As confusoes de florinda 15

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Luciano, um diplomata aposentado, na companhia do filho desloca-se até a uma farmácia com a pretensão de adquirir alguns produtos. No interior do estabelecimento comercial, pai e filho se deparam com Márcia e Florinda, duas atendentes que, além de colegas, de trabalho são igualmente amigas e cúmplices no literal sentido das palavras. Entretanto, uma troca de olhares enigmáticos entre Luciano e Florinda acabou por ser o rastilho para um encontro no dia seguinte dos quatro.

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As confusões de Florinda

São Paulo 2015

Marques da Rosa

As confusões de Florinda

Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda

Projeto Gráfico Jacilene Moraes

Revisão Patrícia de Almeida Murari

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________R695c

Rosa, Marques da As confusões de Florinda / Marques da Rosa. - 1. ed. - São Paulo : Baraúna, 2015.

ISBN 978-85-437-0504-0

1. Humorismo brasileiro. I. Título.

15-28645 CDD: 869.97 CDU: 821.134.3(81)-7________________________________________________________________27/11/2015 30/11/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo - SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

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Capítulo Um

No interior do seu automóvel, um Fiat Línea, pelas ruas da cidade de Natal, pai e filho conversavam animada-mente enquanto se deslocavam para mais um compromisso.

Luciano, o pai, homem de pouco mais de sessen-ta anos, cabelos grisalhos e abundantes, olhos castanhos, corpo atlético e com perfil de um artista de cinema. Sua principal característica era a sua excentricidade de seus comentários, ao contrário de Luís, o filho, um jovem ra-paz de pouco mais de vinte e cinco anos, recatado, cabelos pretos e abundantes, corpo atlético tal qual seu pai, olhos castanhos o qual vestia roupas suaves e ténis de grife.

No interior do automóvel, Luciano, um diplomata aposentado dava mostras de se encontrar sufocado com a subida da temperatura e a consequente falta de ar, deixou escapulir seu comentário dissimulado.

– Ai, como está calor. Este ano o sol veio com força.

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Luís riu alvar para logo dissimular seu esquecimento.– Opa – levou a mão à testa – Esqueci de ligar o ar-

-condicionado – e dito isso pressionou o comando do ar que logo começou a espargir um vento leve, suave e fresco.

– Eu sabia que tu eras amarrado meu filho, mas tanto assim? – ironizou. – Um dia desses vou ter que comprar um ventilador portátil para usá-lo sempre que for viajar contigo. Assim não morro sufocado pelo calor – sorriu.

Luís fechou o rosto num gesto de descontentamento.– Deixa de falar besteira papai – disse depois. – So-

mente esqueci de ligar o ar. Não sei para que tanto ala-rido. Nenhum de nós está lascado aqui dentro e tu tam-bém podias o ter ligado já que estavas morrendo de calor – respondeu também sorrindo.

– Quem, eu, meu filho? Não senhor – fez um sinal com um dos dedos indicadores. – Este carro é teu, ou já te esqueceste?

– É verdade, mas o carro está em teu nome, papai – fez questão de relembrar.

– Na verdade até está. Quanto a isso estás coberto de razão, mas carece também de te recordar que quem o comprou foste tu. Eu somente emprestei o meu nome.

O filho já ia revidar, mas o pai tomou-lhe a palavra. Disse-lhe:

– Se tu não te tivesses envolvido com aquela pirigue-te da Tatiana, jamais precisarias fazer uso do meu nome. Enquanto não resolveres o caso daquela sirigaita vai ter que ser assim. Já não me bastava te ter fabricado ainda te-nho que emprestar a porra do meu nome. Mas que porra é essa, hein?

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– Aquela vagabunda – Luís deixou escapar com repulsa.– Agora é vagabunda, não é meu filho? Na hora do

bem-bom não pensaste nas consequências. Agora terás de enfrentar o diabo e seus seguidores porque aquela lá... só Jesus na vida dela e não sei se lhe vai valer de alguma coisa. Ó piriguete perigosa e feia.

O filho ficou em silêncio, pois sabia que o pai se encontrava coberto de razão.

– Sabes, meu filho – o pai prosseguiu. – Eu nun-ca tive oportunidade de ter uma conversa de cara a cara com ela, mas se tivesse tido essa oportunidade podes ter a certeza que perguntaria se ela era feia assim mesmo ou se estava de sacanagem comigo.

Os dois desataram a rir.– Como é que está o caso dela na justiça, meu filho?

– a seguir, o pai quis saber.– Já foi marcada audiência para o próximo mês. Até

lá terei de pagar mais um mês de pensão para a vagabun-da que não quer trabalhar.

– É o que eu te digo. Ninguém te mandou ir pra cama com ela mostrando-a aos teus amiguinhos. É isso o que elas querem, as mulheres mal intencionadas, e de-pois deu no que deu... Repara bem, meu filho, tem muita mulher decente e justo foste logo cair nas garras duma pi-riguete, duma vagabunda como tu dizes, de meia-tigela, duma sem futuro.

– É, fazer o quê papai? – deu de ombros num gesto de conformismo.

– Nada, não é meu filho? Tu queres aguçar o ganso e ver uma boca de capim, hein? Olha aqui, eu vou te dar

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um conselho em relação a essas figurinhas que somente se querem deitar com um homem de condições para depois reclamarem na justiça. Uma união estável ou a paternida-de de um suposto filho. Olha que se conselho fosse bom não se dava, mas se vendia.

Luís conservou-se em silêncio por uma fração de se-gundos. A seguir questionou:

– Que conselho papai? Sabes muito bem que eu tive azar com aquela piriguete. Olha que nem todas são iguais.

– Foi justamente isso o que eu acabei de falar. Olha que tem muita mulher decente, mas também tem muita espertinha tal qual no nosso sexo. O mal está em todo o lugar, até nós homens, também têm os que não prestam.

– Nesse aspecto concordo contigo, papai.– Lindo menino – forçou um sorriso matreiro. – É

tarde, mas escuta aqui o paizão – deu-lhe um ligeiro be-liscão no ombro.

– Posso saber qual é o segredo, papai?– Mas é claro que podes – exibiu um largo sorriso.

– Olha, meu filho, quando tu quiseres aguçar o ganso é melhor pagares para uma rapariga. Sai barato e não cria vínculo.

– Barato, uma porra, papai – protestou. – Duzentos reais é muito dinheiro pra ficar com uma mulher por uma hora, e além de caro é um autêntico roubo.

O pai admirou-se.– Com que então é caro, hein? Estou vendo que já

estás mais informado do que eu julgava.– Nada disso, papai – enrubesceu. – Sabes, é que...

eu nunca...

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– Não precisas gaguejar, meu filho – interrompeu. – Afinal, quem está desatualizado aqui sou eu. O meu me-nino trepando com as raparigas... – disse-o demonstrado claramente o orgulho que passou a sentir.

– Eu não fui nas raparigas. Um amigo meu é que me contou como era – envergonhado, tentou se justificar.

– Um amigo, humm! ... – forçou um sorriso mali-cioso. – Agora os amigos é que fazem as coisas – insinuou.

– É verdade, papai. Na verdade foi um amigo – pe-remptório, confirmou.

Luciano fitou o filho mesclando a curiosidade à ma-lícia. Assumindo um tom de voz suasório, disse-lhe:

– Não precisas ficar com vergonha aqui com o pai-zão. Olha que não fizeste nada de errado. Triste ficaria ou se eu descobrisse que tivesses saído com um traveco ou com outro homem. Repara bem, não é que eu dis-crimine esse tipo de gente, jamais. Cada um é feliz à sua maneira e suas opções sexuais que a cada um dizem respeito, mas não nego que ficaria muito triste caso tu enveredasses por ser um boiola.

– Deus me livre, papai. Eu sou um macho – e dito isso cerrou o punho para bater três vezes no tabliê do automóvel.

O rosto de Luciano se iluminou.Luis ofereceu um curto e genuíno sorriso. O pai

continuou:– Olha, meu filho, jamais gostaria que não fosses

amarrado. Pode até ser caro como o teu amigo falou – ironizou – mas no final sai barato. Olha aí o exemplo, tu pagando uma pensão de dois salários para uma piriguete

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que não quer nada com a vida. Essa feiura ficou contigo só pra conseguir seus intentos. Se parares pra fazeres as contas, há mais de um ano que pagas essa maldita pensão e ainda não tens a certeza se vais conseguir te livrar dela.

– É verdade, papai – sua voz saiu sumida ao admitir.– E se a justiça porventura vier a dar razão a ela?

Como é que vai ser, hein? Estás vendo como é ruim pagar algo indesejado e ainda por cima terás de chamá-la de tudo e mais alguma coisa cada vez que inadvertidamente ela surgir em teus pensamentos em especial no dia do pagamento da pensão.

O silêncio mortal do filho provou que o pai se en-contrava coberto de razão.

– Diz-me uma coisa – prosseguiu o pai. – Por acaso a pensão está em dia?

– Em dia, papai – confirmou, porém em seus olhos lia-se outra coisa.

Luciano, que conhecia muito bem o filho logo perce-beu pelo timbre de sua voz que aquele mentia mas também preferiu nada comentar. Em vez disso contemporizou:

– Ótimo, meu filho. Por isso te digo, mais vale pagar por uma hora de prazer do que muitas horas de aborreci-mento depois com as pragas coladas no teu pé.

– Desculpa, papai. Você tem razão. Se Deus quiser tudo vai dar certo.

– Eu não acredito, meu filho – boquiaberto, Luciano passou a fitar o filho com exacerbado interesse para lhe di-zer a seguir num tom eloquente. – Aleluia, aleluia, aleluia...

O filho não parecia não entender a reação do pai.– O que foi, papai? – indagou-o.

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– Vejo que finalmente estás melhorando. Até que enfim... O sinal abriu, avança rápido, o cara lá atrás deve estar de caganeira, a porra do sinal acabou de abrir e o avexado começou logo a buzinar – para surpresa do filho, Luciano abriu o vidro estirando para fora a cabeça para fazer um gesto com o dedo enquanto protestava: – Estás com pressa seu desmantelado? Passa por cima. Anda, pas-sa, seu avexado.

Assustado, o filho protestou. Foi severo na sua voz:– O que é isso, papai? Deste agora pra brigar com os

motoristas, é?– Tu queres o quê, meu filho? Tu és mesmo um frou-

xo. O sinal acabou de abrir e aquele desmantelado lá atrás não te deu tempo sequer de engatares a marcha.

– Está bom, papai. Deixa esse otário pra lá.– É mesmo, meu filho, deixa esse otário pra lá e

vamos ao que interessa, à nossa conversa – fez uma cur-ta pausa para logo continuar. – Se tu quiseres continu-ar saindo com alguma boizinha, uma piriguete, até que podes sair... – Luís deixou escapar um leve sorriso des-denhoso – ... mas por amor de Deus, escuta aqui o teu paizão – colocou sob acentuada ênfase a próxima palavra – Camisinha. Ouviste bem, camisinha.

– Eu sei, papai. Não precisas de me explicar. Doen-ças e crianças indesejadas. A mesma lengalenga de sempre – disse com desdém.

– Nunca é demais aconselhar, meu filho. Do jeito que tu és amarrado acredito que tu até nas camisinhas estejas poupando – e sorriu.

– Deixa de falar besteira, papai – protestou.

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– Besteira, porra nenhuma. No lugar das camisinhas estás usando o quê? Por certo pedaços de sacolas de plás-tico do supermercado que vem com as compras que a tua mãe faz. É isso meu filho, hein?

Luís fez cara feia. De tanta raiva, acabou por fuzilar o pai com os olhos que não se importou continuando nas suas considerações ao aconselhar:

– Se quiseres algumas camisinhas eu tenho lá em casa e com vários sabores.

– O que é isso, papai? O senhor com camisinhas em casa?

– E qual é o problema? – admirou-se. – Olha que eu ainda estou na ativa e a tua mãe ainda não recebeu a visita da menopausa e do cansaço sexual... justo ela que puxa demais por mim. Nesta hora de ajudar a criar os netos aparecer al-gum filho indesejado. Estás vendo como é, não é meu filho?

Curioso, o filho quis tirar uma casquinha. Voz hila-riante, perguntou:

– A mamãe é assim tão excêntrica?– Há-há-há-há, excêntrico sou eu, meu filho. Ela

simplesmente pretende dar ênfase e sutileza ao nosso ato amoroso.

– Quase tenho a certeza que essas camisinhas não devem ser só pra ela. Estou certo ou errado papai?

– Bingo.Os dois desataram a rir.– Nada de abrir a boca, meu filho. Ouviste?– A minha boca é um túmulo, papai.– É bom mesmo, senão eu corto a tua mesada. Es-

tamos entendidos?

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Luís fez um muxoxo.– Nem precisavas de fazer esse pedido papai. Tu sa-

bes muito bem das nossas cumplicidades.– Ótimo, meu filho. Tu és um ótimo filho – elo-

giou-o dando-lhe um beliscão no braço num gesto de pura ternura, e Luís sabia que o sentimento fraterno jus-tificava a afeição de pai e filho.

Luís resolveu brincar com a situação.– Hi-hi-hi-hi, o pai usando camisinhas com sabor e

botando chifre na mamãe!– Fazendo uso das palavras da minha futura nora, a

menina Aliôna, resolve logo e faz o pedido de casamento, caso contrário eu falo por ti – o filho fitava o pai com desdém. – Os chifres estão fora de moda, o termo apro-priado é cornos, há-há-há-há...

– E se corno fosse flor...O pai com um largo sorriso interrompeu para com-

pletar em uníssono com o filho:– A cabeça de Lucília seria um jardim.Os dois deram uma gargalhada efusiva.

*********

Após aquele momento de descontração, Luís infor-mou o pai. Disse-lhe:

– Papai, eu vou desviar um pouco a nossa rota. Pre-ciso parar numa farmácia.

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– Farmácia? Por acaso com esta nossa conversa ficas-te interessado em comprar camisinhas com sabores? Já vi que gostaste da ideia. Queres que eu te dê dinheiro? Pra alguma coisa eu sirvo além de emprestar o nome.

– Deixa de falar besteira, papai. A Aliôna sussurrou no meu ouvido de que havia chegado a visita mensal.

Por uns segundos Luciano nada disse.– Ah, já sei – brincou depois. – O boi da menina

Aliôna apareceu, , tomara, ela fala tanto em vaca que o boi resolveu dar a cara, , a cara e os chifres, há-há-há-há...

Luís não deu muita importância às brincadeiras do pai. Circunspeto fez um pedido:

– Tu não te importas que eu pare numa farmácia para comprar uns negócios para Aliôna?

– De forma alguma, meu filho. Aproveita a parada na farmácia e compra também camisinhas com sabor.

– O senhor tem cada uma.– Sabes, meu filho, já foi uma luta conseguir que tu

ligasses o ar-condicionado, ainda por cima tive que encher o tanque. O que mais será preciso para que tu ligues a porra do som? Por acaso estás com medo de gastar a bateria do carro, hein? Se esse for o problema eu mesmo compro uma.

– Não prometas, papai – brincou. – Olha que apro-veito a deixa – respondeu divertindo-se

– Humm! Como se isso fosse alguma novidade.– Queres escutar um sonzinho, não é papai?– Mas é claro que quero. Isto aqui mais parece um

velório. Ninguém fala nada, há-há-há-há...O filho ligou o som. O pai passou a apreciar, quan-

do ao fim de vários segundos reclamou.

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– Não toca nada decente na porra do rádio. Pelo me-nos existe neste carro algum cd de música de qualidade?

– Aí no porta-luvas tem três cds. Pega aí. Espero que goste.

Em um movimento, Luciano abriu o porta-luvas. Remexeu em seu interior até que encontrou dois cds. Abismado e simultaneamente incrédulo com o que tinha em suas mãos, observou:

– Eu não acredito meu filho. Tu és mesmo um amar-rado. Cds piratas? Com a mesada que te dou ainda tens coragem para comprar cds piratas? – fez uma curta pausa para fitar as respetivas capas dos cds. A seguir disse:

– “Cavalo de Pau” e “Paula Fernandes”. “Paula Fernandes”, até aí tudo bem, mas que porra é esta “Ca-valo de Pau?”.

– É uma banda de forró, papai – confirmou.– Eu logo vi que só podia ser coisa do gênero. Tu

gostas de forró, meu filho?– Gosto sim. E tu não gostas, papai?– Bem... não é que eu não goste, mas não faz muito

o meu gênero e logo “Cavalo de Pau”. Humm! ... colo-cam cada nome às bandas. Olha que eu não sei como não se lembraram de colocar “O Pau do Cavalo”, há-há-há--há... Em todo o caso temos de respeitar – ergueu o cd da cantora sertaneja para dizer com eloquência – Agora esta sim. Vejo que tens muito bom gosto. “Paula Fernandes”, mas que cantora fantástica e que voz divinal. Adorei, meu filho. Só não gostei de ser pirata o cd da Paulinha, mas fazer o quê, não é?

Luís engoliu em seco. O pai continuou: