Post on 30-Jul-2015
COLAPSO DE UM EDIFÍCIO RESIDENCIAL EM
CONCRETO ARMADO
Ronaldo Carvalho Battista
Ph.D, Prof. Titular, Eng. Civil, - COPPE/UFRJ
Diretor Técnico - Controllato, www.controllato.com.br.
(Texto extraído do material das referências 1 e 2)
1. Introdução
No que se segue apresentam-se um relato sumário e uma análise das principais
causas do colapso total da estrutura em concreto armado de um edifício residencial de 13
andares, ocorrido em 1987 na cidade de Belém – PA, na região norte do Brasil.
O colapso súbito da estrutura ocorreu num dia de clima ameno e briza, antes de sua
utilização plena - i.e antes da ocupação das unidades habitacionais do edifício - mas em
fase final de acabamento, levando à morte 39 operários.
O estágio final do colapso progressivo, mas relativamente lento, se estendeu por
alguns poucos dias. Sinais sonoros de formação de micro-trincas, por acréscimo sucessivo
de solicitações, foram ouvidos. Medições não pertinentes de recalques verticais foram
feitas sem sucesso...e, não identificadas as causas, que permitiriam a tomada de medidas
corretivas emergenciais, a estrutura afinal ruiu subitamente.
Todos os aspectos projetivos (incluindo memória de cálculos, modelagens
computacionais e desenhos de projeto executivo) e também construtivos (incluindo
detalhes, materiais, sobrecargas permanentes adicionais e metodologia construtiva) foram
verificados e analisados criteriosamente e minuciosamente, segundo metodologia típica da
engenharia forense endereçada à um laudo pericial consistente e condizente com o vulto
deste acidente estrutural com vítimas fatais[1]
.
Ênfase é dada aqui aos aspectos associados à concepção estrutural e suas
deficiências, e ao papel fundamental desempenhado por estes aspectos e pelo mecanismo
de interação entre estrutura e fundações profundas esbeltas, no colapso total da estrutura
como se fosse por uma implosão programada.
O presente artigo tem o intuito de discutir e exemplificar, num forum apropriado, os
erros e lapsos cometidos no projeto e execução de uma estrutura e fundações de um
edifício residencial. Espera-se que os erros cometidos no passado possam nos servir ainda
hoje de lição para nos auxiliar no aprendizado e no exercício hábil de nossa profissão de
engenheiro estrutural. O presente relato é suscinto; detalhes complementares são
apresentados em outros trabalhos[2-4]
.
2. Descrição Sumária da Estrutura
A estrutura “semi-aporticada” em concreto armado foi construída sobre blocos de
fundações em estacas metálicas com pontas de concreto. Os pilares foram projetados sem
transições ao longo de toda a altura da estrutura, com cintamento parcial no nível térreo
(sem laje armada de piso). Havia 01 (um) pavimento estrutural sobre pilotis e mais 12
(doze) pavimentos estruturais para apartamentos, além da estrutura de cobertura (forro),
casa de máquinas e caixa d’água elevada. O 2o até o 11
o pavimentos eram estruturalmente
idênticos; e poderiam ser referidos como sendo não-convencionais.
As Figs. 1.a-d e Fig. 2 ilustram a concepção básica da estrutura descrita acima e
permitem fazer as seguintes observações:
a) Os pavimentos estruturais tipo - 2o ao 11
o pavimentos - não continham vigamentos
contínuos transversais, com exceção das vigas interligando os pilares centrais (do poço
de elevadores e caixa de escadas), as quais por sua vez são bastante esbeltas. Isto pode
ser visto nas Figs. 1(b) e (d) que mostram a concepção básica estrutural constituída por
pilares e “balancins” interligados por painel de laje, formando “pórticos” com
travejamento horizontal (nível dos pavimentos) de pequena rigidez à flexão;
b) Os pavimentos estruturais tipo tampouco continham em seu interior vigamento contínuo
longitudinal, interligando os “pórticos” típicos (vide Fig. 1.b) ao núcleo estrutural (caixa
de escadas e poço de elevadores);
c) A concepção estrutural “semi-aporticada” em “balancins” resultava em
desbalanceamento de momentos, transferido por equilíbrio aos pilares em cada
pavimento tipo. Esses momentos aplicados nos pilares eram em todos os pavimentos
voltados para o interior da estrutura;
d) O núcleo estrutural - formado pelas caixa de escadas e poço de elevadores - não era, por
sua vez, um núcleo resistente de contraventamento, já que era constituído por pilares de
pouca rigidez e vigas ainda menos rígidas à flexão;
e) O 1o pavimento estrutural (vide Fig. 1.a) não continha, tampouco, em seu interior,
vigamento contínuo longitudinal;
f) O 12o pavimento estrutural e a estrutura de cobertura não continha travejamento
horizontal adequado (vigamento rígido nos sentidos transversal e longitudinal) para, em
caso de ação de vento, aumentar a rigidez à flexão global da estrutura;
g) O pavimento sobre pilotis era o único do tipo convencional; i.e com vigas trasversais e
longitudinais esbeltas se cruzando nas linhas de eixo dos pilares principais;
h) O cintamento dos pilares, junto aos blocos das fundações sobre estacas, (vide Fig. 1.c)
era inadequado e, para os pilares mais carregados, inexistente na direção longitudinal.
O conjunto de observações anteriores delineam uma estrutura composta por
“pórticos” esbeltos isolados (os principais tendo os pilares interligados basicamente pelas
lajes de piso) e com deficiências no cintamento dos blocos de fundações.
2.1 - Carregamentos Considerados na Análise
Como o colapso da estrutura ocorreu antes de sua utilização (ocupação das
unidades habitacionais), mas em fase final de acabamento, considerou-se numa análise
fundamental todo o carregamento permanente:
Peso próprio da estrutura em concreto armado (com peso específico ca 25 kN/m3)
+ revestimento de piso + paredes de alvenaria acabadas ( com peso específico alv = 11
kN/m3). Considerou-se ainda, a caixa d’água vazia e a casa de máquinas sem
equipamentos.
Numa análise preliminar da estabilidade foi considerada a combinação da ação de
cargas permanentes (peso próprio + alvenarias) com a ação equivalente estática de vento.
Mas, para a análise de colapso foram levados em consideração apenas os carregamentos
verticais permanentes e os efeitos das imperfeições geométricas iniciais (ou efeitos de 2a
ordem) no comportamento estrutural.
3. Modelagem Numérica-Computacional
A análise dos deslocamentos da estrutura e dos esforços internos resultantes dos
carregamentos aplicados foi feita por meio de modelos numéricos, utilizando-se um
programa computacional para cálculo estático linear e elástico de estruturas via Método
dos Elementos Finitos, desenvolvido no PEC-COPPE e implantado na segunda metade dos
anos 1970 no computador Borroughs B-6800 do NCE/UFRJ.
Nas tarefas de modelagem e análise estrutural contei com a inestimável ajuda da
minha ex-aluna, Profª Eliane M. L. Carvalho, co-autora de um dos artigos técnicos
referenciados[2]
.
O modelo estrutural dos pórticos tipo principais é mostrado na Fig. 2. A
modelagem em elementos finitos desses pórticos para cálculo de deslocamentos e esforços
foi feita com elementos de pórtico plano.
Os modelos estruturais adotados para cálculo da distribuição de cargas nos pilares
em cada pavimento estrutural, foram do tipo ilustrado na Fig. 3: elementos barras de grelha
(para a discretização das vigas) combinados com elementos planos retangulares de casca
(para discretização das lajes). As propriedades geométricas de cada um desses
componentes estruturais foram tiradas das plantas de forma do projeto.
Todos os modelos consideraram a estrutura de concreto armado sem fissuração,
para cálculo das propriedades geométricas e elásticas de seus componentes estruturais.
Observa-se que, atualmente, com todas as modernas facilidades computacionais, a
modelagem da estrutura seria na forma completa e tridimensional.
4. Apresentação e Análise dos Principais Resultados
A Fig. 4 mostra a distribuição de cargas nos pilares devido ao carregamento
permanente total de um pavimento tipo e ilustra as “áreas de influência” desse
carregamento sobre os pilares. As linhas tracejadas delimitam essas “áreas de influência”,
desenhadas como “curvas de nível” segundo o locus dos maiores deslocamentos verticais
dos paineis de laje.
Observa-se que os pilares mais carregados são P12 = P13 e que o somatório de
cargas nos pilares devido ao carregamento vertical permanente total de um pavimento tipo
é P dakNi 213 4, .
Os momentos de engastamento elástico e cargas axiais nos pilares, com valores
mais significativos, são dados na Tabela 1.
Tabela 1 - Esforços aplicados nos pilares no nível de cada pavimento tipo, devidos à carga
permanente (1 dakN 1 tf).
Pilar MX (dakN.m) MY (dakN.m) FX (dakN)
P3 (= P8) 5,75 2,25 13,8
P4 (= P7) 6,42 -0,31 22,4
P11 (= P14) 8,32 2,34 14,1
P12 (= P13) -13,95 0,83 26,6
As orientações dos momentos são aquelas mostradas por setas duplas na Fig. 4,
indicando sempre momentos volvendo para o interior da estrutura, com a exceção única do
momento MY de menor valor sobre os pilares P4 (=P7). Observa-se que os maiores
momentos MX ocorrem para os pares de pilares P12/P4 e P13/P7 que constituem os dois
pórticos internos principais da estrutura do edifício.
# Cargas nos Pilares no Nível das Cintas nos Blocos de Fundação
A distribuição final de cargas permanentes sobre os blocos de fundação é mostrada
na Fig. 5, onde para cada um dos pilares se aponta os valores aqui do presente cálculo e,
entre parênteses, as respectivas cargas nas fundações constantes da planta de “Locação e
Cargas dos Pilares” do projeto estrutural.
Observa-se que o presente cálculo mostra, para os pilares P4, P7, P11, P12, P13 e P14,
cargas verticais permanentes nas suas fundações que são superiores às cargas de projeto
(somatório de cargas permanentes + acidentais). A maior discrepância se dá para as cargas
nos pilares P12 e P13 que atingem um valor cerca de 35% maior que o indicado pelo projeto
original.
Os momentos aplicados aos blocos de fundação, devidos ao carregamento
permanente total, foram obtidos via modelo em elementos de pórtico plano como os das
Figs. 1.d e 2. Os elementos estruturais de concreto armado foram tomados como sendo
íntegros, i.e sem fissuração, e as ligações com os blocos foram consideradas, de modo
muito conservador, como sendo engastadas. Para os elementos vigas foram tomadas as
larguras efetivas de mesa, para cálculo das propriedades geométricas das seções
transversais.
Os pórticos analisados foram aqueles formados pelos pares de pilares P12/P4 e
P13/P7 (vide Fig. 2), os quais são os mais solicitados por cargas verticais e momentos
fletores devido ao carregamento permanente dos pavimentos. Verificou-se com esta análise
que os momentos transversais MX na base desses pilares, vindos do desbalanceamento de
momentos dos pavimentos superiores, são absorvidos principalmente pelas vigas e lajes do
pilotis, cabendo às cintas uma pequena parcela de absorção desses momentos que chegam
aos blocos de fundação com valores bastante pequenos: inferiores a 0,90 dakN.m para os
blocos de fundação B4/B7 e B12/B13.
Os esforços nas fundações devidos às forças de vento, foram analisados
isoladamente mas não são aqui apresentados, já que o acidente ocorreu sem notícias de
ventos fortes, antes ou durante o colapso.
Segundo a direção longitudinal sem cintamento, verificou-se que os momentos MX
sobre as fundações também resultaram bastante pequenos; tanto para os mesmos blocos
B4/B7, B12/B13 quanto para os blocos B3/B8 e B11/B14. Conclui-se assim que as cargas sobre
os blocos de fundação, devidas ao carregamento permanente total, são efetivamente cargas
verticais.
Considerando agora tanto as cargas permanentes quanto as acidentais observa-se,
finalmente, a grande discrepância entre a distribuição de cargas nas fundações obtida na
presente análise e a distribuição dessas cargas apresentadas no projeto. O que chama
bastante a atenção é a grande diferença entre os respectivos valores das cargas para os
pilares dos pórticos principais (P4 = P7 e P12 = P13) e para os pilares de extremidade P1, P2,
P15 e P16. Estas e outras diferenças entre as cargas nos pilares foram devidas
principalmente ao modelo mais refinado para a análise estrutural utilizado[1]
no cálculo de
cargas nos pilares, já que o erro relativo entre os somatórios de cargas nas fundações (i.e
daquelas aqui apresentadas em relação as do projeto original) é de somente 0,5%.
# Subsolo Local e Fundações Adotadas
O subsolo apresenta uma camada de argila orgânica muito mole com espessura que
varia de 10,0 a 12,0 m, sobrejacente a uma camada de areia silto argilosa de compacidade
variável (pouco compacta a compacta) com 3,0 a 4,0 m de espessura. Sob a areia encontra-
se espessa camada de argila silto arenosa rija. Uma segunda camada de areia aparece a
cerca de 27,0 m de profundidade.
As fundações do edifício eram em estacas mistas compostas de perfis metálicos
I10” com uma ponteira de concreto de seção quadrada de 30 x 30 cm e 3,0 m de
comprimento. As estacas tinham comprimentos cravados que variavam de 13,0 m na frente
do prédio a 15,6 m nos fundos. Estes comprimentos indicavam que as estacas tinham suas
ponteiras cravadas na camada de areia silto argilosa subjacente à argila orgânica muito
mole. As sondagens executadas no terreno indicaram uma compacidade menor da camada
de areia no sentido dos fundos do prédio (i.e. sentido de P3 para P8), o que explica o
aumento no comprimento das estacas neste mesmo sentido.
Aparentemente não houve preocupação em orientar as estacas de maneira que os
perfis metálicos tivessem sua menor inércia no sentido contrário à menor dimensão dos
pilares. O controle da profundidade das estacas foi feito pela exigência de uma nega de 10
mm/10 golpes de um martelo de 1,4 dakN caindo de 1,0 m de altura.
As estacas foram compostas em grupos de 3, 4 e 5 perfis I10”, coroados por blocos
rígidos travados apenas em uma direção: a direção da dimensão maior da seção transversal
dos pilares. Essas estacas foram idealizadas estruturalmente com extremidade bi-rotuladas
e, sob pequena reação lateral dos extratos argilosos do terreno, deveriam suportar, com
coeficiente de segurança igual a 2, uma carga máxima igual a 55dakN cada. A carga
resistente de projeto de cada estaca (Fd = 110 dakN) não foi realmente alcançada,
considerando-se o número de estacas por bloco e as cargas permanentes atuantes na fase
final de acabamento do edifício.
A capacidade de carga nas estacas das fundações foi avaliada pelo Prof. Francisco
de Resende Lopes, co-autor do relatório técnico[1]
. Para esta avaliação foram adotados
parâmetros condizentes com as profundidades das estacas e camadas de subsolo fornecidas
por terceiros, executores dos serviços de sondagens e do estaqueamento. A resistência no
trecho de argila orgânica muito mole foi desprezada, uma vez que a ponteira da estaca,
com 3,0 m de comprimento em concreto armado, tendo seção transversal (30 cm x 30 cm)
bastante maior que a do perfil metálico, após sua passagem pela argila mole, deixa um
vazio que é preenchido imediatamente pela argila amolgada.
Tomando-se os resultados para capacidade de carga de ponta de cada estaca típica,
obtidos com a utilização do método Aoki-Velloso modificado[5]
, pode-se avaliar que,
embora com margen de segurança muito reduzidas ( f 1,3) quando comparadas à
prescrição normativa da NBR-6122/1986 ( f = 2,0), as fundações não entrariam em colapso
por perda de capacidade de carga para as solicitações devidas às cargas permanentes
efetivamente atuantes na data do colapso estrutural.
5. Verificação da Estabilidade Estrutural
A verificação da estabilidade e segurança foi feita para os componentes da estrutura
que, segundo a análise, se encontravam em situação potencialmente crítica antes do
colapso do edifício.
De acordo com os resultados obtidos, dentre as fundações dos pilares mais
carregados se encontravam em pior situação àquelas ao longo do eixo longitudinal formado
por P11, P12, P13 e P14. Por outro lado, as estacas das fundações desses pilares tinham
capacidade de carga equivalente, o que deixava em situação mais crítica quanto a
estabilidade estrutural o conjunto formado pelo pilar P12 (ou P13) - bloco - estacas.
Os resultados dos cálculos das cargas críticas (de flambagem) de uma estaca típica
isolada e do conjunto pilar - bloco - estaca são apresentados a seguir..
# Flambagem de uma estaca isolada
As avaliações da estabilidade estrutural de uma estaca típica com fuste em camada
espessa de argila orgânica mole, foram também feitas considerando-se a ponteira em
concreto armado com 3,0 metros de comprimento cravada e engastada na camada de areia,
e o topo da estaca rotulado no fundo do bloco (considerado nesse caso indeslocável
lateralmente). Os resultados obtidos segundo alguns modelos teóricos[1,2]
mostraram que as
cargas críticas (de flambagem) de uma estaca típica isolada, sob as condições consideradas,
eram de fato superiores às cargas atuantes, embora apresentassem coeficiente de segurança
à flambagem reduzido. Os resultados indicaram capacidades de carga entre cerca de 75
dakN a 95 dakN (1 dakN 1 tf).
# Ruptura do pilar mais solicitado por compressão axial centrada
O resultado da verificação dos pilares mais solicitados P12 e P13, sob compressão
axial, indicou uma carga de ruptura no trecho de pilar entre o bloco de fundação e o
pavimento em pilotis, igua a Nult. = 393,0 dakN > carga máxima atuante de serviço Nsol =
352,7 dakN (vide Fig. 5).
Deve-se observar que embora a resistência do pilar à carga axial centrada fosse
superior à carga estimada atuante, o fator de segurança resultante Nult./Nsol 1,12 para
esses dois pilares P12 e P13 era bastante inferior ao requerido pela norma NBR-6118-1980,
mesmo que para apenas a carga permanente, i.e f = 1,4.
Ressalta-se aqui que, sob as mesmas condições de carga, todos os demais pilares
apresentavam fatores de segurança pouco menores (para P4 e P7; P11 e P14) ou maiores do
que 1,4.
# Estabilidade do Conjunto Pilar - Bloco - Estacas
Devido a inexistência de cintamento na direção longitudinal da obra, a estabilidade
dos conjuntos estruturais compostos por cada um dos pilares de concreto armado mais
carregados (P12 e o P13), blocos de coroamento da fundação e grupos de cinco estacas
metálicas (perfis I10”), se encontravam em situação potencialmente crítica para as cargas
permanentes efetivas atuantes no estágio de acabamento do edifício.
A falta de cintamento na direção da menor dimensão da seção transversal desses
pilares, aliada à condição de rótula plástica conferida pela pequena ligação fretada entre
cada estaca metálica e o fundo do bloco, leva ao mecanismo de flambagem ilustrado nas
Figs. 6. Observa-se, com auxílio dessas figuras, que qualquer amplitude de excentricidade
construtiva (associada aos invitáveis desvios geométricos iniciais tanto dos pilares de
concreto armado, quanto das estacas metálicas com comprimento superior a 10,0 metros)
provocaria, com cada acréscimo de pavimentos até o último construido, incrementos de
deslocamentos laterais ( ) do bloco de fundação e consequente rotação desse bloco,
sobrecarregando o par de estacas mais extremas.
# Mecanismo de Colapso Estrutural
Considerando-se então, para um dos pilares P12 ou P13, uma excentricidade
acidental construtiva, e = b/30 0,7 cm, onde b é a menor dimensão da sua seção
transversal (b = 20 cm), pode-se inferir, com as estimativas do modelo numérico
apresentado a seguir, que a carga permanente total nesses pilares levou o conjunto pilar -
bloco - estacas à uma situação irreversível de instabilidade.
A carga de ruptura por flexo-compressão de um desses pilares (~ 350 dakN) foi
alcançada durante o processo relativamente lento de flambagem sob acréscimos sucessivos
de carga; O pilar P12, supostamente com a maior excentricidade construtiva, foi levado
primeiro a uma ruptura brusca para uma carga axial excêntrica aproximadamente igual a
carga de ruptura (350 dakN 350 tf).
A Fig. 7 ilustra, em linha cheia, a evolução do deslocamento lateral do bloco com o
acréscimo de carga de compressão excêntrica. Deve-se observar que, devido as
características reológicas da argila orgânica mole, esta evolução é diferida no tempo. Isto é,
após cada acréscimo de carga (tomando, por exemplo, a carga de mais um pavimento
construído como se fosse instalada num curtíssimo espaço de tempo) há um acréscimo de
deslocamento diferido, visco-elástico, que se adiciona àquele tomado como sendo
puramente elástico, e, devido à aplicação hipoteticamente instantânea da carga
permanente total de mais um pavimento (ilustrado nesta figura em linha tracejada).
Este mecanismo da instabilização por efeito reológico (visco-elástico) foi,
posteriormente ao evento e mais recentemente, estudada com maior profundidade por meio
de modelos matemáticos mais refinados[4]
que o utilizado na data e apresentado na próxima
seção.
A resposta não-linear elástica - carga vertical (aplicada com uma excentricidade
inicial, e) versus deslocamento lateral do bloco - mostrada na Fig. 7 por uma linha
tracejada, foi obtida da seguinte equação[6]
:
4
1
1e P
P
cr (1)
sendo a carga crítica dada por:
Pcr
EaIest
Lc
2
2. (2)
onde (EaI)est. é a rigidez equivalente do conjunto de cinco estacas metálicas I10”, Lc = 2Lef
é o comprimento de flambagem e Lef é o comprimento de engastamento efetivo[7]
das
estacas no subsolo, dado por:
L E I K p L Lef a est h c ef18 4 181 5
, / ; / / ,/
(3)
onde Kh é o coeficiente volumétrico de reação lateral da camada de argila mole.
Adotando os valores dos parâmetros adimensionais:
C L Lef c/ ,0 5 (4.a)
k L E I x KT c a est Total3 310/
. (4.b)
tem-se que 4,0, resultando com a equação (2) numa carga crítica Pcr = 456 dakN ( 460
tf).
Observa-se que na equação (4.b) o coeficiente de mola equivalente Ktotal (vide Figs.
6 e 7) corresponde a superposição da contribuição dos coeficientes de rigidez devidos[2]
:
(i) a rigidez à flexão das vigas e laje do pavimento em pilotis, na direção de menor
rigidez do pilar P12;
(ii) a rigidez à flexão do conjunto do pilar P12 mais as vigas seção T do item (i) na
direção horizontal perpendicular a menor dimensão da seção do pilar;
(iii) a rigidez à flexão lateral do cintamento, i.e. na direção horizontal perpendicular
à menor dimensão da seção do pilar;
(iv) ao empuxo passivo do aterro sobre a face lateral do pilar, no trecho entre o topo
do bloco e as cintas.
(7)
Com a ruptura brusca do pilar P12 (ou alternativamente do P13) todos os demais que
constituiam os pórticos transversais principais (i.e P3/P11, P4/P12, P7/P13 e P8/P14) foram
levados à ruptura. Isto porque não havia elementos de ligação (vigamento nas duas
direções ortogonais intertravando esses pilares) com rigidez à flexão suficiente para
promover o necessário travejamento (ou “aporticamento”) e consequente distribuição de
cargas. Mais ainda, dado o desbalanceamento existente de momentos transversais no nível
de cada pavimento - conferido pelos “balancins” e voltados para dentro da estrutura - o
colapso do edifício ocorreu subitamente como se fora uma implosão programada.
6. Conclusões
Os resultados obtidos da análises estruturais realizadas, indicam o seguinte
mecanismo de colapso total da estrutura: processo relativamente lento de flambagem
reológica, do conjunto pilar-estacas, sob acréscimos sucessivos de carga permanente
devido a cada novo pavimento construido; levando o pilar P12 à ruptura por flexo-
compressão, durante estágio avançado do processo de flambagem.
A ocorrência desse mecanismo de colapso se deveu fundamentalmente à concepção
estrutural não convencional, adotada tanto para as fundações quanto para os pavimentos,
ambos sem travejamento longitudinal, a qual exigia uma verificação rigorosa da
estabilidade e um dimensionamento dos elementos estruturais (estacas metálicas e pilares)
com adoção de coeficientes de segurança majorados, para contornar os erros – sempre
esperados de modelos de cálculo simplificados – cometidos na estimativa da distribuição
de cargas nos pilares e fundações.
Referências Bibliograficas
1. Battista R.C, Lopes F.R (1987) Relatório Técnico COPPETEC ET-15334, Análise das
Causas do Desabamento do Edifício RF-PA, Rio de Janeiro (61pp).
2. Battista, R.C. , Carvalho, E.M.L., Relato e Análise do Colapso Total de um Edifício em
Concreto Armado; Acidentes Estruturais na Construção Civil (Albino J. P. da Cunha;
Nelson A. Lima; Vicente C.A. de Souza; Eds), Vol. 2, pags 63-74
3. Battista R.C, Carvalho E.M.L, Lopes F.R (1997), The Total Colapse of a Slender
Reinforced Concrete for a Residential, submited to Forensic Engineering Int. Journal.
4. Francisco, D.L. (2003), Flambagem reológica de estacas esbeltas em solos argilosos,
Dissertação de Mestrado, (Orientação: Prof. Ronaldo C. Battista) Prog. Eng. Civil,
COPPE/UFRJ.
5. Aoki, N. ; Velloso, D.A. (1975), An approximate method to estimate the bearing
capacity of piles, Proceedings of the 5th Pan American CSMFE, Buenos Aires, Vol. 1,
pp.367-376.
6. Timoshenko S. (1961) Theory of Elastic Stability, Mac Graw-Hill Kogakusha, New
York, USA.
7. Davisson M.T, Robinson K.E (1965), Bending and Buckling of Partially Embedded
Piles, 6th Conf. on Soil Mechanics & Foundation Engineering, USA.
Fig 1 – Concepção estrutural básica
Figura 2 – Pórtico típico – P13/P7, P12/P4, P11/P3, e P14/P8
Figura 3 – Malha em elementos finitos para análise do pavimento-tipo
Figura 4 – Distribuição de cargas nos pilares do pavimento-tipo e ilustração das áreas de influência (1 tf ~ 1 dakN)
Figura 5 – Cargas permanentes sobre os blocos de fundação (1 tf ~ 1 dakN)
Figura 6 – Modelo para verificação da flambagem no conjunto pilar-bloco-estacas
Figura 7 – Flambagem do conjunto pilar-bloco-estacas sob acréscimos sucessivos de carga vertical permanente dos andares sendo construídos
(1 tf ~ 1 dakN)