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PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 1
CONDIÇÃO HUMANA, NATUREZA E ENERGIA PROPOSTA PEDAGÓGICA
Para conseguirmos avançar nestes assuntos, e nestes campos de pesquisa, debate e atuação
profissional, temos que começar tornando mais precisos, rigorosos, e mais consistentes os
conceitos empregados, as expressões conceituais, nossas “ferramentas” de trabalho.
Temos que esclarecer as conotações e as delimitações das palavras e dos conjuntos de
palavras. Mais que isto, temos que estudar e questionar as estruturas explicativas, as
argumentações e não apenas aceitá-las – ou recusa-las - baseando-se apenas na intuição, ou pior,
mimetizando e repetindo o que não conhece direito, aquilo que outros dizem...ou repetem...
Afinal, o “jargão” é atraente, são expressões técnicas e formas discursivas que ouvimos e lemos
tão freqüentemente, e temos “naturalmente” a tentação de também utilizar em nossos textos e
conversas. Por outro lado, o assunto tem de fato importantes aspectos técnicos e comerciais, e
tudo isso necessita de jargões e de “gramáticas” próprias.
Nesse sentido, estou propondo uma alteração ainda não oficial, na denominação da própria
disciplina, e que foi iniciada no segundo semestre de 2004, com a disciplina de Tópicos Especiais
oferecida nesta área de pós-graduação e que prosseguiu com o módulo que ofereci no curso de
extensão “Jornalismo cientifico e energia”, no Labjor, Unicamp.
As mudanças em relação aos temas originais são:
* ao invés de a Energia no início da expressão, colocá-la ao final;
*ao invés de Sociedade e Ambiente, nesta “edição 2005” da
PE 107 priorizaremos Condição Humana e Natureza.
Na transição do foco Sociedade para o foco Condição Humana, alteram-se escalas de valor,
juízos de valor, sem no entanto perder a perspectiva do coletivo, e do viver em sociedade. Não são
abandonados os estudos sobre a sociedade nem são desprezados conceitos fundamentais para
explicar e interpretar as sociedades, ou abstratamente a Sociedade.
Pensando na sociedade e também, ao mesmo tempo, na condição humana, sabemos que
nossas trajetórias são individuais sim, mas, sempre os indivíduos estiveram e estarão imersos em
grupos familiares, em grupos e em classes sociais, muitos cuidando de suas atividades cotidianas,
de reposição, outros trabalhando nas atividades reprodutivas da coletividade, nos serviços públicos
e nos serviços privados. Outros trabalham nas atividades empresariais, subordinando-se como
assalariados ou como prestadores de tarefas às organizações do tipo empresa capitalista, uns
poucos gerenciando e menos ainda, dirigindo tais organizações.
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O “gancho” principal não mudou porém: a sociedade e a condição humana estão articuladas
com o conceito de Energia. Por isto, dentre todos vão nos interessar aqueles que trabalharam, no
passado, os que trabalham hoje e os que, no futuro, trabalharão - na obtenção e na fabricação de
materiais e na fabricação de máquinas e sistemas que integram as cadeias econômicas dos
combustíveis e da eletricidade.
E não somente todos os trabalhadores das empresas e serviços organizados com tais fins, mas
também todos aqueles que foram e que serão direta e indiretamente afetados por tais atividades: a
começar pelos vizinhos de todas as instalações específicas destas atividades, e das suas rotas no
território.
Com isto, temos que pensar em todos e em tudo que ali estava antes que viessem se instalar
estas atividades específicas (combustíveis e eletricidade):
os moradores antigos, fossem ou não proprietários, os posseiros, os quilombeiros
(remanescentes de quilombos, redutos de negros fugidos da escravidão),
os povos nativos, em geral grupos e nações indígenas, pensar nos donos de verdade e nos
donos de papel falso (grileiros).
E como ficaram esses lugares e essas pessoas “depois” que ali se instalou e começou a
funcionar uma atividade relacionada aos combustíveis e à eletricidade?
Enfatizando a sociedade e a condição humana, é bom reconhecermos que sempre fomos, e
somos cada vez mais dependentes de energias naturais – extraídas da radiação solar, colhidas da
matéria viva e fossilizada, da matéria inorgânica e - da energia interna do Planeta - para conseguir
manter a própria vida, e para todas as demais realizações.
Nesse ponto, demarcar que essa colheita ou obtenção da energia do modo que nos é útil
demanda também o nosso trabalho. Por isso, temos que pensar naqueles indivíduos, famílias e
outros coletivos humanos que se relacionam comercialmente com os combustíveis e com, a
eletricidade, ou seja, quase todos nós usuários, compradores, ou como quer o discurso dominante
– consumidores.
E obrigatoriamente, vamos pensar no consumo de materiais e de energia em todas as demais
atividades econômicas e não econômicas, civis e militares, portanto, nas atividades de guerra, e
mais, nas atividades construtivas e destrutivas, legais e ilegais, morais e imorais, desumanas, e até
as atividades anti-humanas. Pois... afinal estamos refletindo
- sobre a condição humana, a nossa própria e a de toda a humanidade.
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Pontos de vista. Como outros debates persistentes na sociedade, o debate sobre energia, a
questão energética, a crise energética, a escassez de combustíveis ou a auto-suficiência, o
“apagão” da rede elétrica, as fontes ditas renováveis,... é bastante ideologizado.
Entenda-se que: os argumentos e os discursos que hoje lemos e escutamos comportam
grandes e variadas doses de ideologia, por exemplo, da ideologia do progresso, da ideologia do
desenvolvimento, da ideologia empresarial, e várias outras.
Aí reside justamente uma grande dificuldade pedagógica no ensino e também se trata de uma
verdadeira armadilha metodológica nas pesquisas sobre energia.
Não vamos tentar contornar fugindo desta dificuldade, nem podemos cair cegamente na
armadilha. Ao contrário, essa ideologização do debate energético será como um “prato básico” de
todas as aulas, porque é alimentado pela “mídia”, por uma boa parte da "academia".
A ideologização está presente nos modos de escutar, de ler, e por conseguinte, está também
nos modos de perguntar e de argumentar (dos próprios estudantes). E nas apostilas, teses e nos
“papers”.
Exatamente por isso o tema será trabalhado com profundidade, por meio da leitura e do estudo
de autores que vão alargar os pontos de vista e que vão tratar de questões consistentes,
relevantes, não apenas discursivas e ideológicas.
É preciso reconhecer por isto também, a existência de diferentes – e as vezes divergentes –
posições de classe sócio-econômica, e se entrecruzando com elas, os posicionamentos e doutrinas
tipicamente profissionais. Por exemplo, em nosso caso, somos estudantes e professores de nível
superior, estando implícito um tempo maior de escolaridade e algum aprofundamento em algum ou
alguns campo(s) do conhecimento.
Pois é disto que se trata, as nossas atividades – fim são o aperfeiçoamento e a transmissão do
conhecimento, e alguns pretendem até que estejamos no campo científico. O que nos permite
acrescentar vários comentários apimentados:
Se assim for, lembremos que a Ciência historicamente foi feita a partir da curiosidade e da
dúvida, e não da certeza.
Feita numa rota humana e social da premência e da oportunidade e não da rota forçada do
lucro e da inexorabilidade.
Cientistas e estudiosos diferenciados estiveram mais no campo da crítica, e até do desafio
(como Galileu e Einstein), embora vários também se destaquem no elogio dos poderosos, das
autoridades e das empresas.
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É mais provável que o conhecimento avance movido pelo conflito reconhecido, e pela
independência das partes, do que - por meio da colaboração cega ou remunerada ...com aqueles
que justamente trabalham contra este modo de fazer Ciência.
Em termos de posição profissional, todo o debate sobre energia, e recentemente, sobre energia
e meio ambiente, é dominado por engenheiros, físicos e economistas arraigados, que tratam os
demais campos do conhecimento como “o resto” . Estes cidadãos restantes são vistos pela
ideologia dominante como necessariamente “leigo”, e como tal, teriam que aceitar a inexorabilidade
dos projetos que eles (os conhecedores da viabilidade) consideram viáveis e oportunos.
Do outro lado, para esta mesma ideologia dominante, aos humanistas e cientistas sociais
caberia, para serem permitidos, que eles tratassem com os assuntos da sociedade, da vida coletiva
e da presença de um Estado, de uma Lei.
Blindagem diante da sociedade conflituosa. Ao mesmo tempo, a evidência e a demonstração
que tantos cientistas sociais e humanistas trazem à luz, - de que no rumo da sociedade e da
humanidade também pesam os aspectos culturais, as crenças, as etnias... - vão sendo negadas e
ou menosprezadas por essa mesma ideologia dominante, que assume a viabilidade técnica e
econômica como prioridade indiscutível.
São os tecnocratas que se tornam “blindados” diante das pressões políticas e culturais mais
amplas e mais profundas, - aquelas que são consideradas normais, cabíveis e até instigantes por
um estudioso que seja verdadeiramente científico, qualquer que seja o seu diploma de graduação...
Para nos auxiliar na reflexão, transcrevo frases recentes de intelectuais que presentes em um
evento diversificado e polêmico, o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, fazem avançar o
conhecimento justamente pela capacidade de crítica ao lançar pontes entre fatos complexos.
Conforme as palavras da psicóloga Maria Rita Kehl, em entrevista a agência eletrônica Carta
maior, em 28 de janeiro de 2005, tratando do problema da identidade dos grupos profissionais, dos
grupos ideológicos e culturais, enfim, das “tribos”:
“A adesão a um grupo identitário dificilmente deixa de produzir intolerância; fechamo-nos junto aos que elegemos como nossos idênticos, e não admitimos – a não ser, no melhor dos casos, com benevolente indiferença – nenhuma relação com o outro, nosso semelhante na diferença. As políticas identitárias são uma conseqüência lógica da sociedade do narcisismo.
Acima das identidades grupais está nosso pertencimento coletivo à espécie humana; acima dos interesses dos pequenos grupos estão a solidariedade e o reconhecimento de todos os diferentes como nossos semelhantes”.
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Conforme a análise do economista Ricardo Carneiro, em artigo na agência eletrônica Carta
Maior no mesmo dia 28 janeiro 05, ao discorrer sobre uma conquista peculiar do conhecimento
humano, que é a análise acurada do sistema monetário e capitalista moderno, feita pelos
expoentes do campo científico chamado de Economia política, - e que a doutrina hoje dominante
tenta desqualificar e neutralizar:
“A oposição entre sociedade e mercados financeiros pode parecer uma criação da esquerda radical, mas, não é. Ela foi um tema crucial da reflexão do maior economista do século XX, o britânico J. M. Keynes. Tanto ele quanto um século antes, Karl Marx, perceberam com acuidade o caráter contraditório da moeda nas sociedades humanas.
De um lado, um instrumento de facilitação das trocas e de denominação dos contratos e, portanto, uma alavanca do desenvolvimento. De outro, veículo de acumulação da riqueza e provocador de distúrbios”.
E, para voltar quase trinta anos no tempo, registrar a propriedade, a justeza e a atualidade que
persistem nas formulações da doutora Laura Conti, médica sanitarista e parlamentar italiana.
Publicou nos anos 1970, os seus pequenos tratados médico-sociais e geográfico-ambientais, dos
quais foi traduzido no Brasil apenas o “Ecologia, Capital, trabalho e Meio Ambiente”. Naquela época
em que se despertava mundialmente para os “males do progresso”, o “terceiro mundismo”, para os
acidentes de grandes proporções, incluindo as nuvens tóxicas e contaminações de grandes rios e
mares, ela re-introduz o mesmo debate falando dos mecanismos que existem e atuam
independentemente de nossa percepção,cujo conhecimento cientifico e popular podem se
potencializar, e relembrando da vontade de transformar mesmo havendo um passivo tão pesado a
resolver.
Referência para leitura obrigatória e resenha escrita - R 1 CONTI, Laura “Ecologia, Capital, Trabalho e Meio Ambiente” 1977,Hucitec, S. P.1986. [capítulos selecionados: cap I – O objeto deste livro : os mecanismos e a vontade pp 11-14; cap. II As águas pp. 15-23 cap III. O ciclo da matéria e o fluxo da energia, pp.53-101] Aproveitamos a seguir um texto mais conceitual, com uma análise recente dos fatos, abordando
justamente esses distintos pontos de vista, só que tomando com exemplo delimitado o âmbito da
energia elétrica no Brasil. O texto foi elaborado por mim para ser depois utilizado na formação de
técnicos e militantes de entidade de tipo sócio-ambiental. Não sei se foi...
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Processo de eletrificação: guerra econômica e interesses sociais1
1. A eletricidade nos permite usufruir um conjunto relevante de benefícios técnicos:
- o eletromagnetismo e por meio dele, a força-motriz e também a emissão e transmissão
de ondas como no telefone, no rádio, no radar,
- mais a gravação, amplificação e reprodução dessas ondas, da imagem, do som...
- mais o calor, a luz, a separação e até a fundição de materiais obtidos pela passagem da
corrente elétrica.
Os negócios da eletricidade devem ser compreendidos dentro de uma perspectiva realista:
- está sendo vendido e comprado um tipo de serviço valioso, que somente pode ser
obtido deste ou daquele modo, dentro de um leque limitado de possibilidades.
Energia que será obtida, fisicamente, por meio de um ou outro tipo de conversor de energia, e
também são poucos tipos, que permitem colher, aproveitar uma pequeníssima parte da energia
natural do planeta e de alguns materiais, os combustíveis. Esta é a parte que os estudiosos e
estatísticas tratam como fonte primária de energia.
A energia elétrica assim obtida será conduzida, bombeada, despachada, [com os seus valores
numéricos de freqüência, de voltagem ou diferença de tensão, de corrente elétrica dentro de
limites especificados, estreitos], até os numerosos pontos onde ficam os consumidores.
Ali então...a eletricidade será finalmente gasta por meio de um ou outro tipo de conversor, para
que se possa atingir este ou aquele tipo de uso, chamado pelos técnicos de uso final.
2. Conversores para eletricidade, os sistemas de suprimento de eletricidade e os
conversores de eletricidade sempre custam caro para fabricar, instalar e para manter operando.
Dentro de certas condições e gastando-se com sua manutenção, os geradores, transformadores,
capacitores, cabos de transmissão, fios de distribuição, chaves disjuntoras, motores, etc podem
manter seu desempenho durante muitos anos, até décadas. Fora desses casos, a depreciação e o
desgaste dessas instalações e equipamentos aumentam, aí eles tendem a funcionar mal, cair em
pane, interromper o serviço, e podem empenar, enferrujar, quebrar, explodir, se acabar.
1 As organizações não governamentais atuando no Brasil, têm analisado os problemas ambientais e sociais da eletricidade, e, desde o tempo do Global Fórum, no RJ, junho de 1992, fazem campanhas, divulgam declarações, cartas abertas, prospectos, cartilhas e livros sobre esses temas. A ênfase mais freqüente é pelo lado da oferta (por isso falam tanto em fontes de energia), e a presunção é de ser portador de uma nova racionalidade, de novos conversores, sistemas e até engenhocas; como se estivessem tentando convencer cidadãos, governos, a sociedade e o mercado para que adotassem tais novidades. Este roteiro é mais uma tentativa do autor (após tantos anos interagindo com pessoas das ongs) de romper o equívoco de interlocutor que podem incorrem as ongs, de superar o descolamento do real, o real da sociedade conflitiva, da economia em guerra. Foi proposto pelo prof Oswaldo Sevá no painel Energia para uma Amazônia sustentável – FASE, em agosto de 2004
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A cadeia produtiva envolve materiais tradicionais e contemporâneos, tecnologias especializadas
e de ponta, com alta intensidade de capital; é um negócio internacionalizado desde sua origem, na
2a. metade do século XIX.
Ao enfatizarmos a seqüência de todas as conversões até passarmos pelo último uso
aproveitável da energia e chegarmos, é bom levar em conta que:
- em cada uma destas conversões, sempre haverá fluxos de energia necessariamente
perdidos, dissipados, -do ponto de vista do sistema que estamos analisando – ou seja, fluxos
descarregados além da fronteira, do perímetro do sistema, em outros corpos, em outros sistemas.
3. Nesta cadeia produtiva, fazemos parte de um mercado nacional importante, formado por
numerosos grandes centros de carga elétrica (regiões metropolitanas e consumidores industriais de
grande calibre), que expressam mercados regionais e locais significativos. Em todos os níveis, as
decisões se tomam e se tentam implantar sob um clima de verdadeira guerra econômica, cujos
objetivos podem ser sintetizados pelo avanço/ ampliação do processo de eletrificação da sociedade
e da economia. Aí se encaixam os mecanismos da inclusão mercantil (inclusão de usuários ou de
empresas que ainda estão fora do mercado convencional de eletricidade, o mercado dominado
pelas grandes empresas), e da centralização dos fluxos de dinheiro - o quê permite jogar com a
renda hidráulica (das usinas hidrelétricas com aproveitamento bem acima da média, e em geral,
das usinas já amortizadas, que geram a chamada “energia velha”); e também os mecanismos de
transferências de receitas e de despesas entre classes de consumidores, e entre empresas.
É a dimensão do mercado total de energia elétrica que torna tão cobiçada essa “jóia da coroa”:
o consumo total está agora no patamar de 320 bilhões de kilowatts X hora a cada ano; se
todos pagassem os 335,50 reais que pagamos em casa por cada 1.000 kWh ou 1 MWh, aí a fatura
atingiria quase 110 bilhões de reais, algo da ordem de 35 a 36 bilhões de dólares por ano.2. Há
muita eletricidade que é paga na base de tarifas bem menores, alguns contratos industriais são
feitos na faixa de 60 a 70 reais o MWh, por isto, o tamanho real do mercado talvez esteja perto da
casa dos 28 a 30 bilhões de dólares.
Ora, empresas de eletricidade existem para vender, transmitir ou re vender eletricidade com o
máximo possível de lucros, e estão todas disputando fatias de qualquer largura deste bolo3.
2 [minha base de cálculo tem o dólar valendo em torno de 3 reais, e as tarifas são as que estavam em vigor pela resolução Aneel 085, de 07 de abril de 2004, para consumo residencial monofásico, onde eu resido, Campinas, SP, na área da concessionária CPFL: 327,01 reais por mil kWh consumidos + 8, 50 reais de encargo de capacidade emergencial ] 3p.ex., uma fatia de 0,01 % deste bolo representa em um ano 2,8 milhões de dólares, ou 8,4 milhões de reais anuais; cada fatia de 1% de tal mercado pode significar um faturamento anual de 840 milhões de reais, 2,3 milhões de reais ao dia!
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Numa disputa deste peso, as estratégias são bem variadas. Vejamos alguns exemplos:
* se a eletricidade necessária pode ser obtida por alguém ou por algum empreendimento que
tem acesso a uma fonte primária de energia e que tem meios para investir, torna-se desnecessário
ou opcional, para tal pessoa ou empresa, comprar de uma empresa elétrica;
* se uma empresa já atende tal localidade, cidade, ou região, por menor que seja, digamos os
mercados de eletricidade dos Estados do Acre, ou do Tocantins, é possível que uma segunda ou
uma terceira empresas tentem obter posições naquele mercado já formado;
* se, numa dada região, houver LTs suficientes para o intercâmbio de blocos de energia, pode
ser trazida eletricidade de fora da região; em conseqüência, os geradores das usinas locais podem
ser - ou não – desligados;
* após uma região ser interligada a um sistema maior, inter-regional, o suprimento pode ou
não ser mais firme do que antes; o custo e a tarifa podem ou não ser mais baixos.
À primeira vista, parece complicado, mas para esclarecer, basta tratarmos este processo
histórico e geográfico de eletrificação como um campo de guerras econômicas entre grupos
humanos e instituições, representando ou articulando frações do capital. Esse processo de
eletrificação, iniciado entre nós na década de 1880 e ainda não completado, demonstra um enredo
denso de lutas entre classes, incluindo as lutas pelos recursos do planeta.
O que é lógico, pois não se obtém eletricidade comercial se não estiverem assegurados ou
obtidos de algum modo, o acesso aos rios e terras ribeirinhas, e o acesso aos estoques de
combustíveis, sejam os plantados e os coletados, sejam os minerados.
4. O resultado dessa guerra econômica poderia ser avaliado pelos indicadores de
concentração de poder econômico, observando-se a atuação dominante dos oligopólios e dos
monopólios, e também a variação das cotações das ações de empresas elétricas. De todo modo,
são indicadores daquilo quê realmente interessa para os grupos capitalistas: o ritmo e o montante
de acumulação de capital oriundo dos lucros e das rendas desta atividade – gerar, transmitir e
vender eletricidade.
O capital assim acumulado pode ou não ser posteriormente aplicado nessas mesmas atividades.
São marcas próprias desse sistema a diversificação das aplicações de cada grupo capitalista
(carteiras, portfolios) e a livre circulação dos capitais entre setores e entre locais.
No Brasil, o campo econômico dos negócios elétricos, desde a fase pioneira do final do século
XIX até uma terça parte do século XX, estava sob o firme controle estrangeiro (na prática, os
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mercados maiores estavam sob o duopólio Amforp – Light). No decorrer de cinqüenta anos, até a
década de 1980, passou a ser dominado quase exclusivamente por empresas federais (as mais
conhecidas são Furnas, Chesf, Eletrosul, Eletronorte, Itaipu) e empresas estaduais (as mais fortes
eram a Cesp, a Cemig, a Copel, no PR, a Ceee no RS).
O quê se passa hoje é bem distinto, resulta da investida neoliberal internacional iniciada nos
anos 1980 e que ainda prossegue: houve uma retração sensível dessas empresas estatais
federais na expansão do sistema, junto com o esquartejamento sistemático das empresas
estaduais, incluindo a maior delas (Cesp) e a perda parcial de controle estatal da segunda maior
(a Cemig).
Foram privatizados praticamente todas as empresas de distribuição de eletricidade e vários
segmentos específicos de transmissão, p.ex., os que resultaram da cisão da Eletrosul e da Cesp
(Cptee). Ocorreu a privatização de uma empresa federal importante na área de geração (Eletrosul,
segmento Gerasul), mas não se concretizou a privatização prevista da Eletronorte, nem a da Chesf
e nem a da empresa Furnas.
O capital estrangeiro teve uma presença crescente desde quando o governo FHC contratou a
consultoria do escritório inglês Coopers & Lybrand, e , dez anos depois, chega dominar um bom
pedaço do mercado. O delineamento de re-estruturação do setor elétrico delineado por este
escritório internacional começou de modo avassalador no Governo Cardoso-Maciel, que teve de
fazer algumas adaptações e foi deixando vários problemas pendentes pelo caminho, que eclodiram
na crise de oferta de eletricidade em 2001, apenas em parte explicável pelo déficit de água na
bacia de alguns grandes rios.
Por esta via, as duas maiores empresas, a Light Rio e a antiga Light SP (chamada então de
Eletropaulo) passaram para o controle da maior empresa francesa do setor, a EDF, e de duas
grandes americanas, a Houston HIE e a AES. No caso paulista, o segmento Bandeirante foi em
parte adquirido pela portuguesa EDP e isto apenas comprova ainda mais a chegada dos maiores
grupos europeus na área de eletricidade: os espanhóis Iberdrola e Endesa, que já vinham
adquirindo empresas argentinas e chilenas na mesma época, o belga Tractebel.
Empresas norte-americanas aqui chegaram pela 1a vez para adquirir sociedade nas
distribuidoras estaduais de eletricidade e de gás, algumas delas se aventurando pelos projetos de
investimento em termelétricas a gás, foi o caso da mal afamada Enron, presente em SP
(distribuidora Elektro), em usinas no MT e no RJ, e também da Duke Energy (Cesp Paranapanema),
da Florida Power &Light (usina em Três Lagoas), da El Paso, que está com usinas em Porto Velho
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no RJ, que dominou nos últimos seis anos o mercado em Manaus, e cuja usina a gás em Araucária,
PR, é o pivô de um grande litígio jurídico movido pelo governador Requião).
Registramos ainda várias outras empresas menores como a “chilena” (de fato, de capital
espanhol) Endesa, que comprou a única central elétrica de maior porte (Cachoeira Dourada, no rio
Paranaíba) da empresa estadual goiana , a CELG; a espanhola Guascor que abocanhou os
mercados dispersos do interior de Rondônia e Acre, como terceirizada das empresas Ceron e
Eletroacre, beneficiando-se de um subsídio excepcional na compra do seu principal insumo, o óleo
diesel para os motores das suas centrais. (a chamada CCC – Conta de Consumo de Combustível do
setor elétrico, por meio da qual os custos maiores das termelétricas são repassados a todos os
consumidores de eletricidade vinda das hidrelétricas).
É verdade que o capital brasileiro não foi completamente anulado, pois algumas empresas
privadas e importantes grupos, que ainda resistiam no setor elétrico mesmo durante a fase estatal,
se transformaram, em agentes econômicos de 1a. grandeza, atuando em geral como sócios das
estrangeiras e por meio de grande alavancagem do financiamento público4
Algumas bem conhecidas são:
a empresa mineira Cataguases-Leopoldina, que detém as distribuidoras de Brasília e da Paraíba;
as empresas paulistas Bragantina, Jaguari, “Paulistinha” que formaram o grupo Rede, sócio
majoritário ou importante na Cemat, na Celpa, na Celtins;
o grupo industrial Votorantim que já operava suas próprias usinas no vale do Juquiá, SP e
detinha o controle da Cherp, em Santa Cruz do Rio Pardo, no meio oeste paulista, se juntou com os
grupos Bradesco e Camargo Correa (que construiu muitas usinas e era sócio de empresas eletro-
intensivas no Pará e no Maranhão) formando o grupo VBC;
esse grupo VBC durante o processo de privatização se tornou sócio majoritário ou importante
da CPFL no interior paulista, de Campinas a Rio Preto, e participou da partilha das antigas
Eletropaulo (ficou com o segmento Bandeirantes) e CEEE, no RS (ficou com o segmento RGE, no
Norte do estado); depois se associou com Furnas para operar a usina Serra da Mesa, GO, e
expandiu sua geração com novas usinas na bacia do rio Uruguai, SC, RS;
o grupo Vicunha-CSN, que se associou aos franceses e norte-americanos na Light RJ e na
Eletropaulo Metropolitana.
Compilando-se os leilões de 19 empresas de distribuição elétrica de âmbito estadual entre 1995
e 2000, cujo atendimento passava de 60 % de todo o mercado nacional, o pesquisador Célio
4.
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Bermann apontou uma transação total de 22,2 bilhões de reais, dos quais o BNDES tinha entrado
financiando quase 34%, e as fundos de pensão das estatais, o mais conhecido é o Previ(Banco do
Brasil) entraram com quase 14%.5
Alguns grupos empresariais se destacaram por se tornarem donos de usinas hidrelétricas ou
termelétricas, na condição de autoprodutores de energia (p.ex. as metalúrgicas Alcan, Ebesa, CBA,
do grupo Votorantim, várias fundições de ferro-ligas) e em alguns casos, até como Produtores
independentes, em forma de consórcio (p.ex. a Usiminas, a Fiat, a CVRD, a Alcoa).
Menos conhecidas, mas merecem registro, são empresas novas ou subsidiárias específicas
criadas para disputar as licitações de usinas feitas pela agência reguladora ANEEL, como a Maggi,
do governador de MT, a Cassol, do governador de RO, e a tradicional Coteminas, do vice-
presidente da República, José Alencar, e tantas outras - que têm se apresentado como candidatas
a construir as dezenas de possíveis hidrelétricas licitadas pela ANEEL. Na maioria das vezes, trata-
se de projetos classificados como de pequena potência elétrica (PCHs, abaixo de 30 MW), mas que
vêm disseminando numerosos problemas fundiários, sociais e ambientais em muitos todos os
Estados brasileiros.
5. Do ponto de vista estratégico, que vai além do econômico, interessa mesmo para tais grupos
empresariais é o seu domínio político, que pode ser analisado em duas partes:
1) o domínio territorial, exercido através dos networks, das redes e malhas físicas, de
interligações, - o que permite cobrar tarifas como se fossem pedágios; tais grupos devem evoluir
para formar empresas tipo multi-utilities (p.ex. instalar cabos óticos nas LTs; abrir conexão internet
tipo banda larga, acoplada aos serviços residenciais; fazer sociedade específica com empresas de
água e esgoto, que são grandes consumidoras de eletricidade e de processamento de dados, ou,
com as empresas de transporte eletrificado, os metrôs e os trens).
2) o investimento cultural –ideológico, cada vez mais dispendioso e prioritário, que se
comprova freqüentemente no patrocínio de eventos e de produções culturais, de atividades e
eventos acadêmicos, nas publicidades institucionais, e até mesmo no uso da entrega de contas
mensais como veículo de propaganda; essa estratégia inclui ainda o aparelhamento de posições e
de contatos-chave nos governos, nos parlamentos, na Justiça, e, por meio de variados escritórios,
consultorias, clubes, seitas, vai se ramificando também pelo campo político-partidário.
5 (cf. BERMANN, 2002, “Energia para quê?para quem” p.46).
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6. As conseqüências do processo de eletrificação progressiva nas regiões e no país,
para a sua população e para o seu território, são amplas, duradouras e diversificadas:
* as conseqüências ambientais [no caso das usinas térmicas e do moto-geradores, aumenta a queima de combustíveis nas caldeiras, nos
motores e nas turbinas; no caso das hidrelétricas, aumenta o desmatamento das barrancas e terras ribeirinhas, dissemina-se o represamento dos rios e o desvio de suas vazões, formando-se desse modo novos sistemas naturais que em parte passam a ser gerenciados pelas empresas, e em outra parte, ficam sujeitos às degradações de outras origens ocorridas nas suas respectivas bacias de captação, a montante de cada barragem];
* as conseqüências fundiárias [propriedades são esburacadas atrás de pedra e terra, glebas agrícolas e matas se tornam canteiros de
obras, são atravessadas por estradas e linhas de transmissão, ficam alagadas sob as represas; proprietários, meeiros, moradores são expropriados, enquanto algumas poucas glebas de terra se valorizam; de todo modo, quando há atingidos reconhecidos como tal, novas glebas rurais e urbanas têm que ser destinadas às populações deslocadas];
* as conseqüências sociais [a maior delas é a própria aceleração do uso da eletricidade, com repercussões em todos os setores da
vida e da atividade econômica, a síntese pode ser vista pela ampliação das jornadas (iluminação) e pelo avanço da mecanização nas indústrias e na reprodução doméstica e coletiva; mas é também marcante e vem junto com a eletrificação, o assalariamento de grandes contingentes humanos nos canteiros de obras, no suprimento de insumos para as obras, e na fabricação dos equipamentos das futuras centrais e LTs].
Devemos estar muito atentos a tais conseqüências, mesmo que para alguns tudo isto possa ser
aceitável, em função do valor simbólico do progresso. De fato, usar eletricidade parece algo já
adquirido pela sociedade em quase todo o mundo.
No nosso horizonte atual, o suprimento de eletricidade terá que ser providenciado e
administrado por muitas gerações, no longo prazo.
7. Neste panorama, é compreensível que muita gente se interesse pela situação atual e pelo
futuro da energia elétrica, não somente os diretores e os donos das empresas que lucram com os
negócios da eletricidade, não somente os estudiosos da energia e os engenheiros eletricistas.
Mas, é bom também discernir os distintos interesses dos vários grupos de cidadãos:
*Para quem tem o seu próprio sistema de suprimento, por meio de uma bateria, de um moto-
gerador portátil, de uma placa voltaica, de um mini-gerador hidráulico ou uma mini-hidrelétrica, ou
até de uma turbina a vento, - trata-se de fazê-lo funcionar de modo mais adequado à sua própria
demanda, trata-se de conseguir fazer a manutenção técnica correta para que o sistema continue
operando, de ter algum tipo de back-up para os períodos de paralisação técnica ou da energia
natural captada, trata-se de não ter custos muito elevados, nem muito imprevisíveis, e sempre que
possível, trata-se de recuperar o investimento feito num prazo não muito longo.
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 13
* Para quem já está ligado à rede elétrica da região, o problema é bem outro: trata-se de
pagar, de poder pagar e obter o serviço da melhor qualidade possível, sem interrupções, sem
oscilações que possam prejudicar ou queimar aparelhos e instalações, trata-se de poder pagar
tarifas menores, de poder usar aparelhos mais econômicos, mais duráveis
* Para quem não está ligado na rede, nem tem qualquer sistema próprio, e que estaria no
escuro total se não fosse o lampião, a vela ou a lanterna de pilha... as opções de melhoria são
duas:
**ou conseguir um sistema próprio – ou - ** conseguir se ligar à rede,
e depois, ...o problema passa a ser como bancar a continuidade desta ou daquela opção.
O desafio para a sociedade está em permitir que as opções continuem existindo, cuidando
muito bem das represas e usinas existentes, e ampliando o uso da eletricidade sem sacrificar
ainda mais os rios e os ribeirinhos; se possível, evitando-se o aumento da fossilização dos
combustíveis, preparando-se a transição para a nova era do combustível vegetal e dos resíduos.
A partir deste ponto, as entidades do movimento social, os ambientalistas têm uma
responsabilidade inédita de impulsionar, trabalhando contra a correnteza.
E mesmo assim, avançar!
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 14
Pensamento, Doutrina, Poder no Passado e Hoje
Os estudos sérios sobre as relações entre a Natureza e a Sociedade não podem ser
despolitizados, sob pena de se tornarem ingênuos e crédulos - ou então, despolitizam-se de caso
pensado, e aí se tornam discursos fantasiosos, ilusionistas.
A Historia faz parte integrante do nosso campo visual e de pensamento ao estudar a Natureza,
a Condição Humana e a Energia , não há como ser a-histórico nem anti-histórico, seria um sinal
claro de incultura, além de desrespeito ao mundo dos que vieram antes de nós.
Nas demais edições deste curso, foi exigida a leitura de dois capítulos do historiador Eric
Hobsbawn, cujo período destacado foi no século XIX, a fase de 1848 a meados de 1870, no que
ele denomina “Era do Capital”. O historiador usando fontes primárias e secundárias da
historiografia oficial e também dos acervos culturais e populares, com base no método materialista
, demonstra a formação da sociedade de classes sob o capitalismo na Europa, comprova como
esses Estados e seus novos poderosos ampliavam a dominação sobre o “resto do mundo” e ilustra
como vão combinadas a industrialização, os transportes e a urbanização, e nisto como aumenta
exponencialmente a extração e o uso de combustíveis, lenha e carvão, e o início do petróleo.
Recomenda-se a sua leitura para os interessados; desta vez o livro foi retirado da lista de
referências da disciplina PE –107. 6
Da mesma forma, uma de nossas fontes para o estudo da história mais recente, no século XX,
o cientista político brasileiro Emir Sader, em cuja obra de referência tem como fio condutor a
trajetória ascendente da dominação imperialista e do poderio dos capitais multi-nacionais, e a
multiplicação dos focos e modos de resistência a esta pressão, nas chamadas “guerras do fim do
mundo”; além de destacar o surgimento da noção de subdesenvolvimento, e da manifestação dos
interesses comuns às várias populações da atual América Latina.
E, para a leitura obrigatória, manteremos a indicação do ultimo texto escrito pelo professor
Milton Santos, da Geografia da USP e visitante e homenageado em várias outras universidades.
Referência para leitura obrigatória e resenha escrita - R 2 SANTOS, Milton “Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal”,
Ed.Record , RJ, 2000. [selecionados I. introdução geral, pp 17-22 II- A produção da globalização pp 23 – 36 III – Uma globalização perversa pp. 37- 78]
6 HOBSBAWN, Eric “A era do Capital” Ed.Paz e Terra, SP, 5ª ed., 1997; e SADER , Emir “SÉCULO XX Uma
biografia não autorizada. O século do imperialismo” Ed. Fundação Perseu Abramo, 2000. SP.
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 15
Deslocamento. De Meio Ambiente... para ... Natureza.
O foco das leituras e ênfases nesta disciplina PE 107 veio se deslocando: primeiro, há mais de
dez anos, respeitamos a expressão oficial do titulo da disciplina como Meio Ambiente, e ainda
repassávamos um pouco da chamada Questão Ambiental definida na pauta dominante: os
processos de licenciamento, os controles ambientais, padrões de emissões, políticas de recursos
naturais e de áreas protegidas.
Em pouco tempo, foi adotada a palavra Ambiente. Por vários anos, foi mantida a palavra e cada
vez mais outros temas foram pesando: a Poluição de origem industrial e da mineração, o Risco
técnico e os acidentes havidos, a contaminação aguda e a desconhecida, a adulteração do relevo, e
da crosta da terra, a situação comprometida e agonizante de rios e represas.
Durante anos fui também ver in loco alguns sintomas de tais “obras” das modernas cadeias
produtivas, visitar as catedrais e os arrasos destrutivos dos investimentos em eletricidade e em
combustíveis, em algumas indústrias grandes consumidoras de eletricidade e de combustíveis,
grandes produtoras de rejeitos, sucatas, e poluentes de todos os meios.
Não vi e pesquisei todos os casos mais importantes, mas sim um ou alguns de cada tipo; não
foi no país todo mas foi um pouco em vários Estados e bastante em poucas regiões problemáticas,
e que vêm sendo investigadas com maior continuidade, mais vezes ao longo dos anos. É o caso do
sul catarinense com os problemas do carvão mineral, da região em torno de Belo Horizonte e dali
pelo chamado “Quadrilátero ferrífero”, e é também o caso de instalações petrolíferas em algumas
regiões brasileiras. Cujas imagens serão vistas em sala de aula.
A experiência com os lugares ao contrário destes – com a Natureza ainda pouco adulterada,
gratificante e reveladora, nos levou a adotar alguns desses lugares, que se transformam também
em campos de pesquisa como por exemplo “as caixas d’água da chuva brasileira”.
A fusão dos estudos sobre as caixas d água artificiais que são as represas de hidrelétricas -
com os estudos sobre as caixas naturais que são os chapadões e serronas das regiões mais
chuvosas, indicava que a balança iria pender para o interesse atual sobre –
- como era e como veio se alterando a Natureza.
Melhor dizendo:
- como eram e como se alteraram alguns trechos do planeta que pude conhecer e estudar um
pouco melhor.
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 16
Para os estudantes de Energia Sociedade Ambiente, em transição para Natureza, Condição
Humana e Energia...ficará a prescrição de ler capítulos de um longo livro do historiador Warren
Dean, [v adiante referência R 3], onde ele reconta a história brasileira e a Mata Atlântica, a história
dos homens ricos e pobres, nativos e transplantados nas muitas zonas da Mata que se estendem
do litoral do RGN à Serra do RGS. Resume este Brasil litorâneo e perto do litoral ao dilema
conservação e devastação, à necessidade de obter materiais de construção, para os barcos e as
casas, as pontes e os móveis, de se obter lenha e carvão, e à especulação das plantas e pedras
valiosas, mostra como a urbanização, a ferrovia e a hidrelétrica foram fatores de aceleração da
devastação, e não apenas o ciclo do café ou o ciclo da cana...
Referência para leitura obrigatória e resenha escrita - R 3 DEAN, Warren “A FERRO E FOGO. A História e a devastação da mata atlântica brasileira” Companhia das Letras, São Paulo, 1995. [ selecionados : “Nomadismo industrial, industrialismo predatório”, cap.11.
pp. 254 –279 ; e “O imperativo do desenvolvimento”, cap.12 pp. 280-306 ]
E também, a de ler textos de três antropólogos destacados: um texto em co-autoria, de
Eduardo Viveiros de Castro e Lucia Andrade, que é o capitulo de abertura do importante livro
publicados em 1988 sobre “As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas”, e outro conjunto de
pequenos textos, de introdução e de fechamento de um notável esforço coletivo de conhecimento,
coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner Almeida. [ver as referências R 4 A e B]. Em
ambos os casos, cujas datas de edição são relativamente próximas(1988 e 1994), a Natureza é a
Amazônia, e a Sociedade é a brasileira do final do século XX, as empresas são as mesmas de hoje,
e o seu poderio já era tremendo...enquanto resistem, e apesar de tudo, se multiplicam indígenas,
caboclos, beiradeiros e posseiros, assentados e colonos.
Referências para leitura obrigatória e resenhas escritas - R 4 CASTRO, ANDRADE - e – ALMEIDA CASTRO, Eduardo V., ANDRADE, L. R 4 A “Hidrelétricas do Xingu, o Estado contra as sociedades indígenas” , cap. I do livro “As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas” SANTOS, L. e
ANDRADE, L. (orgs.) Comissão Pró - Índio de SP, São Paulo, 1988. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de R 4 B “Carajás: A Guerra dos mapas” Editora Falangola, Belém, 1994 selecionado : capa, orelhas, pgs iniciais até pg 64: Apresentação, Introdução, Unidades de Conservação ambiental e
Reservas Extrativistas” , e Considerações Finais ,pgs. 325 a 329
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 17
Armadilhas, hipocrisias. Justamente lendo os escritos dos antropólogos conhecedores da
condição humana e imersos no mundo social e político de sua época, é que passamos a tomar a
devida distância e passamos a olhar com a saudável dúvida todo esse moderno aparato ambiental
criado pela máquina federal e em parte incorporado às Constituições federal e estaduais.
Aparato ideológico refinado em que o ambiente inclui o social, em que a obra projetada vira
sujeito e todo o restante, que apresenta interferências com a obra majestoso e onipresente, vira
área ou população impactada. Vai daí que qualquer obra pode ser autorizada obter sua licença
ambiental desde tais impactos negativos sejam superados pelos assim chamados positivos, ou
então que possam ser mitigados.
A obrigatoriedade de requerer licença ambiental com base no Estudo de Impacto Ambiental,
que foi incorporada às Constituições de dezesseis, dezessete anos atrás, veio sendo adaptada,
adulterada, desfigurada pela prática brasileira, entenda-se pratica das empresas e das agencias
governamentais no Brasil.
A agência maior, o federal IBAMA, o conselho Conama, e seus equivalentes nos estados se vêm
a cada dia diante e dentro de armadilhas, uma delas é justamente a impossibilidade das agências
ambientais se responsabilizarem e cuidarem do enorme passivo social. Passivo construído como
conseqüência de muitos projetos já licenciados e em operação, ameaça ainda maior pelo aumento
desse passivo, com a concessão de novas licenças para projetos que têm esta capacidade nefasta
de provocar prejuízos à população em geral por serem “sumidouros” de dinheiro público, e na
prática mecanismos concentradores de renda.
Passivo medido pelo acúmulo de prejuízos e de constrangimentos a outras atividades
econômicas, chegando a inviabilizar várias delas, medido pela dura realidade em que os projetos
incomodam pelo barulho e pelo mau cheiro, desvalorizam suas casas e terrenos, infernizam
moradores atuais e futuros de determinados locais, de certas rotas.
Passivo formado pela violência de expulsar e de transferir pessoas, de destruir, alagar, soterrar
seus patrimônios compulsoriamente, de comprar por preço “bom” que, para o vendedor, é aviltante
e pode jogá-lo na miséria.
Por isso, as agências ambientais têm tão pouco a dizer sobre tais problemas, e chegam a fugir
deles... e por isso mesmo, cada vez mais advogados, Promotores Públicos, Procuradores federais e
Juízes têm atuado nas situações conflitivas criadas pelos empreendimentos.
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 18
Na linha das armadilhas, outras vieram sendo construídas tijolo a tijolo, de modo estudado,
estratégico, ao longo dos anos 1980, 1990 e agora neste início de século: o ambientalismo
empresarial – concebido e praticado dentro das empresas e nas suas relações com a opinião
pública - e o ambientalismo pró-empresas dominantes – que se espraia por quase todas as
instâncias inclusive nas agências que deveriam ficsalizar e controlar a poluição e o uso dosolo, dos
rios, das águas, inclusive no seio do movimento social (p.ex. ONGs fantasmas, laranjas, e outras
que são legítimas e representativas mas que são pró-empresariais por opção, ou que se tornaram
porque foram compradas com objetos, dinheiro e prestigio oferecidos por empresas).
Tudo isso é encoberto insistentemente, como uma verdadeira cortina de artilharia, com a
propaganda enganosa, auto - elogiativa, aquela dos prêmios auto-atribuídos, aquela do logro
sofisticado dirigido justamente às vítimas, além da maquiagem especial para os visitantes que
devem sempre sair maravilhados com o que viram e ouviram.
E muitas vezes, a lubrificação deste enredo potencialmente cheio de atritos e arestas é ainda
assegurada pelo assistencialismo das empresas com os nativos, exatamente com aqueles que
foram e serão prejudicados com a “chegada” da empresa ou do projeto em suas terras, suas
praias, seus rios.
Neste campo, surgiu e vai se consolidando o Direito Ambiental, que pode muito bem ser
estudado em português no compêndio tantas vezes re-editado e ampliado, do professor Paulo
Afonso Leme Machado7 , da Unimep e da Unesp, antes Promotor Público. Especificamente os
mecanismos e formalidades do licenciamento ambiental podem ser compilados no livro organizado
pelos geógrafos, professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Roberto Verdun e
Rosa Medeiros 8, já na 4a. edição.
Enquanto que as deformações desse processos de licenciamento, já comentadas,
particularmente as que ocorreram com os projetos de grande porte (projetos de centrais
hidrelétricas e termelétricas, de grandes instalações industriais, de mineração, de obras hidráulicas)
serão comentadas no meu texto 8 A, apresentado em 2004 no encontro nacional da Anppas-
Associação de Pesquisa em Ambiente e Sociedade.
Por aí vemos como é promissor este caminho de volta, deixando para trás os problemas hoje
considerados como do Ambiente e revalorizando os verdadeiros problemas da Natureza.
7 LEME MACHADO, Paulo Affonso “Direito Ambiental Brasileiro” Ed. Malheiros, São Paulo, 8ª ed., 2000 [selecionado titulo I “Princípios gerais do Direito Ambiental”, pp 41-72 ] 8 VERDUM, Roberto, e MEDEIROS, Rosa M. V. “RIMA – Relatório de Impacto Ambiental . Legislação, elaboração, resultados” Editora da UFRGS, Porto Alegre, 4a. edição, 2002
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 19
Priorizando inclusive e expressamente, as dificuldades da Natureza Humana para a
compreensão dos problemas da Natureza em si: problemas além daqueles que sabemos existir,
problemas de um outro tipo, que existem independentemente da nossa percepção e da nossa
certeza que eles existam.
A natureza se compõe de regiões e zonas com características conhecidas, cujo funcionamento o
homem e os animais aprenderam a decodificar, a pressentir, mas também se compõe de locais
únicos, e situações únicas, combinações de espaço, tempo, Luiz, relevo, temperatura que jamais se
repetem.
Dentre eles, os monumentos naturais, as grandes matas, os litorais recortados de costões e
praias, os arquipélagos nos mares e nos rios, as cachoeiras e saltos deslumbrantes pela altura, pela
vazão, e em alguns casos, pelas duas medidas.
Daí pode se entender melhor o turismo do tipo que visita ou explora locais naturais, mas muito
antes disto, deveríamos reconhecer e respeitar a sagração da Natureza, tudo que a humanidade já
fez no sentido de entronizar, adorar, temer, deixar se encantar pelos elementos e pelos
monumentos da natureza.
Deveríamos nessa trilha estudar – para apenas depois aderir ou não, se distanciar ou
ultrapassar – os mitos e as lendas ancestrais, até chegar no Mito moderno da Natureza intocada,
como fez o cientista social Antonio Carlos Diegues em uma de suas últimas publicações; e
confrontar essa mitologia, esta coleção de imagens fortes arraigadas e produzidas sem cessar até
se constituir num mito fundador do país, como fez a filósofa Marilena Chauí, a propósito da
“Sagração da Natureza” (autores que estudaremos em um dos seminários teóricos previstos)
Cada vez mais distante dos temas ambientais de hoje, cada vez mais próximos dos temas
científicos de sempre, nesta árdua e variada rota de busca insistente e cumulativa da compreensão
humana a respeito do funcionamento do planeta e das demais formas de vida: estudar a Natureza
requer o interesse pela Biologia, pela História Natural, pelas Ciências da Terra em geral.
Se depois os autores vão se considerar ecólogos como Phillip Feanside ou geógrafos como o
mestre Aziz Ab’Saber, talvez não importe muito agora, mas certamente estão juntos, e com eles
raros outros, que sabem que estão estudando a Natureza e as nossas relações com ela.
Com tais ensinamentos, fica mais fácil: o quê sucede com a Natureza depende de como ela é,
de como ela funciona, mas também depende de como são as nossas inter- relações humanas, de
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 20
como as sociedades vão se movimentando no território, como elas vão aproveitando ou não, de
como vão mexendo mais ou menos com esta e com aquela partes da natureza.
Como a Natureza é muito mais do que o próprio Planeta, e como suas partes não são
seqüenciais ou justapostas, a dinâmica é outra, bem mais complexa, difícil até hoje de ser
adequadamente interpretada. Restam para os interessados e os pesquisadores muitas dúvidas, pois
os mecanismos locais, regionais e globais se interligam o tempo todo, mas às vezes se
potencializam e outras se contrapõem. Sempre respeitam a flecha do tempo, mas muitos processos
têm ciclos temporais, curtos e longos: elementos químicos que residem por segundos ou minutos
na atmosfera antes de reagir e de se transformar, e outros que demoram séculos a serem
reciclados, pequenas aves que migram e volta milhares de km, vírus invisíveis que trafegam por
todas as rotas, mas sempre preferem algumas do que outras...
A natureza teria então que ser re - estudada sempre aqui-e-lá, ontem-e-hoje.
No Brasil-e-no Planeta; e também, numa pequena bacia fluvial do interior da Ásia-e-no extenso
ciclo da evaporação e precipitação das águas por sobre todos os mares e oceanos, costas e os
interiores de todos os continentes. Sabendo que existe e existiu uma dinâmica própria do planeta, e
que existem há muito tempo, e se acumulam os resultados da sua ocupação, do seu uso e da sua
destruição, ainda pontual, em alguns focos, mas que um dia poderá ser total.
Não no sentido de uma explosão final, em que tudo vire poeira, mas basta que a totalidade da
parte habitável e utilizável do planeta que conhecemos seja arrasada, queimada ou contaminada de
modo irreversível, irreconstruível...
Os textos já mencionados da Laura Conti e do Warren Dean nos ajudam a ter esta dimensão
mais ajustada. Mas há quem veja ainda mais longe no tempo: o geólogo-engenheiro armeniano
Ter Stepanian 9, há mais de quinze anos já anunciava a emergência histórica de uma era
geológica nova, pós-quaternária, que ele chama de “era tecnogênica” ou “quinária”.
Pela simples e poderosa razão de o homem e suas ações constituírem hoje, e pela primeira vez
desde o seu surgimento, um agente geológico de primeira grandeza -- impondo transformações
que o planeta naturalmente jamais teria adquirido - como as grandes barragens e as imensas áreas
construídas e, pior, -- executando reações químicas e transformações atômicas que normalmente
só ocorrem fora do planeta, no Sol e em outras regiões do Universo.
A Energia, força natural travestida de mercadoria. Matéria e lixo, Física e poder
Visto este amplo panorama, a lógica nos indica que –
9 TER-STEPANIAN “Beginning of the technogene”, Bulletin of Internat. Assoc. of Engineering Geology, n.38, 1988
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- a disponibilidade de energia natural para o aproveitamento pelos homens, pelo seu fogo, e
pelas suas máquinas conversoras de energia, depende muito da chamada “base de recursos”.
O estudo prático e teórico justamente dessas máquinas nos levou a contabilizar o rendimento
deste aproveitamento (quanto eu realmente obtenho e utilizo em relação ao quanto foi dispendido)
e depois, e hoje em dia, fala-se e calcula-se em termos de eficiência, sabendo-se de antemão que
nunca será de 100 por cento, e que sempre dependerá de por onde se passe o perímetro do nosso
objeto analisado, qual o volume de controle , qual a fronteira do sistema, como se estuda na
termodinâmica..
Ciência que revoluciona ainda o pensamento, por exemplo, a partir da noção sofisticada e
extremamente direta de que o planeta é uma máquina termodinâmica, com energia interna e
sendo bombardeada com energia vinda de fora, continuamente e de modo cíclico.
Somente por isto é que podemos colher, aproveitar algum fluxo de energia existente,
desencadear alguma energia potencial ao nosso alcance, tirar umas lascas de materiais que podem
ser queimados para obter calor...
Essa visão integradora científica e histórica da energia, que se tornou um conceito central em
nossa sociedade, e que sempre foi, na prática, um problema central para os humanos e suas
atividades – nos será aclarada por meio das leituras dos cientistas sociais franceses Edgar Morin e
Anne Brigite Kern, e pelos estudiosos italianos que são também dirigentes e assessores de
sindicatos e confederações e de entidades sociais: Tronconi, Valota, Agostinelli , Rampi.
Referências para leitura obrigatória e resenhas escritas - R 5 MORIN, KERN - e - TRONCONI e outros MORIN, Edgar e KERN, Anne Brigitte R 5 A “Terra-Pátria” 1993, Editora Sulina, 3a. edição, Porto Alegre, 2000. [selecionados: pgs iniciais, sumário, apresentação e prólogo, até p.20 e cap 2. A carta de identidade planetária pp 45 a 68] TRONCONI, P.A., VALOTA,R., AGOSTINELLI, M. e RAMPI, F. R 5 B “PIANETA IN PRESTITO - Energia, entropia, economia” editora Macroedizioni, Preggio, Itália, 1991. trecho selecionado, “Energia, entropia, e ...os termos do problema” 26 pgs; tradução de trecho da parte I pgs.36
a 63 do original em italiano, feita pelo prof. Oswaldo SEVÁ]
Além de elevarmos o patamar do debate sobre energia, re-introduzindo os conceitos de
entropia e de risco na análise dos modos atuais de obtenção e de utilização de energia, convém
PE 107 – ENERGIA SOCIEDADE AMBIENTE FEM / Unicamp, 2005 – I prof Oswaldo SEVÁ 22
também procedermos a uma operação de “limpeza dos falsos milagres”. A meta seria neutralizar
algo que pode ser visto como “pajelança” não no sentido mítico e terapêutico que os pajés
indígenas cultivam, mas no sentido da falsidade, de ser uma “pajelança de branco”.
Limpar o discurso e os argumentos das repetidas palavras, dos repetidos rituais, fórmulas e
senhas de acesso que divulgam as soluções ditas milagrosas. Limpar do logro daqueles que
anunciam - como a chegada do Messias - a forma de energia salvará a tribo da decadência.
A sociedade atual é também a sociedade do lixo, e nesse sentido, uma das maiores aberrações
da civilização do consumo se resume nas destinações predominantes do lixo produzido pelas
residências, coletividades e pelas industrias e serviços: gasta-se uma boa soma de energia para
produzir os materiais, os alimentos, e depois outra boa soma para coletar os resíduos e leva-los a
lugares como os bota-fora, lixões, aterros, onde se abandona até mesmo a energia contida nos
materiais já fabricados e abandonados.
Lixo é o atestado do progresso sem solução, é o panorama que apreendemos na tese publicada
em livro, do professor Paulo Jorge Figueiredo, ao correlacionar os resíduos com a questão
energética e com a crise ambiental contemporânea.
Referência para leitura obrigatória e resenha escrita - R 6 FIGUEIREDO, Paulo Jorge “A sociedade do lixo. Os resíduos, a questão energética e a crise ambiental” Editora Unimep, Piracicaba, 1995. [Recomendada a leitura do livro todo; para resenha, obrigatório o prefácio , a nota introdutória
e os capítulos 1, 2, e 3 até a pág. 157]
Com isto, começamos a retornar ao nosso ponto de partida nessa proposta pedagógica: para
poder avançar, é preciso delimitar bem “sobre o quê” se está falando, escrevendo, argumentando.
Agora fica mais fácil também abrir os leques corretos: Energia deve incluir pelo menos os usos da
energia, os conversores e as fontes de energia, destacadamente os combustíveis (e o calor, o
vapor a eles associados), e também a força - motriz e este tipo especial de energia que é a
eletricidade.
Se esse for o foco, e o assunto estiver bem focado, essas fases e situações conexas devem ser
bem identificadas, e com isto pode-se desviar com maior êxito da argumentação ilusória e da
construção de falsas expectativas.
Esta é outra manobra similar à “limpeza” das falsas pajelanças, e igualmente necessária:
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- neutralizar o “pardalismo”, que é aquele espírito obsessivo dos admiradores do professor
Pardal das historias em quadrinhos Disney do século XX.
Os professores Pardal que andam por aí no mundo prestam às vezes ótimos serviços com suas
engenhocas, mas muitos deles também fazem o desserviço da nossa atividade-fim: nós nos
empenhamos em semear a dúvida enquanto método da busca e também a exigência da
demonstração, enquanto eles são os arautos da certeza dogmática, apesar de novidadeira, e da
afirmativa retumbante substituindo a lógica do raciocínio.
Pudera ! Estão sempre inventando maquinas geniais que, às vezes desrespeitam algum
principio da Física, às vezes querem negar alguma contingência de um determinado mercado.
Suas engenhocas e rotas anunciadas em geral desrespeitam os balanços de massas e de
energia, desrespeitam a lei de conservação dos fluxos de massa10, e por isto acabam vendendo
ilusões e falsos brilhantes como
# o moto perpétuo, que não consome nada para realizar trabalho,
# o combustível limpo, que nada produz ao queimar
# a fonte eternamente renovável,
# a máquina que acrescenta energia nova ao planeta,
# a engenhoca que não dissipa nem calor, nem ruído ou vibração, nada, que é cem por cento
eficiente por ser obra de um criador eficiente, quase por decreto.
Enfim, desviam-se energias e aptidões humanas valiosas para propor e propagandear soluções
energéticas que, como algumas invenções do professor Pardal, uma hora acabam não dando certo.
Ou explodem, ou alguém descobre a fraude! Um recado como esse é indigesto em todos os setores
que atualmente debatem energia, incluindo-se as ONGs brasileiras, cujos grupos temáticos de
energia, mudanças climáticas, florestas têm um belo acervo de realizações desde o início dos anos
1990. Só que várias delas não gostaram nada desse tipo de alerta, quando o coloquei em destaque
no seu encontro nacional de outubro de 2003, em Brasília. Estavam se preparando para sentar com
o governo brasileiro e para depois ir ao Congresso de Bonn sobre energias renováveis, e essa
expressão energia renovável, no singular ou no plural, é substancialmente errada do ponto de vista
da Física, e por isto permite uma ampla rota de falseamentos e de pardalismos.
Por outro lado, os panoramas mais realistas a respeito da situação social e ambiental da energia
no Brasil vêm exatamente dessas ONGs e de sua peculiar interface com alguns pesquisadores 10 SEVÁ Fo, A. O. “Para combater a poluição – pense globalmente dentro e fora da fábrica, equacione rigorosamente a matéria e a energia”. pp. IX a XXIII Apresentação do livro “Prevenção e Controle de Poluição nos setores energético, industrial e de transporte”, de LORA, Electo S. Editora Interciência, R. J. 2a. ed, 2002 disponível no sitio www.fem.unicamp.br/~seva
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acadêmicos, de várias áreas, como os professores Célio Bermann11, Carlos Vainer, Henri
Acselrad, e vários outros. Uma das entidades por eles assessoradas, a FASE – federação dos
órgãos assistenciais e educacionais, com sedes no RJ e em Belém, e com vários escritórios em
outras regiões brasileiras vem elaborando com bastante detalhe e ampla participação o programa
Brasil Sustentável e Democrático, dentro do qual se originou justamente o livro mencionado do prof
Bermann: Energia Para que? E Para quem?
Nele é analisada de modo didático mas sem perder o rigor técnico, a noção de sustentabilidade
energética, prevendo-se mudanças e reformas em vários setores, e apresentando a idéia de uma
cesta básica de energia para as famílias (gás de cozinha, eletricidade para aparelhos, iluminação e
água quente, e diesel ou gasolina para transporte).
Na análise do panorama energético brasileiro, pela primeira vez na área acadêmica é
comentada a discrepância já antiga na conversão de eletricidade em calor nas estatísticas do
balanço energético, e, feita outra conta das proporções entre fontes renováveis e não renováveis,
vemos que o petróleo, o gás, o carvão mineral pesam bem mais do que sempre se afirmou. Isto
reforça a conveniência de fazer e refazer as contas sempre, com a devida atenção para as
equivalências e comparabilidade dos vários itens das agregações feitas nas tabelas oficiais.
Basta fazer contas certas, que o panorama deixa de ser tão limpo, azul, renovável, nem
ambientalmente correto como pretendem os ufanistas.
O curso centrado nos temas Condição Humana, Natureza e Energia se completa também com
uma visão ampla e plural do Brasil, com um sentimento enraizado na terra e no povo que hoje aqui
mora, mas enxergando lá fora um mundo com muito mais gente, mais dinheiro, mais poderio, e em
vários casos, um mundo com gente mais preparada e mais alerta do que nós mesmos...com gente
que nos domina há séculos e os que nos dominam há poucos anos, vindos na mais recente onda
de liberalização pró-negócios e pró-finanças.
Nas nossas pesquisas em campo, e isto aparece nos arquivos de fotos e mapas que utilizamos
no curso, nós delimitamos regiões do Brasil, que é uma identidade geográfica claro, pois é um
terreno delimitado de um continente, e um litoral delimitado do oceano. Mas fazemos isso sabendo
que não temos ainda identidade, em termos de unidade e independência política e econômica, pois
hoje tecnologia e capital são internacionais, em muitos setores, em especial nos combustíveis, na
eletricidade, na atividade industrial, na mineração e na grande agricultura. Muitas vezes, as
empresas por nós mencionadas nos textos, estudadas ou cujas instalações foram cartografadas e
11 BERMANN, Célio “Energia para quê? E para quem?“ Editora Livraria da Física, SP, e FASE, RJ, 2002.
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fotografadas, são estrangeiras. Estes temas serão retomados nem um dos nossos seminários
quando pusermos em destaque autores como o economista Celso Furtado12, a filósofa Marilena
Chauí, e o antropólogo Darcy Ribeiro, cujo livro básico sobre o povo brasileiro será lido e
resenhado por todos os participantes.
Referência para leitura obrigatória e resenha escrita - R 7 RIBEIRO, Darcy “O POVO BRASILEIRO. A formação e o sentido do Brasil” Companhia das Letras, S.P., 1995 [selecionados : Introdução pp 19- 26 cap. III.2 “A urbanização caótica”, pp. 193-207 cap. III.3 “Classe, cor e preconceito” , pp 208 – 227]
Ao colocar um ponto nesta proposta pedagógica, quero reafirmar para os estudantes e demais
leitores do texto que as conexões e os simbolismos destes vários temas e conceitos aqui tratados
devem ser exercitados ainda com mais afinco quando se tratar da Condição Humana, e da
Sociedade no Brasil. E, mais ainda, quando se tratar do aumento do montante de energia-
mercadoria valorizado na macro-economia brasileira, ou valorizado por meio da nossa inserção em
uma divisão internacional dos conteúdos energéticos: a expansão intensa e por vezes violenta da
infra-estrutura de combustíveis e de eletricidade é um dos graves focos de problemas ambientais e
sociais brasileiros. Por isto vão ser exigidas as leituras e as resenhas dos dois textos referenciados
abaixo, de minha autoria, que resultam de um acompanhamento minucioso dos processos de
licenciamento de projetos energéticos e que resultam de uma necessidade vital de se demarcar, de
se diferenciar destas doutrinas tão em voga, o desenvolvimentismo e a sustentabilidade.
Referências para leitura obrigatória e resenhas escritas - R 8 SEVA, Oswaldo Desfiguração do licenciamento ambiental de grandes investimentos R 8 A (com comentário sobre as hidrelétricas projetadas no rio Xingu) Comunicação no GT História, Sociedade e Meio Ambiente no Brasil, do 2O Encontro nacional da ANPPAS - Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, Indaiatuba, SP, maio de 2004. “Tópicos de Energia e Ideologia. O desenvolvimentismo como panacéia? R 8 B A sustentabilidade como guia de corporações poluidoras?” Comunicação no GT “Energia e Meio Ambiente”, no I Encontro da Anppas- Associação nacional de Pesquisas e pós
graduação em Ambiente e Sociedade, Indaiatuba, SP, nov. 2002
12 FURTADO, Celso “Criatividade e dependência na civilização industrial” Ed. Circulo do Livro licença Ed. Paz e Terra,1978 [selecionado: cap. VI. Dependência num mundo unificado”. pp 83 – 113]
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O texto de abertura
O nosso texto de abertura do curso, assumindo esta transição para:
Condição Humana e Natureza, será uma forma de homenagear os grandes escritores,
- de fazer um elogio à liberdade do seu enredo e à pertinência dos seus temas,
usufruindo o prazer de ler em voz alta e de ouvir bem sonora a lapidação dos seus textos.
CALVINO, Ítalo “As cidades invisíveis”1972 trad Cia.das Letras, 1995, S.P. [ensaios selecionados: seção 1. pp 9-10 1.3 As cidades e a memória, pp 14-15; seção 4, pp 57-58; 4.5 As cidades e os símbolos, pp 59-60; seção 7 pp.95-96; 7.1. As cidades contínuas pp. 105-6; seção 9- pp. 123-6;9. 5. As cidades e o céu pp. 136-137; 9.5 As cidades contínuas pp 142-3; final pp. 149-150 ] Do qual retiramos a seguinte chave do enredo: o último diálogo entre o imperador tártaro
Kublai Khan e o mercador veneziano Marco Pólo:
“O Grande Khan já estava folheando em seu Atlas os mapas das ameaçadoras cidades que surgem nos pesadelos e nas maldições: Enoch, Babilônia, Yahoo, Butua, Brave New World. Disse: - É tudo inútil, se o último porto só pode ser a cidade infernal, - que está lá no fundo e que nos suga num vórtice cada vez mais estreito. E Marco: - O inferno dos vivos não é algo que será; - se existe, é aquele que já está aqui, - o inferno no qual vivemos todos os dias, - que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste...até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o quê, no meio do inferno não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço. “
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