Post on 29-Nov-2018
Este material foi retirado de: WACHOWICZ, M. C. Segurança, saúde &
ergonomia. Curitiba: IBPEX, 2007.
capítulo 1
CONTEÚDOS DO CAPÍTULO
Neste capítulo você vai estudar sobre o significado da palavra trabalho e como
ele mudou ao longo dos tempos. O ato de trabalhar sempre esteve presente
no cotidiano do ser humano, desde os tempos das cavernas, na busca pela
sobrevivência, até os dias de hoje, com a utilização de tecnologias. O tema
será abordado dentro dos períodos civilizatórios da humanidade e, assim, você
terá um panorama das diferentes visões, como também da sua importância
dentro da sociedade.
Em paralelo, serão analisadas as ações e a importância da legislação referente
aos cuidados com a segurança, bem estar e conforto dos trabalhadores nos
postos de trabalho. Você irá conhecer as primeiras leis trabalhistas na Europa
(Inglaterra) e no Brasil. É importante observar como estas leis foram se
ampliando. Das tímidas ou escassas ações iniciais para uma normatização
mais abrangente objetivando tornar o trabalho uma ação que contemple as
necessidades e os devidos cuidados as pessoas.
HISTÓRIA DO TRABALHO
A palavra trabalho tem origem no vocábulo latino tripaliare, do
substantivo tripalium, instrumento formado por três paus aguçados, algumas
vezes munidos de ponta de ferro, com o qual os agricultores batiam o trigo e as
espigas de milho, para rasgá-las e esfiapá-las. Ainda que o tripalium fosse
usado para esse tipo de trabalho, é do uso desse instrumento como meio de
tortura que a palavra trabalho retira seu significado por muito tempo, sendo que
ainda hoje se refere a padecimento, sofrimento, pena, labuta, castigo.1
De acordo com Aranha e Martins2, “a concepção de trabalho sempre
esteve predominantemente ligada a uma visão negativa. Na Bíblia, Adão e Eva
vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do Paraíso e a
condenação ao trabalho” como um castigo:
Porque ouviste a voz da mulher e comeste o fruto da árvore que eu lhe havia
proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos
penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e
abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até
que voltes a terra, de que foste tomado. (Gen. 3:17-19)
Na Antiguidade grega, todo o trabalho manual é desvalorizado e
realizado por escravos (não-cidadãos), cujas tarefas estão, assim, associadas
aos serviços de ferreiro, carpinteiro, alfaiate/costureira, bem como aos serviços
da casa, da agricultura e dos favores sexuais. Para a época, o trabalho digno é
considerado como o intelectual, cuja essência se fundamenta na razão.
Filósofos como Pitágoras, Sócrates, Aristóteles, Arquimedes, entre tantos
outros, nunca precisaram trabalhar, pois o pensamento filosófico – o ato de
especular a origem da natureza do mundo físico das coisas através da
matemática, da física, da astronomia, da ética, da conduta, da moral da
sociedade etc. – é que é reconhecido como um trabalho digno e nobre.
O forte preconceito em relação ao trabalho manual/braçal existente
nessa época tem como uma de suas principais razões o fato de a escravidão
ter sido legalizada, o que cria uma inevitável correlação entre trabalho,
patrimônio e escravo.
Aranha e Martins3 afirmam que “na Idade Média, Santo Tomás de
Aquino procura reabilitar o trabalho manual, dizendo que todos os trabalhos se
equivalem”, mas, na verdade, a ideia central de valorizar o trabalho intelectual
em detrimento do manual/braçal ainda perdura. A classe dirigente, a nobreza e
o clero levam uma vida de costumes requintados, e muitos se orgulham de não
trabalhar. Pela concepção católica, o trabalho está associado à idéia de
penitência ou de oportunidade para a redenção divina, sendo que, em
contrapartida, aquele que se interessa pelo acúmulo de riquezas materiais é
acusado de usura e tido como pecador.
A estrutura social medieval é constituída pela centralização de
interesses dos senhores feudais, que agem em função de proteger seu
patrimônio. O trabalho se apresenta de forma servil e é realizado em pequenas
comunidades, muitas vezes auto-suficientes, as quais visam o cultivo ou à
criação de animais e, quase sempre, ficam distantes do mercado da cidade.
Nesse contexto, o trabalho é necessário para garantir a sobrevivência da
família e também representa um tributo do servo para com o senhor feudal.
Para os que moram nas cidades, ou próximo delas, o mercado se restringia ao
comércio de tecelagem, ferro e carvão, caracterizando uma atividade de
pequenos lucros, realizada pelos comerciantes da época denominados de
burgueses.
No período medieval, a crença religiosa e o misticismo assumem grande
importância social, a ponto de todas as ações políticas, sociais, culturais,
econômicas serem dirigidas e controladas pelos representantes de Deus.
Assim, o domínio da Igreja Católica é uma condição imposta para a população
em geral, pois a nobreza compactua com os preceitos católicos vigentes.
Há indícios de que não há na Idade Média uma obrigação de se ter um
ritmo acelerado ao trabalho, e as pessoas raramente trabalhavam mais do que
a metade dos dias do ano. Era grande o número de feriados oficiais e de dias
santos, e as condições climáticas ditam o tempo de trabalho: jornada longa no
verão e curta no inverno. Há uma sincronia entre o ritmo das rudimentares
máquinas e o movimento do corpo que as faz funcionar. Não existia cartão-
ponto, chefias, obrigatoriedade de produção, tampouco divisão do trabalho.
Além disso, o trabalhador artesão é a pessoa que realiza todas as etapas da
produção ou, no máximo, recebe o auxílio de sua família, caracterizando uma
indústria doméstica.4
Na Modernidade, essa concepção de trabalho gradativamente começa a
alterar-se. Os grandes empreendimentos marítimos, isto é, as grandes
navegações do século XV, culminam com descobertas de uma nova rota para
o Novo Mundo e para as Índias, sendo que é desta última região que os
europeus trazem as especiarias – seda, cravo, pimenta, condimentos em geral
–, bem como a bússola, o papel e a pólvora. A Reforma Protestante de Martim
Lutero, no século XVI, enfatiza que “a fé deve ser reforçada pelo trabalho [...],
pois a riqueza não é condenável quando do adquirido só se tira o necessário
para a subsistência pessoal e o restante é poupado ou reinvestido”5. Observa-
se aqui uma valorização ao trabalho manual/braçal, pois trabalhar passa a
constituir a própria finalidade da vida.
Várias descobertas ocorrem nessa época: Gutenberg inventa a
imprensa; Pascal desenvolve a primeira máquina de calcular; Torricelli constrói
o barômetro; Galileu confirma as ideias de Copérnico e, assim, com a teoria do
heliocentrismo, comprova-se que o Sol é o centro do universo e não a Terra;
aparece o tear mecânico.
Na vida social, econômica, política, cultural e religiosa, acontecem,
concomitantemente, grandes transformações que acabam por determinar a
passagem do feudalismo ao capitalismo: ocorre o aperfeiçoamento das
técnicas, instaura-se o desenvolvimento do processo de acúmulo de capital e,
por consequência, ampliam-se os mercados.
Diante de um comércio muito mais próspero e do acúmulo de capital, os
pequenos comerciantes passam a comprar matérias-primas e máquinas,
surgindo, assim, os primeiros barracões das futuras fábricas. Desse modo, os
burgueses tornam-se uma classe em ascensão e a palavra burguesia passa a
ser sinônimo de pessoas abastadas.
O fascínio exercido pela máquina na mentalidade do homem moderno
fez com que muitas pessoas que trabalhavam na agricultura (nos feudos)
migrarem para as cidades em busca de melhores oportunidades e condições
de vida. Nesse período, a Inglaterra é o país que vive a melhor conjuntura para
efetuar grandes mudanças, pois tem abundância de mão-de-obra, de capitais,
de meios de transporte e de novas tecnologias: a máquina a vapor.
Não se pode afirmar que a Revolução Industrial tenha tido início numa
data fixa, mas sabe-se que foi em fins do século XVIII que toma grande
impulso. A indústria que nasce com esse evento histórico caracteriza-se pela
priorização da máquina (técnico) em detrimento do homem (social). Dessa
forma, na linha de produção, enfatizam-se a precisão, a rapidez, a regularidade
e a eficiência através da mecanização das ações do pensamento humano.
Surge, assim, a necessidade de se padronizar a sequência do trabalho a partir
da especialização das funções e da modernização dos equipamentos a serem
utilizados, bem como de treinamentos sistemáticos para adequar o indivíduo à
máquina, intensificando a disciplina e garantindo a racionalização do trabalho.
Sendo a produção sistematizada, fez-se necessária, ainda, o uso de
uma voz de comando para assegurar a eficiência da produção, Compete aos
supervisores, aos chefes de seção, aos encarregados fiscalizar as formas
mecânicas de rotinização do trabalho. A hierarquização do comando é correlata
ao do poder, cabendo às chefias planejar, treinar, pensar e comandar e aos
trabalhadores/empregados/funcionários cumprir fiel e eficientemente as ordens,
as normas e as regras.
Nesse novo panorama, o trabalhador deixa de ter o domínio sobre o
processo produtivo. Produtor e produto estão agora separados pela subdivisão
do fluxo de produção em pequenas tarefas na atividade industrial. Divide-se aqui
o trabalho entre aqueles que mandam e aqueles que executam.
Nesse contexto, evidencia-se a abordagem de Frederic Winslow Taylor
(1856-1915), “pai da administração científica”, cuja metodologia visa a
racionalizar a produção, para aumentar a produtividade do trabalho e
economizar o tempo por meio da supressão de gestos ou ações
desnecessárias e comportamentos supérfluos no processo produtivo.
A teoria científica de administração é construída basicamente por
engenheiros – Taylor, Fayol, Ford, Gilbreth –, cuja preocupação básica está em
aumentar a produtividade dentro de um nível operacional através da utilização
do que se chama de engenharia das organizações: controle de tempos e de
movimentos; divisão do trabalho ou especialização da mão-de-obra para maior
eficiência; controle da disciplina para garantir a produtividade; subordinação do
interesse individual ao interesse geral, ou seja, as necessidades do empregado
não devem prevalecer sobre as da empresa; centralização do poder e da
autoridade mediante a rigidez da hierarquia organizacional; excessiva
burocracia no cumprimento de normas, valores e rotinas.
Porém, com a fragmentação das tarefas e das atividades que ocorrem
nas indústrias, há perdas significativas no âmbito da comunicação, da
criatividade e dos vínculos pessoais profissionais. A perda da noção da
totalidade produz a alienação do trabalhador em relação ao contexto
organizacional global.
Dejours6 afirma que o regime taylorista imposto ao trabalhador bloqueia
o funcionamento espontâneo da atividade mental, pois ele não tem o controle
sobre o processo de trabalho, não existe identificação com o conteúdo das
tarefas, além de estas serem repetitivas e monótonas, o que gera, inicialmente,
a fadiga e o estresse, desencadeando sofrimento mental caso não haja
reversão ou minimização desse quadro.
Ainda Dejours et al.7 concebem que o taylorismo determina a submissão
às exigências da organização do trabalho, situação que pode ocasionar
alterações fisiológicas no trabalhador, sendo o corpo físico o principal ponto de
impacto dos prejuízos do trabalho. A separação ou mesmo a limitação do
trabalho intelectual e manual neutralizam a atividade mental dos indivíduos,
trazendo-lhes esgotamento físico. Nesse sistema, o trabalho passa a controlar
o trabalhador de tal forma que exige e padroniza gestos, comportamentos,
competências, intenções, ritmos e biorritmos, desencadeando um processo de
robotização. Assim, pode-se afirmar que a crítica feita à administração
científica ressalta a “desapropriação do saber” que essa teoria impõe; trata-se
da limitação da identidade e da liberdade do indivíduo em função do posto, da
tarefa, da organização do trabalho e da cultura organizacional vigente.
As conquistas para as melhorias das condições de trabalho dentro das
indústrias são lentas, e as lutas operárias marcam todo o século XIX e o início
do século XX. Foram necessários nove anos (1881-1890) para a supressão da
caderneta operária, que era uma maneira de controle do empregador sobre as
faltas, a produtividade e o pagamento salarial de cada funcionário; treze anos
(1879-1892) para o projeto de lei sobre a redução do tempo de trabalho das
mulheres e das crianças; onze anos (1882-1893) para a lei sobre higiene e
segurança; quinze anos (1883-1898) para a lei sobre acidentes de trabalho;
quarenta anos (1879-1919) para a adoção da jornada de dez horas; vinte e
sete anos (1879-1906) para o repouso semanal; vinte e cinco anos (1894-1919)
para a jornada de oito horas; e vinte e três anos (1890-1913) para a jornada de
oito horas no trabalho de mineração.8
As conquistas obtidas com essas leis trabalhistas são de suma
importância para o bem-estar e a saúde dos trabalhadores. As primeiras
indústrias eram grandes galpões, estábulos ou velhos armazéns fétidos e
insalubres, com pouca iluminação e ventilação, muito lixo e sujeira decorrente
do próprio processo fabril. Além disso, não havia refeitórios, pois os operários
comiam ao lado das máquinas para não perder tempo, e, quando uma pessoa
adoecia, as demais também ficavam doentes pela pouquíssima circulação de
ar no ambiente físico.
De acordo com Miranda9, “Georgius Agrícola, em 1556, é o primeiro
autor a abordar a relação saúde/trabalho em um livro, ‘De Re Mettalica’, onde
estuda vários problemas relacionados com a extração e a fundição do ouro e
da prata, enfocando inclusive os acidentes de trabalho e doenças mais comuns
entre os mineiros”.
Em 1567, Felipe Teofrasto de Hohenheim, um alquimista que ficou
conhecido na história como Paracelso e que é considerado um dos precursores
do estudo sistêmico das doenças, como a lepra, a gota, a hidropisia, a
epilepsia, entre outras, publica uma monografia que trata “especificamente a
relação entre saúde e trabalho, onde estudava vários métodos de trabalho e
inúmeras substâncias manuseadas, dedicando especial atenção às
intoxicações por mercúrio”. 10
Bernardino Ramazzini, em 1700, médico italiano, dispôs-se a estudar as
doenças de 50 diferentes categorias profissionais (mineiros, químicos, pintores,
ferreiros, trabalhadores de fumo, parteiras, coveiros, lavadeiras, pedreiros,
pescadores, carregadores, joalheiros, confeiteiros, tipógrafos, saboeiros,
cloaqueiros, salineiros etc.). A contribuição de Ramazzini está na abordagem
dos problemas por meio de uma metodologia de sistematização e classificação
das doenças de acordo com a natureza e o grau de nexo com o trabalho. O
médico italiano ainda sugere prescrições médicas preventivas ou curativas
contra as doenças dos operários. Diante de tais estudos, Ramazzini é hoje
considerado o “pai da medicina do trabalho.”11
O tema relacionado à saúde e às doenças ocupacionais fica esquecido
por décadas e só volta a ganhar importância com o advento da Revolução
Industrial. Nesse período, o objetivo maior do empregador está no lucro a
qualquer preço, sendo mínimas as condições de trabalho oferecidas aos
empregados. Não há documentos que registrem o número de acidentes
causados nesse contexto, mas pode-se deduzir que eram muitos, pois os
postos de trabalho, as ferramentas utilizadas, a extensa jornada, a não-
existência de pausas, a falta de treinamento para execução das tarefas, todos
esses fatores levam a crer que o número de acidentes deve ter sido alto.
Nessas condições, torna-se necessário criar leis que possam proteger a
saúde e o bem-estar físico do trabalhador. As pesquisas de Miranda12
mostram
que:
Em 1802, foi aprovada, na Inglaterra, a primeira lei de proteção aos trabalhadores: ’A
Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes’, que estabelecia um limite de 12 horas de
trabalho por dia, proibia o trabalho noturno, tornava obrigatória a ventilação do
ambiente de trabalho e a lavagem das paredes das fábricas duas vezes por ano.
Contudo, as melhorias no ambiente físico de trabalho não são
prontamente atendidas, e há ainda um agravante quanto à idade mínima para o
trabalho. As famílias, na época, tinham muitos filhos e estes, desde três ou
quatro anos, já ajudam os pais trabalhando na tecelagem das fábricas. As
tarefas que essas crianças executam é a de transformar a lã bruta em fio na
roca e entrar na máquina para desengatar peças que porventura se soltassem
ao longo do processo fabril. Em 1833,
O Parlamento Britânico promulgou o “Factory Act”, considerada a primeira norma
realmente eficiente no campo da proteção ao trabalhador, e que fixava em 9 anos a
idade mínima para o trabalho, estabelecia o limite de 12 horas de trabalho por dia e
de 69 horas por semana, proibia o trabalho noturno para menores de 18 anos e
exigia a realização de exames médicos de todas as crianças trabalhadoras.13
Outros benefícios surgem de forma lenta e gradativa. À medida que o
empregador observa que as melhores condições de trabalho incidem
diretamente no aumento da produtividade, passa a ocorrer um movimento em
prol da saúde dentro das fábricas. Surge a figura do médico com uma ação
preventiva ocupacional mediante a realização de exames médicos
admissionais e periódicos.
Em 1919, ao final da Primeira Guerra, é criada a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), hoje vinculada à Organização das Nações
Unidas (ONU), com a finalidade de promover a melhoria das condições de
trabalho para o trabalhador. Em 1950, surge o Comitê Misto OIT/OMS
(Organização Mundial da Saúde), o qual aprova “uma resolução que seria a
primeira definição sobre as funções da medicina do trabalho: ‘promover e
manter o mais alto nível de bem-estar físico, mental e social do trabalhador em
todas as profissões, e adaptar o trabalho ao homem e cada homem à sua
tarefa’”.14
Até hoje a OMS conceitua saúde ocupacional com base nessa
descrição.
Mesmo assim, é somente entre 1953 e 1959 que a OIT consegue
aprovar a determinação da necessidade da ação da medicina do trabalho no
âmbito ocupacional, definindo a ação e os serviços que o médico dessa
especialidade deve prestar em relação ao empregado e ao empregador.
O histórico das leis trabalhistas no Brasil caracteriza-se pela
morosidade, isso porque os portugueses não estavam muito preocupados em
desenvolver a nova colônia, e sim em explorar as riquezas minerais, vegetais e
animais que aqui encontraram. Além disso, os engenhos de cana-de-açúcar e
a mineração das pedras preciosas e do ouro são as atividades mais usuais do
período colonial. Somente com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil
(1808), em decorrência do quadro político e econômico da Europa, que
começam a surgir às primeiras fábricas.
A partir de 1840 foram instalados os primeiros estabelecimentos fabris e a primeira
máquina a vapor só é instalada em 1869, na Fiação São Luiz, em Itu, Estado de São
Paulo.
Em 1890, com a criação do Conselho de Saúde Pública, surge a primeira legislação
sobre condições de trabalho industrial.
Em 1919 surge a Lei de Acidentes do Trabalho, que assinala o ponto de partida da
intervenção do Estado nas condições de consumo da força de trabalho industrial em
nosso país.15
Enquanto na Europa o primeiro médico do trabalho surge em 1842, no
Brasil esse profissional só se estabelece quase 80 anos depois, em 1920.
Em 1930 é criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por
meio do Decreto nº 19.433, de 26 de novembro, assinado pelo presidente
Getúlio Vargas. A saúde e a segurança dos trabalhadores passam, assim, a ter
um órgão normatizador e fiscalizador para as questões trabalhistas.
Em 1934 é criada a Inspetoria de Higiene e Segurança no Trabalho, que transformou-
se, ao longo dos anos, em Serviço, Divisão, Departamento e, posteriormente, na atual
Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (SSST/MTb).
A questão foi novamente esquecida por décadas e somente a partir de 1970 começam
a surgir, espontaneamente, os primeiros serviços médicos de empresa, instalados em
grandes empresas estatais ou multinacionais.16
O Ministério do Trabalho (MTb) regulamenta, em 1978, a Portaria nº
3.214, com as 28 Normas Regulamentadoras (NRs) relativas à segurança e à
medicina do trabalho. A NR 4 dessa portaria estabelece a obrigatoriedade dos
serviços médicos de empresa (hoje Serviços Especializados em Engenharia de
Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT), segundo o grau de risco e o
número de empregados, tendo como paradigma a Recomendação nº 112/59
(OIT).
As Normas Regulamentadoras Rurais (NRRs) são aprovadas somente
uma década mais tarde, em 1988, mediante a Portaria nº 3.067, sendo que a
NRR 2 é pertinente ao Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do
Trabalho Rural (SEPATR), que:
Estabelece a obrigatoriedade para que as empresas rurais, em função do número de
empregados que possuam, organizem e mantenham em funcionamento serviços
especializados em Segurança e Medicina do Trabalho, visando à prevenção de
acidentes do trabalho e doenças ocupacionais no meio rural. A sua existência
jurídica é assegurada por meio do artigo 13 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973.17
Em 1994, já adotando como paradigma a Convenção nº 161/85 da OIT, o Ministério
do Trabalho aprova as atuais versões das normas NR 7 (PCMSO) e NR 9 (PPRA).
Em 1995 é aprovada a NR 18 que trata das condições e meio ambiente de trabalho
na indústria da construção e em 1997 o Ministério do Trabalho aprova a NR 29 que
trata da segurança e saúde no trabalho portuário. E, finalmente, em 23.02.99 é
aprovada a atual versão da NR 5 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes –
CIPA).18
No ano de 2005, o MTb implementa duas novas NRs: a NR 31, que
abrange a segurança e a saúde no trabalho na agricultura, na pecuária, na
silvicultura, na exploração florestal e na aquicultura, e a NR 32, que versa
sobre a segurança e a saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde. Em
dezembro de 2006 o Ministério do Trabalho promulga a NR 33 sobre
segurança e saúde nos trabalhos em espaços confinados e, bem mais
recentemente, em janeiro de 2011, mediante Portaria SIT nº 200, a NR 34 que
abrange normativas para as condições e meio ambiente de trabalho na
indústria da construção e reparação naval.
Para melhor esclarecer as Portarias, os Decretos e as Recomendações
citadas anteriormente, serão apresentados, na sequência, os aspectos
principais que os caracterizam, bem como a nomeação de todas as Normas
Regulamentadoras.
Segurança e saúde no trabalho
Constituição Federal de 1988, art. 7º, XXII:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
PORTARIA MTb nº 3.214, de 08 de junho de 1978
O Ministro de Estado do Trabalho, no uso de suas atribuições legais, considerando o disposto no art. 200, da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação dada pela Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977.
Resolve:
Art. 1º Aprovar as Normas Regulamentadoras – NR – do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho:
NR 1 – Disposições Gerais
NR 2 – Inspeção Prévia
NR 3 – Embargo e Interdição
NR 4 – Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina
do Trabalho - SESMT
NR 5 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA
NR 6 – Equipamento de Proteção Individual – EPI
NR 7 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO
NR 8 – Edificações
NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA
NR 10 – Instalações e Serviços de Eletricidade
NR 11 – Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais
NR 12 – Máquinas e Equipamentos
NR 13 – Caldeiras e Vasos de Pressão
NR 14 – Fornos
NR 15 – Atividades e Operações Insalubres
NR 16 – Atividades e Operações Perigosas
NR 17 – Ergonomia
NR 18 – Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da Construção
NR 19 – Explosivos
NR 20 – Líquidos Combustíveis e Inflamáveis
NR 21 – Trabalhos a Céu Aberto
NR 22 – Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração
NR 23 – Proteção Contra Incêndios
NR 24 – Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho
NR 25 – Resíduos Industriais
NR 26 – Sinalização de Segurança
NR 27 – Registro Profissional do Técnico de Segurança do Trabalho no
Ministério do Trabalho
NR 28 – Fiscalização e Penalidades
NR 29 – Segurança e Saúde no Trabalho Portuário
NR 30 – Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário
NR 31 – Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura
NR 32 – Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde
NR 33 – Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados
NR 34 - Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da
Construção e Reparação Naval.
NRR1 – Disposições Gerais
NRR2 – Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do Trabalho
Rural – SEPATR
NRR3 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do trabalho Rural
– CIPATR
NRR4 – Equipamento de Proteção Individual – EPI
NRR5 – Produtos Químicos
As Normas Regulamentadoras, na sua íntegra, podem ser pesquisadas
acessando: http://www.mtb.gov.br ou http://www.trabalho.gov.br.
Nesses endereços é possível encontrar todos os itens e subitens que
compõem cada uma das NRs e das NRRs.
APÓS O ESTUDO DESTE CAPÍTULO, VOCÊ SERÁ CAPAZ DE:
Compreender a importância do trabalho para o desenvolvimento do ser
humano e da sociedade como um todo.
Analisar as diversas mudanças ocorridas com o processo de trabalhar
e como as preocupações para manter a produtividade foram agregando
ações preventivas para gerar bem estar e conforto ao trabalhador.
Conhecer a Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977, que estabelece as
Normas Regulamentadoras.
Reconhecer as melhorias decorrentes da implementação de leis
trabalhistas para proporcionar ao trabalhador melhores condições de
trabalho.
referências por capítulo
Capítulo 1
1 ALBORNZ, S. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1994.
PERES, A. O homem, o trabalho e o mundo do trabalho: sob uma
perspectiva histórica. Disponível em: <http://internativa.com.br/artigo_rh_04.html>. Acesso em: 10 set. 2006.
2 ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia.
São Paulo: Moderna, 2003.
3 Ibid.
4 CARMO, P. S. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992.
5 Ibid., p. 27.
6 DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho.
São Paulo: Cortez/Oboré, 1992.
7 DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C. Psicodinâmica do trabalho:
contribuição da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.
8 DEJOURS, op. cit.
9 MIRANDA, C. R. Organização dos serviços de saúde do trabalhador.
Atualizado em: outubro 08, 2002. Disponível em: <http://nr7.sat.sites.uol.com.br/sesmt.htm>. Acesso em: 5 set. 2006.
10 Ibid.
11 RAMAZZINI, B. As doenças dos trabalhadores. São Paulo: Fundacentro,
2000.
12 MIRANDA, op. cit.
13 Ibid.
14 Ibid.
15 Ibid.
16 Ibid.
17 SOCIEDADE Brasileira de Engenharia de Segurança (Sobes). Normas
regulamentadoras. Disponível em:
<http://www.sobes.org.br/nrs.htm>. Acesso em: 13 set. 2006.
18 MIRANDA, op. cit.
capítulo 5 CONTEÚDOS DO CAPÍTULO
Neste capítulo vamos conhecer as origens e o objeto de estudo desta ciência
tão importante para a promoção de ações preventivas nos ambientes de
trabalho: a ergonomia. Dos primeiros estudos, de 1857, para os dias de hoje, a
ergonomia passou por muitas ampliações e melhorias levando assim mais
conforto, segurança e bem estar aos trabalhadores. É importante observar que
as ações ergonômicas são bem diversas, mas que podem ser contempladas de
forma sistêmica, ou seja, a melhoria em uma das áreas de ação pode gerar
melhorias em outras. Não deixe de fazer a orientação do final do capítulo que é
a leitura da Norma Regulamentadora 17 – Ergonomia, como forma de
conhecimento desta normativa específica da área.
Ergonomia
A origem e a evolução da ergonomia estão relacionadas às
transformações sociais, econômicas e, sobretudo, tecnológicas que vêm
ocorrendo no mundo do trabalho. Da produção artesanal à automação e à
informatização dos postos de trabalho e das tarefas realizadas pelo homem, as
mudanças acontecidas ao longo da história impõem a ele e às máquinas uma
série de adaptações.
A ergonomia surge de modo mais sistematizado por volta de 1940, com
o objetivo de buscar compreender a complexidade da interação entre ser
humano e trabalho, bem como de oferecer subsídios teóricos e práticos para
aprimorar essa relação. Sua origem prática está, em parte, associada às
necessidades de guerra, basicamente ligadas à construção de aviões mais
adaptados às características dos seres humanos e, portanto, mais facilmente
manejáveis por um número maior de pilotos.
Segundo Iida1,
Com o avanço da II Guerra Mundial (1939-1945), foram utilizados conhecimentos
científicos e tecnológicos disponíveis para construir instrumentos bélicos
relativamente complexos como submarinos, tanques, radares e aviões. Estes
exigiam habilidade do operador em condições ambientais bastante desfavoráveis
e tensas, o campo de batalha. Os erros e acidentes eram frequentes e muitos
tinham consequências fatais. Todo este contexto fez com que se redobrassem os
investimentos em pesquisas com o objetivo de adaptar esses instrumentos bélicos
às características e capacidades do operador/militar, melhorando o desempenho e
reduzindo a fadiga e, por efeito, os acidentes.
Nessa fase inicial da ergonomia, o foco está em desenvolver projetos e
pesquisas voltados para os aspectos microergonômicos, a saber:
antropometria (processo ou técnica de mensuração do corpo humano ou de
suas várias partes); análise e definição de controle, de painéis, do arranjo de
espaço físico e dos ambientes de trabalho; questões fisiológicas de esforço
físico e de higiene nos postos de trabalho; ou mesmo a interface com a
máquina, os equipamentos, as ferramentas, o mobiliário e as instalações.
Ainda nessa época, há uma preocupação com a adaptação do homem ao seu
meio ambiente, natural ou construído, abordando-se os aspectos físico-
ambientais, como ruído, ventilação, iluminação, vibração, aerodispersóides e
temperatura.
No início da década de 1960, com o crescente aumento da
informatização nos diferentes segmentos da economia, começa-se a perceber
que os próprios processos de trabalho podem ser redesenhados levando-se
em consideração as necessidades e as características do ser humano. A
ergonomia se volta para a área de softwares, envolvendo-se em pesquisas
sobre questões cognitivas relacionadas a aspectos específicos da interface
com o usuário.
Desde a década de 1980, a ergonomia estuda também aspectos
denominados MACROERGONÔMICOS, isto é, as pesquisas se voltam para a
análise sociotécnica que envolve a organização do trabalho. Agora, são
consideradas relevantes a análise do grau de repetitividade, monotonia e
desempenho das tarefas, bem como a investigação sobre turnos de trabalho,
segurança, higiene, layout e biorritmo. Nesse contexto, o caráter participativo
do funcionário/cliente/usuário serve como base para as avaliações
ergonômicas.
Paralelamente às questões específicas do trabalho, de acordo com Rio
e Pires2, “as questões específicas, os princípios e técnicas ergonômicas têm-se
expandido para fora dos ambientes de trabalho, visando [sic] maior conforto e
adequação anatômica pelas pessoas. Isto se aplica a sapatos, colchões,
carros, etc.”.
Rio3 distingue três fases históricas dos estudos e das pesquisas
relacionados ao trabalho:
1ª A ADAPTAÇÃO DO HOMEM À MÁQUINA - os estudos se concentram sobre a máquina, procurando formar e selecionar os operadores de acordo com as exigências da máquina;
2ª O ERRO HUMANO - que pode levar aos acidentes e a custos econômicos. Surge a consciência de que os estudos devem se concentrar no homem, a
fim de respeitar e conhecer seus limites;
3ª O SISTEMA HOMEM-MÁQUINA - as investigações se reconduzem aos
sistemas determinados pelo homem e pela máquina, buscando a mútua adaptação e operacionalidade.
Com a crescente globalização da economia e dos processos
produtivos, desencadeia-se um forte sentimento de competitividade, o que
resulta em mudanças associadas ao trabalho e gera situações inusitadas para
a ergonomia, como apontam Rio e Pires4:
NOVAS EXIGÊNCIAS DE PRODUTIVIDADE e desempenho que trazem desafios
crescentes, exigindo que as concepções e práticas aliem de maneira mais incisiva
as questões de saúde e produtividade;
A PROGRESSIVA FALTA DE EXERCÍCIO FÍSICO NO TRABALHO exige não apenas a
redução de cargas físicas, mas também a oferta de cargas mínimas necessárias
para a manutenção da saúde de sistemas orgânicos, como o músculo-esquelético
e o cardiovascular;
A INTENSIFICAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO DO ESTRESSE PSÍQUICO exigem novas
abordagens, para as quais a ergonomia ainda não desenvolveu metodologias
eficazes e necessita solicitar apoio de outras áreas [como a psicologia, a
sociologia e a antropologia do trabalho].
A grande questão que sempre se reporta à ergonomia é referente à
identificação de seus verdadeiros objetivos. Ela atua apenas para assegurar,
sem grandes problemas, o funcionamento do sistema produtivo ou para obter
primeiramente, ou pelo menos simultaneamente, a saúde plena dos
trabalhadores?
O termo ERGONOMIA é derivado das palavras gregas ergon (trabalho) e
nomos (lei ou regra). “Pode-se dizer que a ergonomia se aplica ao projeto de
máquinas, equipamentos, sistemas e tarefas, com o objetivo de melhorar a
segurança, saúde, conforto e eficiência no trabalho”.5 Muitos autores buscam
conceituar a ergonomia como uma ciência associando-a a diversos enfoques.
Alguns desses conceitos são reproduzidos a segui::
Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho, equipamentos e ambiente e, particularmente, a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos desse relacionamento.
6
Ergonomia é o conjunto dos conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para a concepção de ferramentas, máquinas
e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, de segurança e de eficácia.
7
Ergonomia é uma nova ciência que transcende a abordagem médica
ortodoxa focada no indivíduo, para, com a coparticipação da
psicologia, engenharia industrial, desenho industrial, etc., conceber,
transformar ou adaptar o trabalho às características humanas.8
Ergonomia é o estudo do comportamento do homem no seu
trabalho, convertendo-se o mesmo homem no sujeito-objeto, ou ainda, como o estudo das relações entre o homem no trabalho e seu ambiente.
9
Também segundo Kroemer e Grandjean (2005) a investigação
ergonômica deve buscar os seguintes objetivos:
a) ajustar as exigências do trabalho às possibilidades do homem, com o fim
de reduzir a carga externa;
b) conceber as máquinas, os equipamentos e as instalações pensando na
maior eficácia, precisão e segurança;
c) estudar cuidadosamente a configuração dos postos de trabalho, com o
intuito de assegurar ao trabalhador uma postura correta;
d) adaptar o ambiente físico às necessidades físicas do homem.
Há muitos outros autores que tratam desse tema e também vários
outros modos de conceituar ergonomia, mas, independente do autor, o seu
enfoque está no homem, no seu processo de trabalho para a eliminação de
riscos e esforços, na constante busca da maximização do conforto e da
eficiência do sistema.10
É necessário destacar que a origem do termo data de
1857, quando o polonês W. Jastrzebowski nomea uma de suas obras de
Esboço da ergonomia ou ciência do trabalho baseada sobre as verdadeiras
avaliações das ciências da natureza. Oficialmente o termo é adotado na
Inglaterra, em 1949, ano da fundação da Ergonomic Research Society –
Sociedade de Pesquisa Ergonômica.
O conceito de trabalho para a ergonomia vem evoluindo ao longo dos
tempos, mesmo antes da própria concepção formal da ergonomia. Taylor, no
início do século XX, desenvolve estudos que influenciam na questão do
trabalho e fornecem, até os dias de hoje, subsídios para conceitos e práticas
ergonômicas, em que pesem as inúmeras críticas ao pai da administração
científica.
Todo trabalho é um comportamento adquirido por aprendizagem, e o
trabalhador tem que se adaptar às exigências de uma determinada tarefa ou
posto de trabalho. Essa busca de adaptação do ser humano aos meios de
trabalho, aos ambientes físico e psicossocial de trabalho é o que a ergonomia
entende por trabalho.
A ergonomia como ciência não se pode conceber como um estudo
autônomo, mas, sim, interdisciplinar. Ela pode fazer excelentes parcerias com a
medicina do trabalho (estudo da biomecânica, da antropometria e da fisiologia);
com a engenharia de produção (EPIs e CIPA); com as ciências humanas e
sociais (psicologia, sociologia, antropologia) e com a economia (administração,
relações sindicais). Todas essas áreas do conhecimento buscam conceber a
ergonomia com uma diretriz ética e técnica fundamental: ADAPTAR O TRABALHO
AO SER HUMANO, E NUNCA O CONTRÁRIO. Entretanto, na prática, nem sempre isso
é possível em função das dificuldades operacionais, que vão desde a
insuficiência técnica até as questões financeiras e de interesses políticos da
empresa.
Para Vidal11
, trabalhar com ergonomia é desenvolver maneiras de dar
conta dos problemas que surgem na vida profissional. O autor denomina de
modalidades as diferentes formas de encaminhar soluções ou perspectivas
para uma ação ergonômica efetiva. Assim, os campos de atuação da
ergonomia para ele podem ser:
1. quanto ao objeto: ergonomia de produto e de produção;
2. quanto à perspectiva: ergonomia de intervenção e de concepção;
3. quanto à finalidade: ergonomia de correção, de enquadramento, de
remanejamento e de modernização.
São as áreas, portanto:
ERGONOMIA DE PRODUTO E DE PRODUÇÃO – Essa é a divisão clássica dentro da
ergonomia e a mais aceita mundialmente. A ergonomia de produto está mais
voltada para projetos de artefatos diversos: ferramentas, utensílios, mobiliário,
vestuário etc., ao passo que a ergonomia de produção enfoca as normas e os
procedimentos, tanto técnicos como humanos, buscando analisar as
dificuldades e as facilidades na execução das atribuições e nos postos de
trabalho. Na prática, a ergonomia incorpora os conceitos de ambas as áreas
para proceder à análise e à proposta de solução dos problemas, pois uma
contribui para a outra, a chamada ERGONOMIA SIMULTÂNEA.
ERGONOMIA DE INTERVENÇÃO – É a resposta a uma demanda do
cliente/usuário/consumidor, que deve ser investigada a fim de que uma solução
possa ser encaminhada para a implementação de uma ação ergonômica. Esse
levantamento da demanda pode ser feito através de listas de verificação –
checklist.
ERGONOMIA DE CONCEPÇÃO – Trata-se da elaboração de novos produtos,
processos, métodos de trabalho ou sistemas. A ideia está em projetar uma
nova concepção ou uma nova tecnologia, modificando, assim, as maneiras de
execução dos processos. A ergonomia de concepção leva a uma mudança na
maneira de pensar e fazer, sempre objetivando a implementação de soluções e
melhorias.
ERGONOMIA DE CORREÇÃO – Busca corrigir ou ao menos minimizar o
desconforto nos postos de trabalho, nas rotinas e nos procedimentos das
atribuições laborativas.
ERGONOMIA DE ENQUADRAMENTO – Visa à implementação de um padrão a ser
atendido, o qual é estabelecido internamente pela própria empresa ou por
questões estratégicas, impostas pela legislação ou por sindicatos.
ERGONOMIA DE REMANEJAMENTO – É a existência da necessidade de mudança.
Este é um campo vasto para a reengenharia, ou seja, alterações que objetivem
a otimização de processos, matéria-prima, logística e, até mesmo, pessoas. A
ideia é aproveitar as mudanças para corrigir os antigos defeitos.
ERGONOMIA DE MODERNIZAÇÃO – São as alterações dos processos de forma
abrangente e profunda, envolvendo modernização de equipamentos
(softwares) e ganhos na qualidade, na capacitação e na especialização da
mão-de-obra.
Uma análise ergonômica envolve diversos aspectos,
independentemente da modalidade em questão, sendo que o ergonomista não
deve se esquecer de contemplar todos eles. O Quadro 2 aponta as variáveis
mais frequentemente utilizadas nas pesquisas ergonômicas.
Mas como proceder para verificar todas essas variáveis? Moraes e
Mont’Alvão12
indicam alguns métodos e técnicas para esse processo de
intervenção. As autoras recomendam as pesquisas participantes, nas quais o
usuário/cliente/consumidor/funcionário expressa sua opinião sobre a forma de
executar a tarefa, o funcionamento do posto, as dificuldades pertinentes às
ferramentas em uso ou mesmo o desconforto proveniente de alguma situação.
Desse modo, nas pesquisas descritivas, o pesquisador/ergonomista procura
conhecer e interpretar a realidade, sem nela interferir, descrevendo,
classificando e interpretando os dados/eventos/fatores/situações/problemas.
Para tanto, os métodos recomendados pelas autoras para fazer uma
exploração ergonômica são:
· OBSERVAÇÃO: direta (pessoalmente), indireta (registro através de fotografia,
filmagem, binóculo etc.), assistemática (ocasional, sem agendamentos, não
segue nenhum padrão sequencial) ou sistemática (estruturada, controlada,
planilhas de registro, fichas de entrevista etc.);
· REGISTRO DE COMPORTAMENTO: anotações de expressões verbais e não
verbais em relação a posturas, deslocamentos, comunicações, exploração
visual, tomada de informação, movimento do corpo em geral: cabeça,
braços, pernas, olhos etc.;
· INQUIRIÇÃO: entrevistas tanto abertas como fechadas (questionário), testes,
enquetes, escalas de avaliação etc.
Seguindo essas técnicas e métodos, pode-se estabelecer parâmetros
para aplicar uma intervenção ergonômica dentro de uma organização, seja no
chão de fábrica, no setor operacional, seja nos escritórios, no setor
administrativo. Diversas etapas são descritas por diferentes autores para se
proceder da maneira apropriada à análise ergonômica. Moraes e Mont’Alvão13
dividem esse processo em cinco etapas:
1ª APRECIAÇÃO ERGONÔMICA – Mapeamento dos problemas ergonômicos da empresa
englobando o sistema homem-tarefa-máquina, delimitando aspectos de postura,
informação, cognição, comunicação, ação, movimento, deslocamento, interação,
operacional, espacial e físico ambiental. Devem ser feitos registros fotográficos ou em
vídeo, observações, etc. Esta etapa termina com o parecer ergonômico, que compreende
uma apresentação ilustrada dos problemas mapeados sugerindo melhorias mediante a
hierarquização dos mesmos, relevando os custos humanos, a gravidade e a urgência.
2ª DIAGNOSE ERGONÔMICA – Nesta etapa se deve aprofundar os problemas priorizados e
testar predições. É o momento das observações sistemáticas das atividades da tarefa, dos
registros do comportamento, em situação real de trabalho. No diagnóstico é fundamental
identificar o usuário/trabalhador através de uma coleta organizada de informações sobre a
demanda ergonômica: Quem, O que, Como, Onde e Quando. É ouvir as “falas” do
usuário/trabalhador mediante o uso de métodos de inquirição e observação para levantar
as queixas estabelecendo um grau de importância. É importante considerar o histórico dos
postos, se ocorrem acidentes, erros, doenças, e as condições ambientais.
3ª PROJEÇÃO ERGONÔMICA - Trata de adaptar as estações de trabalho, equipamentos e
ferramentas às características físicas psíquicas e cognitivas do usuário/trabalhador. Ao final
desta etapa, é necessário elaborar um projeto que contemple soluções e melhorias na
conformação, perfil e dimensionamento dos espaços, das tarefas, dos ambientes, da
organização do trabalho e da qualidade de vida como um todo.
4ª AVALIAÇÃO, VALIDAÇÃO e/ou TESTES ERGONÔMICOS – Momento de testar o projeto
proposto através de protótipos, simulações, maquetes, etc. até chegar a uma solução
adequada para a maioria das pessoas e para o sistema produtivo.
5ª DETALHAMENTO ERGONÔMICO e OTIMIZAÇÃO – Revisão e acompanhamento do projeto
como um todo até chegar ao consentimento/aprovação dos usuários/trabalhadores, sempre
observando as especificações ergonômicas.
Fica claro, que a ergonomia objetiva, através de sua ação, “resolver os
problemas da relação entre homem/trabalhador, máquinas, equipamentos,
ferramentas, programação do trabalho, instruções e informações, solucionando
os conflitos entre o humano e o tecnológico, entre a inteligência natural e a
artificial nos sistemas homem-máquina-produção”.14
Da mesma forma, é válido reiterar que a ação do ergonomista dentro
de uma organização, além de recair diretamente na saúde ocupacional, busca
melhorar as condições ambientais; aumentar a motivação, a segurança, o
conforto e a satisfação do trabalhador; evitar riscos de acidentes de trabalho;
reduzir o retrabalho e o absenteísmo.
APÓS O ESTUDO DESTE CAPÍTULO, VOCÊ SERÁ CAPAZ DE:
Conhecer o histórico dos estudos sobre ergonomia e as mudanças sofridas
ao longo deste processo.
Compreender as áreas de atuação da ergonomia.
Analisar a importância das ações ergonômicas como forma preventiva de
acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Verificar as etapas necessárias a serem realizadas em uma análise
ergonômica para traçar um parecer na área.
referências por capítulo
Capítulo 5
1 IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005. p.
6.
2 RIO, R. P.; PIRES, L. Ergonomia: fundamentos da prática ergonômica. São
Paulo: LTr, 2001.
3 _______. Ergonomia: fundamentos da prática ergonômica. Belo Horizonte:
Health, 1999. p. 22-23.
4 RIO; PIRES, op. cit.
5 DUL, J.; WEERDMEESTER, B. Ergonomia prática. São Paulo: Edgard
Blücher, 1995.
6 IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
7 WISNER, A. Por dentro do trabalho. São Paulo: FTD/Oboré, 1987.
8 GUIMARÃES, L. B. de M. (Coord.). Ergonomia de processo. Porto Alegre:
UFRGS, 1999. v. II.
9 GRANDJEAN, E. Manual de ergonomia: adaptando o trabalho ao homem.
Porto Alegre: Artes Médicas, 2005.
10 IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
11 VIDAL, M. C. R. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. Rio de
Janeiro: Virtual Científica, 2002.
12 MORAES, A. de; MONT’ALVÃO, C. Ergonomia: conceitos e aplicações. Rio
de Janeiro: 2AB, 2000.
13 Ibid.
14 Ibid.
15 Id., p. 14-15.