Post on 19-Feb-2021
UniSALESIANO LINS
CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM
CURSO DE DIREITO
JOÃO GUILHERME SALAZAR NOGUEIRA
CLEPTOCRACIA E CORRUPÇÃO: A impunidade sob o conceito de justiça
LINS/SP
2020
JOÃO GUILHERME SALAZAR NOGUEIRA
CLEPTOCRACIA E CORRUPÇÃO: A impunidade sob o conceito de justiça
Monografia apresentada ao curso de Direito do
UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação do Professor
Mestre Marcelo Sebastião dos Santos Zellerhoff
como um dos requisitos para obtenção do título de
bacharel em Direito.
LINS/SP
2020
P
49g
Nogueira, João Guilherme Salazar
N712c Cleptocracia e corrupção: a impunidade sob o conceito de justiça João Guilherme Salazar Nogueira – – Lins, 2020.
78p. il. 31cm. Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Direito, 2020.
Orientador: Marcelo Sebastião dos Santos Zellerhoff
1. Corrupção. 2. Impunidade. 3. Democracia. Justiça. I. Título.
CDU 34
JOÃO GUILHERME SALAZAR NOGUEIRA
CLEPTOCRACIA E CORRUPÇÃO: A impunidade sob o conceito de justiça
Monografia apresentada ao curso de Direito do
UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação do Professor
Mestre Marcelo Sebastião dos Santos Zellerhoff
como um dos requisitos para obtenção do título de
bacharel em Direito.
Lins, Junho, 2020.
Professor Mestre Marcelo Sebastião dos Santos Zellerhoff (Orientador)
Professor Mestre Danilo César Siviero Rípoli
Professor Doutor Vinicius Roberto Prioli de Souza
Dedico este trabalho ao Nosso
Senhor Jesus Cristo, pois sem a Vossa permissão este trabalho não seria possível.
A meu pai, Carlos Henrique Nogueira, a minha mãe, Maria José Salazar, pelo amor incondicional e apoio para a minha formação pessoal e acadêmica.
E a toda população brasileira, vítima das injustiças acometidas pelos políticos em todos os âmbitos públicos que desprezam o bem comum e destroem as vidas dos mais humildes.
AGRADECIMENTOS
Primordialmente, agradeço a Deus pelo dom da vida, onde por seu amor e
graça me permitiu realizar esta contribuição intelectual e acadêmica que foi tão
almejada em minhas orações. E agradeço também por ter me garantido força
suficiente para superar as dificuldades em que passei para concluir o curso.
Externo minha gratidão aos meus pais Carlos Henrique Nogueira e Maria
José Salazar pelo apoio, incentivo e amor, por estarem comigo nos momentos mais
delicados da minha vida. Vocês constituem a fonte de inspiração dos meus dias,
pois além de me educar, carregam em si uma história de vida motivadora.
Agradeço também a toda minha família, pois torceram por mim desde o
começo do curso, me apoiando, incentivando e principalmente acreditando no meu
potencial. Desejo expressar os meus agradecimentos à Vilma Alves Sirqueira
Nogueira, que acompanhou de perto do começo ao fim, torcendo e me incentivando
no engajamento dos meus estudos.
Durante essa caminhada fui contemplado com muitas amizades que estivem
comigo compartilhando as grandes conquistas, assim como as mesmas
infelicidades. Sem vocês esta etapa da vida se tornaria mais difícil. Desta forma,
cumprimento todos os colegas da VI Turma do Curso de Direito que com toda a
certeza marcaram a história do curso.
Particularmente, durante minha trajetória no Curso do Direito tive a honra de
conhecer pessoas extraordinárias que através de suas ricas experiências de vida
contribuíram para o meu crescimento pessoal e profissional.
Agradeço o coordenador e professor Doutor Osvaldo Moura Júnior que
confiou em mim para estagiar junto ao Cejusc, bem como em eventos do curso. O
contato permitiu conhecer um profissional muito dedicado ao seu trabalho, sendo
visível o seu amor pela coordenação e pela lição pedagógica que exerce. As
reuniões serviram para que eu pudesse compreender a vocação de liderança.
Professor, o meu muito obrigado.
Durante meu estágio junto Centro Judiciário de Solução de Conflitos e
Cidadania – CEJUSC, que possuí parceria com o Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, tive a oportunidade de ter minha primeira experiência jurídica,
onde aprendi e contribui para o bom funcionamento do judiciário. E conheci o diretor
do CEJUSC de Lins/SP, Mario Nishimoto, uma pessoa humilde e virtuosa a qual
tenho imenso carinho e respeito. Os seus ensinamentos foram além dos jurídicos, e
por essa razão amadureci pessoal e profissionalmente. Chefe, o meu muito
obrigado.
Posteriormente, passei a estagiar junto ao Juizado Especial Cível de Lins/SP.
Na oportunidade, estagiei junto ao gabinete do Juiz Doutor Adriano Rodrigo Ponce
de Oliveira. Estar próximo ao ambiente forense foi emocionante, pois os meus
sentimentos por essa maravilhosa ciência, muitas vezes, ultrapassavam o coração.
Estagiei com uma das pessoas mais justas, integras e sábias que já conheci. Seus
ensinamentos criaram em mim princípios de integridade e justiça, somados aos
conhecimentos jurídicos que só com a sua didática seria possível aprender. Doutor,
o meu muito obrigado.
Agradeço o meu orientador Professor Mestre Marcelo Sebastião dos Santos
Zellerhoff pelo engajamento durante as orientações e correções deste trabalho.
Obrigado pelo incentivo da pesquisa científica voltada não só para a ciência jurídica,
mas também pela ciência política, já que política é a ciência da liberdade.
Para que o mal triunfe basta que os
bons fiquem de braços cruzados.
Edmund Burke
É um equívoco supor que a corrupção
não seja um crime violento.
Luís Roberto Barroso.
RESUMO
A presente monografia tem como objetivo de pesquisa analisar a corrupção, investigando se há impunidade e de qual meio é efetivo para combater a corrupção. Inicialmente apresenta os dados estatísticos do Brasil e do mundo, através de índices e mapas, demostrando a grande quantidade de desvios de verbas públicas, trazendo também os números resultantes da atuação do Poder Judiciário referente à operação Lava Jato. Será analisada a Cleptocracia que é considerada a regime de governo que está em vigor no país. E nesse sentido, aponta-se para a incompatibilidade de se ter um governo democrático junto à venalidade dos políticos, e posteriormente, aponta para as considerações sobre ética e moralidade pública. A pesquisa tem grande valor para o campo científico tendo em vista o debate sobre o combate à corrupção. Onde passa a explicar a relação existente com a impunidade, a justiça, e o objetivo da República de se buscar uma sociedade livre, justa e solidária. Após, segue o estudo comparativo entre as duas maiores operações mundiais contra a corrupção, sendo a operação Lava Jato (Brasil) e operação Mani Pulite (Itália) deixando as devidas lições para o combate à corrupção. Com a mesma finalidade, a pesquisa aborda a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que estabelece a responsabilização de forma objetiva às pessoas jurídicas contra atos atentatórios à Administração Pública. Por fim, é realizada a análise das Dez Medidas contra a Corrupção, de iniciativa popular e criada pelo Ministério Público Federal, conduzindo argumentações favoráveis e contrárias às medidas. No que se refere às opções metodológicas, a pesquisa se desenvolveu por meio da vertente jurídico-dogmática e pelo método de investigação de tipo jurídico-interpretativo, com predomínio de raciocínios dedutivos e uso de técnica bibliográfica e do procedimento de análise de conteúdo. Desta forma, é possível concluir que existe impunidade no crime de corrupção; e que a legislação atual não é suficiente para a solução mais eficaz para combater a corrupção, sendo necessário à aplicação das Dez Medidas Contra a Corrupção.
Palavras-chave: CORRUPÇÃO. IMPUNIDADE. DEMOCRACIA. JUSTIÇA.
ABSTRACT
This monography researches and analyzes corruption, investigating if there is impunity and in which means it is effective to fight it. Initially, it presents statistical data from Brazil and the world, using indexes and maps, demonstrating the large amount of public funds diversion, also bringing the figures resulting from the performance of the Judiciary regarding the Lava Jato operation. Cleptocracy that is considered the government's regime which is in force in the country will be analyzed. Therefore, it points to the incompatibility of having a democratic government along with the venality of politicians, and later, it points to considerations on ethics and public morality. This Research is of great value to the scientific field in view of the debate on fighting against corruption.It goes on to explain the existing relation with impunity, justice, and the objective of the Republic to pursue an independent, righteous and supportive society. Afterwards, there follows the comparative study between the two largest worldwide operations against corruption, with Lava Jato operation (Brazil) and Mani Pulite operation (Italy) leaving the appropriate measures for combating corruption. Likewise, the research addresses Law 12.846 / 2013 (Anticorruption Law), which establishes accountability objectively to legal entities against acts that violate Public Administration. Finally, there is an analysis of the Ten Measures against Corruption, a popular initiative created by the Federal Public Ministry, leading to arguments in favor and against the measures which were previously mentioned. Regarding methodological options, the research was developed through the legal-dogmatic approach and the legal-interpretative research method, with a predominance of deductive reasoning and the use of bibliographic techniques and the content analysis procedure. In this way, it is possible to conclude that there is impunity in corruption; and that the current legislation is inadequate for the most effective solution to fight corruption, being needed for the enforcement of the Ten Measures Against Corruption. Keywords: CORRUPTION. IMPUNITY. DEMOCRACY. JUSTICE.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 9
2 A CORRUPÇÃO NO BRASIL ..................................................................... 13
2.1 Os dados estatísticos da corrupção brasileira .................................... 13
2.2 A Operação Lava Jato ............................................................................ 20
3 A CLEPTOCRACIA ..................................................................................... 23
3.1 A Corrupção e a democracia ................................................................. 23
3.1.1 Sobre a Democracia ............................................................................ 26
3.1.2 Sobre a Cleptocracia ........................................................................... 28
3.1.3 Sobre a Ética e moralidade pública .................................................... 31
4. COMBATE À CORRUPÇÃO ...................................................................... 35
4.1 Justiça e impunidade ............................................................................. 35
4.2 Sociedade livre, justa e solidária........................................................... 41
4.3 O Direito comparado .............................................................................. 43
4.4 A Lei anticorrupção ................................................................................ 46
4.5 As Dez Medidas Contra a Corrupção .................................................... 50
5 CONCLUSÃO .............................................................................................. 64
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 67
9
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo apresentar os aspectos pertinentes
sobre quais efeitos a corrupção causa na democracia brasileira. E pretende
apresentar dados estatísticos acerca da atuação judiciária em relação à impunidade.
Tudo com a finalidade estabelecer lições eficientes ao campo científico no
enfrentamento à corrupção. Portanto, esta monografia irá investigar o regime de
governo cleptocrático e suas injustiças. Para tanto, foi utilizada a metodologia de
acordo com a vertente jurídico-dogmático, a partir do tipo de investigação jurídico-
interpretativo, através da técnica bibliográfica, fazendo consulta de dissertações,
teses e monografias, doutrinas e artigos científicos, livros, dicionários e sites,
estatísticas e legislações.
A recessão econômica e a crise política comprometeu todo o funcionamento
público do país. Reflexo disso é a falta de remédios em Unidades Básicas de Saúde,
o aumento em grande escala da criminalidade, a educação brasileira que apresenta
péssimos resultados em avaliações internacionais, o desemprego que atinge
milhões de pessoas, o poder de compra só diminui e alimentos ficam cada vez mais
caros, assim como o preço do combustível. A população brasileira luta para
sobreviver diante da crise que o país vive.
É notório que os escândalos de corrupção nos últimos anos foram expostos.
As operações judiciais foram acontecendo ao ponto de tomar uma proporção
inimaginável que tornou o Brasil o 5º país mais corrupto e antiético do mundo
segundo os dados do World Economic Forum no ano de 2017 e 2018.
Entendendo que essa situação causa a escassez de verbas públicas e
provoca sérias consequências para o país, principalmente para quem depende delas
para manter a sua sobrevivência. Para que esse problema seja solucionado o que
se espera do Estado é a repressão e o enfrentamento das venalidades de agentes
públicos. Será que o Estado está investigando, processando e condenando os
corruptos e corruptores? Considerando a ineficiência da legislação quais medidas
devem ser adotadas para contornar essa situação?
A corrupção é um crime multifacetado e atingem tanto as instituições públicas
e empresas quanto as pessoas naturais. Isso não seria diferente com o regime de
governo estabelecido pela Constituição Federal de 1988. A corrupção impede que a
10
democracia alcance seus objetivos e neste processo direitos e garantias
fundamentais são violentamente suprimidos.
Entretanto é necessário reconhecer a evolução do sistema penal e processual
penal. A operação Lava Jato vem apresentando a parcela de melhoria, tendo em
vista o engajamento e os resultados obtidos, como por exemplo, capacidade de
identificar os envolvidos, que alcançou 165 pessoas condenadas em 1ª e 2ª
instâncias em Curitiba, e conseguiu recuperar mais R$ 3,8 bilhões, que foram
devolvidos aos cofres públicos.
Os principais atores da operação Lava Jato entenderam que não bastaria a
atuação do Ministério Público Federal para inibir a corrupção. Diante disso, ocupou a
frente na proposta de criar medidas legislativas para conter avanço. Na ocasião,
foram desenvolvidas as Dez Medidas Contra a Corrupção. Sob o apoio popular de
mais de 2 milhões de assinaturas a ideia foi para o Poder Legislativo e atualmente
segue ignorado no Senado Federal. A princípio, surgira com forte pretexto efetivo de
solucionar o problema, entretanto, especialistas afirmam o contrário, e com isso até
os dias de hoje nenhuma outra ação foi realizada para propor solução ao problema.
A frase de Edmund Burke (1729-1797) a qual compõe a epígrafe desta
pesquisa serve como pressuposto para tomar atitude sem hesitar. Nesse sentido,
considerando os problemas caóticos já explanados em que a população brasileira
enfrenta é necessário tomar medidas para frear a máquina de impunidade. Como
disse Luís Roberto Barroso “é preciso empurrar a história”. E considerando os
direitos à liberdade, à igualdade, à justiça, que todo cidadão possui e também de
viver em uma sociedade livre, justa e solidária, entende-se que as medidas
indicadas pelo Ministério Público Federal são necessárias para o enfrentamento à
corrupção.
Esta monografia apresenta os resultados da investigação dividindo-os por
capítulos. No capitulo que se sucede a esse primeiro introdutório foi apresentado
uma estrutura baseada em levantamento de dados que guardam grande relevância
com o estudo. O propósito pelo qual caracteriza este momento é a necessidade de
demonstrar as consequências desumanas em que a corrupção causa no país. Com
isso o capítulo é composto por estatísticas mundiais e nacionais, trilhando um
caminho internacional como parâmetro, após segue a linha econômica e por fim a
atuação em números do Poder Judiciário ao lidar com a corrupção.
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Posteriormente, foram relatados os acontecimentos da maior operação frente
aos crimes de corrupção, a Lava Jato. Vale lembrar que a narrativa dessa história,
por muitos, é controversa, alguns enaltecem e outros repudiam a maneira pela qual
foi operacionada. A pesquisa pretendeu examinar seus resultados de modo a extrair
informações relevantes sobre a corrupção sistêmica.
Já no terceiro capítulo, a pesquisa desenvolve o estudo sobre a cleptocracia.
Na oportunidade, é realizada a análise sobre a relação existente entre a corrupção e
a democracia, buscando descobrir quais são os efeitos em que os atos venais dos
políticos brasileiros causam na democracia do país. Para isso, são abordados os
aspectos conceituais e característicos sobre a democracia, a cleptocracia e ética e
moral no âmbito público, especialmente no que concerne aos princípios que
norteiam a Administração Pública.
O quarto capítulo tem como proposta principal aprofundar o estudo sobre o
combate à corrupção, fundamentando através de valores de caráter humano e
social, especialmente na relação entre a justiça em face da impunidade. O objetivo
da República é estabelecer uma sociedade livre, justa e solidária, que nesse sentido,
a pesquisa assevera a impossibilidade de atingir tal fim, enquanto ainda se tem
corrupção em várias escalas no país. Também se preocupa em propor contribuições
advindas de outro país, que é o estudo comparativo entre a operação Lava Jato e a
operação Mãos Limpas que ocorreu na Itália, investigando as semelhanças e
diferenças entre elas. Seguindo, é apresentada Lei nº 12.846/2013 conhecida como
lei anticorrupção, caracterizada por responsabilizar objetivamente todas as pessoas
jurídicas que atentarem contra a administração pública. E por fim, segue as
propostas do Ministério Público Federal no engajamento de acabar com o círculo
vicioso de corrupção pública e privada, denominada como as Dez medidas contra a
corrupção, a qual acredita-se como resposta aos problemas apresentados.
Por fim, o presente trabalho apresentou os principais resultados da pesquisa
consistindo na aplicação das Dez Medidas Contra a Corrupção como os meios de
enfrentamento ao crime de corrupção, especialmente àqueles cometidos por
políticos no âmbito federativo. Ela é composta pelas seguintes propostas: Prevenção
à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação; Criminalização do
enriquecimento ilícito de agentes públicos; Aumento das penas e crime hediondo
para a corrupção de altos valores; Eficiência dos recursos no processo penal;
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Celeridade nas ações de improbidade administrativa; Reforma no sistema de
prescrição penal; Ajustes nas nulidades penais; Responsabilização dos partidos
políticos e criminalização do caixa 2; Prisão preventiva para assegurar a devolução
do dinheiro desviado e a Recuperação do lucro derivado do crime.
13
2 A CORRUPÇÃO NO BRASIL
2.1 Os dados estatísticos da corrupção brasileira
Os indicadores mundiais servem como parâmetro para identificar o quanto o
país está envolvido com a corrupção. Para tanto, o presente capítulo apresenta
inicialmente os dados obtidos pela Transparência Internacional que expõe seus
resultados através do Índice de Percepção da Corrupção e, posteriormente, a
pesquisa aborda o Relatório Ética e Corrupção desenvolvida pela Word Economic
Forum entre os anos de 2017 e 2018.
Os dados apresentados pelo IPC realizado pela Transparência Internacional
no ano de 2018 mostra que o Brasil ocupou a posição de 105ª de 180 países que
integram a pesquisa, e estabelece uma pontuação de 0 a 100, sendo que quanto
menor a pontuação mais ele é considerado corrupto. Diante disso, o Brasil possui 35
pontos, sendo que a maior pontuação é de 88 e pertence à Dinamarca (logo,
considerado o mais integro), e o país com a maior percepção de corrupção mundial
é a Somália, atingindo somente 10 pontos. Os dados supramencionados podem ser
ilustrados pelo mapa da corrupção, elaborado também pela mesma instituição.
Mapa – Índice de Percepção da Corrupção 2018
Fonte: IPC, 2018.
14
Também no âmbito internacional o Índice de Competitividade Global - ICG
2017-2018, desenvolvida pelo Fórum Econômico Mundial, que tem como objetivo
entender a complexidade do desenvolvimento; projetar melhores políticas em
colaboração público-privada, além de propor medidas para restaurar a confiança na
economia. Entre os diversos pontos da pesquisa, existe o ranking de
competitividade, com foco em ética e corrupção. (WEF, 2017-2018).
De 137 países participantes o Brasil ocupou a 133º posição, isso significa
que é o 5º pior país em termos de ética e corrupção, com uma pontuação de 2.1,
sendo que a última posição pertence à Venezuela com 1.7 e a melhor pontuação é
de 6.4 (em primeiro lugar Singapura e em segundo Nova Zelândia, ambos com a
mesma pontuação), em uma escala de 1 a 7. (WEF, 2017-2018).
Nesta parte do capítulo serão apresentados os números estatísticos nas
perspectivas econômicas e judiciais da corrupção no âmbito nacional.
Através do “Relatório Corrupção: Custos Econômicos e Propostas de
Combate”, realizado no ano de 2010 pela Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo - FIESP apresentaram dados extraídos do Índice de Percepção da
Corrupção - IPC, que se o Brasil estivesse no mesmo nível de percepção de
corrupção igual à média dos países inclusos na pesquisa, o produto per capita do
país passaria de US$ 7.954 a US$ 9.184, que corresponde a um aumento de 15,5%,
no período de 1990-2008 equivalente a 1,36% ao ano. (FIESP, 2010, p. 4).
Em uma situação mais radical ainda, caso inexistisse corrupção, estima-se
que todos os recursos ilícitos fossem destinados para as atividades produtivas
(custo médio anual da corrupção), obteria R$ 69, 1 bilhões e corresponderia a 2,3%
do PIB de 2008. (FIESP, 2010, p. 4).
A pesquisa sobre “corrupção e seus efeitos negativos”, realizada pelo
Coordenador de Economia da Fundação Getúlio Vargas - FGV, mostra um cenário
brasileiro sobre o aspecto econômico:
O estudo divulgou o impacto da corrupção nas contas públicas, que corresponde, segundo a pesquisa, a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional que, em 2005, atingiu a cifra de R$ 1,93 trilhões, e que resultou em um déficit de aproximadamente R$ 9,68 bilhões do PIB nacional. Conclui a pesquisa que esta quantia corresponde a quase a metade do valor orçado para investimentos no ano de 2006, e que esta considerável soma desaguou no mar de lama das práticas ilegais e imorais da corrupção. (BOTELHO, 2010, apud PIMENTEL, 2014, p. 52).
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Ultrapassando o campo econômico, e abordando a atuação do Poder
Judiciário frente aos crimes de corrupção, Carlos Higino Ribeiro de Alencar e Ivo
Gico Júnior realizaram o estudo sobre a “ineficácia do judiciário frente à corrupção”
realizado por demonstrou o seguinte cenário:
Realmente, o cenário fica ainda mais desalentador quando analisamos o número efetivo de condenações, pois apenas 14 servidores foram definitivamente condenados. Com base em nosso pressuposto de que as condenações administrativas são um forte indicativo de corrupção real, podemos estimar a eficácia do sistema criminal em cerca de 3%. (ALENCAR; JUNIOR, 2011, p.14)
Em sentido contrário aos argumentos que apontam para a ocorrência de
impunidade nos crimes de corrupção, há quem defenda a inexistência de
impunidade. Segundo o estudo do advogado e professor Francis Rafael Beck, do
ano 2000 até 2012, o número de condenações de crimes de colarinho branco saltou
de 44 para 325, isso significa o aumento de 638%. Ele também apresenta outros
números, sendo que no mesmo período foram 4.684 condenações, 1.490
absolvições e 1.390 decisões extintivas de punibilidade. (BECK, 2013, p. 356).
O Conselho Nacional de Justiça - CNJ realizou uma pesquisa sobre “Justiça
Criminal, Impunidade e Prescrição”, tem como fonte números obtidos da Polícia
Federal que confirmam o alto nível de corrupção no ano de 2008, ultrapassando
mais de 200 instaurações de Inquérito Policial.
Para além destes dados, o período de 2002 a 2011, representou uma grande
crescente na quantidade de instaurações dos Inquéritos Policiais por ano, sendo o
último, isoladamente, apresentando a maior quantidade, na proporção de mais de
450. (CNJ, 2019).
Após o ano de 2011, é possível dizer que houve uma diminuição em relação a
ele, contudo no ano de 2015 foi o único em que teve um aumento do percentual ao
se comparar com os anos pós 2011. É importante ressaltar que a queda da
instauração foi tão brusca que no ano de 2018 a quantidade se equiparou aos anos
de 2002 a 2004, sendo estes os três menores neste período, que não ultrapassam a
casa de, aproximadamente, 50 Inquéritos Policiais por ano. (CNJ, 2019).
O aumento de Inquérito Policial aos crimes relacionado à corrupção, mais
especificamente ao ano de 2015, soma-se aos dados estatísticos realizados pelo
Ministério Púbico Federal, que expõe sobre os números de processos judiciais
16
relativos à corrupção. Após 2011, foi comentado que houve uma crescente na
prática corrupta e em razão disso aumentou-se os Inquéritos Policiais.
De acordo com o “gráfico 2” da pesquisa supra que analisa os números de
processos judiciais da prática corrupta, divididos por estados, incluindo o Distrito
Federal, no ano de 2015, e pelo elevado nível de processos, alguns estados se
destacam, sendo disparado com maior quantidade de processos o Distrito Federal
com 7.034 processos, logo abaixo vem São Paulo que possui 2.087 e em terceiro
(se limitando somente aos três estados com maior repercussão) o estado do
Pernambuco com 1.883. Menciona-se ainda que o estado com menor número de
processos advindo de corrupção é Roraima com 113. (MPF, 2019).
Outra informação importante, da mesma estatística, é a quantidade de
processos por ano no combate à corrupção. Segundo “o gráfico 1”, apresenta os
seguintes números: 21.143 em 2012; 25.953 em 2013; 24.295 em 2014; 23.706 em
2015; 26.290 em 2016; 28.509 em 2017; 26.352 em 2018 e até o momento no ano
de 2019 encontra-se com 15.412 processos judiciais. (MPF, 2019).
No mesmo sentido, o Ministério Público Federal elaborou um mapa da
corrupção podendo ser acessado em diversas perspectivas. No campo de busca da
pesquisa, optando pela “Improbidade administrativa”, representa o seguinte cenário.
Mapa de calor – Concentração de Improbidade Administrativa – Extrajudicial.
Fonte: MPF, 2019.
17
O mapa utiliza de manchas de cores variando de verde, amarelo e vermelho
(este indica o pior cenário). De imediato o que chama mais atenção é o fato que
praticamente metade do Brasil foi preenchida pela cor vermelha, especialmente ao
traçar uma divisão vertical no país. A porção ao leste (lado direito) indica altos
índices de improbidade, com exceção de alguns espaços em verde na região do
centro-oeste do país. (MPF, 2019).
Os números mais recentes que se têm sobre a corrupção no país, são os
resultados da operação Lava Jato. Segundo o site do Ministério Público Federal, até
5 de Julho de 2019, a operação no âmbito do Estado do Paraná, resultou em 2.476
procedimentos instaurados, 1.237 Mandados de Buscas e Apreensões, 227
Mandados de Conduções Coercitivas, 161 Mandados de Prisões Preventivas, 155
Mandados de Prisões Temporárias e 6 Prisões em Flagrante.
Além de 754 pedidos de cooperação internacional, sendo 334 pedidos ativos
para 45 países e 420 pedidos passivos com 36 países. São 184 acordos de
colaboração premiada firmados com pessoas físicas, 11 acordos de leniência e 1
termo de ajustamento de conduta.
Acumulou 99 acusações criminais contra 438 pessoas (sem repetir o nome),
sendo que em 50 já houve sentença, pelos crimes de corrupção, crimes contra o
sistema financeiro internacional, tráfico transnacional de drogas, formação de
organização criminosa, lavagem de ativos e outros.
Até o momento são 244 condenações contra 159 pessoas, contabilizando
2.249 anos, 4 meses e 25 dias de pena (uma estimativa média de 15 anos para
cada condenado), 10 acusações de improbidade administrativa contra 63 pessoas
físicas, 18 empresas e 3 partidos políticos, com pedindo de ressarcimento de R$
18,3 bilhões, incluindo as multas dá um montante de R$ 40,3 bilhões.
Os crimes já denunciados envolvem pagamento de propina de cerca de R$
6,4 bilhões, sendo que R$ 13 bilhões são alvo de recuperação por acordos de
colaboração, sendo R$ 846,2 milhões objeto de repatriação e R$ 3,2 bilhões em
bens dos réus já bloqueados. (MPF, 2019).
A mesma pesquisa acima, não se limitou na sede da operação Lava Jato,
mas também compreendeu os estudos no Distrito Federal, no Estado de São Paulo
e Rio de Janeiro. Sobre este último, têm-se as seguintes informações: 46
18
Denúncias, 296 denunciados, 190 prisões preventivas, 39 prisões temporárias, 40
conduções coercitivas e 466 buscas e apreensões.
Na esfera carioca foram solicitados os valores de R$ 4,95 bilhões a título de
reparação de danos. Houve 35 acordos de colaboração homologados. O valor de
R$ 575 milhões já foram ressarcidos e pagos em multas compensatórias
decorrentes de acordos de colaborações. De dois acordos de leniência firmados,
geraram R$ 134 milhões recuperados. Compreendeu 9 sentenças, sendo 40
condenados. O total das penas somadas acumulam a quantia de 665 anos e 6
meses de reclusão (média de 17 anos para cada condenado). Os dados
apresentados estão atualizados até o dia 09 de Outubro de 2018. (MPF, 2018).
Ainda no mesmo Estado, foram imputados 15 tipos penais, sendo eles a
fraude em licitações, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização
criminosa, formação de quadrilha, falsidade ideológica, evasão de divisas, crime
contra a ordem econômica, crime contra o sistema financeiro, embaraço a
investigação de organização criminosa, tráfico de influência, operação de instituição
financeira não autorizada, peculato e constrangimento ilegal com emprego de arma
de fogo. Constituíram 30 operações em conjunto com a Polícia Federal e Receita
Federal. (MPF, 2018).
A ex-Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, enquanto estava na
função pública, apresentou a ADPF n° 568, posicionando-se favorável a destinação
dos valores perseguidos pela operação Lava Jato, advindo dos atos ímprobos, a
serem destinados tanto à educação quanto às queimadas na floresta amazônica, na
proporção de 1,3 bilhão e 1,2 bilhão, respectivamente. Ela defendeu que “são
necessárias ações imediatas e concretas contra queimadas, para reestruturação da
fiscalização e educação ambiental, para fortalecer planos de sustentabilidade deste
bioma [...]” e acrescentou “[...] considero necessário ao interesse público a repartição
dos valores e destinação dos recursos para incluir a proteção ambiental sustentável,
o que atende toda sociedade brasileira”. (BRASIL, 2019, p. 14).
No mesmo sentido, a matéria da Revista Veja “A vingança contra os
corruptos”, publicada em 2011, trata sobre o que seria possível fazer com o dinheiro
público perdido:
Através de diversos levantamentos, chegaram à conclusão de que, a cada ano, a corrupção usurpa dos cofres públicos uma quantia exorbitante de aproximadamente 85 bilhões de reais, equivalente a 2,3% de toda riqueza produzida pelo país. Essa quantia seria
19
suficiente para resolver os principais problemas estruturais do país e acelerar seu desenvolvimento. Desses bilhões desviados a cada ano, o governo consegue descobrir apenas 1%, recuperante apenas uma parte insignificante. A referida pesquisa também estimou que os esquemas de corrupção, mas visíveis se encontram no governo federal, que seriam responsáveis por 51% de toda verba pública. Comparativamente, o governo federal do Brasil emprega 90.000 (noventa mil) pessoas em cargos de confiança, enquanto os Estados Unidos emprega 9.051 e a Grã-Bretanha, cerca de 300. Aceca dessa realidade, Cláudio Weber Abramo, director da Transparência Brasil, considera que “isso faz com que os servidores trabalhem para partidos, e não para o povo, prejudicando severamente a eficiência do Estado”. (PIMENTEL, 2014, p. 54).
A Controladoria Geral da União - CGU, por meio de seu site oficial, informou
que sua atuação junto à Advocacia Geral da União - AGU, já garantiu a restituição
aos cofres públicos de 1,5 bilhão em 2019. Desse valor, 419 milhões foram
devolvidos à União e o restante a respectiva entidade lesada. Esse montante foi
resultado de acordos de leniência de empresas que optaram em colaborar com a
justiça (CGU, 2019).
Na mesma notícia, a CGU relata que outros acordos firmados e os
respectivos valores já levantados:
Ao todo, nove acordos de leniência já foram firmados com empresas como Andrade Gutierrez, Odebrecht, Braskem e SBM Offshore. Parte das negociações envolvem condutas investigadas pela Operação Lava-Jato. Outros 22 acordos de leniência estão em andamento. Os valores a serem ressarcidos envolvem pagamentos de multa, dano e enriquecimento ilícito. Com os nove acordos já assinados, o retorno de recursos ao erário será de R$ 11,15 bilhões nos próximos anos, dos quais R$ 3,1 bilhões já foram recuperados. (CGU, 2019)
Para além das informações acima, a Controladoria Geral da União, junto com
à Corregedoria Geral da União, elaborou o “Relatório de acompanhamento das
punições exclusivas aplicadas a servidores estatutários do Poder Executivo
Federal”, atualizado até o mês de junho de 2019. O “tópico 5” do relatório expõe
uma tabela sobre “punições expulsivas por fundamentação”, em um período de 2003
a 2019 (junho). O relatório apresenta 5 fundamentações, e uma das razões da
expulsão é pelo “ato relacionado à corrupção”, compreendendo de 4.998 expulsões,
isso significa 63,6% de um total de 7.588. (CGU, 2019).
Por fim, o site do Nexo Jornal apresentou alguns dados sobre a percepção de
corrupção no Brasil. Um deles é relativo a índices de percepção de corrupção no
Brasil por instituição, onde demonstra que as pessoas acreditam que as três piores
20
instituições, e que, portanto, as mais corruptas, é o Congresso Nacional com
porcentagem de 57% a 63%; seguido do Governo local, de 56% a 62%; e a terceira
pior, se trata da Presidência da República 52% a 57%. Frisa-se que nestes dados,
na pesquisa incluem as presenças de funcionários do governo nacional, a polícia,
juízes, executivos de empresas e até mesmo lideres religiosos.
O outro diz respeito a uma questão, se as pessoas podem fazer diferença na
luta contra a corrupção e o resultado desta pergunta, foi de que 82% dos brasileiros
acreditam que sim, as pessoas podem fazer a diferença, outras 11% diz que não
acreditam (na pesquisa anterior de 2017 este número era relativamente menor) e
6% não souberam responder, nem que sim, nem que não.
O terceiro e último dado descreve como a corrupção evoluiu no Brasil nos
últimos 12 meses. Em 2019 54% das pessoas acreditam que a corrupção evoluiu,
outras 15% diz que diminuiu e 29% se manteve inerte e não souberam responder.
Ressalta-se que a referida matéria foi publicada em 8 de outubro de 2019. (GOMES;
MAIA, 2019).
2.2 A Operação Lava Jato
Pela proporção e importância a operação Lava Jato, responsável pela maior
operação contra a corrupção, compõe o desenvolvimento desta pesquisa. Para
alguns ela representa um marco nacional, justamente pela repercussão que teve
desde o seu nascimento até os dias de hoje, mas para outros é questionada pela
forma em que foi conduzida gerando polêmicas.
O início da operação Lava Jato se deu no dia 17 de março de 2014,
originando a 1ª fase da operação, onde a investigação se perseguiu em face de
Nelma Kodama, Raul Srour, Alberto Youssef e Carlos Habib Chater, todos os
doleiros que comandavam práticas ilícitas. (MPF, 2019).
Neste início, dentre eles o principal investigado da operação foi o doleiro
Alberto Youssef, e não foi a sua primeira vez sendo investigado no ano de 2006, isto
é, oito anos antes do início da Lava Jato, começara a dar causa a sua queda em
virtude da atuação no caso Mensalão em que estava inserido, juntamente com José
Janene, ex-líder do Partido Progressista – PP, um dos principais articuladores na
Câmara dos Deputados desse escândalo. (NETTO, 2016).
21
Ainda sobre o início da operação, ela começou com uma forte atuação das
forças policiais, nesse sentido, Ivo Patarra descreve com exatidão de como ocorreu
a 1ª fase da lava jato:
Março de 2014, dia 17. Nada menos que 400 policiais federais foram mobilizados em diversas ações deflagradas em 17 cidades de seis Estados e do Distrito Federal, para prender 24 pessoas acusadas de fazer parte de um esquema de desvios, fraudes financeiras e lavagem de dinheiro. Estimava-se que a organização criminosa teria movimentado cerca de R$ 10 bilhões, apenas entre 2009 e 2013. Entre os prisioneiros da Operação Lava Jato estava o doleiro Alberto Youssef. Preso com sete telefones celulares em São Luís (MA). Em uma de suas empresas, em São Paulo, os agentes apreenderam outros 27 celulares. (PATARRA, 2017, p. 16)
Assim como foi mencionado anteriormente, Deltan Dallagnol, em seu livro “A
Luta Contra a Corrupção”, enfatiza que a investigação da Lava Jato começou
através de um Inquérito Policial antigo sobre lavagem de dinheiro advindo do
Mensalão. (DALLAGNOL, 2017).
Curiosamente a operação Lava Jato ganhou esse nome em razão das
operações iniciais que ocorrera no posto de combustível de propriedade de Carlos
Habib Chater. A delegada Erika Mialik Marena foi uma das fundamentais peças para
a articulação das investigações, e a qual criou esse nome para a operação.
A delegada Erika Mialik Marena explica como denominou a operação:
Pensei em Lava Jato obviamente por causa do posto de combustível, que era uma lavanderia, e porque eu tinha plena consciência de que não se tratava de coisa pequena. Não estavam lavando coisa pequena, não estavam lavando um carro. Se fosse comparar um carro e um jato, lavariam muito mais um jato. Não ficou faltando um ‘a’ no lava a jato, foi uma brincadeira com a palavra. (NETTO, 2016, p.21).
O site do Ministério Público Federal também explica a definição do nome Lava
Jato, que decorre como já explicado, no uso de uma rede de postos de combustíveis
e lava jato de automóveis que tinha como finalidade o recebimento de propina de
executivos da Petrobras, e distribuía aos agentes por meio de operadores
financeiros, incluindo os doleiros, sendo que a propina era de 1% até 5% do
montante de contratos bilionários. (MPF, 2019).
Quando se fala que a prática corrupta já estaria enraizada há anos, isto é, de
forma sistêmica, se trata de uma verdade. A operação atingiu todos os presidentes
que atuaram pós a redemocratização do país, com exceção de Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso, o restante foram alvos: José Sarney (MDB), Fernando
22
Collor (PTC), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Roussef (PT) e Michel Temer
(MDB). (ARAGÃO; VENTURINI, 2018).
Também pela Revista Época, o fato de que a maioria dos ex-presidentes da
República, após a redemocratização, deu ensejo à materia no dia 21 de Março de
2019, contendo o seguinte título “Desde a redemocratização, FHC é o único ex-
presidente vivo que não sofreu impeachment ou foi preso”, demonstrando no corpo
da matéria que desde a redemocratização do país, dos seis presidentes, somente
um não se envolveu com corrupção ou sofreu impeachment. (ÉPOCA, 2019).
Em apertada síntese, o site do Ministério Público Federal explica como
ocorreu o caso da Lava Jato. Com relação às empreiteras, fugiam da regra já que
não existia concorrência por licitações, na verdade o que existia era uma
concorrência aparente, pois ajustavam tudo em reuniões.
Os funcionários da petroleira eram cooptados pelas empresas a participar do
esquema. Os operadores financeiros (intermediários) atuavam de modo a
intermediar e entregar a propina disfarçada de dinheiro limpo aos beneficiários. E
por fim, os agentes políticos agiam em associação criminosa para praticar corrupção
passiva e lavagem de dinheiro. (MPF, 2019).
Por fim, a operação completou mais de 5 anos e se encontra, segundo o site
do Ministério Público Federal, na 70ª fase da operação, tendo seu início datada em
10/09/2019. A última operação está investigando esquemas de corrupção e lavagem
de dinheiro relacionados à Transpetro (subsidária da Petrobras) e à Usina de Belo
Monte. Dela já houve 1 prisão e foram realizadas 11 buscas e apreensões. (MPF,
2019).
Concluindo, apesar de já relatados anteriormente os resultados obtidos da
Lava Jato, insta salientar com mais afinco que até 12/10/2019 a operação conta com
455 de denunciados, 1.271 de buscas e apreensões realizadas e, o dado mais
impactante são os R$ 14,3 bilhões referentes ao total de valores previstos de
recuperação, sendo R$ 3,8 bi já devolvidos aos cofres públicos. Os dados
apresentados foram atualizados até o dia de 25/09/2019, sendo extritamente
relativos ao ambito da 1ª Instância na cidade de Curitiba-PR, no site é possível
encontrar outros resultados referente a outras competências. (MPF, 2019).
23
3 A CLEPTOCRACIA
3.1 A Corrupção e a democracia
O conteúdo deste capítulo é de grande importância, na medida em que traz
como substância máxima a existência da corrupção dentro do regime democrático, e
se investiga a sua incompatibilidade e efeitos na vida dos cidadãos. De um lado
vangloriam-se de estarem sob a égide democrática, mas de outro se agonizam com
o espírito corrupto que paira sob a cabeça dos maus atingindo direitos fundamentais.
Atualmente a democracia se apresenta como uma palavra polissêmica que
está presente em todas as rodas de conversas, desde o barzinho de esquina e nas
redes sociais até a suprema corte brasileira. Além disso, devido a sua popularidade
muitas vezes seu sentido (ainda que não exaustivo) é deturpado e usado conforme
melhor o favoreça.
No que se refere ao regime democrático é preciso se atentar a alguns pontos
essenciais, basilares e característicos que tornam objeto fundamental na sua
definição. Nesse sentido, democracia pode ser compreendida, a princípio, em dois
pontos que são incontrovertidos como: a) uma forma de limitação do poder do
Estado; b) a liberdade do povo de participar direta ou indiretamente nas eleições,
numa relação de participação entre “governados no governo”. (HESSE, 1998, p.
122; KELSEN, 2000, p. 265 apud FURLAN, 2011, p. 51).
Ademais, este regime é composto pelos princípios da legalidade,
responsabilidade e soberania popular o que forma o Estado Democrático de Direito,
que constitui o modelo de Estado ideal, responsável por combater excessos e
desvios das condutas de homens públicos. (CANOTILHO, 2003, p. 97 apud
FURLAN, 2011, p. 56).
Quando o Estado Democrático de Direito é afetado pela corrupção, cria-se
espaço suficiente para o nascimento do Estado Cleptocrático de Direito, ou ainda um
Estado Vampiro. (FURLAN, 2011, p. 57).
Contudo, para que a democracia atinja os seus objetivos e características
essenciais, e se aproximar ainda mais do que disse Rousseau, na obra “Contrato
Social” que “se houvesse um povo de deuses, haveria de governar-se
24
democraticamente” (ROUSSEAU, 1762, p. 84), demonstrando a perfeição e as
benfeitorias da democracia, é necessário afastar dela a presença da corrupção.
Através do contexto histórico, da origem e das características confirma-se o
antagonismo do regime democrático ao regime totalitário e desumano, isto é, a
própria incompatibilidade entre corrupção e democracia:
[...] Na Idade Moderna a democracia pode ser vista como a atitude política que se opõe ao absolutismo: é representada segundo perspectiva liberal ou social. Na Idade Contemporânea a democracia apresenta-se como alternativa ao totalitarismo seja ideológico, seja tecnológico. No intuito de unificar tal percurso, pode-se dizer que a democracia está em antítese com o “maquiavelismo”, entendido como política desumana (que visa o poder, ao qual subordina o homem); em oposição a esta, a democracia é posta como política humana (a serviço do homem por uma convivência que permita a sua realização). [...] Em outras palavras, na democracia do século XX o conceito de povo compreende todos os homens, chamados a se expressarem politicamente através do sufrágio universal. Tal atitude parte do reconhecimento dos chamados direitos humanos, que devem ser reivindicados, buscados e realizado em sentido universal, conforme se vê ao longo de toda Idade Moderna, por isso denominada “era dos direitos” (Bobbio). [...] Nas palavras de Popper: “temos necessidade de liberdade para evitar o abuso de poder do Estado”. (ABBAGNANO, 2007, pp. 277-278).
Aristóteles classifica as formas de governo entre governos puros e impuros. O
primeiro é aquele governo que os titulares da soberania estão sob o domínio de um,
alguns ou de todos, que por outro lado, impuros são aqueles que não obedecem à
vontade do bem comum, que prevalece a vontade pessoal e particular dos
governantes contra os interesses da coletividade. (BONAVIDES, 2011).
A ideia dessa diferenciação entre o puro e impuro remete a perspectiva de
uma interpretação de que a corrupção e o governo impuro podem ser
compreendidos como sinônimos um do outro, posto que na corrupção não existe
vontade coletiva, somente vontade particular, logo sendo o governo corrupto este
não será benéfico à coletividade geral da sociedade. (BONAVIDES, 2011).
Portanto, fica claro que com a presença impura e corrupta na democracia e
principalmente a brasileira, não é possível que o povo seja ouvido, e por derradeiro,
se não há vontade popular, o que se há é outro governo menos o democrático, que
prevalece pela vontade particular. Uma vez a democracia vencida se transforma em
demagogia, um governo das multidões rudes e despóticas. (BONAVIDES, 2011).
Norberto Bobbio lembra que a Demagogia não é uma forma de governo e não
constitui um regime político, mas somente uma praxe política. É entendida como a
25
prática corrupta ou degeneralizada da politeia, instituindo um governo déspota
(BOBBIO, 1909).
Em sentido mais amplo, Aristóteles distingue a democracia em cinco formas,
sendo pertinente aqui somente uma, a última, que aponta que qualquer que seja o
direito político, será soberana a massa da população e não a lei, o que representa a
dominação dos demagogos, sendo a verdadeira forma corrupta do governo popular.
(BOBBIO, 1909).
Diante da discussão em que se permeia entre democracia e corrupção,
compreende-se que ficou cristalino que a presença corrupta prejudica o regime de
governo, pois inviabiliza a realização das suas características fundamentais, fazendo
com que deixe de ouvir a voz dos cidadãos, não prevalecendo o sufrágio universal e
inexistindo a vontade popular. (BONAVIDES, 2011).
A seção pretendeu demonstrar principalmente que:
A corrupção é um dos problemas mais sérios e complexos que assolam as novas e velhas democracias. O conhecimento convencional mostra que ela envolve o abuso do poder público para qualquer tipo de benefício privado, inclusive, vantagens para os partidos de governo em detrimento da oposição. (MOISÉS, 2010, p.1).
O fortalecimento da participação popular conforme foi ressaltado::
Apenas uma democracia real pode atingir as raízes do problema, na medida em que apodera o povo do espaço público com instâncias de participação direta e decisão no seu próprio destino. Assim, possibilita-se, por exemplo, a desburocratização das instituições públicas, além da retirada do caráter oculto do espaço público, conferindo transparência e legitimidade das referidas instituições pela real soberania popular. (CACICEDO, 2017, p. 18).
Reiterando, não é possível à existência da corrupção junto à democracia.
Quando essa situação ocorre, denomina-se que o regime de governo deixa de ser
democracia e passa a ser a cleptocracia, pois, ela se encaixa na definição do
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – MICHAELIS, como “sistema político em
que a corrupção em relação ao dinheiro público é tolerada ou admitida”.
(DICIONÁRIO, 2015).
Mesmo no regime democrático, com a instauração do modus operandi
corrupto, o governo ultrapassa os limites, atingindo os bens jurídicos tutelados, isso
porque os corruptos agem segundo as próprias vontades e paixões e não pela lei, e
com isso é estabelecida a cleptocracia. (DALLAGNOL, 2017).
26
Conclui-se então que sob a influência da corrupção, o Estado Democrático de
Direito que compõe o espírito do regime democrático, assume, paulatinamente, a
versão cleptocrática, justamente pelo governo de ladrões que utilizam de uma
fachada democrática pra abusar do poder. (FURLAN, 2011, p. 108).
Diante disso, uma vez em que os políticos possuem o dever de cumprir o
mandamento constitucional do artigo 1º que corresponde ao poder do povo, e sendo
este descumprido, há que se falar em abusos de deveres éticos e morais os quais
serão comentados a seguir.
3.1.1 Sobre a Democracia
Esta seção aborda diversas perspectivas de definição sobre democracia, de
modo a verificar a ocorrência corrupta dentro do regime democrático, abordando
suas características, objetivos e consequências dessa relação, contribuindo ainda
mais ao debate científico.
Anthony Downs define a democracia como interesses dos indivíduos e de
grupos políticos que estão em conflito. Nessa relação, o autor fundamenta que os
partidos políticos tem como objetivo somente de ganhar a eleição e ainda
fundamenta que os objetivos do governo é a perpetuação no poder. (DOWNS, 1956,
pp. 28-31 apud AVRITZER, 1996, p. 111).
Já para Renato Janine Ribeiro a democracia pode ser compreendida a
depender da situação local. Nesse sentido, existe a democracia da unanimidade e a
democracia da diferença. A primeira ocorre em situações em que determinado
regime de governo se torna insuportável à convivência e diante disso, ocorrem
revoluções, em que se luta por uma democracia e se presume que seja a vontade
de todos, por ser tão intolerável, ocorrendo, portanto, a vontade unânime por uma
democracia. (RIBEIRO, 2008, pp. 55-57).
Por outro lado, existe a figura da democracia da diferença que se baseia na
vigência dos direitos humanos, isto é, o direito de cada pessoa ter a opção de
escolha, de preferência sobre determinado conteúdo. (RIBEIRO, 2008, pp. 55-57).
Nesse sentido, conferir ao cidadão a opção, a preferência e a escolha são
reconhecimentos básicos da democracia que é formada através dos princípios de
27
liberdade e de igualdade, que formam a ideia de respeitar a diferença, caráter ligado
aos direitos humanos e fundamentais de cada cidadão. (PONTAROLLI, 2018, p.4).
É importante também destacar sobre a democracia constitucional de Luigi
Ferrajoli, tendo em vista sua natureza de estima contribuição. Isso porque, a
democracia constitucional é formada por um conjunto de limites ao poder estatal,
justamente para efetivar direito fundamentais aos cidadãos, garantindo mecanismos
que consigam reparar lesões a direito fundamental. (FERRAJOLI, 2010, p.27 apud
PONTAROLLI, 2018, p.4).
Robert Dahl questiona de forma incisiva e crítica “quão democrática é a
democracia nos países hoje chamados de democráticos?” (DAHL, 2001, p.14 apud
PONTAROLLI, 2018, p.5). Justamente para refletir que não basta um país se
declarar democrático, pois o que deve ser levado em consideração é o quanto
democrático ele de fato é.
Ademais, é de suma importância compreender que:
É pressuposto, portanto, de qualquer regime democrático, a limitação de interesses particulares em prol do interesse público, igualitário e distributivo. Tal postura é essencial, pois, enquanto entes individuais, as pessoas – físicas ou jurídicas – tendem buscar a concretização de interesses próprios, atuando com postura instintivamente desigualitária. [...] Assim, a verdadeira democracia deve se instrumentalizar de maneira a evitar que interesses particulares se sobressaiam, em prejuízo da igualdade política, o que pode acarretar a perversão autocrática do sistema pretensamente democrático. (PONTAROLLI, 2018, p. 6).
Ao comentar sobre os aspectos constitucionais e democráticos aos quais são
apontados por Ferrajoli, a Constituição Federal vigente no artigo 1º determinou que o
Brasil fosse constituído pelo Estado Democrático de Direito, isso significa a literal
rejeição de regras jurídicas totalitárias e desumanas de um regime autoritário,
posicionando-se contra a concentração de poder. Isso quer dizer necessariamente
que o país deve ser construído sob as normas democráticas, caracterizada, por
exemplo, pelas eleições livres, periódicas e pelo povo, contemplado pelo parágrafo
único do artigo supramencionado. Outra característica é o artigo 14 que disciplina a
presença da soberania popular e do sufrágio universal. (MORAES, 2017).
Existe uma correspondência que caminha no mesmo sentido dos exemplos
acima, onde Robert Dahl define como democracia verdadeira aquela composta por:
a) representantes eleitos; b) eleições livres, justas e frequentes; c) liberdade de
28
expressão; d) fontes alternativas e independentes de informação; e) cidadania
inclusiva. (DAHL, 2001, apud PONTAROLLI, 2018, pp. 4-5).
A soberania popular que emerge do artigo 1º, parágrafo único da Constituição
Federal, e que retrata uma democracia participativa e também representativa, trata-
se de uma mera declaração formal e desse poder pouco surte efeito. (TAVARES,
2012).
A indagação a ser feita é que se a vontade popular é a extinção da presença
corrupta no poder público, por que isso de fato não ocorre? A resposta é fácil de ser
respondida, a vontade do povo não prevalece. A população se posiciona, realiza
manifestações, entretanto, nada adianta.
Por fim, o conceito de democracia, de modo que na sua forma clássica e mais
encontrada nos livros, é entendida como a democracia o governo do povo e para o
povo, ou seja, o governo de todas as pessoas que têm seus direitos de cidadania no
país, distanciando-se, por exemplo, do governo de uma só pessoa ou do governo de
poucas pessoas. (BOBBIO, 1909).
Retomando a classificação de Aristóteles, e desde já fechando o raciocínio, a
democracia é considerada o terceiro tipo de governo, sendo precedida pela
monarquia e a aristocracia, nesta ordem respectivamente. Por ele, entende-se que
democracia é o governo que deve atender ao clamor da sociedade, da vontade do
povo, obedecendo aos princípios da liberdade e igualdade. (BONAVIDES, 2011).
3.1.2 Sobre a Cleptocracia
Conforme foi discorrido anteriormente, a cleptocracia nada mais é do que a
praxe de governar o país através de saqueadores do Estado. A palavra deriva,
segundo o Dicionário Online de Português, da junção de outras duas, sendo de
origem grega klépto, que significa roubar e cracia significa governo. (DICIO, 2018).
Em outras visões também se compreende da derivação das palavras cleptomania e
a democracia, sendo esta última já comentada.
Para além desse conceito brando, com mais exatidão exprime o Dicionário
Online de Português:
Sistema de governo que se baseia na prática da corrupção, da apropriação ilegal do capital financeiro de um país, em benefício próprio: as fraudes constantes, observadas no sistema público,
29
podem ser atribuídas ao fato de que a cleptocracia é o tipo de governo que rege aquele país. (DICIO, 2018).
Diante disso, através da participação da ciência da saúde mental a
Organização Mundial de Saúde define a cleptomania:
F63.2 – Roubo patológico (cleptomania). O transtorno é caracterizado por falhas repetidas em resistir a impulsos de roubar objetos que não são adquiridos para uso pessoal ou ganho monetário. [...] Há uma sensação crescente de tensão antes do ato e uma sensação de satisfação durante e imediatamente após. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993, p. 209).
Para a Associação Americana de Psiquiatria:
312.32 Cleptomania. Características Diagnósticas - a característica essencial da Cleptomania é o fracasso recorrente em resistir a impulsos de furtar objetos, embora esses não sejam necessários para o uso pessoal ou por seu valor monetário (Critério A). O indivíduo vivencia um sentimento de crescente tensão antes do furto (Critério B) e sente prazer, satisfação ou alívio ao cometer o furto (Critério C). O furto não é cometido para expressar raiva ou vingança, não é realizado em resposta a um delírio ou alucinação (Critério D), nem é explicado por Transtorno da Conduta, um Episódio Maníaco ou um Transtorno da Personalidade Anti-Social (Critério E). [...] Características e Transtornos Associativos - os indivíduos com Cleptomania vivenciam o impulso de furtar como egodistônicos e têm consciência de que o ato é errado e sem sentido. A pessoa com freqüência tem medo de ser apanhada e se sente deprimida ou culpada quanto aos furtos. [...] Prevalência - a Cleptomania é uma condição rara, que parece ocorrer em menos de 5% de pessoas que cometem furtos em lojas. Ela parece ser mais comum entre mulheres. (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 1995, p. 580).
A cleptocracia aproxima-se ao significado de corrupção em sentido amplo, na
forma de instrumento de desestabilização estatal. (FURLAN, 2011, p. 87). A
corrupção permite o nascimento e desenvolvimento da cleptocracia, onde a
finalidade é a criação de leis que favorecem o enriquecimento de indivíduos ou
grupos. (NIETO, 2008, p.154 apud FURLAN, 2011, p. 108).
Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito, ao passo em que se
descobre a verdadeira face da corrupção, revela-se um verdadeiro Estado
Cleptocrático de Direito. (FURLAN, 2011, p. 108). Ivo Patarra narra que a
cleptocracia se instalou no país através de um modelo de governança corrupta que
só foi descoberto todo o esquema através da operação Lava Jato. (PATARRA,
2017).
30
A cleptocracia não representa seu povo, sendo uma prática totalmente
antagônica à democracia. E por esta razão que ela gera crise de representatividade,
pois não é esta a vontade da população, já que prevalece somente a vontade de
poucos, de uma elite política e rica. (DALLAGNOL, 2017).
Fabiano Ferreira Furlan em sua tese de doutorado apresenta a relação
recíproca entre corrupção, democracia e a própria cleptocracia:
Não resta dúvida de que a cleptocracia encontra na corrupção a presença de um requisito constitutivo. Ocorre que, se a presença da corrupção não se afasta da cleptocracia, a aferição do seu agente deflagrador poderá influir na compreensão do tema. É que a cleptocracia pode assumir uma versão mais restrita se condicionada apenas à atuação dos agentes políticos, o político desprovido de honra. [...] Sustenta-se que a deflagração da cleptocracia como veículo impulsionador do Estado Cleptocrático de Direito não parte apenas da atuação corrupta dos agentes políticos, embora seja dada ênfase a esse aspecto no desenvolvimento que se apresenta. A cleptocracia passa a ser constituída por todo comportamento humano tendente a desestabilizar o equilíbrio democrático a partir da corrupção considerada em sentido amplo e protagonizada por particulares e agentes públicos. Trata-se simplesmente de compreensão lógico-racional da conjuntura estatal que é afetada pela corrupção desencadeada pelos vários atores que atuam no curso dessa conjuntura. (FURLAN, 2011, p. 110, grifo nosso).
Todas essas situações descritas caracterizam a Cleptocracia. Ademais o
autor inova as terminologias, sendo o Estado Cleptocrático de Direito e o Estado
Vampiro, que possuem sua etimologia da palavra cleptomania, sendo esta
conceituada como a prática de roubo de forma patológica, onde os políticos
“vampirizam” as estruturas democráticas. (FURLAN, 2011, p. 57).
O professor e jurista Modesto Carvalhosa aponta que a existência da
cleptocracia no Brasil persiste há mais de uma década e que ela somente poderá
ser superada quando superar os obstáculos estruturais, funcionais e culturais, pois
somente assim terá um governo decente. (CARVALHOSA, 2018, p. 56).
Continua ainda pontuando que a corrupção sistêmica é própria de um
governo cleptocrático que se caracteriza justamente pelo aparelhamento do Estado,
de modo a aprovar leis compradas (vale lembrar o caso Mensalão). (CARVALHOSA,
2018, p. 56).
Assim, a exemplo da prática imoral e sorrateira que ocorre no país é o roubo
público com a roupagem de legalidade, chamado Fundo Partidário, que desfalca o
dinheiro público onde os partidos políticos receberam o montante de R$ 2,7 bilhões
31
para financiamento de campanha referente ao ano de 2018. (CARVALHOSA, 2018,
p. 44).
Outra característica do governo cleptocrático que se instalou no Brasil é o fato
de os donos do poder não estão interessados em se legitimarem perante o povo,
pois seu objetivo é a própria perpetuação no poder para roubar o tesouro nacional e
ainda, astuciosamente ficar impunes através do foro privilegiado que leva até a
prescrição de seus crimes. (CARVALHOSA, 2018, p. 133).
O autor ainda mostra as consequências, isto é, os efeitos causados pela
cleptocracia institucional, onde:
[...] Os serviços administrativos existem apenas para garantir todo tipo de privilégios para os seus agentes e de instrumentos para todo tipo de corrupção. [...] Esse é o estado atual do serviço público no país em todos os setores essenciais: desmotivado, não equipado, pilhado, abandonado, desperdiçado e, sobretudo, isolado da sociedade. (CARVALHOSA, 2018, p. 134).
Ele também aborda um dos principais fatores que contribuiu para a expansão
corrupta no governo brasileiro. Embora os casos excepcionais, existe a discrepância
entre os setores público e privado, uma vez que os ocupantes de cargos públicos,
políticos e administrativos são detentores de enormes vantagens, enquanto que
pessoas físicas e jurídicas do setor privado arcam com os prejuízos causados pelo
primeiro grupo. (CARVALHOSA, 2018, p. 33).
Por fim, é importante ressaltar que o dano da corrupção o torna um crime de
outra natureza com relação aos demais, pois a perda de investimento de capital
público é irreparável, ao ponto de que o dano social e econômico é impossível de
dimensionar, o que leva também ao esgotamento dos recursos públicos.
(CARVALHOSA, 2018, p. 36).
3.1.3 Sobre a Ética e moralidade pública
Os servidores públicos de modo geral e principalmente os políticos deveriam
levar com mais seriedade o que é estabelecido no artigo 37 da Constituição Federal
de 1988, pois ali estão contidos os princípios norteadores da Administração Pública,
são valores fundamentais para uma gestão ética e moral.
Explica-se ética como uma ciência da conduta. E se subdivide em duas
concepções fundamentais da conduta, a primeira que considera a ética como ciência
32
do fim da conduta do homem e também como os meios para atingir este fim, quanto
os meios de natureza do homem. A segunda considera a ética como a ciência do
móvel, que se propõe a dirigir ou disciplinar a conduta. (ABBAGNANO, 2007).
A distinção entre as duas concepções consistem em que na primeira as
normas se originam do ideal da conduta, com propósito de dirigir a conduta do
homem, enquanto na segunda procura determinar à adequação da conduta do
homem à norma, além de fomentar o respeito mútuo e a justiça que são condições
para a sobrevivência humana. (ABBAGNANO, 2007).
Nesse sentido, a lei e a ética estão estritamente interligadas, uma vez que a
legislação faz de uma conduta uma obrigação, e automaticamente, desse dever faz
um motivo, e, portanto, a legislação passa a ser uma legislação ética. Diante disso, o
motivo pode ser entendido como aquele que cumpre a lei por dever de consciência.
Por outro lado, não será ética, de natureza somente jurídica, aquela legislação em
que não há relação entre o motivo e a lei. (COMPARATO, 2006).
Alinhando a conduta à norma, Kant compreende a ética consubstanciada na
humanidade, tratando o indivíduo como fim e nunca como meio, respaldado na
dignidade da pessoa humana. (ABBAGNANO, 2007).
Dentro do aspecto democrático, Habermas assegura que tanto direitos
humanos universais quanto a ideia de soberania popular são associados como
dimensões políticas da moral. Quanto ao primeiro, diz respeito à liberdade individual
e a autodeterminação moral. Nesse sentido, expressam a ideia de liberdade e
igualdade moral que permite aos indivíduos buscarem a regulamentação legal e
legítima de suas vidas em comum. De outro lado, encontra-se a democracia, que na
verdade representa a ideia de moral e soberania popular, que permitem aos
indivíduos o direito igual de participação política. (AVRITZER, 1996, p. 72-73).
Saindo do estudo jusfilosófico, e partindo para linha de Direito Constitucional
e Administrativo, ressalta-se que anteriormente à Constituição de 1988 não havia a
presença da moralidade administrativa. O princípio foi incluído justamente com a
Carta Cidadã que se preocupou com a ética na Administração Pública e com o
combate à corrupção e a impunidade no setor público. (DI PIETRO, 2019, p. 1.023).
De acordo como princípio da moralidade administrativa os agentes que
compõe a administração pública deve guardar respeito com os princípios éticos. Ele
é composto por outros dois, o princípio da lealdade e da boa-fé, que obrigam aos
33
agentes atuar na prestação do serviço com sinceridade e lhaneza, sendo defeso
qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, que tende a confundir,
dificultar ou minimizar os direitos de outrem. (DE MELLO, 2015, p. 123).
Portanto, a imoralidade administrativa está ligada a ideia de desvio de poder
do funcionário público, que utiliza de atividades legais para atingir fins ilegais. Nesse
sentido, a moralidade habita na intenção do agente. (DI PIETRO, 2019, p. 105).
Já a licitude e a honestidade ajudam a decifrar a diferença entre direito e
moral. Através dessa premissa permite-se afirmar que nem tudo o que é legal é
honesto (DI PIETRO, 2019, p. 104), isto é, fazendo a correlação entre ambos,
compreende que o ato pode até ser de direito, mas não necessariamente moral.
É possível compreender também a Constituição Federal não só exige que as
condutas dos agentes públicos se baseiem na legalidade, mas também em um
conceito moral que é vago e impreciso a qual a lei não define. (DI PIETRO, 2019, p.
104).
A Constituição também quis estabelecer que o comportamento público não
fosse somente lícito, mas também moral, de acordo com os bons costumes, as
regras de boa administração, em consonância com o principio da justiça e da
equidade, além do bem comum. (DI PIETRO, 2019, p. 422).
A respeito do princípio da boa administração, se os agentes seguissem
devidamente os cuidados aos quais pairam os conceitos de moralidade e ética,
certamente conseguiriam alcançar efetivamente uma administração de qualidade, e
consequentemente, não configurariam atos de improbidade. (MIGLIAVACCA;
SOVERAL, 2004, p. 225).
Diante de todo o exposto, considerando a contextualização da improbidade administrativa, o estudo sobre a moralidade administrativa e a ética, pode-se dizer que a probidade administrativa está diretamente relacionada com essa moralidade, sendo que atos desonestos e ineficientes acarretam a responsabilização dos agentes públicos por improbidade administrativa. E, em razão disto, é necessário que as normas existentes sejam efetivadas e a inquietude da sociedade frente a atos corruptivos e/ ou improbos permaneça para que exista a pressão social na prevenção desses atos. (MIGLIAVACCA; SOVERAL, 2004, pp. 224-225).
Ao passo em que o agente não só será responsabilizado pelos atos ímprobos,
mas também será pela ineficiência administrativa, pois nesse sentido, foi
descumprido o princípio da boa administração, o que reflete que os princípios e
34
valores aqui mencionados, formam uma só corrente de entendimento que fortalecem
o combate à má gestão pública. (MIGLIAVACCA; SOVERAL, 2004, pp. 224-225).
35
4. COMBATE À CORRUPÇÃO
4.1 Justiça e impunidade
A palavra impunidade teve uma crescente popularidade nos vocábulos dos
brasileiros e se tornou frequente já há algum tempo. Muitas vezes foi associada a
crimes de colarinho branco, homicídios, estupros e entre outros crimes repugnantes.
E com razão, pois os números de criminosos que são beneficiados pelo
ordenamento jurídico brasileiro são altos, conforme ficou cristalino através dos
dados estatísticos do item 2.1.
Existe uma questão muito controvertida que é o conceito de que somente os
ricos e os indivíduos privilegiados de determinada classe que possuem a “benesse”
da impunidade. Entretanto, é uma “verdade relativa”, tendo em vista que não é a
única impunidade que se é acometida, uma vez que o grande número de processos
que não seguem de uma fase para a outra está relacionado às pessoas de classes
menos favorecidas, é o que ocorre, por exemplo, dos ladrões que se quer são
investigados. (CRUZ, 2002, p.8).
Por outro lado, é notório que existe um cenário onde é mais fácil prender um
cidadão pobre à margem da miséria do que ocorrer a prisão de um engravatado
cheio de poder e influência que está disposto a fazer o que precisar para atingir seus
objetivos.
Nesse sentido, a analogia utilizada por Drew, velho fraudador da época vivida
por Sutherland, conforme narrada na obra “El delito de cuello blanco. White colar
crime: the uncut version” explica que a lei penal seria uma teia de aranha que só é
capaz de prender insetos menores, mas que permite que um inseto maior possa
escapar. (SUTHERLAND, 2009, p. 80 apud BECK, 2013, pp. 187-188).
Os defensores de poderosos muitas vezes precisam “ganhar tempo”, isso
inclui contornar a situação a fim de conseguir a liberdade do acusado. Diante disso,
interpolam medidas processuais como conexões internacionais, oitiva de
testemunha fora do país, exceções de incompetência e suspeição, perícias
complexas etc. (BECK, 2013, p. 191). São mecanismos que defensores de
acusados pobres se querem teriam a capacidade ou vontade para realizá-las.
36
Diante disso, compreende-se então através do ensinamento de Luís
Francisco Carvalho Filho que a impunidade não ocorre somente quando há
impossibilidade ou a ausência do Estado para impor a pena, mas também pelo fato
de quando o ordenamento ou o próprio magistrado que aplica a pena são
benevolentes para com determinado ato criminoso. (FILHO, 2004, p.1).
Diante dessa premissa, o sociólogo Levy Cruz define impunidade como:
Impunidade é o gozo da liberdade, ou de isenção de outros tipos de pena, por uma determinada pessoa, apesar de haver cometido alguma ação passível de penalidade. É a não aplicação de pena, mas também o não cumprimento, seja qual for o motivo, de pena imposta a alguém que praticou algum delito. (CRUZ, 2002, p.1).
Cruz ainda continua ao estabelecer alguns critérios para a tipificação da
impunidade. Didaticamente: a) existir infração de uma norma; b) a existência ou não
do desfecho processual; c) o resultado do processo (julgamento); d) se o indivíduo
cumpre ou não a pena.
Desses critérios se obtém o entendimento do que não é impunidade, que
acontece quando o indivíduo foi processado, julgado e condenado e estiver
cumprindo efetivamente a pena, portanto, se ocorrer essa situação está descartada
a hipótese em que se falar de impunidade. De outro lado, caracterizará impunidade
quando o indivíduo não for julgado, mas o processo está em andamento. (CRUZ,
2002, pp.1-2).
O fato de o processo “estar em andamento” é de interpretação dúbia que
permite a diversas perspectivas, seja ela positiva ou não. Nesse sentido, o autor
esclarece que deve haver “tempo razoável” para a conclusão do processo, mas ele
deixa fulgente a dificuldade de definir o que seria razoável para todos os tramites
processuais. Muito embora, é enfático ao deixar claro que haverá impunidade
quando o tempo processual sair da normalidade, ou seja, extrapolar os prazos
legais, e vier a ocorrer procedimentos protelatórios a via de buscar, por exemplo, a
prescrição do crime. (CRUZ, 2002, p.2).
Há correspondência na forma de estabelecer requisitos para identificar a
existência ou não da impunidade, na medida em que os critérios estabelecidos por
Levy Cruz possuem pontos de atenção que guarda semelhança com (RANQUETAT,
2011, p. 19), que através do ponto de vista objetivo (técnico) e subjetivo (ligado a
impressões individuais) utiliza de três premissas para estabelecer a impunidade,
sendo elas: a) a certeza do delito; b) julgamento pelo juízo competente; c) desfecho
37
do julgamento. Diante disso, é nítida a semelhança entre os dois autores em relação
aos requisitos da impunidade.
A impunidade não é somente sob o ponto de vista da ciência jurídica como
forma de política criminal, mas também ela é vista pela própria sociedade que é
vítima da injustiça e que por muitas vezes se revoltam, já que quando insatisfeitas
realizam movimentos sociais de protesto e busca mudança nessa situação.
A pior resposta que o Estado pode passar para seu povo é a instabilidade
institucional, insegurança jurídica e a impunidade, é a própria falta de efetivação de
forma concreta do dever de punir.
Diante dessa perspectiva social, a população sofre na prática com o alto
índice de violência, com o desemprego que atinge milhões de pessoas e que
amputam direitos e garantias fundamentais:
Por outro lado, a impunidade consistiria na sensação compartilhada entre os membros de uma dada cosicedade no sentido de que a punição de infratores é rara e/ou insuficiente. Disso derivaria a cultura da ausência de punição e/ou da displicência na aplicação de penas. Nessa “definição”, poderiam ser incluídos casos que não se enquadram no aspecto técnico acima descrito, como por exemplo, a lentidão excessiva no julgamento (que oferece ao suspeito mais liberdade do que “merecia”); e as penais mais brandas do que as esperadas pela sociedade ou parte dela. Outra compreensão subjetiva de impunidade diria respeito aquelas situações em que o próprio sistema judiciário absolve alguém que seria “sabidamente” culpado. (RANQUETAT, 2011, p. 19).
De acordo com os critérios acima descritos, Levy Cruz criou o Quadro da
Tipologia da Impunidade:
Tipo Situação do
suspeito ou
do réu*
Posição quanto ao processo
ou ao julgamento
Resultado do
julgamento
Situação do
condenado
(1) (2) (3) (4) (5)
1 Infrator Processo não aberto - -
2 Infrator Não julgado e processo
arquivado ou abandonado,
sem perspectivas de
retomada
- -
3 Infrator Julgado Condenado Livre
4 Infrator Julgado Absolvido -
38
5 Não infrator Julgado Absolvido -
6 Não infrator Julgado Condenado Cumprindo
pena
7 Não infrator Julgado Condenado Livre
(CRUZ, 2002, p.4).
* Trata-se de situação real, muitas vezes desconhecida de toda a sociedade.
Explicação do Quadro da Tipologia da Impunidade:
A discordância entre a impunidade judicial e a impunidade sociológica aparece nos tipos 4 e 5, aqui considerados de existência de impunidade quando, do ponto de vista jurídico, seriam de não impunidade, pela não existência de penas a aplicar (Silva, 1975: 802), já que o réu foi julgado e absolvido. No entanto, sociologicamente, considerando que o réu era, por definição, "infrator", e está "livre", considero esse tipo como de existência de impunidade. Nos tipos 5, 6 e 7 o infrator não se faz presente mas alguém foi julgado em seu lugar; portanto, o verdadeiro culpado continua livre; daí os três casos serem considerados como de impunidade. (CRUZ, 2002, p.4).
Acontece que nesse mundo de injustiça há um caminho de hipóteses onde
nem todo delito cometido é perseguido, nem todo delito perseguido é registrado,
nem todo delito registrado é averiguado pela polícia, nem todo delito averiguado é
denunciado, a denúncia nem sempre termina em juízo, o juízo nem sempre termina
em condenação. (RANQUETAT, 2011, p. 21).
E a razão pela qual o agente pratica o ato corrupto é porque, conforme as
informações e dados estatísticos apresentados, criou-se na sua mentalidade a
perspectiva diminuta de punição, razão pela qual opta pela venalidade como a
melhor a ser tomada. Diante disso, entende-se que a impunidade estimula o
cometimento não só da corrupção, mas de qualquer outro crime. (RANQUETAT,
2011, pp. 39-40).
Com isso, a impunidade transmite a sensação de injustiça para a sociedade e
mostra a ela que as instituições do país não conseguem proteger os bens jurídicos,
além de não conseguir punir com efetividade, apresentando um sistema falho e
ineficiente.
Nesse sentido, é de grande necessidade apresentar os aspectos mais
importantes sobre a relação existente entre os fenômenos da justiça e da
impunidade. O que se pretende é demostrar como a ausência de punição aos
39
corruptos enfraquece a democracia, destrói a confiança nas instituições e viola
direitos fundamentais.
Inicialmente, a abordagem sobre os aspectos de justiça têm em sua essência
os ensinamentos de John Rawls, onde explica que a justiça deve ser compreendida
como a primeira virtude das instituições sociais. Desse modo, toda teoria a respeito
deve ser verdadeira e se assim não o for, deverá ser rejeitada ou revisada, seja ela
uma lei ou instituição, ainda que seja eficiente, pois é caracterizada injusta por não
ser verdadeira.
Outro ponto importante sobre a justiça é que cada pessoa possui a sua
inviolabilidade baseada na justiça, pois nem mesmo pelo bem da sociedade pode
ser ignorada. É nítido que a justiça não justifica, sob a perda de liberdade de uns por
um bem maior aos outros, isto é, ela não permite com que ocorram sacrifícios a uma
quantidade pequena de pessoas tenham menor valor do que uma quantidade maior
de pessoas. Numa sociedade justa, a liberdade de cada cidadão é igual, os direitos
de cada um são assegurados e invioláveis.
É cediço então que essa é a melhor forma de ter uma sociedade justa,
entretanto é possível aceitar uma exceção que não vai de acordo com o que foi
ensinado aqui. Existe a hipótese de aceitar uma teoria errônea quando tiver a
ausência de uma teoria melhor, onde tolera a injustiça para evitar uma injustiça
ainda maior. (RAWLS, 1997, p. 4).
Diante dessas premissas ensinadas por Ralws é possível entender que a
corrupção de maneira alguma pode ser considerada como conduta justa, uma vez
que, como afirmado anteriormente, não é admitida a conduta que sacrifique a
liberdade de um grupo menos favorecido para beneficiar outros grupos, ou seja,
numa sociedade justa não se pode admitir a perda da liberdade de uns ao bem de
outros.
Outra característica da justiça sob o ponto de vista conceitual é que ela
remete a dois significados, sendo o primeiro como conformidade da conduta a uma
norma e a segunda como a eficiência de uma norma. Enquanto no primeiro,
disciplina sobre o comportamento humano, no segundo atribui a ideia de julgamento
das normas que regulam o próprio comportamento humano. (ABBAGNANO, 2007,
pp. 682-686).
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Ademais, ainda fazendo uma correlação entre a temática da pesquisa, o
primeiro conceito reforça o quanto é injusto o comportamento corrupto, uma vez que
estabelece que o transgressor da lei seja injusto e aquele que se conforma à lei é
uma pessoa justa. Observa-se que neste ponto, a definição de justiça está
estritamente ligada à lei, isto é, aquilo que é feito pelo Poder Legislativo.
No mesmo sentido caminha o entendimento de Hobbes ao compreender que
onde não há Estado como poder coercitivo que assegure a manutenção dos pactos
não existe justiça, nem injustiça. Kant também estabelece seu entendimento no
sentido de que deve ser incluído na sociedade que cada indivíduo possa ter
garantido o que é seu contra qualquer outro. O que fica claro na interpretação de
Kant é a liberdade e a proteção dos bens individuais, que pode ser entendido como
a proteção de todo cidadão da interferência estatal que intervir ao ponto de retirar o
que é seu e ao abuso do próprio particular ao direito de outro. (ABBAGNANO, 2007,
pp. 682-686).
Com relação à ideia de que seria justo aquilo que estiver em conformidade
com a lei, está o pensamento de Ulpiano no sen