Post on 30-Jul-2015
Correio do Minho — A ex-pressão dos seus afectos e dasopções culturais no 'Dias De-siguais' ou das suas inquietaçõescívicas em 'Blogueio Continental'não dispensam o fluxo de criativi-dade a que dá vazão pela escrita,tanto em poesia como em cróni-ca?
João Ricardo Lopes — A criativi-dade faz parte da escrita e propicia--a. Entendo que, independente-mente do assunto tratado, danatureza mais ou menos afectivado texto ou do género a que serecorre, não se possa dispensar amelhor matéria-prima.
O primeiro fundamento em arteé que seja ela criativa, e quandocriativa original, e quando originalautêntica.
De facto procuro ser criativo. Melhor, obrigo-me a sê-lo, mes-
mo sabendo do quanto de “relati-vo” ou “circunstancial” existe noser-se criativo.
No fundo, voltamos à velhaquestão do difícil que é determinaro quinhão realmente “nosso” noque fazemos. Poderia, para termi-nar a minha resposta a estaquestão, usar a imagem do alfaiateque à força de tanto repetir a cos-tura dos seus fatos acabou por cor-romper o modelo, inaugurando oseu estilo. Com a escrita acontecealgo de parecido.
CM — Prossegue a criaçãoliterária em paralelo com osblogues consciente de que cadaum dos suportes vai atingir umalvo diferente? Ou há, por uma epela outra via, mensagens edestinos comuns?
JRL — A escrita em blogue impli-ca de facto condicionantes distintasda escrita literária, muito emboranão se possa negar carácterliterário ao que se publica na blo-gosfera.
O diasdesiguais.blogspot.com éum pouco a prova disso mesmo, aoacondicionar uma série (já volu-mosa, até) de poemas, prosaspoéticas e crónicas. Nem tudo oque nele publico é declaradamenteliterário, mas muitos textos são-nosem dúvida.
Arrisco confessar que a criaçãodo blogue — em Janeiro último —constituiu um impulso saudável evigoroso na minha actividade de es-crita. Ainda assim, escrevo textospara os cadernos, textos que talveznão caibam nesse registo diarístico,ou que talvez caibam mas que nãoquero sujeitar ao voyeurismo doblogue. O carácter imediatista demuitas das entradas diárias dos
blogues impede a necessária ma-duração dos textos, mas podemnão passar de uma primeira pince-lada. Dou o exemplo das minhascrónicas. Várias foram inicialmentepartilhadas no diasdesiguais-blogspot.com e acabaram em livro,no ‘Dos Maus e Bons Pecados’, comcorrecções e alterações impor-tantes. Poderíamos, nesta óptica,olhar para o blogue como um su-porte-rascunho, da maior agili-dade.
DESCORTINAR O QUE É ÍNTIMO DO AUTOR
CM — Será exagerado concluirque quando escreve para o pa-
pel revela-se num registomais íntimo e quando es-creve para os blogues revelauma faceta mais pública?
JRL — Em literatura, des-cortinar o que é íntimo — ounão — ao autor revela-se demodo muito particular fala-
cioso. Tudo o que é de verdadeira-
mente literário (não importandose em papel se em blogue) é, ou
deve ser, público. Como autor, nãotenho duas facetas. Nos bloguesalimento a mesma pessoa que merevelei nos livros.
Em ambos deixei de me per-tencer em exclusivo, construindouma espécie de semiverdade ou, sepreferir, uma semificção! O simplesfacto de transformarmos uma cor-rente de palavras num texto implicauma necessidade de partilha.
Não acredito na escrita íntima,visto que mais cedo ou mais tardeaté o fundo das gavetas vem à luzdo dia, como acontece com docu-mentos pessoais, cartas, bilhetes,inéditos, etc. A esse respeito,poderíamos aqui lembrar os textosda arca de Pessoa: a sua existênciacomo que os condena a ser conhe-cidos.
Assim, e para responder concre-tamente à questão, sou apenas um,o mesmo que se espraia no papelou se mostra nos blogues.
FORMATOS ELECTRÓNICOSE OS LIVROS
CM — O que pensa da dis-cussão sobre se os formatos elec-
trónicos são uma ameaça ou umanova oportunidade para o livro?
JRL — Não acredito que o livrotenha os dias contados, ou algosemelhante. Essa visão parece-meirrealista, porque, entre outros as-pectos, os livros são um veículo no-bre e lúdico: até aqueles que publi-cam nos melhores blogues sabemque a edição dos mesmos textosem livro representa uma mais-valiae até mesmo uma certificação dequalidade.
Além do mais, ler em livro e lerno ecrã é muito distinto. Há umprazer muito distinto no folhear aspáginas de um volume de poemasdaquele que deriva do ratear aspáginas de um blogue.
E há o cheiro do livro, a suaelegância de objecto enxuto, o re-quinte dos caracteres, etc. Contra-riando até o receio dos pessimistas,acredito que os blogues dão umaajuda na divulgação das novas pu-blicações.
Quem gosta de livros não ospreterirá pelo advento das novastecnologias. E quem não lê livros,dificilmente perde tempo a ler osblogues.
27 PESSOAS 23 de Dezembro 2007 C
“TUDO O QUE É DE VERDADEIRAMENTE IMPORTANTE (NÃO
IMPORTANDO SE EM PAPEL SE EM BLOGUE) É, OU DEVE SER,
PÚBLICO. COMO AUTOR NÃO TENHODUAS FACETAS.
NOS BLOGUES ALIMENTO A MESMA PESSOA
QUE ME REVELEI NOS LIVROS”