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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
TONY ANDREW DE LIMA
CORPOS FORTES E SAUDÁVEIS: A ESCOLARIZAÇÃO DA
GINÁSTICA NO PARANÁ EM FINS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO
SÉCULO XX.
CURITIBA
2016
TONY ANDREW DE LIMA
CORPOS FORTES E SAUDÁVEIS: A ESCOLARIZAÇÃO DA GINÁS TICA NO
PARANÁ EM FINS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX.
Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao
Curso de Licenciatura em História, Faculdade de
Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito
parcial para a obtenção do grau de licenciado em
História.
Orientador: Prof. Ms. Osvaldo Luis Meza Siqueira
CURITIBA
2016
DEDICATÓRIA
Dedico esta obra aos meus pais, Doraci Pereira, e Antonio de Lima por me
incentivarem a todo o momento ao longo de minha graduação.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em especial a minha mãe Doraci Pereira e meu pai Antônio de Lima
pelo incentivo constante ao longo da minha graduação.
Ao corpo docente da instituição, a coordenadora Viviane Zenni sempre muita
atenciosa perante aos diversos assuntos acadêmicos.
Ao professor Osvaldo Luis Meza Siqueira pela sua orientação e sua atenção, o
meu muito obrigado.
A professora Liz Andréa Dalfré pela sua importante colaboração, sempre muito
atenciosa e dedicada em ajudar, registro os meus agradecimentos.
Sou grato também a professora Vera Moro por suas dicas e sua gentileza em
dispor um pouco de seu tempo para me ajudar.
A todos que direta e indiretamente me ajudaram nessa jornada, o meu muito
obrigado.
RESUMO
O presente trabalho analisa a escolarização da ginástica nas escolas brasileiras em fins do século XIX e início do XX, foca-se principalmente nos interesses políticos que viabilizaram o seu ensino em território nacional. Perante a influência de alguns métodos ginásticos europeus do século XVIII, houveram argumentações de políticos e intelectuais como o jurista e político brasileiro Rui Barbosa, que se referiu a ginástica como um elemento educacional indispensável para o bom desenvolvimento de uma sociedade saudável, de corpos fortes e ordeiros. Essa ideia foi legitimada pelo discurso científico principalmente entre os médicos adeptos ao movimento higienista que atribuíam a ginástica o papel de representar, entre outros aspectos, a educação higiênica do corpo na escola. Para exemplificar como se dava e em quais metodologias se embasava as aulas de ginástica, foi abordado neste trabalho em específico o ensino escolar da ginástica no estado do Paraná, pautado em decretos de leis da época, em fins do século XIX e início do século XX.
Palavras chaves: Ginástica, Corpo, Escola, Disciplina.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - Figuras ilustrativas de movimentos ginásticos ------------------------ 38
FIGURA 2 - Busto de Domingos Nascimento Herma -------------------------------- 46
FIGURA 3 - Trecho da Obra Homem Forte -------------------------------------------- 49
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------------- 8
CAPITULO – 1: A GINÁSTICA COMO PRÁTICA ESCOLAR.
1.1 - O SURGIMENTO DOS MÉTODOS GINÁSTICOS EUROPEUS. ---------------- 11
1.2 - A BUSCA POR UMA CIVILIZAÇÃO PERFEITA E A ESCOLARIZAÇÃO DA GINÁSTICA. ------------------------------------------------------------------------------------------- 20
1.3 - A INFLUÊNCIA HIGIENISTA NAS AULAS DE GINÁSTICA, E O SEU CARÁTER DISCIPLINADOR. --------------------------------------------------------------------- 28 CAPITULO – 2: O ENSINO DA GINÁSTICA NO PARANÁ.
2.1 - A ESCOLARIZAÇÃO DA GINÁSTICA NO ESTADO DO PARANÁ. ------------- 34 2.2 - A CONSOLIDAÇÃO DO ENSINO ESCOLAR DA GINÁSTICA NO ESTADO DO PARANÁ, E A DISCIPLIRARIZAÇÃO DOS CORPOS. ------------------------------------ 43
CONSIDERAÇÕES FINAIS ----------------------------------------------------------------------- 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------------------------------ 54
8
INTRODUÇÃO
Embasado em documentos da época, fins do século XIX e início do século
XX, tais como decretos e leis condizentes a ginástica escolar, o presente trabalho
pretende enfatizar os principais interesses políticos referentes à escolarização no
Brasil da Educação Física ou gymnastica, como era denominada na época,
principalmente no que se refere à disciplinarização e ao higienismo.
Tal escolarização esteve vinculada a interesses políticos que buscavam a
construção de uma sociedade desenvolvida, uma vez que a ginástica era vista como
uma importante ferramenta para aprimorar as condições morais e físicas dos alunos,
pois, seguia uma rígida disciplina, com atividades físicas militarizadas e bem
sistematizadas.
Sua escolarização esteve respaldada pela ciência, com o discurso médico
higienista, que a colocava como sendo um elemento essencial para um corpo
saudável, e também a credenciava como um instrumento capaz de fortalecer e
regenerar o corpo e a mente das pessoas, o que fica evidenciado no caráter militar e
na rígida disciplina presente nas aulas.
Devido principalmente a esses fatores a ginástica obteve grande interesse
político ainda no Império, no que se refere ao adestramento dos indivíduos em
relação à obediência no seguimento das regras, e principalmente na busca por uma
sociedade perfeita, ou desenvolvida aos moldes europeus, uma vez que a sua
inserção nas escolas brasileiras, foi influenciada diretamente por alguns países
europeus como Alemanha, Suécia, França e Dinamarca, que durante fins do século
XVIII e início do XIX já haviam realizando a sua escolarização.
Nesse contexto a ginástica escolar foi compreendida como uma ferramenta
capaz de possibilitar aos indivíduos, melhores condições de saúde, ganho de força e
resistência física para o trabalho. O que fica evidenciado nas palavras de Soares:
“A Educação Física será a própria expressão física da sociedade do capital. Ela encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados, e se faz protagonista de um corpo “saudável”; torna-se receita e remédio para curar os homens de sua letargia, indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o discurso médico, pedagógico ... familiar.”( SOARES, 2012, p. 4).
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Essa rígida disciplina vinculada a ginástica escolar pode ser mais bem
entendida perante o conceito de disciplina de Michel Foucault (1987) de que por
meio dela seria possível obter um melhor controle e domínio perante as ações dos
indivíduos, pois, a disciplina seria capaz de formar corpos submissos e exercitados,
o que ele chamou em sua obra Vigiar e Punir, de corpos dóceis.
De acordo com Foucault (1987) “[...] o controle minucioso das operações do
corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação
de docilidade e utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. (FOUCAULT,
1987, p. 117).
Houve também perante a escolarização da ginástica no Brasil grandes
interesses relacionados à saúde pública, pois os corpos precisavam ser fortes e não
debilitados. Porém, os problemas sanitários eram muitos, disseminações epidêmicas
ocorriam em grande escala, devido aos precários serviços sanitários disponíveis a
população.
Com isso um movimento conhecido como higienismo ganhou destaque no
cenário político de saúde, estando baseado na cientificidade biológica o discurso
médico afirmava ser possível melhorar as condições de saúde e a qualidade de vida
da população, por meio de uma padronização de comportamentos, voltado à higiene
e aos bons costumes individuais, que deveriam ser transmitidos a população por
meio principalmente da educação escolar.
As motivações que regem esse trabalho visam sobretudo um esclarecimento
das intenções que envolveram a escolarização da ginástica em relação as questões
de cunhos políticos que interessavam a elite brasileira ao longo do Império e início
da República.
Para tanto o trabalho baseia-se no decreto nº 1.331-A, de 17 de Fevereiro de
1854, também conhecida como Reforma Couto Ferraz.
A coleção Obras Completas de Rui Barbosa é outra fonte utilizada, porém, o
presente trabalho abordara em especifico apenas o volume X tomo: II
correspondente a Reforma do ensino primário de 1883.
Outras fontes utilizadas são o Ato assinado em 30 de junho de 1882, pelo
então presidente da província do Paraná, Carlos de Carvalho, e também os decretos
n.35 de 09/02/1895, e n.93 de 11/03/1901, referentes ao Regulamento da Instrução
Pública do Estado do Paraná. Assim como o decreto n. 263 de 22/10/1903, referente
ao Regimento Interno das Escolas Públicas do Paraná.
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Além desses documentos, o presente trabalho também analisa a obra
intitulada, Homem Forte, de autoria do militar e político paranaense Domingos
Virgílio do Nascimento, que foi utilizada como livro ou guia didático por professores
de ginástica no Paraná, no início do século XX.
O capítulo primeiro do trabalho aborda questões referentes ao surgimento
dos métodos ginásticos europeus, que em muito influenciaram na inserção e na
realização dos exercícios de ginástica nas escolas brasileiras. Aborda também a
influência dos movimentos higianistas, perante a escolarização e a prática da
ginástica nas escolas do Brasil.
O capítulo segundo tem como foco principal a escolarização da ginástica no
estado do Paraná, além de descrever o caráter disciplinarizador presente nas aulas.
Ambos os capítulos procuram fazer uma analogia entre a escolarização da
ginástica no Brasil, e os interesses de intelectuais e políticos brasileiros, em construir
uma sociedade ordeira, disciplinada, forte e saudável, que fosse capaz de
representar em sua fisionomia física e moral a grandeza de um país desenvolvido.
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CAPÍTULO - 1: A GINÁSTICA COMO PRÁTICA ESCOLAR NO B RASIL.
1.1 - O surgimento dos Métodos Ginásticos Europeus
A ideia de se educar o corpo na escola por meio da ginástica, foi influenciada
pelos ideais provindos do movimento renascentista europeu, que de acordo com
Pereira (2006) foi um movimento artístico e literário que indicou o período de
transição entre o final da Idade Média e o começo dos Tempos Modernos.
Pautado no racionalismo, na busca pela razão, e no resgate aos ideais
filosóficos da antiguidade clássica, o movimento renascentista se contrapôs as
concepções de vida que se fizeram predominantes ao longo do período medieval (V
– XV d.C).
Durando o medievo muitos dos valores de vida concebidos a população
europeia, foi imposta pela Igreja Católica, instituição que colocava em papel de
inferioridade e submissão o corpo em relação à alma. Neste período o corpo tinha
um papel secundário na vida do homem, uma vez que os dogmas cristãos, segundo
Pereira (2006), eram tidos como princípios de ordem pública, que defendiam uma
maior importância da alma perante o corpo, devendo ser ela exemplarmente
preservada. O que pode ser constatado nas palavras de Ana Maria Pereira:
“O destino do homem deveria seguir um código moral revelado pela igreja, sendo que esta se destacava como uma instituição forte e trazia sob sua égide a concepção de homem como filho de Deus e, por isso, considerou a alma como substância mais importante.” (PEREIRA, 2006, p. 20)
Assim, a ginástica e a preocupação com o corpo não eram prioridades nos
tempos medievais, muito ao contrário, entendia-se que o corpo poderia corromper a
alma. “O corpo representava perigo e afastava o homem da pureza e da perfeição
divina.” (PEREIRA, 2006, p. 21).
Houve ao longo da Idade Média, de acordo com Pereira (2006), uma
concepção dualista muito forte, que separava e privilegiava a alma perante o corpo,
sendo que a primeira expressava a perfeição eterna, enquanto a segunda lembrava
a fragilidade putrescível da mortalidade humana. “A concepção dualista ficou
expressa no mundo medieval, e o idealismo religioso permitiu dicotomias intensas,
tais como: o bem e o mal, o sagrado e o profano, o corpo e alma.” (PEREIRA, 2006,
p. 21).
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Nota-se que a partir do renascimento cultural europeu, ocorreram grandes
mudanças relacionadas às concepções que se referiam ao corpo, principalmente ao
pensamento dual de corpo e alma, sobretudo pelo fato do movimento renascentista
pautar-se em bases filosóficas da antiguidade clássica, pois, de acordo com filósofos
da antiguidade, como Platão, a ginástica era um elemento importantíssimo para a
formação do homem. “Sócrates: depois da música, é pela ginástica que é preciso
formar os jovens.” (Platão, Apud PEREIRA, 2006, p. 14).
Ao longo do período renascentista segundo Pereira (2006), houve grandes
preocupações em estabelecer um equilíbrio entre o corpo e alma. Nesse contexto a
ginástica foi reconsiderada um elemento importante na formação do homem. Em
meio a [...] efervescência da época, bem como o retorno à cultura antiga greco-
latina, surgiu um novo ideal pedagógico, que passou a considerar e a valorizar os
cuidados do corpo. (PEREIRA, 2006, p.24).
Muito embora, a defesa perante a prática de exercícios físicos na formação dos
jovens tivesse ocorrido no contexto da renascença, foi a partir do movimento
iluminista do século XVIII, que essa ideia ganhou destaque na Europa, levando
alguns países a formularem seus métodos ginásticos.
O movimento iluminista foi um elemento decisivo para o surgimento de novas
concepções na educação escolar em geral, assim como, para as formulações
didáticas pedagógicas dos exercícios ginásticos escolares, o que ocorreu de acordo
com Ana Maria Pereira (2006), nos fins do séculos XVIII e ao longo do XIX, por meio
da criação de métodos ginásticos.
Essa época (séculos XVIII e XIX) ficou marcada entre outros aspectos segundo
Veiga (2007), pelo fim de muitas monarquias absolutas, separação entre Igreja e
Estado, e a instalação de governos constitucionais. Tais acontecimentos decorreram
principalmente devido ao avanço e consolidação do sistema de produção capitalista.
Esse cenário de grandes mudanças sociais, econômicas e políticas, exigiu dos
Estados uma também reformulação na educação escolar, a qual deveria atender as
necessidades condizentes as mudanças decorrentes do período.
Sob influências dos ideais iluministas que valorizavam sobretudo, o
racionalismo (uso da razão), e o desenvolvimento do pensamento científico, houve
segundo Cynthia Greive Veiga (2007), o surgimento de novas concepções com
relação à educação escolar em muitos países da Europa, sob a prerrogativa de que
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deveria conter unicamente um caráter científico, para tanto, não poderia continuar
sendo influenciada ou manipulada pela Igreja.
“O final do século XVIII e o século XIX assistem ao fim das monarquias absolutistas, à separação entre Igreja e Estado e à instalação de governos constitucionais, além de grandes mudanças econômicas, tecnológicas e culturais. O campo da organização educacional não escapou a esse contexto de transformações.” (VEIGA, 2007, p. 43).
Nota-se a intenção dos Estados em controlar ou exercer monopólio na
educação, pois, defendiam que seria a educação escolar o principal elemento
formador de opiniões, dos bons costumes morais e das novas concepções de vida a
serem adquiridas pela sociedade.
De acordo com o filosofo francês Michel Foucault (1987), a escola foi tida como
uma instituição estratégica para implementação do que ele chamou de técnicas dos
processos disciplinares, sendo capazes de estabelecerem, normas, regras, e
condutas adequadas para a sociedade que seriam docilmente praticadas pelos
indivíduos em suas rotinas cotidianas.
De acordo com Foucault (1987), os processos disciplinares passaram a exercer
formulas de dominação, podendo ser compreendidas como uma política de coerções
“[...] que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus
elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. (FOUCAULT, 1987. pg. 164).
O grande interesse dos Estados perante o ensino escolar relacionava-se,
portanto, aos objetivos de estabelecer uma disciplinarização dos indivíduos frente
aos interesses políticos e econômicos, oriundos sobre tudo do capital industrial.
Em meio a esse contexto social a educação escolar no que diz respeito à
exercitação do corpo na escola por meio da ginástica, passou a ser considerada
uma ferramenta educacional importantíssima para a boa formação dos indivíduos.
Porém, para que ela ocorresse de fato, necessitava de legitimação científica, dessa
forma, surgiu em vários países europeus métodos ginásticos, embasados no
racionalismo científico.
A criação de tais métodos teve como fontes inspiradoras, alguns pensadores
ou teóricos, do Renascimento e Iluminismo, como John Locke (1632 —1704), e
Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778).
De acordo com Ana Maria Pereira (2006), o filosofo John Locke em sua obra,
Alguns Pensamentos Sobre Educação, comentou sobre a importância de se realizar
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atividades físicas, porém, não de forma descomprometida com uma educação. O
que intitulou de Educação do Físico. “De fato, foi ele o primeiro a indicar, na História
da Filosofia, a expressão: Educação do Físico. Isso pode ser confirmado nos
primeiros trinta artigos, de sua obra Alguns Pensamentos Sobre Educação.”(
PEREIRA, 2006, p. 43).
A Educação do Físico de John Locke segundo Pereira (2006), deveria
contribuir para uma vida mais saudável, deixando o individuo mais disposto e
resistente para suas atividades na sociedade.
“As instruções referentes à educação do físico, ao longo de suas orientações, fundam-se em treino e disciplina para aquisições de hábitos saudáveis e resistência, incluindo recomendações sobre: o uso das vestimentas largas, ausências de vícios, vida ao ar livre, banhos frios, dietas, camas duras, entre outras.” (PEREIRA, 2006, p. 43).
Outro grande filosofo que fez referência a importância do exercício físico para
os indivíduos, e que também influenciou significativamente para a elaboração e
organização dos métodos ginásticos, foi Jean Jacques Rousseau, que em 1762
publicou a obra Emílio ou da Educação, que segundo Pereira (2006), ganhou
destaque por seu conteúdo pedagógico, pois, explicitou orientações de como
proceder na educação de uma criança.
Segundo Cynthia Greive Veiga (2007), Rousseau apresentava uma:
[...] concepção de que a infância se distingue da vida adulta. Rousseau inova ao entender a criança como portadora de bondade natural e ao dimensionar cada etapa de vida em suas especificidades, o que demanda ações educativas diferenciadas. A criança deve ser respeitada como criança, e não como um futuro adulto.”( VEIGA, 2007, p. 44).
Segundo Pereira (2006), com relação ao corpo, Jean Jacques Rousseau
pautou-se no pensamento racionalista para apontar a necessidade de se
desenvolver corpos robustos, os quais auxiliariam diretamente na aquisição de uma
boa educação. “Realmente, ele seguiu fielmente o aforisma, limitante, de Juvenal
(Mens sana in corpore sano) e deixou claro que o corpo cumpre função instrumental
e de utilidade para servir a tão soberana razão.”( PEREIRA, 2006, p. 46).
Em sua obra “Emílio ou da Educação” Rousseau comentou:
“Para aprender a pensar, é preciso portanto exercitarmos nossos membros, os nossos sentidos, os nossos órgãos, que são instrumentos da nossa inteligência; e para tirar todo o proveito possível desses instrumentos, é
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preciso que o corpo que os fornece seja robusto e são. Assim, longe de a verdadeira razão do homem se formar independentemente do corpo, a boa constituição do corpo é que torna as operações do espírito fáceis e seguras.” (ROUSSEAU,1995, p. 121).
Sob influencia desses e outros pensadores do Iluminismo, surgiram no século
XVIII, sistematizações de exercícios físicos de forma didático-pedagógica, que
culminou na elaboração das Escolas ou Métodos Ginásticos Europeus.
Assim ocorreu com o educador alemão Johann Bernard Basedow (1723 -
1790), que influenciado por Locke e Rousseau, utilizou de acordo com Pereira
(2006), os exercícios físicos na elaboração de um plano educativo para uma escola
chamada Philantropinum que ele fundou no ano de 1771, em Dessau, na Alemanha.
“Temos então, pela primeira vez na História, a Ginástica organizada como prática-
corporal-educativa, ao lado das disciplinas intelectuais, inserida num plano de
formação educativa harmónica e integral do ser humano.” (PEREIRA, 2006, p. 46)
Ainda na Alemanha em 1784 foi fundado o segundo Philantropinum por
Christian Gotthilf Saltzmann, que de acordo com Pereira (2006), organizou a prática
dos exercícios físicos de uma forma melhor sistematizada. E foi nessa mesma
escola, dando continuidade a organização pedagógica dos exercícios físicos
escolares, que o educador alemão Johann Christoph Friedrich Guts Muths (1759 -
1839), deu início a elaboração do Método Ginástico Alemão.
Johann Christoph Friedrich Guts Muths publicou em 1793 um manual chamado
Ginástica para a Juventude, o qual de acordo com Pereira (2006), foi a primeira obra
especializada em métodos ginásticos. Nela, Guts Muths, considerou a ginástica um
elemento importante para a formação de alunos saudáveis, belos, fortes, ágeis e de
bom caráter.
Comentou Soares:
“As preocupações que norteiam os idealizadores da ginástica na Alemanha tem raízes nas teorias pedagógicas de Rousseau, Basedow e Pestallozzi, teorias que justificam a idéia de formar o homem completo (universal) e nas quais o exercício físico ocupa lugar destacado.”( SOARES, 2010, p. 44).
Na sistematização do método ginástico alemão Johann Christoph Friedrich
Guts Muths baseou-se no uso da razão, expressada pela ciência, sendo assim
considerou como elemento primordial em seus estudos para a elaboração de seu
método, as questões de cunho anatômicas e fisiológicas do corpo humano, pois,
para ter espaço na sociedade, o método ginástico deveria contemplar e estar
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respaldado pelo discurso cientifico. De acordo com Pereira (2006), Guts Muths
organizou uma classificação dos exercícios físicos buscando compreender os seus
efeitos sobre o organismo.
“A Ginástica Moderna começava a traçar os seus primeiros preceitos e para alcançar edificação, ser aceita diante de uma sociedade e colocada em igualdade com outras práticas sociais, teria mesmo que basear a sua constituição subjacente a cultura e a ciência, fazendo valer-se dos princípios do racionalismo e da experiência, pois se assim não fizesse, não teria conseguido seu espaço de afirmação.”( PEREIRA, 2006, p. 47)
O Método Ginástico alemão de acordo com Soares (2012) ganhou visibilidade
na sociedade, devido principalmente a interesses políticos perante a uma futura e
vista como necessária unificação do país, uma vez que em fins do século XVIII e
início do XIX a Alemanha ainda se encontrava sem uma unidade territorial. Portanto,
necessitava implantar nos indivíduos uma consciência nacionalista, por isso as
atenções também se voltaram à educação escolar. Perante este contexto a
Ginástica escolar acabou ganhando destaque, pois, acreditava-se que ela auxiliaria
na formação de indivíduos fortes, saudáveis e disciplinados, o que era tido como
indispensável na criação de um forte espírito nacionalista.
“Acreditavam os idealizadores da ginástica alemã que este “espírito nacionalista” e este corpo saudável poderiam ser desenvolvidos pela ginástica, construída a partir de “bases cientificas”, ou seja, das ciências que dominavam a sociedade da época: biologia, a fisiologia, a anatomia.”( SOARES, 2012, p. 43)
A Ginástica representou na Alemanha segundo Pereira (2006) um [...] meio
bastante eficaz ao cumprir funções e colaborar na instrumentalização do corpo, a
serviço da razão, ativando os sentidos para disciplinar e educar o indivíduo útil à
sociedade, ou ainda, a serviço dos ideais patrióticos, sob uma determinada ordem
estatal.” ( PEREIRA, 2006, p. 48).
A partir da sistematização pedagógica da ginástica com o Método Ginástico
alemão, houve por varias regiões da Europa o surgimento de vários outros Métodos
Ginásticos. “Os novos ideais de Ginástica que haviam surgido na Alemanha se
estenderam por todo o continente europeu.” (PEREIRA, 2006, p. 48)
Entretanto, mesmo apresentando algumas peculiaridades prevaleceu em
comum entre os diferentes métodos ginásticos europeus, a disciplinarização dos
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corpos, visando melhor saúde, força, vigor, resistência, e disciplina, elementos que
sempre estiveram vinculados a questões políticas e econômicas de cada país. “De
fato, o saber-teórico e o fazer-prático de cada movimento gímnico e/ou desportivo
foram sendo influenciados por aspectos sociais, políticos e ideológicos vigentes.”
(PEREIRA, 2006, p. 46).
Outro Método Ginástico Europeu ocorreu na Suécia no início do século XIX,
realizado por Per Henrik Ling (1776/1839), com ideias similares ao alemão no que
diz respeito à busca de corpos mais saudáveis, fortes, e disciplinados perante a uma
boa moral.
De acordo com Soares:
“Pehr Henrick Ling (1776-1839), poeta e escritor, propõe um método de ginástica impregnado de nacionalismo e destinado a regenerar o povo, formar, enfim, homens de bom aspecto que pudessem preservar a paz na Suécia.”( SOARES, 2006, p. 47).
O método sueco de ginástica desenvolvido por Ling estava atento também em
proporcionar a resolução de problemas sócias, como o alcoolismo. De acordo com
Soares (2012), Per Henrik Ling ao sistematizar o método ginástico da Suécia,
procurou realizar entre outros aspectos a eliminação de vícios maléficos a saúde do
povo, assim como formar operários e soldados fortes e resistentes para a execução
de suas atividades.
“A sistematização da ginástica na Suécia ocorre no início do século XIX. Voltado para extirpar os vícios da sociedade, entre os quais o alcoolismo, o método sueco de ginástica colocava-se como instrumento capaz de criar indivíduos fortes, saudáveis, livres de vícios, e preocupados com a saúde física e moral. Esses eram os indivíduos necessários, já que úteis à produção e à pátria. Bons operários, uma vez que por essa época a Suécia dá início ao seu processo de industrialização, e bons soldados, uma vez que a ameaça de guerras estava sempre presente.”( SOARES, 2012, p. 47).
Pehr Henrick Ling procurou estabelecer uma relação entre teoria e prática na
formulação de seus exercícios ginásticos, uma vez que sua teoria estava pautada
em um pensamento científico racional, que exigia uma organização metódica,
catalogada e fragmentada ou dividida em partes, para tanto, Ling realizou um estudo
minucioso de anatomia e fisiologia aplicadas à execução de exercícios. Enquanto na
prática, procurou fragmentar em partes os exercícios ginásticos, visando segundo
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Pereira (2006), a construção de exercícios que contemplassem a mesma linha
teórica de raciocínio, tendo assim divisão e classificação de forma bem didática.
De acordo com Pereira (2006) os exercícios ginásticos de Ling deveriam
contemplar:
[...] à combinação entre a teoria (anatomia) e a prática (exercícios), pois estes exercícios não poderiam ser ministrados de forma aleatória. Tudo deveria ser controlado e formatado seguindo-se um determinado padrão, partindo do pressuposto racionalista.”( PEREIRA, 2006, p. 50)
A partir desse raciocínio Pehr Henrick Ling passou a criar exercícios analíticos,
que de acordo com Pereira (2006), caracterizam-se por serem exercícios que atuam
perante grupos musculares específicos, sendo planejados e organizados
diretamente para o corpo humano, esses exercícios também podem ser
denominados, localizados. “Exemplos: Exercícios destinados a força abdominal;
Alongamento para braços e tronco, entre outros.” ( PEREIRA, 2006, p. 50)
Dessa forma os exercícios propostos por Ling constituíam diferentes partes,
existindo a posição inicial, o desenvolvimento que era a execução do movimento
propriamente dito, o qual definia a trajetória do movimento articular, e por fim a
posição final.
Ao longo do século XVIII os exercícios ginásticos ganharam cada vez maiores
prestigio de cunho científico na Europa, pois foram usados como principal
ferramenta perante a educação do corpo, assim possibilitaram […] uma nova
mentalidade científica, prática e pragmática, baseada na ciência e na técnica como
formas específicas de saber.” (Soares, Apud PEREIRA, 2006, p. 50).
Após os Métodos ginásticos da Alemanha e da Suécia terem ocorridos na
Europa durante o século XVIII, surgiram outros no decorrer do século XIX, como os
da França, Dinamarca e Inglaterra.
Ambos visando à educação do corpo, no caso do método Frances, este foi
baseado no Alemão, pois, seu fundador Francisco de Amoros y Ondeaño (1770 –
1848), foi um estudioso e seguidor dos ideais ginásticos do alemão Guts Muths.
“A ginástica na França desenvolveu-se na primeira metade do século XIX, baseada nos ideais dos alemães Jahn e Guts Muths, contendo, desse modo, além das preocupações básicas com o corpo anatomo fisiológico, um forte traço moral e patriótico.” (SOARES, 2012, p. 50).
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Francisco de Amoros y Ondeaño ao desenvolver seu método “[...] usou dos
exercícios ginásticos como instrumento para educação da moral, do caráter e
desenvolvimento da boa virtude, objetivando indivíduos bons, dóceis e disciplinados”
[...]” ( PEREIRA, 2006, p. 53). Ele buscou integrar os exercícios do método ginástico
francês, a uma concepção de formação do corpo ideal, forte, saudável e patriótico,
ou disciplinado perante o estado, o que fica evidenciado nas palavras de Soares:
[...] prolongamento da vida e, consequentemente, o melhoramento da espécie humana. Tudo isso seria conseguido sem alterar a ordem política, econômica e social. Através da ginástica, que por si só promoveria a saúde, se criariam homens fortes, seria possível aumentar a riqueza e a força, tanto do individuo quanto do Estado.”( SOARES, 2012, p. 50)
A ginástica trabalhada por Francisco de Amoros y Ondeaño conteve um caráter
de disciplinarização fortemente militar, pois de acordo com Pereira (2006), Amoros
havia sido Coronel do exército espanhol, e recebeu asilo na França em 1814, [...] por
ter apoiado Napoleão na invasão espanhola.” (PEREIRA, 2006, p. 52).
Os exercícios ginásticos propostos por Amaros, constituíram um estilo
militarizado, com grande ênfase na técnica dos movimentos, os exercícios mais
desenvolvidos eram os acrobáticos, visando o ganho de força, destreza, agilidade,
tudo regrado a muita disciplina. As práticas se davam por meio de exercícios
sintéticos, também conhecidos como globais, ou seja, atingiam o corpo por inteiro,
suas ações eram generalizadas sobre o organismo. “Exemplo: As formas básicas de
locomoção, tais como: andar, correr, saltar, saltitar, entre outras.” (PEREIRA, 2006,
p. 53).
É notório que existiram diversos interesses em se disciplinarizar os corpos por
meio da ginástica, que foi legitimada como conteúdo escolar por meio das
perspectivas cientificas presentes nas elaborações de ambos os métodos ginásticos.
O que fica evidenciado nas palavras de Pereira (2006), “[...] a ginástica foi
legitimada pelos saberes filosóficos, técnicos e científicos vigentes e, ainda, sob o
argumento de um corpo que deveria ser formatado e moldado para a utilidade.” (
PEREIRA, 2006, p. 55).
Fatores que condizem com o pensamento de Michel Foucault referente ao uso
da disciplina para fins de dominação e manipulação, o que torna evidente a
similaridade dos diversos métodos utilizados em aulas de ginásticas, com o que
Foucault chamou em sua obra Vigiar e Punir, de disciplinarização dos corpos.
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Os métodos ginásticos em geral foram embasados no racionalismo científico
tanto na sua teoria quanto na prática, visando o desenvolvimento de corpos úteis
para os devidos fins, sejam de cunhos sociais, políticos e também econômicos.
Elementos que influenciaram na inserção da ginástica escolar no Brasil ao decorrer
do século XIX.
1.2 - A busca por uma civilização perfeita e a esc olarização da ginástica
É importante destacar que o surgimento de métodos ginásticos na Europa em
fins do século XVIII e início do XIX, como vistos no capítulo anterior, vieram a
influenciar diretamente na escolarização da ginástica no Brasil, assim como, na
realização dos exercícios e na metodologia que foi aplicada nas aulas. Pois, o
ensino da ginástica no Brasil teve nos métodos ginástico europeus seu alicerce
científico, o que tornou possível e aceitável a sua escolarização em território
nacional.
A ginástica ou gymnastica como era denominada na época, foi inserida nas
escolas brasileiras em meados e fins do século XIX, perante argumentações de
intelectuais e políticos de que seria uma ferramenta de grande utilidade pública,
pois, por meio das suas práticas, desenvolver-se-iam corpos mais saudáveis e
fortes, o que auxiliaria no bom desenvolvimento da nação.
Entre alguns desses intelectuais defensores da escolarização da ginástica,
destacou-se a figura do jurista e político brasileiro Rui Barbosa (1849 -1923), que
atribuiu a gymnastica o poder de ser [...] tão moralizadora quanto higiênica, tão
intelectual quanto física, tão impreencidivel a educação do sentimento e do espírito
quanto a estabilidade da saúde e o vigor dos órgãos.” (BARBOSA, 1883, p. 80).
Houve diversos outros discursos durante o processo de inserção da ginástica
nas escolas brasileiras, que também pautavam-se em argumentos que
correlacionavam a sua prática ao desenvolvimento de corpos mais fortes e
saudáveis, o que era visto de acordo com Vago (2010) como imprescindível para o
progresso da nação.
O processo de escolarização da ginástica no Brasil apresentou consideráveis
diferenças cronológicas entre os estados. Essas diferenças ocorreram devido ao
caráter autônomo que os estados possuíam na formação dos currículos escolares
dos ensinos primários e secundários. Conforme ficou estabelecido no Ato Adicional
21
da constituição do Brasil de 1834, aprovado pela Lei nº. 16, de 12 de agosto do
mesmo ano.
Ao governo central ficou destinado apenas a organização do currículo de
ensino superior, além da organização escolar de todos os níveis de ensino da cidade
do Rio de Janeiro, que por meio do mesmo Ato foi transformada em Município
Neutro, e ficou desmembrada da Província do Rio de Janeiro, a qual passou a ter a
sede do governo em Niterói.
Citou, Jurandir Freire Costa:
[ ... ] as tendências políticas favoráveis ao regionalismo conseguiram uma vitória expressiva através do Ato Adicional, aprovado em agosto de 1834. Por este Ato, transferiam-se às Assembléias Provinciais o encargo de regular a instrução primária e a secundária, ficando dependentes da administração nacional o ensino superior em todo o país e a organização escolar do município neutro.” (COSTA, 1983, p. 180).
Segundo, Carlos Junior (2008) o Colégio Dom Pedro II pode ser considerado
como um dos primeiros lugares onde os exercícios ginásticos foram realizados em
uma instituição de ensino brasileira. Localizado na cidade do Rio de Janeiro, o
colégio passou a exercer a prática da ginástica escolar em 1841, tendo como seu
primeiro professor um militar, ex-Capitão do Exército Imperial, Sr. Guilherme Luiz de
Taube .
A entrada de Taube na instituição teve início por meio de uma carta enviada
para o Ministro do Império Sr. Candido Viana, escrita pelo reitor e médico Joaquim
Caetano Silva, na qual ele recomendou Taube para exercer a função de professor
de ginástica:
“N’este estado vém ele offerecer-se a V.M.I. p.a para introduzir e ensinar no Collegio, que tomou o glorioso nome de V.M., exercícios gymnasticos aos estudantes. Estes exercicios são reccommendados pela Revista Medica como meios de utilidade para a mocidade: estes exercicios são adoptados em todos os Collegios e Lyceos da Europa, como meios de desenvolver as forças do corpo, e tambem as d’alma.”( Silva, Apud JUNIOR, 2008, p.63)
É interessante perceber no trecho exposto da carta que Joaquim Caetano Silva
enfatiza a importância de se trabalhar com a ginástica nas escolas brasileiras,
usando como argumento o discurso médico, quando cita a Revista Medica, e
principalmente ao comentar sobre a sua prática nos colégios da Europa, tidos como
símbolos de modelo de uma boa educação.
22
Segundo Junior (2008) o interesse do reitor Joaquim em introduzir no colégio
aulas de ginástica, foi diretamente influenciada por argumentos científicos,
principalmente pelo discurso dos médicos que realçavam sua importância.
“O Reitor Joaquim Caetano aprovou a introdução dos exercícios gymnasticos no CPII, influenciado pelos exemplos dos colégios europeus e pelos argumentos que circulavam nas discussões médicas em favor da utilidade desta prática no meio escolar.”( JUNIOR, 2008, p. 64).
Outro fator que foi decisivo para que o reitor Joaquim Caetano aprovasse
Guilherme de Taube para exercer o cargo de mestre de ginástica, foi o fato de
Taube ter pertencido ao exército imperial, pois, de acordo com Junior (2008) a
prática da ginástica antes de ser realizada nas escolas, foi uma tarefa quase que
exclusiva das instituições militares.
“Guilherme de Taube era ex-oficial do Exército Imperial. Sua experiência com os exercícios ginásticos no meio militar foi considerada como critério para empregá-lo no CPII como mestre de gymnastica.”( JUNIOR, 2008, p. 64)
Após a saída de Guilherme de Taube do Colégio Dom Pedro II em 1843,
assumiu o posto de professor de ginástica em 1846, o Sr. Frederico Hoppe, que
também detinha experiências militares, de acordo com Junior (2008).
“O candidato era Frederico Hoppe. Assim como Guilherme de Taube, Hoppe possuía formação militar, no caso deste, desenvolvida no interior do Exército Espanhol. Hoppe era um dos vários estrangeiros que migraram para o Brasil durante o século XIX. Sem meios de sustentar-se, estes indivíduos colocavam-se à disposição para executar tarefas diversas.”( JUNIOR, 2008, p. ).
Apesar da ginástica ter sido desenvolvida no Colégio Dom Pedro II na década
de 40 do século XIX, foi somente em 1854 que a sua escolarização ganhou maior
visibilidade no cenário escolar nacional, por meio do Decreto nº 1.331-A, de 17 de
Fevereiro de 1854, também conhecido como Reforma Couto Ferraz, que em seu
artigo 47 colocava a Ginástica como parte integrante do ensino primário nas escolas
públicas do Brasil. Conforme pode ser observado no artigo 47 do decreto:
“Regulamento para a reforma do ensino primario e secundario do Municipio da Côrte. Das escolas publicas; suas condições e regimen. Artigo 47. O ensino primario nas escolas publicas comprehende: A instrucção moral e
23
religiosa, A leitura e escripta, As noções essenciaes da grammatica, Os principios elementares da arithmetica, O systema de pesos e medidas do município. Póde compreender tambem O desenvolvimento da arithmetica em suas applicações praticas, A leitura explicada dos Evangelhos e noticia da historia sagrada, Os elementos de historia e geographia, principalmente do Brasil, Os principios das sciencias physicas e da historia natural applicaveis aos usos da vida, A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de musica exercicios de canto, gymnastica, e hum systema mais desenvolvido de pesos e, não só do municipio da Côrte, como das provincias do Imperio, e das Nações com que o Brasil tem mais relações commerciaes.” (BRASIL, Lei 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854).
Apesar da Reforma Couto Ferraz ter sido decretada em 1854 foi somente em
fins do século XIX que muitos estados brasileiros inseriram a ginástica em seus
currículos.
Fica evidenciado que a implementação da ginástica, embora tenha ocorrido de
forma aleatória nas escolas brasileiras, esteve sempre vinculada a ideais higienistas
no sentido de obter pessoas fortes e saudáveis. O que era tido como indispensável à
implementação do processo de desenvolvimento do país que buscava a construção
de uma civilização que fosse "perfeita".
Assim as aulas de ginástica tinham por finalidade principal garantir a
“construção” de corpos sadios e fortes a partir de uma concepção, que colocava o
corpo do homem branco europeu como protótipo a servir de modelo para o corpo do
brasileiro.
O Brasil buscava assim formar uma civilização “ideal”, inspirada na
“superioridade” racial e social da burguesia branca, acreditava-se que a Educação
Física escolar ou gymnastica como era denominada, contribuiria significativamente
para transformar os antigos corpos desleixados, frágeis e doentios dos indivíduos
coloniais, em corpos higienizados, puros, sadios e robustos, ideais para os novos
tempos.
De acordo com Castellani:
[...] a higiene conseguiu impor à família uma Educação Física, Moral, Intelectual e Sexual inspiradas nos preceitos sanitários da época. Essa educação, dirigida sobre tudo às crianças, deveria revolucionar os costumes familiares. Por seu intermédio, os indivíduos aprenderiam a cultivar o gosto pela saúde, exterminando assim, a desordem higiênica dos velhos hábitos colônias. (CASTELLANI, 1988, p. 32)
Nesse contexto, de meados do século XIX, a ginástica acabou integrando um
projeto que consistia, em atribuir à educação brasileira o papel de transformar a
24
sociedade, ensinando novos valores e hábitos, no intuito de construir uma sociedade
nova, saudável, próspera e disciplinada. O que para Gondra (2000), fazia parte dos
interesses de um projeto de constituição do Brasil como Estado Nacional
Independente.
Segundo Jurandir Costa Freire (1983) os colégios brasileiros careciam de um
caráter nacionalista de ensino, pois, apenas reproduziam os padrões da educação
familiar, o que representava para os higianistas a desordem de uma organização
doméstica que estava sendo representada no ensino escolar.
O que não convergia com interesses políticos dos nacionalistas de se
reproduzir na educação escolar um espírito e um sentimento de unidade nacional,
porém o cenário político brasileiro de meados do século XIX era muito conturbado,
carregado de ânimos acirrados com grupos políticos regionalistas contrários aos
interesses de desenvolver nas escolas um sentimento de nacionalismo, o que
acabou segundo Costa (1983) causando uma falta de compromisso com a nação,
abrindo assim uma “Lacuna cívica que permitiu e apoiou a invasão higiênica no
terreno da educação” ( COSTA, 1983, p.181).
“A higiene propôs-se a suprir as deficiências políticas dos diretores, ditando as regras de formação do corpo sadio do adulto e da consciência nacionalista. O enquadramento disciplinar da criança teve seu horizonte nesta sociedade ordenada conforme as aspirações dos médicos.” (COSTA, 1983, p.181).
Segundo o jurista e político brasileiro Rui Barbosa, a prosperidade e progresso
da nação dependia em parte da inserção da ginástica nas escolas, ele alegava que
seria por intermédio dela que as crianças passariam a cuidar mais de seus corpos e
seguiram mais facilmente as regras.
Utilizar a escola para expor as crianças um padrão de comportamento a fim de
se obter corpos mais fortes e saudáveis, convergem ao pensamento de Foucault
(1987), de que por intermédio dessa instituição poderia haver o estabelecimento da
naturalização de um comportamento ideal com a incorporação dos processos
disciplinares, que proporcionariam um maior controle da população. O que era tido
como imprescindível aos interesses de formar uma nova e “melhor” civilização
brasileira.
Segundo, Jurandir Costa Freire:
25
“[...] criava-se nelas o hábito de aprender a olhar, admirar e domesticar o corpo próprio desde cedo. O ginasta infantil não precisava de professor do corpo, quando adulto. Ele mesmo cuidaria com desvelo de todas suas faltas e excessos.” (COSTA, 1983, p.186).
De acordo com Michel Foucault, as consequências resultantes do
estabelecimento dos processos disciplinares no cotidiano das pessoas, dependia do
que ele chamava de “locais fechados”, ou locais propícios para a execução de tais
técnicas disciplinares.
Segundo, Foucault:
“A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação de um local heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo. Local protegido da monotonia disciplinar. Houve o grande “encarceramento” dos vagabundos e dos miseráveis; houve outros mais discretos, mas insidiosos e eficientes.” (FOUCAULT, 1987, p.168).
Um dos locais mais discretos e eficientes segundo Michel Foucault era a
escola, instituição capaz de proporcionar uma formação ideológica adequada aos
interesses principalmente políticos e econômicos.
O que interessava diretamente aos anseios políticos brasileiros de formar uma
sociedade civilizada, desenvolvida e moderna aos moldes europeus, tanto na
economia quanto no estilo de vida.
Lino Castellani Filho (1994) atribuiu à escolarização da Educação Física como
uma importante ferramenta utilizada para fins políticos com caráter de alienação
popular, sendo justificada como elemento fundamental para o progresso nacional,
configurando-se em um valioso instrumento ideológico e alienador com relação às
verdadeiras necessidades de transformações para a população brasileira.
Para Castellani houve um projeto ou uma estratégia política de formar uma
sociedade que se identifica-se com a elite branca dominante, tal estratégia se deu
através do controle familiar imposto por intermédio dos ideias higienistas que tinham
por base garantir um equilíbrio de forças na sociedade, uma vez que a partir de
1822 quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, grande parte do
contingente populacional ficou composto por negros escravos, o que por volta de
meados do século XIX representava praticamente a metade da população.
O que para Soares (2012) também poderia ser visto como um projeto de
eugenização da população brasileira. “No Brasil, por volta da segunda década do
26
século XIX, já em momento posterior a conquista da independência, é
desencadeado um vigoroso projeto de eugenização da população brasileira.”
(SOARES, 2012, p. 60)
De acordo com Soares:
“Este projeto se coloca como possibilidade de alteração de um quadro no qual a metade da população do Brasil era constituída de escravos negros, índice que permanece até por volta de 1850, quando para uma população de 5.520.000 pessoas livres, se encontram 2.500.000 negros.” (SOARES, 2012, p. 60).
Números que preocupavam e exigiam da elite ações políticas que
transmitissem por meio da educação escolar valores morais que exaltassem a
superioridade branca. O que para Soares (2012) aconteceu por intermédio de uma
“política familiar” intitulada nos preceitos higienistas, que atribuiu à escola o dever de
se valer desses ideais, o que fica explicitamente evidenciada em seu apontamento:
“Foi, portanto, para viabilizar de modo mais eficaz sua “política familiar” e, através dela, desenvolver “ações pedagógicas” na sociedade que os higienistas se valeram também da chamada ginástica. Com ela julgavam poder responder à necessidade de uma construção anatômica que pudesse representar a classe dominante e a raça branca, atribuindo-lhes superioridade.” (SOARES, 2012, p. 59)
É importante salientar que embora o Brasil tivesse adotado a ginástica escolar
por meio de influência dos métodos ginástica europeus, os contextos sociais eram
muito diferentes, pois, em quanto às principais potências europeias dedicavam-se a
garantir a supremacia do capital, realizando grandes investimentos no processo de
industrialização e urbanização das cidades, o Brasil ainda encontrava-se em uma
realidade social e econômica quase que totalmente agrária, com predominância dos
grandes latifúndios.
Porém, mesmo que tardiamente e de forma mais gradual e lenta que na
Europa, houve em território brasileiro ainda durante o Império uma preocupação com
a urbanização, uma vez que segundo Soares (2012) por volta de 1870 somente 10%
da população total vivia nas cidades.
Um dos problemas encontrados no Brasil para se adaptar as novas
concepções de sociedade provindas do modo capitalista de produção, era a pouca e
desqualificada mão de obra, muito por conta da recente diminuição do trabalho
27
escravo e a ainda tímida ascensão do trabalho livre. De acordo com Soares (2012),
[...] o Brasil necessitava entrar na era do trabalho livre, pago, e quebrar, de uma vez
por todas, as amarras do servilismo próprio das relações escravistas.”(SOARES,
2012, p. 71).
A população brasileira neste período poderia ser compreendida de acordo com
Soares como uma:
“Sociedade constituída por uma população de maioria escrava ou saída do escravismo, uma população desqualificada profissionalmente pelos séculos de expropriação do conhecimento a que foi sujeita, uma população analfabeta e servil, em sua maioria.” (SOARES, 2012, p. 71).
A imigração de europeus ainda no período imperial brasileiro, assim como a
educação escolar em geral foram tidos como elementos determinantes para a
adequação da população em relação a uma nova sociedade, mais desenvolvida,
urbana e moderna. “Assim, a imigração foi buscada para acelerar o processo
civilizatório imposto pelo capital e a educação do povo foi buscada para consolidá-
lo.” (SOARES, 2012, p. 73).
Citou, Soares:
“A imigração atendia a duas preocupações básicas dessa nova classe no poder: dava conta do trabalho propriamente dito de modo mais “competente” e até certo ponto criativo, e contribuía para aumentar, no Brasil, a população branca, ainda pequena no final do Império.” (SOARES, 2012, p. 73).
Nesse contexto, a ginástica como parte integrante da educação escolar era tida
como imprescindível para a padronização de mentes e corpos que estivessem aptos
a nova ordem. “A educação, neste sentido, era o meio mais eficaz de promover essa
“adequação” e homogeneização das mentes e dos corpos.” (SOARES, 2012, p. 71).
Portanto, a escolarização da ginástica no Brasil seguiu as mesmas
argumentações cientificas surgidas na Europa, de que esta serviria como uma
importante ferramenta para melhorar o desenvolvimento físico dos corpos, além de
garantir-lhes também melhores condições de saúde.
Na Europa muito por conta da necessidade de corpos que dispusessem de
grande vigor para o trabalho operário industrial característico das grandes cidades
da época. Enquanto que no Brasil essa escolarização se deu principalmente pela
28
tentativa de se formar uma sociedade desenvolvida e totalmente desvinculada do
escravismo e do conservadorismo colonial, que atendesse a nova ordem vigente,
que fosse em sua essência “perfeita” aos moldes europeus e que incorporasse e
expressasse diariamente os valores culturais da elite burguesa.
Nessa tentativa de formar uma sociedade desenvolvida que se expressasse
por meio de valores burgueses, incorporou-se ao conteúdo da ginástica escolar
brasileira, atividades como a natação, a esgrima, e a dança, perante argumentação
de que estas boas práticas resultariam em enormes benefícios físicos para as
crianças.
De acordo com Jurandir Freire:
“Fazer crer que a natação, a esgrima, a equitação, o canto, a dança e o piano eram benefícios ao desenvolvimento físico, foi a maneira de tornar conformes à natureza os sinais de classe da burguesia. A educação higiênica, mediante essa manobra, procurava fazer com que as crianças aprendessem a retirar do comportamento social burguês benefícios e prazeres físicos.”( COSTA, 1983,p.186).
É perceptível que ao mesmo tempo em que essas atividades auxiliaram no
desenvolvimento físico dos alunos, também possibilitaram que estes se
familiarizassem com a cultura europeia branca e elitista, tidas como símbolos de
uma boa sociedade.
1.3 - A Influência Higienista nas aulas de Ginástic a, e o seu caráter
disciplinador
Ao longo do século XIX boa parte da população, principalmente urbana,
encontrava-se fragilizada, devido aos vários problemas de saúde pública, oriundos
principalmente pela infraestrutura precária das cidades.
De acordo com Soares (2012), a culpa de tantas epidemias e moléstias não
poderia recair nas condições sociais provindas do capitalismo e nem nas suas
estruturas de trabalho e produção do capital.
Dessa forma, segundo Soares (2012) a burguesia buscou outros culpados que
não eles mesmos, o que ocorreu por meio de argumentações científicas de médicos
e intelectuais, que atribuíam o adoecimento da população não a um problema social,
29
mas sim, individual, provindo da falta de conhecimento de boas práticas de limpeza
e higiene.
Citou, Rui Barbosa:
“Ao nosso ver a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta, e somente esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a existência constitucional e livre da nação, eis o formidável inimigo intestino, que se asila nas entranhas do pais.”( Rui Barbosa, 1883, p. 121-122).
Assim, ficou entendido que a ignorância da população era a principal
responsável por todos os problemas sócias incluindo a saúde, e que seria por meio
da educação higiênica e dos bons hábitos morais a única forma de reverter esse
desastroso quadro social.
Esse discurso foi incorporado à ginástica escolar, a qual agiu como elemento
representador da higienização e da formação do bom caráter moral dos indivíduos.
O que fica bem evidenciado nas palavras de Soares:
“O discurso das classes do poder será aquele que afirmará a necessidade de garantir às classes mais pobres não somente a saúde, mas também uma educação higiênica e, por meio dela, a formação de hábitos morais. É esse discurso que incorpora a Educação Física e a percebe como educação higiênica e de moralizar os hábitos”. (SOARES, 2012, p. 8).
Portanto, higienismo foi um movimento baseado na cientificidade biológica, no
qual intelectuais e médicos afirmavam ser possível melhorar as condições de saúde
e a qualidade de vida da população por meio de uma padronização de
comportamento, realizada por intermédio da educação escolar.
Havia um pensamento entre os médicos europeus no século XVIII de que a
prática escolar da ginástica, seguindo os valores médicos principalmente de limpeza,
resultaria em enormes benefícios a saúde dos alunos, o que por consequência
impactaria diretamente em uma melhor e eficaz organização familiar, uma vez que
os jovens transmitiriam esses costumes sadios de se manter um corpo limpo, forte, e
extremamente saudável.
O Brasil incorporou por meados do século XIX tal pensamento em seu plano
político, tendo como objetivo obter também uma civilização saudável e ordeira.
De acordo com Soares (2012) no Brasil, em um primeiro momento, o discurso
dos médicos higienistas referente à importância dos bons hábitos de cuidados com o
30
corpo remonta a épocas colônias, onde o público alvo era a família da elite agrária.
Já em um segundo momento, esse alvo passou a ser a família burguesa citadina.
Porém, este discurso normativo e disciplinador da higiene estendeu-se a toda
população apenas no final do Império quando o trabalhador assalariado passou a se
tornar predominante. Foi neste momento que se enfatizou a importância do ensino
da ginástica nas escolas públicas do Brasil.
Legitimada pelo discurso científico, ela representou os ideais higienistas, e foi
usada em nome da defesa da saúde pública, do desenvolvimento e do bem estar
geral da nação.
Segundo, Mauro Tarcísio Vago:
[...] a gymnastica foi também acolhida sem restrições, como prática necessária à melhoria da saúde das crianças, capaz da proeza de desempenar e endireitar corpos infantis, na esperança de torná-los belos, fortes, robustos, saudáveis e capazes de esforços exigidos no trabalho de construção da nação. ( VAGO, 2010, p.365).
Mediante soluções científicas, o movimento higienista representado nas aulas
de ginástica tinha como objetivo central proteger a população das mazelas que o
corpo poderia apresentar se não fosse devidamente exercitado e higienizado. “[...] a
perspectiva da Educação Física Higienista vislumbra a possibilidade e a
necessidade de resolver o problema da saúde pública pela educação”. (JUNIOR,
1991, p.17).
Varias argumentações científicas eram trazidas como base de sustentação
teórica, o que legitimava e realçava a importância de se praticar exercícios físicos
por meio das aulas de ginástica escolar. Uma dessas argumentações se dava em
torno dos preceitos fisiológicos básicos com relação às diferentes capacidades
biológicas das crianças, o que estava diretamente ligado a faixa etária e as
diferentes características entre os sexos. Dessa forma, sob orientações higienistas,
os exercícios físicos desenvolvidos na ginástica escolar deveriam ter intensidades
diferenciadas, considerando sempre as diversas faixas etárias dos alunos. De
acordo com a ciência do corpo humano, “toda e qualquer prescrição de exercícios
físicos se daria sempre em função das características sexuais e da faixa etária das
crianças.” (SOARES, 2012,p.66)
31
Citou, Jurandir:
“Observando-se a noção de discriminação por idade nos exercícios físicos pode-se acreditar que sua lógica atendia exclusivamente ao reconhecimento das diferentes capacidades biológicas das crianças.”( COSTA,1983,p. 186).
Segundo Jurandir Costa Freire (1983) outro argumento usado pelos médicos
para legitimar a importância de se exercitar os corpos das crianças por intermédio da
ginástica escolar, era o papel fundamental que ela poderia exercer no combate as
práticas sexuais indevidas e prejudiciais à saúde cometida por crianças e jovens.
“Em particular, a masturbação que aparecia como um perigo avassalador para a
saúde física, moral e intelectual dos jovens.”( COSTA, 1983, p.187).
Para Jurandir Freire Costa (1983), “A organização interna dos colégios deveria,
portanto, regular-se de forma a prevenir e combater a masturbação. O “isolamento”
e o “marasmo” deviam ser evitados por meio da ginástica e outros exercícios
coletivos.” (COSTA, 1983, p.188).
Fica evidente a influência do discurso médico higienista frente à escolarização
da ginástica, para Carlos Junior (2008), “[...] os exercícios gymnasticos passariam a
ser considerados em terras brasileiras como uma atividade relevante à educação
civil, a partir de sua identificação com o discurso científico, principalmente aquele
produzido pelos médicos. (JUNIOR, 2008, p. 60-61)
De acordo com José G. Gondra (2004), este discurso higienista forneceu um
modelo de organização escolar embasado no discurso científico, assim como
exerceu monopólio perante a formação dos estudantes, por meio da disciplina, com
o estabelecimento de regras condizentes a horários de entrada, intervalo e saída,
alimentos e vestimentas, desenvolvendo novas percepções de inteligência e moral.
Houve uma grande preocupação em atribuir aos alunos por meio da educação
escolar, novos valores morais, e normas de condutas que fossem adequadas à nova
sociedade, para isso usou-se a disciplina como veiculo capaz de introjetar no
imaginário dos indivíduos o bom comportamento. De acordo com Foucault (1999),
as disciplinas baseavam-se em regras naturais, que poderiam ser reproduzidas
pelos indivíduos sem aparente opressão externa, uma vez que já estivessem
consolidadas nas concepções de vida dos próprios sujeitos. “Portanto, as disciplinas
vão trazer um discurso que será o da regra; não o da regra jurídica derivada da
soberania, mas o da regra natural, isto é, da norma.” (FOUCAULT, 1999, p. 45).
32
De acordo com Foucault (1987), a escola era um dos locais propícios a se
implantar a disciplina na formação dos indivíduos.
Para Gondra (2004), o novo modelo educacional brasileiro usava a escola para
educar os indivíduos perante as práticas de um mundo constituído pela razão, que
deveria formar sujeitos úteis para o progresso da nação.
É perceptível o caráter disciplinador presente nas concepções do ensino da
ginástica escolar, uma vez que além dela ter o papel de manter os alunos
higienizados, deveria também possibilitar o desenvolvimento de corpos obedientes e
fortes, atribuindo-lhes expressões corporais condizentes à nova ordem de um país
independente.
A disciplina presente no ensino da ginástica, pode ser melhor compreendida
pelo conceito de disciplina de Michel Foucault de que os indivíduos poderiam ser
facilmente modelados e controlados, uma vez que a disciplina usada tivesse por
objetivo estabelecer uma relação que tornasse o corpo, simultaneamente, obediente
e útil para determinado fim.
De acordo com Foucault (1987), o corpo poderia ser controlado pela disciplina,
assim como modelado pelo treinamento, tornando-se simultaneamente fortes para
fins econômicos e dóceis para a política. Segundo Foucault, a disciplina poderia ser
usada para dominar e manipular as ações dos indivíduos, os tornando alvos frágeis
do poder imperante. O que fica evidente em sua argumentação:
“A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. (FOUCAULT, 1987, p. 117).
Tais fatores abordados por Foucault convergem aos interesses que existiram
na escolarização da ginástica no Brasil, pois os objetivos de desenvolver fisicamente
os corpos, discipliná-los frente aos bons costumes morais, assim como de manipulá-
los frente às regras, estavam diretamente interligados com os objetivos econômicos
e políticos de disciplinarizar os corpos estudantis, de modo a tornar os indivíduos
submissos ao poder político, e ao mesmo tempo mais fortes e resistentes para o
trabalho.
33
Comentou Soares:
“O corpo dos indivíduos, como mais um instrumento da produção, passava a constituir uma preocupação da classe no poder. Tornava-se necessário nele investir. Todavia, esse investimento deveria ser limitado para que o corpo nunca pudesse ir além de um corpo de um “bom animal”. Era preciso adestrá-lo, desenvolver-lhe o vigor físico desde cedo... discipliná-lo, enfim, para sua formação na produção e reprodução do capital.”( SOARES, 2012, p. 27).
Portanto, o discurso disciplinarizador higienista foi incorporado pela ginástica
escolar, agindo como elemento representador da boa saúde e da formação do bom
caráter moral dos indivíduos.
34
CAPITULO – 2: O ENSINO DA GINÁSTICA NO PARANÁ.
2.1 - A escolarização da ginástica no estado do Par aná
No caso do estado do Paraná a ginástica foi inserida no currículo escolar
apenas em 1882. É importante salientar que se no contexto nacional havia uma
grande preocupação em formar uma sociedade moderna e desenvolvida, isso não
foi diferente no estado do Paraná, os políticos paranaenses também pensavam em
um Paraná do futuro. O que colocava o ensino escolar da ginástica como essencial
para proporcionar corpos mais saudáveis e fortes aos cidadãos paranaenses.
Porém, até o ano de 1882, o ensino escolar da ginástica no estado era tido
como facultativo, o que deixava a mercê dos professores o interesse em ministrar
essa matéria, muito embora, houvesse um grande apelo dos higienistas perante a
implementação de seu ensino em caráter obrigatório.
A ginástica foi integrada ao currículo escolar paranaense, por meio de um Ato
assinado em 30 de Junho de 1882, pelo então presidente da província, Carlos de
Carvalho.
Esse Ato tornou obrigatório o ensino da ginástica para as crianças do sexo
masculino nas escolas públicas primárias do estado do Paraná. O que pode ser
observado conforme o exposto no documento:
“O presidente da província, atendendo á conveniencia de melhorar a educação physica das creanças do sexo masculino e considerando que a gymnastica, desenvolvendo a musculatura e as vitalidades geraes tende a estabelecer o equilíbrio, como ensinam os hygienistas, entre todas as funcções, entre as aptidões physicas e a capacidade intellectual, resolve: Art. 1ºOs professores das escolas publicas primarias do sexo masculino são obrigados a ensinar gymnastica aos alunos tres vezes por semana e por tempo que não exceda de uma hora. Art. 2º Enquanto a provincia não fizer distribuir os instrumentos e aparelhos necessarios, o ensino da gymnastica, será feito pelo methodo do professor Schreber, de Leipsig – devendo os professores guiar-se exclusivamente pela – Gymnastica domestica, medica e hygienica desse professor, traduzida por Julio de Magalhães. Art. 3ºA diretoria geral da instrucção publica remetterá a cada professor um exemplar da obra de Schreber e providenciará de modo que o ensino da gymnastica comece quinze dias depois de ter o professor recebido o alludido exemplar. § unico. Incorrerá nas penas indicadas no Regulamento Geral da instrucção publica o professor que deixar de cumprir o disposto neste acto. Art. 4ºA directoria geral da instrucção publica expedirá as instrucções que entender conveniente.” (PARANÁ, Ato de 1882).
35
Percebesse, de acordo com o documento, que a prática da ginástica destinou-
se exclusivamente aos meninos, uma vez que havia matérias educacionais distintas
para ambos os sexos, isso ocorria de acordo com o que se pressupunha em relação
às futuras atuações sociais de ambas as partes.
O que pode ser compreendido segundo Puchta da seguinte forma:
“Considerando que a responsabilidade de administrar o espaço público e pensar as questões sociais estava direcionada apenas ao sexo masculino, acreditamos ser este um dos motivos da prescrição dos exercícios corporais somente para os meninos. Com efeito, seriam eles que iriam substituir os governantes, ocupar os cargos públicos e zelar pelo futuro do Paraná. Para isso deveriam ser formados aptos a apresentar um espírito esclarecido dentro de um corpo forte e saudável.”( PUCHTA, 2007, p. 30).
Segundo o Ato de 1882, as aulas deveriam seguir exclusivamente os métodos
da “Gymnastica domestica, medica e hygienica” do professor e médico alemão
Daniel Paul Schreber (1808 – 1861).
Para a elaboração de tal obra, Schreber baseou-se fundamentalmente no
princípio da formação humana integral, cujo o desenvolvimento corpóreo deveria
seguir lado a lado e com o mesmo grau de importância do desenvolvimento
intelectual.
O que Pucht explicitou da seguinte forma:
“Partindo do pressuposto de que o homem é constituído tanto de uma força material como de outra espiritual, o ortopedista alemão acreditava que também era da natureza humana manter em estado de atividade estas duas forças: uma eminentemente corporal e a outra representada pelo desenvolvimento da cultura por meio do exercício intelectual humano.”( PUCHTA, 2007, p. 27).
Sendo assim o governo do estado disponibilizou o compêndido de Schreber
aos professores, para que estes se tornassem aptos a ministrarem a ginástica nas
escolas.
De acordo com Diogo Rodrigues Puchta:
“Com a inserção da gymnastica nas escolas do sexo masculino o governo estava preocupado com a necessidade de estabelecer o equilíbrio entre as capacidades tanto físicas quanto intelectuais. A iniciativa de melhorar a educação física dos meninos esteve relacionada aos estudos desenvolvidos por Schreber no compêndio mandado adotar.” ( PUCHTA, 2007, p. 25).
36
Nesse compêndio adotado pelas escolas paranaenses, haviam descrições
minuciosas de exercícios físicos, o que pode ser observado no quadro a seguir:
DECIMA PRESCRIÇÃO
Para auxiliar o desenvolvimento normal de todo o corpo e completar
esse desenvolvimento nas crianças dos dois sexos.
Descrição Número do Exercício
Escala Repetição*
Movimento circular com a cabeça
1 5,10,15
Voltar a cabeça para cada um dos lados
2 3,4,5
Movimento circular com os braços
4 4,6,10
Elevar lateralmente os braços
5 5,10,15
Aproximar os cotovelos por de trás
6 4,6,8
Juntar as mãos atrás das costas
7 4,6,8
Estender o braço para a frente
9 5,10,15
Estender os braços para os lados
10 5,10,15
Estender os braços para cima
11 2,4,6
Estender os braços para baixo
12 5,10,15
Estender os braços para traz
13 3,5,8
Executar um movimento circular com as pernas
25 2,3,4
Elevar as pernas lateralmente**
26 3,5,8
Aproximar os braços horizontalmente um do outro
14 4,6,8
Afastar os braços horizontalmente um do outro
15 4,6,8
Curvar o corpo para a frente e para a retaguarda
20 5,10,15
Inclinar o corpo lateralmente
21 10,15.20
37
Fazer rodar sobre si os braços
16 15,20,25
Descrever uma espécie de oito com as mãos
17 10,15,20
Dobrar e estender os dedos 18 6,8,10 Fazer rodar as pernas sobre si
27 10,15,20
Aproximar as pernas uma da outra
28 2,3,4
Voltar o tronco 22 5,10,15 Estender para deante e dobrar os joelhos
29 3,4,5
Dobrar e estender para traz os joelhos
30 5,6,8
Estender e curvar os pés 31 10,15,20 Elevar os joelhos** 32 2,4,6 Erguer o tronco 24 2,4,6 Executar um movimento análogo ao de ceifar
39 4,8,12
Executar um movimento análogo ao de rachar lenha**
40 3,6,10
Acocorar-se 33 4,8,12 Passar uma bengala por sobre a cabeça
34 2,6,8
Caminhar com uma bengala passada transversalmente entre as costas e as curvas dos cotovellos.
35 durante 5,8,10
* Deve ser suprimido para o sexo feminino. Fonte: PUCHTA, Rodrigues, Diogo. A FORMAÇÃO DO HOMEM FORTE: educação física e gymnastica
no ensino público primário paranaense (1882-1924). Curitiba, 2007. 126p. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação – UFPR, Universidade Federal do Paraná,
2007.
Na elaboração de seu compêndio, Schreber deixou evidente a necessidade de
se trabalhar a ginástica doméstica com as crianças em no mínimo duas vezes por
semana, o que deveria ser seguido pelas escolas paranaenses, uma vez que de
acordo com o Ato de 1882, ficou estabelecido a obrigatoriedade de se ensinar a
ginástica três vezes por semana, conforme seu artigo primeiro.
De acordo com Puchta (2007), Schreber alertou sobre a importância do
professor controlar a precisão uniforme e em conjunto dos alunos, perante os
38
movimentos a serem executados. Deveria o professor demostrar e certificar-se de
que todos simultaneamente executassem corretamente os movimentos.
Portanto, “[...] o professor deveria cuidar da organização das atividades
fazendo com que, por meio de sua exposição, todos executassem os exercícios em
conjunto, de maneira uniforme e ao mesmo tempo. ( PUCHAT, 2007, p.36).
Pois, de acordo com, Schreber: “Sem isto, a criança não toma por muito tempo
a sério o exercício, cuja execução se torna ao cabo de algum tempo pouco
cuidadosa, ou degenera em uma pratica rotineira de movimentos sem utilidade”
(Schreber, Apud PUCHTA 2007, p.36).
É recomendado no compêndio de Schreber, que o professor de ginástica fique
atento para que os alunos estejam sempre dispostos e entusiasmados, o que para o
autor, “depende do tacto do professor ou director dos exercícios gymnasticos saber
conservar sempre interessado e animando o espirito da criança, o que poderá
conseguir variando, combinando e multiplicando as formas do movimento”
(Schreber, Apud PUCHTA 2008, p.36).
Schreber, salienta segundo Puchat (2007), que para ministrar a ginástica na
escola era preciso que o professor estivesse atento para diversos elementos, tais
como, “[...] a função dos exercícios, a maneira de os executar, e a duração de cada
um deles.” ( PUCHAT, 2007, p.38).
Para melhor eficácia na execução correta dos movimentos ginásticos Schreber
disponibilizou em seu compêndio imagens ilustrativas dos movimentos, os quais, os
professores deveriam seguir de forma fiel em suas aulas, e que podem ser
observadas logo abaixo: FIGURA 1 - Figuras ilustrativas de movimentos ginásticos:
Fig. 2 Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6 Fig. 1
39
Fig. 7 Fig. 8 Fig. 9 Fig. 10 Fig. 11 Fig. 12 Fig. 13
Fig. 18 Fig. 19 Fig. 20 Fig. 21 Fig. 22 Fig. 23
Fig. 14 Fig. 16 Fig. 17 Fig. 15
Fig. 2 Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6 Fig. 1
40
Fig. 36 Fig. 37 Fig. 38 Fig. 39 Fig. 40
Fig. 29 Fig. 30 Fig. 31 Fig. 32 Fig. 33 Fig. 34 Fig. 35
Fig. 24 Fig. 25 Fig. 26 Fig. 27 Fig. 28
41
Fonte: Fonte: PUCHTA, Rodrigues, Diogo. A FORMAÇÃO DO HOMEM FORTE: educação física e gymnastica no ensino público primário paranaense (1882-1924). Curitiba, 2007. 126p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação – UFPR, Universidade Federal do Paraná, 2007.
Nota-se, a partir das figuras acima, uma grande rigorosidade imposta aos
alunos perante ao cumprimento adequado dos movimentos. As imagens demostram
a postura ideal do corpo e a sequência correta dos movimentos a serem executados
de acordo com cada exercício em especifico.
Seguindo o modelo de imagens do alemão Schreber, os professores de
ginástica das escolas paranaenses deveriam garantir que todos os seus alunos as
executassem com exatidão, de maneira uniforme e simultânea.
Fica evidente a disciplinarização do corpo, cujo o qual deveria configurar-se
forte, disciplinado e saudável. Por isso, o ensino da ginástica nas escolas
paranaenses pautou-se nos métodos do alemão Schreber, com objetivo principal de
desenvolver nas novas gerações uma percepção regrada de como zelar pelo bem
estar mental e físico do próprio corpo.
Todo esse caráter disciplinarizador presente no ensino escolar da ginástica
afim de incorporar nos alunos bons hábitos de exercitação e cuidados com o corpo,
podem ser compreendidas a partir do pensamento proposto por Foucault em sua
obra, Microfísica do Poder, nela o autor comenta sobre soberania e disciplina, e
discorre sobre a disciplina como sendo um meio de normatizar e automatizar
comportamentos.
Nota-se o uso da disciplina como uma ferramenta capaz de criar e naturalizar
hábitos nas rotinas cotidianas dos sujeitos, o que segundo Foucault, caracteriza-se
como uma atribuição de normas, ou processo de normalização. Pois, mais eficiente
Fig. 41 Fig. 42 Fig. 43 Fig. 44 Fig. 45
42
do que uma opressão física de um soberano é a apropriação de um soberano
próprio em si mesmo.
Segundo, Foucault:
“As disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra "natural", quer dizer, da norma; definirão um código que não será o da lei mas o da normalização;” ( FOUCAULT, 1984, p.184.)
Na busca por uma sociedade moderna, tais exigências em torno da boa
formação dos indivíduos, tanto na questão do vigor físico, quanto intelectual e moral,
remetem ao que Foucault chamou em sua obra Vigiar e Punir, de corpos dóceis,
pois, de acordo com Foucault, pode ser considerado “dócil um corpo que pode ser
submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 1987, p. 126).
O que interessava diretamente para a boa formação de uma sociedade
desenvolvida, e que por meio da educação escolar encontrou as legitimações
científicas necessárias.
Assim, a cientificidade que os métodos de Schreber apresentavam,
legitimavam por si o seu ensino nas escolas do Paraná.
A ginástica era vista pelo alemão Schreber como elemento capaz de
proporcionar um equilíbrio entre mentes e corpos saudáveis, pois, a ausência dela
no ensino escolar, poderia comprometer a boa formação integral dos sujeitos, e de
seus corpos, segundo Schreber, estes corpos padeceriam de diversas patologias
principalmente as de caráter ortopédicos, o que prejudicaria também a sua formação
intelectual e espiritual.
Uma das preocupações expressadas por Schreber era com relação as horas
diárias em que os alunos eram obrigados a permanecerem restritos de movimentos
mais intensos, na maior parte do tempo deveriam permanecer sentados, o que para
Schreber poderia acarretar em problemas na coluna.
De acordo com Puchta:
“Atender a postura dos educandos era fundamental para o desenvolvimento de corpos aprumados, mas não o suficiente. Para desenvolver os músculos das costas, tão necessários para a sustentação da coluna, era indispensável a realização dos exercícios corporais.” ( PUCHTA, 2007,p. ).
43
Um dos objetivos esperados por políticos e intelectuais brasileiros com a
obrigatoriedade da prática de ginástica nas escolas paranaenses, segundo Puchta
(2007), era a possibilidade de por meio dela incorporar nos cidadãos paranaenses
do futuro o habito de cuidar não somente do intelecto mais também do corpo. “Com
a aplicação desta no ensino primário, eles poderiam esperar que a nova geração
crescesse ciente de como cuidar do próprio corpo.”( PUCHT, 2007, p.29).
Tal pensamento do alemão Schreber de que ao se praticar a ginástica, as
pessoas desenvolveriam hábitos de cuidados não somente com o espírito, mas
também com o corpo. Era também defendido ferrenhamente pelo político e jurista
brasileiro Rui Barbosa.
De acordo com Rui Barbosa:
“A ginástica não é um agente materialista, mas pelo contrário, uma influência tão moralizadora quanto higiênica, tão intelectual quanto física, tão imprescindível à educação do sentimento e do espírito, quanto a estabilidade da saúde e o vigor dos órgãos.”(BARBOSA, 1883, p. 80).
Segundo, Rui Barbosa a presença da ginástica na educação escolar era
imprescindível, uma vez que a higiene do corpo estava indissociável da higiene da
alma e da mente.
2.2 – A consolidação do ensino escolar da ginástic a no Estado do Paraná, e a disciplirarização dos corpos
A escolarização da ginástica na província do Paraná se consolidou na maioria
dos colégios do estado apenas no início da República, isso por conta do contexto
político nacional.
Segundo Soares (2012), mesmo que os discursos em torno do higienismo e
da ginástica escolar tenham ocorrido ao longo do Império em todo Brasil, foi na
República que eles foram inseridos com maior ênfase na sociedade. Um dos
motivos segundo Soares (2012), se deveu ao fato de que no Império a resistência
conservadora de grande parte elitista foi prejudicial aos discursos novos que traziam
um caráter de mudanças no estilo de vida da sociedade, os quais em muitas vezes
estavam voltados aos interesses do capital, como é o caso do discurso médico
higienista. “O advento da República, liderado por uma elite declaradamente liberal,
44
burguesa e, portanto, capitalista, nada mais foi de que um novo estímulo às
atividades econômicas brasileiras.” (SOARES, 2012, p. 79).
De acordo com Soares:
“É com o advento da República que será colocado em prática por meio de ações intervencionistas apoiadas pelo Estado, com o objetivo de, em nome da saúde, manter a ordem, ampliando para o conjunto da população a determinação de normas para conseguir uma vida saudável, e o “pleno funcionamento da sociedade”. Isto porque é com a república que os médicos começam a assumir cargos e se imiscuir na vida administrativa do país.” (SOARES, 2012, p. 81)
Segundo Soares (2012), existiram ao longo do Império grandes divergências
de interesses no cenário político e econômico dentre a elite brasileira no que se
refere à divisão entre uma formação social capitalista, e uma formação social
escravista. Neste cenário, houve reformulações na educação como é o caso da
escolarização da ginástica. Porém, foi após o advento da república que a ginástica
escolar ganhou maior visibilidade e definitivamente foi agregada aos currículos
escolares da maioria dos colégios de ensino primário e secundário do Brasil.
Neste cenário político de fins do século XIX foi realizado no estado do Paraná o
decreto n.35 de 1985 referente à Regulamento da Instrução Pública. Segundo o
mesmo ficou determinado que a ginástica de salão deveria ser ministrada em todo o
ensino primário, incluindo as escolas de 1º e 2º graus, assim como as de ensino
misto.
Conforme pode ser observado no capítulo I, do Decreto n. 35 de 9 de Fevereiro de 1885:
CAPITULO I Das matérias do ensino Art 5º - O ensino primário comprehenderá as seguintes matérias:
a) 1º gráo: Leitura e calligraphia; grammatica, compreendendo somente etymologia e phonologia; arithmetica, compreendendo as quatros operações sobre todas as espécies de números; noções de desenho linear; recitação e leitura em voz alta; composição e descrição elementar de cartas, objetos e assuntos da vida comum; gymnastica de salão ; trabalhos de agulha e obras de mão para as meninas
b) 2º gráo: Grammatica, compreendendo analyze etymologica e syntaxica e a morfologia; arithmetica em geral; noções de geometria plana; noções geraes de geografia e historia pátrias, especialmente do Estado; noções dos direitos e deveres dos cidadãos; decoração e explicação de trechos de escritores nacionais; gymnastica de salão ; composição e estylo epistolar e descriptivo; costura, bordado e corte, para as meninas;
c) Ensino mixto: Leitura calligraphia; grammatica em geral; arithmetica em geral; desenho linear; recitação em voz alta; noções de direitos e deveres
45
dos cidadaõs; noções de geografia e historia pátrias, especialmente do Estado; gymnastica de salão ; redação e estylo epistolar; trabalhos de agulha e corte, para as meninas. ( PARANÁ, Ato de 1885,p. 6).
A partir desse momento a ginástica começou a ser praticada também pelo
sexo feminino. Segundo Lino Castellani (1988), as meninas como futuras mães
deveriam ter corpos fortes e bem preparados para a gestação assim como o
trabalho de parto, além da sua obrigação de transmitir bons hábitos a seus filhos,
pois, via-se “na mulher e em seu corpo a matriz das futuras gerações” (Trindade,
Apud PUCHTA 2007, p. 59). Devido a isso, ficou atribuída a ginástica escolar a
responsabilidade de manter a integridade de corpos fortes e sadios tanto dos
meninos quanto das meninas.
Já no início do século XX em março de 1901, foi colocado em prática um
outro decreto também referente ao Regulamento da Instrução Pública do Estado do
Paraná. Por meio desse regulamento foi determinado a suspensão do ensino misto,
portanto, o ensino primário voltava a ser dividido apenas em 1º e 2 º graus.
A ginástica passou segundo o regulamento de 1901, a estar presente apenas
nos currículos das escolas de 2º grau, o que deixou o estado com pouquíssimas
aulas de ginástica, uma vez que de acordo com Puchta (2008) a maior parte das
escolas que existiam no Paraná eram de 1º grau.
Em 1903 entrou em vigor o decreto de n.263 de 22 de outubro, o qual
enfatizou como se deveria ocorrer o ensino de ginástica nas escolas. Ficou
estabelecido que ela deveria acontecer dentro da sala ao final de cada hora de aula,
contemplando duas séries de exercícios. Na primeira deveria se realizar movimentos
de braços, pernas, tronco e pescoço, já na segunda, além de repetir os exercícios da
primeira série, deveria apresentar também exercícios de formatura e marcha.
Trecho do Decreto de 1903:
“2º GRÁO: 1º SERIE. Gymnastica de salão: - Movimento dos braços e das pernas, do tronco e do pescoço. 2º SERIE. Gymnastica de salão: - Os movimentos já especificados, formatura e marcha.”( PARANÁ, decreto de 22 de outubro de 1903, p.14).
É notório a crescente preocupação e o interesse que permeavam o ensino da
ginástica nos anos iniciais do século XX. O decreto de 1903 é um exemplo, pois,
além de trazer maiores particularidades de como as aulas deveriam se proceder,
também estipulou a sua realização com uma maior frequência diária.
46
De acordo com o decreto de 1903:
“[...] para evitar a fadiga de estar sentado muito tempo e para repousar um pouco o espirito, poderão os professores, no fim de cada hora, fazer os alumnos marcharem ordenadamente na propria sala da aula sem grande ruido, e executar alguns exercicios de gymnastica de salão, com levantamento e abaixamento dos braços,” ( PARANÁ, 1903, p. X ).
Nesta época, início do século XX, o militar e político Domingos Virgílio do
Nascimento (1862 - 1915), natural do município de Paranaguá no litoral paranaense,
que de acordo com Puchta (2007), iniciou na carreira política em 1894 e teve
atuação direta na educação escolar paranaense, principalmente no que se refere as
aulas de ginásticas.
FIGURA 2 – Busto de Domingos Nascimento Herma.
Fonte: LIMA, Tony Andrew de. Busto de Domingos Nascimento Herma. 2016, 1 fotografia. Color.
47
Domingos produziu no início do século XX, uma obra chamada “Homem Forte”,
uma espécie de manual de exercícios físicos ou ginásticos, tal obra de acordo com
Puchta (2008), nada mais foi do que uma sintetize da obra do alemão Schreber.
Porém, Domingos realizou algumas pequenas modificações como, [...] “mudança na
ordem de alguns exercícios e divisão dos mesmos em pequenas lições.” (PUCHTA,
2007, p. 50).
Em agosto de 1905, Domingos do Nascimento encaminhou um ofício ao Diretor
Geral de Instrução Pública do Paraná, afim de que a sua obra fosse adotada como
livro didático nas escolas públicas do Estado.
Em sua obra “ Homem Forte”, Domingos do Nascimento comentou sobre a
importância do equilibro de forças entre o corpo e o espirito, citou exemplos de
atividades puramente intelectuais, cujas, os sujeitos em poucas horas sentiam a
fragilidade do corpo, devido à falta de movimentos e exercícios, o que para
Domingos acabava por prejudicar e confundir as ideais dos indivíduos no campo da
produção intelectual. “E´ preciso, pois, aplicar um meio termo no equilíbrio das
forças do espirito com as da matéria – forças naturaes co-relativas que se
completam e se systematizam.”( NASCIMENTO, 1905, p. 6).
De acordo com Domingos os indivíduos deveriam:
[...] “ procuraes um trabalho que exercite os vossos membros, braços, pernas, cabeça em atividade: como que novo ar e novas forças vos rehabilitaram o corpo. Voltaes então ao vosso gabinete e deveis ter notado que uma predisposição de espirito ressurgiu, forte e vehemente, dando-vos ensejo a prosseguir por mais algumas horas no vosso fecundo exercício da inteligência. E´ que restabeleceu-se o equilíbrio de forças entre o vosso corpo e vosso espirito.”( NASCIMENTO, 1905, p. 4).
A solução apontada por Domingos era a realização de exercícios, pois, de
acordo com Domingos (1905), o exercício revigora as energias do corpo e
consequentemente as do espirito. “Para que se mantenha em plena liberdade a vida
do espirito deve o corpo conservar a sua força e atividade.” (Schreber, Apud
NASCIMENTO, 1905,p.3).
O problema em questão apontado por Domingos do Nascimento, é o descaso
dado ao exercício do corpo, e a supervalorização do intelecto. “Não cuida do corpo a
maioria dos indivíduos, principalmente entre aquelles ordinariamente chamados –
intellectuaes – que se colocam em completa contradicção com as leis da natureza.”
(NASCIMENTO, 1905, p.4).
48
Por isso, Domingos do Nascimento atribuía grande importância a ginástica
escolar, pois, acreditava que por meio dela haveria uma conscientização dos jovens
perante a importância de se equilibrar as realizações de ambas as atividades.
“Eis porque o emprego da gymnastica é de uma utilidade imprescindível, porque ella não é mais do que um exercício muscular baseado no desenvolvimento natural do corpo e na conservação da saúde.”( NASCIMENTO, 1905, p. 6).
Para, Domingos do Nascimento a ginástica sub- dividia-se em partes, existindo,
gymnastica therapeutica, gymnastica hygienica e a gymnastica domestica. Sendo as
duas primeiras, de acordo com Domingos, destinadas a meios de prevenção de
doenças e imperfeições do organismo. “Uma e outra combinadas constituem a
gymnastica medica, propriamente dita.” (NASCIMENTO, 1905, p. 7).
Toda a teoria discursiva em torno da gymnastica e a sua importância higiênica
de boa saúde, legitimada pela ciência médica, é de fato colocada em prática com a
gymnastica domestica, a qual, segundo Domingos poderia ser praticada sem
maiores restrições por toda população.
De acordo com Domingos do Nascimento:
“A Gymnastica Domestica está ao alcance de todos, porque pode ser executada em toda parte, - dentro de casa, em qualquer quarto, nas dependências, no jardim, debaixo de uma arvore, em viagem, em fim, em qualquer lugar onde o homem possa dispensar alguns minutos para exercitar os aparelhos do seu organismo, que necessitem de movimentos determinados.” ( NASCIMENTO, 1905, p. 13).
Foi desenvolvido nas escolas os exercícios propostos na ginástica doméstica,
que em sua essência visavam um trabalho muscular equilibrado, de acordo com a
faixa etária dos alunos, desenvolvendo-se de forma gradativa, de exercícios mais
simples para os mais complexos e intensos.
Domingos do Nascimento comentou sobre a importância da realização correta
dos movimentos de cada exercício proposto, pois, destacou que seria inadmissível a
realização de “ [...] movimentos desconexos e vários em diferentes partes do seu
organismo: é preciso que o indivíduo se sujeite a leis definidas e determinadas.”
(NASCIMENTO, 1905, p. 13).
De acordo com Domingos do Nascimento a correta execução da ginástica
deveria seguir alguns elementos primordiais, tais como: “ 1º - natureza dos
49
movimentos; 2º - maneira de os executar; 3º duração do exercício; 4º - frequência
dos exercícios. ” ( NASCIMENTO, 1905, p. 13).
Percebe-se um rigoroso processo metódico na sequencia didática que as aulas
deveriam seguir, Domingos estipulou minunciosamente a sequência correta de cada
etapa dos exercícios que os alunos deveriam realizar.
Em sua obra, Domingos do Nascimento exibiu figuras demonstrativas dos
movimentos, explicou como deveria se proceder na execução correta dos exercícios,
além de comentar as vantagens de sua realização.
O que pode ser constatado segundo a própria obra de Domingos do
Nascimento: FIGURA 3 – Trecho da Obra Homem Forte.
Fonte: NASCIMENTO, V. Domingos. Homem Forte. 1905.
50
É perceptível na obra de Domingos do Nascimento a preocupação do autor em
apresentar a todo momento uma explicação científica para os exercícios propostos,
o que ficou constatado na figura acima, quando Domingos comenta sobre as
vantagens de se praticar determinado movimento.
Essa preocupação em dar legitimidade científica para o conteúdo, foi de acordo
com Maria Salete da costa (2013), reflexo de uma influência da filosofia positivista
na educação escolar brasileira durante a Primeira república.
Segundo, Maria Salete da costa, a filosofia positivista fundada pelo filósofo
francês Auguste Comte (1798-1857), se difundiu pela Europa durante o século XIX,
e não demorou para chegar ao Brasil.
Os ideais positivistas segundo, Costa (2013), baseavam-se primordialmente na
supervalorização da cientificidade “como forma de excelência do conhecimento
humano, capaz de superar os mitos e a metafísica. ” (COSTA, 2013, p. 92).
De acordo com, Edivaldo Góis Junior (2003), o positivismo pode ser
compreendido como o “método científico que afirma ser todo o axioma racional
passível de explicação, justificado por uma lógica experimental e matemática. As leis
da ciência regem o mundo, fugindo de explicações espiritualistas.” (JUNIOR, 2003,
p. 22).
As ideias positivistas de Comte, encontraram grande simpatia em território
brasileiro, o que ficou evidenciado no lema da bandeira republicana brasileira,
Ordem e Progresso.
A Ginástica escolar, como estava pautada nas ciências biológicas, sobre tudo
na Anatomia e Fisiologia humana, ganhou maior destaque dentro desse cenário
marcado pela influência do pensamento positivista na política e no ensino escolar.
Porém, é importante salientar que não foi somente pelo fato de ter legitimidade
científica que a ginástica se aproximava dos ideais positivistas, pois, ela também era
tida como elemento importante para a manutenção de uma sociedade ordeira, que
seguissem as boas normas, e que de tal forma contribuísse para o progresso da
nação.
Segundo, Maria Salete da costa:
“A educação, no período da Primeira Republica, foi marcada pela influência da filosofia positivista, com ampla aceitação na sociedade brasileira, não apenas pelo seu cientificismo, (enquanto proposta de cultivo das ciências modernas como base de progresso), como ainda por sua ética cívica de respeito à lei e ao princípio do bem comum.” (COSTA, 2013, p. 91).
51
O uso da educação para fins políticos estabeleceu uma relação de disciplinarização
dos corpos perante os bons costumes, mas não de forma impositiva soberana, uma
vez que os próprios indivíduos passariam com o tempo a se alto disciplinarem, de
forma a repetirem com naturalidade as ideologias e concepções de vida que lhe
forem ensinadas. O que no caso da ginástica, faz relação com os cuidados
corporais, atrelados aos objetivos políticos de desenvolver uma sociedade moderna,
sob a ótica do capital.
De acordo com Foucault (1984), a disciplina pode ser entendida como um
poder disciplinar, não soberano.
“Este novo tipo de poder, que não pode mais ser transcrito nos termos da soberania, é uma das grandes invenções da sociedade burguesa. Ele foi um instrumento fundamental para a constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correspondente; este poder não soberano, alheio à forma da soberania, é o poder disciplinar.”( FOUCAULT, 1984, p.184).
Portanto, pautado em uma padronização de comportamentos direcionados ao
bem comum para todos, o ensino escolar da ginástica foi tido como essencial para
uma adequada formação moral dos indivíduos frente as boas normas sociais,
principalmente no que se refere ao pensamento republicano de progresso que
presumia o desenvolvimento de corpos disciplinados, submissos e exercitados que
exemplificassem a vigorosidade de uma sociedade moderna.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do desenvolvimento dessa pesquisa ficou perceptível o interesse de
cunho político frente a escolarização da ginástica no Brasil em fins do século XIX e
início do século XX.
Interesses cujo o principal objetivo pautava-se sobre tudo no desenvolvimento
e no progresso da nação. Pois, como visto ao longo dessa pesquisa, era de
interesse de muitos políticos e intelectuais brasileiros, modernizar a sociedade
brasileira, ao ponto de torná-la mais próxima das conjunturas sócio-políticas e
econômicas dos grandes países europeus, tidos como exemplos de sociedades
modernas.
Nesse contexto, o ensino escolar da ginástica, já presente na Europa, foi muito
requisitada no Brasil a partir principalmente de fins do século XIX, sendo vista como
um elemento educativo e preventivo, perante a diversas patologias que o corpo
poderia sofrer se não fosse devidamente exercitado.
O discurso higienista legitimado pela cientificidade biológica e médica, afirmava
ser possível melhorar as condições de saúde dos indivíduos por intermédio de uma
eficiente educação higiênica principalmente no contexto escolar.
De acordo com Soares (2012), a ginástica escolar evidenciava os interesses
presentes com relação ao corpo e aos cuidados corporais, que eram legitimados, ou
[...] “normatizados pelo pensamento médico-higienista que concede um maior
espaço em seus congressos aos temas e teses relativos à Educação Física e,
particularmente, a sua importância na escola.” (SOARES, 2012. p.84).
Segundo Soares (2012), os médicos higienistas ao formularem suas teses
realçavam a importância do “[...] exercício físico na “educação popular”, buscando
com essas formulações uma adequação dos corpos aos novos padrões exigidos”.
(SOARES, 2012, p.85).
Intelectuais de diversas áreas, médicos e políticos como Rui Barbosa,
defendiam o movimento higienista e afirmavam ser possível por meio do ensino
escolar, elevar a qualidade de vida da população.
O ensino escolar brasileiro tido como essencial para uma boa e adequada
formação social, apresentava um propósito muito claro de padronizar o
comportamento tanto físico quanto intelectual dos alunos. A normalização ou
naturalização dos princípios e valores morais atribuídos aos alunos por meio do
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ensino escolar, possibilitou o que de acordo com Foucault (1984) pode ser entendido
como a aceitação intrínseca das normas.
Nesse período, fins do século XIX, o ensino escolar, apresentava-se
influenciado pelo positivismo, o que exigia argumentações científicas que
comprovassem a real importância da respectiva disciplina e de seu conteúdo em
relação ao desenvolvimento e ao bem-estar da nação. Dessa forma, legitimada por
argumentos científicos, embasados principalmente nas ciências biológicas e na
medicina, a ginástica ganhou notória visibilidade, e seu ensino foi tido como
extremamente relevante para sociedade, o que tornou viável a sua inserção no
currículo escolar brasileiro.
No caso em específico da escolarização da ginástica no Estado do Paraná,
constatou-se por meio de algumas leis e decretos a determinação de seu ensino nas
escolas do estado, pautado em exercício ginásticos de métodos europeus. O que
explicitou um propósito político de modernizar a sociedade com corpos saudáveis e
fortes, propícios aos novos tempos de uma era da valorização do corpo em função
do trabalho livre, e do capital industrial que aos poucos ganhava forma em território
nacional.
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Instrução Pública do Estado do Paraná.
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Instrução Pública do Estado do Paraná.
55
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