Post on 23-Nov-2020
Orientador: Mestre José Guilherme Oliveira Mara Vieira
Porto, 2006
Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na área de Rendimento de Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
«Comunicação Específica»
no Futebol
AGRADECIMENTOS
II
AGRADECIMENTOS
O primeiro e o mais importante, aos meus Pais! Agradeço-vos por tudo!
Ao Professor Guilherme, pela sua disponibilidade, pelo que me ensinou e
pelo que me faz sentir… Saudades pelos muitos anos de treino, entusiasmo ao
e pelo «jogar», e portanto, nostalgia ao relembrar! Nunca esquecerei,
professor!... Mas principalmente, por me ter feito (re) conhecer que na vida
para se aprender (e então, ensinar) é preciso saber que sabemos pouco.
Obrigado por tudo isto!
Ao Professor Vítor Frade, por me ter deixado muitas vezes sem saber o que
dizer… Por isso, quaisquer palavras seriam poucas para descrever o horizonte
que fez com que se abrisse em mim por meio dos seus conhecimentos!
Obrigado.
À Filipa, pela amizade e pelos muitos momentos de partilha ao jogar, ao
trabalhar, ao conversar...
Ao Filipe, por ser sem dúvida o meu melhor amigo!
RESUMO
III
RESUMO
Vários estudos têm sido feitos no âmbito da comunicação pelo facto de
ser imprescindível em qualquer contexto, contudo, no que respeita ao Futebol
estas questões não têm sido muitos abordadas, ainda que inúmeras vezes se
coloquem problemas na relação estabelecida entre treinador e jogadores
durante o processo de ensino-aprendizagem/treino do jogo.
Sendo assim, a realização deste trabalho teve como oobbjjeeccttiivvoo ggeerraall: (i)
contextualizar a comunicação no processo de ensino-aprendizagem/treino do
jogo de futebol e compreender as formas de potenciar e melhorar a
comunicação em todo o processo. Como oobbjjeeccttiivvooss eessppeeccííffiiccooss: (i) identificar
os meios utilizados pelos treinadores para transmitir as suas ideias, tentando
compreender o papel do exercício enquanto forma comunicacional; (ii)
entender qual a importância da relação exercício-“intervenção específica” para
que exista comunicação; (iii) identificar competências comunicacionais e áreas
de intervenção Específicas de um treinador de futebol.
Para tal, efectuou-se um revisão da literatura e realizaram-se entrevistas
as especialistas de diferentes áreas – aos treinadores Carvalhal e Guilherme
Oliveira, e ao psicólogo Ângelo Santos – na tentativa de compreender e
esclarecer as nossas questões o melhor possível.
Como resultado da análise e discussão das entrevistas podemos
concluir que (i) há necessidade de um modelo comunicacional do processo de
ensino-aprendizagem para a construção de um «jogar»; (ii) o meio/linguagem
que se destaca é a dos exercícios específicos pela importância atribuída à
especificidade dos hábitos; (iii) para além da configuração estrutural dos
exercícios a dinâmica de interacção do treinador com os jogadores e com o
exercício é que permite que haja uma comunicação efectiva; (iv) concluímos,
ainda, que as competências e áreas de intervenção do treinador são muito
variadas, dada a necessidade de enquadrar a sua acção de acordo com o
momento e a equipa que se tem.
ÍNDICE
IV
Índice AGRADECIMENTOS............................................................................................................. II
RESUMO................................................................................................................................ III
ÍNDICE................................................................................................................................... IV
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 1
2. REVISÃO DA LITERATURA............................................................................................. 3
2.1. A Problemática Comunicacional: da “Informação” à “Comunicação”... só se existir
um contexto..................................................................................................................... 3
2.2. Que Fenomenologia Comunicacional?.................................................................... 10
2.2.1. As ideias... por detrás dos conceitos: “Físico”, “Técnico”, “Psicológico” e
“Táctico” .................................................................................................................... 10
2.2.2. Da complexidade do fenómeno em causa («Jogo») à Periodização Táctica
... que caminhos a percorrer?.................................................................................... 13
2.3. Que Comunicação(ões) Específica(s)?.................................................................... 19
2.3.1. “Comunicações Internas”................................................................................. 20
2.3.1.1. Nos treinadores - O modelo de ensino-aprendizagem/treino...
uma construção comunicacional................................................................... 21
2.3.1.2. Nos jogadores – A interacção de diferentes domínios para a
Especificidade do conhecimento na aprendizagem..................................... 24
i) O conhecimento declarativo e processual.................................... 25
ii) As emoções................................................................................. 27
iii) As imagens mentais.................................................................... 29
2.3.2. “Comunicação Externas”... ............................................................................. 31
2.3.2.1. Entre treinadores-jogadores/equipa. Que linguagem(s) utilizar?.... 33
i) ... a dos Exercícios Específicos.................................................... 33
ii) ... a da “Intervenção Específica”. Uma linguagem que
“constrói”.......................................................................................... 36
iii)... a não-verbal/emocional. Um contributo para a Especificidade
da comunicação.............................................................................. 40
2.3.2.2. Entre Jogador(es) – Jogador(es)/Equipa: A linguagem do
Conhecimento Específico............................................................................. 44
3. MATERIAL E MÉTODOS.................................................................................................. 49
3.1. Caracterização da amostra....................................................................................... 49
3.2. Metodologia de Investigação.................................................................................... 49
3.3. Recolha de dados..................................................................................................... 50
ÍNDICE
V
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS...................................................... 51
4.1. Um modelo comunicacional do processo de ensino-aprendizagem/treino?! A
construção de um «jogar» assim o exige!................................................................. 51
4.2. Na Construção Comunicativa de um «Jogar»... a essencialidade das
“Linguagen(s)” do Treinador com a da Equipa/Jogadores........................................ 53
4.2.1. Do Treinador: As “Linguagens Específicas”....................................... 53
4.2.1.1. Destaque aos exercícios... ................................................. 54
4.2.1.2. Que Intervenção... pela comunicação................................. 56
4.2.2. Com a da Equipa/Jogadores: A linguagem do Conhecimento
Específico .................................................................................................... 59
4.2.2.1. Conhecer e então criar! ...................................................... 59
4.2.2.2. O “Onze” Ideal! ................................................................... 60
4.3. Potenciar e melhorar a Intervenção/comunicação em todo o processo mas…
que especificidades?................................................................................................. 61
4.3.1. O (re)conhecimento das competências do “Treinador”…................... 61
4.3.2. Emoção por uma melhor Comunicação….......................................... 63
4.3.3.1. A linguagem não-verbal...................................................... 65
4.3.4. Preparar diferentes “discursos” pelas necessidades do(s)
momento(s) mas... atenção ao “público”!..................................................... 68
4.3.5. Boa ou má comunicação na equipa?! As responsabilidades a quem
as tem........................................................................................................... 70
4.3.6. Faltará mais alguma coisa?! .............................................................. 71
5. CONCLUSÕES.................................................................................................................. 73
6. REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS……............................................................................. 75
7. ANEXOS ........................................................................................................................... 81
INTRODUÇÃO
1
1. INTRODUÇÃO
«O homem tem dois tipos de delírio. Um evidentemente é muito visível, é o da incoerência
absoluta, das onomatopeias, das palavras pronunciadas ao acaso. O outro é muito menos
visível, é o delírio da coerência absoluta. Contra este segundo delírio, o refúgio, está na
racionalidade autocrítica e no recurso à experiência.» (Morin, 2001: 105)
Estamos numa sociedade onde as preocupações com a comunicação
parecem ser permanentes, contudo, para quem se preocupa com estas
questões acredita existir mais processos de informação do que de
comunicação. Por exemplo, ao escrevermos estas palavras estamos a informar
e não a comunicar, pois “desprezamos” as motivações, as convicções e as
sensibilidades do leitor. Por isso, corremos o risco de não sermos
compreendidos.
Já no contexto do futebol, em particular no processo de ensino-
aprendizagem/treino, ainda que pudessemos pensar ser diferente, já que os
interlocutores se conheçam e estão “cara-a-cara”, os problemas de
compreensão parece continuarem a existir. Quem nunca ouviu treinadores
dizerem que ter repetido “um milhão de vezes” a mesma mensagem e não
perceberem porque é os seus jogadores não fazem o que eles pedem!?
Assim, considerando os problemas que se colocam na prática,
propusemo-nos através do presente estudo esclarecer o melhor possível as
questões comunicacionais sendo o jogo a principal preocupação.
Para isso, acreditamos ser necessário atender à natureza complexa do
jogo, à qual vemos associar-se uma concepção de treino, também ela é
complexa - a “Periodização Táctica”. Uma concepção que tem como
particularidade a acentuação dos princípios de um Modelo de Jogo para a
construção de uma forma de jogar, e que por isso, vê, as interacções entre
treinadores e equipa/jogadores imprescindíveis. Daí, que consideremos que
seja “guia” para a abordagem ao tema.
INTRODUÇÃO
2
Para além disso, considera-se uma fenomenologia determinada ou
«Fenomenotécnica», pois tem uma especificidade de intervenção por parte de
quem gere o processo, o treinador (Frade, 2004, In Leal, 2004). Como tal, as
competências comunicacionais do treinador de extrema relevância.
A realização deste trabalho tem, por isso, como oobbjjeeccttiivvoo ggeerraall: (i)
contextualizar a comunicação no processo de ensino-aprendizagem/treino do
jogo de futebo e compreender as formas de potenciar e melhorar a
comunicação em todo o processo. Como oobbjjeeccttiivvooss eessppeeccííffiiccooss: (i) identificar
os meios utilizados pelos treinadores para trasmitir as suas ideias, tentando
compreender o papel do exercício enquanto forma comunicaciobal; (ii)
entender qual a importância da relação exercício-“intervenção específica” para
que exista comunicação; (iii) identificar competências comunicacionais e áreas
de intervenção Específicas de um treinador de futebol.
Assim, a estrutura deste trabalho é composta pela (1) introdução, (2)
revisão da literatura relativamente à problemática em questão, (3) material e
métodos, (4) apresentação e análise das entrevistas realizadas aos
especialistas de diferentes áreas (aos treinadores Carvalhal e Guilherme
Oliveira, e ao psicólogo Ângelo Santos), (5) conclusões, (6) referências
bibliográficas e, por fim, (7) os anexos.
REVISÃO DA LITERATURA
3
2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. A Problemática Comunicacional: da “Informação” à “Comunicação”... só se existir um contexto
«a evolução cognitiva não vai no sentido da elaboração
de conhecimentos cada vez mais abstractos mas, pelo
contrário, vai mais no da sua contextualização» (Bastien,
1992; In Morin, 1999: 40)
O aparecimento dos primeiros estudos das ciências sociais e humanas
sobre comunicação apresentava uma ideologia comunicacional com uma
estreita ligação às abordagens behavioristas, sendo a obra de de Shannon &
Weaver (1949), Mathematical Theory of Communication, a largamente aceite
como uma das principais fontes para tais estudos (Littlejohn, 1982; Tavares,
1995; Fiske, 2000).
Tal ideologia entendia, em termos muitos gerais, a comunicação como
uma relação entre uma fonte (emissor) que transmite uma mensagem por um
canal, mensagem essa recebida, posteriormente, no outro extremo do mesmo
canal, pelo destinatário (receptor). Uma definição instrumental que esteve em
destaque até aos anos 80, que diluía num todo indiferenciado, os conceitos de
Informação e Comunicação (Tavares, 1995).
No entanto, segundo vários autores (Littlejohn, 1982; Tavares, 1995;
Dias, 1999; Fiske, 2000) a definição apresentada integra um modelo
unidireccional e unilateral que reduz a complexidade de um fenómeno
comunicacional a uma visão instrumental de absoluta linearidade (a
Informação).
Ou seja, o modelo referido é um processo informacional e não
comunicacional, já que faz crer que os comportamentos exteriores dos
indivíduos baseiam-se simplesmente nas relações causa-efeito ou estímulo-
resposta. Deste modo, a cada informação corresponderia um determinado
comportamento, desprezando-se as ambiguidades, as motivações psicológicas
e do inconsciente; esquecendo-se o ambíguo, o diverso e o incerto.
REVISÃO DA LITERATURA
4
Neste sentido Tavares (1995: 20) afirma que o processo informacional é
“um instrumento, «cego» em relação aos fins, meio de transmissão e difusão
de mensagens; utilizável para atingir qualquer objectivo, desde o influenciar de
atitudes, ao enraizar subliminar as ideologias, à provocação e indução de
determinados comportamentos”.
Para Dias (1999) o processo informacional define-se como um circuito
unilateral, onde a informação circula exclusivamente do emissor para o
receptor, sendo um tipo de relação característico entre sujeitos com desníveis
de poder, em que o mais forte pratica um estilo autocrático de relacionamento,
e está interessado na manutenção deste tipo de relacionamento. É um tipo de
relação que mantém, pois, a irreversibilidade, o desenvolvimento, e suscita
frequentemente equívocos de compreensão.
A este processo de transmissão de informação irreversível opõe-se um
processo comunicacional complexo, que de acordo com Tavares (1995) é
formador de sujeitos e formado por eles, onde os protagonistas aceitam o outro
como sujeito, reconhecendo nele a capacidade para a interlocução (o sujeito,
ele próprio, se afirma). Assim se compreendem as críticas à famosa máxima de
Descartes, já que o momento de afirmação da existência de um Eu não é,
como levaria a supor o «eu penso, logo existo», independente da afirmação da
existência do outro.
Numa primeira aproximação à definição de Comunicação, a palavra
comunicação vem do latim “Communis” que significa “comum”, “entrar em
relação com” (Lampreia, 1983: 23). Segundo o mesmo autor só há
comunicação quando uma mensagem tem significado comum para os dois
pólos, emissor e receptor.
Todavia, a natureza complexa e multidisciplinar do processo
comunicacional leva a que o termo comunicação não se possa restringir a uma
definição. Vários são os pontos de partida para a investigação, por meio de
disciplinas como: a cibernética, a psicologia, a psicologia social, a linguística, a
antropologia e a filosofia. Como tal, não existe uma definição única, mas
definições que se adequam legitimamente ao contexto em que são
conceptualizadas (Heinemann, 1979; Littlejohn, 1982; Fiske, 2002).
Nesta perspectiva e dada as dificuldades em caracterizar o processo
comunicacional, já na década de 80, Littlejohn (1982: 36) refere que procurar
REVISÃO DA LITERATURA
5
“uma única definição operacional talvez esteja longe de ser tão proveitoso e
fecundo quanto explorar os vários conceitos subentendidos no termo”, visto o
termo comunicação poder ser usado legitimamente de muitas formas.
Assim, inicialmente apresentámos a Figura 1 de Littlejohn (1982) que
contem as componentes conceptuais em comunicação tentando demonstrar os
diversos sentidos (objectivos) que as definições do termo «Comunicação»
podem integrar. Figura 1 - Componentes Conceptuais em “Comunicação”(Adaptado de Littlejohn, 1982) Definições Componentes “Comunicação é o intercâmbio verbal de pensamento ou ideia.” (Hoben, 1954)”
1. Símbolos /Verbais/Fala
“Comunicação é um processo pelo qual compreendemos os outros e, em contrapartida, esforçamo-nos por compreendê-los. É um processo dinâmico, mudando e variando constantemente em resposta à situação total.” (Anderson, 1959)
2. Compreensão
“A interacção, mesmo em nível biológico, é uma espécie de comunicação; caso contrário, actos comuns não poderiam ocorrer.”(Mead, 1963)
3. Interacção/ Relacionamento/ Processo Social
“A comunicação decorre da necessidade de reduzir a incerteza, de actuar eficientemente, de defender ou fortalecer o ego.” (Barnlund, 1964)
4. Redução da Incerteza
“Comunicação: a transmissão de informação, ideia, emoção, habilidades, etc, pelo uso de símbolos – palavras, imagens, números, gráficos, etc. È o acto ou o processo de transmissão que usualmente se designa como comunicação.” (Berelson & Steiner, 1964)
5. Processo
“ (...) o fio condutor parece ser a ideia de algo que está sendo transferido de uma coisa ou pessoa para outra. Usamos a palavra ‘comunicação ora em referência ao que é assim transferido, ora aos meios pelos quais é transferido, ora ao processo como um todo. Em muitos casos, o que é assim transferido, continua sendo compartilhado; se eu transmito informação a outra pessoa, ela não deixa de estar em minha posse, pelo facto de passar a estar na posse dela. Assim sendo, a palavra ‘comunicação adquire também o sentido de participação. É nessa acção, por exemplo, que os devotos religiosos comungam.” (Ayer, 1955)
6. Transferência/ Transmissão/ Intercâmbio
“A comunicação é o processo que liga entre si partes descontínuas do mundo vivo.” (Ruesch, 1957)
7. Ligação/ Vinculação
“ (Comunicação) é um processo que torna comum para dois ou muitos o que era monopólio de um ou poucos.” (Gode, 1959)
8. Participação Comum
“Os meios de emissão de mensagens militares, ordens, etc., por telefone, telégrafo, mensageiros ou estafetas” (American college dictionary)
9. Canal/ Transmissor/ Meio/ Via
“Comunicação é o processo de conduzir a atenção de outra pessoa, com a finalidade de reproduzir lembranças.” (Cartier & Harwood, 1953)
10. Reprodução de lembranças
“Comunicação é a resposta discriminatória de um organismo a um estímulo.” (Stevens, 1950)
11. Resposta Discriminativa/ Modificação do Comportamento/ Resposta
“Todo e qualquer acto de comunicação é visto como uma transmissão de informação, consistindo em estímulos discriminativos de uma fonte para um receptor.” (Newcomb, 1966)
12. Estímulos
REVISÃO DA LITERATURA
6
“Em sua essência, a comunicação tem como seu interesse central aquelas situações comportamentais em que uma fonte transmite uma mensagem a um receptor (ou receptores), com o propósito consciente de afectar o comportamento deste último (ou deste últimos).” (Miller, 1966)
13. Intencional
“O processo de comunicação é o de transição de uma situação estruturada como um todo para a outra, num padrão preferido.” (Sondel, 1956)
14. Tempo/ Situação
“ (...) comunicação é o mecanismo pelo qual o poder é exercido.” (Schacter, 1951)
15. Poder
Passando para a década de 90, observamos que as definições
apresentadas continuam a diferir entre si em função dos objectivos que se
pretendem alcançar.
Começamos por citar Berlo (1991: 22) que diz que “o objectivo básico da
comunicação é tornar-nos agentes influentes, é influenciar-mos outros, nosso
ambiente físico e nós próprios, é tornar-nos agentes determinantes, é termos
opção no andamento das coisas”. Em síntese a comunicação é um processo
que consiste em “influenciar com intenção”.
Já para Ellis & McClintock (1993) a comunicação considera-se um
processo de negociação no qual cada pessoa implicada que envia ou recebe
uma mensagem procura um terreno comum de forma a chegarem a um acordo.
Os autores Ellis & McClintock (1993) consideram, ainda, que as experiências
compartidas, a cultura comum, o uso de signos linguísticos e chaves comuns
ajudam na procura de um significado consensual que serve como um veículo
para intercambiar ideias e formalizar relações.
No mesmo sentido Adriano Rodrigues (1994) define comunicação como
um processo de transacção (negociação) entre indivíduos, mas também, um
processo de interacção dos indivíduos com a natureza, dos indivíduos com as
instituições e ainda o relacionamento que cada indivíduo estabelece consigo
próprio”.
Santos (1998: 10) apresenta uma perspectiva diferente das demais
dizendo que “Comunicar significa transmitir sentimentos casuais ou
intencionais, de um ponto para o outro”.
Dada a diversidade de definições e de pontos de vista, concordamos
com Fernandes (2000: 10) quando refere que Comunicação significa “tornar ou
pôr algo em comum, partilhar ideias, informações, atitudes, sentimentos,
emoções ou comportamentos; participar ou comparticipar algo com alguém,
REVISÃO DA LITERATURA
7
emana de tal conceito, que comunicar é expressar pensamentos, sentimentos
e emoções, dar e receber informações ou estabelecer contactos com alguém”,
num intercâmbio dinâmico e interactivo (Pestana, 2003).
Face ao exposto anteriormente, parece-nos claro e inequívoco que
emerge uma nova forma de encarar o processo comunicacional na sociedade
actual, e consequentemente nas Ciências do Desporto, onde é posta em causa
a soberania do Eu, o Eu total e auto-suficiente deslocando-se a sua
problematização, de acordo com Tavares (1995: 20), para um “espaço
compartimentado onde há um sujeito emisssor e um outro receptor para um
novo contexto de intersubjectividade, onde apenas o acto elocutório permite o
estabelecimento de um significado e onde o valor do enunciado decorre das
circustâncias de enunciação”.
Partindo desta perspectiva, o processo comunicacional só fará sentido
quando compreendido num determinado contexto, neste caso específico, no
reconhecimento do mesmo na relação estabelecida entre os “actores” do
processo de ensino-aprendizagem/treino.
Relativamente ao ensino, Godinho (2002) afirma que do ponto de vista
da organização da sociedade é o processo que tem em vista a transmissão de
conhecimentos e de cultura. Um processo que só faz sentido quando existe
uma entidade que recebe, processa e transforma a informação, isto é, o que
aprende.
No treino, Mesquita (1998) destaca a instrução quando entendida como
os comportamentos que fazem parte do reportório do treinador para comunicar
informação substantiva, afirmando que “treinar bem é o resultado de
comunicações eficientes” (Tinning, 1982, Leith, 1992; In Mesquita, 1998: 55).
Relativamente ao desenvolvimento do ciclo de aprendizagem, segundo o
aspecto específico da comunicação, Nonaka (1994; In Strauss, R. et al. 2001:
69) descreve-o como uma “onda” dizendo que “a comunicação é um fenómeno
simultâneo e contextual, em que as pessoas sentem a ocorrência a uma
mudança e são impelidas a agir. Por outras palavras, a comunicação é como
uma onda que atravessa o corpo das pessoas e culmina quando todas estão
em sincronia com a onda. Assim, a partilha de ritmo mental e físico entre os
participantes de um campo, pode servir como uma força condutora da
socialização”.
REVISÃO DA LITERATURA
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O treinador como líder de todo o processo de ensino
aprendizagem/treino, para intervir, deverá (re) conhecer a “Comunicação” como
um elemento decisivo para o exercício da sua função (Martens, 1999), já que, o
rendimento dos jogadores depende do sistema de comunicação na relação
treinador-jogadores e jogador(es)-jogador(es), pois as informações transmitidas
darão indicações relativas à concretização das tarefas que estão a realizar
(Pina & Rodrigues, 1994).
Por conseguinte, o processo de ensino-aprendizagem/treino pode
mesmo ser definido como um processo comunicacional, pois, segundo Tavares
(1995), a comunicação caracteriza-se pela importância da experiência
individual [treinador e jogador] e pela inter-subjectividade na relação com
outros sujeitos [treinador-jogadores e jogador(es)-jogador(es)].
Então, podemos afirmar que é por meio da comunicação que o treinador
e jogador entra em contacto consigo mesmo (intra-pessoal), e com os outros
(inter-pessoal), sendo ambas fundamentais para a sua comunicação. Segundo
vários autores (Robbins, 1993; Becker Júnior., 2000; Spritzer, S/D) a primeira
designa-se “comunicação interna” e a segunda “comunicação externa”.
As comunicações internas caracterizam-se pelas coisas que
imaginamos, dizemos e sentimos dentro de nós. Enquanto as comunicações
externas são as quais vivenciamos por meio das palavras, inflexões,
expressões faciais, posturas corporais e acções físicas (Robbins, 1993).
Logo, é através da relação entre comunicação intra e inter-pessoal que o
treinador e jogadores definem e decidem “o valor das ideias, sentimentos,
imagens, sons, gestos, atitudes, olhares, modos de agir e reagir” (Spritzer,
S/D), num conjunto de impressões e expressões que constituem o processo de
ensino-aprendizagem do jogo de Futebol.
Na opinião de Spritzer (S/D), no século XX passamos pela era da
informação que necessita ser transformada em conhecimento; por sua vez,
esse conhecimento em experiência. O século XXI será a era da experiência,
significando que há tanta informação disponível que só a experiência
compreendida e utilizada em nível de excelência é capaz de filtrar e organizar o
que é mais importante para alcançar resultados desejados.
Portanto, no presente século, apenas a experiência contextualizada nos
fará transformar as informações provenientes do jogo em comunicação
REVISÃO DA LITERATURA
9
pertinente e objectiva, logo, ter sucesso. Para isso, o treinador deverá
organizar as informações (ideias de jogo/ modelo de jogo), utilizando os meios
adequados (exercícios e intervenção específica) para uma operacionalização/
comunicação eficaz junto dos seus jogadores/equipa.
Como afirma Adriano Rodrigues (2000) enquanto a informação consiste
na transmissão de um saber [princípios do modelo de jogo] a alguém que é
suposto não a deter [jogadores/equipa]; a comunicação consiste numa partilha
de uma semelhante experiência de vida por pessoas com uma identidade
comum [treinadores/equipa/jogadores].
Acreditamos, assim, que no processo ensino-aprendizagem/treino é a
CCoommppeettêênncciiaa CCoommuunniiccaacciioonnaall EEssppeeccííffiiccaa ddoo TTrreeiinnaaddoorr e não mais apenas o
acesso a conteúdos de informação que faz a diferença entre sucesso e
fracasso.
REVISÃO DA LITERATURA
10
2.2. Que Fenomenologia Comunicacional?
2.2.1. As ideias... por detrás dos conceitos: “Físico”, “Técnico”, “Psicológico”, “Táctico”
«A ideia que não procura converter-se em palavra é uma
má ideia, e a palavra que não procura converter-se em
acção é uma má palavra.» (Chesterton, S/D)
Como vimos anteriormente, a informação só se torna comunicação se a
experiência do treinador estiver devidamente contextualizada. Partindo desta
constatação, cremos que as ideias orientadoras e meios mobilizados para
comunicar, durante o processo de ensino-aprendizagem/treino, serão tanto
melhores quanto mais se aproximarem da dimensão táctica, a mais
representativa do conhecimento do próprio jogo.
Mas serão unânimes as opiniões acerca desta perspectiva? Será que
todos quantos se preocupam com o futebol concentram a sua atenção no
conhecimento das regularidades dos comportamentos da equipa? Será a
dimensão táctica a dirigir todo o processo de ensino-aprendizagem/treino?
Ao longo dos tempos, investigadores e treinadores vêm reconhecendo a
multidimensionalidade do jogo, a partir do estudo da natureza e da diversidade
dessas dimensões: a táctica, a técnica, a fisiológica e a psicológica (Bangsbo,
1993; Kunze, 1981; Miller, 1995; In Garganta et. al., 1996; Garganta, 1997).
Porém, existem outras preocupações. Procura-se saber também qual(is) a(s)
que expressa(m) maior predominância no jogo, porque representam um quadro
de referências em relação às orientações na organização do processo de jogo,
ensino e treino. Guilherme Oliveira (2004) partilha desta opinião quando afirma
que a hierarquização das dimensões reflecte as concepções e as ideias de
jogo do treinador. Então, é neste ponto que as opiniões parecem não ser
consensuais, nomeadamente, no que concerne à influência de cada uma das
dimensões na expressão do próprio jogo, e consequentemente, nas ideias que
orientam o processo de ensino e treino; pois como refere Morin (2001: 14)
“todo o conhecimento opera por selecção de dados significativos e rejeição de
dados não significativos: separa (distingue ou desune) e une (associa,
REVISÃO DA LITERATURA
11
identifica); hierarquiza (o principal, o secundário) e centraliza (em função de um
núcleo de noções mestras)”. Um facto, facilmente observável quando
analisamos os múltiplos estudos existentes e interpretamos as ideias que os
fundamentam.
Muita da bibliografia defende uma concepção assente no domínio físico
(Bangsbo, 1993; Faina et al., 1988; Reilly, 1990; Talaga, 1984; In Garganta et
al., 1996), ainda que considerem que os condicionalismos tácticos e as
habilidades motoras dos jogadores tenham implicações importantes (Bangsbo,
1993; Reilly, 1990, 1994, 1996; In Garganta et al., 1996). Por sua vez, Lotina
(2003) salienta a dimensão técnica em detrimento das restantes, pois segundo
o mesmo “com muita qualidade técnica faz falta menos preparação física, faz
falta menos táctica, faz falta menos tudo”. Já os treinadores José Romão e
Fernando Castro Santos (2003; In Fernades 2003) afirmam ser a dimensão
psicológica a orientarem o processo de ensino e treino, salientando o espírito
de grupo que se cria para o jogo e a motivação do jogador. Nestes casos,
parece-nos notório que, as ideias que irão orientar os comportamentos dos
equipa/jogadores são perspectivados sem considerar as contextualizações que
os suportam, nomeadamente, as acções complexas inerentes ao próprio jogo.
Todavia, “a contextualização é uma condição essencial da eficácia
(funcionamento cognitivo)” (Bastien, 1992; In Morin, 1999: 41) para que as
informações provenientes do jogo façam sentido, daí, que a dimensão táctica,
de acordo com Frade (2004), seja o “elemento causal” para a organização, e
posterior, comunicação das ideias/conhecimento do treinador. Assim sendo,
emerge paralelamente um outro entendimento, onde se perspectiva o processo
comunicacional no ensino-aprendizagem/treino do jogo a partir da análise dos
seus contextos, nos quais a “componente táctica funciona como guia de
reflexão e acção, como elemento vertebrador e não como resíduo ou
subproduto do rendimento” (Garganta et al., 1996). Uma dimensão táctica,
segundo vários autores (Teodurescu, 1984; Queiroz, 1986; Frade, 1989;
Guilherme Oliveira, 1991; Gréhaigne, 1992; Castelo, 1994; Garganta, 1997; In
Guilherme Oliveira, 2004) geradora e condutora de todo o processo de jogo, de
ensino e de treino, uma vez que o principal problema colocado às equipas e
aos jogadores é sempre de ordem táctica.
REVISÃO DA LITERATURA
12
A capacidade de jogo surge, então, como “uma capacidade complexa
que combina tacticamente uma grande diversidade de capacidades
psicológicas e físicas, assim como um grande número de habilidades técnicas
com acções de jogo complexas, para as quais as tarefas exigidas são
resolvidas de forma eficaz” (Schllenberger, 1990; In Faria & Tavares, 1996: 45);
através do funcionamento cognitivo (Guilherme Oliveira, 2003). Portanto, o jogo
de futebol é um fenómeno táctico que “não é físico, não é técnico, não é
psicológico, mas precisa das três para se manifestar” (Frade, 1996; In Faria,
1999: 14). Porém, um táctico que só faz sentido quando contextualizado, logo
“um táctico que tem haver com a proposta de jogo que se pretende, logo não é
um táctico abstracto” (Frade, 2003). A este respeito parece concordar Faria
(2003) afirmando, que o futebol é táctico quando apreendido como “um táctico
modelo, táctico cultura, táctico como entendimento colectivo de uma forma de
jogar de uma filosofia de jogo, definida claramente pelo treinador e que tem que
ser a relação entre cada um dos elementos da equipa e sob a qual todos se
devem orientar”.
Em suma, o jogo de futebol é um fenómeno eminentemente táctico, por
conseguinte, complexo. Impondo-se, assim, que toda a acção comunicativa no
ensino-aprendizagem/treino do jogo seja entendida, concebida e modelizada a
partir da Especificidade dessa complexidade.
REVISÃO DA LITERATURA
13
2.2.2. Da complexidade do fenómeno em causa («Jogo») à Periodização Táctica... que caminhos a percorrer?
«O Homem é aquilo em que acredita»
(Tchekhov, S/D)
A ciência só existe, enquanto crítica da realidade, a partir da realidade
que existe, à sua transformação numa outra realidade (Boaventura Sousa
Santos, 1989); só possível através do pensamento complexo (Morin, 1990).
Transpondo para o conhecimento do jogo de futebol, o pensamento
complexo surge como uma propriedade de representação desse mesmo jogo.
Passando-se a reconhecer, segundo Cunha e Silva (2003; In Tavares, 2003), o
jogo enquanto “sistema complexo que não pode ser caracterizado a partir da
reunião das características e qualidade das partes constituintes, e cujo
comportamento não pode ser previsto a partir das partes componentes”; e não
linear, porque ao pensarmos num jogo de futebol, e ainda que possamos tentar
prever os comportamentos em função de alguns indicadores, não o
conseguimos fazer rigorosamente.
Dentro dos sistemas complexos não lineares a considerar para a
apreensão do processo de jogo, ensino e treino, Cunha e Silva (2003; In
Tavares, 2003: LI) enuncia dois: “um sistema caótico, particularmente sensível
às condições iniciais; e um sistema fractal, apesar de haver sensibilidade, há
uma regularidade”.
A teoria do caos aparece como uma explicação do jogo devido às
características de ordem e estabilidade, por um lado, e desordem e
irregularidade, por outro, inerente ao próprio jogo. Segundo Garganta e Cunha
e Silva (2000) em muitos casos, a ordem parece nascer do caos. Isto é,
consoante o tipo de perturbação aleatória que o sistema sofre, torna-se instável
surgindo um outro tipo de organização como resultado das reacções que se
processam em condições de não equilíbrio provocando o aparecimento
espontâneo de estruturas que apresentam uma certa ordem, no entanto, logo
de seguida aparece uma nova perturbação que o torna instável. Ou seja, uma
sucessiva alternância de estados de ordem e desordem, estabilidades e
instabilidades característico do jogo (Garganta, 2001). Porém, caos e
REVISÃO DA LITERATURA
14
estabilidade ainda que pareçam conceitos antagónicos, não o são, porque um
sistema caótico pode ser isoladamente imprevisível mas globalmente estável
(Gleik, 1989; In Garganta, 1997); na medida em que irrompem padrões de
regularidade, à grande escala, ainda que pareçam caóticos quando analisado à
pequena escala (Cunha e Silva, 1995). Nesta perspectiva, observamos a
importância da teoria do caos ao descobrir para os acontecimentos caóticos do
jogo uma padronização.
Relativamente à teoria das fractais, é uma teoria que constitui-se
inicialmente como uma geometria, já que pretende explicar a irregularidade de
objectos naturais, de geometria irregular, mas que possuem o mesmo grau de
irregularidade em todas as escalas; uma propriedade designada por auto-
semelhança ou invariância da escala (Cunha e Silva 1995, 2002, 2003;
Oliveira, 2003). Uma auto-semelhança/invariância dentro daquele território que
é definido pelo atractor estranho1 (figura do caos), a “bacia de atracção”
(Cunha e Silva, 2002); dentro da qual se probabilizam ocorrências (Bateson,
1987; In Cunha e Silva, 1995), ou seja, dentro de um padrão de funcionamento.
Resumindo, “a teoria dos fractais é uma teoria das formas, das formas
irregulares que depois se transforma numa teoria da função, ou seja das
funções imprevisíveis, sendo por isso que a teoria dos fractais se liga à teoria
do caos porque ambas pretendem fornecer alguma previsibilidade para aquilo
que à partida seria imprevisível” (Cunha e Silva, 2003; In Tavares, 2003:
XLVII). Para Oliveira (2003: 91) “o essencial desta nova descrição do real é que
potencia, de certo modo, a visão, reeducando o olhar, que atinge o cérebro de
modo mais rápido que qualquer outra aproximação sensorial. De facto, com o
olhar adquirimos a informação de modo global e não sequencial, seguindo uma
sucessão temporal”.
Na lógica do processo de ensino e treino do futebol, “o treinador
desejaria era ser um fractalisador, de certa forma, alguém que organizasse o
jogo a partir dessas invariantes e pudesse construir essas invariantes no «ante-
jogo»” (Cunha e Silva, 2003; In Tavares, 2003: LI), diminuindo ao mínimo a
imprevisibilidade que cada jogo contém.
_______________________ 1 Um atractor estranho é uma figura que representa o comportamento de um sistema caótico (um sistema que exibe
turbulência) num espaço de fase. O espaço de fase, por sua vez, é um espaço não topológico capaz de representar
num ponto todas as características do sistema num momento (Cunha e Silva, 1995)
REVISÃO DA LITERATURA
15
Atendendo a este quadro de referências, vemo-nos perante a
necessidade de modelizarmos o jogo afim de verificarmos que a informação
que de início parece muito caótica, acaba por ganhar uma certa regularidade,
uma certa periodicidade (Cunha e Silva, 2002); pois acreditamos que a
“inteligibilidade” pretendida no processo de ensino-aprendizagem/treino do
jogo, só é possível se apreendermos estes novos modelos mentais complexos
capazes de entender, organizar e representar essa periodicidade. Modelos que
permitam a deliberação raciocinada, a invenção e a avaliação dos projectos de
acção (Le Moigne, 1994).
Na prática, uma nova modelização que satisfaça o processo complexo
de ensino-aprendizagem/treino do jogo, na opinião de Gréghaigne (1992), uma
abordagem do tipo sistémico. Esta é a razão porque despoleta na metodologia
do treino, segundo Vítor Frade (1985), o conceito de Modelização Sistémica.
Garganta (1997) parece concordar fundamentando a sua opinião por meio de
quatro categorias fundamentais da modelização sistémica: interacção,
globalidade, complexidade e a organização. Para este autor o processo de
ensino-aprendizagem/treino é interactivo, porque os jogadores que o
constituem actuam numa relação de reciprocidade; global, porque o valor da
equipa é maior do que a soma dos valores individuais dos jogadores que a
constituem; complexo, porque existe uma profusão de relações entre os
elementos do treino; organizado, porque a sua estrutura e funcionalidade
configuram-se a partir de planos diferenciados estabelecidos no respeito por
princípios e regras em função das finalidades e objectivos.
Considerando a exposição do paradigma anterior assimilado, é
necessário interpretá-lo agora como método de concepção de modelos
complexos a partir de uma nova abordagem metodológica do processo de
ensino-aprendizagem/treino. Pois, se conceber é organizar, uma concepção é
uma organização, organizada e organizante, e um modelo não se pode reduzir
a um esquema organizado, por maior que seja a sua qualidade. Necessitamos
de construi-lo e lê-lo na sua potencialidade organizadora: ele tem que ser
organizante se pretende dar conta da complexidade apercebida (a essencial
imprevisibilidade) do fenómeno modelizado (Le Moigne, 1994).
O conceito de Periodização Táctica surge, assim, como uma forma de
criar, gerir, entender, organizar e tratar um fenómeno complexo – o processo
REVISÃO DA LITERATURA
16
ensino-aprendizagem/treino do «Jogo». Já que de acordo com Frade (2001; In
Tavares, 2003: 24) assumir uma Periodização Táctica é distribuir ao longo do
tempo a estruturação táctica (sistémica) da equipa; como se quer que a equipa
jogue e as regularidades da equipa ao longo do jogo, ou seja, na organização
ofensiva, defensiva e nas transições entre as duas organizações. Passando por
desenvolver enunciados (princípios) ensináveis, susceptíveis de restituir a
construção das representações graças às quais dispomos de um conhecimento
deliberado do fenómeno em causa.
Nesta perspectiva, a Periodização (Táctica) está relacionada com o
“tempo que é necessário para que o processo se constitua e que é balizável
pela existência de determinados pilares” (Frade, 2004, In Leal, 2004: III), por
isso mesmo, é denominada pelo mesmo autor como “OPERACIONALIZAÇÃO”.
Assim entendida, torna-se, segundo Frade (2004, In Leal, 2004), uma
fenomenologia determinada ou «Fenomenotécnica», pois tem uma
especificidade de intervenção por parte de quem gere o processo, o treinador.
Por sua vez, a Táctica, na perspectiva de Frade (2005; In Dias, 2005: ILII) é
uma “«supra dimensão» (…) uma vez que inicialmente nasce da cabeça”. É o
táctico relativo “ao lado dinâmico (...) o lado da verificação da existência, da
organização”, bem como, de um conjunto de outras coisas que se
subalternizam mas que fazem emergir esta “supra dimensão” (Frade, 2005; In
Dias, 2005: ILII).
Deste modo, é impensável falar-se em Periodização Táctica sem antes
definir o modelo de jogo para a equipa, e respectivos princípios, sub-princípios
e sub-princípios dos sub-princípios, porque a preocupação é desde o primeiro
dia colocar a equipa a jogar como o treinador quer (Frade, 1998; In Rocha,
2000). Então para jogar de determinada forma é necessário inicialmente criar
um modelo de jogo, para que posteriormente se possa operacionalizar um
conjunto de ideias. O que implica que cada exercício de treino deva servir para
a criação de uma organização de jogo (Castelo, 1998; Frade, 2004; Guilherme
Oliveira, 2004; Carvalhal, 2004). Aliás, parece ser essa a opinião de Mourinho
(2002; In Tavares, 2003: 25) quando afirma que “há as questões posicionais,
as compensações, a adaptação em função do adversário, ou a não adaptação
mas a exploração daquilo que para nós são as debilidades da equipa que
REVISÃO DA LITERATURA
17
vamos defrontar. Esse é o trabalho mais difícil mas o mais importante para uma
equipa de futebol”.
Não obstante tais factos, o treinador, aquando da condução/
operacionalização de todo o processo, tem a necessidade que tudo esteja
ligado a tudo. Só possível, na opinião de Frade (2001), se a Especificidade
dirigir a Periodização Táctica. A importância é de tal ordem que Guilherme
Oliveira (1991) considera o princípio da Especificidade como o princípio dos
princípios. A primeira constatação obtida, pelas ideias de Guilherme Oliveira
(1991), é que o conceito de Especificidade está intimamente ligado ao
planeamento e à periodização, na medida em que deixam de ser estáticos para
serem dinâmicos (adaptativos). A segunda constatação é que a componente
física não é o guia de toda a periodização (como já vimos atrás) e por isso deve
ser perspectivada em função do esforço específico não da modalidade, mas
sim do modelo de jogo da equipa (Guilherme Oliveira, 1991), isto porque, o
“objecto no sentido científico – objectivável – é o jogar!” (Frade, 2004, In Leal,
2004: II). Assim sendo, o conceito de Especificidade pressupõe, então,
segundo Guilherme Oliveira (1991: 73) uma “permanente e constante relação
entre as componentes “psico-cognitivas”, táctico-técnicas, físicas e
“coordenativas”, em correlação permanente entre o modelo de jogo adoptado e
os respectivos princípios que lhe dão corpo”.
Nesta lógica, Frade (2004) diz ser a Especificidade a proporcionar a
operacionalização do treino relativa à competição possível, através de
exercícios que se constroem mais ou menos complexos, com mais ou menos
jogadores, etc., mas sobrecondicionados a uma articulação de sentido. O
sentido das ideias do treinador. Como tal, é no treino que se cria a competição
e não o contrário, pois treinando os princípios de determinada forma e sabendo
coordenar isso, é que se produz determinada forma de competir. Porém, a
competição é fundamental porque “faz parte do processo de construção da
equipa”, e porque “apresenta-se como um momento de avaliação qualitativa do
processo e do jogo desejado” (Guilherme Oliveira, 2004: 167). O essencial é
manter “o objectivo final (base conceptual /modelo de jogo) constantemente a
ser visualizado, isto é, mantendo-se o futuro como elemento causal do
comportamento” (Frade, 1985: 7).
REVISÃO DA LITERATURA
18
Em suma, a Periodização Táctica põe ênfase no indivíduo porque de
facto entende o jogo como uma realidade intelectual, a natureza é intelectual,
senão, não era táctico – é o jogar – tem a ver com a decisão e a decisão passa
por ser melhor quando é assente numa emoção, numa sentimentalidade, ou
seja num entendimento do jogar (...) porque é uma cultura e para se instalar
nas pessoas carece de tempo” (Frade, 2004, In Leal, 2004: VII).
REVISÃO DA LITERATURA
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2.3. Que Comunicação(ões) Específica(s)?
Conhecer é o primeiro passo para sermos livres, pois sem informação
não podemos saber o que escolhemos e a que renunciamos. Porém, “a
informação não é garantia de acção libertadora” (Moran, 2000). Isto é, muitas
pessoas dominam a teoria, conhecem todos os caminhos, fazem todos os
cursos possíveis e não saem de onde se encontram. Ou seja, de acordo com
Moran (2000) “muita informação permanece no reino da teoria, da reflexão
intelectual, na razão. Ela precisa ser vivenciada, assumida, incorporada, aceita
profundamente, para tornar-se produtiva, na acção transformadora”. É
certamente o caso da “Periodização Táctica”. No presente trabalho, será o guia
para a operacionalização de toda uma fenomenologia comunicacional
complexa, já que incorpora as dimensões comunicacionais e emocionais da
natureza humana.
Considerando, então, a lógica da Periodização Táctica, partilhamos das
ideias de Fonseca (2001: 246) quando refere que “precisamos de desenvolver
uma qualquer ideia de futuro no qual projectamos os nossos desejos, os
nossos sonhos, as nossas fantasias, se aceitamos que o futuro é
manifestamente indeterminável e que os potenciais futuros mudam por cada
acção que executamos em inter-relação com as acções dos outros”. Isto
porque, o Homem é um ser organizacionalmente complexo, e por ser
complexo, também os sistemas e as modalidades de comunicação se
apresentam complexos aos produtores e consumidores de informação (Dias,
2004).
Partindo destes pressupostos, temos a necessidade de compreender os
tipos de “comunicações” – internas (intrapessoais) e externas (interpessoais) –
de cada um dos “actores”, que quando articuladas serão representativas de um
todo comunicacional específico.
REVISÃO DA LITERATURA
20
2.3.1. “Comunicações Internas”...
«O campo onde se decide realmente a comunicação é o
pessoal, o intrapessoal, que interfere profundamente nas
outras formas de comunicação.» (Moran, 2000)
Em qualquer processo de ensino-aprendizagem/treino o treinador tem a
necessidade de transmitir as informações, bem como a absoluta necessidade
de colocar-se em sintonia com os jogadores. Todavia, esta tarefa não parece
ser nada fácil. De um lado ouvimos treinadores dizerem: “Não entendo! Explico
para todos(as) [jogadores(as)]... Mas há sempre uns quantos que não
entendem o que eu quero!?” Do outro, os jogadores: “Não entendo! Ele(a)
[treinador(a)] fala mas eu não sei o que é que ele(a) quer dizer exactamente
com aquilo!?”
Assim, um dos primeiros imperativos que se impõem ao treinador é
compreender que o objectivo da comunicação, durante todo o processo, é fazer
com que todos participem num projecto global, trazendo para a comunidade de
interesses o que dela estava separado através da informação pertinente e
objectiva, o que permite tomar decisões racionais em relação à adequação ao
meio ambiente (Dias, 2001). Neste sentido é essencial o treinador projectar
uma qualquer ideia do futuro (modelo comunicacional de ensino-
aprendizagem/treino), o qual será o guia de toda a comunicação
interna/intrapessoal e externa/interpessoal.
Outro dos imperativos, é perceber que mesmo tendo uma qualquer ideia,
em todo o acto comunicacional existem margens de incerteza quanto ao tipo de
mensagens que transmite e à maneira como tais mensagens são recebidas e
interpretadas (Fernandes, 2000). Isto porque durante o acto comunicacional o
estado de conhecimento de cada jogador é manifestamente diferente do nosso
(treinadores), como tal, no momento em que um jogador se confronta com uma
nova mensagem vai interpretar a mesma à sua maneira. Ou seja, constrói uma
realidade muito própria dentro de si em função dos conhecimentos anteriores,
das suas emoções, sensações, imagens, etc.
Daí que concordemos com Moran (2000) quando salienta que “o campo
onde se decide realmente a comunicação é o pessoal, o intrapessoal
REVISÃO DA LITERATURA
21
[treinador, jogador], que interfere profundamente nas outras formas de
comunicação. Aprendemos pela comunicação pessoal, a que se desenvolve
dentro de nós: nossas falas internas, os diálogos tensos entre as várias
tendências conflituantes, a fala emocional e a racional, a fala consciente e a
inconsciente, a fala do passado e a do presente, as falas introjectadas e as
novas falas, as falas do desejo e as do medo, as do real e as do imaginário, as
que provêm da informação e as que provêm da acção, a comunicação das
sensações, das intuições e das ideias” (Moran, 2000).
2.3.1.1. Nos treinadores – O modelo de ensino-aprendizagem/ treino... uma construção comunicacional...
“Ainda que isso gere muitos equívocos, é verdade que o futebol tem
muito de ciência. Ao nível da construção de uma forma de jogar. E
quando digo construção quero dizer invenção e operacionalização de
um modelo de jogo” (Mourinho In Oliveira et al, 2006:188).
Os treinadores ao proporem-se reflectir sobre organizações humanas (o
processo de ensino-aprendizagem treino do jogo) utilizando os conceitos da
teoria do caos e teoria dos fractais, afim de modelizar um sistema complexo,
deverá ele próprio integrar-se nesse sistema. Não basta mantermo-nos como
observadores do sistema pressupondo que é possível manipular as variáveis
de controlo do sistema para o conduzir à orla do caos2 onde o sistema é
alegadamente, “mudável” (Fonseca, 2001).
Pois de acordo com Fonseca (2001: 246) “o problema é que nós somos
parte do sistema. Nenhum de nós, por mais poderoso que seja, possui a chave
do comportamento dos outros. Conjunturalmente, podemos condicionar o
comportamento de outros, mas eles inevitavelmente poderão influenciar o
nosso comportamento. A questão torna-se portanto a de saber se poderemos
antecipar e adaptarmo-nos, ou se estamos condenados a cadeias de resposta
às acções dos outros?"
_______________________ 2
A orla do caos: é o estado de um sistema no qual o comportamento é suficientemente estável para que o sistema não se desintegre, suficientemente instável para que não fique preso a um padrão, e ambas as coisas ao mesmo tempo. É uma zona de transição de um sistema que produz uma interminável variedade e inovação, tornando o sistema criativo e vivo (Stacey, 2001: 99).
REVISÃO DA LITERATURA
22
No modelo comunicacional de ensino-aprendizagem/treino que nos
interessa, para podermos antecipar e adaptarmo-nos às acções decorrentes
dos comportamentos dos jogadores/equipa em jogo teremos que reconhecer o
jogo de Futebol como um fenómeno eminentemente táctico. Para além disso,
ligarmos o “guia” de todo o processo – o Modelo de Jogo, com o princípio
metodológico de comunicação (intervenção) – a Especificidade; pois, é pela
acção desta relação que a concepção e consecução de padrões de
comportamentos poderão ser construídos (Guilherme Oliveira, 1991).
Partindo destas premissas, para construirmos a inteligibilidade de um
fenómeno complexo como é o jogo, devemos modelá-lo; porque modelar um
sistema complexo é elaborar construções simbólicas de entendimento, com as
quais devemos definir projectos de acção em antecipação e por deliberação,
prevendo ao mesmo tempo consequências e garantir um meio de avaliação do
processo e da sua eficácia (Moigne, 1990), o que denominamos no Futebol
como modelo de Jogo. Este projecto (modelo) do modelizador torna-se, então,
a “causa final” relativamente à qual a representação será significativa (Moigne,
1994, Frade, 2004). Portanto, é o projecto de um modelizador/ treinador que,
ao procurar interpretar as percepções que se constrói no seu jogo, dá sentido
ao processo, tornando-o inteligível. Assim entendido, a construção do Modelo
de Jogo torna-se um potencial intrínseco de capacidade organizadora (Moigne,
1990) de todo um processo.
A este propósito Guilherme Oliveira (2004: 149) parece concordar,
considerando que “o Modelo de Jogo afigura-se imprescindível na construção
de um processo de ensino-aprendizagem, uma vez que será o orientador de
toda a operacionalização do referido processo”. Com efeito, a construção do
processo comunicacional no ensino-aprendizagem/treino em que acreditamos,
está dependente da organização, hierarquização e articulação dos princípios
de jogo que dão corpo ao Modelo de Jogo de cada treinador, para cada equipa.
Ou seja, os padrões de comportamentos táctico-técnicos em diferentes
momentos de organização jogo: tanto ofensivos, como defensivos, como
transição defesa-ataque/ ataque-defesa (Frade, 2004; Guilherme Oliveira,
2003, 2004). Princípios de jogo, ou padrões de comportamentos, que segundo
Guilherme Oliveira (2004: 151) “podem ser decompostos, e estes por sua vez,
até atingirem uma escala mínima” sem que percam sentido, já que apresentam
REVISÃO DA LITERATURA
23
uma “configuração e organização fractal” manifestando-se como “invariâncias
do Modelo e independentemente da escala que representa esse Modelo”
(Guilherme Oliveira, 2004: 151). Segundo o mesmo autor, as capacidades e
características dos jogadores de uma equipa apresentam-se igualmente como
factores importantes para a criação de um Modelo de Jogo, pois as realidades
(contextos) são manifestamente diferentes, solicitando estratégias de
abordagem e de operacionalização diversas.
Portanto, segundo este entendimento nada aparece por acaso ou
descontextualizado, seja na organização e/ou gestão do processo de ensino-
aprendizagem/treino. Sendo assim, tal entendimento, remete-nos para um
conceito enunciado por vários autores (Carvalhal, 2001, Faria, 1999, Guilherme
Oliveira, 1991, Tavares, 2003, Rocha, 2003), que quando operacionalizado
serve de elo de ligação e de sentido entre as diferentes variáveis do processo –
a Especificidade. Para Frade (2004) é através do conceito de Especificidade
que se procura insistentemente a potenciação de todos os princípios do Modelo
de Jogo (aquele que concebemos), afim de alcançar as regularidades
pretendidas. Na mesma linha de pensamento, Guilherme Oliveira (1991, 2004)
refere que as situações de treino só são verdadeiramente Específicas se existir
uma permanente interacção entre o Modelo de Jogo criado por uma
determinada equipa e os respectivos princípios que lhe dão corpo e sentido. É
a Especificidade relacionada com a singularidade do Modelo de Jogo da equipa
e seus princípios; exercícios criados; e não apenas com a especificidade da
modalidade (Guilherme Oliveira, 2004). Como tal, nesta forma de conceber o
processo de ensino-aprendizagem/treino o treinador assume um papel fulcral
porque é ele que idealiza e direcciona todo o processo. Daí que na perspectiva
de Guilherme Oliveira (2004) a intervenção do treinador tenha que ser
igualmente Específica, porque só intervenção interactiva com o exercício e com
os jogadores é que promoverá os comportamentos desejados para a equipa,
os comportamentos inerentes ao Modelo de Jogo. Deste modo, concordámos
com Frade (2004) quando afirma que a Especificidade é a forma mais correcta
de operacionalizar o treino.
Depois das considerações feitas, acreditamos que este entendimento
propicia uma construção essencialmente comunicativa durante todo o processo
de ensino-aprendizagem/treino. Isto porque, de acordo com Pestana (2003)
REVISÃO DA LITERATURA
24
uma construção comunicativa origina-se pela percepção e formação de
comportamentos e atitudes através do contacto ou relação com o outro
[treinador-jogadores e jogador(es)-jogador(es)], o qual modifica os conceitos e
significados das coisas, objectos e pessoas, estabelecendo-se um novo
significado [conhecimento específico]. Assim, segundo o mesmo autor
constroem-se e desenvolvem-se formas comunicacionais [exercícios e
intervenção específica] que serão utilizadas nas inter-relações [treinador-
equipa/jogadores] e que serão os meios potencializadores da e para a
aprendizagem nos seus diferentes níveis.
2.3.1.2. Nos jogadores – A interacção de diferentes domínios para a Especificidade do conhecimento na aprendizagem
«Possuímos como um banco organizado de dados, de informações e experiências, que actualizamos diante de algo novo. Reelaboramos as percepções exteriores, utilizando a intuição, a memória, a imaginação. Visualizamos novas realidades, elaboramos novas conexões mentais, imaginativas. Acontece quando imaginamos, sonhamos, pensamos “com os olhos abertos”, quando meditamos, quando simulamos situações na nossa mente» (Moran, 2000)
De acordo com Moran (2000), é pela comunicação pessoal que se
afirma a nossa história pessoal, as nossas qualidades e defeitos, as nossas
características influenciando o perceber, o sentir e o compreender levando a
agir dentro do ritmo que nos é possível. A este propósito, no futebol, Guilherme
Oliveira (2004) salienta as experiências anteriores de cada jogador e os
conhecimentos a elas associados como aspecto a ter em conta na aquisição de
novos conhecimentos. Um conjunto de experiências, segundo o mesmo autor
(Guilherme Oliveira, 2004: 89) fruto da “exercitação permanente, da criação de
novas soluções, da transmissão e evolução de novas ideias, da evolução do
jogo colectivo, da interacção entre jogadores diferentes, as auto e hetero-
interpretações e as adaptações a diferentes projectos de jogo”. Assim, parece-
nos claro que o desempenho de cada jogador dependerá do seu conhecimento
específico, ou comunicação interna/pessoal, tendo como referência o
experenciar dos princípios, sub-princípios e sub-princípios dos sub-princípios
do modelo de jogo da equipa. Até porque “o conhecimento específico é o
REVISÃO DA LITERATURA
25
conhecimento necessário para a realização de determinada acção dentro de
um domínio particular que engloba a interacção do conhecimento declarativo,
como o conhecimento processual, com as memórias e emoções eles
associados e que está configurado sobre a forma de imagens mentais”
(Guilherme Oliveira, 2004: 90). O conhecimento específico poderá ser
interpretado, então, enquanto produto da comunicação interna/pessoal num
contexto específico, já que é através desta que integramos corpo e mente, as
sensações, as emoções, a razão, a intuição (Moran, 2000).
Neste sentido, e perante os vários os domínios que interagem para a
especificidade do conhecimento, debruçamo-nos sobre eles nos próximos
pontos. De salientar que o domínio relativo à(s) memória(s) será tratado
conjuntamente com os restantes domínios, já que é inegável a sua importância
no que concerne à aquisição e desenvolvimento de qualquer tipo de
conhecimento.
i) O conhecimento declarativo e processual
«Quanto mais se sobrepõem os caminhos para o
conhecimento mais facilmente se consegue atingir todas as
pessoas e relacionar melhor todas as possibilidades de
compreensão» (Moran, 2000)
Face às investigações realizadas por Ryle (1949; In Guilherme Oliveira,
2004) existem dois tipos de conhecimento: um relacionado com o “saber o quê”
outro com o “saber como”. O primeiro denominado como conhecimento
declarativo e o segundo conhecimento processual. O conhecimento declarativo
é o tipo de conhecimento que pode ser explicado e transmitido por palavras e
não está necessariamente relacionado com a situação em que pode estar a ser
utilizado (Eysenck & Keane, 1994). É o conhecimento relativo às informações,
factos, conceitos e conhecimentos específicos já existentes, cujo maior ou
menor conhecimento está dependente destes aspectos e processos cognitivos
que levam à sua racionalização (Eysenck & Keane, 1994).
REVISÃO DA LITERATURA
26
Como tal, está relacionado com a memória explícita ou declarativa3
(Guilherme Oliveira, 2004), pois é o conhecimento expresso de forma
consciente levando a saber o que fazer em determinada situação (Cohen,1984;
Eysenck & Keane, 1994). Assim sendo é, por exemplo, o conhecimento
específico que permite ao jogador expressar por palavras determinados
princípios e sub-princípios relativos ao modelo de jogo da equipa, quer a nível
individual, quer colectivamente, quando questionado estando ou não em
situação de treino.
O conhecimento processual é o tipo de conhecimento prático que não se
consegue transmitir por palavras, apenas por acções (Cohen,1984; Eysenck &
Keane, 1994). Ou seja, é o conhecimento relacionado com o como executar
determinada acção e está intimamente ligado à sua aplicação em situações
específicas. Como tal, manifesta-se de forma inconsciente (Cohen,1984;
Eysenck & Keane, 1994), relacionando-se com a memória implícita ou
processual4 (Guilherme Oliveira, 2004). Relativamente, ao contexto prático,
este é o tipo de conhecimento específico que o jogador possui que não
consegue explicar verbalmente como se faz, apenas consegue fazendo-o.
Ainda que os conceitos sejam tratados separadamente para que os
compreendamos melhor, na prática, de acordo com Guilherme Oliveira (2004)
o conhecimento declarativo e processual manifestam-se concomitantemente,
transformando-se um no outro como é fácil de compreender em vários
contextos. Aliás, é uma das ideias implícitas, nos estudos realizados por
Anderson (1983) relativamente à transformação do conhecimento declarativo
em processual, através da passagem de um estágio para outro na
aprendizagem de uma habilidade.
_______________________ 3
Memória explícita ou declarativa: é a memória que “permite a aprendizagem de como é o mundo: adquirimos
conhecimentos de pessoas, lugares e coisas que são acessíveis à consciência” (Nava, 2003: 114; In Guilherme
Oliveira: 49). 4
Memória implícita ou processual: é a memória que “permite a aprendizagem de como fazer as coisas: adquirimos
perícias motoras ou perceptuais que não são acessíveis à consciência” (Nava, 2003: 114; In Guilherme Oliveira: 49).
REVISÃO DA LITERATURA
27
ii) As emoções
«Se os líderes falharem na tarefa fundamental de encaminhar
as emoções na direcção certa nada do que fizerem funcionará
bem, ou, pelo menos, não funcionará tão bem como podia ou
como devia.» (Goleman, 2003: 23)
A aprendizagem tem vindo a associar as emoções ao pensamento, uma
vez que algumas emoções levam a determinados pensamentos e alguns
pensamentos levam a determinadas emoções. Da mesma forma, há emoções
que evocam sentimentos, bem como sentimentos que evocam emoções. Ou
seja, uma rede de interacções, segundo vários autores (Goleman, 1995;
Jensen, 2002; Damásio, 2003a, 2003b), que demonstram a ligação existente
entre os planos cognitivo e emocional. Aliás, o lado emocional da
aprendizagem é visível através da interacção vital entre a forma como nos
sentimos e a forma como agimos e pensamos (Jensen, 2002; Robbins, 2003).
Assim sendo, no processo de aprendizagem deve realçar-se o papel das
emoções (Jensen, 2002) já que as emoções são uma fonte crítica de
informações (LeDoux, 1996) em vários domínios: na acção, nos
conhecimentos, nos sistemas de memória, nas tomadas de decisão e na
concentração (Guilherme Oliveira, 2004). As emoções parecem estar
relacionadas com a acção porque diante de uma determinada situação estados
emocionais distintos implicam acções diferenciadas, uma vez que um estado
emocional evoca um reportório de acções que tenham sido importantes em
situações semelhantes de aprendizagem (Oatley & Jenkins, 2002: In Guilherme
Oliveira, 2004: 71). Relativamente à influência das emoções na aquisição de
conhecimentos, Goleman (1997: In Guilherme Oliveira: 71) considera que a
mente emocional é um forte sistema de conhecimento; pois ajudam na
construção dos significados, na motivação e no comportamento cognitivo,
durante as aprendizagens (Jensen, 2002). Outro domínio onde parece ter
implicações as emoções é nos sistemas de memória, até porque “em termos
estruturais e funcionais, estão profundamente ligados, uma vez que são as
mesmas estruturas cerebrais, a amígdala e o hipocampo, as responsáveis
pelos dois” (Guilherme Oliveira, 2004: 71). Daí que não seja estranho que
REVISÃO DA LITERATURA
28
vários estudos realizados no Centro de Neurobiologia da Aprendizagem e
Memória sugiram melhores resultados de memorização em situações de
elevada excitação emocional (Jensen, 2002). Tais resultados, segundo o
mesmo autor, devem-se ao facto dos estados emocionais terem um
processamento preferencial nos sistemas de memória. Assim, quanto mais
intensa a emoção mais fortes serão as respectivas memórias, bem como o
recordar das mesmas (Jensen, 2002). No que concerne à importância das
emoções nas tomadas de decisões, pensámos que os exemplos do dia-a-dia
são representativos deste facto. Isto porque qualquer um de nós já
experienciou situações (im) previsíveis em que a optámos por isto ou aquilo,
bem ou mal, sem saber explicar racionalmente o porquê, afirmando
posteriormente termos sido levados pela emoção. Uma evidência quanto à
presença da emoção nos “processos de raciocínio e tomada de decisão, para o
pior e para o melhor” (Damásio, 2003b: 61), fazendo participar o consciente e o
não consciente (Damásio, 2003a). A concentração é outro aspecto que parece
estar ligado às emoções. De acordo com Oatley & Jenkins (2002: In Guilherme
Oliveira, 2004: 73) vários “estudos referem que as pessoas emocionalmente
activas e as que direccionam a concentração para a ocorrência têm tempos de
reacção inferiores aos das emocionalmente neutras mesmo que estejam
concentradas na ocorrência”.
Considerando, então, as emoções como um aspecto fundamental
durante o processo de aprendizagem, concordamos com Damásio (2003a)
quando propõe o condicionamento como forma de obter a relação perfeita
entre emoções e comportamentos pretendidos. Tal ideia implica aceitar que os
organismos complexos aprendem a modelar a execução das emoções de
acordo com as circunstâncias individuais (Damásio, 2003b). Ou seja, o
organismo ao vivenciar diversas experiências, umas de castigo e outras de
recompensa, leva-os a inibirem-se ou explorarem os seus limites (Damásio,
2003a). A recompensa referida reforça o comportamento desejado e no futuro
a tomada de decisão referente à situação é despoletada rapidamente (Jensen,
2002).
Os factos atrás salientados levaram Damásio (2003) a formular a
hipótese do “marcador somático”. Segundo o mesmo autor quando tomamos
uma decisão, cujo o resultado é positivo ou negativo, ocorre sempre uma
REVISÃO DA LITERATURA
29
sensação corporal (somática) agradável ou desagradável que “marca” uma
imagem, daí a denominação de “marcador somático”. Damásio (2003) refere
que os marcadores somáticos estão intimamente relacionados com uso dos
sentimentos gerados a partir das emoções secundárias, uma vez que é através
dos sentimentos que as emoções actuam na mente (Damásio, 2003a). O
marcador somático apresenta-se, então, como “um sistema de qualificação
automática de previsões, que actua, quer se queira quer não, com vista à
avaliação de cenários extremamente diversos do futuro que antecipamos”
(Damásio, 2003: 183). Portanto, durante o processo de aprendizagem os
marcadores somáticos parecem influenciar decisivamente as tomadas de
decisão.
Concluindo este ponto, e face às ideias apresentadas anteriormente,
podemos afirmar convictamente que as emoções ligadas à aprendizagem e
respectivos conhecimentos têm de facto um papel determinante, já que
segundo Jensen (2002) os estados emocionais têm implicações na construção
dos significados.
iii) As imagens mentais
«Comunicar com eficácia significa: dar atenção às imagens
mentais dos outros.» (Birkenbihl, 2000: 136)
Durante o processo de aprendizagem, vários autores (Damásio, 1994,
2000, 2003; Greenfield, 2000; Behrmann, 2000; Kossolyn, 2000; Llinas, 2000;
Williams et al., 2000; Libet, 2000; Haggard, 2000; In Guilherme Oliveira, 2004)
referem, que as imagens mentais estão intimamente relacionadas com as
memórias, com as emoções e com os processos de percepção, de decisão, de
acção e de transformação e formação dos hábitos/automatismos. Nesta
perspectiva, de acordo com Guilherme Oliveira (2004) conceito de «Imagem
mental» é central para a configuração do conhecimento.
O conceito imagem mental ou padrão mental significa algo que é
construído e representado pelo cérebro, decorrentes de cada uma das
modalidades sensoriais: a visual, auditiva, olfactiva, gustativa e
somatossensorial (Damásio, 2003, 2003a). Portanto, está intimamente
REVISÃO DA LITERATURA
30
relacionado com qualquer experiência vivenciada ou “sentida” por cada
indivíduo na interacção com o meio (com objectos).
O corpo está, então, intimamente relacionado com a aquisição de
imagens mentais. Isto porque, vêm-se reconhecendo que corpo e cérebro são
inseparáveis, visto proporcionarem respostas externas ou observáveis, bem
como, respostas internas (Damásio, 2003). Assim, as imagens que constituem
a base da «corrente mental» são imagens de acontecimentos corporais,
representativas do estado do corpo em cada momento (Damásio, 2003b).
Segundo o mesmo autor, o fundamento dessas imagens (do corpo) são uma
colecção de mapas cerebrais, isto é, uma colecção de padrões de actividade
ou inactividade neural em certas regiões sensoriais. Os mapas neurais, que
assim se formam, são transformados em imagens mentais. Ou seja, o que
emerge da mente sob a forma de ideias/conhecimentos decorre do
mapeamento feito nas regiões sensoriais do cérebro. Relativamente à mente, e
considerando as palavras de Damásio (2003a: 362) “é o fluxo contínuo de
imagens (...) muitas das quais se revelam logicamente interligadas”. O
pensamento será esse fluxo de imagens que se move no tempo, em
conformidade com as necessidades e interesses das circunstâncias (Damásio,
2000, 2003; In Guilherme Oliveira, 2004).
Pelo referido anteriormente, na lógica do processo de aprendizagem
parece ser muito importante dar atenção às imagens mentais que se vão
criando face à influência que exercem nos conhecimentos. A importância é de
tal ordem que Guilherme Oliveira (2004: 88) diz “serem elas as responsáveis
por tudo aquilo que se pensa e que se faz”.
REVISÃO DA LITERATURA
31
2.3.2. “Comunicações Externas”...
«Se o jogo, a viagem, está em construção perpétua, porque criamos
inevitavelmente novas palavras e novas regras ao nos relacionarmos,
parece ser útil descobrir mais sobre como participamos na conversa e
como as conversas constroem o jogo que acaba por nos mudar a nós
também» (Fonseca, 2001: 248)
Considerando o que foi exposto anteriormente, o treinador não poderá
efectuar uma boa comunicação com outrem se, primeiro, possuir uma boa
comunicação consigo mesmo. Porque como já vimos, “a maior ou menor
condutibilidade comunicacional interdepende dos mecanismos projectivos do
comunicador” (Fernades, 2000: 198). Por outro lado, segundo o mesmo autor
(Fernades, 2000), parece que a eficiência e a rentabilidade das mensagens, e
seus respectivos efeitos nos jogadores, interdependem, em grande escala, do
nível de disponibilidade psico-emocional, do binómio agradável-desagradável,
simpatia-antipatia, prazer-desprazer e, de maneira particular, do nível de
desenvolvimento e maturidade. Assim sendo, as comunicações internas serão
um dos pressupostos fundamentais para que se desenvolvam outras formas de
comunicações, as externas/interpessoais.
No presente trabalho as comunicações externas/interpessoais serão
consideradas em dois níveis: treinador-equipa/jogadores e jogador(es)-
jogador(es). Isto porque, no contexto prático, não raras vezes vemos
levantarem-se alguns problemas de comunicação entre treinador-
equipa/jogadores, e consequentemente, entre jogador(es)-jogador(es).
Ouvimos treinadores dizerem: “Exercitámos tantas vezes estas situações no
treino e aqui no jogo nunca sai bem!?”; “Corrijo e volto a corrigir mas continuam
a fazer o mesmo!?”; “Às vezes, olho para eles(as)... e ou estão distraídos(as),
ou então, estão com cara de quem não percebe o que eu disse!?” Mas também
os jogadores: “Não se pode dizer nada... diz logo que só estamos aqui para
fazer o que ele(a) [treinador(a)] manda! Depois chateia-me a cabeça!”; “É pá...
afinal quem é que está mal posicionado?! Sou eu ou és tu [colega de equipa]?!
Face ao panorâma descrito, acreditamos que uma das exigências que
se coloca ao treinador é compreender que a comunicação externa/interpessoal
REVISÃO DA LITERATURA
32
é tanto mais eficiente quanto mais apropriado for o meio de transmissão
(linguagem). De acordo com Fernades (2000: 199) impõe-se que a “linguagem
seja clara; rigorosa e concreta; a significação comum ao emissor e ao receptor;
o emissor reconheça o receptor, saiba estimular o seu interesse e avaliar as
suas reacções”. No entanto, segundo o mesmo autor (Fernades, 2000), para
que a linguagem seja eficaz é necessário que, tanto um como outro, possuam
referências e conhecimentos da mensagem.
Para além disso, concebermos a comunicação externa/interpessoal
como um tipo de comunicação que leva à partilha de ideias e de opiniões,
aceitação e discussão em liberdade, possibilidade de exposição de dúvidas e
clarificação de conceitos para que os conteúdos em causa se tornem evidentes
nas consciências em presença (Fernandes, 2000).
Em suma, o importante é que na interacção entre treinadores-equipa-
jogadores, estes estejam abertos e quererem trocar ideias, vivências,
experiências, das quais ambos saiam enriquecidos. Se tal acontecer, na
opinião de Moran (2000), “o discurso será franco, objectivo, participativo, pois,
fala do outro terá repercussão em mim, ajudando-me a pensar e a,
eventualmente, modificar-me. Será, então, a verdadeira interação,
comunicação, onde não há jogos rituais, nem jogos de poder, mas atitudes de
comunicação honesta, crescente e dinâmica.”
REVISÃO DA LITERATURA
33
2.3.2.1. Entre Treinador – Equipa/Jogadores: Que linguagem(s) utilizar?
«A linguagem permite e garante a intercomunicação que, ao mesmo tempo que garante o
maquinismo social, permite a transmissão, a correcção, a verificação dos saberes, a
transmissão e a troca dos sentimentos individuais» (Morin,1996: 114)
i) .... a dos Exercícios Específicos
«A lógica de apreensão de vida do jogador é pragmática, é a
dos exercícios, a linguagem dele é essa, esta aqui (boca) é um
engano, porque ele fixa “bem, o que é correcto ou o que é que
eu hei-de dizer para não me comprometer”» (Frade, 2005; In
Dias, 2005: ILI)
De acordo com Dias (2004) uma das características do homem prende-
se com a capacidade de produzir e transmitir símbolos5, sendo isto possível
graças à sua aptidão para manipular e comunicar apreciáveis quantidades de
informação. Segundo o mesmo autor (Dias, 2004: 23) é a partir da
“acumulação da informação simbolizada que o homem [treinador] tece
estrategicamente teias de relações e de estruturas sociais e simbólicas cada
vez mais complexas [Modelo de Jogo], que depois procura simplificar, por
mecanismos de redundância [princípios e sub-princípios, etc.], para poder dar
ordem ao mundo e às suas vivências”.
Por sua vez, a capacidade produzir e transmitir símbolos parece estar
intimamente relacionado com a utilização de uma determinada linguagem.
Senão vejámos, a linguagem é um conjunto de símbolos que nos permite
transmitir uma mensagem dando-nos capacidade para nos abstrairmos,
conceptualizarmos e comunicarmos (Dicionário Wikipedia); ou ainda, “qualquer
meio para expressar o que se sente ou pensa” (Dicionário Porto Editora).
Com efeito, na lógica na operacionalização do processo de ensino-
aprendizagem/ treino a linguagem/meio utilizada(o) determinará a comunicação
entre treinador-equipa/jogadores.
_______________________ 5
Símbolo: Imagem ou objecto material que representa uma realidade visível (Dicionário Porto Editora);
implicando “a relação forte entre a sua realidade própria e a realidade que designa” (Morin, 1996: 146)
REVISÃO DA LITERATURA
34
A este respeito vários autores (Teodurescu, 1984; Matveiev, 1986;
Queiroz, 1986; Mesquita, 1998; Bragada, 2000; Bezerra, 2001; Sá, 2001;
Castelo, 2002, 2003) apontam o exercício como o meio fundamental para a
operacionalização do ensino/treino. Nesta perspectiva, uma das linguagens a
ser utilizadas pelo treinador é o exercício.
Mas como temos vindo a referir ao longo deste trabalho, o processo de
ensino/treino está intimamente relacionado com o cumprimento do princípio da
Especificidade para a transmissão dos princípios e sub-princípios do Modelo de
Jogo. Assim, para que a linguagem/exercício seja potencialmente específica(o)
devemos começar por dar atenção a alguns aspectos:
- à configuração estrutural e funcional, pois há “exercícios que pela sua
estrutura e consequente funcionalidade promovem de forma não consciente
comportamentos e conhecimentos adequados ao pretendido, por sua vez,
exercícios cujos objectivos sejam exactamente os mesmos, o número de
jogadores também, mas a estrutura de distribuição dos jogadores no campo
seja diferente pode provocar comportamentos e conhecimentos, de forma não
consciente, inadequados ao desejado” (Guilherme Oliveira, 2004: 161).
- aos conhecimentos que os jogadores possuem para a execução dos
exercícios, em função dos princípios que se querem trabalhar num dado
momento (Guilherme Oliveira, 2003; In Tavares, 2003)
- ao espaço, dada a importância das referências visuais e espaciais.
Assim, parece ser importante treinar os diferentes momentos de jogo em zonas
diferentes do campo, em concordância com o Modelo de Jogo da equipa
(Fernandes, 2003; Guilherme, 2004).
Não obstante, a linguagem/exercício específica(o) não se restringe nem
à configuração física, nem ao que está a acontecer no tempo ou espaço. Como
salienta Morin (1996: 115), o fundamental é que a linguagem seja “capaz de
exprimir sequencialmente e linearmente o não sequencial e o não linear”. Para
nós, o jogo concebido, o nosso Modelo de Jogo. Assim, concordamos com
Morin (1996: 115) quando afirma que “linguagem deve traduzir e transferir em
enunciados lineares/sequenciais o que se manifesta como simultaneidade
encadeada tanto no cérebro como no real”. Com isto, queremos dizer que a
simplificação linear/sequencial reconhecível na linguagem/exercício traz
grandes vantagens para a operacionalização dos nossos princípios e sub-
REVISÃO DA LITERATURA
35
princípios, desde que, essa simplificação não impeça que se restitua no tempo
o que é simultâneo e que se encontre o fio do que está encadeado (Morin,
1996).
Nesta perspectiva, e clarificando melhor o nosso entendimento, a
singularidade do processo para a linguagem/exercício (conjunto de símbolos/
princípios) é crucial, devido à necessidade da respectiva relação com o
Modelo de Jogo da Equipa e o cumprimento do princípio da Especificidade
(Guilherme Oliveira, 2004). Daí, que Frade (2004) saliente o exercício como
uma configuração geométrica e simbólica de um determinado existir
(linguagem específica). É que a linguagem/exercício criada(o) pelo treinador
deverá “condicionar/fomentar um determinado acontecer relacionado com o
todo que se deseja” (Oliveira et al., 2006: 142), através do cumprimento do
princípio pedagógico ou metodológico da Propensão (Frade, 2004; In Leal,
2004) e da Repetição Sistemática (Castelo, 1996, 2002; Carvalhal, 2000, 2003;
Faria, 2003; Frade, 2003; Guilherme Oliveira, 2003; Queirós, 2003).
O princípio da Propensão salienta a necessidade de criar exercícios nos
quais determinado(s) comportamento(s) sejam requisitados de forma muito
superior àquilo que normalmente acontece no jogo (Frade, 2003). Este
princípio, na perspectiva de Guilherme Oliveira (2004), é fundamental porque
promove a criação de imagens mentais/conhecimentos, direccionados para o
pretendido transformando-as em hábitos. Em jogo, são esses hábitos que
permitem o reconhecimento não consciente dos comportamentos pretendidos
levando o jogador a agir rápido e eficazmente (Guilherme Oliveira, 2004).
Relativamente ao princípio da Repetição Sistemática, prende-se com a
intencionalidade das acções repetidas pela equipa/jogadores, e
consequentemente, com a criação de hábitos/automatismos específicos
(Frade, 2003). É então, um princípio que apela à utilização de uma
linguagem/exercício específica(o) de um determinado Jogar.
Neste sentido, o principal objectivo da linguagem/exercício específica(o)
criada(o) pelo treinador tem em vista criação de uma outra linguagem - a
comportamental ou a dos hábitos/automatismos específicos na equipa/
jogadores. Mourinho (2005) demonstra-o nas seguintes palavras: “exercitámos
o nosso modelo de jogo, exercitámos os nossos princípios e subprincípios de
jogo, adaptámos jogadores a ideias comuns a todos de forma a estabelecer a
REVISÃO DA LITERATURA
36
mesma linguagem comportamental”. A ideia é garantir a aquisição consciente e
não consciente de conhecimentos específicos adequados ao pretendido
(Guilherme Oliveira, 2004) quer a nível individual, como colectivo.
Ainda que tudo o que foi referido seja de extrema importância para a
comunicação entre treinador-equipa/jogadores, alguns autores (Frade, 2003,
Guilherme Oliveira, 2004; Mourinho, 2005) referem não bastar, uma vez que
acreditam ser imprescindível a intervenção interactiva com os exercícios e
jogadores, para seja cumprido o princípio da Especificidade.
Considerando, então, a opinião dos autores debruçaremo-nos já de
seguida sobre o assunto.
ii) ... a da “Intervenção Específica”. Uma linguagem que “constrói”.
«Conseguimos ir à essência dos meus exercícios e do próprio
vocabulário que normalmente utilizo» (Mourinho, 2003, cit.
Lourenço, 2003: 127)
Como vimos atrás, se pretendemos operacionalizar o processo de
ensino-aprendizagem a partir do conceito de Especificidade, promovendo uma
construção essencialmente comunicativa do mesmo, é essencial que a
intervenção interactiva com o exercício e com os jogadores seja igualmente
Específica (Guilherme Oliveira, 2004). Isto porque, como salienta Frade (2004;
In Leal, 2004: VI) “a configuração física do exercício está muito aquém da
dinâmica levada a cabo pelos intervenientes, neste caso os jogadores e o
treinador que estão a vivenciar o exercício”. Portanto, segundo este
entendimento é crucial o conteúdo de princípios de jogo inerentes a cada
exercício e a relação interactiva que estabelecemos com o mesmo (Mourinho,
2005).
Uma relação que no contexto de ensino-aprendizagem é conseguida
com a utilização de uma linguagem/meio singular de intervenção, o feedback6
(Araújo, 2002), afim de reduzir as margens de incerteza quanto às ideias que
pretendemos transmitir através dos exercícios criados. Aliás, Mourinho (2003;
In Barreto, 2003) corrobora a sua importância quando afirma que para
REVISÃO DA LITERATURA
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conseguir que os seus jogadores assimilem as suas ideias o fundamental são
“os exercícios, feedback e a relação entre feedback e exercícios”.
Considerando o exposto, pensamos que, para que se possa cumprir
com Especificidade a operacionalização do exercício devemos saber quando
intervir; bem como, o meio (linguagem) utilizada para intervir afim de se
estabeleçar com eficácia a comunicação entre treinador e jogadores.
Relativamente à intervenção no exercício, especialistas (Magill, 1994;
Rink, 1996; Graça, 1997; Mesquita, 1998; Araújo; 2002; Castelo, 2002), de
diferentes áreas, apontam três momentos: antes, durante e depois.
Momentos estes, que Guilherme Oliveira (2004) considera igualmente
imprescindíveis para se cumpra com Especificidade a intervenção Assim, no
momento que antecede à execução do exercício, o treinador deve explicá-lo
“no sentido dos jogadores perceberem qual o seu contexto, quais os seus
objectivos, quais os comportamentos desejados e que implicações essse
comportamentos vão ter no desenvolvimento dos conhecimentos colectivos e
individuais e na qualidade de prestação” (Guilherme Oliveira, 2004: 154). Para
tal há que ter atenção que no momento da explicação deve-se utilizar a uma
linguagem simples e clara (Mesquita, 1998), visto haver a necessidade de levar
os jogadores a imaginar esquematicamente o conteúdo da mensagem, para
que consigam relacioná-la com o Jogo que se pretende implementar. Se estes
pressupostos não forem cumpridos, os jogadores não vão entender o exercício,
muito menos os “porquês” do mesmo. Ou seja, não entenderão as implicações
e objectivos em função do jogo, nem os comportamentos a adoptar (Guilherme
Oliveira, 2004).
Depois, durante a execução do exercício, uma vez que treinador deverá
“funcionar como catalisador positivo dos comportamentos desejados,
associando-lhes emoções positivas e/ou marcadores somáticos positivos, e
inibindo os comportamentos inadequados, associando-lhes emoções negativas
e/ou marcadores somáticos negativos” (Guilherme Oliveira, 2004: 154). Implica,
então, a utilização de feedbacks que propiciem essas mesmas emoções.
_______________________ 6Feedback: “são retornos de informação periódicos sobre a actividade desenvolvida, colectivos ou individuais, de
índole positiva ou negativa” (Araújo, 2002: 145).
REVISÃO DA LITERATURA
38
Assim, embora o conteúdo dos feedbacks sejam cruciais, parece dependerem
igualmente de uma linguagem que induzam os jogadores emocionarem-se,
pela positiva ou pela negativa. Se tal não acontecer, durante a execução do
exercício, os jogadores poderão não entender adequadamente o Jogo que o
treinador pretende implementar, havendo consequências nefastas na aquisição
de conhecimentos, e na respectiva transformação em hábitos específicos
(Guilherme Oliveira, 2004).
O último momento surge no final do exercício “com o objectivo de
salientar os aspectos positivos e os aspectos negativos do realizado”
(Guilherme Oliveira, 2004: 154). Uma vez mais, há a necessidade do treinador
funcionar como catalisador positivo ou negativo dos comportamentos dos
jogadores, ou seja, conseguir que os jogadores se envolvam na mensagem, de
tal forma que consigam referenciar o que está a ser dito às imagens criadas no
decorrer do exercício. Assim, se no momento de realçar os aspectos negativos
lhe associarmos emoções negativas, o jogador tenderá a inibir e a reformular a
imagem criada. Pelo contrário, se realçarmos um aspecto positivo associando-
lhe emoções positivas, os jogadores tenderão a proteger a mesma. Isto porque,
cada vez que as emoções associadas a uma imagem são referenciadas de
forma intensa pela positiva ou negativamente, dá-se lugar ao investimento ou
desinvestimento, e protecção ou rejeicção, respectivamente (Birkenbihl, 2000).
Ou seja, o jogador ao vivenciar diversas experiências, umas de castigo e outras
de recompensa, leva-os a inibirem-se ou explorarem os seus limites (Damásio,
2003a).
Nesta perspectiva promove-se uma série de interacções entre treinador-
equipa/jogadores, as quais foram denominadas por Mourinho (2003, cit
Lourenço) por “descoberta guiada”; pois trata-se de de conduzir o processo de
forma activa através do díálogo, controlado pelo treinador e dirigido no sentido
pretendido (Mourinho, 2006; In Oliveira et.al, 2006). O procedimento é
demonstrado por Mourinho 2006 (In Oliveira et.al, 2006: 158) da seguinte
forma: “Muitas vezes, paro o treino e pergunto-lhes o que estão a sentir.
Respondem, por exemplo, que sentem o defesa direito muito longe do defesa
central. «Está bem vamos então aproximar os dois defesas e ver como
funciona.» E experimentámos uma, duas, três vezes, até lhes voltar a
perguntar como se sentem. É assim, até todos, em conjunto, chegarmos a uma
REVISÃO DA LITERATURA
39
conclusão.” Promove-se, deste modo, a discussão, a experimentação e a
exercitação orientada (Guilherme Oliveira, 2004). Torna-se, então, uma
construção comunicativa, como já salientámos, já que se torna imprescindível a
interacção entre o treinador-jogadores/equipa para que a equipa/jogadores
construam o jogo pretendido.
Tendo em conta o referido, observamos, então que o treinador no
decorrer da “Intervenção Específica” precisa de utilizar uma linguagem com os
jogadores “procurando «atingi-los» primeiro mais do ponto de vista emocional
que racional” (Araújo, 2002: 153). Assim sendo, vários autores (Amado &
Guittet, 1982; Piéron, 1991; Costa et al., 1994; Mesquita, 1998; Becker Júnior,
2000; Araújo, 2002; Jensen, 2002; Damásio, 2003) realçam a importância dos
comportamentos não-verbais (“linguagens não-verbais”) na transmissão de
emoções. É que quando o treinador fala, abre o canal verbal transmitindo
algum conteúdo, mas também o não verbal que é usado para expressar o que
sente e as suas atitudes pessoais (Becker Júnior, 2000). De facto, se
relembrarmos situações de treino facilmente reconhecemos a utlização de
diferentes comportamentos não-verbais (“linguagens não-verbais”) tais como:
expressões faciais, diversos tons de voz, de olhares ou de gestos para
acentuarmos os conteúdos que pretendemos ver assimiladas pelos jogadores,
e assim, associar-lhes determinadas emoções, umas vezes positivas, outras
negativas.
A questão que se coloca, então, é saber qual a importância da
linguagem não-verbal para a Especificidade da Intervenção no exercício; mas
também o seu papel no processo de ensino-aprendizagem/treino, enquanto um
Todo Comunicacional Específico.
REVISÃO DA LITERATURA
40
iii)... a não-verbal/emocional. Um contributo para a Especificidade da
Comunicação.
«Há uma enorme quantidade de pessoas com ideias fantásticas,
um trabalho impecável, informação importantíssima para partilhar,
mas a quem falta (...) domínio (corpo) para agarrar e entregar a
mensagem. A barreira ergue-se a partir da inconsistência.»
(Esperança, 1998)
Estudos realizados por Mehrabian (1971; In Becker Júnior, 2000),
indicam que a comunicação verbal é responsável somente por 7% da eficácia
da comunicação, enquanto que 38% devem-se a alternâncias vocais
(paralinguagem) e 55% às interacções não verbais (linguagem corporal ou
cinésica; proxémica e conduta táctil). Observa-se, então, que 93% das
mensagens são da área da linguagem não-verbal.
A paralinguagem diz respeito a “como se fala e não ao conteúdo da fala”
(Becker Júnior, 2000: 91); e, é a que mais se aproxima da linguagem articulada
verbal (Esperança, 1998). Refere-se às vocalizações, como por exemplo: os
“Uhms”, os “Ahs!”, “Tchsss!”, os risos, os soluços e a respiração (Amado &
Guittet, 1982; Knapp, 1988; Esperança, 1998); mas ainda, ao control do tom
de voz (baixo, médio, alto); ao control do ritmo (velocidade de verbalização); ao
timbre de voz (fino, médio ou grosso) e alternâncias da fala (articulação,
pausas, silêncios...) (Davis, 1979; Amado & Guittet, 1982; Knapp, 1988;
Esperança, 1998; Becker Júnior, 2000). A este propósito, no contexto de
ensino-aprendizagem/treino, reconhecemos nas palavras Mesquita (1998) uma
das características da paralinguagem, quando afirma que no momento da
explicação deve-se falar de forma pausada. Becker Júnior (2000) em relação a
esta componente sugere o uso do tom, ritmo e timbre de voz médio, com
algumas pausas para assinalar conteúdos. Não obstante os conselhos dados,
o que se torna relevante no uso destas componentes paralinguísticas são a
utilização das mesmas em concordância mensagem que se pretende transmitir
em termos emocionais. Para isso, o treinador deverá ser capaz de variar “o seu
estilo, alternando e acelerando os signos, visto tal alteração conferir uma certa
vivacidade à comunicação” (Fernandes, 2000: 204). De facto, não será nada
REVISÃO DA LITERATURA
41
adequado manter um discurso monocórdico, pois as únicas emoções que
conseguiremos despertar nos jogadores resultarão de pensamos tais como:
“Que chato! Fala sempre no mesmo tom... Estou quase a dormir!?”
Relativamente à linguagem corporal (cinésica7), é considerada por Silva
et al. (2000) como o veículo de emoções e sentimentos, nem sempre
conscientes. Passamos a exemplificar, se dizemos à nossa equipa: “Estamos
confiantes e tranquilos para este jogo decisivo... por isso vamos ganhá-lo!?”,
mas ao mesmo tempo estamos com uma expressão facial de grande
apreensão, com os ombros caídos e o tronco curvado; será que a mensagem
que queremos transmitir causará o impacto emocional pretendido? Para
diversos autores (Davis, 1979; Amado & Guittet, 1982; Knapp, 1988;
Esperança, 1998; Becker Júnior, 2000; Robbins, 2003), parece que não, pois
de acordo com os mesmos, em caso de ambivalência, a mensagem da área
verbal é anulada pela não verbal. Como nos relembra Becker Júnior (2000: 94)
na nossa cultura “as acções falam mais alto do que as palavras”, ou ainda,
“julgue a pessoa não pelo que diz mas pelo que faz”. Neste sentido, as
expressões faciais (sorriso, cara de suspeito ou de interesse...); o olhar; a
postura corporal; a posição das mãos, a posição dos braços, mas também todo
um conjunto de gestos como aplaudir, levantar o polegar, apertar as mãos, etc.,
assumem enorme importância para a transmissão de uma mensagem embuída
de emoção (Davis, 1979; Amado & Guittet, 1982; Knapp, 1988; Esperança,
1998; Becker Júnior, 2000).
No que concerne à proxémica, é o estudo do uso e percepção do
espaço na comunicação com os outros (Knapp, 1988; Becker Júnior, 2000).
Hall (1966; In Davis, 1979), o pioneiro dos estudos desta área, considera
quatros zonas ou distâncias: a íntima (0 a 45 cm); a pessoal (46 cm a 1,20 m);
a social (1,20 a 3,60m) e a pública (+3,60m).
- A zona ou distância íntima é aquela que permite um contacto quase
directo, onde todos os orgãos dos sentidos se inundam de informações sobre o
outro (Esperança, 1998).
_______________________ 7
Cínésica: é o estudo dos gestos e movimentos corporais de valor e significado convencional, isto é, os movimentos
que se padronizam com a aquisição culltural e têm por isso sentido como convenção mais ou menos tácita (Esperança,
1998: 14)
REVISÃO DA LITERATURA
42
Isto porque, a esta distância as pessoas comunicam-se não só através
da palavra, como também do tacto, do cheiro e do calor do corpo permitindo,
por isso, a cada um dos interlocutores percepcionar no outro o seu estado
corporal do momento, tais como a respiração, mudança de cor da pele, sinais
tácteis de aprovação ou reprovação,etc. (Davis, 1979).
- A zona ou distância pessoal, de acordo de Davis (1979: 93), “é a bolha
espacial do indivíduo numa cultura de não contacto como a nossa”. Segundo a
mesma autora (Davis, 1979) considera-se a distância limitada por um braço.
Ou seja, a distância aceite como a apropriada para conversar assuntos
pessoais sem grandes interferências nem de distância nem de proximidade
(Esperança, 1998).
- A zona ou distância social é a que geralmente se utiliza para trabalhar
onde “é preciso manter os olhos sobre os outros e ouvir o que se diz”
(Esperança, 1998: 23). Segundo o mesmo autor (Esperança, 1998), é a
distância pela qual é possível manter os contactos visuais continuando a
trabalhar na presença do interlocutor, embora também possa ser utilizada
como argumento para separação ou para o contacto.
- A zona ou distância pública é a que reservamos para os
acontecimentos em que não nos envolvemos pessoalmente (Esperança, 1998:
23). Como por exemplo, discursos políticos, conferências de imprensa, etc.
Relacionando, então, com o contexto de ensino-aprendizagem/treino,
Becker Júnior (2000) salienta a utilização da zona pessoal e íntima, como a
mais importante na comunicação com os jogadores. Não obstante,
acreditamos, também, que a zona social e pública surgem como essenciais na
interacção com a equipa e com os jogadores face às especificidades de todo o
processo. A zona social pode ser facilmente reconhecida na supervisão activa
da equipa durante a exercitação e respectivas intervenções. Por exemplo,
todos sabemos que os jogadores agem de forma diferente no decorrer do
treino ora sintam ou não a presença do treinador. Ou, então, que as perdas de
atenção e/ou as conversas paralelas surgem com maior frequência nos
encontramos mais ou menos distantes. Relativamente à importância da zona
pública, é observada na prática através das mensagens que ouvimos serem
transmitidas pelos treinadores através dos meios de comunicação social,
muitas vezes dirigidas à equipa/jogadores.
REVISÃO DA LITERATURA
43
Por último, e intimamente relacionado com o uso do espaço íntimo surge
a conduta táctil, reconhecida por vários autores (Davis, 1979; Amado & Guittet,
1982; Knapp, 1988; Esperança, 1998; Becker Júnior, 2000; Robbins, 2003)
como uma das formas mais básicas e primitivas de comunicação mas ao
mesmo tempo das mais fortes. É que o toque, na opinião de Knapp (1988) e
Becker (2000), apresenta-se como uma ajuda preciosa para orientar o outro em
termos emocionais. Então no processo de ensino/treino, e embora se
reconheça que na maioria das situações não é preciso tocar nos jogadores
para comunicar, o toque, em determinadas situações, pode torna-se uma forma
útil para chamar a atenção, para acentuar alguma mensagem facial ou verbal
(Knapp, 1988); para transmitir uma mensagem de apoio, paralela à
transmissão de conteúdo táctico, técnico e motivacional (Becker Júnior, 2000).
Considerando, então, tudo o que foi referido, não se torna
particularmente relevante perceber o que significa cada gesto ou voz por si só,
o essencial será perceber que existe um conjunto de elementos que,
juntamente com aquilo que é dito, dão uma informação complementar sobre as
condições da comunicação, de favorecimento ou de inibição (Amado & Guittet,
1982). Outras das considerações a fazer é que independentemente do uso
deste ou daquele símbolo paralínguistico, corporal ou proxémico, estes só
serão relevantes quando utilizados em concordância com a mensagem que se
pretende fazer transmitir (Becker Júnior, 2000).
REVISÃO DA LITERATURA
44
2.3.2.2. Entre Jogador(es) – Jogador(es)/ Equipa: A linguagem do Conhecimento Específico
«Pela comunicação interpessoal vamos criando junto com
outras pessoas novas realidades, vamos modificando nossa
forma de ver e a delas, vamos ajudando-nos a perceber
melhor um mesmo assunto, a modificar algum aspecto do
nosso mundo. Modificamo-nos pessoalmente e modificamos
os outros.» (Moran, 2000)
Como foi referido, os símbolos contidos na linguagem específica
apresentam-se como imagens ou objectos que representam uma realidade
visível, havendo “uma relação forte entre a sua realidade própria e a realidade
que designa” (Morin, 1996: 146). Portanto nesta lógica, os símbolos específicos
utilizados para comunicar, promovem inevitavelmente uma estimulação
sensorial que será interpretada pelo receptor, o qual retira uma informação, um
sentido, uma significação (Amado & Guittet,1982) – um conhecimento
específico.
No futebol os conhecimentos específicos são: os conhecimentos
tácticos, pois é a partir destes que se faz a análise da situação e se tem
capacidade de encontrar uma solução para os problemas encontrados no jogo
(Tavares, 1993; Garganta, 1997; Mesquita, 1998a); com os conhecimentos
técnicos, uma vez que dá capacidade de executar essa solução (Garganta,
1997; Mesquita, 1998a); e, ainda, com as experiências e as vivências de cada
jogador ao longo das suas vidas (Guiherme Oliveira, 2004).
Neste sentido, torna-se imperioso conhecer melhor quais os
conhecimentos implicados no «jogar», segundo o entendimento que temos
vindo a salientar. Guilherme Oliveira (2004: 90) considera “três formas de
manifestação distintas, que interagem permanentemente: (1) o conhecimento
táctico-técnico específico; (2) o conhecimento específico relacionado com as
habilidades técnicas; e (3) o conhecimento específico relacionado com uma
auto e hetero-interpretação de um projecto colectivo de jogo8”.
Relativamente ao conhecimento táctico-técnico específico, está
dependendente dos conhecimentos declarativos, uma vez assumem uma
grande “influência nas decisões, no sentido em que permite ao jogador ter
REVISÃO DA LITERATURA
45
consciência da sua capacidade e respectiva possibilidade de êxito na escolha
determinda de determinada solução” (Guilherme Oiveira, 2004: 92). Mas como
as decisões são influenciadas pelos estados emocionais no momento da
aprendizagem (Jensen, 2002; Damásio, 2003a), se no momento da
memorização, estão associados estados emocionais positivos os jogadores
vão fomentar uma maior regularidade de respostas (Guilherme Oliveira, 2004).
Se pelo contrário, associam estados emocionais negativos, as respostas
relacionadas com a acção são rejeitadas (Guilherme Oliveira, 2004). Estes
conhecimento são muito importantes, na perspectiva de Guilherme Oliveira
(2004), pois quando memorizadas sob a forma de imagens mentais irão
permitir a formação e o reconhecimentos dos padrões de jogo pretendidos na
tomada de decisão.
Ao mesmo tempo, também são influenciados pelos conhecimentos
processuais específicos, “os denominados hábitos ou automatismos, os quais
foram criados através das experiências, conscientes ou não conscientes, que
ficam retidas nas memórias e são utilizadas para se poder decidir e reagir
rapidamente perante as situações” (Guilherme Oliveira, 2004: 97). São criados
conscientemente quando há transformação dos conhecimentos declarativos em
processuais (Guilherme Oliveira, 2004) e não conscientes quando associados
estados emocionais (Guilherme Oliveira, 2004). Assim, se justifica a utilização
de marcadores somáticos durante a “Intervenção Específica”, pois ao permitir
tornar não conscientes as decisões e as acções propriamente ditas, estas
serão realizadas, num tempo muio inferior ao tempo necessário pelos
processos conscientes (Guilherme Oliveira, 2004). Este conhecimento é muito
importante para o jogador quando se relaciona com o reconhecimento dos
padrões de jogo pretendidos pelo treinador (Guilherme Oliveira, 2004).
Nesta perspectiva, é fundamental, que os conhecimentos táctico-
técnicos específicos sejam desenvolvidos no treino, ao contemplar-se a
interacção entre os conhecimentos declarativos, processuais, as respectivas
emoções e memórias, permitem uma configuração sobre a forma de imagens
mentais, dos princípios e sub-princípios do Modelo de Jogo.
_______________________ 8Refere-se ao Modelo de Jogo de uma Equipa, explicado nos pontos anteriores.
REVISÃO DA LITERATURA
46
No que concerne ao conhecimento específico relacionado com as
habilidades técnicas, este é o tipo de conhecimento específico que “garante a
exequabilidade da acção pretendida para operacionalizar a decisão tomada”
(Guilherme Oliveira, 2004: 103). Os conhecimentos declarativos, neste
contexto, só se tornam relevantes para jogadores principantes, pois são uma
ajuda preciosa na compreensão execução de acções complexas (Guilherme,
2004). Por isso, é um tipo de conhecimento fundamentalmente processual
(Guilherme Oliveira, 2004). Formados de forma não consciente, através de
uma repetição sistemática, e são configurados sob a forma de imagen mentais
permitindo os jogadores adaptarem às circunstâncias das situações de jogo
(Guilherme Oliveira, 2004). A influência das emoções também se verfica,
porque quando os jogadores executam uma acção bem sucedida dá-se uma
emoção positiva, que posteriormente, numa situação semelhante, faz com que
seja novamente executada (Guilherme Oliveira, 2004).
Quanto ao conhecimento específico relacionado com a auto e hetero-
interpretação de um projecto colectivo de jogo, de acordo com Guilherme
Oliveira (2004: 106) “decorre da interpretação que os jogadores fazem das
ideias que o treinador pretende transmitir.” Neste sentido, está dependendente
dos conhecimentos declarativos do treinador, na medida em que precisa de
ser consciencializado (Guilherme Oliveira, 2004). Mas também, dos
conhecimentos declarativos e processuais dos diferentes jogadores,
provenientes das experiências, conhecimentos, memórias e emoções de cada
um adquiridas ao longo da sua vida (Guilherme Oliveira, 2004). Um facto, que
na opinião de Guilherme Oliveira (2004: 108), é muito importante para o
desenvolvimento do projecto colectivo de jogo, na medida em que a “diferença
de conhecimentos específicos dos jogadores vai funcionar como catalisador
positivo de novos conhecimentos específicos tanto colectivos como
individuais.” Todavia, torna-se relevante é que o jogador interprete e vivencie
de de tal forma o projecto colectivo que lhe cause um sentimento de prazer. Ou
seja, que acrecente aos processos de emoção a consciência (Damásio, 2000;
In Guilherme Oliveira, 2004). Aliás parece ser essa a opinião de Frade (2005;
In Dias, 2005: ILVI) quando afirma que: “o prazer emana da consciência do que
queremos com o que fazemos para lá chegar, ou seja, é o prazer da minha
evolução no processo, da capacidade de fazer melhor isto e aquilo.” Portanto,
REVISÃO DA LITERATURA
47
um prazer que surge do desenvolvimento de sentimentos individuais em função
de um colectivo, uma das premissas fundamentais, de acordo com Guilherme
Oliveira (2004), para que se possa desenvolver o projecto colectivo de jogo.
Pelo referido, vemos que é essencial o desenvolvimento do
Conhecimento Específico para que os jogadores comuniquem entre eles. Pois,
segundo o nosso entendimento, representado pelas palavras de Frade (2005;
In Dias, 2005: XIV), “são eles [jogadores] que, sobre um tema, constroem (...)
para que a evolução se faça e ao fazer-se, dado que está perante
condicionantes de ordem colectiva, faz com que ao crescer o “eu” [jogador],
cresça em função da necessidade de se articular [comunicar] com os outros
[equipa]”. Por conseguinte, o importante será “crescer o saber fazer9, a
disponibilidade de jogar, em concomitância com um saber sobre um saber
fazer” (Frade, 2005; In Dias, 2005: XIV), para que a interacção entre treinador-
jogadores em treino, e consequentemente entre jogador(es)-jogador(es)/equipa
em jogo, se constitua uma verdadeira comunicação.
É que sendo o jogo de Futebol algo construído, porque conjuga os
conhecimentos do treinador e dos jogadores e dos processos de ensino-
aprendizagem/treino do jogo, “o saber sobre um saber fazer” surge como o
melhor meio para essa construção. Isto, porque são “saberes” que implicam
“por um lado, um conhecimento táctico-técnico abrangente, que funciona como
uma cultura táctica de jogo, permitindo entender, perceber e expor a sua
opinião acerca do que pode ser feito” (Guilherme Oliveira, 2004: 41). Quer
dizer, então, que o objectivo é que jogadores e treinadores passam a partilhar a
mesma “língua10”.
_______________________ 9O “saber fazer” implica ter conhecimentos e capacidade de executar com êxito determinada acção,
independentemente de ser realizada de uma forma consciente ou não e da possibilidade ou não de ser explicada por
quem a vivencia (Guilherme Oliveira, 2004: 42). 10Língua: é um sistema de signos e conjunto de regras de combinação que funciona como um instrumento de
comunicação dentro de uma cultura (Amado e Guittet, 1982: 49)
REVISÃO DA LITERATURA
48
“Por outro lado, um conhecimento que está relacionado com uma auto e
hetero-interpretação de um projecto de jogo colectivo e que permite a evolução,
colectiva e individual, através da cumplicidade e a divergência das
interpretações e acções dos jogadores” (Guilherme Oliveira, 2004: 41). Ou
seja, durante treino e jogo a capacidade de usar a “língua” de modo particular –
a “fala11” - é um aspecto fundamental.
Assim sendo, o “saber sobre um saber fazer” fomenta o lado normativo e
criativo da comunicação, ou seja, atende às características do próprio «Jogo».
_______________________ 11Falar: é adaptar e transformar a língua de acordo com as necessidades próprias. Implicando duas operações
fundamentais: uma selecção de certas unidades da língua; e uma combinação dessas unidades em conjunto cada vez
mais complexos, cada nível integrando os precedentes num conjunto hierarquicamente superior (Amado e Guittet,
1982:51)
MATERIAL E MÉTODOS
49
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1. Caracterização da Amostra
A amostra é constítuída por três entrevistados: dois treinadores de
futebol, Carlos Carvalhal e José Guilherme Oliveira, e um Psicólogo do
Desporto, Ângelo Santos.
Os dois primeiros entrevistados enunciados foram escolhidos tendo em
conta a reconhecida experiência profissional em contextos distintos. Carlos
Carvalhal em equipas de alto rendimento e Guilherme Oliveira em equipas de
formação, e que por isso mesmo, são uma mais valia para o nosso trabalho.
Relativamente, ao psicólogo Ângelo Santos é actualmente Coordenador
Pedagógico do F.C. Porto e desenvolve paralalelamente vários trabalhos no
âmbito da comunicação junto das equipas técnicas de formação do clube.
Como tal, pensamos que os seus conhecimentos em muito poderão ajudar a
clarificar a problemática da comunicação no futebol.
3.2. Metodologia de Investigação
Relativamente à parte teórica deste trabalho sustentou-se numa
pesquisa bibliográfica e documental, de forma a seleccionar a informação
pertinente para o estudo da problemática seleccionada.
Já a nível prático, a metodologia utilizada na recolha dos dados consistiu
em dois questionários: uma para os treinadores e a outra para o psicólogo
tendo em atenção as áreas professionais dos mesmos. De salientar, que as
questões eram abertas para que os entrevistados pudessem expor os seus
pontos de vista da forma clara e o mais aprofundada possível.
Na recolha dos dados foi utilizado gravador digital «Olympus» (mod.VN
– 120), o qual posteriormente foram transcritos para o papel com a devida
autorização dos entrevistados para a análise do conteúdo.
MATERIAL E MÉTODOS
50
3.3. Recolha de Dados
A recolha de dados referente a este trabalho decorreu entre os dias 5 e
8 de Abril de 2006.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
51
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Depois de realizada a revisão da literatura e termos efectuado
entrevistas a especialistas de diferentes áreas - aos treinadores Carvalhal e
Guilherme Oliveira, e ao psicólogo Ângelo Santos - na tentativa de
compreender e esclarecer as questões da comunicação no futebol o melhor
possível, passamos à apresentação das mesmas. Contudo, face aos objectivos
do nosso trabalho, primeiro uma abordagem ao processo de ensino-
aprendizagem/treino do jogo, e depois compreender a forma como
melhor/potenciar a comunicação em todo o processo, do treino ao jogo.
4.1. Um modelo comunicacional do processo de ensino-aprendizagem/treino?! A construção de um «jogar» assim o exige!
A comunicação no processo de ensino-aprendizagem/treino é de facto
uma questão valorizada pelos treinadores entrevistados. Se dúvidas existem
Carvalhal retira-as ao afirmar que “quando estamos envolvidos num processo
(...) de treino estamos envolvidos sem dúvida num processo de comunicação”.
Contudo, a preocupação com a comunicação tem um objectivo central: «a
construção de uma forma de jogar”, salienta Guilherme Oliveira.
Sendo assim, há necessidade de uma ideia, um projecto (modelo) que
sirva de orientação para a construção da obra – o «jogar. Ou seja, uma
comunicação (intra) pessoal de cada treinador no sentido em que é preciso que
cada um saiba aquilo que pretende, nomeadamente, os princípios e ou padrões
de comportamento. Afinal, como vimos por Moran (2000) “o campo onde se
decide realmente a comunicação é o pessoal, o intrapessoal, que interfere
profundamente nas outras formas de comunicação”, nomeadamente, na forma
como concebemos a interpessoal.
Neste sentido, Guilherme Oliveira considera essencial uma comunicação
pessoal com um “sentido de equipa”, ou seja, há que criar uma identidade
comum – o modelo de jogo – para que os jogadores compreendam o que está
a ser transmitido, e que o treinador também perceba o que é que os jogadores
estão a compreender. No entanto, atendendo a que são os jogadores que
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
52
jogam a comunicação pessoal do treinador torna-se “uma comunicação deles,
uma comunicação de equipa”. Portanto, a interactividade entre jogadores-
treinador, e entre jogador(es)-jogador(es), torna-se imprescindível (e não só
entre treinador-jogadores como muitos pensam!) pelo menos na construção de
um «jogar».
Aliás, uma ideia partilhada por Carvalhal, pois aquando da transmissão
da “ideia de jogo para o jogador/indivíduo, indivíduos como grupo, há sempre a
recepção de uma informação... Por sua vez, a recepção de informações que
vamos captar nos nossos jogadores, através do treino e do jogo, vai-nos levar
a evoluir e a caminhar num determinado sentido que, muitas vezes, nem
esperávamos. Neste sentido, a comunicação da nossa ideia de jogo, é uma
comunicação interactiva, é aberta, porque estamos sempre a dar informação, a
receber informação, para dar outra informação mais complexa ou menos
complexa”.
Reconhecido, então, o papel dos dois interlocutores, treinadores e
jogadores, na construção de um de um «jogar» podemos considerar que o
entendimento dos treinadores entrevistados está em concordância com
construção comunicativa enunciada na literatura por Pestana (2003).
Um facto que se torna, tanto mais evidente, quando se observam as
formas comunicacionais e o processo de construção do «jogar» pretendido. É
que para Carvalhal esta interactividade relaciona-se “com o uso dos exercícios,
com os feedbacks intimamente relacionados com um conteúdo que queremos
ver acentuado. E torna-se recíproco na medida em que também recebemos o
feedback gestual e verbal dos jogadores relativamente aquilo que deveriam
fazer e não fizeram. A partir daí o treinador intervém. Então, torna-se em
definitivo uma comunicação num processo que não tem fim”.
Guilherme Oliveira, segue a mesma linha de pensamento, ao transmitir
os padrões de comportamento que pretende para a sua equipa tenha e fá-lo
“por um lado, verbalmente, e por outro lado pelos exercícios”. Para além disso,
reconhecendo que os jogadores têm um passado e por isso um entendimento
das coisas que não é propriamente o seu, torna-se fundamental a interacção
com os jogadores para que juntos compreendam o que é que está a acontecer.
O objectivo é que os jogadores dêem algo às suas ideias mas que nunca
saiam dos padrões de comportamento pretendidos.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
53
Do atrás referido, podemos concluir que a concepção de um modelo
comunicacional é sem dúvida fundamental para construção de um processo de
ensino-aprendizagem de um «jogar». Na prática, uma construção comunicativa
de um jogar que contempla formas comunicacionais promovem a
interactividade preconizada. Assim sendo, interessa perceber melhor que
formas são estas e qual a especificidade das mesmas.
4.2. Na Construção Comunicativa de um «Jogar»... a essencialidade das “Linguagen(s)” do Treinador com a da Equipa/Jogadores 4.2.1. Do Treinador: As “Linguagens Específicas”
Pela revisão da literatura as “linguagens específicas” são consideradas
os meios/formas de comunicação entre treinador-equipa/jogadores, desde que
representativas do Modelo de Jogo .
Relativamente aos treinadores entrevistados concordam com esta
designação – linguagem específica – na medida em que são os meios para se
fazerem entender junto dos jogadores, uma vez que o objectivo é que os
jogadores compreendam o melhor possível os princípios ou padrões de
comportamento inerentes ao modelo de jogo.
Tendo em conta as preocupações proferidas podem ser utilizadas várias
linguagens, desde as imagens e os esquemas, enunciadas por Guilherme
Oliveira, até ao vídeo referido por Carvalhal, o qual nos relembra que “uma
imagem vale mais que mil palavras.”
Não obstante, a linguagem mais importante, no ponto de vista dos
entrevistados é o exercício. Aliás, para Carvalhal o exercício é o meio
privilegiado desde o primeiro dia: “eu prefiro passá-las no campo... através da
acção (...) os nossos primeiros treinos são treinos de identificação (...)
situações de 11x0 ou 11x1”.
Já no decorrer do treino os treinadores entrevistados, dizem ser ainda
imprescindível promover o diálogo acompanhado de questionamento para que
haja a assimilação das ideias pretendidas.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
54
Assim, interessa saber porque é que os exercícios são a linguagem mais
importante, e quais as exigências para que se cumpra com Especificidade a
construção comunicativa do «jogar».
4.2.1.1. Destaque ao exercício...
Como referimos anteriormente, Carvalhal e Guilherme Oliveira são
unânimes ao considerar que o exercício é a linguagem mais eficaz para
transmitir as ideias de jogo. Aliás, também Ângelo Santos o considera, ainda
que não seja especialista nesta área, é que em sua opinião as “competências
só se adquirem com a habituação, só repetindo as acções tácticas e técnicas.”
Quanto aos treinadores reforçam esse mesma opinião. Guilherme
Oliveira salienta que “nós jogamos muito por hábitos que vamos criando, e
então, nós criamos esses hábitos no treino através de exercícios.” Na mesma
linha de pensamento, Carvalhal afirma: “o homem é sobretudo um animal de
hábitos”, por isso, “só fazendo, treinando e vivenciando é que podemos exigir
determinados comportamentos em jogo. Através de uma palestra... De um
simples mostrar de um vídeo, para fazer um determinado comportamento... é
impensável.” No entanto, segundo o mesmo, a regra pode encontrar excepção
mas apenas no que respeita ao lado estratégico em contextos particulares, já
que diz respeito a treinadores de Top (os quais teve oportunidade de
questionar) com jogadores de Top. Por isso, diz-nos que “... se calhar
jogadores de elevado nível conseguem aprender, porque são muito evoluídos,
já entendem a forma de jogar do treinador, por trabalhar com ele há algum
tempo, e percebem as nuances tendo em conta uma determinada estratégia. E
assim, algumas vezes, os treinadores conseguem através do vídeo transmitir
aquilo que pretendem, e os jogadores assimilarem.” De facto, esta é a
excepção das excepções, é que para Carvalhal basta atendermos ao alto nível
português para perceber que o treino é o mais importante mesmo quando
respeita o lado estratégico.
Podemos concluir que num qualquer contexto de ensino-
aprendizagem/treino, miúdos ou graúdos, a linguagem mais importante é o
exercício, em concordância com o que nos refere a literatura.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
55
No entanto, há que reforçar o cérebro (ainda que muita gente pense o
contrário!), porque o cérebro é um músculo, lembra-nos Ângelo Santos. Por
isso acrescenta, que o treinador deve ser incisivo sobre aquilo que pretende.
No fundo, deve ser Específico.
Na literatura, considera-se que a Especificidade do exercício/linguagem
deve ser capaz de representar o Modelo de Jogo concebido, ou seja, «traduzir
e transferir em enunciados lineares/sequenciais o que se manifesta como
simultaneidade encadeada tanto no cérebro como no real” (Morin, 1996: 115),
desde que, essa linearidade não impeça que se restitua no tempo o que é
simultâneo e que se encontre o fio do que está encadeado (Morin, 1996).
De facto, parece ser o que pensa Carvalhal. Para este treinador o
exercício deve contemplar “a dimensão macro ou micro da nossa forma de
jogar expressando princípios de jogo, sub-princípios ou sub-principíos dos sub-
princípios”. Mas também para Guilherme Oliveira (2004: 151) uma vez
considerar os princípios de jogo, ou padrões de comportamento, “podem ser
decompostos, e estes por sua vez, até atingirem uma escala mínima” sem que
percam sentido, já que apresentam uma “configuração e organização fractal”
manifestando-se como “invariâncias do Modelo e independentemente da
escala que representa esse Modelo” (Guilherme Oliveira, 2004: 151). Portanto
nesta lógica, os exercícios para serem Específicos devem permanentemente
representar o Modelo de Jogo da Equipa qualquer que seja a dimensão ou
escala.
Da conceptualização para a prática deverá cada treinador
“condicionar/fomentar um determinado acontecer relacionado com o todo que
se deseja” (Oliveira et al., 2006: 142), através do cumprimento do princípio
pedagógico ou metodológico da Propensão (Frade, 2004; In Leal, 2004) e da
Repetição Sistemática (Castelo, 1996, 2002; Carvalhal, 2000, 2003; Faria,
2003; Frade, 2003; Guilherme Oliveira, 2003; Queirós, 2003), tal como vimos
pela literatura.
Propensão, porque “se nós somos capazes de criar exercícios que vão
potenciando essas nossas ideias, aquilo que acontece é que, os
comportamentos que nós queremos vão aparecer no jogo”, conclui Guilherme
Oliveira. E Repetição Sistemática, porque através da intencionalidade das
acções repetidas pelos jogadores por este princípio leva a que os jogadores
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
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criem hábitos/automatismos específicos (Frade, 2003), o que de facto se torna
de extrema importância, porque ao jogar a maior parte das decisões tomadas
são não conscientes, é o subconsciente que joga. Sendo assim, os hábitos são
importantes mas desde que a repetição seja direccionada para o «jogar»
idealizado.
Neste sentido, como expõe Guilherme Oliveira, os exercícios ou a
estrutura dos exercícios só têm inseridos os comportamentos de forma
potencial porque depois cabe ao treinador direccionar ou intervir no exercício
para que esses comportamentos vão ao encontro daquilo que se pretende.
Portanto, a Especificidade dos hábitos é dada, por um lado, com a
criação dos exercícios e, por outro, com a intervenção do treinador. Neste
sentido, importa esclarecer de que intervenção nos fala Carvalhal e Guilherme
Oliveira e em que medida se promove a interactividade treinador-jogadores e
jogadores-treinador.
4.2.1.2. Que intervenção... pela Comunicação!
Atendendo às interacções preconizadas pelos treinadores entrevistados
na concepção do modelo comunicacional não basta chegar ao treino e
preocupar-se em colocar ou “pins” ou as balizas (“montar o exercício” como se
diz na gíria) e organizar os jogadores para que comecem a trabalhar sem
grande percas de tempo, uma vez que “a configuração física do exercício está
muito aquém da dinâmica levada a cabo pelos intervenientes, neste caso os
jogadores e o treinador que estão a vivenciar o exercício” ( Frade, 2004; In
Leal, 2004: VI).
Neste sentido, os nossos entrevistados, salientam desde logo a
importância dos objectivos. Aliás, como salvaguarda Carvalhal, “nem todos os
jogadores têm o mesmo nível de inteligência, nem todos os homens têm a
inteligência, para que o exercício por si só lhes dê indicações para que
consigam perceber quais são os objectivos. Nem todos estão neste plano, só
alguns”. Se com os adultos é assim, imaginemos, então, uma criança ou um
adolescente que está a dar os primeiros passos como jogador! Certamente não
perceberão nada do que se está a tentar transmitir quanto ao «jogar»
pretendido.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
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Sendo assim, antes de iniciar o exercício é fundamental definir os
princípios ou padrões de comportamento que se pretende para a equipa, ora a
nível individual, ora colectivamente, para que no momento em que os
jogadores estão a realizar o exercício saibam o que é que estão a treinar. Até
porque um exercício só pela sua estrutura pode levar os jogadores a pensarem
em vários princípios, por isso, no ponto de vista de Carvalhal “se quisermos
incidir num determinado princípio, é importante que antecipadamente o jogador
saiba o que estamos a treinar e a acentuar, para que depois compreendam o
reforço que é dado pelos feedbacks.”
Nesta perspectiva, emerge uma outra ideia que é a da importância da
intervenção durante o exercício, a qual é explicada por Guilherme Oliveira por
um exemplo: “imaginemos que eu quero treinar a minha organização defensiva,
defesa à zona, de determinado sector. Assim, crio um exercício que vá
potenciar isso, ou seja, um exercício que leve a que esse sector passe muitas
vezes pela organização defensiva, para que eles treinem especificamente o
comportamento que eu pretendo. Então, o exercício está a decorrer... e aquilo
que está a acontecer é que os jogadores estão sistematicamente a cometer
erros de posicionamento, erros de movimentações... e nós não estamos a
corrigir, não estamos a intervir. Então o que é que eles estão a treinar? Em vez
de treinar os comportamentos que desejamos, estão a treinar erros. Em vez de
estar a criar hábitos que nós pretendemos que tenham, para que depois
consigam enfrentar os problemas que o jogo coloca, estão a treinar erros, a
treinar asneiras.” Deste modo, cabe ao treinador intervir no decorrer do
exercício para que os comportamentos transmitidos ao jogador no início do
exercício vão ao encontro daquilo que se pretende, ou seja, que as coisas boas
sejam incentivadas e as más corrigidas.
E, no fim, salienta Guilherme Oliveira, há que fazer um balanço para que
os jogadores tenham exactamente a noção do que aconteceu, pois caso
contrário, não tiramos o máximo proveito do exercício.
Nestes momentos, a linguagem específica a utilizar é o feedback,
contudo sendo incisivo sobre aquilo que foi pedido no início do exercício, pois
se assim for a linguagem torna-se completamente específica daquilo que nós
pretendemos, salienta Guilherme Oliveira. Portanto, para que os jogadores
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
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assimilem os princípios de jogo são fundamentais “os exercícios, o feedback e
a relação entre feedback e exercícios” (Mourinho, 2003; In Barreto, 2003).
Todavia, em todo este processo de interacção “só comunicado bem e
vendo se os jogadores percebem é que o exercício é bem feito ou não”, refere
Ângelo Santos. Utilizando mesmo o exemplo de Mourinho para reforçar essa
ideia: “Nunca viu um treino do Mourinho? (...) Enquanto as coisas não saírem
como ele quer, ele «chateia» toda a gente.”
Lá está, o treinador não se pode estar passivo durante o exercício é
preciso promover o diálogo e mesmo a discussão! Aliás, só assim é que se
pode estabelecer comunicação no treino, é que “o treinador informa, tem essa
via da informação, mas depois (...) tem que saber se, de facto, a mensagem
passou. É que se não passou perdeu tempo”, refere Ângelo Santos.
A este propósito Guilherme Oliveira é bastante claro dizendo que a
primeira coisa que faz após transmitir uma ideia é questionar os jogadores
pedindo para que eles expliquem o que foi dito. Depois, quando vê que as
ideias transmitidas não estão a aparecer na realização do exercício, procede
da seguinte forma: “paro e pergunto o que é que ele fez bem o que é que ele
faz mal (...) E face à resposta que ele me dá, eu digo se é ou se não é, e ajudo
para que ele vá ao encontro daquilo que eu pretendo. Mas sempre para que
seja ele a reflectir sobre as coisas... nunca lhe dou a solução das coisas para
ser ele a decidir. No entanto, jogo com eles de forma a que a decisão deles vá
de encontro daquilo que eu pretendo que aconteça.” No fundo, aquilo que
Mourinho (2003, cit Lourenço) designou como “descoberta guiada”.
Até porque, não basta saber o que fazer e fazer por fazer, mas sim,
reflectir sobre o que se faz, ou seja, ter consciência! Aliás, a opinião de
Carvalhal “é que muitas vezes o jogador faz, mas o fazer não quer dizer que
entenda, e para nós é muito importante que eles entrem no domínio do “saber
sobre o saber fazer”. Daí, questionar os jogadores, em cada treino, acerca do
comportamento da equipa/jogadores nesta ou naquela situação de jogo... em
situações práticas. Pois, através desse questionamento vamos recebendo
alguma informação para aquilatar o conhecimento dos jogadores relativamente
à nossa forma de jogar.”
Do atrás exposto, concluímos haver duas preocupações essenciais para
que a intervenção específica se justifique no decorrer do exercício: primeiro
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estabelecer comunicação, ou seja, perceber se os jogadores entenderam a
mensagem, depois, levá-los a seguir o caminho traçado promovendo-se assim
a aquisição de Conhecimento Específico.
4.2.2. Com a equipa/jogadores: A linguagem do Conhecimento Específico… 4.2.2.1. Conhecer e então Criar!
Do exposto, observámos que a preocupação com a melhor forma de
transmitir as ideias aos jogadores tem um único fim, o conhecimento, por parte
da equipa e dos respectivos jogadores, da forma de «jogar» pretendida, ou
seja, o conhecimento dos princípios ou padrões de comportamento pelos quais
a equipa e os jogadores se devem orientar. Com isto, não se quer dizer que a
criatividade não seja contemplada e até incentivada. Aliás, para os treinadores
entrevistados as linguagens utilizadas são potenciadoras das capacidades dos
jogadores pois quanto melhor conhecerem a forma de jogar, melhor sabem
onde a criatividade pode e deve entrar.
É que tudo começa com um entendimento de jogo que incentiva à
inovação e à criatividade, e na prática com exercícios que promovam isso
mesmo, salienta Carvalhal. Por exemplo, “se queremos que o nosso jogo tenha
muitas trocas posicionais, temos que inventar exercícios que promovam essas
trocas, mantendo os equilíbrios.... exercícios que permitam inventar fintas,
dribles, espaços”.
Uma opinião partilhada por Guilherme Oliveira uma vez que, do seu
ponto de vista, a criatividade é muito importante mas em função de um
projecto, de uma organização. Assim, de nada vale um “rasgo” de criatividade
se ninguém entende para que é que serve, aliás, isso não é criatividade mas
sim recreação, por isso não interessa. É que a “criatividade deve acrescentar
algo (...)ao padrão”, salienta Guilherme Oliveira. Portanto, a criatividade
emerge do comprometimento dos jogadores com os comportamentos
pretendidos; com a compreensão permanente do projecto colectivo de jogo e,
obviamente, com a capacidade que tenham de recriar esses comportamentos.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
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Em suma, com a auto-hetero interpretação do projecto colectivo de jogo, tal
como é referido pelo próprio Guilherme Oliveira (2004).
4.2.2.2. O “Onze” Ideal!
Sendo o jogo de Futebol algo construído porque conjuga os
conhecimentos do treinador, dos jogadores e dos processos de ensino-
aprendizagem/treino do jogo, na revisão da literatura podemos concluir que “o
saber sobre um saber fazer” surge como o melhor meio para essa construção,
na medida em que permite estabelecer uma comunicação eficaz na interacção
entre treinador-jogadores em treino, e consequentemente, entre jogador(es)-
jogador(es)/equipa em jogo.
A este propósito Carvalhal salienta a importância de “ter jogadores que
captem o mais rapidamente a nossa filosofia, ainda que às vezes seja só por
empatia”. Ou seja, jogadores que compreendam o que se pretende para a
equipa relativamente ao jogo, à atitude pretendida perante o trabalho e no jogo;
a atitude competitiva, ao grau de concentração, disciplina, etc. Em suma,
jogadores que entrem no domínio do “saber sobre um saber fazer”.
Este tipo de jogadores, para Carvalhal, são de facto importantes para a
equipa uma vez que ao perceberem o que o treinador quer, são como que os
“treinadores dentro de campo” (as extensões dos treinadores no campo, como
se ouve na comunicação social). Obviamente, com feedbacks diferentes dos
treinadores, mas com uma grande capacidade de transmitirem ideias e
comportamentos em concordância com uma filosofia de jogo.
Por isso, segundo Carvalhal, não podem ser menosprezados pois dada
a sua inteligência de jogo e carácter é que são aceites pelos colegas como
líderes, passando assim a ser “veículos de transmissão de mensagens, não só
no jogo como no treino, veículos de comunicação.” Mas, evidentemente, como
diz o próprio, é necessário que “a ideia de jogo seja rica, que consiga valorizar
os jogadores”, pois só assim é que se consegue que os jogadores com estas
características incutam rapidamente essa filosofia em si e nos outros. Assim,
se “tivermos cinco ou seis jogadores com estas características temos, em
condições normais, um grupo de trabalho bom”, pelo menos é a opinião de
Carvalhal.
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Imaginemos, então, a equipa ideal! O ”onze” ideal! Uma equipa em que
todos os jogadores tivessem um conhecimento táctico-técnico abrangente e
percebessem e se comprometessem com o projecto colectivo de jogo, ou seja,
que estivessem no domínio do “saber sobre um saber fazer”. Certamente, seria
“uma equipa colectivamente muito forte que domina determinado tipo de
comportamentos; que acrescenta inovação, que acrescenta criatividade; que
potencializa ao máximo os jogadores, que os jogadores sabem que estão a ser
potencializados mas ao mesmo tempo sabem que têm um trabalho de equipa
que tem de fazer”, salienta Carvalhal. Por conseguinte, uma comunicação entre
jogadores/equipa em jogo de acordo com a idealizada pelo treinador.
4.3. Potenciar e melhorar a Intervenção/Comunicação em todo o processo mas… que especificidades? 4.3.1. O (re)conhecimento das competências do “Treinador”…
Pelas respostas dadas por todos os entrevistados, a eficácia da
comunicação no futebol é mais do que as interacções promovidas durante
exercício, uma vez aparecer associada a todos os momentos. Aliás, dá-se
desde o primeiro instante em que treinador contacta com o jogador, uma vez
que o jogador “vai imediatamente projectar-se no treinador, e vai ou não
identificar-se com ele, e isso é logo comunicar. Ele está olhar para o treinador,
para a sua postura, para a forma dele estar (...) É aquela linguagem que não se
fala, mas é um tipo de linguagem que você está a ver em mim.”, explica Ângelo
Santos. Aquela comunicação que leva o jogador a dizer é simpático ou
antipático, mesmo que às vezes não seja dita uma única palavra (é que a cara,
os gestos e a postura também “falam”, não é verdade?!).
Então, se em silêncio se comunica, o que dizer quando estamos a falar!
Assim, as competências comunicacionais do treinador são um aspecto
fundamental. Até porque hoje em dia, na perspectiva dos treinadores
entrevistados, não basta chegar falar por falar há que fazer com que os
jogadores acreditem no que se está a tentar transmitir. É que “se os jogadores
não acreditam no que o treinador está a dizer, se não acreditam na equipa, se
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não acreditam naquilo que estão a fazer eles não se envolvem... e não se
envolvendo não têm qualidade”, salienta Guilherme Oliveira.
Qualidade esta, também referida por Carvalhal, considerando assim que
todas as linguagens podem ser um grande contributo, porque “a autoridade do
treinador é aceite pela sua pertinência. A pertinência dos seus exercícios, dos
feedbacks, a pertinência do seu modelo e eficácia do mesmo. Então, os
jogadores em função de tudo isto vão acreditar mais ou menos no seu líder. Se
há mais coerência nos seus processos, obviamente que o jogador se identifica
mais e fica mais perto. (...) Isto só se resolve através da comunicação do líder,
e da acção”. Portanto, há que saber o quê e como transmitir, mas também
saber envolver os jogadores.
Contudo, em todo este processo de reconhecimento de competências há
um aspecto que se torna fundamental para os treinadores, na opinião de
Ângelo Santos, são as três regras da comunicação: “primeiro, ter noção de
como comunicar; segundo, se a mensagem não passou a culpa é minha, e em
terceiro lugar se a mensagem não passou a culpa é minha outra vez”. No
fundo, o treinador tem que se conhecer. E é aqui que entra a comunicação
intrapessoal, no ponto de vista de Ângelo Santos.
Ou seja, o treinador tem que conhecer-se verdadeiramente, a 100%,
pois se tal não acontecer fica sempre na dúvida quanto à forma como a sua
mensagem está a ser recebida pelos jogadores. No fundo, não sabe o que vale
(não tem competências), e como tal não conhece as melhores formas de fazer
passar a mensagem. O que na prática é muito negativo porque se o treinador
tem dúvidas, não mostra convicção nas suas palavras e acções, como é que
pode esclarecer as dúvidas aos jogadores? Por isso, diz-nos Ângelo Santos, o
treinador tem que saber por exemplo: “eu vou comunicar, mas será que eu
tenho memória para comunicar tudo aquilo que eu quero?” Se não tiver, tenho
que levar um papel escrito. Isto não é ser mais ou menos inteligente, é
conhecer-se. Portanto, conhece-se e utiliza as estratégias que tem ao seu
alcance para comunicar.”
Quanto aos jogadores, o conhecimento daquilo que são capazes torna-
se igualmente importante. Para isso, o auto-conceito e a auto-estima são
aspectos essenciais para o jogador, ou seja, são as estratégias utilizadas para
que se auto-motivem perante as dificuldades que se lhe colocam no processo
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
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de treino (por exemplo, não jogarem). Aliás, como refere Ângelo Santos, “os
grandes jogadores são aqueles que estão sempre auto-motivados. Não estão à
espera que os jornalistas digam que eles são bons”. Tendo em consideração o
referido, o treinador deverá perceber que quanta mais consciência,
conhecimento, tiverem os jogadores do seu crescimento numa determinada
forma de «jogar», mas também fora do treino (por exemplo, na escola como
refere Ângelo Santos), mais eficaz será a sua comunicação com o treinador e
com os colegas de equipa.
Portanto, ao compreender-se estas ideias, não há como não nos
preocuparmos em conhecermo-nos cada vez melhor, em reconhecer as
responsabilidades em todos os problemas de comunicação, e por conseguinte,
a compreensão de mais algumas estratégias/formas de melhorar a
comunicação com os jogadores.
4.3.2. Emoção por uma melhor Comunicação…
«As emoções são o sal do mundo!»
(Ângelo Santos, 2006: X)
As emoções parecem ganhar um papel de destaque em todo o processo
de comunicação, por isso Ângelo Santos afirma mesmo: “se me disserem
«olha, não podes ser tão emotivo no treino», eu não concordo”.
Uma discordância partilhada por Carvalhal, pois acredita que o feedback
“faz parte de uma relação emocional entre quem está a transmitir e quem está
a receber”. Então, como salienta o mesmo, “se no momento de apreensão de
determinado princípio se o posso carregar de uma emoção, de um sentimento
devo fazê-lo (...) há uma maior apreensão por parte do cérebro dos nossos
jogadores relativamente àquilo que têm que fazer ou não, mas
fundamentalmente do que devem fazer.” Ou seja, há que reforçar o que é bem
feito, até porque “durante os exercícios, coisas bem feitas associadas a
emoções fortes, emoções positivas, intensidades mesmo fortes dessas
emoções, o que vai acontecer no jogador é que, em situações semelhantes
essas emoções vão ajudar a recuperar esse tipo de acções que eles tiveram,
porque procuram sempre o bem-estar, as coisas bem feitas...”, acrescenta
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
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Guilherme Oliveira. Aliás, o bem-estar é procurado por qualquer um de nós no
dia-a-dia! Nós tendemos a repetir as coisas que nos dão prazer, e rejeitar as
que não dão ainda que na maior parte das vezes não tenhamos consciência
disto. Porque é que o jogador haveria de ser diferente?!
Portanto, quando “um jogador está envolvido numa forma de jogar, de
uma forma muito positiva procura sistematicamente essa forma de jogar porque
dá-lhe um certo prazer, um certo gozo jogar daquela forma. Quando um
jogador não gosta de jogar daquela forma tem relações negativas com essa
forma de jogar”, diz-nos Guilherme Oliveira. Daí que na opinião do mesmo as
emoções positivas sejam extremamente importantes para que haja um “certo
relacionamento entre o jogador, a equipa e a forma de jogar”.
Assim, as emoções são de tal forma importantes que devem ser
contempladas em todo processo, nos e fora dos momentos de exercitação. Por
exemplo, “quando falamos relativamente aos comportamentos que eles têm;
quando falamos da importância dele na equipa; quando falamos com ele por
qualquer motivo que seja relacionado com a equipa”, diz-nos Guilherme
Oliveira.
Um aspecto também focado por Carvalhal, uma vez que no seu ponto
de vista ao existir um “determinado caminho, sabemos o que queremos,
sabemos os valores e os princípios que queremos imprimir. E quando digo
valores, digo num sentido mais amplo, o comportamental e também de atitude
perante o trabalho e perante o grupo. Portanto, quando falo em princípios
abrange tudo. Tudo aquilo que está à volta do trabalho de base da equipa não
só no treino como fora do treino. E neste sentido, no ou fora do treino os
feedbacks emocionais são fundamentais.”
Sendo assim, as preocupações com as formas de comunicar para
transmitir estas emoções não podem ser deixadas à margem, afinal, “elas
comandam-nos. As emoções são o nosso inconsciente, são aquilo que nós
somos”, acrescenta Ângelo Santos. Daí, que no seu ponto de vista, se
“conseguir ligar à comunicação o afecto e a emoção consegue tudo, se (...)
desligar é uma linguagem sem matéria, sem nada, despegado de sentido”.
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4.3.3.1. A linguagem não-verbal... a emocional!
Pelas respostas dadas nas entrevistas observámos que a linguagem
não-verbal no futebol assume uma importância muito grande. Aliás, ainda que
a revisão da literatura refira que a linguagem não-verbal representa 93% da
comunicação, no ponto de vista de Ângelo Santos “é 100% ou quase 100%
porque não se pode dissociar”.
A este propósito, Carvalhal deixa os números e percentagens à parte,
dizendo que o que interessa compreender é que ao comunicarmos com
homens ou mulheres, rapazes ou raparigas, “falamos de sensibilidades e de
emoções”, por isso a indissociação é a coerência. Portanto, à semelhança do
que observámos na literatura, os comportamentos não verbais parecem ser de
extrema importância na transmissão das ideias e das emoções. No entanto,
dadas as especificidades dos comportamentos não-verbais a dissociação terá
que ser feita neste contexto, é claro!
Relativamente ao tons de voz, Ângelo Santos diz ser um aspecto
importantíssimo, todavia atendendo ao momento e ao contexto. Como tal refere
que, “se eu estiver no treino e quiser activar os jogadores tenho que levantar a
onda sonora para que eles activem, e tenho que a descer quando não quero
que isso aconteça. Por exemplo, no fim dum treino há sexta-feira, se eu quero
que o treino seja mais relaxante para o jogo, porque quero acalmar os
jogadores, eu posso fazê-lo falando dessa forma. Mas num jogo não posso
fazer isso... É que isto entra em termos comunicacionais”. Assim, não basta
falar por falar é preciso saber como se fala para despoletar nos jogadores as
emoções que queremos. Carvalhal diz mesmo: “não podes querer provocar
uma reacção enérgica da tua equipa com uma expressão desanimada e com
um timbre sem “força”.
Nesta perspectiva, também os gestos e expressões faciais são de
extrema importância. Aliás, todos os entrevistados lhe fizeram referência.
Vejámos, por exemplo o que nos diz Carvalhal, “um jogador tem um
determinado tipo de acção. Não digo nada, mas olho para o céu e faço uma
careta. Isso pode ser mais lesivo do que eu, eventualmente, lhe ter
transmitindo verbalmente um feedback negativo. (...) Outras vezes, através de
uma boa acção, uma acção em que transmitimos o que pretendemos, aquilo
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que estamos a treinar, por exemplo uma expressão de grande satisfação, e
sem utilizar linguagem verbal, pode ter nele um efeito muito mais positivo, do
que um feedback verbal”. De facto, isto é fundamental porque como sabemos
os jogadores estão sempre atentos às reacções do treinador. Neste sentido,
todos os entrevistados dizem ser de extrema importância o verbal estar a
repercutir o corpo, em concordância com o que vimos na literatura. Aliás,
segundo Ângelo Santos, se o treinador diz “sim” e com o corpo está a dizer que
“não” isto é grave, porque o que é paraverbal fica inscrito no inconsciente, que
é 93%, e o que é verbal fica inscrito no consciente que depois ele esquece”.
Podemos considerar, que a linguagem não verbal é tão importante que
não há como a dissociar do conteúdo das emoções que se pretendem
transmitir. Por isso, torna-se fundamental conhecer tudo isto para que o
processo tenha a qualidade desejada. Isto tem haver, na perspectiva de
Carvalhal, com a necessidade de uma comunicação de coerência, face à
complexidade do processo. Uma coerência tendo em conta “os princípios de
jogo relativamente à forma de jogar; àquilo que se quer acentuar nos princípios,
coerência relativamente à comunicação que faz, e ao tipo de expressão que se
utiliza, por exemplo, ao timbre de voz, à acentuação da voz...” Para além disso,
como acrescenta o mesmo, “o meio de transmissão não tem que ser só
linguagem gestual ou só verbal, mas recorrer a todos... umas vezes à
linguagem gestual, outras às expressões faciais, depende do momento”.
E mais ainda! Estando alerta para estas questões, na perspectiva de
Guilherme Oliveira, criam-se interaccções entre treinador-jogadores e
jogadores-jogadores que em treino e jogo permitem reconhecer mesmo só pelo
olhar ou gestos o que uns e outros estão a pensar e vão fazer, levando uns e
outros a agir em conformidade. Como o próprio refere: “é eles olharem para
mim e eu abrir os braços, e eles perceberem que é para abrir; é eu fazer
determinado movimento e eles perceberem que é o momento de pressão”, ou
então, “(...) basta ver numa situação de jogo um jogador assumir um
determinado comportamento e os outros face ao comportamento que ele
assume reagem de determinada forma... assume outro, eles reagem de outra
forma diferente. Ou seja, há uma comunicação deles, não-verbal, do
entendimento dos comportamentos que nós pretendemos que aconteçam. (...)
E muitas vezes esses comportamentos são de tal forma entendidos por todos,
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que eles reagem em função do que vão fazer uns com os outros. Por exemplo,
há treinos que eu faço que o objectivo é mesmo a comunicação entre eles,
verbal e não-verbal, para que eles entendam o que está bem e o que está mal,
e reajam em função disso. Que falem permanentemente uns com os outros e
reajam em função das coisas que estão a acontecer, e isso é de extrema
importância para os jogadores”.
No que concerne à distância no treino, na opinião de Ângelo Santos o
treinador se quiser ser afectivo com os jogadores nunca pode estar a mais de
1,5-2 metros (a menos que esteja numa sala, por exemplo), porque a mais do
que isso é distante, mais perto que isso entramos na zona íntima do jogador.
No entanto, uma vez mais, estas questões dependem das circunstâncias. Por
exemplo, na perspectiva de Ângelo Santos, durante um jogo, “há um jogador
que está do outro lado do campo e o treinador acha que ele está a fazer algo
que não está bem (...) no tempo parado, o treinador tem que o chamar, tem
que lhe agarrar no braço... Porque o treinador ao falar para lá o jogador não o
está a ouvir, ou até pode estar a ouvir mas não lhe entra tanto, porque ele tem
que parar para ouvir”. Como observámos não há fórmulas, mas há
determinadas preocupações que se devem ter para que a mensagem que se
pretende transmitir tenha o impacto emocional pretendido.
Por falar em impacto, quem não fica sensibilizado com aquilo que diz ou
faz Mourinho! Por exemplo, quem não se lembra, antes de sair o Manchester
na liga dos campeões ao Futebol Clube do Porto, Mourinho dizer “quem me
dera que fosse o Manchester!?”. Para os mais atentos facilmente se percebe
que o que ele diz não é realmente o que ele pensa, mas há que dar atenção a
todas as questões da comunicação e esta é mais uma, salienta Ângelo Santos.
Aliás, é o próprio Mourinho numa entrevista (2004) a realçar isso mesmo:
“quando me encontro com os jornalistas tenho que estar pronto para as
perguntas e ter uma mensagem para fazer passar. Quando enfrento os media
antes ou depois de uma jornada, sinto isso como uma parte do jogo. Quando
vou a uma conferência de imprensa antes de um jogo, o jogo já começou. E
quando vou a uma conferência após um jogo, o jogo ainda não terminou.”
Então, se o Top é a referência não há como não valorizar estas questões. A
excelência assim o exige! Sendo assim, como tudo é importante e nada deve
ficar à margem (pelo menos a Top), na opinião de Ângelo Santos, não é só o
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treinador que deve estar preparado para falar à comunicação social mas
também os jogadores, principalmente os mais novos. Ou seja, há que ensinar-
lhes a lidar com a comunicação social, pois caso contrário os treinadores
correm o risco de ver jogadores a serem “devorados” pelos jornalistas e a não
corresponderem em jogo.
Em suma, como salientou Carvalhal: “o gestor está num processo
complexo, e ao entender a essa complexidade tudo tem que ser coerente”.
Nesta perspectiva, consideramos importante esclarecer mais algumas
especificidades desta “complexidade” reconhecida, tendo em conta a
importância dos momentos.
4.3.4. Preparar diferentes “discursos” pelas necessidades do(s) momento(s) mas... atenção ao “público”!
Ao falarmos de um processo complexo, Carvalhal diz-nos, ainda, que
para que a comunicação se torne eficaz, não pode ser “referenciada só à
unidade de treino ou ao exercício, mas sim a cada momento”. É que na sua
opinião, “cada comportamento exige uma atitude de comunicação”.
No entanto, chama a atenção que para “cada comunicação há um
momento. Uma comunicação fora do tempo é uma má comunicação, é
negativa, tendo em conta um determinado tipo de acção que concordamos ou
não concordamos”. Por conseguinte, há necessidade de uma análise muito
cuidada e permanente.
Obviamente, estas preocupações não são abstractas, tem que se ter
em conta grupo e o comportamento do mesmo nas diferentes situações. Assim,
se não há um comportamento mas vários comportamentos, uma situação mas
várias situações, os tipos de comunicação devem ser diversas. Daí que os
treinadores não devam ter um só estilo de comunicação, salienta Carvalhal, o
qual vê-se relacionar-se com o estilo de liderança: “a determinada altura posso
utilizar um estilo mais democrático, noutra, um estilo mais ditatorial... Tem que
ser em função do grupo que tenho, em função do seu comportamento.
Portanto, o estilo de liderança é variado, o que permite dar uma variabilidade
na comunicação de acordo com o que nós queremos imprimir...” Em suma, há
que “flutuar em diversos estilos”, acescenta Carvalhal. Portanto, as questões
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da liderança e da comunicação não se podem dissociar, aliás parece
dependerem uma da outra.
Mas isto de liderar e de comunicar nos momentos leva-nos a falar dos
discursos a adoptar e da preparação dos mesmos nos diversos contextos de
comunicação no processo, seja, durante o exercício, no treino, no jogo ou
mesmo a falar à comunicação social como salienta Ângelo Santos. E porquê?
Vejámos o exemplo e as considerações feitas pelo entrevistado citado: o
treinador “quer uma coisa, vai pedir algo em termos comunicativos aos miúdos,
aos jogadores, mas de repente eles não explanam aquilo que ele quer... O
treinador tem que ter um discurso para desconstruir isso, por isso, ou ele é um
treinador muito experiente e consegue desconstruir no momento, ou se não é
experiente tem que levar as coisas preparadas. Tem que preparar o discurso
emotivo para ganhar, mas se depois no intervalo estiver a perder 3-0 tem que
mudar, tem que desconstruir esse discurso porque não tem muito mais tempo”.
Quem não reconhece esta realidade, com certeza já aconteceu com qualquer
um!
Então, é nestas situações que o conhecimento dos diferentes discursos
são uma mais valia, diz-nos Ângelo Santos: “o discurso positivo, o discurso
emotivo, o discurso assertivo, o discurso manipulador”, mas também para a
uma conjugação de vários num só, aliás como salienta o mesmo: “porque é
que não pode ser assertivo e ao mesmo tempo manipulador? Se pretende que
eles operacionalizem o que você quer em termos comunicativos, o que é que
está a fazer? Está a manipular, não vale a pena andarmos a enganar-nos não
é...”.
Para além disso, também para Ângelo Santos, a questão da equipa com
que se trabalha não é um pormenor (é “pormaior”!), uma vez que as estratégias
e discursos a utilizar dependem do estádio ou patamar de desenvolvimento dos
jogadores. É que falar com jogadores adultos não é a mesma coisa que estar a
falar com miúdos como facilmente se compreende. E mesmo quando se trata
de miúdos estes diferem entre eles como relembra o próprio, por isso, os
discursos não podem ser iguais. Por exemplo: “vamos supor que um miúdo de
12 anos é mau a chutar com o pé esquerdo. Você não pode dizer-lhe “é pá, tu
chutas mal com o pé esquerdo. Temos que treinar mais o pé esquerdo!”. É que
você ao dizer-lhe que ele chuta mal com o pé esquerdo, ele nunca mais vai
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
70
chutar... Então pode dizer assim “Tu chutas excelentemente com o pé direito...
Olha vamos tentar que o esquerdo seja mais ou menos igual”. Veja a mudança
de comunicação. Agora com um jogador de 17 anos... “ó pá eu vou ter que te
amarrar o pé direito para treinares o esquerdo”. É diferente, apesar de termos
cuidado. (...) E depois, o jogador chuta mal com o pé esquerdo e você não lhe
diz “Ei, és um desastre”. Diz-lhe antes, “olha, já reparaste que está melhor.
Incrível!”, isto dá-lhes uma motivação que não tem ideia.» Agora, como salienta
Ângelo Santos, “há muitas estratégias, e as estratégias são sempre produtivas”
desde que atendam às especificidades do grupo, obviamente.
4.3.5. Boa ou má comunicação na equipa?! As responsabilidades a quem as tem...
A propósito da comunicação entre jogadores/equipa, Ângelo Santos,
salienta desde logo as responsabilidades do treinador, até porque como refere:
“a única pessoa que pode ser diferente num grupo é o líder. Isto porque, em
termos psicanalíticos, o jogador pega no seu ideal de ego, onde a pessoa é o
seu objecto amado... o líder. E porquê? Porque ele deixa de ter o seu ego, o
seu ego esbate-se. É que se eles sentirem que são todos iguais e que a
pessoa diferente é o seu líder...fantástico. Cria ali um grupo com cargas
libidinosas que não se larga. Mas qual a importância destas relações afectivas
numa equipa?
No ponto de vista do nosso entrevistado, as relações afectivas são
fundamentais, uma vez não acreditar que jogadores que se dêem mal
socialmente, e até mesmo no balneário, e depois cheguem ao jogo lutem e
ganhem. É que o jogador é tudo aquilo que transporta consigo, desde os
conhecimentos, às experiências, aos sentimentos, etc., daí que não dê para
dissociar a comunicação dentro ou fora de campo.
Então, os treinadores devem compreender isso mesmo, e arranjarem
estratégias para que a comunicação flua e não se criem grupinhos, até porque,
uma equipa deve ser constituída por “pessoas que partilham do mesmo
objectivo, que partilham mais ou menos das mesmas identificações, que se
identificam umas com as outras. Pessoas que afectuosamente se dão bem
umas com as outras”, salienta Ângelo Santos. De facto, basta olharmos para
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
71
um qualquer grupo para compreendermos que as relações se estabelecem a
trabalhar, ou numa actividade comum a um determinado grupo em muito saem
beneficiadas com sentimentos de entreajuda, companheirismo, solidariedade e
outras questões mais. Aliás, com quem é que nos relacionamos mais? Com as
pessoas que gostamos. Ora, o jogador não é diferente.
Neste sentido, as responsabilidades das questões ditas de “balneário”,
às quais ouvimos muitas vezes associar-se a palavra “problemas”, são sempre
da responsabilidade do treinador, refere Ângelo Santos. Seja, porque o
treinador nunca se preocupou com estas questões, seja, por não arranjar as
estratégias correctas para que os jogadores comuniquem entre si. Claro está,
que uma equipa de miúdos não é o mesmo que uma de graúdos, e que não
podemos gostar de toda a gente e que todas as pessoas gostem de nós, mas
se se conseguir que todos gostem mais ou menos uns dos outros é o ideal, é a
excelência.
Aliás, se olharmos para Top isto é uma preocupação efectiva diz-nos
Ângelo Santos: “O que é que fez o Mourinho? Ele viu a equipa, depois, foi ele
que os pôs no balneário, separadinhos, da forma como ele quis... Está a ver,
ele domina várias coisas para conseguir um objectivo”. Sendo, então, o Top a
referência que nos deve orientar, esta é outra das preocupações a ter.
4.3.6. Faltará mais alguma coisa?!
Pela opinião de Ângelo Santos, para além das características que fomos
vendo, um bom treinador/comunicador deve ser muito responsável. Ser
assertivo, ou seja: “em primeiro lugar, nos comportamentos ser igual com todos
e, em segundo, ser congruente. Não é, quando as coisas estão mal você actua
sempre da mesma maneira, quando as coisas estão bem actua sempre da
mesma maneira... Você tem que diferenciar os comportamentos, para que os
jogadores digam que marca a diferença”.
Depois, muita humildade intelectual, ou seja, “não pensar que os
adjuntos não estão lá para colocar os pins mas que estão lá para criticá-lo”.
Aliás, citando Proust diz-nos que “um homem (ou uma mulher) que só
materialmente rodeia o outro homem em nada o modifica”.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ____________________________________________________________________________
72
Para além disto tudo, o treinador tem que ter uma vontade de vencer
muito grande, de tal forma, inconsciente que a passámos para os jogadores em
qualquer momento. No entanto, “uma ambição que faça pontes entre as
pessoas, e não uma ambição que não veja os meios para atingir os fins...”
Por fim, uma frase que em sua opinião “desvenda” o segredo do bom
comunicador e dos grandes grupos: “o líder têm que estar persuadido de que
os pupilos têm direito de os contestar e os pupilos têm que estar persuadidos
de que têm que obedecer passivamente ao líder”.
CONCLUSÕES
73
5. CONCLUSÕES
Vários estudos têm sido feitos no âmbito da Comunicação pelo facto de
ser imprescindível em qualquer contexto. Contudo, no que respeita ao Futebol
estas questões não têm sido muito abordadas, pelo menos tendo em conta
duas preocupações fundamentais: primeiro, saber o quê e como
operacionalizar as ideias de jogo e depois compreender como
melhorar/potenciar essa mesma operacionalização não só no treino, mas
também em jogo.
Relativamente à comunicação no treino, os treinadores acreditam que é
essencial uma comunicação (intra) pessoal de cada treinador,
nomeadamente, um Modelo de Jogo, contudo, com “um sentido de equipa”.
Na prática, a construção de um «jogar» pela interacção entre treinador-
jogadores, jogadores-treinador e jogadores-jogadores. Assim, em
concordância com a revisão realizada, podemos concluir a necessidade de
conceber um mmooddeelloo ccoommuunniiccaacciioonnaall do processo de ensino-
aprendizagem/treino, que aquando da sua operacionalização se torna uma
construção comunicativa.
Podemos constatar também que as ““LLiinngguuaaggeennss”” do treinador com a dos
jogadores são essenciais para a construção comunicativa de um «jogar»:
- No que respeita às lliinngguuaaggeennss ddooss ttrreeiinnaaddoorreess,, segundo os
entrevistados, o exercício é o que mais se destaca, uma vez serem estes
que permitem criar hábitos. Porém, no ponto de vista dos treinadores, os
hábitos que se vão criando pela exercitação devem estar condicionados aos
princípios ou padrões de comportamento que constituem o Modelo de Jogo.
Portanto, há semelhança do exposto na literatura, a Especificidade dos
hábitos assume uma importância primordial.
- Os treinadores preconizam ainda, em concordância com a literatura,
uma intervenção no antes, no durante e no depois do exercício a forma de
interacção. Como tal, podemos concluir que para além da configuração
estrutural dos exercícios a dinâmica de interacção do treinador com os
CONCLUSÕES
74
jogadores e com o exercício é que permite que haja uma comunicação
efectiva.
- No que concerne à lliinngguuaaggeemm ddooss jjooggaaddoorreess, na revisão da literatura
observámos ser a do Conhecimento Específico, entendido como um “ saber
sobre um saber fazer”, o qual determina a maior ou menor comunicação
entre treinador e jogadores no treino e no jogo. Os treinadores entrevistados
também seguem esta linha de pensamento pelo que Carvalhal refere
mesmo que se todos os jogadores estivessem neste domínio seria uma
equipa ideal.
Ainda que tudo que foi mencionado seja fulcral podemos constatar pela
opinião dos nossos entrevistados, que a problemática da comunicação
extende-se a todo o processo e não só aos momentos de exercitação.
Sendo, assim, podemos concluir que as ccoommppeettêênncciiaass ccoommuunniiccaacciioonnaaiiss do
treinador são essenciais.
- Assim, para os jogadores se envolvam e acreditem, pela opinião dos
entrevistados, há que atender ao papel das emoções, as quais para serem
transmitidas torna-se fundamental o treinador (re)conhecer e controlar a
linguagem não verbal e respectivas especificidades nos diferentes
momentos do processo.
- A preparação dos discursos é outro aspecto focado já que cada
momento requer uma atitude de comunicação. Por isso, constatamos ser
fundamental conhecer diferentes estratégias para comunicar mas sempre
tendo em atenção a equipa que se está a treinar.
- Atendendo à comunicação entre jogadores/equipa, no ponto de vista de
Ângelo Santos, as relações afectivas criadas entre o grupo são outra
preocupação que o treinador deve ter, pois acredita ser determinante para a
comunicação em jogo. Alertando, assim, que o treinador é o responsável
por eventuais divergências no grupo seja por nunca se ter preocupado com
estas questões, seja por não conhecer as melhores estratégias para o
conseguir.
Em suma, a problemática comunicacional no futebol existe, contudo à
que contextualizá-la, ou seja, torná-la Específica.
CONCLUSÕES
75
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANEXO 1
i
Entrevista ao Professor Carlos Carvalhal 5 de Abril de 2006
Mara Vieira: Em sua opinião, que características do treino e do jogo que levam a que comunicação seja um aspecto importante?
Carlos Carvalhal: Quando estamos envolvidos num processo, neste caso, no de treino
estamos envolvidos sem dúvida num processo de comunicação. É de comunicação na medida
em que temos que transmitir aquilo que pretendemos, fundamentalmente, tendo em conta o
modelo de jogo e respectivos princípios inerentes a esse modelo. Um modelo que contempla
comunicação a vários níveis. Não só comunicação verbal mas também gestual. É uma
comunicação interactiva. Esta interactividade relaciona-se, na prática, com o uso dos
exercícios, com os feedbacks intimamente relacionados com um conteúdo que queremos ver
acentuado. E torna-se recíproco na medida em que também recebemos o feedback gestual e
verbal dos jogadores relativamente aquilo que deveriam fazer e não fizeram. A partir daí o
treinador intervém. Então, torna-se em definitivo uma comunicação num processo que não tem
fim. É que queremos chegar a uma determinada forma de jogar e nunca lá chegamos... é um
processo inacabado... nunca conseguimos chegar onde pretendemos...
M.V.: O que me acabou de dizer pode ser considerada, então, uma comunicação pessoal?
C.C.: Não só pode, como deve. O gestor de todo processo de treino é o treinador. Portanto, a
filosofia que ele próprio imprime tem um sentido a todos os níveis. Essa comunicação, essa
filosofia, é uma comunicação de coerência... E quando digo coerência, refiro-me a exprimir de
acordo com a expressão facial e o timbre de voz, não podes querer provocar uma reacção
enérgica da tua equipa com uma expressão desanimada e com um timbre sem “força”.
Coerência com os princípios de jogo relativamente à forma de jogar; àquilo que se quer
acentuar nos princípios, coerência relativamente à comunicação que faz, e ao tipo de
expressão que se utiliza, por exemplo, ao timbre de voz, à acentuação da voz... Neste sentido,
já estamos a falar a nível particular, relativamente aos exercícios, aos princípios que
pretendemos acentuar. Mas há outros momentos de comunicação que contemplamos na nossa
filosofia, como por exemplo: o tipo de comunicação após derrota, comunicação após empate,
comunicação após vitória; comunicação após derrota com bom desempenho, vitória com mau
desempenho... Tudo isto faz parte da filosofia.
ANEXO 1
ii
M.V.: Quer dizer que antes de comunicar com os jogadores organiza tudo muito bem dentro de si...
C.C.: Sem dúvida, sem dúvida... Eu posso estar, eventualmente, muito bem disposto, mas se a
minha comunicação passa por algum tipo de insatisfação eu tenho que ser um actor... Nós
somos actores! E o mesmo se pode dar no sentido inverso. Eu posso estar muito mal disposto,
e entender que tenho que actuar perante o meu grupo de forma positiva, por isso, tenho que
mascarar em função daquilo que o trabalho pede, o que o grupo pede. Tenho que comunicar
em função do meu trabalho dos objectivos a atingir e não em função do meu estado de espírito
perante a vida... não transportar, eventualmente, os meus problemas pessoais para o trabalho.
M.V.: Há pouco falou-me do modelo de jogo e pelo que me disse tem que ser interpretado e construído pela a comunicação não só informando os jogadores. Pode explicar-me um pouco melhor essa pespectiva?
C.C.: O nosso modelo de jogo, na minha perspectiva, é sempre um projecto inacabado... um
projecto evolutivo que não tem um fim. Quando falamos nisto, temos que falar em termos
comunicacionais, e quando o transportamos em termos comunicacionais, quer dizer o quê?
Quero dizer que, temos uma ideia de jogar que pretendemos passar para os jogadores... e
depois em função dessa ideia e dos jogadores que temos, há uma parte informacional que vem
da acção, dos nossos jogadores para connosco. Por isso, por muito que possamos conhecer
uma equipa ou um jogador estamos sempre a descobrir coisas novas, e a descobrir essas
coisas novas o projecto está sempre em evolução. Isto porque, em termos de comunicação da
nossa ideia de jogo para o jogador/indivíduo, indivíduos como grupo, há sempre a recepção de
uma informação... Por sua vez, a recepção de informações que vamos captar nos nossos
jogadores, através do treino e do jogo, vai-nos levar a evoluir e a caminhar num determinado
sentido que muitas vezes nem esperávamos. Neste sentido, a comunicação da nossa ideia de
jogo, é uma comunicação interactiva, é aberta, porque estamos sempre a dar informação, a
receber informação, para dar outra informação mais complexa ou menos complexa. Portanto,
isto é um processo interactivo.
M.V.: Então, os jogadores são muito importante no momento criar e operacionalizar o modelo de jogo...
C.C.: Os jogadores em termos individuais e colectivos... porque há também o processo inverso,
não é? Nós recebemos, também, informação. Ou seja, em função daquilo que nós fazemos, no
final ou no decorrer de um exercício; no final ou no decorrer de um jogo, vamos recebendo
informações acerca daquilo que estamos a trabalhar. Esta informação que nos é dada, não só
da análise visual que fazemos, mas muitas vezes dos próprios feedbacks dos jogadores para
connosco leva-nos a reconstruir o nosso modelo. Como tal, não é, exclusivamente, baseado
ANEXO 1
iii
naquilo que nós pensamos, mas é feito de forma interactiva, porque vamos ao encontro daquilo
que os jogadores têm de melhor. É isso que torna o modelo de jogo mais rico. Por isso, é que
disse que é um processo inacabado, que está sempre em evolução, ou seja, a comunicação é
permanente.
M.V.: Que meios utiliza para transmitir as suas ideias?
C.C.: Eu prefiro passá-las no campo... através da acção. Aliás, os nossos primeiros treinos são
treinos de identificação. Utilizamos situações de 11x0 ou 11x1... É uma estratégia, ainda que
considere que pode haver outras. O objectivo é transmitir aos atletas, logo nos primeiros dias
de trabalho, o que é que nós pretendemos, como é que queremos que a equipa jogue.
Evidentemente, como disse há pouco, isto é um processo evolutivo... Depois temos
desenvolvidos algumas estratégias, não só, através da acção. Através da comunicação verbal,
através de palestras... que são as que eu menos gosto sinceramente! Também há sempre uma
abordagem inicial antes do treino, e antes dos exercícios, no sentido de dizer o que vamos
fazer e para que servem os exercícios, e que princípios pretendemos melhorar através
daqueles princípios. Para além disso, utilizamos muito a análise por vídeo, porque como se
costuma dizer: “uma imagem vale mais que mil palavras”, e, digamos, que é um meio fantástico
para analisarmos os comportamentos dos nossos atletas em função daquilo que nós
queremos. Uma análise não só do jogo mas também de alguns treinos. Outro aspecto, que
temos utilizado para resolver problemas é a forma de comunicação interactiva. Por exemplo,
este ano fizemos várias reuniões ao longo da época, para percebermos através do diálogo
colectivo – eu com os atletas ou eu, os meus colaboradores com os atletas para perceber se os
atletas estavam a entender aquilo que estávamos a treinar. É que muitas vezes o jogador faz,
mas o fazer não quer dizer que entenda, e para nós é muito importante que eles entrem no
domínio do “saber sobre o saber fazer”. Daí, questionar os jogadores, em cada treino, acerca
do comportamento da equipa/jogadores nesta ou naquela situação de jogo... em situações
práticas. Pois, através desse questionamento vamos recebendo alguma informação para
aquilatar o conhecimento dos jogadores relativamente à nossa forma de jogar.
M.V.: Esse(s) meio(s) de transmissão podem ser considerado(s) como a(s) linguagem(s) específica(s) do treinador?
C.C.: Penso que sim, mas estou sempre aberto a novas ideias. Os meios de comunicação que
utilizamos são aqueles que lhe referi: o treino (exercícios), o jogo, o vídeo, a interactividade
com os jogadores. Acho que são este os mais importantes.
ANEXO 1
iv
M.V.: Dos meios de comunicação que referidos qual a importância dos exercícios comparativamente com os demais?
C.C.: O homem é sobretudo um animal de hábitos. Quando falo em hábitos não falo no sentido
redutor do termo, bem pelo contrário... Só fazendo, só treinando, só vivenciando é que nós
podemos exigir determinados comportamentos em jogo. Através de uma palestra... De um
simples mostrar de um vídeo, para fazer um determinado comportamento... é impensável. A
não ser que os jogadores sejam de elevadíssimo nível, já fiz esta questão a treinadores de
elevado nível... se calhar jogadores de elevado nível conseguem aprender, porque são muito
evoluídos, já entendem a forma de jogar do treinador, por trabalhar com ele à algum tempo, e
percebem as nuances tendo em conta uma determinada estratégia. E assim, algumas vezes,
os treinadores conseguem através do vídeo transmitir aquilo que pretendem, e os jogadores
assimilam. Mas estamos a falar de jogadores de altíssimo nível... No alto nível português,
digamos assim, o que temos que utilizar é o treino. É a repetição, e quando digo repetição e
hábito, é num sentido mais amplo do termo, e não aquela repetição mecânica, pois tem que se
dar a possibilidade do jogador inovar e de inventar. Na minha perspectiva, este é o melhor
caminho.
M.V.: Que características deve ter um exercício para que seja considerado específico?
C.C.: Que simule numa dimensão macro ou micro a nossa forma de jogar expressando
princípios de jogo, sub-princípios ou sub-principíos dos sub-princípios. O que queremos é que
através dos exercícios consigamos transmitir, incutir esses princípios inerentes à forma de
como queremos que a equipa jogue.
M.V.: Qual a importância de definir objectivos para os exercícios?
C.C.: Há uma maior apreensão por parte dos jogadores se souberem antecipadamente aquilo
que vamos treinar. Então, no momento de treinar determinados princípios eles já têm
interiorizado na sua mente aquilo que nós pretendemos. Isso é fundamental. É que nem todos
os jogadores têm o mesmo nível de inteligência, nem todos os homens têm a inteligência, para
que o exercício por si só lhes dê indicações para que consigam perceber quais são os
objectivos. Nem todos estão neste plano, só alguns. Como tal, é fundamental comunicarmos
antecipadamente o que queremos, e depois torna-se igualmente importante, que nós, ao
transmitirmos aquilo que pretendemos, relativamente a determinados princípios, ou sub-
princípios, irmos através dos feedbacks acentuar esse princípio, pois um exercício pode
englobar mais do que um princípio. Se nós quisermos incidir num determinado princípio, é
importante que antecipadamente o jogador saiba o que estamos a treinar e a acentuar, para
que depois compreendam o reforço que é dado pelos os feedbacks.
ANEXO 1
v
M.V.: Então, o feedback é um aspecto muito importante...
C.C.: Muito, muito. O feedback, no fundo, faz parte de uma relação emocional entre quem está
a transmitir e quem está a receber. No momento da apreensão de determinado princípio se o
posso carregar de uma emoção, de um sentimento, devo fazê-lo. Há uma maior apreensão por
parte do cérebro dos nossos jogadores relativamente àquilo que têm que fazer ou não, mas
fundamentalmente do que devem fazer.
M.V.: E nas conversas que se têm durante todo o processo, ora nível individual, ora colectivamente, os aspectos emocionais são igualmente importantes?
C.C.: São fundamentais. Isto tem a ver com aquilo que te disse há pouco... Nós temos um
determinado caminho, sabemos o que queremos, sabemos os valores e os princípios que
queremos imprimir. E quando digo valores, digo num sentido mais amplo, o comportamental e
também de atitude perante o trabalho e perante o grupo. Portanto, quando falo em princípios
abrange tudo. Tudo aquilo que está à volta do trabalho de base da equipa não só no treino
como fora do treino. E neste sentido, no ou fora do treino os feedbacks (emocionais) são
fundamentais, até porque com muita facilidade o processo tende a descarrilar... Se não
estivermos atentos, permanentemente concentrados o processo normalmente começa a tomar
caminhos para aquilo que nós não queremos. Neste particular há aqui um aspecto fundamental
que são as vitórias, uma vez que nos desviam mais do processo que as derrotas. Temos a
tendência de nos deixarmos embalar... Porque quando estamos a ganhar, pensamos que os
comportamentos que estamos a exprimir estão a funcionar bem, e quando damos por ela o
comboio está fora do trilho e já estamos a perder, e depois temos que recuperar tudo outra vez.
È sempre, mas nesses momentos, principalmente nesses momentos que temos que ter uma
grande capacidade, nós treinadores/ gestores do processo de trabalho, através dos feedbacks
e dos princípios não deixar que a equipa saia daquele trilho relativamente à evolução que nós
queremos. Não projectar, nem organizar as coisas com facilitismo perante as vitórias porque o
que acontece é que, apesar de serem vitórias, surge sempre uma falha no caminho à qual
temos que estar muito, sempre muito atentos.
M.V.: No início da nossa conversa referiu-me algumas características da comunicação relacionadas com a linguagem não-verbal. Pensa que o controlo deste tipo de linguagem por parte do treinador será uma mais valia para comunicar com os jogadores, individual ou colectivamente?
C.C.: É sem dúvida. Mas é como te digo, eu quase não distingo uma da outra. Nós estamos a
falar de um processo complexo, numa filosofia, e quando falamos em filosofia falamos de
comportamentos em função de… E quando falamos de comportamentos não falamos só num
tipo de intervenção específica. É um tipo de intervenção ampla, ou seja, no trabalho, fora do
ANEXO 1
vi
trabalho, no balneário, nos estágios... Isto tem a ver com uma filosofia... Portanto, esse meio de
transmissão não tem que ser só linguagem gestual ou só verbal, mas recorrer a todos... umas
vezes à linguagem gestual, outras às expressões faciais, depende do momento, ambas, mas
sempre em coerência. O gestor está num processo complexo, e ao entender a essa
complexidade tudo tem que ser coerente.
M.V.: Qual é a sua relevância?
C.C.: Penso que não se pode avaliar o peso de uma palavra, o peso de um gesto. Estamos a
falar de homens e quando falamos de homens falamos de sensibilidades e de emoções e, com
tal, e por muitos testes que se façam nunca vamos perceber... E se vamos para os testes,
vamos para as médias, para um número... Então para falar de pessoas temos que ir para uma
análise mais qualitativa... Penso que um gesto ou uma expressão verbal pode ter nele um
efeito muito maior do que aquilo que lhe possamos dizer verbalmente. Tudo é importante...
Repara, um jogador tem um determinado tipo de acção. Não digo nada, mas olho para o céu e
face uma careta. Isso pode ser mais lesivo do que eu, eventualmente, lhe ter transmitindo
verbalmente um feedback negativo. Portanto, pode ser muito mais lesivo para ele. Outras
vezes, através de uma boa acção, uma acção em que transmitimos o que pretendemos, aquilo
que estamos a treinar, por exemplo uma expressão de grande satisfação, e sem utilizar
linguagem verbal, pode ter nele um efeito muito mais positivo, do que um feedback verbal.
Pode acontecer isso... Portanto não podemos separar nem quantificar o tipo de intervenção... o
importante é que a comunicação que utilizamos tenha eficácia e coerência. Por isso, um
aspecto muito importante é que o que queremos transmitir verbalmente esteja em
concordância com o que se faz. Porque a nossa comunicação vai ter efeito nos nossos
jogadores, e ainda que os vamos conhecendo cada vez melhor, não conseguimos quantificar o
seu efeito. Embora, o feedback verbal, porque é audível por toda a gente, poderá ser o mais
eficaz. No entanto, a medida é a eficácia e a coerência ou seja, não separar feedbacks verbais
de não-verbais. Isto tem a ver com uma filosofia...
M.V.: Disse-me que no início da época tem reuniões, porque tem a preocupação de dialogar com os jogadores para perceber se o estão a compreender. No decorrer do treino esse dialogo continua...
C.C.: De uma forma diferente, de forma diferente... de uma forma emotiva. Falamos do início
da época, estamos a falar, obviamente dos grandes princípios de jogo, aquilo que nós
entendemos que é importante naquela altura. Passado um mês ou dois já poderá ser diferente
no sentido de que já aumentou a complexidade, falo de coisa diferentes porque já evolui para
coisas diferentes e é natural que as perguntas, o questionamento, vá num sentido
completamente diferente daquilo que se falou. Os grandes princípios começam a ser
assimilados e a partir daí podemos ir para uma intervenção mais complexa.
ANEXO 1
vii
M.V.: Que indicadores/estratégias utiliza para perceber se os jogadores o compreendem no decorrer do treino?
C.C.: Quanto às estratégias não variam muito... Portanto, é o treinar, é o explicar, é o fazer, é o
errar, é o avaliar e intervir no decorrer do treino, avaliar, às vezes, recorrendo ao vídeo. Muitas
vezes o questionar, o porquê de não fazer determinados comportamentos em função daquilo
que pretendemos, e também, para perceber o que o jogador entende, o que vai na sua cabeça.
Privilegiamos uma forma interactiva e aberta de comunicação.
M.V.: Pensa que a linguagem utilizada pode ser limitativa à criatividade do jogador?
C.C.: No nosso caso não. Face à aleatoriedade e à complexidade do jogo, nós damos uma
margem aleatória as nossos exercícios. Estes têm um cariz aberto para inovar. Isso tem a ver
com a nossa forma de jogar, ou seja, respeitam os grandes princípios de jogo... e os outros
princípios também. O exemplo que costumo dar é o seguinte: quando começamos a conduzir
temos que olhar para os pedais, para as velocidades, mas a determinada altura todo este
processo entra passa a ser inconsciente apesar de ser consciente, e nós passamos a inovar e
a poder fazer habilidades com o carro, podendo, até, ter uma condução mais agressiva. E o
que eu entendo para uma equipa de futebol é um pouco isto. É a interiorização dos grandes
princípios de jogo e os sub-princípios e depois quando treinamos damos abertura para os
jogadores possam inovar em função dos mesmos. Por isso, não me parece, de forma alguma,
que aquilo que possamos transmitir, enquanto identidade e que é comum a toda equipa, lhes
tire a possibilidade de inovar e serem criativos, bem pelo contrário. Nós incentivamos as
nossas equipas, os nossos jogadores, a fazerem isso.
M.V.: Tem a ver com as características do exercício...
C.C.: Também... Primeiro, um determinado entendimento do jogo, uma filosofia que incentiva a
inovação e a criatividade para que possamos treinar as dificuldades que vamos encontrar nos
jogos, aliado ao lado estratégico. Mas neste compromisso, tendo em conta a nossa filosofia...
de querer ter a bola, não só dominar mas controlar o jogo, e partindo daquilo que referi como
princípios... Dentro desse princípios, que entra para o subconsciente dos jogadores, criamos
situações no treino que nunca percam o sentido do nosso jogo. Repara, se queremos que o
nosso jogo tenha muitas trocas posicionais, temos que inventar exercícios que promovam
essas trocas, mantendo os equilíbrios.... exercícios que permitam inventar fintas, dribles,
espaços. O treino tem, por isso, esse cariz face à nossa forma de jogar.
.
ANEXO 1
viii
M.V.: Disse-me que é muito importante que os jogadores entrem no domínio do “o saber sobre o saber fazer”. Em que medida esses “saberes” são importantes para que treinador-jogadores possam falar a mesma “língua”?
C.C.: Mais uma vez falo numa filosofia, ou seja, falo no todo. E quando falo no todo falo numa
linguagem comum que é fundamental. Nos últimos 5 ou 6 anos, no futebol português, e
principalmente na época pós-Mourinho, apareceram muitos termos novos. O léxico mudou
completamente. E aquilo que eu costumo dizer é que a terminologia nova não veio para
complicar, veio para simplificar. È que a terminologia normalmente vem para simplificar! Agora,
torna-se complicada para quem não entende isso, ou não quer entender. Quando falamos num
transição ofensiva, utilizamos uma expressão que nos indica qualquer coisa, mas continuam a
dizer “no meu tempo a transição ofensiva era contra-ataque ou ataque rápido”. Isso é uma
barbaridade, ou seja, não querem perceber o que é que os termos querem dizer, e depois
cometem estas barbáries. Assim, se essa terminologia veio para simplificar, então, é importante
que os nossos jogadores dominem essa mesma terminologia e saibam exactamente o que é.
Porque quando estamos a dar feedbacks durante o exercício ou quando estamos a falar no
treino, importa que os nossos jogadores saibam exactamente o que nós queremos. Por isso, se
nós incutimos determinado tipo de linguagem, e eles percebem essa linguagem, sem dúvida
que vai favorecer a equipa a estabelecer comunicação. Isto deve ser feito porque se a
informação sai com ruído os jogadores não apreendem e torna-se muito complicado. Interessa,
portanto, ao máximo, transportar os jogadores para o “saber sobre o saber fazer”.
M.V.: Então, quando se chega a uma nova equipa terá que haver esse cuidado...
C.C.: Sim, claro... Tem que ser feito de novo... (a menos que haja um processo de
continuidade do treinador com os jogadores). Mas rapidamente os jogadores percebem... não
estamos a falar de pesca desportiva nem de xadrez, é de futebol, e os jogadores, são
jogadores de futebol. Uns mais inteligentes que outros, mas vão entendendo aquilo que nós
pretendemos, e vão entrando no domínio do “saber sobre o saber fazer”. Mas deixa-me dizer-
te, também, que existem sempre alguns jogadores que não conseguem entrar nesse domínio.
Tenho a certeza que em todas as equipas, inclusive as equipas de Top, as que estão na liga
dos campeões, há jogadores que não entram nesse domínio, continuam a jogar à bola.
Evidentemente, que face à nossa filosofia não podemos ter mais que mais que um ou dois a
jogar à bola, se não fica tudo perdido. Nos plantéis existem jogadores que não conseguem
entrar neste domínio, pois nem toda a gente tem a mesma capacidade de apreensão, e há
outros que são mesmo limitados. Portanto, se optámos por colocar um desses jogadores a
jogar temos que ponderar bem e treinar bem aquilo que pretendemos. Isto é, se de um lado
temos uma pauta e do outro um jogador não percebe muito bem a pauta, mas que mesmo não
entendendo a pauta consegue acrescentar qualquer coisa individualmente à equipa será uma
coisa a ponderar... E não estou a dizer que se deva fazer isso, mas a ponderar, terá que ser
ANEXO 1
ix
um processo devidamente contemplado, pensado. E depois, na acção, teremos que prever
exactamente o que esse jogador poderá fazer e acrescentar. Isto porque, há jogadores que são
muito talentosos, mas têm muita dificuldade em ter um entendimento relativamente ao jogo...
Mas estes jogadores nunca podem ser negligenciados. O que temos que fazer é um trabalho
mais apurado para que eles percebam, pelo menos, quais os principais princípios de jogo, e
que depois, o que eles possam retirar colectivamente à equipa lhe possam acrescentar a partir
dessa individualidade (se é que me estou a fazer entender!). Há esse compromisso com alguns
jogadores. E assumindo esse compromisso terá que estar contemplado nessa complexidade
que é o processo.
M.V.: Uma equipa sem estes jogadores de que me fala seria a equipa ideal...
C.C.: Sim, uma equipa ideal... Seria uma equipa colectivamente muito forte que domina
determinado tipo de comportamentos; que acrescenta inovação, que acrescenta criatividade;
que potencializa ao máximo os jogadores, que os jogadores sabem que estão a ser
potencializados mas ao mesmo tempo sabem que têm um trabalho de equipa que tem de
fazer. Obviamente, que essa equipa é mais forte. Mas estamos a falar no plano ideal... Muitas
vezes temos que viver com a realidade. E a realidade é que em quase todos os planteis, aqui
em Portugal, existem 2 ou 3 jogadores que jogam à bola; que normalmente são mais
malandros que os outros e que tem uma capacidade individual acima da média que só é boa
para os adeptos, portanto, esses jogadores não interessam. Mas há jogadores que jogam à
bola, que tem boa capacidade individual; que conseguem fazer assistências, que conseguem
fazer golos, e que num qualquer plano conseguem acrescentar algo. Estamos a falar destes, e
não daqueles que são bons para os adeptos e não são bons para os treinadores. O tipo de
jogadores que não entende o jogo, esses jogadores existem, por isso podemos criar um
modelo que contemple este ou aquele tipo de jogador. Agora temos é que contemplá-lo,
porque no nosso futebol, fundamentalmente no nosso futebol ele existe. O jogador do drible,
sem entendimento de jogo mas que a bola chega aos pés e ele até decide um jogo.
M.V.: De que modo a competência comunicacional do treinador se torna decisiva para que os jogadores acreditem naquilo que se pretende?
C.C.: Todas as linguagens são bastantes importantes, e podem ser um grande contributo... É
que hoje, a autoridade do treinador é aceite pela sua pertinência. A pertinência dos seus
exercícios, dos feedbacks, a pertinência do seu modelo e eficácia do mesmo. Então, os
jogadores em função de tudo isto vão acreditar mais ou menos no seu líder. Se há mais
coerência nos seus processos, obviamente que o jogador se identifica mais e fica mais perto. E
isso depende da eficácia da comunicação desses processos. Mas a eficácia de que falo, é uma
eficácia da comunicação que tem a ver com os aspectos qualitativos. O jogador de hoje já “não
come qualquer coisa”, tem gestos que não tinha há 20 anos atrás, por exemplo, que quando eu
ANEXO 1
x
jogava não tinha. O jogador, hoje, quer treinar bem, com um sentido, quer perceber o que está
a fazer, quer ter um plano para o jogo, quer ter uma ideia de jogo... Isto só se resolve através
da comunicação do líder, e da acção. Neste processo de interacção, a comunicação dá-se a
todos os níveis. Uma comunicação, que tendo em conta uma determinada filosofia tem que ser
coerente... É no meu ponto de vista um aspecto que se revela fundamental. Para além disto, há
outro ponto importante, que é o estilo de comunicação, pois, para mim, os treinadores não
devem ter um só estilo. O estilo de comunicação deve variar em função de cada momento, de
cada comportamento, em cada unidade de treino e em cada exercício. Deve-se variar o nosso
estilo de comunicação, pois, cada comportamento exige uma atitude de comunicação. A
determinada altura posso utilizar um estilo mais democrático, noutra, um estilo mais ditatorial...
Tem que ser em função do grupo que tenho, em função do seu comportamento. Portanto, o
estilo de liderança é variado, o que permite dar uma variabilidade na comunicação de acordo
com o que nós queremos imprimir... Após uma derrota com pouca atitude boa; após uma
derrota com boa atitude, após uma vitória com pouca atitude, uma vitória com muita atitude,
uma vitória a respeitar os nossos princípios de jogo, uma vitória a não respeitar alguns dos
nossos princípios. Estamos a falar de um processo permanentemente complexo, que carece do
treinador/gestor uma atenção muito grande e uma preparação muito cuidada relativamente ao
tipo de intervenção e ao momento da intervenção. Para cada comunicação há um momento.
Uma comunicação fora do tempo é uma má comunicação, é negativa, tendo em conta um
determinado tipo de acção que concordamos ou não concordamos. Como te dizia há pouco,
em função de uma filosofia, daquilo que nós pretendemos. Neste sentido, a comunicação para
que se torne eficaz, não deve ser referenciada só à unidade de treino ou ao exercício, mas sim
a cada momento. Pressupõem, por isso, uma análise cuidada e permanente, tendo que flutuar
em diversos estilos. Outro aspecto que me parece relevante é a comunicação entre os
jogadores no treino e no jogo... Muitas vezes ouve-se na comunicação social, os treinadores a
referirem que determinado tipo de jogadores são importantes, porque são as extensões deles
para dentro do campo. “São os treinadores dentro do campo”. Isto é importante... desde que
um jogador perceba a nossa filosofia, ou seja, o que nós queremos para a equipa relativamente
ao jogo, à atitude pretendida perante o trabalho e no jogo; a atitude competitiva, ao grau de
concentração... Este é um jogador que um treinador, de forma alguma pode menosprezar. Por
isso, na minha perspectiva, assume-se, como muito importante, ter jogadores que captem o
mais rapidamente a nossa filosofia, ainda que às vezes seja só por empatia. Mas esta empatia
faz com rapidamente acabem por chegar à nossa forma de jogar, por terem capacidades para
serem os veículos de transmissão de mensagens, não só no jogo como no treino, veículos de
comunicação. Obviamente, que não são como os treinadores, porque tem um sentido diferente,
mas é importante este grau de comunicação entre os jogadores. Fundamentalmente, como te
disse há pouco, aqueles que entendem a nossa filosofia, os princípios de jogo, que tem a ver
com a nossa forma de jogar; a atitude, os comportamentos, a disciplina. Estes jogadores são
fundamentais, em termos de comunicação, porque são aceites pelos outros como líderes. É
que, normalmente esses jogadores são bastante pertinentes ao transmitirem ideias e
ANEXO 1
xi
comportamentos em coerência com a filosofia, embora com feedbacks diferentes dos
treinadores. Este tipo de jogadores são, neste sentido, muito importantes para o grupo de
trabalho. Se tivermos cinco ou seis jogadores com estas características temos, em condições
normais, um grupo de trabalho bom. Eu recordo, num passado recente, por exemplo, o
Salgueiros e o União de Leiria que tiveram muitos anos na primeira liga a fazer bons
campeonatos, ajudaram a formar treinadores. E não estamos a falar meramente da sua ideia
de jogo, mas numa ideia paralela à ideia de jogo, mas que é complementar. Porque tanto o
Salgueiros como o Leiria tinham um conjunto de jogadores que conseguiam transmitir as ideias
dos treinadores e incutir uma filosofia. Porque eram jogadores que estavam no domínio do
“saber sobre o saber fazer”. Tinham um bom carácter, um carácter que os faziam “proteger
muito” o trabalho do seu treinador e incutiam as ideias do treinador junto dos colegas. E
quando se fala de mística é um pouco isto... É a transmissão de valores e de ideias.
Evidentemente, que há um aspecto fundamental que é a ideia de jogo ser rica, que consiga
valorizar os jogadores, e que assim se consiga que estes jogadores incutam rapidamente esta
filosofia em si e nos outros. Ainda recentemente falava com um treinador de alto nível e ele
colocava estas questões para a escolha de jogadores a contratar. Falou-me do carácter e da
inteligência, relacionado com o jogo.
ANEXO 2
i
Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira 7 de Abril de 2006
Mara Vieira: Em sua opinião, quais as características do treino e do jogo que levam a que comunicação seja um aspecto importante?
Guilherme Oliveira: A comunicação é um aspecto muito importante em termos de treino
porque, o treino visa a construção de uma forma de jogar. Visa a transmissão de determinadas
ideias e o treino dessas ideias numa construção de uma forma de jogar onde há a necessidade
do treinador transmitir essas ideias e comunicar com os jogadores. E precisa de uma forma
permanente de perceber como é que essas ideias estão a ser percebidas por parte dos
jogadores. Por isso, há uma necessidade de comunicação permanente entre treinador e
jogadores para que, obviamente, essa forma de jogar se torne o mais clara possível. É a forma
de transmissão, de dar esse modelo de jogo, uma forma de comunicar com a equipa, é uma
forma de direccionar aquilo que se incute diariamente e nesse sentido, o treino é uma forma de
comunicação.
M.V.: Então, a forma como organiza as coisas dentro de si pode ser considerada uma comunicação pessoal?
G.O.: Uma comunicação pessoal no sentido em que eu tenho as coisas todas determinadas
daquilo que quero. Mas é uma comunicação pessoal no sentido de equipa, porque eu
juntamente com a equipa vamos interagir. Eu transmito-lhes as minhas ideias, eles recebem as
minhas ideias e nós comunicamos entre nós. Portanto, é uma comunicação de equipa, uma
auto-relação entre nós de forma a construir essa forma de jogar, pois essa forma de jogar para
ser construída há a necessidade de haver uma identidade entre mim e os jogadores, de forma
a que eles compreendam perfeitamente aquilo que eu quero, e que eu esteja a compreender
aquilo que eles compreenderam que eu lhes transmiti. E é essa relação de interacção, no
fundo de comunicação, que é extremamente importante. Que é uma comunicação entre
treinador e jogadores. Portanto, uma comunicação pessoal deles, uma comunicação de equipa.
M.V.: Há pouco falou-me do modelo de jogo. Como é que esse modelo é construído para que se constitua uma comunicação?
G.O.: Na construção e na criação do modelo de jogo entram muitos aspectos... E um dos
aspectos que entra nessa construção são os princípios de jogo que eu quero que a equipa
tenha, ou seja, os padrões de comportamento que eu quero que eles façam. E eu ao transmitir
à equipa o que pretendo, ou seja, esses padrões de comportamento são transmitidos de uma
forma, ou seja, através de exercícios. Então, eu estou a comunicar com eles, por um lado
verbalmente, e por outro lado pelos exercícios para que eles compreendam aquilo que eu
ANEXO 2
ii
pretendo que eles façam. Mas, percebo, que eles têm um passado como jogadores, que têm
um entendimento das coisas que não é propriamente o meu, e então vão interpretar aquilo que
lhes transmito de uma forma sui generis, não é... a interpretação deles. E por isso tem que
haver uma comunicação entre nós para eu perceber o que eles estão a entender. E essa forma
de relacionamento que nós temos uns com os outros para entender o que é que está a
acontecer que é extremamente importante em termos de construção dessa forma de jogar.
Aquilo que eu quero é que eles dêem algo às ideias que lhe transmito, mas nunca saem do
padrão que eu pretendo que exista. Por isso, nesse sentido, há uma relação permanente entre
treinador-jogadores e jogadores-treinador. Assim há uma necessidade de uma comunicação
permanente, para que essa construção seja balizada pelos padrões que eu pretendo.
M.V.: Tendo em conta o passado dos jogadores... há então implicações na comunicação, ora se esteja perante uma equipa nova ou, por exemplo, com a entrada de novos jogadores na equipa que está a orientar num determinado momento?
G.O.: Aquilo que acontece é que, se todos os jogadores são novos, essa construção é uma
construção mais demorada porque normalmente os jogadores não sabem muito bem aquilo
que eu pretendo, e então, essa transmissão e comportamentos, essa comunicação que existe
entre novos, por vezes, até atingir os padrões de comportamento que eu quero é mais
demorado, porque há poucas referências. Quando eu tenho jogadores novos e jogadores que
já estiveram comigo, essa transmissão de ideias, essa comunicação está muito mais facilitada,
porque os jogadores que estiveram a trabalhar comigo já sabem aquilo que eu pretendo, pelo
menos em parte, e então para os jogadores novos já há referências. Portanto é muito mais fácil
perceberem aquilo que eu quero. A minha comunicação com eles está facilitada. As coisas
funcionam, em parte, dessa forma. Com jogadores novos as coisas são mais demoradas,
porque há uma necessidade de entenderem tudo aquilo que eu quero, há necessidade de
reformulações permanentes das ideias que vão transmitindo, porque eles recebem-nas e
muitas vezes recebem-nas sem perceber muito bem face ao passado deles, sem perceberem
realmente bem aquilo que pretendo, e portanto, há reformulações até que eles se insiram nos
padrões de comportamento. Quando já são jogadores que passaram por mim está tudo muito
mais facilitado, tem essas referências, a comunicação é estabelecida de uma forma mais
rápida e eles percebem mais facilmente.
M.V.: Para além dos exercícios de que me falou, utiliza outros meios para transmitir as suas ideias?
G.O.: Há um modelo acerca daquilo que pretendo deles, mostro-lhes imagens daquilo que eu
quero em termos de padrões de jogo novos. Faço certos esquemas... utilizo uma vasta gama
de situações para que eles entendam o que eu pretendo. Mas o mais importante, depois, é o
próprio exercício.
ANEXO 2
iii
M.V.: Esses meios podem ser considerados as linguagens específicas do treinador?
G.O.: Eu utilizo diferentes meios para me fazer entender. O objectivo é que eles entendam o
melhor possível o que se pretende. Neste sentido, é uma linguagem específica do treinador,
evidentemente.
M.V.: Professor, qual é a importância dos exercícios comparativamente com os outros meios?
G.O.: Aquilo que acontece é que, nós jogamos em função daquilo que nós treinamos, porque
as decisões que nós tomamos, constantemente no jogo, não são decisões conscientes, é o
nosso subconsciente que joga. Por isso nós jogamos muito por hábitos que vamos criando, e
então, nós criamos esses hábitos no treino através de exercícios. Portanto, se nós somos
capazes de criar exercícios que vão potenciando essas nossas ideias, aquilo que acontece é
que, os comportamentos que nós queremos vão aparecer no jogo. Portanto, os problemas que
vão acontecendo no jogo são resolvidos através dos comportamentos que nós desejámos. Por
isso, a transmissão das ideias devem ser, no treino transformadas em hábitos para que se
reflictam no jogo. Como tal, o exercício é o mais importante, porque nós não conseguimos com
as outros meios de transmitir as ideias potenciar essas mesmas ideias para o jogo, de uma
forma tão eficaz.
M.V.: Que características deve ter um exercício para que seja considerado específico de uma determinada forma de jogar?
G.O.: Deve potenciar os comportamentos que nós queremos treinar na nossa equipa, padrões
de comportamentos. Se queremos treinar determinados comportamentos ou interacções
desses comportamentos devemos criar exercícios que potencie isso mesmo. Evidentemente
que os exercícios, ou a estrutura dos exercícios têm esses comportamentos de forma
potencial. Mas depois cabe ao treinador direccionar ou intervir no exercício para que esses
comportamentos vão ao encontrar daquilo que se pretende. Por exemplo, imaginemos que eu
quero treinar na minha organização defensiva, defesa à zona, de determinado sector. Assim,
crio um exercício que vá potenciar isso, ou seja, um exercício que leve a que esse sector passe
muitas vezes pela organização defensiva, para que eles treinem especificamente o
comportamento que eu pretendo. Então, o exercício está a decorrer... e aquilo que está a
acontecer é que os jogadores estão sistematicamente a cometer erros de posicionamento,
erros de movimentações... e nós não estamos a corrigir, não estamos a intervir. Então o que é
que eles estão a treinar? Em vez de treinarem os comportamentos que desejamos, estão a
treinar erros. Em vez de estarem a criar hábitos que nós pretendemos que tenham, para que
ANEXO 2
iv
depois consigam enfrentar os problemas que o jogo coloca, estão a treinar erros, a treinar
asneiras. Então o exercício cria potencialmente o comportamento que nós queremos que
aconteça. No entanto, nós temos que interagir com o exercício para direccionar os
comportamentos que nós queremos para os jogadores, para que os comportamentos
apareçam realmente. Aquilo que é importante é que nós, no exercício, estejamos sempre a
corrigir as coisas que estão menos bem, para que não aconteçam coisas mal, para que eles
não treinem mal. Portanto, que só treinem aquilo que nós pretendemos, ou seja, as coisas
correctas. Isto é determinante. Em termos de treino, e preciso explicar o objectivo, o que
pretendemos com o exercício tanto a nível colectivo, como a nível individual para que os
jogadores saibam o que fazer. Depois, é preciso intervir em função do que dissemos no início.
E no fim é preciso fazer um balanço daquilo que aconteceu: “fizemos bem isto...fizemos mal
aquilo” para que eles tenham exactamente a noção. Caso contrário, não tirámos o máximo
proveito do exercício.
M.V.: Então no momento dessas intervenções os feedbacks são o tipo de linguagem específica a utilizar...
G.O.: Se estamos a intervir, se estamos a direccionar o treino para determinado
comportamento o feedback é específico. Se nós dizemos ao jogador que aquele exercício é
para treinar, determinado objectivo, determinado comportamento, e depois, durante o exercício
estamos a dar feedbacks exactamente em função desse comportamento que nós dissemos,
desse objectivo, torna-se, então, completamente específica daquilo que nós pretendemos.
Neste sentido, é preciso ser específico e incisivo sobre aquilo que dissemos. Porque se nós
dizemos, este exercício é para treinarmos este comportamento, e depois estamos a corrigir
comportamentos completamente diferentes daqueles que estão a acontecer, e deixarmos
permanentemente os comportamentos que foram informados e que eram para ser treinados a
passarem ao lado e a não serem corrigidos.
M.V.: Acha importante associar emoções a esses momentos?
G.O.: Acho muito importante. Porque em todos os aspectos da nossa vida as emoções estão
sempre presentes... por diversas atitudes. Nós sabemos que todas as emoções positivas que
estão relacionadas com determinado acontecimento são mais facilmente recuperadas que as
emoções negativas. Por isso, quando nós fazemos durante o treino, durante os exercícios,
coisa bem feitas associadas a emoções fortes, emoções positivas, intensidades mesmo fortes
dessas emoções, o que vai acontecer no jogador é que, em situações semelhantes essas
emoções vão ajudar a recuperar esse tipo de acções que eles tiveram, porque procuram
sempre o bem-estar, as coisas bem feitas... Por isso as emoções são extremamente
importantes. Nós associarmos as emoções às coisas positivas que se fazem, para que em jogo
ANEXO 2
v
essas coisas positivas sejam requisitadas mais facilmente, para a execução correcta do que se
pretende.
M.V.: E fora desses momentos as emoções são igualmente importantes?
G.O.: São, porque nós ao transmitirmos aos jogadores determinadas ideias, imbuindo de
emoção elas ficam muito mais fortes. É que quando um jogador está envolvido numa forma de
jogar, de uma forma muito positiva procura sistematicamente essa forma de jogar porque dá-
lhe um certo prazer, um certo gozo jogar daquela forma. Quando um jogador não gosta de
jogar daquela forma tem relações negativas com essa forma de jogar. Por isso, as emoções
positivas são extremamente importantes para que haja um certo relacionamento entre o
jogador, a equipa e a forma de jogar. Assim, é muito importante associarmos os aspectos
emocionais, positivos quando falamos com os jogadores. Quando falamos relativamente aos
comportamentos que eles têm; quando falamos da importância dele na equipa; quando falamos
com ele por qualquer motivo que seja relacionado com a equipa.
M.V.: Acha que a linguagem não-verbal é um aspecto importante para o treinador?
G.O.: É muito importante porque muitas das vezes, e então durante os exercícios... Mas
também noutros momentos do treino e do jogo a forma de comunicar com os jogadores, é
muitas vezes uma forma não verbal. É eles olharem para mim e eu abrir os braços, e eles
perceberem que é para abrir; é eu fazer determinado movimento e eles perceberem que é o
momento de pressão; é por exemplo eles olharem para o colega e perceberem o logo o que o
colega vai fazer e reagir em função dele... Portanto a linguagem não verbal é de uma
importância muito grande no futebol. Logo, o treinador tem que ter essa consciência. Aquilo
que acontece é que no treino vão-se criando relações entre jogadores e entre treinador-
jogadores de forma não-verbal que permite só olhar para o treinador e perceber o que ele está
a pensar; que permite olhar para o jogador e saber o que ele está a pensar; permite que os
jogadores olhem os para os outros e saibam o que uns e outros vão fazer...e por isso é
extremamente importante a linguagem não-verbal. Tanto no direccionamento como na própria
comunicação, porque muitas das vezes eu estou a explicar determinadas coisas... e se não
estou a acreditar naquilo que estou a explicar é que a minha linguagem está a dizer uma coisa
e o meu corpo a dizer outra completamente diferente, e os jogadores entendem perfeitamente
isso. Eu posso estar a dar muita confiança aos jogadores em termos verbais: “tu é o melhor do
mundo” mas, por exemplo, o meu tom de voz não está a ser convincente ou o meu corpo não
está a ser nada convincente. Pode haver um exercício qualquer que um jogador finaliza e
finaliza mal e eu “está boa, está boa” mas o meu corpo está a dizer que está mal. Por isso há
uma importância muito grande relacionada com a linguagem não-verbal em termos de
direccionamento do treino, de todo o processo.
ANEXO 2
vi
M.V.: O reconhecimento da importância deste tipo de linguagem, também é importante para perceber o que se passa no relacionamento entre os jogadores?
G.O.: É importante... É muito importante que os jogadores utilizem esse tipo de comunicação
ainda que não tenham, na maior parte das vezes, consciência que ela não existe. Um treinador
que tenha consciência que ele existe consegue detectar muito facilmente. Basta ver numa
situação de jogo um jogador assumir um determinado comportamento e os outros face ao
comportamento que ele assume reagem de determinada forma... assume outro, eles reagem
de outra forma diferente. Ou seja, há uma comunicação deles, não-verbal, do entendimento
dos comportamentos que nós pretendemos que aconteçam. E isso é treinado
sistematicamente. Se nós queremos que determinado comportamento aconteça, o que nós
devemos é treinar esses mesmos comportamentos nos exercícios. E então aquilo que
acontece é que eles começam a identificar esses comportamentos. E muitas vezes esses
comportamentos são de tal forma entendidos por todos, que eles reagem em função do que
vão fazer uns com os outros. Por exemplo, há treinos que eu faço que o objectivo é mesmo a
comunicação entre eles, verbal e não-verbal, para que eles entendam o que está bem e o que
está mal, e reajam em função disso. Que falem permanentemente uns com os outros e reajam
em função das coisas que estão a acontecer, e isso é de extrema importância para os
jogadores. Por isso, os treinadores têm que ter essa consciência.
M.V.: Então, se o treinador percebe a importância da linguagem não verbal ajuda-o a entender o que é que...
G.O.: Quando nós estamos atentos a isso, nós percebemos o que é que os jogadores estão a
pensar fazer naquele momento. Por isso, antes que eles façam determinadas coisas nós,
muitas vezes, nós já sabemos. Por um lado, porque determinados comportamentos que estão
inseridos no próprio jogador, e por outros lado, porque ao verem determinados jogadores a
terem uma reacção perante determinada situação, eles reagem em função disso. Exactamente
porque os comportamentos são coisas que nós treinamos de uma forma sistemática e, então,
eles funcionam em função desses comportamentos que nós pretendemos. Isso é linguagem
não-verbal, evidentemente.
M.V.: Qual a importância de compreender o que os jogadores estão a pensar quando fala com eles? Que indicadores/estratégias utiliza para perceber isso?
G.O.: É fundamental que os jogadores estejam a compreender aquilo que eu estou a dizer
porque se não o que acontece é que a minha mensagem não está a ser transmitida. A forma
de eu perceber é questionando-os, no sentido de me chegarem alguns feedbacks para
perceber aquilo que está a acontecer... isto por um lado. Depois em termos práticos, em termos
de exercício, se os comportamentos estão a ser, ou não, adquiridos... neste caso em situação
ANEXO 2
vii
de jogo e de treino. Se não estiverem a fazer, a minha comunicação com eles não está a ser
conseguida, a minha mensagem não está ser transmitida. Por isso, tenho que reformular, tenho
que esclarecer melhor, tenho que exemplificar, tenho que estar mais atento, tenho que mostrar
mais imagens, ou seja, tenho que arranjar uma estratégia qualquer para que eles realmente
compreendam aquilo que eu pretendo. Agora, a primeira coisa que faço é questioná-los logo:
“eu quero que isto aconteça, estão a perceber? Então, expliquem-me aquilo que quero”.
Depois, através dos exercícios, vejo se isso está a ser adquirido ou não, se está a ser
compreendido. Quando acontece alguma coisa no exercício paro e pergunto o que é que ele
fez bem o que é que ele faz mal... Eu não lhe dou a resposta, ele é que tem que me dar a
resposta. E face à resposta que ele me dá, eu digo se é ou se não é, e ajudo para que ele vá
ao encontro daquilo que eu pretendo. Mas sempre para que seja ele a reflectir sobre as
coisas... nunca lhe dou a solução das coisas para ser ele a decidir. No entanto, jogo com eles
de forma a que a decisão deles vá de encontro daquilo que eu pretendo que aconteça.
M.V.: Pensa que a linguagens que utiliza podem ser, de alguma forma, limitativas à criatividade do jogador?
G.O.: Não, bem pelo contrário. Acho que são potenciadoras da capacidade dos jogadores,
porque quanto mais perceberem aquilo que têm que fazer. Quanto melhor se perceber nos
padrões que se tem que jogar mais sabem onde a criatividade pode entrar. Isto porque, a
criatividade deve ser sempre potenciada em função de uma organização, em função de um
projecto. A criatividade não pode aparecer do abstracto, não pode aparecer um rasgo de
criatividade que depois vamos perceber porque é que isso aconteceu... que ninguém percebeu.
Nem o jogador que teve esse rasgo de criatividade... qual foi a produtividade daquilo? Zero. A
criatividade deve acrescentar algo aquilo que nós pretendemos, ao padrão. E nesse sentido é
muito importante. Mas para ser importante é preciso que eles percebam que a criatividade
deve estar permanentemente presente, mas dentro de determinados padrões de
comportamento. Isso tem a ver com a forma como compreendem isso, como compreendem os
comportamentos. Tem a ver com o comprometimento deles com esse mesmo comportamento,
que nós queremos; tem a ver com a compreensão permanente do jogo; e tem a ver com a
capacidade que eles tenham de recriar esse comportamento.
M.V.: De que modo a competência comunicacional do treinador se torna decisiva para que os jogadores acreditem naquilo que se pretende?
G.O.: O treinador tem que saber transmitir as ideias de tal forma a que os jogadores acreditem
naquilo que estão a fazer, que acreditem no treinador e acreditem no projecto colectivo da
equipa. Nesse sentido é fundamental a capacidade comunicativa do treinador. Porque se os
jogadores não acreditam no que o treinador está a dizer, se não acreditam na equipa, se não
ANEXO 2
viii
acreditam naquilo que estão a fazer eles não se envolvem... e não se envolvendo não têm
qualidade.
M.V.: Que conhecimento deve possuir o treinador para que treinador-equipa possam falar a mesma “língua”?
G.O.: O treinador tem que perceber perfeitamente como é que as equipas se formam, como é
que as equipas se constroem, como é que jogadores se relacionam entre si. O treinador hoje
tem que perceber esses mecanismos todos entre uns e outros para perceber o que é que está
a acontecer, porque o que acontece se ele não perceber que existem, ou que devem existir,
formas de comunicação entre treinador- jogadores, e depois perceberem a formação dos
jogadores para reajustar o que ele está a tentar transmitir. Se não perceber esta relação, ele
dificilmente consegue transmitir a mensagem. Porque muitas vezes está a transmitir
determinada mensagem, que está a ser percebida de determinada forma. Caso não perceba
que essa mensagem não está a ser percebida, depois há divergências entre treinador-
jogadores. Pois, a forma como recebem a mensagem tem a ver com a forma como está a ser
transmitida, em função do passado que eles têm como jogadores de futebol, em função de um
conjunto de coisas. E para eles perceberem, sempre, aquilo que está a acontecer necessitam
de algumas informações, de alguns feedbacks por parte da equipa. Então, há uma
necessidade permanente de relacionamento, interacção entre treinador-jogadores. Nesta
perspectiva, o conhecimento dos treinadores deverá relacionar-se com esses aspectos, para
perceberem exactamente como as coisas estão a processar-se. Caso contrário acontecem
problemas de relacionamento entre treinador-jogadores e jogadores-jogadores.
M.V.: E que conhecimentos devem ter os jogadores para que possam comunicar entre eles?
G.O.: Tem a ver com os conhecimentos específicos do jogo, da própria forma de jogar. Eles
têm que perceber exactamente aquilo que têm que fazer nos diferentes momentos. Por isso
têm que ter uma identificação muito grande com o modelo de jogo, em termos de
comportamentos. E, a comunicação dos jogadores dentro de campo está, exactamente,
dependente da capacidade que eles têm da identificação desses mesmos comportamentos. O
que é que estão a fazer bem... o que é que estão a fazer mal... E isso está dependente da
forma como eles treinam, da forma como eles percebem o jogo, da forma como percebem o
modelo de jogo, de forma como percebem os problemas que lhes estão a acontecer e os
resolvem.
ANEXO 3
i
Entrevista ao Psicólogo Ângelo Santos 8 de Abril de 2006
Mara Vieira: Em que medida, as questões da comunicação são importantes no Futebol?
Ângelo Santos: Em todas as medidas, em todas as medidas... São questões que nunca
podem ficar mascaradas, e o que é que eu quero dizer com isto? Quando um jogador chega
pela primeira vez ao clube, neste caso específico ao Porto, quem é que ele vê primeiro? Os
directores e depois o treinador. Portanto, ele vai imediatamente projectar-se no treinador, e vai
ou não identificar-se com ele, e isso é logo comunicar. Ele está olhar para o treinador, para a
sua postura, para a forma dele estar... e isso é comunicação não-verbal, paralinguagem. É
aquela linguagem que não se fala, mas é um tipo de linguagem que você está a ver em mim.
Se eu estiver calado (pausa). Eu estou a comunicar consigo não estou? A comunicação é em
todas as medidas... É em termos pedagógicos, ou seja, para o treinador ensinar o que quer,
para... (há uma palavra que eles utilizam muito no futebol) operacionalizar o que ele quer no
treino, o que eu acho fundamental, e depois é no jogo. Porque é assim, os miúdos estão a
jogar e quando eles falham, inconscientemente, para quem eles olham, logo, é para o
treinador. Se o treinador não tem uma postura adequada, de reforço positivo... Ou melhor, se
ele diz “ó pá, força, calma, está tudo bem”, e o miúdo olha e este atira com o boné para o chão,
o comportamento comunicacional é incongruente, portanto, não faz sentido. Então, ele tem que
estar atento ao verbal mas tem que ter a noção de que o verbal tem que repercutir o corpo. Se
ele diz uma coisa “sim” e com o corpo está a dizer que “não” isto é grave, porque o que é
paraverbal fica inscrito no inconsciente, que é 93%, e o que é verbal fica inscrito no consciente
que depois ele esquece. Portanto, a postura em termos comunicacionais, a paralinguagem, ou
seja, o não verbal é o mais importante.
M.V.: Pelo que me está a dizer as preocupações do treinador de futebol não se podem ficar por preparar adequadamente o discurso para falar aos meios de comunicação social? É que muitas vezes, para algumas pessoas, a competências comunicacionais do treinador parecem ficar por aí... A.S.: Eu estou a perceber o que me está a dizer... Eu diria que, seja para uma conferência de
imprensa, treino ou jogo ele tem que preparar o discurso. Tem que preparar o discurso porquê?
Porque ele quer uma coisa, vai pedir algo em termos comunicativos aos miúdos, aos
jogadores, mas de repente eles não explanam aquilo que ele quer... O treinador tem que ter um
discurso para desconstruir isso. Portanto, ou é um treinador muito experiente e consegue
desconstruir no momento, ou se não é experiente tem que levar as coisas preparadas. Tem
que preparar o discurso emotivo para ganhar mas se depois no intervalo estiver a perder 3-0
tem que mudar, tem que desconstruir esse discurso porque não tem muito mais tempo. Então é
aqui que entra a PNL (Programação neurolinguística), o discurso positivo, o discurso emotivo, o
ANEXO 3
ii
discurso assertivo, o discurso manipulador. O Paulinho Santos perguntava-me se não podia
haver um discurso “assertivo-manipulador”. Uma pergunta do caraças (sorrisos)... E eu disse-
lhe assim: “não sei... são dois tipos de comunicação diferentes, mas porque não?”. Porque é
que não pode ser assertivo e ao mesmo tempo manipulando? Se pretende que eles
operacionalizem o que você quer em termos comunicativos, o que é que está a fazer? Está a
manipular, não vale a pena andarmos a... não é... Eu quero manipular! Eu quero que a Mara
jogue de uma maneira. O que é que estou a fazer com a Mara? Agora se você me diz: “ok mas
é um manipular que não faz mal”. É, mas, no fundo, estou a manipular.
M.V.: Para si, o processo de treino deve ser compreendido a partir da relação entre: “informação-treino” ou “comunicação-treino”? A.S.: “Informação-treino” ou “comunicação treino”? Boa questão essa... Eu acho que o treino é
informativo e comunicativo, ou melhor, é comunicativo e informativo, porque o treinador quer
comunicar e quer que ao mesmo tempo seja informativo, ou seja que vá acrescentar algo ao
que ele já sabe, ou então, por exemplo, que vá modificar mediante o adversário que tem na
semana seguinte. Agora quanto ao discurso é diferente. O discurso informativo é um discurso
directivo. O que é que quero dizer com isto? Quando você vai informar sobre alguma coisa,
você começa a informar e não está à espera que lhe façam questões a meio se não você perde
o conteúdo daquilo que está a informar, portanto, é um discurso muito directivo. Agora o
comunicar já é diferente, porque se depois de passar a informação pergunta assim: “mas então
entenderam quais são as dificuldades?”, então aí já passa a ser um discurso comunicativo. Em
latim communicare quer dizer “pôr em comum”, enquanto, o informar é via directa. Ou seja, eu
quero ver na comunicação se a informação passou, porque posso estar a informar de uma
forma directiva como fazem os telejornais, e então, alguém velhinho está a dizer: “eu não estou
a entender o que ele está a dizer”. Isso é informação, não é comunicação. A comunicação tem
que ter biofeedback, por isso, no treino passa-se isto. O treinador informa, tem essa via da
informação, mas depois tem de comunicar, u seja, tem que saber se a mensagem passou. É
que se não passou perdeu tempo. Na minha perspectiva, um bom comunicador terá que fazer
com que a mensagem passe para todos.
M.V.: Em sua opinião, qual a importância da comunicação intrapessoal para o treinador? E jogadores? A.S.: É importantíssima. É assim, há três regras fundamentais, da PNL (programação neuro-
linguística) e na comunicação, que o comunicador deve seguir: primeiro, ter noção de como
comunicar; segundo, se a mensagem não passou a culpa é minha, e em terceiro lugar se a
mensagem não passou a culpa é minha outra vez. Ou seja, o comunicador tem que se
conhecer verdadeiramente. Tenho que saber isto, “eu vou comunicar, mas será que eu tenho
memória para comunicar tudo aquilo que eu quero?” Se não tiver, tenho que levar um papel
ANEXO 3
iii
escrito. Isto não é ser mais ou menos inteligente, é conhecer-se. Portanto, conhece-se e utiliza
as estratégias que tem ao seu alcance para comunicar. Ora, passa-se o mesmo com os
jogadores. Falando da escola... Se os jogadores são miúdos que não se interessam pela
escola, que não acrescentam algo àquilo que já sabem de futebol, se separam a escola do
futebol, se separam a informação, se separam o auto-conceito, a auto-estima, e não se
conhecem... Em termos comunicacionais nunca entra. E depois o que é que temos? Temos
miúdos que não jogam e que desmotivam muito, porquê? São sempre extrinsecamente
motivados e quando se precisam de auto-motivar não conseguem, mas é aí que está o grande
segredo. Os grandes jogadores são aqueles que estão sempre auto-motivados. Não estão à
espera que os jornalistas digam que eles são bons. Então, se nós não temos esta arma intra-
comunicacional torna-se muito difícil comunicar com os outros. Quando você fala em
comunicação intra-pessoal não tem noção no alargar da questão que me colocou. É que há
comunicação intrapessoal em termos psicanalíticos, que tem haver com a informação que vai
do id até ao super-ego. Portanto, a questão é muito alargada... Mas, se pretende saber se a
comunicação intrapessoal é importante para a interpessoal? É importantíssima, isto porque
você só comunica o que quer seja se conhecer a 100%, sabe porquê? Porque se não, você vai
comunicar com alguém e fica sempre na dúvida: “É pá...eu acho que não agradei! Eu acho que
estive mal!”, pois você não sabe o que vale. No entanto, garanto-lhe uma coisa, aquilo que
passa é sempre melhor do que aquilo que você pensa, sempre. Nós quando ficamos com uma
ideia assim “é pá tive tão mal”, normalmente é sempre melhor. Se perguntar aos outros, eles
dizem “não... não foi assim tão mau, estiveste bem. Se fosse eu tinha sido bem pior”. Mas essa
é uma questão muito alargada...
M.V.: Penso que me respondeu à questão... Aproveitando o que me estava agora a dizer, então como se caracteriza uma boa comunicação interpessoal. No caso, entre treinador-jogadores? A.S.: Uma boa comunicação, pois... Sabe, as estratégias de comunicação com os jogadores
muito haver com a idade deles. Um miúdo com 12 anos e um miúdo com 17 anos não é a
mesma coisa. É uma diferença tremenda ou esperamos que seja... O treinador tem que ter a
noção de que um miúdo com 12/13 anos não tem uma perspectiva de futuro como o de 17. O
miúdo de 17 quer jogar porquê? Quer jogar porque quer ser jogador. O miúdo de 12 anos quer
jogar para o pai ver. Está a ver as diferenças? Portanto, ele tem que ter um discurso para o
miúdo de 12 anos e para o miúdo de 17 anos, até porque se o miúdo de 17 tiver o mesmo
discurso que o de 12 anos, então o miúdo de 17 tem uma psico-patologia, mesmo ao nível
intrapsíquico. Agora, há muitas estratégias, e as estratégias são sempre produtivas. Vamos
supor que o miúdo de 12 anos é mau a chutar com o pé esquerdo... Não pode dizer-lhe “é pá,
tu chutas mal com o pé esquerdo. Temos que treinar mais o pé esquerdo!”. É que ao dizer-lhe
que ele chuta mal com o pé esquerdo, ele nunca mais vai chutar... Então pode dizer assim “Tu
chutas excelentemente com o pé direito... Olha vamos tentar que o esquerdo seja mais ou
ANEXO 3
iv
menos igual”. Veja a mudança de comunicação. Agora com um jogador de 17 anos: “ó pá eu
vou ter que te amarrar o pé direito para treinares o esquerdo”. É diferente, apesar de termos
cuidado. Agora há muitas estratégias para a comunicação... Por exemplo, nunca utilizar um
discurso negativo, ter sempre uma abordagem com um sorriso para os miúdos; o toque é
importantíssimo para dar algum carinho, para dar alguma emoção à comunicação. Porque eu
só me lembro das coisas se houver algum afecto ligado a isso... se eu estiver aqui a falar de
uma forma fria, daqui a dois dias você já não se lembra disto. Agora se eu olhar, se eu tiver
afecto consigo, então isto liga-se... Você vai-se lembrar que a mensagem passou, que ele até
me tocou... você não se lembra assim, mas o seu inconsciente lembra-se “ele até me tocou, ele
até me deu força”. E depois, o jogador chuta mal com o pé esquerdo e você não lhe diz “Ei, és
um desastre”. Diz-lhe antes, “olha, já reparaste que está melhor. Incrível!”, isto dá-lhes uma
motivação que não tem ideia. Por isso é que você vê aqueles jogadores que não jogam nada,
mas que, porque vão jogar contra o Porto jogam “muito”. Porque os níveis motivacionais estão
cá em cima, mas eles não são bons porque depois contra o "carcavelinhos" perdem. Por
exemplo, há pessoas que dizem que o Benfica é uma boa equipa, mas o Benfica não é uma
boa equipa. O Benfica é uma equipa que joga bem contra as equipas grandes, porque eles dão
tudo o que têm, mas quando vão jogar contra o Penafiel como não têm muito para dar perdem
o jogo. Está a ver a diferença? Mas o que eu vejo em relação à comunicação é que a maioria
dos treinadores não tem essa preocupação.
M.V.: Então demos dar atenção a essas estratégias dependendo do momento e da equipa... A.S.: Sim, tem a haver com as estratégias dependendo do patamar ou estádios de
desenvolvimento em que o miúdo se encontra. E depois um miúdo pode ter 12 anos e ser mais
maduro que um de 17... Mas neste caso mais vale ter a comunicação de que lhe falei porque
por excesso não há problema.
M.V.: E a boa comunicação entre jogadores-jogadores? Em que medida está dependente do treinador? A.S.: Essa já é mais difícil de controlar por nós, porque em parte deriva da comunicação
intrapessoal que eles tiverem. Mas é importantíssimo o papel do treinador, pois, a única pessoa
que pode ser diferente num grupo é o líder. Isto porque, em termos psicanalíticos, o jogador
pega no seu ideal de ego, onde o treinador é o seu objecto amado... o líder. E porquê? Porque
ele deixa de ter o seu ego, o seu ego esbate-se. É que se eles sentirem que são todos iguais e
que a pessoa diferente é o seu líder, fantástico. Cria ali um grupo com cargas libidinosas que
não se larga. Quando essa estrutura libidinosa deixar de existir, o grupo deixa de existir
também, porque o líder passa a ser alguém igual ao resto dos jogadores. Há dias diziam-me
que já tinham lido em vários livros que socialmente os jogadores até se dão mal, até mesmo no
ANEXO 3
v
balneário, e depois chegam ao jogo e lutam e ganham... Eu não me acredito. Penso que não
se podem dissociar essas duas coisas ou, então, você tem sorte. Você juntou ali um grupo de
jogadores que dominam a área, a técnica e a táctica, e conseguem alguma coisa. Porque se os
jogadores se dão mal no balneário, se cá fora não tem qualquer tipo de relação, vão
estabelecê-la lá dentro? Eu acho isto é um bocadinho irreal. Por exemplo, a Mara que está
aqui, é a Mara com a educação dos pais... e com um conjunto de outras coisas... A Mara está
diferente porque está com a irmã... Portanto, a Mara é o que transporta consigo. Então
dissociar essas duas coisas é impossível.
M.V.: E como é que se vê se existe uma boa comunicação entre os jogadores?
A.S.: Isso pode ver-se... Por exemplo, se não se virem grupinhos. Às vezes chega-se a treinos
e observa-se 2, 3, 4 jogadores, e isso é mau sinal. Isso não é um grupo, é um conjunto de
pessoas. Um grupo são pessoas que partilham do mesmo objectivo, que partilham mais ou
menos das mesmas identificações, que se identificam umas com as outras. Pessoas que
afectuosamente se dão bem umas com as outras. Portanto, quando isso não acontece numa
equipa, na minha perspectiva, o treinador tem culpa. Por exemplo, ele vai para um hotel e
antes de separar os jogadores por quartos pode perguntar “com quem é que gostam de ir para
a discoteca? E com quem é que não gostavam de ir?” Assim, o treinador pode juntar os
jogadores que não se gostam porque os miúdos não mentem, ao contrário dos adultos que já
sabem onde queremos chegar. Isto porque dois miúdos de 14 anos, no mesmo quarto, é
impossível não se falarem, verdadeiramente impossível. Eles não têm estrutura mental para
estarem a ver televisão sem falarem um com o outro. Não há hipótese... Um ou outro vai
arranjar estratégias para comunicar, nem que seja a insultarem-se. Com isso cria-se, logo, ali
um laço. De manhã você pega neles e eles já são unha com carne. Portanto, o treinador tem
que estar sensível a estas coisas. Mas há muitas estratégias... Sabe a psicologia é uma bola
de neve... Repare, eu zango-me com quem? Com quem eu gosto. Eu não me zango com
aquele senhor ali, eu não gosto dele. Por exemplo, jogadores que se zangam em campo é
provável que até gostem um do outro, mas não são questões nada fáceis de responder...
Agora, é sempre melhor que eles se gostem cá fora, porque lá dentro vão lutar uns pelos
outros. Por exemplo, num jogo, quando alguém é agredido, e os restantes jogadores vão em
sua defesa isto é importante para o treinador observar. Um jogador é agredido e há o rodear do
jogador que foi agredido... as pessoas na televisão dizem “ei, que equipa indisciplinada”. Eu
não acho. Penso que é uma equipa do caraças. Então, o meu colega leva um pontapé e eu
não vou partir para a defesa dele? Portanto, isto em termos psicológicos para o treinador é
importante. Eu se fosse treinador ia separá-los mas dizia cá para mim “ok, não estou zangado
convosco por terem feito isto”, a menos que houvesse expulsões, e eu não estou a falar nisso.
Estou a falar no ir defender, não ir accionar. Agora, penso que é sempre melhor darem-se cá
fora, ou seja, uma comunicação que flua para que não se criem grupinhos. Porém, é lógico que
não podemos gostar de toda a gente e que todas as pessoas gostem de nós, mas se conseguir
ANEXO 3
vi
gostar mais ou menos de todos é o ideal, é a excelência. E eu estou a falar da excelência, o
que se pretende para ser o melhor. Agora você pergunta-me “como é que se chega aí?” Meu
amigo, não sei. O Mourinho chega e essa é que é a minha questão.
M.V.: Há pouco falou-me da linguagem não-verbal. Em que medida, o controlo da linguagem não-verbal é uma mais valia para o treinador? A.S.: É tudo, é 100%. Os autores dizem ser 93% da comunicação, mas eu digo que é 100% ou
quase 100%, porque não se pode dissociar. Vamos supor que eu estou aqui a falar para a
Mara sobre estas questões e estou sempre a olhar para ali (para o lado, para o tecto)... Você
diz-me assim “este gajo está aqui a falar comigo mas não está a dar importância aquilo que eu
quero, não está a dar importância às minhas questões”. Portanto, isto é uma coisa tão forte que
se torna fundamental. Porque há a linguagem comunicacional que sai verbalmente mas depois
há a outra a não-verbal, que é fundamental. Eu não estou a ver uma sem a outra. Até tenho
dificuldades em responder a essa questão... Por exemplo você já reparou como é que o
Mourinho sai do banco para falar com os jogadores? Com os braços abertos. E ele abre os
braços porquê? O que é que ele quer demonstrar? “Eu domino isto tudo. Eu estou a dominar...
eu sou o pai desta gente toda”. De forma inconsciente o que é que os jogadores pensam?
“Este gajo é capaz de matar por nós”. Por exemplo, antes de sair o Manchester na liga dos
campeões ele disse “quem me dera que fosse o Manchester”. Quem lhe dera nada. O que ele
já estava a fazer era a desmontar. Ele pensou assim “Eu já mandei a boca... e quem me dera o
Manchester, porque o Manchester é que vai ficar com medo”. Outro exemplo, o treinador do
Sporting, o Paulo Bento, deve ter pessoas a ajudá-lo a este nível. O que é que ele disse em
relação ao jogo de hoje (Sporting C.P. - F.C.Porto) “os meus jogadores não têm pressão
nenhuma. Eles vão é desfrutar do jogo”. Isto, ele disse verbalmente mas ele o que quer é
afectar o não verbal. Os jogadores do Sporting vão desfrutar? Mas eles vão para alguma festa?
Então, a pressão passa para o lado do Porto.
M.V.: Então, vou dirigir mais a questão. Importância dos tons de voz? A.S.: É importantíssimo. Estou aqui a falar consigo e estou com um tom monocórdico, tal como
os hipnotizadores, você fica sonolenta. Então, se eu estiver num treino e quiser activar os
jogadores tenho que levantar a onda sonora para que eles activem, e tenho que a descer
quando não quero que isso aconteça. Por exemplo, no fim dum treino há sexta-feira, se eu
quero que o treino seja mais relaxante para o jogo, porque quero acalmar os jogadores, eu
posso fazê-lo falando dessa forma. Mas num jogo não posso fazer isso... É que isto entra em
termos comunicacionais. Por exemplo, aquelas comunicações, onde de certeza já esteve, e o
indivíduo está a ler de uma forma monocórdica... Começa a abrir a boca, não é. Então, o tom
de voz é importantíssimo. Faz parte da paralinguagem, também.
ANEXO 3
vii
M.V.: Expressões faciais? A.S.: Também. O olhar diz tudo, não é? Como se diz: “O olhar é o espelho da alma”, e porquê?
Porque eu consigo ler nos seus olhos muitas coisas... Um treinador que está amedrontado com
a outra equipa, por muito que ele não queira passar esse estado quase impossível. Ou ele
domina muito bem a área não-verbal ou, então, ele passa essa informação. Por exemplo, a
minha tese de mestrado intitula-se “Auto-confrontação cruzada. Um método de formação em
contexto desportivo”. E o que é isto de “auto-confrontação cruzada”? Eu peguei numa câmera
de filmar e tive um jogo todo a filmar um treinador, só o treinador: cara, gestos, tudo, e em
treino a mesma coisa. Depois coloquei o treinador a ver-se e a criticar-se (um deles foi o José
Guilherme). Você não faz ideia o que eles viram. O Álvaro dizia assim “como é que eu quero
passar calma para os meus jogadores se eu estou sempre a olhar para o relógio”. Ele estava
sempre a olhar para o relógio e a dizer calma, calma, calma... Ele estava a morrer de nervos
como é que ele podia estar a passar calma? Depois o Álvaro disse-me “Ângelo isto é
importantíssimo”. Já o Guilherme viu o contrário no seu comportamento, e eu perguntei-lhe
“não devia levantar-se nesta altura? A equipa estava a perder...”. E ele disse-me “se calhar, se
calhar sim”. Depois peguei num e pus a criticar o outro, e depois noutro a criticar o outro... No
final perguntei-lhes o que é que eles mudavam um no outro para serem melhores treinadores.
Por fim, fiz planos de acção, ou seja, coloquei os actores com a mesma função a falar deles
mesmos e aquilo que eles pretendem para se tornarem melhores treinadores de futebol.
Portanto, as expressões faciais os gestos são importantíssimos. Os autores não dizem que é
93%, então...
M.V.: O toque de que me falou no início desta conversa relaciona-se com uso e gestão do espaço por parte do treinador, não é?
A.S.: claro, claro.
M.V.: Para si, qual a importância do espaço, desde o toque até falar há comunicação social?
A.S.: Este é um aspecto fundamental. Uma das minhas lutas no Futebol Clube do Porto e que
se peguem nos “Ivanildos” que têm 18 anos e que os preparem. É que eles são colocados no
meio dos abutres, que são os jornalistas, e depois perdem-se, ou seja, não sabem o que é que
devem responder. Eles não têm culpa, eles são novinhos, estão na luz da ribalta, por isso em
vez de se defenderem para estarem motivados para os jogos e irem jogar sem medo acontece-
lhes o contrário, está a ver? Eles têm 18 anos e esperam deles tudo, depois, chegam à
conferência de imprensa e "coitaditos" estão nervosos. Eu tenho 35 anos e se calhar ficava um
bocadinho nervoso... Portanto, eu acho que deveria haver alguém que fizesse a ponte.
Relativamente à distância no treino, por exemplo, eu quando quero comunicar com os meus
ANEXO 3
viii
jogadores devo estar a 1,5-2 metros, e não a mais do que isso, porque mais do que isso é
distante, mais perto que isso entro na fronteira íntima do jogador... Vamos fazer uma
experiência: se eu começar a aproximar-me da Mara começa a ficar um bocado incomodada
porque não me conhece, ou seja, tem a sua fronteira. Isto para lhe dizer o quê? Acho que não
é preciso dizer mais nada, viu a importância disto? Se você quer comunicar com a equipa, se
você quer ser afectiva nunca pode estar a mais de 1,5-2 metros, a menos que a sala seja em U
e você tem que ficar a três metros de uns e a um metro de outros. O que quero dizer é que a
distância é muito importante. Por exemplo, há um jogador que está do outro lado do campo e o
treinador acha que ele está a fazer algo que não está bem. Na minha perspectiva, no tempo
parado, o treinador tem que o chamar, tem que lhe agarrar no braço... Porque o treinador ao
falar para lá o jogador não o está a ouvir, ou até pode estar a ouvir mas não lhe entra tanto,
porque ele tem que parar para ouvir.
M.V.: Pelo que me tem vindo a dizer os problemas da comunicação são sempre da responsabilidade do treinador e não dos jogadores... A.S.: Sempre. Eu acho que as responsabilidades vão sempre para o líder. Mas vamos cá ver
duas coisas: são da responsabilidade do líder se foi ele a escolher os jogadores, agora se ele
chega a uma equipa e não é ele a escolher os jogadores... Se de repente ele se depara com
muitos problemas, então, é melhor que ele não pegue na equipa porque ele já sabe que não
vai ter êxito. O que é que fez o Mourinho? Ele viu a equipa, depois, foi ele que os pôs no
balneário, separadinhos, da forma como ele quis... Está a ver, ele domina várias coisas para
conseguir um objectivo. Agora se você pega numa equipa por questões monetárias, que é o
que a maioria dos treinadores fazem... Por exemplo, aqueles treinadores que são despedidos
e, logo de seguida, vão para outra equipa, a seguir para outra... Você espera êxito daquilo?
Eles nem conhecem os jogadores. Portanto, a responsabilidade é sempre do líder, seja por
excesso, seja por defeito. Se ele pega numa equipa sem os conhecer e os jogadores não
comunicarem entre eles, a culpa é do treinador porque ele não se preocupou com isso.
Quando o contrataram, porque não ter dito “desculpe, eu quero falar com os jogadores, quero
conhecê-los, quero ver que equipa é que tenho” e, então, depois digo-lhe que sim ou que não.
Vão treinar uma equipa e as perguntas são: “mas eu tenho lá casa? E a casa tem jacuzzi? E os
jogadores quanto é que ganham? E eu quanto é que vou ganhar? E quem é que vai ser o meu
adjunto?” Quer dizer, isto não é um treinador... É uma pessoa que percebe de técnica e de
táctica mas não domina mais nada. Mas você diz-me “mas ele até ganha”. Pois ganha, está
bem... Mas não ganha o que o Mourinho ganha porque, para ganhar o que ele ganha é preciso
dominar as áreas todas. E se você perguntar “mas é dominando a PNL que ele ganha?”, eu
respondo-lhe não. Agora dominar tudo é muito importante. E a PNL é mais um bocadinho
desse tudo.
ANEXO 3
ix
M.V.: Tendo em consideração o que me acabou de dizer sobre os conhecimentos tácticos e técnicos, em sua opinião, qual a importância do exercício de treino para comunicar? A.S.: É fundamental. Eu costumo dizer-lhes que as competências só se adquirem com a
habituação, só repetindo as acções tácticas e técnicas. Porque você só consegue melhorar
essas acções se exercitar, se repetir muito. Repare, porque é que a cabeça das pessoas têm
dificuldade em aceitar a PNL, a comunicação? Porque são coisas que não se vêem, e as
pessoas pensam que a cabeça não se reforça, mas o cérebro é um músculo... Por exemplo,
quando as pessoas lêem e não percebem nada. Não interessa, porque estamos a meter cá
para dentro informação, estamos a reforçar o cérebro. No treino passa-se a mesma coisa
porque, se você conseguir repetir as acções, se for incisivo naquilo que quer, se achar que as
coisas não estão bem continuar a repetir... Por isso é fundamental. Agora, aí tem haver com a
comunicação porque só comunicando bem e vendo se os jogadores percebem é que o
exercício é bem feito ou não. Mas o exercício é fundamental. Nunca viu um treino do
Mourinho?
M.V.: Infelizmente não... A.S.: Mas devia ter visto. Ele é um «chato», deus me livre. Enquanto as coisas não saírem
como ele quer, ele «chateia» toda a gente. Portanto, a comunicação que se faz durante o
exercício é fundamental. Sabe nós mudámos, logo, na presença de outra pessoa, por isso, se
eu não dominar a técnica e está outra pessoa a ver-me eu espeto-me. Mas se eu dominar em
termos mecânicos as coisas eu consigo fazer tudo. E como é que se adquire em termos
mecânicos? Treinando.
M.V.: Em relação à importância de comunicar durante o exercício. Qual o papel que atribui às emoções durante essa comunicação?
A.S.: O papel das emoções... Ó Mara, diga-me, o que é que vem primeiro as emoções ou o
pensamento?
M.V.: As emoções...
A.S.: Portanto se me disserem “olha, não podes ser tão emotivo no treino”, eu não concordo.
As emoções comandam-nos. As emoções são o nosso inconsciente, são aquilo que nós
somos. Já leu os livros do António Damásio?
M.V.: Já.
ANEXO 3
x
A.S.: É que dissociar as emoções do ser humano é descaracterizá-lo. Se você conseguir ligar
à comunicação o afecto e a emoção consegue tudo. Se você desligar... é uma linguagem sem
matéria, sem nada, despegado de sentido. Por exemplo, não sei se sabe, num psicopata é a
parte das emoções que está comprometida, porque ele age mas de forma inconsciente. É o id
que comanda... são os drives... ele não tem noção. Ele vai matar a Mara e gosta de ver a sua
emoção, mas ele não sabe o que está a sentir, porque não tem arrependimento, tal como, o
serial killer. Eles não têm emoções. E como está a ver nada faz sentido neste mundo. As
emoções são o sal do mundo!
M.V.: Tendo em conta tudo o que foi referido, como caracterizaria, em termos gerais, um bom comunicador-treinador?
A.S.: Bom comunicador... O que é isso de bom comunicador? (porque isso não diz nada). Ser
responsável, muito responsável; ter humildade intelectual; não pensar que os adjuntos não
estão lá para colocar os pins mas que estão lá para criticá-lo. Proust dizia que “um homem (ou
uma mulher) que só materialmente rodeia o outro homem em nada o modifica”. Entende este
conceito? Portanto, para além das características que fomos vendo, um bom comunicador
deve ser responsável, com alguma humildade intelectual e com uma vontade de vencer muito
grande. Porque a vontade de vencer tem que passá-la para os jogadores. Tem que ser
inconsciente essa vontade de vencer. Porque dizer a um jogador que vai para os jogos
olímpicos tentar ficar nos cem primeiros... se fosse eu não ia. Tem que se ter uma vontade de
vencer inabalável e uma ambição que faça pontes entre as pessoas, e não uma ambição que
não veja os meios para atingir os fins. Outras das características é ser assertivo. Algumas
pessoas pensam que ser assertivo é saber dizer não, e não é só isso. Ser assertivo é você, em
primeiro lugar, nos comportamentos ser igual com todos e, em segundo, ser congruente. Não
é, quando as coisas estão mal você actua sempre da mesma maneira, quando as coisas estão
bem actua sempre da mesma maneira... Você tem que diferenciar os comportamentos, para
que os jogadores digam que marca a diferença. Se eu tenho uma derrota e os directores estão
todos ao redor dos jogadores e a dar-lhes na cabeça e o treinador faz a mesma coisa, qual é a
diferença? Mas também estar alerta. XXX dizia o seguinte: “o líder têm que estar persuadido de
que os pupilos têm direito de os contestar e os pupilos têm que estar persuadidos de que têm
que obedecer passivamente ao líder”. Veja este antagonismo... A ideia que o líder tem que ter
é a ideia que os pupilos têm que ter do líder. Eu tenho que dizer “o pessoal pode-me contestar,
dá-me alimento” mas os jogadores têm que pensar “eu tenho é que obedecer passivamente a
este gajo”. E este é o grande segredo de um bom comunicador e dos grandes grupos.