-fé. É o chamado dolo de aproveitamento, ou seja, o
propósito de obter vantagem exagerada da situação de hipossuficiência do contratante
lesado.
Sendo assim, tem-se entendido que a lesão se compõe de dois requisitos ou
elementos:
e.1) objetivo ou material – desproporção das prestações avençadas.
A lesão causa um desequilíbrio econômico no negócio jurídico. É o caso dos
financiamentos com juros abusivos. A propósito, é bom lembrar que a lesão encontra
terreno fértil nos contratos de adesão porque neles uma das partes é quem estipula as
cláusulas, havendo forte risco de abuso.
Por outro lado, convém esclarecer que tal desproporção deve verificar-se no
momento do contrato e não posteriormente, quando, então, é caso de aplicação da teoria
da imprevisão, segundo a qual permite a resolução ou revisão do contrato quando o seu
equilíbrio for rompido pela superveniência de circunstância imprevista e imprevisível, e
não da lesão como causa de anulação do contrato. A lesão é vício que surge
concomitantemente com o negócio; já a teoria da imprevisão, por sua vez, pressupõe
negócio já válido.
Ao apreciar a desproporção, não é adequada a utilização do sistema legal de
tarifamento, pelo qual a própria lei cuida de estabelecer parâmetros objetivos para sua
identificação, como ocorria no direito romano, que se reconhecia a lesão quando a
vantagem correspondesse à “metade do preço justo”.
O CC, em seu art. 157, §1º, determina que “aprecia-se a desproporção das
prestações, segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio
jurídico”. Portanto, é facultado ao julgador, à luz do caso concreto, reconhecer ou não a
23Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
ocorrência do referido vício, pois lesão é conceito aberto, o que impõe um julgamento
segundo critérios objetivos, pautando-se em valores sociais.
e.2) subjetivo, imaterial ou anímico – o abuso (dolo de aproveitamento), por parte do
beneficiado, da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da parte lesada (que
é a hipossuficiente).
Convém notar que em nenhum momento o legislador de 2002 exigiu que se
provasse o dolo de aproveitamento da parte beneficiária (intenção de prejudicar). O
ministro Moreira Alves (criador da Parte Geral) diz, em seus julgados, em “lesão
objetiva”.
Mas, embora não consta no texto do art. 157 o dolo de aproveitamento, o que se
conclui que basta para a configuração da lesão a desproporção das prestações (elemento
objetivo), infere-se a sua existência pelo fato de que o direito não pode tolerar a
subsistência de negócios que não tenham sido celebrados com o mínimo de boa-fé das
partes.
Portanto, ainda que não se possa admitir que uma das partes aja com
displicência, por outro lado, é mais abominável ainda o fato de a outra parte abusar
dessa situação com o fim de obter vantagem.
Mas, o que vem a ser, precisamente, tais estados psicológicos, dos quais a outra
parte pode abusar?
A premente necessidade tem base econômica, caracterizada por uma situação
extrema, que impõe ao necessitado a celebração do negócio prejudicial. Portanto,
independentemente se tratar o lesado de pessoa rica ou pobre, se precisa urgentemente
de dinheiro e, para isso, vende, por exemplo, um bem a baixo do seu real preço, está
configurado o prejuízo, a lesão.
Já a inexperiência traduz na falta de habilidade para o trato nos negócios, e não
necessariamente na falta de instrução ou de cultura geral. E a leviandade, por sua vez,
caracteriza uma atuação temerária, inconseqüente, ou seja, a precipitação na realização
do negócio sem a devida reflexão.
A conseqüência da lesão é a anulação do negócio jurídico (art. 171, II).
f) Fraude contra credores
24Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
A fraude contra credores é vício social, praticada com o intuito de prejudicar
terceiros, ou seja, os credores.
Assenta-se no princípio do direito das obrigações segundo o qual o patrimônio
do devedor responde por suas obrigações. É o princípio da responsabilidade
patrimonial.
Se ele o desfalca maliciosa e substancialmente, a ponto de não garantir mais o
pagamento de todas as dívidas, tornando-se assim insolvente, com o seu passivo
superando o ativo, configura-se a fraude contra credores.
O legislador teve de optar entre proteger o interesse dos credores ou o do
adquirente de boa-fé, preferindo o deste: se o adquirente ignorava a insolvência do
alienante, nem tinha motivos para conhecê-la, conservará o bem, não se anulando o
negócio.
Mas, por outro lado, o credor somente logrará invalidar a alienação se provar a
má-fé do terceiro adquirente, consistente na mera prova da sua ciência da situação de
insolvência do alienante. Este é o elemento subjetivo da fraude: o consilium fraudis ou o
conluio fraudulento. Assim, a lei presume a má-fé do adquirente quando a insolvência
do alienante for notória (mediante a existência de títulos protestados, várias execuções
em andamento) ou quando houver motivo para ser conhecida do primeiro (parentesco
próximo, preço vil, continuação dos bens na posse do alienante etc).
O elemento objetivo da fraude é o eventus damni (prejuízo decorrente da
insolvência). O autor da ação anulatória (pauliana ou revocatória) tem assim o ônus de
provar o eventus damni e o consilium fraudis.
A fraude pode ocorrer as seguintes hipóteses:
- negócios jurídicos onerosos (art. 159): a insolvência do devedor deve ser notória ou
conhecida. É mais difícil de ser declarada essa fraude porque deve ser provada a sua
existência, além da notoriedade da insolvência do devedor ou que a outra parte a
conhecia;
- negócios jurídicos gratuitos (doação) ou remissão (perdão) de dívida: o art. 158
declara que poderão ser anulados pelos credores quirografários os atos de transmissão
gratuita de bens (doações) ou remissão de dívida (perdão), quando os pratique o devedor
já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore. É tão grave que
a má-fé é presumida. O perdão de dívidas feita por um insolvente é fraudulento por
presunção.
25Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
O estado de insolvência é objetivo (existe ou não, independentemente do
conhecimento do insolvente). Nesses casos, os credores não precisam provar o conluio
fraudulento, pois a lei presume a existência do propósito de fraude.
- pagamento antecipado de dívidas (art. 162): com isso, o devedor desrespeita a ordem
cronológica de pagamento dos créditos. A intenção da lei é colocar em situação de
igualdade todos os credores. Presume-se o intuito fraudulento e o credor beneficiado
ficará obrigado a repor aquilo que recebeu. Se a dívida já estiver vencida, o pagamento
será considerado normal.
- outorga fraudulenta de garantia (art. 163): é constituição de garantias a algum credor
quirografário (hipoteca, penhor, anticrese), colocando-o em posição mais vantajosa do
que os demais, em detrimento da igualdade que deve existir entre os credores. O que se
anula é somente a garantia (art. 165, parágrafo único).
Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à
manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do
devedor e de sua família (art. 164). Admite-se, também, que o adquirente dos bens do
devedor insolvente, que ainda não tiver pago o preço e desde que este seja,
aproximadamente, o corrente, evite a consumação da fraude e a anulação do negócio,
depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados, bem como que possa
conservá-los, se o preço for inferior ao corrente, depositando em juízo a quantia que
corresponda ao valor real (art. 160 e parágrafo único).
Por fim, vale mencionar que o mecanismo judicial adequado para buscar a
anulação do negócio jurídico celebrado com fraude contra credores é chamado de ação
pauliana, em atenção ao pretor Paulo, que a introduziu no direito romano. É também
conhecida como ação anulatória ou revocatória.
O novo diploma civil manteve o sistema anterior, segundo o qual a fraude contra
credores acarreta a anulabilidade do negócio jurídico. Não adotou, assim, a tese de que
se trataria de ineficácia relativa, defendida por grande parte da doutrina, segundo o qual,
demonstrada a fraude, a sentença não anularia a alienação, mas declararia a ineficácia
do ato, permanecendo o negócio válido entre os contratantes.
Para alguns, o sistema adotado pelo novo Código Civil representar um
retrocesso, pois o próprio direito positivo brasileiro, após o CC/16 já havia dispensado o
tratamento da ineficácia em relação à fraude praticada no âmbito do direito falimentar e
do direito processual civil. Contudo, malgrado tratar-se de questão polêmica, o Superior
26Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Tribunal de Justiça, na Súmula 195, já vinha aplicando a tese da anulabilidade do
negócio, e não da ineficácia.
Só estão legitimados a ajuizar ação pauliana os credores quirografários que já o
eram ao tempo da alienação fraudulenta – art. 158, caput e §2º (pois se negociaram
depois do desfalque do patrimônio do devedor, nada podem reclamar); os credores com
garantia real se esta se tornar insuficiente (§1º).
A ação pauliana deve ser intentada contra o devedor insolvente e também contra
a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, bem como contra
terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (art. 161). Isso porque de nada
adiantaria acionar somente o alienante se o bem se encontra em poder dos adquirentes.
Questão que é sempre colocado nesse tópico é com relação às principais
diferenças entre fraude contra credores e a chamada fraude à execução.
Ambas não se confundem, pois enquanto a fraude contra credores visa a
anulação, a fraude à execução visa a declaração de ineficácia da alienação fraudulenta.
Encontra-se superado o entendimento de que a fraude contra credores torna o ato
anulável e a fraude à execução a alienação é apenas considerada ineficaz em face do
credor.
A fraude contra credores é defeito do negócio jurídico; a fraude à execução é
incidente do processo disciplinado pelo direito público. A primeira caracteriza-se
quando ainda não existe nenhuma ação ou execução em andamento contra o devedor. A
segunda pressupõe demanda em andamento, capaz de reduzir o alienante à insolvência
(art. 593, II, CPC).
A doutrina considera fraude à execução qualquer alienação efetivada depois que
a ação fora proposta. É a corrente mais justa, por impedir que o réu se oculte, enquanto
cuida de dilapidar o seu patrimônio, para só depois então aparecer para ser citado.
A fraude contra credores deve ser pronunciada em ação pauliana, enquanto a
fraude à execução pode ser reconhecida mediante simples petição, nos próprios autos.
Pode ser lembrado, por último, que a caracterização da fraude contra credores,
nas alienações onerosas, depende de prova do consilium fraudis, isto é, da má-fé do
terceiro (dispensável quando se trata de alienação a título gratuito ou de remissão de
dívida), enquanto a referida má-fé é sempre presumida na fraude à execução.
g) Simulação
27Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Embora o novo Código Civil tenha deslocado a simulação para o capítulo
referente à “invalidade do negócio jurídico”, em que a considera como causa de
nulidade e não mais de anulação, trata-se ainda de um defeito ou vício dos negócios
jurídicos, a par dos já até então enunciados.
A simulação é uma declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito
diverso do indicado. As partes celebram um negócio jurídico que tem aparência normal,
mas que, na verdade, não pretende atingir o efeito que deveria produzir.
É um defeito que não vicia a vontade do declarante, uma vez que este
mancomuna-se de livre vontade com a outra parte para atingir fins espúrios, em
detrimento da lei ou da própria sociedade. Trata-se, pois, de um vício social, e pode ser
de duas espécies: simulação absoluta ou relativa.
f.1) simulação absoluta: é aquela em que as partes celebram um negócio jurídico
aparente, mas destinado a não gerar efeito algum, a fim de lesar interesse de terceiro.
Ex: para livrar bens da partilha e prejudicar a esposa, o marido simula negócio com
amigo, contraindo falsamente uma dívida com ele, com o fim de, posteriormente,
transferir-lhe bens em pagamento, cuja propriedade, na verdade, não pretende transferir.
As partes não pretendem que o negócio atinja os efeitos concretos.
f.2) simulação relativa: as partes criam um negócio destinado a encobrir um outro
negócio, cujo efeito é proibido por lei. É também chamada de dissimulação. Ex: marido
simula uma compra e venda para encobrir, na verdade, uma doação à concubina, que é
proibido por lei.
Diferentemente do que ocorre na simulação absoluta, na relativa as partes
pretendem atingir efeitos jurídicos concretos, embora vedados por lei.
Além da simulação, no novo Código Civil, ao contrário dos demais defeitos, ser
tratada como causa de nulidade absoluta, outras modificação com relação ao código
anterior podem ser apontadas, a saber:
- não há mais diferença entre simulação inocente e maliciosa
O CC/02 não mais ressalva a chamada simulação inocente, consistente na
subsistência do negócio jurídico celebrado em simulação, quando não houver intenção
de prejudicar terceiros ou de fraudar a lei. Era o caso do homem solteiro, sem herdeiros
necessários, que simulava a venda de um bem a sua concubina, encobrindo uma doação.
Não tendo havido prejuízo a direito de terceiros ou à própria lei, considerava-se a
simulação inocente e o negócio era válido.
28Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
- em caso de simulação relativa, resguardam-se os efeitos do ato dissimulado, se válido
for na substância e na forma (art. 167, caput). Pela disciplina do legislador do CC/16,
tanto na simulação absoluta, quanto na relativa, invalidava-se todo o ato.
- permite-se, agora, a alegação da simulação em juízo pelos próprios simuladores,
resguardados os direitos de terceiros de boa-fé. Até porque as nulidades podem ser
alegadas por qualquer interessado, ou até mesmo pronunciadas de ofício pelo juiz, o que
não poderia se se tratasse de anulabilidades. O fundamento, para tal restrição no código
anterior, era o princípio segundo o qual “ninguém poderá valer-se, beneficiar-se de sua
própria torpeza”.
O que é reserva mental ou reticência?
Configura-se quando o agente emite declaração de vontade, resguardando o
íntimo propósito de não cumprir o negócio jurídico ou atingir fim diverso do pactuado.
A base legal é o art. 110 do CC/02, que não tem correspondência com o Código
anterior. Enquanto mantido no íntimo o escopo de não cumprir o negócio jurídico, não
há repercussão no mundo jurídico.
Agora, se externa tal intuito, e a reserva se torna conhecida do outro contratante,
é como se houvesse um acordo simulatório e a reserva se equipara à simulação
maliciosa ou fraudulenta.
Mas o novo Código, divergindo da doutrina, firmou a regra de que se a reserva
mental for exteriorizada, dela tendo conhecimento o destinatário, a manifestação de
vontade, que não correspondia à pretendida mentalmente, não subsiste o negócio
jurídico, e, por conseqüência, é tido por inexistente (e não prejuízo no plano de
validade).
4.6- Invalidade dos negócios jurídicos
A expressão “invalidade” abrange a nulidade e a anulabilidade do negócio
jurídico. É empregada para designar o negócio que não produz os efeitos desejados
pelas partes, o qual será classificado de acordo com o grau de imperfeição verificado.
Viu-se que o negócio é inexistente quando lhe falta algum elemento estrutural,
como a manifestação de vontade, o objeto, a forma etc.
29Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Por outro lado, se a vontade foi manifestada, mas encontra-se eivada de erro,
dolo, coação etc, o negócio existe, mas é inválido.
O negócio é nulo quando ofende preceitos de ordem pública, que interessam à
sociedade. Quando a ofensa atinge o interesse particular de pessoas que o legislador
pretendeu proteger, faculta-se a estas promover a anulação do ato. Trata-se de negócio
anulável.
O Código Civil trata da nulidade absoluta e da relativa, também chamada de
anulabilidade. Levando em conta o respeito à ordem pública, formula exigências de
caráter subjetivo, objetivo e formal.
Assim, o art. 166 declara que se considera nulo o ato quando praticado por
pessoa absolutamente incapaz (inciso I); quando for ilícito, impossível ou
indeterminável o seu objeto (inciso II); quando o motivo determinante, comum a ambas
as partes, for ilícito (inciso III); quando não revestir da forma prescrita em lei (inciso
IV); ou quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade (inciso V); quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa (inciso VI); e,
finalmente, quando a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção (inciso VII). E, como já vimos, o art. 167 também considera nulo o
negócio jurídico simulado, aduzindo que subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma.
Os incisos III e VI são inovações do Código Civil de 2002. Quanto ao inciso
VII, a lei expressamente declara nulo determinado negócio (como os arts. 548,
549,1428,1475, 1548 etc). Nesses casos, diz-se que a nulidade é expressa ou textual.
Outras vezes a lei não declara a nulidade, mas proíbe a sua prática ou submete a sua
validade à observância de certos requisitos de interesse geral. Utiliza-se de expressões
como “não pode”, “não se admite” ou “ficará sem efeito”; em tais hipóteses,
dependendo da natureza da disposição violada, a nulidade está subentendida, sendo
chamada de virtual ou implícita.
A anulabilidade visa à proteção do consentimento ou refere-se à incapacidade do
agente. O art. 171 declara que, além dos casos expressamente declarados na lei, é
anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente (inciso I) e por vício
resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores
(inciso II).
Outras diferenças entre anulabilidade e nulidade podem ser apontadas, a saber:
30Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
- a primeira é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada; a segunda é de
ordem pública e decretada no interesse da própria coletividade;
- a anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes, ou sanada,
expressa ou tacitamente, pela confirmação; a nulidade não pode ser sanada pela
confirmação nem suprida pelo juiz. O novo Código Civil, para atender à melhor técnica,
substituiu o termo “ratificação” por “confirmação”.
A confirmação pode ser expressa ou tácita e retroage à dato do ato. Expressa
quando há uma declaração de vontade que contenha a substância do negócio celebrado,
sendo necessário que a vontade de mantê-lo seja explícita. Tácita quando a obrigação já
foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava, ou quando deixa
de consumar-se a decadência de seu direito. Expressa ou tácita, importa a extinção de
todas as ações, ou exceções, de que dispusesse o devedor contra o negócio anulável.
Não poderá, entretanto, ser efetivada se prejudicar terceiro.
- a anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício; depende de provocação dos
interessados (art. 177) e não opera antes de julgada por sentença. O efeito de seu
reconhecimento é, portanto, ex nunc. A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de
ofício pelo juiz (art. 168, parágrafo único) e seu efeito é ex tunc, pois retroage à data do
negócio, para lhe negar efeitos.
A manifestação judicial, nesse caso, é, então, de natureza meramente
declaratória. Na anulabilidade, a sentença é de natureza desconstitutiva, pois o negócio
anulável vai produzindo efeitos, até ser pronunciada a sua invalidade. A anulabilidade,
assim, deve ser pleiteada em ação judicial. A nulidade quase sempre opera de pleno
direito e deve ser pronunciada de ofício pelo juiz.
Somente se justifica a propositura de ação para esse fim quando houver
controvérsia sobre os fatos constitutivos da nulidade.
- a anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, isto é, pelos prejudicados,
sendo que os seus efeitos aproveitam apenas aos que a alegaram, salvo o caso de
solidariedade, ou indivisibilidade (art. 177). A nulidade pode ser alegada por qualquer
interessado, em nome próprio, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir,
em nome da sociedade que representa (art. 168, caput). O menor, entre 16 e 18 anos,
não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a
ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, espontaneamente
declarou-se maior (art. 180), perdendo, por isso, a proteção da lei.
31Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
- ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. Quando a lei
dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo, será este de 2 anos, a
contar da data da conclusão do ato (art. 179). Negócio nulo não se valida com o decurso
do tempo, nem é suscetível de confirmação (art.169).
- o negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade
(efeito ex nunc – natureza desconstitutiva); já o ato nulo não produz nenhum efeito
(efeito ex tunc – natureza declaratória).
A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este
puder provar-se por outro meio (art. 183). Será diferente se for da substância do ato.
Dispõe o art. 184 que, respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de
um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável.
O referido art. 184 ainda prescreve que a invalidade da obrigação principal
implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.
Assim, a nulidade da obrigação principal acarreta a nulidade da cláusula penal e da
dívida contratada acarreta a da hipoteca, por exemplo. Mas a nulidade da obrigação
acessória não importa a da obrigação principal.
Dispõe o art. 182 que, anulado o negócio jurídico (havendo nulidade ou
anulabilidade), restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não
sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
O Código abre exceção em favor dos incapazes, ao dispor que “ninguém pode
reclamar o que pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a
importância paga” (art. 181). Provado que o pagamento nulo reverteu em proveito do
incapaz, determina-se a restituição, porque ninguém pode locupletar-se à custa alheia. O
ônus da prova incumbe a quem pagou.
O art. 169 do novo Código Civil, que não constava do anterior, proclama que o
“negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso
do tempo.” Mas admite-se a conversão, por força do art. 170 que prescreve: “se, porém,
o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a
que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a
nulidade”.
A teoria das nulidades do negócio jurídico sofre algumas exceções quando
aplicada ao casamento.
6. Não há prazo para pleitear a declaração de
nulidade absoluta.
5. A declaração judicial da nulidade absoluta
retroage à data da celebração do NJ (efeito
tunc /retroativo declaratória);
4. Pode ser declarada m
ediante requerimento de
qualquer interessado ou
do M
P, ou
de ofício
pelo juiz;
3. Não
pode ser suprida pelo juiz, nem
sanada pela confirm
ação (ratificação);
2. Declarada no interesse da coletividade
1.Q
uando o NJ ofende norm
a de ordem
pública (arts. 166 e 167);
NU
LO
(nu
lidad
e absolu
ta)
32Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
4.6 Plano de Eficácia dos Negócios Jurídicos
Após a análise dos planos de existência e validade do negócio jurídico, cabe
agora avaliá-lo sob o plano de eficácia, onde se verifica se o negócio é eficaz, ou seja, se
ele repercute juridicamente no plano social. Por exemplo: celebrado um contrato de
6. Não há prazo para pleitear a declaração de
nulidade absoluta.
5. A declaração judicial da nulidade absoluta
retroage à data da celebração do NJ (efeito
tunc /retroativo declaratória);
4. Pode ser declarada m
ediante requerimento de
qualquer interessado ou
do M
P, ou
de ofício
pelo juiz;
3. Não
pode ser suprida pelo juiz, nem
sanada pela confirm
ação (ratificação);
2. Declarada no interesse da coletividade
1.Q
uando o NJ ofende norm
a de ordem
pública (arts. 166 e 167);
NU
LO
(nu
lidad
e absolu
ta)
33Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
compra e venda existente e válido, será também juridicamente eficaz se não estiver
subordinado a um acontecimento futuro a partir do qual passa a ser exigível.
Por outro lado, não se pode reputar um negócio inválido, como é a compra e
venda por um menor absolutamente incapaz, eivada de nulidade absoluta, como sendo
também ineficaz, pois não se pode deixar de levar em conta efeitos materiais produzidos
por esse ato.
Na maioria dos livros de Direito Civil, este assunto é tratado sob o título de
elementos acidentais ou modalidades do negócio jurídico, os quais são, na verdade,
limitadores de sua eficácia.
São elementos acidentais do negócio jurídico:
a) Condição:
É a determinação acessória, que faz a eficácia da vontade declarada dependente
de algum acontecimento futuro e incerto. Segundo o art. 121 do CC/02, “considera-se
condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o
efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.
É o caso do indivíduo que se obriga a transferir gratuitamente um imóvel ao seu
sobrinho (doação) quando ele se casar. O casamento é uma determinação acessória,
futura e incerta, que subordina a eficácia jurídica do ato negocial.
Há, portanto, dois elementos caracterizadores da condição:
a.1) a incerteza: pois se o fato for certo (uma data determinada, por exemplo), estamos
diante não de uma condição, mas de um termo. É indispensável a incerteza da
determinação acessória para identificá-la como condição.
Essa incerteza diz respeito à própria ocorrência do fato, e não ao período de
tempo que irá se realizar, o que se conclui que a morte não é considerada condição, pois
o indivíduo nasce e tem a certeza de que irá morrer, só não sabe quando. Trata-se, nesse
caso, de um termo incerto.
Mas, por outro lado, se o negócio for subordinado à morte de alguém dentro de
um prazo prefixado, tal acontecimento passa a se configurar como uma condição, uma
vez que, nesse caso, haverá incerteza quanto à ocorrência do fato dentro do prazo que se
fixou.
34Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
a.2) a futuridade: acontecimento passado ou presente não pode caracterizar condição.
Exemplo clássico é o de Spencer Vampré, em que alguém promete certa quantia a
outrem se estiver premiado o seu bilhete de loteria ocorrido no dia anterior. Nesse caso,
tratando-se de fato passado, duas situações poderá ocorrer: ou o bilhete não foi
premiado e, então, a declaração é ineficaz; ou o foi e o negócio não é condicional, mas
puro e simples.
Tomando por base a definição dada à condição pelo art. 121 do diploma civil,
como sendo “a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes (...)”,
pode-se afirmar que, ao lado da futuridade e da incerteza, a voluntariedade da condição
é também elemento característico fundamental. Dessa forma, culminou por afastar a
categoria das condições necessárias, pois que estas derivam exclusivamente da lei, que
são impostas por esta, como a exigência de escritura pública para aperfeiçoar o contrato
de compra e venda de imóvel.
Há várias espécies de condições que podem ser classificadas quanto:
- à licitude: condições lícitas (art. 122), que não são contrárias à lei, à ordem pública ou
aos bons costumes; e condições ilícitas, que, a contrario sensu, são as que atentarem
contra proibição expressa ou virtual do ordenamento jurídico, a moral ou aos bons
costumes. Ex: cláusula que obriga alguém a mudar de religião, por contrariar a
liberdade de credo; bem como a de alguém se entregar à prostituição; a que exige a
conservação do estado da viuvez (priva absolutamente a liberdade).
Se a cláusula afeta, de forma relativa, a liberdade da pessoa, não se reputa ilícita
ou proibida. Ex: o negócio só se reputa eficaz se a parte se casar ou não com
determinada pessoa. Nesse caso, conserva-se certa liberdade.
O Código Civil, nos arts. 122 e 123, proíbe expressamente as condições que
privarem de todo efeito o ato (perplexas); as que o sujeitarem ao puro arbítrio de uma
das partes (puramente potestativas); as física ou juridicamente impossíveis; e as
incompreensíveis ou contraditórias.
- à possibilidade: possíveis e impossíveis, seja física ou juridicamente. Fisicamente
impossíveis são as que não podem ser cumpridas por nenhum ser humano, como colocar
toda a água dos oceanos em um pequeno copo. Condição juridicamente impossível é a
que esbarra em proibição expressa do ordenamento jurídico ou fere a moral ou os bons
costumes. Ex: adotar uma pessoa da mesma idade ou realizar um negócio que tenha por
35Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
objeto herança de pessoa viva, ou, ainda, a condição de cometer crime ou de se
prostituir.
Em ambos os casos, as condições impossíveis são consideradas inexistentes ou
não escritas (art. 124).
- à fonte de onde promanam: casuais, as que dependem do acaso, do fortuito, de fato
alheio à vontade das partes; opõem-se às potestativas. Ex: “dar-te-ei tal quantia se
chover amanhã”; potestativas, que decorrem da vontade de uma das partes, dividindo-se
em puramente potestativas (são ilícitas por sujeitarem todo o efeito do ato ao puro
arbítrio de uma das partes, sem a influência de qualquer fator externo; dependem de
mero capricho), simplesmente potestativas (são admitidas por dependerem não só da
manifestação de vontade de uma das partes como também de algum acontecimento ou
circunstância exterior que escapa ao seu controle. Ex: “dar-te-ei tal bem se fores a
Roma”)7, e mistas, quando dependem simultaneamente da vontade de uma das partes e
da vontade de um terceiro. Ex: “dar-te-ei tal quantia se casares com tal pessoa” ou “se
constituíres sociedade com fulano”. Nestas últimas, a combinação da vontade e do acaso
é proposital.
- ao modo de atuação: suspensiva ou resolutiva.
Suspensiva é aquela que impede que o ato produza efeitos até a realização do
evento futuro e incerto. Não se terá adquirido o direito enquanto não se verificar o
evento. Ex: “dar-te-ei um carro se passar no vestibular”.
Verificada a condição suspensiva, o direito é adquirido. E embora a
incorporação ao patrimônio do titular ocorra somente por ocasião do implemento da
condição, o direito condicional constituir-se-á na data da celebração do negócio, como
se desde o início não fosse condicional. Mas, por outro lado, se frustrada a condição,
considera-se como nunca tendo existido o negócio.
Segundo o art. 129, se o implemento da condição for maliciosamente impedido
pela parte a quem desfavorecer, reputa-se a mesma verificada. E, ao contrário, não será
a condição verificada, se também maliciosamente foi levada efeito por aquele a quem
aproveita o seu implemento. Ex: a condição de pagar somente se as ações de
7 Tem-se entendido que a cláusula “pagarei quando puder” ou “quando possível” não constitui arbítrio condenável.
36Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
determinada empresa alcançarem certo valor, e houver manipulação na Bolsa de
Valores, pelo interessado, para evitar que o valor estipulado se verifique.
Resolutiva é a que extingue, resolve o direito transferido pelo negócio, se
ocorrido o evento futuro e incerto. Ex: “a doação do imóvel perderá efeito se se casar
com determinada pessoa”; ou “constitui-se um renda em favor de outrem, enquanto este
estudar”.
Neste caso, o direito é adquirido desde logo, sendo extinto quando ocorrer o seu
implemento.
A condição resolutiva pode ser expressa ou tácita. Esta última não se trata
propriamente de condição em sentido técnico, pois que esta só se configura se constar
expressamente no negócio.
a) Termo
É o acontecimento futuro e certo que subordina o início ou o término da eficácia
jurídica do negócio jurídico. Possui, portanto, duas características: a futuridade e a
certeza (quanto à sua ocorrência). Difere da condição, que a subordina a evento futuro e
incerto.
Apesar dessa distinção, pode ocorrer que o termo, embora certo e inevitável no
futuro, seja incerto quanto à data de sua verificação, sendo, nesse caso, considerado
termo incerto (Ex: a morte). Sob esse aspecto, então, o termo pode ser dividido em
incerto, como no referido exemplo, e certo, quando se reporta a determina data do
calendário ou a determinado lapso de tempo.
Termo não se confunde com prazo. Prazo é o período compreendido entre dois
termos, o inicial e o final.
O termo inicial marca o início da produção de efeitos do negócio jurídico; e o
termo final marca o seu final. O devedor pode antecipar o pagamento e o credor retê-lo,
não cabendo repetição de indébito. A antecipação é permitida porque o prazo é à favor
do devedor.
Contrato sem prazo deve ser cumprido de imediato, salvo se a execução tiver de
ser feita em lugar diverso ou depender de tempo (art. 134). No caso específico de mútuo
(dinheiro), não tendo sido estabelecido termo de vencimento, o prazo máximo é de 30
dias.
37Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
O termo classifica-se da seguinte forma:
- quanto à origem: convencional (decorre da vontade das partes); legal (é o fixado por
lei); e de graça (é o judicial, fixado pelo juiz na sentença).
- quanto ao modo de atuação: inicial ou suspensivo (dies a quo) e final ou resolutivo
(dies ad quem).
O termo inicial suspende o exercício, e não a aquisição do direito (art. 131),
assemelhando-se à condição suspensiva, que também produz tal efeito. Diferem, no
entanto, porque a condição suspensiva, além de suspender o exercício do direito,
suspende também a sua aquisição. Já o termo não suspende a aquisição, mas somente
protela o seu exercício. Além do mais, na condição, o evento do qual depende a eficácia
do ato é futuro e incerto, enquanto no termo é futuro e certo. Em razão de tal
semelhança, dispõe o art. 135 que “ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber,
as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva”.
c) Encargo
Trata-se de um ônus, atrelado aos negócios jurídicos gratuitos, que impõem à
parte suportar um sacrifício em prol de uma liberalidade maior. Ex: doação onerosa ou
com encargo. É comum nas doações feitas ao Poder Público com a obrigação de
construir um hospital, escola, creche ou algum melhoramento público; e nos
testamentos, em que se deixa a herança a alguém, com a obrigação de cuidar de
determina pessoa ou de animal de estimação.
Segundo dispõe o art. 136, “o encargo não suspende a aquisição nem o
exercício do direito (...)”. Assim, aberta a sucessão, o domínio e a posse dos bens
transmitem-se desde logo aos herdeiros nomeados, com a obrigação, porém, de cumprir
o encargo a eles imposto, sob pena de a liberalidade ser revogada.
O art. 562 prevê que a doação onerosa pode ser revogada por inexecução do
encargo, se o donatário incorrer em mora. Tal dispositivo aplica-se, por analogia, às
liberalidades causa mortis. O terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do
encargo, mas não está legitimado a propor ação revocatória. Esta é privativa do
instituidor, podendo os herdeiros prosseguir na ação por ele intentada, caso venha a
falecer depois do ajuizamento. O Ministério Público só poderá fazê-lo depois da morte
do instituidor, se este não o tiver feito e se o encargo foi imposto no interesse geral.
38Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Encargo é diferente de condição suspensiva, porque ele não suspende a
aquisição nem o exercício do direito. Difere também da condição resolutiva, porque não
conduz, por si, à revogação do ato. O instituidor do benefício poderá ou não propor a
ação revocatória.
Vale lembrar que o art. 136, 2ª parte, permite que o encargo seja imposto como
condição suspensiva, operando efeitos próprios desta, desde que tal disposição seja
expressa.
Nos termos do art. 137 do CC/02, que não tem correspondência com o código
anterior, o encargo pode ser ilícito ou impossível. Nesse caso, será considerado não
escrito, mantendo-se o negócio. Mas, se constituir em motivo determinante da
liberalidade, será considerado nulo o negócio jurídico.
4.7 Prova do Fato Jurídico
A matéria relativa à prova não é tratada junto ao negócio jurídico, como no
código anterior, pois todos os fatos jurídicos, e não apenas o negócio jurídico, são
suscetíveis de ser provados. Entre as inovações destacam-se a disciplina da confissão
(arts. 213 e 214) e a admissão de meios modernos de prova (arts. 223 e 225).
Prova é meio empregado para demonstrar a existência do ato ou negócio
jurídico. Deve ser admissível (não proibida por lei), pertinente (adequada à
demonstração dos fatos em questão) e concludente (esclarecedora dos fatos
controvertidos).
O que se prova é o fato alegado, não o direito a aplicar, pois é atribuição do juiz
conhecer e aplicar o direito (iura novit cúria). Por outro lado, o ônus da prova incumbe
a quem alega o fato e não a quem o contesta, sendo que os fatos notórios independem de
prova.
A regulamentação dos princípios referentes à prova encontra-se no Código Civil
e no Código de Processo Civil. Ao Código Civil cabe a determinação das provas, a
indicação do seu valor jurídico e as condições de admissibilidade; ao diploma
processual civil, o modo de constituir a prova e de produzi-la em juízo.
Quando a lei exigir forma especial para a validade do negócio jurídico, nenhuma
outra prova pode suprir-lhe a falta. Por outro lado, não havendo nenhuma exigência
quanto à forma, qualquer meio de prova pode ser utilizado, desde que não proibido.
39Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Portanto, quando o art. 212 do CC/02 enumera os meios de prova dos negócios jurídicos
o faz exemplificativamente, podendo abranger outros além dos previstos.
Os meios de prova são os seguintes:
a) confissão: ocorre quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu
interesse e favorável ao adversário (art. 348, CPC). Pode ser judicial (em juízo) ou
extrajudicial (fora do processo), espontânea ou provocada, expressa ou presumida (pela
revelia).
b) documento: pode ser público, aquele elaborado por autoridade pública, no exercício
de suas funções, como as certidões, traslados etc.; ou particular, quando elaborados por
particulares, como uma carta, um telegrama, os quais podem constituir importante
elemento de prova.
Documentos não se confundem com instrumentos públicos ou particulares. Estes
são espécies e aqueles são o gênero. O instrumento é criado com a finalidade precípua
de servir de prova, como, por exemplo, a escritura pública.
O instrumento público é o feito perante oficial público; e o particular é o
realizado somente com a assinatura dos próprios interessados. Em princípio, o
instrumento deve ser exibido no original, mas conforme o art. 216 do CC/02, faz prova
igualmente aos originais as certidões, que são a reprodução do que se encontra transcrito
em determinado livro ou documento, assim como os traslados, que são a cópia do que se
encontra lançado em um livro ou em autos.
c) testemunhas: podem ser instrumentárias ou judiciárias. Estas são as que prestam
depoimento em juízo. Aquelas são as que assinam o instrumento.
A prova testemunhal é menos segura que a documental; por isso, não se admite a
prova exclusivamente testemunhal nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse dez
vezes o salário mínimo vigente no tempo em que foram celebrados. Ela é sempre vista
como prova subsidiária ou complementar da prova por escrito.
Algumas pessoas, no entanto, não podem ser admitidas como testemunhas (art.
228): os absolutamente incapazes; os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se
quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; o interessado no litígio; o amigo
íntimo ou inimigo capital das partes; os cônjuges; os ascendentes; os descendentes e os
colaterais, até o 3º grau de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade.
40Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
No entanto, para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o
depoimento delas (art. 228, parágrafo único).
Por outro lado, ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato (art. 229):
- a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo;
- a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau
sucessível, ou amigo íntimo;
- que o exponha, ou às pessoas acima referidas, a perigo de vida, de demanda, ou de
dano patrimonial imediato.
d) presunção: é a ilação que se extrai de um fato conhecido para se chegar a um
desconhecido. Não se confunde com indício, que é meio de se chegar a uma presunção.
Exemplo de presunção: como é conhecido o fato de que o credor só entrega o título ao
devedor por ocasião do pagamento, a sua posse pelo devedor conduz à presunção de
haver sido pago.
As presunções podem ser legais, pois que decorrem da lei, como a que recai
sobre o marido, que lei presume ser pai do filho nascido de sua mulher, na constância do
casamento; ou comuns, pois se baseiam no que ordinariamente acontece, na experiência
da vida, como, por exemplo, que as dívidas do marido são contraídas em benefício da
família.
As presunções dividem-se em absolutas (jure et de jure), ou seja, não admitem
prova em contrário; e relativas (juris tantum), que admitem prova em contrário.
Exemplo de presunção absoluta é de que a garantia dada a um credor pelo devedor
insolvente é fraudatória do direito dos demais credores. Já a presunção de paternidade
atribuída ao marido, em relação ao filho de sua mulher nascido na constância do
casamento, é relativa, podendo ser elidida por meio da ação negatória de paternidade.
e) perícia: o CPC denomina prova pericial o exame, a vistoria e a avaliação. Exame é a
apreciação de alguma coisa por peritos para auxiliar o juiz a formar a sua convicção.
Vistoria é também perícia, restrita, porém, à inspeção ocular. A avaliação, cuja uma das
formas é o arbitramento, é o exame pericial destinado a apurar o valor de determinado
bem, comum nas desapropriações e ações de indenização.
Convém mencionar que o Código Civil de 2002 inseriu dois novos artigos a
respeito da perícia, especificamente a médica, a saber:
41Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
“Art. 231 – Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não
poderá aproveitar-se de sua recusa.
Art. 232 – A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova
que se pretendia obter com o exame”.
A jurisprudência já se adiantara, pois vinha proclamando, em ações de
investigação de paternidade, que “a recusa ilegítima à perícia médica pode suprir a
prova que se pretendia lograr com o exame frustrado”.
O STJ, na mesma linha de entendimento, já decidiu que “a recusa do
investigado em submeter-se ao exame de DNA, aliado à comprovação de
relacionamento sexual entre o investigado e a mãe do autor impúbere, gera a
presunção de veracidade das alegações postas na exordial”.
5- Atos ilícitos
Após tratar dos atos jurídicos, o Código Civil estabelece algumas normas gerais
referentes aos atos ilícitos (arts. 186, 187 e 188). O próprio CC define, no art. 186, o ato
ilícito como a ação ou omissão voluntária, que, por negligência ou imprudência, viola
direito ou causa prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral.
O art. 187 prevê que comete também ato ilícito aquele que pratica abuso de
direito, ficando, por conseqüência, obrigado a repará-lo.
Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação de indenizar ou ressarcir o prejuízo
causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou
omissões, culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem.
A responsabilidade pela reparação do prejuízo, causado pela prática de ato
ilícito, pode ser de duas formas, contratual ou extracontratual. Será contratual quando o
prejuízo advier do descumprimento de uma obrigação, de um dever contratual. Ex: o
ator que não comparece para dar o espetáculo contratado. Por outro lado, se o dano for
decorrente não do inadimplemento de um contrato, mas de infração ao dever de
conduta, ou seja, ao dever legal genérico de não lesar a outrem, diz-se que ela é
extracontratual ou aquiliana.
Embora a conseqüência seja a mesma, qual seja, obrigação de ressarcir o
prejuízo causado, o CC/02 distinguiu as duas espécies de responsabilidade, acolhendo a
teoria dualista, disciplinando a extracontratual nos arts. 186 e 187, e a contratual, como
conseqüência da inexecução das obrigações, nos arts. 389, 395 e seguintes.
42Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
A responsabilidade pode ser também civil ou penal, tendo em vista
exclusivamente a norma jurídica que impõe o dever violado pelo agente. Na
responsabilidade penal, o agente infringe uma norma penal, que é de direito público,
cujo interesse lesado é da sociedade. Na responsabilidade civil, ao contrário, o interesse
diretamente lesado é o privado: o prejudicado poderá pleitear ou não a reparação.
No entanto, pode acontecer de o agente, ao praticar o ato, transgredir ao mesmo
tempo norma civil e penal, o que o torna obrigado civil e penalmente.
A responsabilidade penal é pessoal, intransferível, respondendo o réu, em regra,
com a privação de sua liberdade, enquanto que a responsabilidade civil é patrimonial (é
o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações).
Por fim, há a chamada responsabilidade subjetiva, em que pressupõe a culpa
como fundamento da responsabilidade civil, sendo a culpa entendida em sentido amplo
a abranger o dolo e a culpa em sentido estrito, e a responsabilidade objetiva, em que se
dispensa para a sua configuração o elemento da culpa, sendo que em alguns casos ela é
presumida.
Na responsabilidade objetiva, cujo pressuposto é que todo dano deve ser
reparado, independentemente de culpa, basta apenas que se prove a existência de ação
ou omissão, do dano, seja ele material ou moral, e do nexo causal entre este e aquele, ou
seja, de que o dano decorreu da prática do ato ou da sua abstenção.
Já na subjetiva, além desses elementos, o interessado terá que provar também
que o ato foi praticado com dolo (intenção de praticar ou de deixar de praticar o ato) ou
culpa (falta de diligência que se exige de um homem médio; configura-se nas seguintes
modalidades: negligência, imprudência ou imperícia).
O Código Civil filiou-se à teoria subjetiva, conforme se depreende do art. 186,
que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano. A
responsabilidade subjetiva é a regra, embora se encontre em alguns artigos esparsos a
responsabilidade objetiva (arts. 936,937 e 938 – responsabilidade do dono do animal; do
dono do prédio em ruína e do habitante da casa da qual caírem coisas, onde a culpa é
presumida; e art. 927, parágrafo único, que remete para os casos especificados em lei ou
quando a atividade desenvolvida pelo autor implicar risco para os direitos de outrem).
Isso significa que a responsabilidade objetiva não substitui a subjetiva, mas elas se
conjugam e se dinamizam. Sendo a teoria subjetiva insuficiente para atender às
imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especificamente os casos em que se
aplicará a teoria objetiva.
43Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Por fim, cumpre lembrar que alguns atos, embora gerem algum prejuízo a
alguém, não se configuram atos ilícitos. São os praticados em legítima defesa (art. 188,
I), no exercício regular do direito (art. 188, I; o contrário, ou seja, o exercício irregular
do direito é o chamado abuso de direito, que ocorre quando o agente, atuando dentro
dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e o
exorbita causando prejuízo a outrem. Ex: exercício abusivo do direito de propriedade,
perturbando a segurança ou a saúde do vizinho) ou em estado de necessidade8 (art. 188,
II – não constitui ato ilícito “a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a
pessoa, a fim de remover perigo iminente”, desde que seja absolutamente necessário e
não exceda os limites do indispensável).
São todas estas conhecidas como excludentes da responsabilidade, ao lado do
caso fortuito, da força maior e da culpa exclusiva da vítima.
6- PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
6.1 Introdução
A fim de assegurar a estabilidade social e resguardar as situações já adquiridas, a
lei criou os institutos da prescrição e da decadência. Assemelham-se apenas pelo
elemento temporal, ou seja, configuram-se quando do decurso de tempo.
O tempo é, portanto, o elemento comum à prescrição e à decadência, sendo o
decurso de tempo um fato jurídico, pois gera efeitos no mundo jurídico ao influenciar na
aquisição e na extinção de direitos.
6.2 Prescrição
6.2.1 definição
Apesar de se tratar de um instituto de direito material, para se entender
prescrição faz-se necessário ter algumas noções do direito processual.
8 Cumpre ressaltar que embora a lei declare que o ato praticado por estado de necessidade não é ilícito, não significa que quem o praticou esteja liberado de reparar o prejuízo que causou se a pessoa lesada não for culpada do perigo (art. 929). Se a culpa for de terceiro, diz o art. 930 que contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
44Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Sabe-se que o direito processual consiste num conjunto de normas, regras e
princípios que objetivam operacionalizar, instrumentalizar, dinamizar o direito material,
que é estático, pois apenas dita os direitos e deveres que possam surgir das relações
jurídicas travadas entre os particulares.
Mas, do que adianta a lei civil prever, por exemplo, que quem praticar ato ilícito
deve reparar o dano, se não há um instrumento eficaz para a devida reparação? Do que
adianta a disciplina ao direito de propriedade, da filiação, do direito aos alimentos etc,
se não há previsão de como alcançá-los na prática?
É natural do homem que vive em sociedade, que trava relações jurídicas
constantemente, seja mediante um contrato, um casamento ou até mesmo o
envolvimento num acidente de trânsito, desejar que o seu interesse prevaleça em
detrimento do interesse alheio. É o que chamamos de pretensão (exigência de
subordinação de um interesse alheio ao próprio).
Se a parte contrária não se opõe à pretensão, o problema se resolve
pacificamente; mas, se ela resiste, nasce um conflito, denominado lide ou litígio, que o
Estado terá que resolver. Lide, segundo o clássico processualista italiano Francesco
Carnellutti, “é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”.
Por outro lado, o Estado, quando formado, reservou para si o dever de solucionar
todos os conflitos intersubjetivos, proibindo aos particulares de “fazer justiça com as
próprias mãos” (salvo exceções: legítima defesa da posse, mediante o instituto do
desforço imediato, direito de greve etc). Mas essa atividade jurisdicional, também
chamada de jurisdição (que significa “dizer o direito no caso concreto”, pois vem da
junção entre júris – direito; e dicção – dizer), ficou condicionada à provocação das
partes interessadas, que se dá mediante o direito de ação. Assim, ação é o meio pelo
qual a jurisdição é provocada.
Diversos juristas digladiaram durante anos para determinar o melhor conceito de
ação. A princípio, por influência do direito romano, entendia-se que só a detinha quem
fosse o verdadeiro titular do direito material (por isso que o nosso Código Civil de 1916
dizia que “todo direito corresponde a uma ação”). Era a chamada teoria civilista ou
imanentista, onde o direito processual era atrelado, dependente do direito material.
Mais tarde chegou-se à conclusão que o direito de ação subsistia
independentemente do direito material, pois qualquer interessado, ainda que não fosse o
verdadeiro titular do direito ou do objeto pretendido, poderia “bater às portas” do
45Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Judiciário e buscar um pronunciamento estatal definitivo acerca do conflito que estava
envolvido.
E mais: entendeu-se também que o manejo da ação não era garantia de
procedência do pedido, do reconhecimento judicial. Mas nem por isso ficava o
indivíduo impedido de tentá-lo.
Por tudo isso, diz-se que o direito de ação é subjetivo (inerente ao indivíduo),
autônomo (independente do direito material) e abstrato (não é garantia de sentença de
procedência).
Feita tais considerações, partamos agora para a definição de prescrição dada pelo
Código Civil anterior, elaborado por Clóvis Beviláqua, para quem “prescrição era a
perda do direito de ação atribuída a um direito”.
Ora, de imediato pode-se concluir que tal definição padece de um arcaísmo
jurídico, senão vejamos.
Imagine que Caio pretende ser ressarcido pelo dano causado por Tício por ter
abalroado em seu carro, mas este se recusa a pagar o respectivo conserto. A única saída
que Caio vê é ingressar com uma ação de reparação de danos materiais perante uma das
Varas Cíveis de Goiânia. Ao final do processo, o juiz entende que Tício não deve mais
nada a Caio, pois que este ajuizou a ação fora do prazo, decretando a prescrição.
Vê-se pelo exemplo que o fato de ter havido prescrição não significou que não
houve ação. A jurisdição foi provocada e o autor obteve uma decisão judicial, embora
desfavorável.
Portanto, a primeira conclusão que se deve ter é que PRESCRIÇÃO NÃO É A
PERDA DO DIREITO DE AÇÃO. Todos têm garantido, inclusive constitucionalmente,
o direito de ação, podendo exercê-lo a qualquer tempo, pois que, como já dito, o seu
exercício não é garantia de decisão favorável.
Então, o que se perde com o decurso de tempo? Considerando que o
ordenamento jurídico não pode coadunar com a eterna inércia da parte, pois que pode
gerar insegurança jurídica, estabelece a lei um prazo para que a parte busque, através da
ação, a sua pretensão, sob pena de prescrevê-la. Portanto, prescrição é a perda da
PRETENSÃO, ou seja, não se pode mais exigir que o interesse de alguém submeta ao
próprio.
O novo Código Civil fez a devida correção e previu, em seu art. 189, o seguinte:
46Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
“Art. 189 – Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”
Assim, atendendo-se à circunstância de que a prescrição é instituto de direito
material, usou-se o termo “pretensão”, que é totalmente diverso do direito subjetivo
público abstrato de ação.
6.3 Decadência – principais diferenças para prescrição
Por outro lado, em se tratando do decurso de tempo para o exercício não da
pretensão, mas dos denominados direitos potestativos, que são aqueles invioláveis, pois
que o agente pode influir na esfera de interesses de terceiro, independentemente de sua
vontade, não há que se falar em prescrição, mas, sim, em decadência.
Assim, para firmar a diferença básica entre estes dois institutos, que
aparentemente se confundem, necessário tornar-se ter o conceito de direito potestativo
ou formativo. Trata-se este do exercício unilateral de um poder de interferência da
esfera jurídica da outra parte, sem que esta nada possa fazer. Não tem nada a ver com
direito à prestação, que, se violado, faz nascer a pretensão, a qual pode prescrever. São
direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um
dever de quem quer que seja, mas de uma sujeição de alguém. Ex: o meu direito de
anular um negócio jurídico não pode ser violado pela parte a quem a anulação prejudica,
pois esta está apenas sujeita a sofrer as conseqüências da anulação decretada pelo juiz,
não tendo, portanto, dever algum que possa descumprir.
Dessa forma, se a hipótese não é de violação, mas há prazo para exercer esse
direito, esse prazo é de decadência. Isso pois que existem direitos potestativos que
subordinam à prazo, outros não. Em geral, os prazos decadenciais ou de caducidade são
curtos e nascem com o próprio direito. Ex: direito de anular o negócio jurídico surge
quando da sua celebração; em geral de 2 ou 4 anos (arts. 178 e 179).
Há ainda outro critério adotado pelo atual Código Civil que fulmina qualquer
dúvida acerca da natureza do prazo, se prescricional ou decadencial. Prazos de
prescrição são, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral,
nos arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo de decadência todos os
demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na
Parte Geral como na Especial. Ex: art. 48, pu; art. 1560.
47Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Mas é Agnelo Amorim Filho que melhor diferenciou os referidos institutos a
depender do efeito buscado pela ação.
Para ele, as ações podem ser, quanto ao efeito da decisão, condenatórias,
constitutivas (positivas – constitutivas propriamente ditas; ou negativas –
desconstitutivas) ou declaratórias.
Na ação condenatória pretende o autor obter do réu uma determinada prestação.
Ex: na ação de alimentos, o autor pretende que o réu seja condenado a prestar alimentos.
Na ação constitutiva, seja ela positiva ou negativa, procura-se obter, não uma
prestação do réu, mas a criação, a modificação ou a extinção de um estado jurídico. Ex:
a anulação de um casamento objetiva desconstituir, modificar o estado civil; na ação de
investigação de paternidade constitui-se uma filiação etc.
Já as ações declaratórias têm por objetivo conseguir apenas uma certeza jurídica,
o reconhecimento de uma relação ou situação jurídica pré-existente. Ex: a ação de
declaração de insolvência; ação de declaração de inconstitucionalidade; ação de
anulação, quando a nulidade for absoluta etc.
As ações condenatórias são meio de proteção dos direitos suscetíveis de violação
(direitos a uma prestação), que, por sua vez, fazem nascer uma pretensão. Se não
manejadas em tempo hábil faz perecer a pretensão, prescrevendo-a.
Por outro lado, as ações constitutivas são meio de exercício daqueles direitos
insuscetíveis de violação, os chamados direitos potestativos. Isso significa que se não
ajuizadas no decurso de tempo que a lei dispõe, fazem decair ou caducar os referidos
direitos.
Conclui-se o seguinte:
1º) só as ações condenatórias estão sujeitas à prescrição;
2º) as únicas ações ligadas ao instituto da decadência são as ações constitutivas, desde
que tenha prazo especial fixado em lei;
3º) não estão sujeitas à prescrição nem à decadência as ações declaratórias porque nelas
só se busca obter uma certeza jurídica;
4º) por fim, são perpétuas: as ações constitutivas quando não tiverem prazo especial de
exercício fixado em lei; e todas as ações declaratórias (ex: reconhecimento dos direitos
da personalidade).
48Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
6.3.1 Outras diferenças
prescrição Decadência
1. os prazos prescricionais são sempre definidos
pela lei; por isso não podem ser alterados pela
vontade das partes (art. 192).
1. os prazos decadenciais podem ser definidos
pela lei e pela vontade das partes (contrato,
testamento).
2. os prazos prescricionais só podem ser
renunciados (desistência do direito de argüí-la)
depois de consumada e sem prejuízo de terceiro
(art. 191).
2. só a decadência convencional pode ser
renunciada (art. 209).
3. pode ser alegada em qualquer grau de
jurisdição (1ª ou 2ª instância), pela parte a quem
aproveita (art. 193).
3. só pode ser alegada em qualquer grau de
jurisdição a decadência convencional (art. 211).
4. os prazos prescricionais se suspendem e se
interrompem (arts. 197 a 204).
4. os prazos decadenciais não se suspendem,
nem se interrompem (art. 207): são fatais e
peremptórios, salvo exceções legais (art. 26, §2º
do CDC).
SEMELHANÇA: Tanto a prescrição quanto a decadência, desde que legal, podem ser conhecidas
pelo juiz de ofício (art. 219, §5º, CPC- redação dada pela Lei 11.280/06; e art. 210, CC).
6.4 Causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição
As causas que impedem e suspendem a prescrição são as mesmas, dependendo
apenas do momento em que ocorrem. Se o prazo ainda não começou, a causa impede
que o mesmo comece. Se, entretanto, o obstáculo surge após o prazo ter-se iniciado, dá-
se a suspensão. Nesse caso, somam-se os períodos, isto é, cessada a causa de suspensão,
o lapso prescricional volta a fluir somente pelo restante. Diferentemente da interrupção,
cujas causas são outras, em que o período já decorrido é zerado e o prazo volta a correr
novamente por inteiro.
49Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
A justificativa para a suspensão está na consideração de que certas pessoas, por
sua condição ou pela situação em que se encontram, estão impedidas de agir. Assim, o
art. 197 a 199 declara que não corre prescrição:
a) entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
b) entre os ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
c) entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou
curatela;
Veja que o motivo é a confiança e a amizade que existe entre as partes.
d) contra os absolutamente incapazes;
e) os ausentes do país em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
f) contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Denota-se, aqui, a preocupação em proteger as pessoas que se encontram em
situações especiais.
g) quando pendente condição suspensiva;
h) não estando vencido o prazo;
i) pendendo ação de evicção (terceiro pretende resgatar bem que perdeu por força de
decisão judicial).
Nas duas primeiras o direito ainda não se tornou exigível, não sendo possível,
portanto, falar em prescrição. Na última hipótese, se terceiro propõe a ação de evicção,
fica suspensa a prescrição até o seu desfecho final. Em todos os casos, não há que se
falar em fluência de prazo prescricional pois que ainda não houve violação à direito,
ensejador de pretensão.
Por outro lado, qualquer ato de exercício ou proteção ao direito violado
interrompe a prescrição. Segundo o art. 202, que traz um rol taxativo, são causas
interruptivas da prescrição:
a) o despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação;
b) o protesto judicial – medida cautelar ≠ protesto cambial do inciso III;
c) o protesto cambial – é novidade do CC/02. É causa de interrupção porque indica
exatamente que o titular do direito violado não está inerte.
d) apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores
– pois a habilitação do credor em inventário, nos autos de falência ou da insolvência
civil é comportamento ativo que demonstra a intenção do titular do direito em
interromper a prescrição.
50Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
e) qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor (interpelação, notificação) – é
toda manifestação ativa do credor.
f) qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do
direito pelo devedor – é a única hipótese em que a interrupção da prescrição ocorre sem
a manifestação volitiva do credor. Ex: pagamentos parciais, pedidos de prorrogação do
prazo ou de parcelamento, pagamento de juros etc.
A prescrição pode ser interrompida somente uma vez (art. 202), por qualquer
interessado (art. 203), como o próprio titular do direito, quem legalmente o represente
ou, ainda, terceiro que tenha legítimo interesse.
6.5 Prazos prescricionais no Direito Intertemporal
Como conciliar o Código Civil novo com o velho em face de prazos
prescricionais que, na constância deste, estavam em curso?
A solução está no art. 2.028 do CC/02, que traz a seguinte regra:
Quando reduzidos os prazos pelo novo CC, será:
- o da lei anterior: se tiver corrido mais da metade, a contar da data da entrada em vigor
da lei nova;
- o da lei nova: se tiver corrido menos da metade do prazo, também contado da entrada
em vigor da lei nova.
51Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
Estudo dirigido
Ponto nº01: Aspectos gerais 1) O que é o fato jurídico?2) Explique o fato jurídico em sentido amplo e estrito com exemplo.3) O que é o ato jurídico?4) O que é o negócio jurídico?5) O que quer dizer os negócios meramente lícitos?6) Como se adquire os direitos? Modos de aquisição.7) Como se dá a defesa judicial dos direitos?8) Como acontece o perecimento dos direitos?
Ponto nº02: Representação1- Conceitue.2- Quais os poderes derivados da representação.3- Quais as espécies?4- Qual a diferença entre o representante e a figura do núncio.5- Explique a vedação legal em torno do contrato consigo mesmo.6- Como o ordenamento soluciona a seguinte questão: o representante agir em
desacordo com os interesses do representado. Explique com fundamentação legal.
Ponto nº 03: Classificação dos negócios jurídicos
1- Diante da classificação dos negócios jurídicos, conceitue e exemplifique o que se pede.
a) Quanto ao número de declarantes1-unilaterais2-bilaterais2- plurilaterais
b) Quanto ao exercício dos direitos:1- negócios de disposição 2- negócios de administração
c) Quanto às vantagens patrimoniais1- gratuitos2- onerosos2.1- comutativos 2.2- aleatórios3- neutros4- bifrontes
d) Quanto à forma1- formais ou solenes2- forma livree) Quanto ao momento de produção dos efeitos
52Márcia S. Soares – Material de Apoio – Direito Civil II – Parte Geral
1- inter vivos2- mortis causa
f) Quanto à existência1- principais2- acessórios
g) Quanto ao conteúdo1- patrimoniais2- extrapatrimoniais
h) Quanto à eficácia1- constitutivos2- declaratórios
Ponto nº04: Interpretação do negócio jurídico1- Explique o art. 113 do C.C.
Ponto nº05: Elementos do negócio jurídico1- Explique os requisitos de existência e de validade do negócio jurídico
Ponto nº 06: Dos elementos acidentais do negócio jurídico1) Em relação ao negócio jurídico, nós temos os elementos essenciais, naturais e
acidentais. Esclareça a diferença entre eles.2) Explique o art. 121 do C.C.3) A condição é uma declaração acessória ou principal da vontade? Explique.4) Cite dois exemplos de negócios jurídicos que não admitem condição.5) Diante de cada espécie de condição mencionada explique e dê um exemplo: a) condição casualb) condição potestativac) condição mistad) condição impossívele) condição suspensivaf) condição resolutivag) condição impossível6) Qual a diferença entre a condição resolutiva e a cláusula resolutiva7) O que é o termo?8) Qual a diferença entre o termo e o prazo?9) Qual a diferença entre o termo certo e incerto?10) O que é o modo ou encargo?11) Qual a diferença entre o encargo e a condição?12) Qual a consequência do inadimplemento do encargo?