A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade

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 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade Revista Cientifica 2006 Página 1 de 5» Carla Fornari Colpani Acadêmica de Direito – UNIPLAC – Universidade do Planalto Catarinense em Lages/SC. KATIA COMO A MONORAFIA DEFENDE A DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADE PENAL,E TAMBEM A IMPUNIDADE QUE ACONTECE, NA SEGURANÇA PUBLICA COMO POR EXEMPLO AUMENTO DA VIOLENCIA E ETC... ENTÃO SÓ RETIRAR DESTE TEXTO OS PONTOS QUE MOSTRA TAL IMPUNIDADE, E O DESCONTENTO COM ISTO Inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com a normativa internacional.  "Num momento em que se abre uma polêmica nacional, referente à redução da imputabilidade penal, inclusive com inúmeros projetos de lei em tramitação; num momento ainda em que a insegurança da sociedade, cada vez mais assustada com o aumento da criminalidade e da violência, gera discussões calorosas, acirradas e radicais sobre as soluções para o problema, há que se ter, antes de decisões possivelmente paliativas e equivocadas, uma visão mais ampla e profunda das características do adolescente infrator e do ato por ele cometido" (VIEIRA, 1999, p. 16). INTRODUÇÃO O pre sen te tra balho obj eti va compre ender a res pon sabiliz açã o penal do adolescente infrator, que ocorre através das medidas sócio- educativas, e a sensação da ilusão de impunidade. O principal objetivo é entender que, inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um

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A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidadeRevista Cientifica 2006 Página 1 de 5»

Carla Fornari Colpani Acadêmica de Direito – UNIPLAC – Universidade doPlanalto Catarinense em Lages/SC.

KATIA COMO A MONORAFIA DEFENDE A DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADEPENAL,E TAMBEM A IMPUNIDADE QUE ACONTECE, NA SEGURANÇAPUBLICA COMO POR EXEMPLO AUMENTO DA VIOLENCIA E ETC...ENTÃO SÓ RETIRAR DESTE TEXTO OS PONTOS QUE MOSTRA TALIMPUNIDADE, E O DESCONTENTO COM ISTO

Inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o

adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na

verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de

acordo inclusive com a normativa internacional.

 

"Num momento em que se abre uma polêmica nacional, referente

à redução da imputabilidade penal, inclusive com inúmeros projetos de lei

em tramitação; num momento ainda em que a insegurança da sociedade,

cada vez mais assustada com o aumento da criminalidade e da violência,

gera discussões calorosas, acirradas e radicais sobre as soluções para o

problema, há que se ter, antes de decisões possivelmente paliativas e

equivocadas, uma visão mais ampla e profunda das características do

adolescente infrator e do ato por ele cometido" (VIEIRA, 1999, p. 16).

INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva compreender a responsabilização

penal do adolescente infrator, que ocorre através das medidas sócio-

educativas, e a sensação da ilusão de impunidade.

O principal objetivo é entender que, inobstante a mídia forneça

dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com

a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um

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amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo

inclusive com a normativa internacional.

Diante disso, é inevitável e essencial a exploração do tema para

dirimir a ilusão de impunidade, o que só será alcançado através de uma

aplicação eficaz das medidas sócio-educativas, para a recuperação dos

adolescentesinfratores e a conseqüente preservação da segurança

pública.

A pesquisa produzida tem como finalidade primordial contribuir 

para a desconstrução do mito da impunidade, através do conhecimento

da responsabilização penal do adolescente infrator.

Na composição e estruturação do tema, empregou-se umametodologia baseada na pesquisa bibliográfica interdisciplinar, de forma

a garantir a logicidade da pesquisa, que se divide em três capítulos.

O primeiro capítulo, Histórico e Fundamentos da Legislação

voltada à Criança e ao Adolescente, consiste em considerações sobre a

evolução das normas e das instituições voltadas para a proteção e

responsabilização penal da criança e do adolescente, bem como a

normativa internacional e os princípios orientadores.Textos relacionados

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como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável O art. 28 da Lei de Drogas no Projeto de Lei nº 111/2010. Pena de

detenção ou tratamentoO segundo capítulo,  A Responsabilização Penal do Adolescente

Infrator, aborda o perfil do adolescente em conflito com a lei e as medidas

sócio-educativas, quais sejam, advertência, reparação do dano, prestação

de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e

internação, que são analisadas individualmente.

No terceiro capítulo, A Ilusão de

 

Impunidade, traça-se um paralelo

entre os mitos existentes sobre a responsabilização penal do adolescente

infrator, com o objetivo de demonstrar que existe uma ilusãode impunidade.

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Aborda-se inclusive, perspectivas e propostas para a

implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nas considerações finais, são sintetizadas algumas questões

específicas sobre a pesquisa.

1. HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA LEGISLAÇÃO VOLTADA À

CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Os interesses da criança e do adolescente sempre existiram, mas

nem sempre tiveram dimensão suficiente para fomentar o

reconhecimento de que suas relações pudessem interessar ao Direito,como explica Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 11):

Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos,

como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefícios da união

estariam contemplados pela proteção jurídica destinada aos últimos.

Figuravam, em regra, como meros objetos da intervenção do mundo

adulto, sendo exemplificativa a utilização da velha expressão pátrio poder ,

indicativa de uma gênese onde o Direito tinha como preocupaçãodisciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relação aos

filhos, suas crias.

Obviamente não existia a diferenciação que se conhece hoje, de

criança e adolescente [1], sendo inicialmente feita uma distinção que

atualmente conhecemos como sendo de direito civil,

entre menorespúberes e impúberes, até chegar-se aos conceitos

específicos, como o de inimputabilidade penal [2], por exemplo.

Isso se explica porque, como é sabido, nas primeiras civilizações,

as mulheres, crianças e estrangeiros não eram considerados cidadãos,

como informa John Boswell (apud MENDEZ, 1997, p. 11):

O resto da população permanecia, por toda a vida, numa situação

  jurídica equiparável à ‘ínfância’, no sentido de que tais relações

permaneciam sob o controle de algum outro. Um pai, um senhor, um

patrão, um marido, etc. Surge a tentação de deduzir, deste vínculo

lingüístico, que as crianças ocuparam a posição de escravos, mas é maisprovável que a conexão verbal seja ligada ao fato de que os próprios

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papéis sociais (escravo, servo, gleba, etc.) eram equivalentes ao papel

social da ‘criança’, quanto a poder e condição jurídica, seja qual fosse a

idade da pessoa.

Assim, a compreensão dos institutos jurídicos voltados para as

crianças e os adolescentes, depende de um conhecimento, em linhas

gerais, da evolução histórica desse ramo do Direito.

1.1.Precedentes Históricos

Desde a Antigüidade [3], tanto no Ocidente quanto no Oriente, os

filhos não eram considerados sujeitos de direito, durante a menoridade,

mas sim servos da autoridade paterna, como relata José de Farias

Tavares (2001, p. 46):

O regime era comum a diversos povos, oriundo das civilizações

primitivas. O poder do patriarcado romano tinha o mesmo absolutismo

no mundium do Direito germânico. O pai tinha o terrível  jus vitae

necissobre a pessoa do seu filho não emancipado, podendo aliená-lo, e

nos tempos mais recuados, até matá-lo. O filho "pertencia"

ao pater, palavra esta que, segundo alguns romanistas, significava muito

mais poder que paternidade propriamente dita, no sentido atual de

relação parental e afetuosa da família.

Em Esparta, a criança era objeto de Direito estatal, para ser 

aproveitada como futura formação dos contingentes guerreiros, com a

seleção precoce dos fisicamente mais aptos, e os infantes portadores de

deficiência, com malformações congênitas ou doentes, eram jogados nos

despenhadeiros.

O Código de Hamurabi [4] previa a pena de morte para o homem

que roubasse o filho menor de outro, demonstrando uma proteção

distinta, com base na idade.

No Direito Romano [5], os juristas distinguiam os menores púberes

dos impúberes, e era feita uma avaliação física para saber se o jovem era

púbere. Por outro lado, o povo judeu [6] amenizava a severidade das penas

quando os autores eram menores impúberes ou órfãos.

O Direito Medieval, de acordo com José de Farias Tavares (2001,

p. 48), atenuou a severidade de tratamento das pessoas de idade maistenra, em razão da influência do estoicismo e posteriormente do

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cristianismo. Já o Direito canônico manteve o princípio reverencial, que

tinha profunda repercussão na educação doméstica cristã.

No Período Feudal, relata Maria Auxiliadora Minahim

(apud SARAIVA, 2003, p. 14), que em países como a Itália e a Inglaterra,

era utilizado o método da ‘prova da maçã de Lubecca’, que consistia em

oferecer uma maçã e uma moeda à criança, sendo que se escolhida a

moeda, considerava-se comprovada a malícia, sendo inclusive aplicada

pena de morte a crianças de 10 e 11 anos.

Assim, só com o desenrolar da História, a evolução da cidadania e

o aperfeiçoamento das legislações, foram sendo criadas regras

específicas para a proteção da infância e da adolescência.

Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 14) enumera que,

do ponto de vista do Direito, em termos de responsabilização penal, é

possível dividir a história do Direito Juvenil em três etapas: a) de caráter 

penal indiferenciado; b) de caráter tutelar e c) de caráter penal juvenil.

A primeira etapa, marcada pelo caráter indiferenciado, vai do

século XIX até a primeira década do século XX, e caracterizou-se por 

considerar as crianças e os adolescentes da mesma forma que osadultos, na medida em que eram recolhidos no mesmo espaço.

Já o segundo momento, originado nos Estados Unidos, tem início

a partir do Século XX, fase em que a norma passa a ter um caráter tutelar.

A terceira etapa, a partir de 1959, inaugura um processo de

responsabilidade juvenil, caracterizada por conceitos como separação,

participação e responsabilidade.

1.2 Normativa Internacional

O estudo da normativa internacional [7] possui grande importância

porque a legislação brasileira é influenciada, em seu ordenamento

 jurídico, pelas normas internacionais [8].

João Batista Costa Saraiva (2003, p. 31) aduz que o primeiro

Tribunal de Menores foi criado em Ilinois, EUA, em 1899, sendo que a

partir da experiência americana, outros países aderiram à criação de

Tribunais de Menores, instituindo seus próprios juízos especiais:Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908, Argentina em 1921, Japão em

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1922, Brasil em 1923, Espanha em 1924, México em 1927 e o Chile em

1928.

De acordo com Munir Cury (2002, p. 12), a constatação

internacional de que as crianças e adolescentes necessitavam de uma

legislação especial foi prevista inicialmente em 1924, através da

Declaração de Genebra, que determinava a necessidade de proporcionar 

à criança uma proteção especial.

Os autores complementam que em 1948, a Declaração Universal

dos Direitos Humanos das Nações Unidas estabeleceu o direito a

cuidados e assistência especiais. Seguindo a mesma orientação, a

Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José daCosta Rica), em 1960, declarou em seu art. 19:

Toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua

condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do

Estado.

A Declaração dos Direitos da Criança, celebrada em 1959,

considerando os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas,

definiu os direitos universais das crianças, reconhecendo que a infância

tem direito a cuidados e assistências especiais. O art. 12 [9], da

Convenção, refere-se ao direito da criança manifestar a sua opinião e

expressá-la livremente.

Já o art. 40, caput, reconhece que mesmo no caso de violação às

leis penais, a criança e o adolescente merecem um tratamento

diferenciado, de modo a promover seu sentido de dignidade e valor,

objetivando-se a reintegração na sociedade:Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança, a quem

se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare

culpada de ter infringido as leis penais, de ser tratada de modo a

promover a estimular seu sentido de dignidade e valor, e fortalecerão o

respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades

fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e

a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho

construtivo da sociedade.

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As Regras de Beijing, recomendadas no 7º Congresso das Nações

Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do delinqüente, realizado

em Milão no período de 26.08 a 06.09.85, e adotada pela Assembléia Geral

em 29.11.85, estabelecem como orientação fundamental a necessidade de

promover o bem estar da criança e do adolescente, bem como de sua

família, prevendo que a Justiça da Infância e da Juventude será

concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento de

cada país, prevendo a Regra 7:

Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as

etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser 

informado das acusações, o direito de não responder, o direito àassistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à

confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação

ante uma autoridade superior.

Deve-se às essas regras a moderna inclinação no sentido de

restringir a delinqüência juvenil às infrações do Direito Penal, sem incluir 

assim fatos penalmente indiferentes.

Em 1980, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança foi

aprovada pela Assembléia das Nações Unidas, com natureza coercitiva,

exigindo dos Estados deveres e obrigações. De acordo com Josiane Rose

Petry Veronese (1997, p. 23): "Se fizéssemos um paralelo entre a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e o

Estatuto da Criança e do Adolescente poderíamos constatar a grande

afinidade entre os dois normativos". Fazendo um comparativo entre a

Convenção Internacional e a Declaração Universal dos Direitos daCriança, a autora (1997, p. 12) esclarece ainda que:

Nesse sentido, chama atenção o fato de que a Convenção

Internacional, diferentemente da Declaração Universal dos Direitos da

Criança, não se configura numa simples carta de intenções, uma vez que

tem natureza coercitiva e exige do Estado Parte que a subscreveu e

ratificou um determinado agir, consistindo, portanto, num documento que

expressa de forma clara, sem subterfúgios, a responsabilidade de todoscom o futuro.

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Em 14 de dezembro de 1990 a Assembléia Geral das Nações

Unidas publicou as Regras Mínimas para os Jovens Privados de

Liberdade, reconhecendo a vulnerabilidade dos adolescentes,

preconizando a necessidade de atenção e proteção especiais para que

sejam garantidos os direitos de cada adolescente, dispondo na Regra 2:

Os adolescentes só devem ser privados de liberdade de acordo

com os princípios e processos estabelecidos nestas Regras e nas Regras

Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e

da Juventude (Regras de Beijing). A privação de liberdade de um

adolescente deve ser uma medida de último recurso e pelo período

mínimo necessário e deve ser limitada a casos excepcionais. A duração

da sanção deve ser determinada por uma autoridade judicial, sem excluir a possibilidade de uma libertação antecipada.

Ainda em 1990, foram aprovadas as Diretrizes das Nações Unidas

para Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad,

reconhecendo que é necessário estabelecer critérios e estratégias

nacionais, regionais e inter-regionais para prevenir a delinqüência juvenil,

prevendo no art. 1º:

A prevenção da delinqüência juvenil é parte essencial da

prevenção do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas e

socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida

com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não

criminais.

Já no plano interno, a legislação brasileira é considerada a

primeira, dentre as legislações dos países latino-americanos, queincorporou em seu texto tanto as regras de proteção e de garantia dos

direitos do adolescente infrator como as de proteção da criança vítima de

abandono ou outra violência.

Percebe-se que, a normativa internacional sobre o tema possui

vastos e específicos dispositivos voltados para a proteção da infância e

  juventude, demonstrando a importância e seriedade que o assunto

envolve no âmbito internacional, e servindo de inspiração para olegislador brasileiro.

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1.3 Legislação Nacional e a Responsabilização Penal da Criança e doAdolescente

De acordo com Sônia Margarida (2002, p. 34), em palestra

realizada na IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente [10], o Brasil demorou cinco séculos para construir leis de

atenção à infância e à adolescência, atravessando os séculos XVI, XVII,

XVIII e XIX sem editar nenhuma disposição legal sobre o tema,

ponderando que:

Sabemos que este não é um dado sem significados. Isto diz muito

sobre as concepções de infância e de adolescência que têm sido

historicamente dominantes em nosso país, sobre as políticas que têm

sido elaboradas e sobre as que não têm sido desenvolvidas e

implementadas. Refletir sobre o atendimento prestado à infância e

adolescência significa pensar a própria história da infância e

adolescência brasileira.

A autora prossegue, dissertando sobre o tema, explicando que as

primeiras medidas educativas ou de política pública para a infância

brasileira foram a criação das ‘Casas de Roda’ [11], fundada na Bahia em

1726, a ‘Casa dos Enjeitados’, no Rio de Janeiro em 1738, e a ‘Casa dos

Expostos’, no Recife em 1789, destinadas a abrigar crianças e

adolescentes.

No período colonial [12], as crianças filhas de índios e escravos não

possuíam nenhum tipo de proteção legal e não podiam dispor nem sequer 

de um documento de identidade, o que demonstra que não tinham

nenhum direito assegurado legalmente.

No Brasil colônia, os espaços sociais eram absolutamente

distintos e imóveis. Assim, havia duas infâncias e adolescências e duasformas sociais de construção dessa fase da vida humana: a infância e

adolescência dos filhos brancos portugueses e a infância e adolescência

dos índios (MARGARIDA, 2001, p. 35).

Até 1830, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 23) explica que

vigoravam as Ordenações Filipinas, e a imputabilidade penal iniciava-se

aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe

redução da pena. A título de comparação com a o que estava

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acontecendo no cenário mundial no mesmo momento, o autor destaca

que:

Na Inglaterra se construía o embrião do Direito da Infância. Era

editada a primeira normativa de combate ao trabalho infantil, conhecida

como Carta dos Aprendizes, de 1802, ato que limitava a jornada de

trabalho à criança trabalhadora ao máximo de doze horas diárias e proibia

o trabalho noturno.

O autor prossegue explicando que em 1830, o primeiro Código

Penal brasileiro fixou a idade de imputabilidade plena em 14 anos,

prevendo um sistema biopsicológico para a punição de crianças entre 07

e 14 anos.

Já em 1890, o Código Republicano previa em seu art. 27, § 1º, que

irresponsável penalmente seria o menor com idade até 09 anos. Assim, o

maior de 09 anos e menor de 14 anos submeter-se-ia a avaliação do

Magistrado.

De outro lado, Paula Gomide (2002, p. 20) considera que a história

da política social brasileira voltada para as crianças e adolescentes pode

ser dividida em três fases.

A primeira fase caracteriza-se pela criação de programas de

assistência ao menor a cargo da assistência médica, cujas principais

medidas utilizadas eram de caráter profilático. Essa preocupação

culminou com a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à

Infância do Rio de Janeiro, em 1889.

Já na segunda fase, os termos ‘criança’ e ‘menor’ começam a ser 

diferenciados, sendo criadas instituições correcionais. É nessa etapa que

surge o primeiro Código de Menores [13], criado através do Decreto-Lei nº

17.947/27-A, no dia 12 de outubro de 1927, conhecido como o ‘Código de

Mello Matos’.

Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 26) relata que o Código de

Mello Mattos sintetizou, de maneira ampla e aperfeiçoada, leis e decretos

que se propunham a aprovar um mecanismo legal que desse atenção

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especial à criança e ao adolescente. A autora comenta ainda que o

Código substituiu concepções obsoletas, passando a assumir a

assistência ao menor de idade, sob a perspectiva educacional.

Paula Gomide (2002, p. 15) lembra que em 1930, os escritores

Jorge Amado e Anton Makarenko ofereceram às comunidades científica e

literária internacionais duas obras fundamentais para o entendimento das

questões referentes às crianças e adolescentes marginalizados, nos

seguintes termos:

MAKARENKO, consagrado educador russo, em 1933, publicou

Poemas Pedagógicos, onde narrou sua extraordinária experiência ao

dirigir uma instituição correcional para crianças e jovens considerados

antisociais. Em Capitães da Areia, publicado em 1937, Jorge Amado

retratou, com a precisão peculiar do romancista sensível que é, a

realidade em que viviam os meninos abandonados da cidade de Salvador.

A terceira fase é marcada pela criação do Serviço de Assistência

ao Menor (SAM), em 1941, e depois da Fundação Nacional do Bem Estar 

do Menor (FUNABEM) [14], em 1964, através da Lei nº 4.513/64, entidade

que deveria amparar, através de políticas básicas de prevenção e

centradas em atividades fora dos internatos e também através da medida

sócio-terapêutica, que compreendia as ações dirigidas

aosinfratores internados [15].

A inspiração para os discursos e para as novas legislações que

serão produzidas neste momento vem da legislação americana que, em

nome da proteção da criança e da sociedade, concedeu aos juizes o

poder de intervir nas famílias, particularmente nas famílias pobres e noschamados lares desfeitos, quando se julgava que, por sua influência, as

crianças poderiam ser encaminhadas para o crime (ABONG, 2001, p. 37).

Nessa época, como lembra Josiane Rose Petry Veronese (1998, p.

153), o Estado brasileiro não permitia a participação popular e armava-se

de mecanismos que lhe garantiam reprimir as formas de resistência

popular, como por exemplo, a centralização do poder. A própria

FUNABEM é um exemplo dessa centralização, pois a instituição foi

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delegada para ser administrada pela Política Nacional do Bem-Estar do

Menor (PNBEM). A autora complementa que:

A PNBEM, como as outras políticas sociais definidas neste

período do regime militar, revestiu-se com um manto extremamente

reformista e modernizador, passando a colocar em relevo uma perfeição

técnico-burocrática e metodológica. Dava-se ao problema do então

"menor" soluções pragmáticas e imediatistas, que se propunham

escamotear sua verdadeira natureza (VERONESE, 1998, p. 153-154).

O SAM tinha objetivos de natureza assistencial, enfatizando a

importância de estudos e pesquisas, bem como o atendimento

psicopedagógico, no entanto, não conseguiu contribuir suas finalidades,

como explica Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 32): "No entanto, o

SAM não conseguiu cumprir suas finalidades, sobretudo devido à sua

estrutura emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a métodos

inadequados de atendimento, que geraram revoltas naqueles que

deveriam ser amparados e orientados".

Sobre a FUNABEM, a autora relata (VERONESE, 1999, p. 35) que

serviu como instrumento de controle da sociedade civil, mas demonstrou

que não estava sendo eficiente, ante o crescimento do número de

crianças marginalizadas, além da incapacidade [16] de proporcionar a

reeducação.

No entanto, e infelizmente, apesar dos princípios ditos tuteladores

que fundamentavam a doutrina da "situação irregular", as instituições

que deveriam acolher e educar esta criança ou adolescente, no mais das

vezes não cumpriam este papel. Isso porque a metodologia aplicada, aoinvés de socializá-lo, o massificava, o despersonalizava, e deste modo, ao

contrário de criar estruturas sólidas, nos planos psicológico, biológico e

social, afastava este chamado menor em situação irregular ,

definitivamente, da vida comunitária (VERONESE, 1997, p. 96).

A Constituição Federal de 1934, abordou o tema de forma

genérica, referindo-se à maternidade e à infância, sendo que em todas as

constituições que se seguiram foram sendo acrescentadas previsões

expressas de um tratamento diferenciado para a criança e o adolescente,como explica José de Farias Tavares (1999, p. 13):

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A nível constitucional a preocupação do legislador brasileiro foi

consignada pela primeira vez na Constituição de 1934, art. 121, § 1º, d , e §

3º, arts. 139 e 150, parágrafo único, se bem que de forma genérica

referindo-se à maternidade e à infância. Na Carta autocrática de 1937:

arts. 16, XXVII, 127, 129 a 132 e 137, K, Constituição democrática de 1946:

arts. 157, IX, 164, 168, I a III. A Lex Magna de 1967: arts. 158, X, 167, § 4º,

168, § 3º, II e 170, que, com a Emenda 1/69, foram remunerados para,

respectivamente: arts. 165, X, 175, § 4º, 176, § 3º, II e 178.

O Código Penal de 1940 (Decreto-Lei nº 2.848, de dezembro de

1940), que está em vigor até hoje, estabeleceu a imputabilidade penal aos

18 anos de idade, em seu art. 27 [17].

Durante o regime militar, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 50)lembra que o Código Penal Militar – Decreto-Lei nº 1.001, de 21.10.1969,

fixou a imputabilidade penal, frente a crimes militares em 16, dispositivo

que só veio a ser totalmente revogado pela Constituição Federal de 1988.

Em 1979, na comemoração do Ano Internacional da Criança, foi

publicada a Lei nº 6.697/79, instituindo o segundo Código de Menores,

fundamentado na Doutrina da Situação Irregular [18].

Através da Lei nº 7.209, de 11.07.1984, foi dada nova redação àParte Geral do Código Penal, mantendo a imputabilidade penal aos 18

anos [19], observando assim um critério objetivo.

O governo de transição democrática editou o Decreto-Lei nº 2.318,

de 30 de dezembro de 1986, que dispunha sobre a iniciação ao trabalho

do menor assistido e instituía o "Programa do Bom Menino", depois, foi

publicado o Decreto nº 94.337 de 1987, que regulamentou o programa. Em

1987, através da Lei nº 7.644, houve a regulamentação da atividade da

‘mãe social’ [20].

Analisando a evolução histórica da legislação nacional

dispensada ao Direito da Criança e do Adolescente percebe-se que muito

embora tenham sido criadas normas específicas, estas não alcançaram

todos os objetivos propostos, pois as entidades de internação

apresentavam graves problemas, os quais persistem até hoje, como a

promiscuidade e a ausência de profissionais especializados, deixando-se

assim de garantir a proteção integral ao adolescente.

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Toda essa previsão legal, embora meritória mas utópica, não teve

correspondência na prática, já que não encontrou campo propício ao seu

desenvolvimento. É preciso, de uma vez por todas, que as nossas

autoridades se conscientizem de que os problemas sociais, econômicos e

mesmo políticos não se resolvem com a feitura de leis, que nunca

chegam a ser aplicadas, ou por serem inexeqüíveis ou porque são

elaboradas com o único propósito de se dar ao povo a impressão de que

alguma coisa está sendo feita (NOGUEIRA, 1996, p. 6).

Ou seja, ao dar prioridade para políticas excludentes, repressivas

e assistencialistas, o país perdeu a oportunidade de colocar em prática

políticas públicas capazes de promover a cidadania, como indica JosianeRose Petry Veronese (1998, p. 161):

Observou-se, outrossim, que a questão da criança e do

adolescente não deixou de ser, ao longo da história, contemplada em leis.

Todavia, raramente estas foram obedecidas, o que reforça a idéia de que

o ordenamento jurídico, por si só, não resolve os problemas sociais.

Urgem, portanto, medidas públicas adequadas à demanda. Faz-se

necessária a implantação de políticas que garantam acesso a umaeducação popular, ao trabalho e ao salário justo, como, também, é

imprescindível o engajamento de toda a sociedade, sobretudo daqueles

segmentos que detêm o capital e, dessa forma, têm condições de engajar-

se em campanhas e projetos alternativos que visem à criança e ao

adolescente, fazendo-os trilhar pelo caminho da consolidação da

cidadania.

Já a Constituição de 1988 foi mais abrangente, dispondo sobre aaprendizagem, trabalho e profissionalização, capacidade eleitoral ativa,

assistência social, seguridade e educação, programa de rádio e televisão,

proteção como múnus público, prerrogativas democráticas processuais,

incentivo à guarda, prevenção contra entorpecentes, defesa contra abuso

sexual, estímulo à adoção e a isonomia filial. [21]

Assim, pela primeira vez na história da legislação brasileira, a

criança e o adolescente são tratados como prioridade absoluta, sendo

dever da família, da sociedade e do Estado protegê-los.

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Em 1993, através da Lei nº 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência

Social (LOAS) e da Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), surge a inspiração para a implantação dos Conselhos de

Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares e dos

Conselhos Setoriais de políticas públicas.

Inspirando-se na legislação internacional, bem como em toda a

abrangência da Constituição Federal, com o advento do ‘Brasil Novo’, a

Lei nº 8.069/90 criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

revogando o Código de Menores, rompendo com a doutrina da situação

irregular, estabelecendo como diretriz a doutrina da proteção integral.

Ressalta-se que o ECA, além de prever a proteção integral, elevouo adolescente a categoria de responsável pelos atos considerados

infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-

educativas, revolucionando assim o entendimento até então existente, e

servindo de alento para a sociedade vitimada pela falta de segurança.

1.4 Princípios Orientadores

O ECA é regido por uma série de princípios, que servem para

orientar o intérprete, sendo os principais, conforme o entendimento dePaulo Lúcio Nogueira (1996, p. 15), os seguintes: Prevenção Geral,

Prevenção Especial, Atendimento Integral, Garantia Prioritária, Proteção

Estatal, Prevalência dos Interesses, Indisponibilidade, da Escolarização

Fundamental e Profissionalização, Reeducação e Reintegração,

Sigilosidade, Respeitabilidade, Gratuidade, Contraditório e Compromisso.

O Princípio da Prevenção Geral está previsto no art. 54, incisos I e

VII[22]

, e art. 70[23]

, segundo os quais, respectivamente, é dever do Estadoassegurar à criança e ao adolescente ensino fundamental obrigatório e

gratuito, e é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação

desses direitos.

Pelo Princípio da Prevenção Especial, expresso no art. 74 [24], o

Poder Público, através dos órgãos competentes, regulará as diversões e

espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas

etárias a que não se recomendem, locais e os horários em que sua

apresentação de mostre inadequada.

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O Princípio da Garantia Prioritária, consignado no art. 4, alíneas a,

b, c e d [25], estabelece que a criança e o adolescente devem receber 

prioridade no atendimento dos serviços públicos e na formulação e

execução das políticas sociais.

O Princípio da Proteção Estatal, evidenciado no art. 101 [26],

significa que programas de desenvolvimento serão estabelecidos visando

a formação biopsíquica, social, familiar e comunitária.

Seguindo a mesma orientação, os Princípios da Escolarização

Fundamental e Profissionalização, encontrados nos arts. 120, § 1º e 124,

inciso XI [27], tornam obrigatórias a escolarização e a profissionalização.

Já o Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor, criado

através do art. 6[28]

, orienta que na interpretação da lei, serão levados emconsideração os fins sociais a que o Estatuto se dirige, as exigências do

bem comum, os direitos e deveres indisponíveis e coletivos, e condição

peculiar do adolescente infrator de pessoa em desenvolvimento.

O Princípio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor e da

Sigilosidade, previsto no art. 27 [29], reconhece que o estado de filiação é

direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, observado o segredo

de justiça.

O Princípio da Reeducação e Reintegração, observado no art. 119,incisos I a IV [30], estabelece a necessidade da reeducação e reintegração

do adolescente infrator, através das medidas sócio-educativas e medidas

de proteção, promovendo socialmente a sua família, fornecendo-lhes

orientação e inserindo-os em programa oficial ou comunitário de auxílio e

assistência, bem como supervisionando a freqüência e o aproveitamento

escolar;

Pelo Princípio da Respeitabilidade e do Compromisso,

estabelecidos nos arts. 18, 124, inciso V e art. 178 [31], depreende-se que é

dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-

os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,

vexatório ou constrangedor, de acordo com os arts. 18, 124, inciso V e art.

178 [32], sendo que todos que assumirem a guarda ou tutela devem

responder bem e fielmente pelo desempenho do seu cargo.

O Princípio do Contraditório [33], previsto inicialmente no art. 5º, LV,

da Constituição Federal, garante aos adolescentes infratores ampla

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defesa e igualdade de tratamento no processo de apuração de ato

infracional, como dispõem os arts. 171 a 190 do Estatuto.

A Constituição Federal acolheu o princípio do contraditório como

um dos direitos indisponíveis do indivíduo, que, desde os primórdios, não

pode ser condenado sem antes ser ouvido. Aliás, Sêneca já ensinava que

é iníquo o julgador que sentencia sem ouvir o acusado (VALENTE, 2002,

p. 61).

Além disso, João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 16) considera

fundamental explicar que o ECA estrutura-se a partir de três sistemas de

garantia: o Sistema Primário, o Sistema Secundário e o Sistema Terciário.

O Sistema Primário versa sobre as políticas públicas de

atendimento a crianças e adolescentes, previstas nos arts. 4º e 87. O

Sistema Secundário aborda as medidas de proteção dirigidas a crianças e

adolescentes em situação de risco pessoal ou social, previstas nos arts.

98 e 101, e, por fim, o Sistema Terciário trata da responsabilização penal

do adolescente infrator, através das medidas sócio-educativas, previstas

no art. 112, que são aplicadas aos adolescentes que cometem atos

infracionais. O autor (2003, p. 24) complementa que:

Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas),

prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária

(medidas sócio-educativas), opera de forma harmônica, com acionamento

gradual de cada um deles. Quando a criança ou o adolescente escapar ao

sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo

grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o

adolescente em conflito com alei, atribuindo-se a ele a prática de algumato infracional, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas

socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado

genericamente de sistema de Justiça (Polícia/ Ministério Público/

Defensoria/ Judiciário/ Órgãos Executores das Medidas Socioeducativas).

Do exposto, depreende-se que o ECA fundamenta-se em

princípios jurídicos herdados de outras normas, como é o caso do

Princípio do Contraditório, assegurado inicialmente na ConstituiçãoFederal, bem como em fundamentos previstos em legislações

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internacionais, e que foram previstos de forma expressa em seus artigos,

tais como o Princípio da Prevenção Geral e da Proteção Estatal, expresso

no art. 4º, segundo o qual:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do

Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos

direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação à educação, ao esporte,

ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e a convivência familiar e comunitária.

Além desses princípios previstos na Constituição Federal e no

ECA, não podem ser esquecidas, conforme adverte Aloysio Nunes

Ferreira (2002, p. 22), em palestra na IV Conferência Nacional dos Direitos

da Criança e do Adolescente, das diretrizes que surgiram com o passar 

do tempo, através da efetivação de medidas de proteção, como é o caso

do Princípio da Descentralização das Ações, que significa o dever da

participação da sociedade, por meio das suas entidades representativas,

na proteção e reeducação dos adolescentes.

1.5 Doutrina da Situação Irregular e Doutrina da Proteção Integral

No mundo jurídico, para Emílio Garcia Mendez (1997, p. 12),

doutrina é o conjunto da produção teórica elaborada por todos aqueles

ligados, de uma ou de outra forma, ao tema, sob a ótica do saber, da

decisão ou execução. O autor entende ainda que:

Normalmente, em todas as áreas do direito dos adultos a

produção teórica encontra-se homogeneamente distribuída entre os

diferentes segmentos do sistema, o que, estimulando-se a pluralidade

dos pontos de vista, assegura eficazes contrapesos intelectuais na

interpretação das normas jurídicas.

A Doutrina da Proteção Integral substituiu a Doutrina da Situação

Irregular, fundamento do revogado Código de Menores, sendo que para a

compreensão da importância da doutrina atual faz-se necessário

discorrer, brevemente, sobre a doutrina que vigorava anteriormente.

A Doutrina da Situação Irregular definia o estado de ‘patologiasocial’, que quando constatado, indicava que o ‘menor’ deveria ser 

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alcançado pela norma. O revogado Código de Menores, em seu art. 2º

estabelecia que se considerava em situação irregular o menor: com

desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou

comunitária [34].

Os fundamentos jurídicos dessa doutrina remontam ao Congresso

Internacional de Menores, realizado em Paris, no período de 29 de junho a

1º de julho de 1911, momento em que se consagrou, de acordo com

Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 33), o binômio

carência/delinqüência.

Assim, o Código de Menores não garantia uma proteção

verdadeira para as crianças e adolescentes, pois se apoiava na falsa idéia

de que todos teriam as mesmas oportunidades sócio-econômicas, comose o caminho do crime fosse uma opção, garantindo proteção apenas nas

situações determinadas, conhecidas como ‘situações irregulares’

Sobre o mesmo assunto, Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 13)

explica que:

O Código revogado não passava de um Código Penal do "Menor",

disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de

verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas em medidas deproteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a

assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família;

tratava da situação irregular da criança e do jovem, que na realidade,

eram seres privados de seus direitos.

A Doutrina da Proteção Integral tem como antecedente direto a

Declaração dos Direitos da Criança (1959), condensando-se em quatro

documentos internacionais fundamentais: a Convenção Internacional dosDireitos da Criança, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a

Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), as Regras Mínimas

das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes

das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de

Riad).

No Brasil, por sua vez, foi inicialmente prevista na Constituição

Federal, no art. 227, que prevê:

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É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e

ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

Ou seja, de acordo com esta doutrina, todos os direitos da criança

e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo que estes direitos são

especiais e específicos, no dizer de João Batista Costa Saraiva (2002 a, p.

15), principalmente pela condição que ostentam de pessoas em

desenvolvimento. O autor complementa que:

A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição

Federal, que a consagra em seu art. 277, tendo sido acolhida pelo plenário

do Congresso Constituinte pela extraordinária votação de 435 votos

contra 8 [...] Na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, o

que se constata é que o País, o Estado e a Sociedade é que se encontram

em situação irregular.

Desta forma, consoante José de Farias Tavares (2002, p. 07),

enquanto o Código de Menorespreocupava-se tão somente com

os menores em situação irregular, o ECA inovou [35] ao abranger toda

criança e adolescente em qualquer situação jurídica, rompendo

definitivamente com a doutrina da situação irregular, assegurando que

cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno

desenvolvimento, mesmo que cometa um ato considerado ilícito.

Com essa nova orientação, aboliu-se o termo estigmatizante‘menor’, que passou a ser tratado como ‘criança’ ou ‘adolescente

infrator’, como sintetiza Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 15).

Na concepção técnico jurídica, "menor" designa aquela pessoa

que não atingiu ainda a maioridade, ou seja, 18 anos. A ele não se atribui

a imputabilidade penal, nos termos do art. 104 do ECA c/c art. 27 do CP.

Se isso não bastasse, a palavra "menor", com o sentido dado pelo antigo

Código de Menores, era sinônimo de carente, abandonado, delinqüente,infrator, egresso da FEBEM, trombadinha, pivete. A expressão "menor"

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reunia todos esses rótulos e os colocava sob o estigma da "situação

irregular".

Ou seja, a partir da entrada em vigor do ECA foram estabelecidas

as diretrizes para uma política pública que reconhece a condição especial

de pessoa em desenvolvimento, que as crianças e os adolescentes

merecem, tanto que, em seu art. 1º, prevê:

Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao

adolescente.

No entanto, é importante ressaltar que apesar do amplo sistema

de garantias previsto nessa lei, nem todos os seus objetivos foram

imediatamente alcançados, porque a sua efetivação depende de diversos

fatores, tais como a existência de medidas públicas e a diminuição da

criminalidade e da miséria, como lembra Cláudio Augusto Vieira da Silva

(2001, p. 13), ao apresentar a IV Conferência Nacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente:

Nestes anos todos de implantação do Estatuto da Criança e do

Adolescente, os índices de violência aumentaram significativamente,

assim como o empobrecimento da população. Na mesma medida,

crianças e adolescentes em um maior número estão sujeitos a violações

de múltiplas formas e o seu envolvimento em ações de conflito coma lei

numa relação direta tem aumentado.

Destarte, o ECA é uma legislação de acordo com todas as

diretrizes internacionais sobre os direitos das crianças e dos

adolescentes, e se não representa a solução para todos os problemas que

a infância e a adolescência brasileira encontram, certamente indica o

caminho, através da Doutrina da Proteção Integral.

2. A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ADOLESCENTE INFRATOR

O conceito de inimputabilidade penal do adolescente faz-se

imprescindível na compreensão do ECA, porque embora não sejam aplicadas

as sanções previstas no Código Penal, o adolescente em conflito com a lei é

responsabilizado, de maneira pedagógica e retributiva, através das medidas

sócio-educativas.

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  Apesar disso, a inimputabilidade não significa que ao adolescente

serão aplicadas medidas mais brandas do que aos maiores de 18 anos, uma

vez que há medidas sócio-educativas que têm a mesma correspondência das

penas alternativas, previstas no Código Penal, como a prestação de serviços

comunitários, por exemplo.Sobre a responsabilidade penal do adolescente,

Emílio Garcia Mendez apud João Batista Costa Saraiva (2003, p. 74-75) ensina

que:

 A construção jurídica da responsabilidade penal dos adolescentes no

ECA (de modo que foram eventualmente sancionados somente os atos típicos,

antijurídicos e culpáveis e não os atos ‘anti-sociais’ definidos casuisticamente

pelo Juiz de Menores), inspirada nos princípios do Direito Penal Mínimo

constitui uma conquista e um avanço extraordinário normativamenteconsagrados no ECA.

Para sofrer a ação estatal, a conduta deve ser reprovável, ou seja,

além de típica, deve ser antijurídica. Desta forma, não haverá culpabilidade

quando houver erro inevitável sobre a ilicitude do fato, erro inevitável a respeito

do fato que configuraria uma descriminante, obediência à ordem, não

manifestamente ilegal, de superior hierárquico e ainda a inexigibilidade de

conduta diversa na coação moral irresistível. [36]

  Além das medidas sócio-educativas, podem ser aplicadas outras

medidas específicas, como explica Josiane Rose Petry Veronese (1997, p.

100), como o encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de

responsabilidade; orientação e acompanhamento temporários; matrícula e

freqüência obrigatórias em escola pública de ensino fundamental, inclusão em

programas oficiais ou comunitários de auxílio à família e ao adolescente e

orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

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O ECA construiu um novo modelo de responsabilização penal do

adolescente, através de sanções aptas a interferir, limitar e até suprimir 

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temporariamente a liberdade, possuindo além do caráter sócio-educativo, uma

essência retributiva.

2.1 O Perfil do Adolescente Infrator 

 A adolescência, do ponto de vista da Psicologia [37], é uma fase que

além das modificações do corpo humano, é caracterizada pela definição de

identidades, através de mudanças na fixação do caráter e da afirmação da

personalidade do indivíduo, como explica Miguel Moacir Alves Lima (2002, p.

373):

 Além disso, a adolescência é uma fase evolutiva de grandes utopias

que, no geral, tendem a tornar mais problemática a relação do adolescente

com o ambiente social, porquanto sua pauta de valores e sua visão crítica darealidade, ora intuitiva ou reflexiva, acabam destoando da chamada ordem

instituída.

O ECA, com fundamento da Doutrina da Proteção Integral, bem como

Nos critérios médicos e psicológicos, considera o adolescente como pessoa em

desenvolvimento, prevendo que assim deve ser compreendida a pessoa que

possui entre 12 e 18 de idade [38].

Quando o adolescente comete uma conduta tipificada como delituosano Código Penal ou em leis especiais, passa a ser chamado de ‘adolescente

infrator’, e não de ‘menor’, como as legislações anteriores previam, bem como

ainda diversos meios de comunicação insistem em se referir, com manchetes

do tipo ‘menor assalta criança’, como esclarece João Batista Costa Saraiva

(2002 b, p. 88):

Pela nova ordem estabelecida, não se admitem manchetes de jornal do

tipo menor assalta criança, de manifesto cunho discriminatório, ondea criança era o filho bem-nascido, e o menor , o infrator. Esta espécie de

manifestação, comum no Brasil, ainda hoje, ainda presente na linguagem dos

próprios Tribunais, se constitui em legítimo produto de uma cultura excludente

 – norteador do anterior sistema – que distinguia crianças e adolescentes de

menores; que fazia uma divisão entre aqueles em situação regular dos demais

em situação irregular.

O adolescente infrator é inimputável perante as cominações previstas

no Código Penal, ou seja, não recebe as mesmas sanções que as pessoas quepossuem mais do que 18 anos de idade, vez que a inimputabilidade penal está

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prevista no art. 227 [39] da Constituição Federal, que fixa em 18 anos a idade de

responsabilidade penal e no art. 27 [40]do Código Penal, critério de política

criminal que varia entre os países [41]:

 A propósito de idade de responsabilidade penal, onde seguidamente os

Estados Unidos da América são invocados como paradigmas, cumpre destacar 

que em Estados como Califórnia, Arkansas e Wyoming a idade de

imputabilidade penal está fixada em 21 anos. Já países como índia, Paraguai e

Egito estabelecem a idade de imputabilidade penal em 15 anos (SARAIVA b,

2002, p. 54).

 Apesar de ser inimputável, o adolescente infrator é responsabilizado

pelos seus atos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, através das

medidas sócio-educativas.

Em pesquisa realizada no estado de Santa Catarina, Henriqueta Scharf 

Vieira [42] constatou que entre os adolescentes infratores, o maior índice de atos

infracionais é praticado por adolescentes do sexo masculino, com idade entre

16 e 17 anos:

Constatou-se que, do total de adolescentes entrevistados, 181 eram do

sexo masculino (92,34%) e apenas 15 do sexo feminino (7,66%). No tocante à

idade, verificou-se que a maioria dos adolescentes estava na faixa de 16 e 17anos de idade [...] O número de adolescentes que cometem ato infracional

aumenta gradativamente de acordo com o progresso na idade cronológica, de

forma bastante clara (VIEIRA, 1999, p. 23).

  Aliás, essa é a situação do resto do país, como depreende-se do

resultado da pesquisa de Mário Volpi [43]:

Quanto ao gênero dos adolescentes privados de liberdade, 3.987 –

94,8% - pertencem ao sexo masculino, enquanto 320 – apenas 5,2%, portanto  – pertencem ao sexo feminino [...] A permanência mais prolongada das

meninas no lar tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pela sua

maior frequência à escola, pela menor presença das mesmas nas ruas e pelo

seu menor envolvimento em ato infracional (VOLPI, 1999, p. 57-58).

 Apesar disso, de acordo com Simone Gonçalves de Assis e Patrícia

Constantino (2002, p. 20), nos Estados Unidos a taxa de crimes cometidos por 

adolescentes do sexo feminino vem aumentando:

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Dados do Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention para

1996 informam que o percentual de prisões de jovens tem se tornado maior 

que o dos adultos e que a taxa de crimes violentos cometidos por jovens do

sexo feminino vem crescendo mais do que a do sexo masculino (125% e 67%,

respectivamente), entre 1985 e 1994. Mesmo assim, o patamar masculino

continua muito acima do feminino.

Desta forma, a adolescência está estabelecida objetivamente com

início aos 12 anos e término aos 18 anos, sendo que a maior parte dos atos

infracionais é cometida por adolescentes infratores do sexo masculino, na faixa

etária entre 16 e 17 anos de idade.

2.1.1 Adolescente infrator portador de doença ou deficiência mentalQuando um adolescente infrator, portador de doença ou deficiência

mental, comete uma conduta tipificada na lei penal, de acordo com o art. 112, §

3º [44], do ECA, receberá atendimento individual e especializado, em local

adequado às suas condições.

Ou seja, assim como no Código Penal, que prevê em seu art. 26 que é

isento de pena o agente que possui doença mental ou desenvolvimento penal

incompleto, o ECA também estabeleceu um critério diferenciado para o

atendimento dos jovens que, se fossem adultos, seriam considerados

inimputáveis.

Essa é uma questão de grande importância, porque o adolescente

portador de doença mental não pode ficar internado com os demais, em razão

dos cuidados e atenção diferenciados que deve receber, afinal, como definiu

Douglas Tavolaro (2002, p. 17), "conhecer as peculiaridades da insanidade

enclausurada é tomar contato com uma realidade irreal que muitos preferem

ignorar. Estão ali pacientes que convivem com regras próprias num mundo que

se misturam medo, paixão e cólera".

João Batista Costa Saraiva (2003, p. 80) aduz que não é possível que

se permaneça a tratar igualmente os desiguais, supondo que um adolescente

portador de sofrimento psíquico, incapaz de discernir e neste caso sem

responsabilidade juvenil, submeta-se a uma medida sócio-educativa. O autor 

sugere que deve ser aplicada uma medida de proteção, como por exemplo a

internação em hospital psiquiátrico.

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Desta forma, são necessárias medidas que priorizem unidades

especiais de atendimento, voltadas para o adolescente com deficiência mental,

a fim de assegurar a sua recuperação de forma eficaz e preservar a

recuperação dos outros adolescentes infratores.

2.2 Ato Infracional

O ato infracional é uma ação praticada por um adolescente,

correspondente às ações definidas como crime cometidas pelos adultos, e está

definido no art. 103 [45], do ECA. Para Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 15):

No direito penal, o delito constitui uma ação típica, antijurídica, culpável

e punível. Já o adolescente infrator, embora inegavelmente causador de

problemas sociais graves, deve ser considerado como pessoa em

desenvolvimento, analisando-se aspectos como sua saúde física e emocional,

conflitos inerentes à idade cronológica, aspectos estruturais da personalidade e

situação sócio-econômica e familiar.

No entanto, é preciso ter em mente, como lembra José Jacob Valente

(2002, p. 66), que "a cada crime ou contravenção praticado por adolescente

não corresponde uma medida específica, ficando, como vimos, a critério do

 julgador escolher aquela mais adequada à hipótese em concreto".

Sobre os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais

em Santa Catarina, de acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 48), vão

desde a influência dos amigos, o uso de drogas, a evasão escolar, até a

pobreza.

Verifica-se que a influência de amigos, o uso de drogas e a pobreza

são as razões principais para a prática delituosa e se equilibram em termos

numéricos [...] As respostas demonstram a fragilidade do adolescente à

influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de

drogas.No Brasil, além das causas mencionadas, outra grande causa da

delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que sem

estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos

infracionais. De acordo com Mário Volpi (1999, p. 56-57):

  A grande maioria dos adolescentes pesquisados – 96,6% - não

concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos é de 15,4%. O

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número de adolescentes que concluíram o 2º grau, conseqüentemente, torna-

se praticamente nulo – 7 num total de 4.245 (cujas informações foram obtidas),

o que representa a ínfima parcela de 0,1% [...] dos 4.245 adolescentes, sujeitos

desta pesquisa, 2.498 – 61,2%, portanto – não freqüentavam a escola por 

ocasião da prática do ato infracional.

É o que aconteceu com o personagem ‘Busca-pé", do livro Cidade de

Deus (LINS, 1997, p. 14), que entre a oportunidade de estudar, e os atrativos

da rua, acabou sendo influenciado pela segunda opção, assim como a grande

maioria dos adolescentes:

Busca-pé mecanicamente verificou a hora, constatou que estava

atrasado para a aula de datilografia, mas que se foda (sic), já tinha perdido um

montão de aulas, mais uma não iria alterar nada. Não estava mesmo com saco

para ficar batendo à máquina por uma hora e não iria também ao colégio [...] A

vermelhidão precedera um corpo humano morto. O cinza daquele dia

intensificou-se de maneira apreensiva. Vermelhidão esparramando-se na

correnteza, mais um cadáver.

Depreende-se assim que os motivos que levam o adolescente a

cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos, sociais e

culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o uso de

drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas devem

atuar com maior urgência.

2.2.1 Procedimento de apuração de ato infracional

Quando um adolescente comete um ato infracional, a polícia militar é

acionada e a vítima deve registrar uma ocorrência, noticiando o fato para a

autoridade policial, sendo instaurado pela polícia civil um procedimento, com asprovas colhidas, que é então remetido para o Fórum.

Depois, o representante do Ministério Público (Promotor de Justiça)

notifica o adolescente para comparecer, acompanhado do seu responsável, na

promotoria de Justiça, para a Audiência de Apresentação.

Nesta ocasião, o Promotor de Justiça conversa com o adolescente, e

dependendo das provas colhidas, gravidade da infração e de ser caso ou nãode reiteração da prática de ato infracional, pode tomar as seguintes

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providências: arquivamento, aplicação de alguma das medidas sócio-

educativas e pela remissão, ou representação.

  A remissão [46] não se constitui em perdão, pois sem prejuízo de

aplicação da medida sócio-educativa, busca a supressão do processo judicial.

Faz-se admissível na fase pré-processual, antes do oferecimento da

Representação, quando será concedida pelo Ministério Público e terá como

efeito a exclusão do processo de conhecimento, ou então, na fase judicial, pelo

Juiz, ocasionando a exclusão ou suspensão do processo.

Tem seu parâmetro no art. 107, inciso V [47], do Código Penal, que trata

do perdão do ofendido e do perdão judicial, considerados causas extintivas da

punibilidade.É interessante notar que pode ser aplicada mesmo havendo somente

indícios de autoria e materialidade, sem que existam provas concretas da

prática do ato infracional, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 108):

Para a concessão da remissão não é necessário o reconhecimento ou

a comprovação da responsabilidade do infrator, ou seja, que existam provas

suficientes da autoria e da materialidade do ato infracional. Se existirem

apenas indícios do ilícito, o perdão poderá ser aplicado, de modo que orepresentante do Ministério Público não dará prosseguimento ao caso,

deixando de coletar provas e requisitar diligências complementares.

Vale lembrar que, de acordo com o art. 127 [48], do ECA, a remissão não

implica o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece

para efeito de antecedentes criminais.

Diferentemente das especificações previstas no Código Penal, todos os

atos infracionais cometidos por adolescentes infratores processam-se por açãopública incondicionada.

Caso o representante do Ministério Público entenda que a remissão

não alcançará seus objetivos, oferecerá a Representação, narrando a conduta

cometida pelo adolescente infrator, dando início ao processo de apuração de

ato infracional na fase judicial, sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa,

que culminará com a aplicação de alguma das medidas sócio-educativas.

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 Após o oferecimento da Representação, é marcada uma audiência de

apresentação, sendo que o juiz, após ouvir o representante do Ministério

Público, pode aplicar a remissão ou dar prosseguimento ao feito, e o

adolescente deve produzir sua defesa, através de testemunhas e demais

provas, contando inclusive com a defesa técnica de um advogado.

Obviamente, o procedimento da apuração do ato infracional, para

alcançar todos os resultados, depende de uma ação efetiva entre os membros

envolvidos, bem como de celeridade [49], a fim de que a medida sócio-educativa

seja aplicada logo após a prática do delito.

 Após a sentença final, contra as decisões extintivas do processo, com

  julgamento de mérito ou não, decisões homologatórias de remissão comextinção do processo, e decisões interlocutórias, cabem os recursos previstos

no Código de Processo Civil, como depreende-se do art. 198 [50], com as

alterações da lei especial.

Desta forma, conclui-se que o ECA estabeleceu o procedimento a ser 

adotado na apuração de ato infracional, adotando normas do direito processual

penal, e na fase recursal, normas do direito processual civil.

2.3 medidas sócio-educativas

O ECA, de acordo com João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 28), em

face de sua organização e medidas, pode ser dividido em duas vertentes:

medidas de proteção e as medidas sócio-educativas.

 As medidas de proteção, elencadas no art. 101 [51], do ECA destinam-se

às crianças e adolescentes, sempre que seus direitos reconhecidos forem

ameaçados ou violados, bem como, no caso de uma criança praticar uma

infração, a ela será aplicada alguma dessas medidas.

É o que aconteceria com o personagem ‘Dadinho’, da obra ‘Cidade de

Deus’, caso fosse surpreendido pela autoridade policial (Delegado de Polícia),

vez que com 06 anos de idade, só poderia receber a aplicação de uma medida

de proteção, através do Conselho Tutelar:

Dadinho gostava de levar as armas até perto do local a ser assaltado e

entregá-las aos bandidos. Entretanto a sua mentalidade de menino de seis

anos de idade não discernia o que estava fazendo. Sabia que era errado, mas

ter sempre um trocado no bolso para as guloseimas, as figurinhas dos álbuns

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dos times de futebol, as pipas, as linhas, as bolas de gudes e o pião valia a

pena (LINS, 1997, p. 184).

Já as medidas sócio-educativas, previstas no art. 112 [52], do ECA,

aplicam-se tão somente aos adolescentes autores de ato infracional, ou seja,

através delas ocorre a responsabilização penal do adolescente infrator, que

passa a ser sujeito responsável pelo seus atos, como aduz João Batista Costa

Saraiva (2002 a, p. 45):

Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente

instituiu no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal

Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico

em sua concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua forma,articulado sob o fundamento do garantismo penal de todos os princípios

norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos

princípios do Direito Penal Mínimo

De acordo com Olympio Sotto Maior (2002, p. 362), trata-se de um rol

taxativo, sendo portanto vedada a imposição de medidas diversas das

enunciadas.

Então, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que,

no contexto da proteção integral, receba ele medidas sócio-educativas

(portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de

desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva

integração social (CURY, 2002, p. 364).

 As medidas sócio-educativas devem ser aplicadas de acordo com as

características da infração, circunstâncias familiares e a disponibilidade de

programas específicos para o atendimento do adolescente infrator, garantindo-

se a reeducação e a ressocialização, bem como, tendo-se por base o Princípio

da Imediatidade, ou seja, logo após a prática do ato infracional, conforme

adverte Mário Volpi (1999, p. 42):

 A aplicação de medidas socioeducativas não pode acontecer isolada

do contexto social, político e econômico em que está envolvido o adolescente.

 Antes de tudo é preciso que o Estado organize políticas públicas infanto- juvenis. Somente com os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde,

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à educação, à cultura, esporte e lazer, e demais direitos universalizados, será

possível diminuir significativamente a prática de atos infracionais cometidos por 

adolescentes.

Conforme os arts. 111 [53] e 113 [54], do ECA, somente deverão ser 

aplicadas após o exercício do direito de defesa, levando-se em conta as

necessidades pedagógicas, priorizando-se aquelas medidas que visem o

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

  Assim, a responsabilização penal do adolescente infrator efetiva-se

através da aplicação das medidas sócio-educativas, que passarão a ser 

explicadas, individualmente, a seguir.

2.3.1 Advertência

 A Advertência é a medida sócio-educativa considerada mais branda,

pois consiste em uma admoestação verbal, feita pelo Promotor de Justiça ou

pelo Juiz e está definida no art. 115 [55], do ECA.

De acordo com Mário Volpi (1999, p. 23), a advertência constitui uma

medida admoestatória, informativa, formativa e imediata, devendo ser 

observado o princípio do contraditório na sua aplicação, como explica Paulo

Lúcio Nogueira (1996, p. 170):

  A advertência poderia dispensar perfeitamente o procedimento

contraditório, pois trata-se de admoestação verbal, que deveria ser imposta de

plano em face do boletim de ocorrência ou relatório policial. E sua imposição

estender-se-ia aos pais ou responsáveis, o que tornaria a medida mais

abrangente e eficaz, sendo apenas reduzida a termo. No entanto, dado o

formalismo do processo legal, que pressupõe contraditório e amplitude de

defesa, assim como apego às formalidades, também a advertência comomedida sócio-educativa não pode prescindir do processo legal, como, aliás,

têm reconhecido os tribunais.

Ou seja, a advertência consiste em censurar verbalmente o

adolescente, na presença de seus pais ou responsáveis, explicando a

ilegalidade da conduta praticada, bem como as conseqüências da reiteração da

prática de infrações.

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Dirige-se a adolescentes que não registrem antecedentes de atos

infracionais, e para os que praticaram atos de pouca gravidade, sendo possível

aplicá-la tanto na fase extrajudicial, quando da concessão da remissão pelo

representante do Ministério Público, homologado pelo juiz, assim como na fase

 judicial, quando é aplicada pela autoridade judicial, no curso da apuração do

ato infracional ou após a sentença final.

 À evidência, muito será exigido do juiz e do promotor de justiça, que

deverão avaliar com muito critério os casos apresentados, não ultrapassando

os limites do rigor nem, tampouco, sendo por demais tolerantes, sempre tendo

em vista as circunstâncias e conseqüências do fato, o contexto social, da

personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no atoinfracional (LIBERATI, 2002, p. 89).

De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 55), em Santa

Catarina a advertência é a medida sócio-educativa aplicada em 26,64% dos

casos, o que demonstra uma preocupação crescente na aplicação de medidas

em que não há a privação da liberdade.

É importante, para que sejam obtidos resultados efetivos, que a

advertência seja aplicada ao adolescente infrator logo em seguida à primeira

prática do ato infracional, e que não seja repetida diversas vezes, pois pode

acabar incutindo na mentalidade do adolescente que seus atos não são

responsabilizados de forma concreta, o que não é verdade.

2.3.2 Obrigação de reparar o dano

  A obrigação de reparar o dano caracteriza-se por ser coercitiva e

educativa, levando o adolescente a reconhecer o erro e repará-lo, estando

prevista no art. 116 [56], do ECA, que estabelece três hipóteses de reparação:

devolução da coisa, ressarcimento do prejuízo e a compensação do prejuízo

por qualquer meio.

Deve ser aplicada em procedimento contraditório, como adverte Wilson

Donizeti Liberati (2002, p. 89), assegurando-se ao adolescente a ampla defesa,

igualdade processual, presunção de inocência e a assistência técnica de

advogado.

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Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 180) explica que cabe à vítima entrar 

com o respectivo pedido de reparação, ou executar a sentença penal

condenatória, para obter o ressarcimento do dano sofrido. No entanto, o autor 

questiona a constitucionalidade da obrigação de reparar o dano, nos seguintes

termos:

 A medida de obrigação de reparar o dano, salvo melhor juízo, parece-

nos de duvidosa constitucionalidade, pois não pode o Juiz de Menores impô-la

como medida obrigatória, mas apenas tentar a composição do dano como

previa o Código de Menores revogado (art. 103), já que nem mesmo ao adulto

condenado criminalmente pode ser imposta pelo juiz a obrigação de reparar o

dano causado, nem mesmo como condição do sursis, embora a não-reparaçãodo dano causado pelo condenado constitua causa obrigatória de revogação

desse benefício.

 Apesar desse dissenso doutrinário, urge considerar que se trata de

uma medida com grande caráter pedagógico, pois ensina ao adolescente o

respeito por tudo que pertence às outras pessoas, proporcionando o

desenvolvimento, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 90), "do

senso por responsabilidade daquilo que não é seu".

Em Santa Catarina, é aplicada em 1,10% dos casos, conformecomprovou Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 59):

 A medida sócio-educativa de obrigação de reparar o dano, embora

simples, de fácil aplicação e bastante pedagógica, não foi muito usada nas

Comarcas pesquisadas [...] Tal fato reflete, talvez, um certo esquecimento por 

parte de Promotores de Justiça e Juízes da Infância e Juventude dos

benefícios desta, ressalvada, é claro, a possibilidade do adolescente em

compensar o prejuízo causado.

 Assim, depreende-se que a obrigação de reparar o dano é uma das

medidas que mais possui caráter pedagógico, porque através de uma

imposição, faz com que o adolescente reconheça a ilicitude dos seus atos, bem

como garante à vítima a reparação do dano sofrido e o reconhecimento de que

o adolescente é responsabilizado por seus atos.

Contudo, a efetividade da reparação do dano, através do ressarcimentodo prejuízo, esbarra na impossibilidade do cumprimento, ante as condições

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financeiras do adolescente infrator e da sua família, o que pode ser agravado

quando se tratam de irmãos que cometem o mesmo ato.

2.3.3 Prestação de serviços à comunidade

 A Prestação de Serviços à Comunidade [57] que constitui, na esfera

penal, pena restritiva de direitos, está prevista no art. 117 do ECA, propondo a

ressocialização do adolescente infrator através de um conjunto de ações, como

alternativa à internação.

Deve ser aplicada de acordo com a gravidade e os efeitos do ato

infracional cometido, a fim de mostrar ao adolescente os prejuízos causados

pelos seus atos, sendo necessária a colaboração da comunidade, na

fiscalização do cumprimento da medida.

O ideal seria que o serviço fosse prestado de acordo com o ato

infracional praticado. Assim, o pichador de paredes ficaria obrigado a limpá-las;

o causador de algum dano a repará-lo [...] Mas, para que esse tipo de punição

surtisse efeito, seria indispensável a colaboração da comunidade na sua

aplicação, pois a simples imposição, sem a correspondente fiscalização do seu

cumprimento, torna-se uma medida inócua sem qualquer resultado

(NOGUEIRA, 1996, p. 182-183).

É importante considerar que as tarefas não podem prejudicar o horário

escolar, tendo como tempo de execução máximo um semestre, devendo ser 

atribuídas conforme a aptidão do adolescente.

 A medida favorece o desenvolvimento do sentimento de solidariedade,

pela oportunidade de conviver com desfavorecidos, desvalidos, doentes

mentais e excluídos sociais, através da realização de tarefas de interesse

coletivo.

Foi a medida mais aplicada aos adolescentes infratores em Santa

Catarina, entre os anos de 1995 a 1998, possibilitando assim aos adolescentes

a reeducação sem a privação da liberdade:

 A medida de prestação de serviços à comunidade foi a mais aplicada

entre todas as medidas sócio-educativas (39,23%), sendo que Florianópolis,

Itajaí, Blumenau, Chapecó e Lages apresentam números significativos. Tal

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fato, como dito anteriormente, mostra a preocupação crescente em adequar-se

a medida às condições do adolescente, preferindo-se aquela que o mantém no

próprio meio e que lhe possibilite reflexão sobre si próprio e sua conduta, no

contexto social (VIEIRA, 1999, p. 59-60).

Desta forma, a prestação de serviços à comunidade garante ao

adolescente infrator a possibilidade de ressocializar-se perante o ambiente em

que vive, mostrando-se útil, através da realização de tarefas não remuneradas.

2.3.4 Liberdade assistida

  A Liberdade Assistida consiste em acompanhar e orientar o

adolescente, objetivando a integração familiar e comunitária, através do apoio

de assistentes sociais e técnicos especializados, e está prevista nos arts.

118 [58] e 119[59], do ECA.

Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade

de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família).

Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado,

garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano,

manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, e inserção no mercado

de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos (VOLPI, 2002, p. 24).

O programa de liberdade assistida exige uma equipe de orientadores

sociais, que são designados pelo juiz, sendo que "deverão os técnicos ou as

entidades desempenhar sua missão através de estudo de caso, de métodos de

abordagem, organização técnica da aplicação da medida e designação de

agente capaz" (LIBERATI, 2002, p. 93).

  A duração da medida é limitada a seis meses, de acordo com o

parágrafo 2º, do art. 118, do ECA, e pode ser prorrogada, revogada ou

substituída por outra medida. É interessante notar, através dos incisos do art.

119, que essa medida cuida também de preservar os laços familiares, a

escolaridade e a profissionalização.

Deve ser aplicada nos casos de reincidência ou prática habitual de atos

infracionais, enquanto o adolescente demonstrar que necessita de

acompanhamento e orientação, vez que o ECA não prevê prazo máximo para ocumprimento da medida.

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Em Santa Catarina, a liberdade assistida vem sendo aplicada em

25,87% dos casos (VIEIRA, 1999, p. 60), o que denota a existência de

programas específicos, bem como o reconhecimento do benefício pedagógico

da medida.

Para Olympio Sotto Mayor (2002, p. 364), a liberdade assistida é a

medida que se mostra com as melhores condições de êxito, nos seguintes

termos:

Nesta ótica, não temos dúvida em afirmar que, do elenco das medidas

sócio-educativas, que se mostra com as melhores condições de êxito é a

da liberdade-assistida, porquanto se desenvolve direcionada a interferir na

realidade familiar e social do adolescente, tencionando resgatar, mediante

apoio técnico, as suas potencialidades. O acompanhamento, como a inserção

no sistema educacional e do mercado de trabalho, certamente importarão o

estabelecimento de projeto de vida capaz de produzir ruptura com a prática de

delitos, reforçados que restarão os vínculos entre o adolescente, seu grupo de

convivência e a comunidade.

 A liberdade assistida é assim uma medida aplicada aos adolescentes

que cometem atos infracionais considerados de maior gravidade, mas queainda não comportam a privação total da liberdade, significando assim a

possibilidade de o adolescente infrator reconhecer a responsabilidade de seus

atos e repensar a sua conduta, vez que vai contar com o apoio psicológico e de

assistentes sociais, durante o processo do cumprimento da medida.

2.3.5 Semiliberdade

 A medida sócio-educativa de semiliberdade está prevista no art. 120 [60],

do ECA, sendo coercitiva, vez que afasta o adolescente do convívio familiar eda comunidade, sem contudo restringir totalmente o direito de ir e vir, pois se

destina aos adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e à

noite recolhem-se em uma entidade específica.

De acordo com Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 95), existem duas

formas de semiliberdade, sendo a primeira a determinada pela autoridade

 judiciária desde o início, após a prática do ato infracional, através do devido

processo legal, e a segunda, ocorre quando o adolescente internado é

beneficiado com a mudança de regime, de internamento para a semiliberdade.

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 A medida consiste na permanência do adolescente infrator em algum

estabelecimento próprio, determinado pelo Juiz, com a possibilidade de

atividades externas, sendo obrigatórias a escolarização e a profissionalização.

No Brasil, a aplicação desse regime esbarra na falta de unidades

específicas para abrigar os adolescentes só durante a noite, e aplicar medidas

pedagógicas durante o dia, como constatou Mário Volpi (2002, p. 26):

 A falta de unidade nos critérios, por parte do judiciário na aplicação de

semiliberdade, bem como a falta de avaliações das atuais propostas, têm

impedido a potencialização dessa abordagem. Por isso propõe-se que os

programas de semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma

destinada a adolescentes em transição da internação para a liberdade e/ou

regressão da medida; e a outra aplicada como primeira medida sócio-educativa

(VOLPI, 2002, p. 26).

Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 61) chegou à

mesma conclusão, no sentido de que a inaplicabilidade da medida deve-se à

inexistência de programas específicos:

Sendo uma medida de transição para o meio aberto ou determinada

desde o início, é incontestável sua necessidade em muitos casos. Contudo, é

fácil deduzir que a sua não-utilização na grande maioria das Comarcas

catarinenses ocorre devido à absoluta inexistência de um programa a ampará-

la, fato constatado no Inquérito Civil Público nº 01/95, instaurado pelo

Procurador-Geral de Justiça, para apurar as Políticas Públicas na área da

Infância e Juventude.

Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 186) relata que em São Paulo também

não existem estabelecimentos que permitam o cumprimento da semiliberdade:

Também é de reconhecer que não existem estabelecimentos no Estado

de São Paulo que comportem o regime de semiliberdade para os adolescentes,

os quais deveriam passar o dia trabalhando externamente e só se recolher à

noite ao estabelecimento.

Ou seja, a medida sócio-educativa de semiliberdade, apesar do

evidente caráter pedagógico a que se propõe, em permitir que o adolescente

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trabalhe e estude durante o dia, não vem recebendo aplicabilidade na prática,

pela ausência de programas específicos.

2.3.6 Internação

  A medida sócio-educativa de Internação consiste na privação daliberdade do adolescente infrator, e está prevista no art. 121 [61], do ECA, sujeita

aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar 

de pessoa em desenvolvimento [62] do adolescente.

O tempo da internação poderá ser de no mínimo 6 meses e não pode

exceder o prazo de três anos, sendo que o adolescente deve ser liberado

quando completar 18 anos de idade [63].

Deve ser proposta pelo representante do Ministério Público e aplicada

pelo Juiz somente nos casos mais graves, que se fizer realmente necessária,

como depreende-se do art. 122 [64], do ECA, ou seja, nos casos de ato

infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, por 

reiteração no cometimento, por descumprimento reiterado e injustificável da

medida anteriormente imposta, sendo um rol taxativo e exaustivo.

É a mais severa das medidas sócio-educativas estabelecidas no

Estatuto. Priva o adolescente de sua liberdade física - direito de ir e vir – à

vontade [...] O adolescente poderá trabalhar e estudar fora do estabelecimentoonde é recolhido, se não oferecer perigo à segurança pública ou à sua própria

incolumidade, segundo avaliação criteriosa da equipe interprofissional que

assessora a Justiça da Infância e da Juventude (TAVARES, 1999, p. 118).

Deve ser aplicada somente quando se fizer realmente necessária, pois

como lembra Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 99), provoca nos adolescentes

insegurança, agressividade e frustração, e além disso, afasta-se dos objetivos

pedagógicos das outras medidas.

Na verdade, por melhor que seja a entidade de atendimento, a

internação deve ser aplicada de forma excepcional, porque provoca no

adolescente os sentimentos de insegurança, agressividade e frustração,

acarreta exacerbado ônus financeiro e não responde às dimensões do

problema.

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O ideal é que a entidade de internação seja dotada de profissionais

especializados, com propostas pedagógicas, pautadas em critérios de

criminologia, para permitir a reeducação do adolescente infrator.

 Até porque, a falta de entidades especializadas, com profissionais

preparados, já mostrou suas conseqüências, quais sejam, as rebeliões na

FEBEM, nas grandes cidades.

O adolescente infrator privado de liberdade possui direitos específicos,

delimitados no art. 124 [65], do ECA, como o de entrevistar-se pessoalmente

com o representante do Ministério Público, receber visitas, ter acesso aos

meios de comunicação social e permanecer internado na mesma localidade ou

naquela mais próxima ao domicílio de seus pais.

Ou seja, a contenção não é em si a medida sócio-educativa, é a

condição para que ela seja aplicada. De outro modo ainda: a restrição da

liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e

vir e não a outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na

perspectiva cidadã (VOLPI, 1999, p. 28).

De acordo com o art. 122, inciso III [66], do ECA, existe a possibilidade

da aplicação da internação, em caso do descumprimento reiterado e

injustificado da medida anteriormente imposta. Como exemplo, pode ser 

determinada a internação do adolescente que não cumpre todo o período da

prestação de serviços à comunidade, de forma reiterada.

Conforme Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2001, p. 185) quando da

elaboração deste dispositivo, houve quem argumentasse a necessidade do

internamento por até três meses, para dar um "susto" no adolescente, sendo

que ele ponderou o seguinte:

Inconformado com tal naipe de raciocínio, respondi que só defendia

esse ponto de vista quem tinha certeza de que os próprios filhos jamais seriam

encaminhados para uma unidade de internação, onde o susto pelo qual se quer 

que os filhos dos outros passem pudesse implicar a prática de violências

físicas, psicológicas e sexuais.

  A internação objetiva assim, através da privação da liberdade doadolescente infrator, a ressocialização e a reeducação, demonstrando ao

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adolescente que a limitação do exercício pleno do direito de ir e vir é a

conseqüência da prática de atos delituosos.

3. A ILUSÃO DE IMPUNIDADE

 A delinqüência juvenil vem se mostrando um tema angustiante, porquea maioria das pessoas desconhece o amplo sistema de garantias do ECA e

acredita que o adolescente infrator, por ser inimputável, acaba não sendo

responsabilizado pelos seus atos, o que não é verdade, conforme se

demonstrou, vez que a responsabilização penal do adolescente se dá através

das medidas sócio-educativas, como sintetiza Josiane Rose Petry Veronese

(1997, p. 100):

O Estatuto da Criança e do Adolescente não incorporou em seusdispositivos o sentido da acusação. Apesar de não ocultar a necessidade de

responsabilização social do adolescente infrator, no entanto, esta não resulta

em pena. Ser-lhe-á aplicada uma medida sócio-educativa – art. 112 -, que

poderá ser a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de

serviços comunitários, a imposição da liberdade assistida, e a internação em

estabelecimento educacional, a qual será sempre breve e de caráter 

excepcional – art. 227, parágrafo 3º, V da CF.

Na verdade, a opinião pública é baseada nas informações passadas

pela mídia [67], que com freqüência alerta para o aumento da violência, tentando

fazer crer que os adolescentes infratores são os responsáveis pelo aumento

desses índices, bem como que nada acontece para os adolescentes que

cometem ato infracional, formando uma visão preconceituosa e reacionária

contra o adolescente em confronto com a lei.

Como alerta Karina Sposato [68] (2001, p. 54), que realizou uma

pesquisa sobre a relação entre a criminalidade e a televisão, o grau deviolência com que a opinião pública vai atuar está relacionado com a

importância com que as pessoas atribuem a determinado acontecimento.

É preciso considerar também que, além da influência dos meios de

comunicação, a ilusão de impunidade foi herdada da Doutrina da Situação

Irregular, que ainda se faz presente no imaginário coletivo, como aduz João

Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 31):

Textos relacionados

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"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidadedelitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976

 A repressão criminal como reprodução da violência  Aspectos medico-legais do estupro: perícia  A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se

como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável O art. 28 da Lei de Drogas no Projeto de Lei nº 111/2010. Pena de

detenção ou tratamento

 A expressãocom menor não dá nada, de vezo discriminatório e

preconceituoso, ainda se faz presente no inconsciente coletivo, decorrente de

uma apreensão equivocada da legislação. Percepção distorcida, que se faz

produto da antiga doutrina da situação irregular, montada sobre a idéia

fundante de que o infrator necessitava de um certo tratamento, como se

portador de uma moléstia. Assim, os meios de comunicação veiculam diariamente informações

sem respaldo em dados concretos, tentando disseminar diversos mitos, que

podem ser classificados, de acordo com Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b,

p. 33), em três categorias, quais sejam: mito do hiperdimensionamento do

problema, mito da periculosidade do adolescente, e o mito da impunidade, que

serão analisados individualmente, adiante.- 3.1 Mito do Hiperdimensionamento do Problema

O mito do hiperdimensionamento do problema resulta de umamanipulação de informações, por parte da mídia, que passa à opinião pública a

falsa idéia de que há cada vez mais adolescentes envolvidos com a

criminalidade.

Esse mito atinge a sociedade dentro da perspectiva do medo, através

de um conjunto de hipóteses segundo as quais efetivamente há um elevado

número de adolescentes cometendo delitos, elevando assim a insegurança.

No entanto, não há qualquer dado que autorize afirmar o crescimento

da delinqüência juvenil, como concluiu Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p.

34), analisando informações extraídas do Censo Penitenciário Brasileiro, do

Ministério da Justiça, concluindo que para cada 88 presos adultos, existem

apenas 3 adolescentes internados:

Em 1994, havia 88 presos (adultos) para cada cem mil habitantes no

Brasil, enquanto a proporção para adolescentes privados de liberdade era de 3

para os mesmos cem mil habitantes. A proporção entre delitos por adultos e

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delitos por adolescentes se manteve inalterada três anos depois, pelos dados

obtidos oficialmente em 1997.

No mesmo sentido é o entendimento de Cláudio Augusto Vieira da

Silva (2001, p. 14), que explica que dos crimes praticados no país, apenas 10%

são cometidos por adolescentes infratores, sendo que 90% são delitos contra o

patrimônio:

Sob o aspecto do enfrentamento aos absurdos índices de violência

com os quais somos obrigados a conviver, é sabida a ineficácia de tal iniciativa.

Dos delitos praticados no país, em torno de 10% são atribuídos a adolescentes

e, destes, cerca de 90% são delitos contra o patrimônio e não contra a vida.

De acordo com a pesquisa realizada por Karina Sposato (2001, p. 54)

analisando durante uma semana a programação dos canais abertos da

televisão brasileira, os telespectadores assistiram a 1211 cenas de crimes,

sendo que o furto apareceu 0,4%, apesar de ser o crime mais praticado no

Brasil, enquanto o tráfico de drogas, o seqüestro e o estupro foram super 

representados, aparecendo dez vezes mais na televisão do que o número de

vezes em que eles ocorreram de fato. A conclusão foi que:

Então, a primeira constatação é que as emissoras optam pela

divulgação de determinados crimes em detrimento de outros, e, nos parece, a

preferência é pelos de mais clamor e apelo popular, como os crimes sexuais,

tráfico de drogas, seqüestro e crimes contra o patrimônio, cuja veiculação

exagerada acaba gerando uma sensação generalizada de insegurança, o que

a gente chama de síndrome do mundo perigoso. Em função desta síndrome,

todo mundo que assiste a tais programações da TV fica com medo de ser 

assassinado, estuprado, ou seqüestrado.

Ou seja, embora os adolescentes também sejam responsáveis pelo

aumento da violência no Brasil, é preciso considerar que o índice dos atos

infracionais cometidos é baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas,

não havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do

problema.

3.2 Mito da Periculosidade do Adolescente Infrator 

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 A outra idéia que se passa para a sociedade, através dos meios de

comunicação e da persistência da Doutrina da Situação Irregular, no imaginário

coletivo, é de que os atos infracionais praticados por adolescentes revestem-se

cada vez mais de intensa violência, incutindo assim o mito da periculosidade do

adolescente infrator.

É claro que há casos em que adolescentes infratores envolvem-se em

crimes bárbaros, porém, de acordo com as pesquisas realizadas, não há que

se falar em alta periculosidade com relação ao adolescente infrator, pois dos 20

milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,1% está envolvido na prática de

atos infracionais, como explica Joacir Della Giustina (2001, p. 36):

Segundo o último Censo, os adolescentes brasileiros são 20 milhões.

Deste total, 20 mil estão envolvidos com atos infracionais, isto é, 0,1% daquele

total. Destes 20 mil, cerca de 6 mil estão com a medida sócio-educativa da

internação, compreendendo-se assim que 14 mil não detêm a denominada

"alta periculosidade".

João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 35) partilha do mesmo

pensamento, alertando ainda que os delitos graves (homicídios, estupros e

latrocínios) constituem apenas 19% dos delitos praticados pelos adolescentes

infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos.

O ato infracional típico da adolescência em conflito com a lei é o furto.

Homicídios, latrocínios, estupros ocorrem, mas o percentual destes dados não

se fazem impressionantes, tanto que delito com violência praticado por 

adolescente (felizmente) ainda dá manchete de jornal , ante a banalização da

violência (SARAIVA b, 2002, p. 37).

Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 45) chegou à

mesma conclusão, tendo sido o furto praticado em 51,33% dos casos

analisados.

 Além disso, para agravar o mito da periculosidade do adolescente

infrator, os meios de comunicação divulgam dados inverídicos sobre os atos

infracionais cometidos, apenas relacionados ao momento da consumação,

privando o telespectador de informações sobre o prosseguimento do feito, ainstrução e a sentença, o que induz a sociedade a imaginar que está vivendo

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em um caos, onde aparentemente os crimes não estão sendo julgados, nem

seus autores condenados, como comprovou Karina Sposato (2001, p. 55):

Contudo, a proporcionalidade dos crimes mostrada na TV não é a real.

 A segunda constatação é que a cobertura dos telejornais dos canais de TV

aberta se concentra muito mais no momento do crime. A descoberta da autoria

é negligenciada, assim como toda a fase de instrução e julgamento dos

processos pela justiça, o que induz falsamente a sociedade pensar que nós

estamos vivendo um caos, pois muitos crimes aparentemente não estão sendo

desvendados e seus autores devidamente julgados e condenados. Assim, à

sensação de insegurança soma-se também a sensação de impunidade.

Conclui-se assim que a maioria dos atos infracionais cometidos pelos

adolescentes são os delitos contra o patrimônio, em especial o furto. Ou seja,

não se revestem de grave ameaça, ou violência, não havendo sentido no mito

da periculosidade do adolescente em conflito com a lei.

3.3 Mito da Impunidade

 A ilusão de impunidade, além de ser ocasionada pela mídia, é uma das

principais heranças da Doutrina da Situação Irregular. Fundamenta-se na falsa

idéia que o adolescente infrator não é responsabilizado pelos seus atos,

provocando assim no sistema de atendimento aos adolescentes uma

presunção de inidoneidade, até porque, como ensina Emílio Garcia Mendez

(apud SARAIVA b, 2002, p. 43), é suficiente que "um problema seja definido

como um mal para passar a tornar-se mal".

No entanto, é preciso considerar que essa argumento está mal focado,

pois como restou demonstrado no capítulo anterior, o ECA prevê um amplo

sistema de medidas sócio-educativas que são aplicadas aos adolescentes,

quando praticam atos infracionais, compatíveis com sua condição de pessoa

em desenvolvimento e ao fato delituoso em que se envolveu, como aduz João

Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 48):

Ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente

instituiu no país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de

sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção, mas evidentemente

retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e

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de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de

cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo

 A idéia da impunidade decorre de uma apreensão equivocada da Lei,

como prossegue o autor, fundamentalmente da ignorância e desconhecimento

de que o ECA é um instrumento de responsabilidade do Estado, da sociedade,

da família e do próprio adolescente, complementando que os meios de

comunicação, por não conhecerem a diferença entre impunidade e

inimputabilidade [69], induzem em erro a opinião pública, distorcendo os fatos.

VIEIRA (1999, p. 21) lembra que vigora na sociedade a idéia de que as

entidades de internação seriam ‘pré-escolas’ para o crime, e que a passagem

pela Justiça da Infância e da Juventude antecede a prisão quando oadolescente torna-se imputável penalmente. Contudo, essa idéia é falsa, como

comprovou em sua pesquisa, constatando que o índice de reincidência, após

alcançar a maioridade penal, é de 8,86%:

Verifica-se [...] que apenas 8,86% dos cidadãos recolhidos nas

penitenciárias e presídios catarinenses que prestaram as informações

solicitadas, tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, quando

adolescentes [...] Na verdade, o número de presos que tiveram passagem pelaJustiça da Infância e Juventude, enquanto adolescentes, é relativamente baixo,

contrariando o pensamento generalizado de que a delinqüência juvenil leva

obrigatoriamente ao crime (VIEIRA, 1999, p.21).

Ou seja, o resultado da pesquisa demonstra que as medidas sócio-

educativas possuem eficácia, pois estando apoiadas em caráter pedagógico,

afastam o adolescente infrator da prática de novos crimes.

Para aqueles que acreditam que as medidas sócio-educativas são

apenas paliativas, é importante considerar que, do ponto de vista das sanções

previstas no Código Penal, há medidas previstas no ECA com a mesma

correspondência, como a prestação de serviços à comunidade. Inclusive, a

Internação possui caráter aflitivo, vez que priva a liberdade do adolescente, ou

seja, não há fundamento na idéia de que nada acontece ao adolescente, ou

que a medida apenas abranda a situação.

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Na realidade, o ECA disponibiliza um aparato de caráter retributivo e

pedagógico, para o enfrentamento da delinqüência juvenil, apto a, como explica

João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 50), "trazer a resposta que a sociedade

almeja enquanto instrumento de segurança pública, bem como propondo

paralelamente, a construção de políticas básicas fundamentais de caráter 

preventivo."

3.3.1 Redução da idade penal

 A violência urbana, com seus reflexos em todos os segmentos do país,

produzem um sem-número de proposições para o enfrentamento da questão.

Na esteira do mito da impunidade, a primeira solução encontrada para aqueles

que desconhecem o amplo sistema de garantias previstos no ECA é a reduçãoda idade penal.

João Batista Costa Saraiva (2003, p. 70) afirma que no debate,

posicionam-se em um extremo os partidários da Doutrina do Direito Penal

Máximo, e no outro extremo, os seguidores da idéia do Abolicionismo Penal.

O autor complementa que a Doutrina do Direito Penal Máximo,

baseada no movimento Lei e Ordem, propugna que com que mais rigor, mais

pena e mais cadeia, ou seja, com mais repressão em todos os níveis, haverá

mais segurança.

De outro lado, o Abolicionismo Penal sugere que o direito Penal faliu, e

que a questão da segurança é essencialmente social, preconizando a

necessidade de um direito tutelar.

De acordo com Dalmo de Abreu Dallari (2001, p. 24), desconhecendo o

que dispõe a legislação sobre o adolescente, de vez em quando um

parlamentar propõe a redução da inimputabilidade, de 18 anos para 16 anos.

O autor complementa que, pela importância do assunto e pelo grande

interesse da população, é necessário esclarecer alguns pontos fundamentais, a

partir dos aspectos jurídicos envolvidos, pois qualquer proposta de mudança da

legislação visando a redução da idade de responsabilidade penal deverá, antes

de tudo, estar de acordo com a Constituição Federal.

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Conforme o art. 60, § 4º [70], da Constituição Federal, não poderá ser 

objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir 

garantias individuais. Ou seja, qualquer proposta de alterar a legislação, e

aplicar as sanções previstas no Código Penal aos menores de 18 anos

representará o fim do tratamento diferenciado, sendo portanto inconstitucional.

De outro lado, de uma forma geral, os partidários da redução da idade

penal argumentam que o indivíduo maior de 16 anos, na sociedade atual, já é

perfeitamente capaz de entender o caráter ilícito da sua conduta, tanto que

inclusive possui direitos políticos, como o voto, por exemplo.

Contudo, é preciso ter em mente que a quantidade de informações a

que o adolescente tem acesso atualmente não significa que as informaçõessejam de qualidade, pois a constante exposição a cenas de violência não

conscientiza o adolescente a não ser violento, mas sim o contrário, ele acaba

repetindo o que vê pela televisão, não podendo assim ser considerado mais

responsável do que no passado.

 Ademais, pensando nas conseqüências de uma eventual alteração da

legislação, urge considerar que os adolescentes seriam enviados para os

presídios, locais super-lotados, e que não garantem recuperação, nemressocialização, ao contrário das medidas sócio-educativas, como lembra

Cláudio Augusto Vieira da Silva (ABONG, 2001, p. 16):

 Ainda cabe lembrar a histórica e aguda falência do nosso sistema

penal, que hoje em dia conta com um déficit significativo de vagas para os que

 já lá se encontram, estima-se em 80.000, sem contar os inúmeros mandados

de prisão que estão sem execução, o que tornaria este sistema ainda mais

abarrotado de gente

 Assim, a redução da idade penal, além de ser inconstitucional, é uma

solução injusta, pois vai afastar os adolescentes de todos os programas de

reeducação e ressocialização, acabando com a chance que eles possuem de

integrar-se na sociedade, e não na "vida do crime", o que com certeza os

presídios brasileiros não vão conseguir evitar.

3.4 Propostas para a Implementação do ECA

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 As medidas sócio-educativas, se forem adequadamente colocadas em

funcionamento, revelam-se eficazes diante dos atos infracionais praticados,

contudo, para a implementação, é preciso a operacionalização dos órgãos

relacionados, bem como a criação de todo um aparato, afinal, o ECA ensina o

que fazer, e não como fazer.

Tendo-se por base que o adolescente é considerado pela lei como

sujeito de direitos e em peculiar condição de desenvolvimento, bem como

cidadão capaz de ser responsabilizado pelos seus atos, urge considerar que as

medidas sócio-educativas dependem de uma aplicação correta, para alcançar 

plena efetividade.

No caso da mediada sócio-educativa de internação, é preciso fugir da

lógica dos internatos do sistema anterior, bem como de diversas entidades de

internações, as quais persistem sendo orientadas em meios de correção com

violência.

O problema da delinqüência juvenil, embora grave, como alerta

Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 17) talvez possa ser enfrentado com poucos

recursos materiais, caso haja conhecimento adequado, reflexão e vontade

política. A autora conclui que: "De uma tomada plena de consciência sobre a

importância deste tema depende, em parte, o futuro de nossa democracia.

3.4.1 Educação

 Antes de falar em reeducação, que é o objetivo principal das medidas

sócio-educativas, é preciso falar de educação, afinal, é impossível reeducar 

adolescentes que nunca receberam educação, bem como é improvável obter 

êxito em ressocializar adolescentes que sempre foram marginalizados.

De acordo com Maria Stela Santos Graziani (2002, p. 187), o fracasso

institucional escolar tem raízes históricas, citando como causas o acesso não

democratizado à escola, a falta de qualidade do ensino e a inadequação na

formação do educador.

  A verdade é que vários anos de deterioração do ensino público

conduziram a grandes disparidades, entre as escolas públicas e as

particulares.

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Conforme os dados expressos nas Diretrizes Nacionais para a política

de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p. 24), cerca de 46,7% dos

alunos do ensino fundamental apresentam distorção idade-série. Na educação

infantil, apenas 33% da população de crianças de 4 a 6 anos recebem

atendimento na pré-escola e 5% de zero a 3 anos têm acesso a creches.

Que as crianças e adolescentes brasileiros precisam de educação, não

é novidade, mas a proposta para efetivação do ECA é um sistema educativo

capaz de instruir e prevenir a delinqüência juvenil, e no caso da prática do

crime, garantir que não voltará a delinqüir.

Dentre os direitos fundamentais consagrados à infância e juventude,

como lembra Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2001, p. 58), avulta em

significado a educação, considerando-se que o sistema educacional, ao lado

da família, constitui-se em importante meio de socialização do ser humano.

De acordo com o art. 205 [71] da Constituição Federal, a educação

destina-se ao pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o

trabalho, e principalmente, o preparo para o exercício da cidadania.

Para a efetivação do ECA, são necessárias atividades direcionadas à

garantia da Educação Infantil, além de ingresso, permanência e sucesso no

Ensino Fundamental, bem como programas suplementares de material

didático-escolar, transporte e alimentação.

De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 25), em Santa Catarina, dosadolescentes infratores entrevistados, 59,18% não estavam estudando quandoda prática do ato infracional, o que demonstra que a ausência de instrução éuma das causas da delinqüência juvenil. A autora complementa que:

 Analisando as razões que fazem com que o adolescente abandone os

estudos, mantendo os índices de evasão escolar em patamares preocupantes,

precisamos refletir sobre a qualidade das escolas públicas, sobre as condições

que estas dispõem para proporcionar o conhecimento adequado e, ao mesmo

tempo, sobre os atrativos existentes para criar e conservar o necessário

interesse.

É preciso que os professores recebam uma formação especializada, e

saibam identificar os sinais de desvio de comportamento nas crianças e

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adolescentes, e procedam a um encaminhamento, dando curso assim a uma

dinâmica de recuperação.

Na verdade, a escola precisa compensar a desestrutura familiar da

criança, criando uma espécie de proteção, que vai ser importante na redução

da violência, inclusive nos finais de semana.

No entanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

aprovada em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais publicados a partir 

de 1996, a criação do Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, e a ampliação do

Programa de Distribuição Gratuita de livros didáticos são exemplos de

iniciativas para a melhoria do ensino público.

Como estratégias para reverter o atual quadro, o Conselho Nacional

dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) elenca, nas Diretrizes

Nacionais para a política de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p.

25) as seguintes metas: a necessidade da valorização do profissional da

educação, por meio da capacitação e da justa remuneração; promover a

integração escola-família-comunidade; estimular a implantação da escola de

tempo integral, e assegurar um aumento progressivo dos investimentos em

educação, atingindo 10% do PIB até 2009.

3.4.2 Mídia

De acordo com Karina Sposato (2001, p. 55), um levantamento da

UNESCO concluiu que no Brasil há 210 televisores para cada 1000 habitantes,

ou seja, a televisão alcança grande parte da população, em uma velocidade

espantosa, favorecendo assim a construção de um imaginário, nem sempre de

acordo com a realidade.

O art. 247 [72], do ECA, prevê que não é permitida a divulgação do nome

do adolescente que esteja envolvido em ato infracional, no entanto, através da

televisão é possível tomar conhecimento da cidade, da rua, dos nomes dos

pais, enfim, de todos os dados referentes aos adolescentes infratores, ou seja,

nas matérias divulgadas as emissoras não se preocupam com os efeitos que

essa divulgação pode trazer.

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Essa situação demonstra que os meios de comunicação tem a

obrigação de checar melhor as informações antes de publicá-las, e retificar as

informações anteriormente divulgadas.

 A pesquisadora propõe que sejam criados novos mecanismos legais

restritivos para esse tipo de distorção, como também sejam utilizados os

mecanismos já disponíveis.

 Até porque, conforme o art. 17 [73] da Convenção Internacional dos

Direitos da Criança, cada país signatário tem o compromisso de não só

encorajar programas educativos e que respeitem a situação de

desenvolvimento peculiar do adolescente e da criança, mas também de zelar 

pela integridade e por esse desenvolvimento.

Por outro lado, já que os meios de comunicação são responsáveis pela

disseminação de diversos mitos, que ocasionam a ilusão de impunidade,

percebe-se a necessidade de utilizar esse espaço tão abrangente para instruir 

de forma ética e cultural a sociedade sobre o assunto, como explica Marcos

Colares (ABONG, 2001, p. 169).

  Através de parcerias com emissoras de rádio, televisão, jornais e

empresas de marketing , podem ser realizadas campanhas publicitárias, para

socializar o conhecimento sobre a responsabilidade penal do adolescente

infrator, bem como que a miséria não corresponde necessariamente à prática

de ato infracionais.3.4.3 Lei de execução das medidas sócio-educativas

Considerando que o ECA não prevê a execução das medidas sócio-

educativas, há necessidade de uma regulamentação, ou seja, de uma lei de

execução das medidas sócio-educativas, definindo procedimentos e

estabelecendo com clareza os limites de responsabilidade, para que as

medidas sócio-educativas sejam eficazes, como adverte João Batista Costa

Saraiva (2003, p. 87):

Do ponto de vista normativo, há necessidade que imediatamente seja

regulamentado por lei o processo de execução das medidas socioeducativas,

face o que se fez lacônico o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

8.069/90). Desta lacuna legislativa tem resultado o avanço da

discricionariedade e do arbítrio na execução das medidas sócioeducativas.

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Inclusive, em junho de 2001 a Associação Brasileira de Magistrados e

Promotores da Infância e Juventude criou uma proposta de anteprojeto de lei,

objetivando dar forma procedimental à execução das medidas sócio-

educativas, que está no Anexo A desta monografia.

O anteprojeto possui oito títulos, desmembrados em capítulos. O Título

I (Disposições Gerais), estabelece o critério da municipalização das medidas, a

exigência da proposta pedagógica e a prevalência sobre o caráter 

sancionatório, dispondo em seu art. 1º que:

  A presente Lei destina-se a regular a aplicação das medidas

socioeducativas previstas no art. 112, da Lei 8.069/90, bem como disciplinar 

sua execução, estabelecendo suas diretrizes.

O Título II (Da formação do título executivo) prevê a forma do início da

execução e os documentos que devem acompanhar a peça de

encaminhamento. O art. 12 prevê que:

 A aplicação de medida socioeducativa não privativa de liberdade em

sede de remissão pressupõe a concordância expressa do adolescente, na

presença de defensor nomeado ou constituído, devendo no termo respectivo

constar a advertência de que o não cumprimento da medida ajustada poderá

importar em sua regressão, na forma do disposto no art. 122, inciso III e § 1º da

Lei n° 8.069/90.

O Título III (Das atribuições dos operadores do sistema), disciplina

sobre os órgãos e execução das medidas, estabelecendo-os no art. 18:

São órgãos da execução das medidas socioeducativas: I – o Juízo daExecução; II – O Ministério Público; III – A Defensoria Pública; IV – As

Entidades de Execução de Medidas em Meio Aberto; V – As Entidades de

Execução de Medidas Privativas de Liberdade.

O Título IV (Do processo de execução) propõe um plano individual para

a execução, com características personalíssimas para o seu adequado

cumprimento. De acordo com o art. 38:

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 A individualização da execução socioeducativa dependerá de um plano

individual para o cumprimento da respectiva medida, devendo os programas

socioeducativos conter, fundamentalmente, a proposta pedagógica que os

oriente.

O Título V (Das medidas sócio-educativas) trata sobre casa uma delas.

O Título VI estabelece as regras sobre os incidentes da execução, o Título VII

fica o recurso cabível para as decisões do Juiz da execução e por fim, o Título

VIII (Disposições Finais e Transitórias), conclui as regras básicas.

3.4.4 Perfil dos operadores

De acordo com João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 83), a partir da

Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, estabeleceu-seum novo paradigma relativamente à questão da Infância e da Juventude,

compreendidos todos os operadores deste sistema e considerado o seu

conteúdo interdiciplinar.

É que como o procedimento da apuração de ato infracional é

diferenciado dos outros procedimentos, os operadores convergem, ou devem

convergir, em favor do adolescente infrator, como alerta Josiane Rose Petry

Veronese (1997, p. 101):

Todas as figuras que atuam no processo de apuração de ato infracional

praticado por adolescente, seja o juiz, o advogado, o promotor de justiça (este

último é o responsável pela representação), todos convergem ou devem

convergir em favor deste adolescente infrator, na busca da melhor medida a

ser aplicada, levando em consideração as circunstâncias em que ocorreu o ato

delituoso e as condições do agente (biológicas, psíquicas e sociais).

É preciso que todos os operadores, desde o policial que surpreende o

adolescente cometendo o crime, até o monitor da entidade de internação,

comprometam-se com a Doutrina da Proteção Integral e com as normas

previstas no ECA.

Como alertou Cláudio Augusto Vieira da Costa (ABONG, 2001, p. 20),

isso envolve todo o sistema previsto no Estatuto, desde aquele que em

primeiro lugar entra em contado com o adolescente, passando pelo Sistema

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Judiciário, pelo Ministério Público, pelas Unidades Executoras, assim como

todos os profissionais envolvidos.

 Até porque, em uma entidade de internação, todos os funcionários têm

papel fundamental na efetivação da medida sócio-educativa, através das

atividades pedagógicas e terapêuticas, articulando as experiências pelo

contexto institucional.

Na pesquisa realizada no Rio de Janeiro pelas psicólogas Simone

Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino[74], constatou-se que metade das

 jovens entrevistadas relatou ter sofrido agressão por parte dos policiais.

 A adolescente ‘Úrsula’ relatou que:

Eles me arrastaram, pegaram um pedaço de pau daqueles grossos, aí

começaram a me bater, começaram a me arrastar, enrolaram o meu cabelo

assim, me arrastaram na lama. Enfiavam minha cabeça na poça d’água até eu

perder o fôlego. Falava: quando quiser falar, levanta a mão que eu tiro. Eu

levantava a mão, ele tirava a minha cabeça, eu pegava um ar, aí começava de

novo [...] Jogava minha cabeça na parede, pegava o fio, me enforcava [...]

Nossa, eu sofri muito, muita paulada nas costa (sic).

 Assim, é essencial que a polícia seja capacitada para lidar com as

especificidades do universo adolescente, recebendo treinamento para enfrentar 

com respeito, e ser punida quando praticar violência. Como lembram Simone

Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino (2001, p. 269), trata-se de uma

questão de treinamento e de capacitação, que pode ser prioridade para o

Ministério da Justiça e para a Secretaria de Segurança Pública.

Com relação aos profissionais que trabalham nas entidades de

internação, é preciso que sejam treinados para dar apoio aos adolescentes. De

acordo com Cláudio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 20), nas entidades de

internação são comuns funcionários terceirizados, duas ou três formas de

contratação, salários aviltantes, pouco investimento em formação ou

descontinuidade no contrato de trabalho, o que provoca uma rotatividade

desnecessária e o desperdício dos investimentos feitos na formação, situação

que precisa ser revertida.

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Por exemplo, a contratação de funcionários pode ocorrer por processo

de seleção pública, com critérios rigorosos, que avaliem a capacidade dos

funcionários de trabalharem na reeducação do adolescente.

Outro ponto interessante é a necessidade da defesa técnica por 

advogado, no procedimento de apuração do ato infracional, uma vez que além

de ser um primado de ordem constitucional, conforme o art. 133 [75] da

Constituição Federal, não só em procedimento judicial, mas também na

audiência preliminar de apresentação, e muito embora o art. 186, § 2º, do ECA,

sugira a necessidade da nomeação de defensor somente em caso de infração

grave.

 Ademais, é importante que o advogado seja uma pessoa preparadapara atuar nesta área específica, como diz Josiane Rose Petry Veronese

(1997, p. 101):

Indiscutivelmente, o profissional que atuar nesta área específica terá

que ser uma pessoa preparada, pois os processos de apuração de ato

infracional praticado pelo adolescente não podem ter o mesmo enfoque que é

dado pelo advogado que tem seu campo de atuação na esfera criminal. Cuide-

se, por exemplo, que o interrogatório não possui perguntas prontas: sãointerrogados, também, os pais ou responsável do infrator; na audiência o

defensor não pedirá aabsolvição se deu cliente, pois o que lhe será aplicado

são medidas sócio-educativas, lembrando-se que não há condenação.

Por fim, como adverte Mário Volpi (1999, p. 18), é necessária a

integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança

Pública e Assistência social, preferencialmente no mesmo local, para efeito de

agilização do atendimento e garantia dos direitos processuais ao adolescente a

quem se atribua autoria de ato infracional.

3.4.5 Acompanhamento de egressos

De acordo com o art. 94 [76], inciso XVIII, do ECA, as entidades que

desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados

ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o

prazo de internação e ser colocado em liberdade, o adolescente deve receber 

um acompanhamento pela entidade, a fim de assegurar a ressocialização.

  Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram amedida sócio-educativa de internação, será promovido o processo do retorno à

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sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato

infracional e o reingresso no programa.

 Até porque, a maneira como se procede o desligamento do jovem é

fundamental para que ele possa dar encaminhamento a sua vida, como adverte

Sônia Altoé (2002, p. 296):

Se isto não ocorrer, será fácil ver toda a tentativa de trabalho de

atendimento no internato ser pouco útil, e a chance de que este indivíduo repita

atos infracionais será enorme. Este serviço deve também levar em conta a

possibilidade de egressos voltarem e requisitarem algum tipo de apoio. Sempre

que possível, deve ser encorajada ao egresso a possibilidade de apoio e

acompanhamento que o programa puder oferecer para auxiliá-lo a enfrentar as

dificuldades com que provavelmente se defrontará ao sair do internato.

Como idéia, os projetos poderiam possibilitar a formação e inserção no

mercado de trabalho dos jovens egressos, fortalecendo assim a identidade e a

auto-estima dos mesmos, como prevê o Programa de Execução de Medidas

Sócio-Educativas de Internação e Semiliberdade do Rio Grande do Sul

(PEMSEIS) [77]:

É necessário, portanto, reforçar e ressignificar o objetivo de inserção

social dos adolescentes privados de liberdade [...] a inclusão em espaços da

comunidade, por sua vez, não visa somente à não-reincidência, mas à

conquista da cidadania, a qual contempla a crença no futuro, a autonomia e a

emancipação destes jovens (PEMSEIS, 2001, p. 162).

Na verdade, a efetividade dessa proposta depende de uma co-

responsabilização, por parte da família, da comunidade e dos órgãos de

atendimento, desde o período da internação até o desligamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

  Através desta monografia, foi realizado um estudo sobre a

responsabilização penal do adolescente infrator, analisando cronologicamente

as disposições legais e institutos criados, bem como as medidas sócio-

educativas, e a ilusão de impunidade.

Com o desenrolar da História e o aperfeiçoamento das legislações,foram sendo elaboradas regras específicas para a proteção da infância e da

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adolescência, sendo que desde as primeiras civilizações o homem demonstrou

sua preocupação em tratar de forma diferenciada a proteção e a

responsabilização das crianças e dos adolescentes.

Evidenciou-se que a política de atendimento aos direitos da criança e

adolescente, no que tange ao adolescente autor de ato infracional, deve acatar 

os princípios da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, as

Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Infância e da

Juventude e para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade.

De acordo com a Doutrina da Proteção Integral, prevista inicialmente

no art. 227, da Constituição Federal e servindo como fundamento para o ECA,

todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo

que estes direitos são especiais, principalmente pela condição que os

adolescentes infratores ostentam de pessoas em desenvolvimento.

Com base nas pesquisas e estatísticas realizadas sobre o assunto, por 

vários dos autores consultados, concluiu-se que os motivos que levam o

adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos,

sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o

uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicasdevem atuar com maior urgência.

O ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente a

categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer,

através da aplicação das medidas sócio-educativas.

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detenção ou tratamento

  As medidas sócio-educativas comportam aspectos de natureza

coercitiva, uma vez que são punitivas, e também aspectos educativos, no

sentido da proteção integral, com oportunidade de acesso à formação e à

informação.

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  Apesar disso, a inimputabilidade não significa que ao adolescente

serão aplicadas medidas mais brandas do que aos maiores de 18 anos, uma

vez que há medidas sócio-educativas que têm a mesma correspondência das

penas alternativas, previstas no Código Penal.

 A advertência, que consiste em uma admoestação verbal, para que

obtenha êxito, deve ser aplicada ao adolescente infrator logo em seguida à

primeira prática do ato infracional, e que não seja repetida diversas vezes, pois

pode acabar incutindo na mentalidade do adolescente que seus atos não são

responsabilizados de forma concreta.

 A obrigação de reparar o dano é uma medida com grande caráter 

pedagógico, porque através de uma imposição, faz com que o adolescente

reconheça a ilicitude dos seus atos, bem como garante à vítima a reparação do

dano sofrido.

Já a prestação de serviços à comunidade garante ao adolescente

infrator a possibilidade de ressocializar-se perante o ambiente em que vive,

mostrando-se útil, através da realização de tarefas não remuneradas.

 A liberdade assistida é aplicada aos adolescentes que cometem atos

infracionais considerados de maior gravidade, mas que ainda não comportam a

privação total da liberdade, possibilitando ao adolescente reconhecer a

responsabilidade de seus atos e repensar a sua conduta.

 A semiliberdade, também de caráter pedagógico, não vem recebendo

aplicabilidade na prática, pela ausência de programas específicos, o que indica

a necessidade de criação de entidades específicas.

 A internação, como medida privativa da liberdade, o que por si só já

inibe qualquer possibilidade de ressocialização, para que obtenha a efetividade

que o ECA determina, depende de projetos pedagógicos e de instituições

adequadamente preparadas para receber o adolescente.

O presente estudo mostrou também a importância de compreender que

existe uma ilusão de impunidade com relação a problemática da delinqüência

 juvenil, e que a questão está mal focada, existindo três mitos, quais sejam, do

hiperdimensionamento do problema, da periculosidade do adolescente intrator 

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e da ilusão de impunidade, todos causados pela herança da Doutrina da

Situação Irregular, ainda presente no imaginário coletivo, bem como pelas

informações falsas passadas pela mídia.

Ou seja, embora os adolescentes também sejam responsáveis pelo

aumento da violência no Brasil, é preciso considerar que o índice dos atos

infracionais cometidos é baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas,

não havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do

problema.

 Ademais, a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes

são os delitos contra o patrimônio, em especial o furto. Ou seja, não se

revestem de grave ameaça, ou violência, não havendo sentido no mito da

periculosidade do adolescente em conflito com a lei.

Quanto à ilusão de impunidade, não merece prosperar, porque o ECA

prevê a responsabilização penal do adolescente em conflito com a lei, através

da aplicação das medidas sócio-educativas.

Com relação à proposta de redução da idade penal, demonstrou-se

que além de ser inconstitucional, é uma solução injusta, pois vai afastar os

adolescentes de todos os programas de reeducação e ressocialização,

acabando com a chance que eles possuem de integrar-se na sociedade, o que

com certeza os presídios brasileiros não vão conseguir evitar.

  Acreditando que o ECA sempre pode ser aperfeiçoado, foram

elaboradas algumas propostas, sintetizadas a seguir.

Com relação à educação, sugere-se que o ensino seja capaz de ir alémdos seus principais objetivos, através de uma estrutura que garanta que a

delinqüência não seja a única chance de mudar de vida para todos os

adolescentes infratores.

Para tanto, é preciso a valorização do profissional da educação, por 

meio da capacitação e da justa remuneração, a integração escola-família-

comunidade, o estímulo da implantação da escola de tempo integral, e

assegurar um aumento progressivo dos investimentos nesse setor.

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Outro grande desafio é a universalização dos programas e ações de

cultura, esporte e lazer na integração com as demais políticas, como direito que

deve ser assegurado no processo de desenvolvimento de todas as crianças e

adolescentes.

O mais importante é o desenvolvimento de projetos, com modelos

alternativos, primando pelo atendimento individualizado, através da

interdisciplinaridade, aproximando-se mais da estrutura da família.

Quanto à mídia, é preciso que sejam criados mecanismos que proíbam

a distorção dos fatos, que produz a invenção de mitos, que apavoram a

sociedade e servem para marginalizar os adolescente em conflito com a lei,

bem como tentar utilizar esse espaço tão abrangente para instruir a sociedade

sobre o assunto, através de campanhas publicitárias, por exemplo.

Considerando que a arbitrariedade é totalmente contrária a todos os

princípios do Direito, é necessária a criação de uma lei de execução, definindo

procedimentos e estabelecendo com clareza os limites da responsabilidade

penal do adolescente infrator, para que as medidas sócio-educativas sejam

eficazes.

Sobre a proposta da Lei de Execução, cumpre ressaltar que não possui

nenhum dispositivo referente ao tratamento diferenciado sobre a execução da

medida com relação ao adolescente portador de deficiência mental, o que é

necessário, ante a sua necessidade de um tratamento especial.

É necessária ainda a integração operacional dos órgãos do Judiciário,

Ministério Público, Segurança Pública e Assistência social, bem como o

aperfeiçoamento de todos os integrantes, desde o policial que surpreende o

adolescente praticando o ato infracional, até o monitor da entidade de

internação.

 Ademais, com base no art. 94, inciso XVIII, do ECA, as entidades que

desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados

ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o

prazo de internação o adolescente deve receber um acompanhamento pela

entidade, a fim de assegurar a ressocialização.

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  Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram a

medida sócio-educativa de internação, será promovido o processo do retorno à

sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato

infracional e o reingresso.

Ressalta-se que houve a comprovação de todas as hipóteses vez que,

conforme restou demonstrado, existe uma ilusão de impunidade com relação à

responsabilização penal do adolescente infrator.

 Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT 

COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de

impunidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível

em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4600>. Acesso em: 13 abr. 2011.