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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
REGIONALISMOS E ESTRANGEIRISMOS: FACES DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
NA REGIÃO DA TRÍPLICE FRONTEIRA
Alessandra Haman Fogagnoli1
Ciro Damke2
Resumo
O presente artigo aborda alguns aspectos da variação linguística analisados à luz das perspectivas variacionista e interacionista da sociolinguística, no sentido de promover reflexões sobre o ensino da língua portuguesa. A intenção foi buscar condições para que o aluno desenvolva sua competência comunicativa sob a visão da variação e mudança linguística com base em regionalismos e estrangeirismos. O contexto escolhido para desenvolver este trabalho foi a região da Tríplice Fronteira, em Foz do Iguaçu, pois conta com uma riqueza cultural refletida em hábitos peculiares como vestuário, alimentação, religião e na diversidade linguística encontrada em nenhum outro lugar. Consideramos este estudo útil na tentativa de propor uma pedagogia de educação linguística para desenvolver no educando suas capacidades de reflexão sobre a linguagem e o uso crítico da língua, ao mesmo tempo estimular a apropriação da variação de prestígio e combater qualquer forma de preconceito linguístico. Através da aplicação do material didático – Caderno Pedagógico – explorou-se diversas possibilidades de uso da linguagem permeadas por questões regionais, sociais e situacionais, demonstrando a heterogeneidade da língua, principalmente com relação ao uso de estrangeirismos e regionalismos. O trabalho foi desenvolvido por ocasião do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE no Colégio Estadual Ulysses Guimarães com alunos de 7.ª série. Fundamentaram os estudos pesquisadores como Antunes (2007), Carvalho (1989; 2009), Bortoni-Ricardo (2004; 2008), Bagno (2000; 2001; 2007), Geraldi (1984) e Labov (2008).
Palavras-chave: variação e mudança linguística; regionalismos e estrangeirismos; língua portuguesa; ensino.
1 Cursista do PDE/2009, graduada em Letras pela FACISA, pós-graduada em Didática e Metodologia
do Ensino pela UNOPAR e em Mídias Integradas na Educação pela UFPR, professora de Língua
Portuguesa dos Colégios Estaduais Ulysses Guimarães e Jorge Schimmelpfeng – Foz do Iguaçu. 2 Doutor em Sociolinguística e Dialetologia pela Universidade de Ruprecht-Karls Universität,
Heidelberg, Alemanha, docente do Curso de Letras da UNIOESTE – Campus de Mal. Cândido
Rondon e do Programa de Mestrado em Língua Portuguesa da UNIOESTE – Cascavel.
1 Introdução
“Os limites da minha linguagem
denotam os limites do meu mundo”.
(LUDWIG WITTGENSTEIN)
O objeto deste artigo é a variação linguística, enfocando regionalismos e
estrangeirismos em Foz do Iguaçu, região da Tríplice Fronteira – Brasil, Paraguai e
Argentina. Trata-se do relato de experiências sobre a elaboração e a implementação
do material didático, Caderno Pedagógico, por ocasião do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE, direcionado a alunos de 7.ª série (8.º ano), do
Ensino Fundamental.
O objetivo deste trabalho foi analisar alguns aspectos da variação linguística
baseando-se nas perspectivas variacionista e interacionista da sociolinguística, no
sentido de promover reflexões sobre o ensino de língua portuguesa, buscando criar
condições para que o aluno possa desenvolver e melhorar sua competência
comunicativa.
A partir de resultados apresentados por sistemas de avaliação como o SAEB e
a Prova Brasil, tem se verificado o baixo desempenho linguístico dos alunos no final do
Ensino Fundamental. Esse fato demonstra que é inquestionável uma reflexão sobre o
ensino da língua.
O fracasso escolar está relacionado não só a fatores pedagógicos, mas
também a fatores externos ligados a questões socioeconômicas dos alunos, que se
manifestam na falta de interesse e desestímulo por parte destes com relação àquilo
que a escola propõe.
Esta situação nos leva a pensar que nas aulas de língua portuguesa não são
desenvolvidas práticas de linguagem significativas, no sentido de incluir alunos de
todas as camadas sociais, principalmente das menos favorecidas, o que faz com que
muitos deles sintam-se “estrangeiros” em relação à própria língua ensinada na escola.
Algumas das dificuldades manifestadas pelos alunos indicam que a escola não
tem dado o devido valor à diversidade linguística existente no Brasil, pois tenta
trabalhar a língua como se fosse única, homogênea, estática, quando na verdade,
deveria ser tratada como um organismo vivo, heterogêneo, passível de variações e
mudanças, consequência de vários fatores linguísticos e extralinguísticos.
Localizado no extremo oeste do Paraná, o município de Foz do Iguaçu faz
fronteira com as cidades de Porto Iguaçu, na Argentina, país onde a língua oficial é o
espanhol e Cidade de Leste, no Paraguai, onde há duas línguas oficiais, o espanhol e
o Guarani.
Na região, há a convivência das culturas de mais de 70 etnias. Este contexto é
consequência, principalmente da afluência de grandes levas de trabalhadores, os
chamados barrageiros, no período da construção de Itaipu, do comércio de exportação
e importação, do atrativo do turismo e compras nos países vizinhos, Paraguai e
Argentina. Os traços dessa variedade cultural se refletem em hábitos peculiares como
religião, vestuário, alimentação e língua, encontrados desta forma, provavelmente,
somente nesta fronteira. Brasileiros, argentinos, paraguaios, árabes, chineses,
coreanos esforçam-se para se comunicar com descendentes de alemães, italianos,
japoneses, portugueses, entre outros. Nota-se também a ocorrência de variações
linguísticas regionais ocasionadas pelo intenso movimento migratório na época da
construção da Hidrelétrica de Itaipu.
Neste contexto, a proposta de trabalho foi discutir como o professor de língua
portuguesa pode direcionar suas aulas aproveitando essa diversidade linguística para
melhorar a competência comunicativa dos alunos, de maneira a privilegiar um ensino
voltado para os alunos como sujeitos sociais, buscando dar suporte ao usuário da
língua para que ele possa adequar os recursos expressivos e as variantes linguísticas
às diferentes situações comunicativas.
A sociolinguística veio sustentar teoricamente este trabalho, pois através dela
compreendemos que a língua está em constante variação e mudança e, desta
mudança, fazem parte os regionalismos e estrangeirismos, que estudamos com
relação ao desempenho escolar em língua portuguesa.
2 Pressupostos teóricos
O processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa tem sido muito
discutido por educadores, estudiosos e pesquisadores, pois ainda se verificam nas
salas de aula metodologias tradicionais norteadas por concepções de linguagem e
objetivos que fogem daqueles almejados para o ensino de hoje, o que contribui para
o fracasso escolar apontado em exames nacionais da educação básica brasileira.
De acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do Estado
do Paraná:
o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa visa aprimorar os conhecimentos linguísticos e discursivos dos alunos, para que eles possam compreender os discursos que os cercam e terem condições de interagir com esses discursos. Para isso, é relevante que a língua seja percebida como uma arena em que diversas vozes sociais se defrontam, manifestando diferentes opiniões (PARANÁ, 2008, p.50).
Geraldi (1984) compartilha com essa visão bakhtiniana quando diz que é
pela linguagem que ocorre a interação humana, é através dela que ocorrem as
relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos. Sob essa perspectiva
interacionista, pode-se afirmar que a sala de aula seria o ambiente ideal para
acontecer as mais diversas formas de interação.
De acordo com Vygotsky (1998), o desenvolvimento humano não pode ser
analisado somente como uma formação de conexão de neurônios, pois acontece
muito mais com a interação social e o aprendizado prévio do indivíduo. O aluno não
é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas aquele que aprende junto ao outro, o
que o seu grupo social produz, tal como: valores, linguagem e o próprio
conhecimento, e seus conhecimentos prévios servem de alavanca para novas
descobertas.
Jerome Bruner, psicólogo americano, citado por Bortoni-Ricardo (2008, p.
44), define e comenta a utilização do termo andaime, que seria uma forma
metafórica para se referir “à assistência visível ou audível que um membro mais
experiente de uma cultura presta a um aprendiz, em qualquer ambiente social, ainda
que o termo seja mais empregado no âmbito do discurso de sala de aula”.
Em qualquer situação de fala, um indivíduo demonstra, através de seu
idioleto, além da mensagem que quer transmitir, algumas informações como sua
origem, seu grupo social, a situação em que se encontra (formal ou informal). Isso
acontece devido à entonação, pronúncia, escolhas lexicais, morfológicas e
construções sintáticas escolhidas por esse falante. Portanto, a linguagem não
somente possibilita a interação, mas faz parte da identidade do próprio indivíduo,
reproduzindo a cultura de uma comunidade na sua maneira de ser.
Sendo a sala de aula um microssistema social, é possível verificar
claramente que os alunos refletem variações linguísticas que representam sua
origem regional, de gênero, faixa etária e nível socioeconômico. Nesse sentido, a
sociolinguística propõe um respeito maior à diversidade social e regional dos
estudantes, tentando encontrar assim, um caminho para democratizar o ensino, em
que a linguagem dos alunos sirva como exemplo para mostrar a diferença e não o
“erro”.
De acordo com a sociolinguística variacionista, as propostas de ensino
devem se pautar na relação entre língua e sociedade, analisando variáveis ligadas a
fatores linguísticos e extralinguísticos e ainda na diminuição de preconceitos. Para
isso, os estudos devem ser empíricos, pois assim possibilitam o conhecimento e a
sistematização dos usos, melhoram a competência linguística dos alunos à
proporção que se ampliam os papéis sociais (LABOV, 2008).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de língua portuguesa expressam que:
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa - dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem (BRASIL, 1998, p. 31).
Dessa forma, quando o professor toma como ponto de partida os
conhecimentos linguísticos dos estudantes, incentivando-os a falar usando sua
variedade linguística, demonstra que essas variações não constituem uma forma de
classificação, mas ao mesmo tempo deve propiciar reflexões no sentido de se dar
importância à adequação da linguagem nas várias situações comunicativas. E ainda
que tanto quanto a norma padrão, as outras variedades são lógicas e bem
estruturadas. É também importante entender o que contemplam as DCEs, ou seja, é
necessário
reconhecer que a norma padrão, além de variante de prestígio social e de uso das classes dominantes, é fator de agregação social e cultural e, portanto, é direito de todos os cidadãos, sendo função da escola possibilitar aos alunos o acesso a essa norma (PARANÁ, 2008, p. 65).
Por isso, cabe à escola levar os alunos a se apoderar também das regras
linguísticas que gozam de prestígio, de modo a enriquecer seu repertório linguístico,
permitindo a eles o acesso à maior quantidade de recursos para que possam
adquirir uma competência comunicativa cada vez mais ampla e diversificada, sem
que isso implique na desvalorização de sua própria variedade linguística, adquirida
nas relações sociais dentro de sua comunidade (BORTONI-RICARDO, 2008).
Com o apoio da sociolinguística interacionista e educacional, o trabalho com
a língua materna se volta para atividades mais significativas para os alunos no que
se refere aos usos da língua no domínio escolar e fora dele, tanto na modalidade
oral, quanto na escrita. Dessa forma é possível analisar ações que envolvem o uso
da variedade padrão, de prestígio e das variedades regionais e locais.
As variações regionais são inerentes à natureza das línguas, então surgem
os regionalismos, que são registros da língua próprios da população de diferentes
regiões. Distinguem-se pela pronúncia, pelos diferentes significados e diferentes
construções de palavras e frases.
O que se deve superar é a primazia de uma variedade sobre as demais, pois
cada forma de falar é, antes de tudo, instrumento que confere identidade a um grupo
social com sua cultura, mesmo verificando-se que alguns falares têm mais prestígio
do que outros.
A língua é “propriedade” de uma nação, de uma comunidade linguística, mas
nem por isso é inerte, isolada, ao contrário, vive em constante construção e
reconstrução, devido não somente, mas também, ao contato com outras línguas.
Isso faz com que elas sofram influência a nível fonético, lexical, semântico e
morfossintático. Muitas vezes, nós mesmos sem notar, fazemos uso de palavras
estrangeiras, pois não há como negar o fato de que em todos os idiomas existem
termos provenientes de outros.
A língua portuguesa foi influenciada desde o próprio descobrimento (ou
invasão?) do Brasil pelos portugueses, a partir de 1500, quando as línguas faladas
pelos nativos, entre elas o Tupi e o Guarani, foram de certa forma, exterminadas,
junto com os próprios indígenas pelos colonizadores, mesmo assim, contribuíram
intensamente para a formação do léxico do português brasileiro. A chegada dos
escravos, as invasões e dominações deixaram também marcas na língua falada e
escrita no Brasil. E os imigrantes, a partir do séc. XVII, trouxeram muitos vocábulos,
que até hoje ajudam a manter diferenças regionais (BEARZOTI F.º, 2002).
Hoje, esse contato entre as línguas no mundo, devido principalmente à
queda das fronteiras comerciais e ao avanço dos meios de comunicação, ocasiona
dois fenômenos linguísticos: os estrangeirismos e os empréstimos, sendo que
alguns deles são neologismos.
Ocorre estrangeirismo quando a unidade lexical estrangeira é aceita como
elemento integrante da língua receptora, sendo considerada uma inovação nesse
idioma. Para Mattoso Câmara Jr. (1989), estrangeirismos são “empréstimos
vocabulares não integrados na língua nacional, revelando-se estrangeiros nos
fonemas, na flexão e até na grafia, ou os vocábulos nacionais empregados com a
significação dos vocábulos estrangeiros de forma semelhante” e empréstimo é a
“ação de traços linguísticos diversos dos do sistema tradicional”.
A criação de novos itens lexicais representa uma necessidade social. Como
a língua é formada de acordo com características sócio-históricas, é natural que
essas palavras sejam criadas, uma vez que a vida moderna exige “o novo”, já que
tudo está continuamente se transformando. Os neologismos são resultantes das
necessidades do homem contemporâneo, cada vez mais em busca de novidades,
criações e inovações (ALVES, 1990; CARVALHO, 1989).
O sistema lexical é enriquecido com novas palavras, que são resultantes da
criatividade linguística inserida na competência do falante nativo, acompanhando
assim, a evolução humana. Como usuário da língua, o falante percebe os
arcaísmos, termos que estão ficando ultrapassados, e os neologismos, elementos
de criação recente, além dos estrangeirismos, palavras em língua estrangeira que
começam a ser adotadas e, uma vez adaptadas ao novo idioma, são caracterizadas
como empréstimos linguísticos.
Essa criatividade linguística, manifestada na fala, faz com que haja
mudanças na língua, pois surgem outras necessidades de expressão, porque:
o homem não pensa e diz aquilo que se pensou e disse antes. Como a língua não é um produto acabado, ela se refaz continuamente e se fundamenta em modelos anteriores. Ela é dinâmica, porque a atividade linguística é falar e entender algo novo por meio de uma língua (CARVALHO, 2009, p. 37).
Todas as mudanças no léxico resultam dos usos da língua, através da fala é
que se processam, alterando as normas e, por consequência, criando novas
normas. Como afirma Carvalho (2009):
A mudança começa a se desenvolver como deslocamento de uma norma. Ela se modifica, sobretudo onde o sistema não corresponde às necessidades expressivas e comunicativas dos falantes. Só conseguimos comprovar uma mudança quando adotada por vários falantes, salvo raros casos (CARVALHO, 2009, p. 38).
Os regionalismos são como fatos linguísticos situados no âmbito da variação
lexical diatópica, ou seja, a variação que se processa no eixo horizontal ou regional.
Segundo o linguista Mattoso Câmara Jr. (1989), por regionalismo devemos entender
os traços linguísticos privativos de cada uma das regiões em que se fala uma dada
língua, ou seja, refere-se à variação do uso da língua de acordo com as diferentes
regiões em que vivem os falantes.
Vivendo e convivendo nesta região da Tríplice Fronteira, a diversidade
linguística a que o falante está sujeito é muito rica, pois conta com as contribuições
regionais trazidas pelos operários que vieram para a construção da Hidrelétrica de
Itaipu, incluindo o jargão utilizado por esses profissionais. Também o comércio
fronteiriço e a indústria turística fazem com que haja contato entre a língua
portuguesa com outras, principalmente com o espanhol e o Guarani.
Sobre isso Catta (2002), diz que já no início da construção da Usina de
Itaipu se observava:
nessa fronteira as inter-relações culturais, econômicas, sociais e políticas não poderiam ser senão de uma tal frequência e intensidade que costumes, experiências, gostos, moedas e língua se intercambiavam e se misturavam, num hibridismo digno de uma mini-Babel do século XXI. Ou, quem sabe, uma reedição tardia, talvez “uma caricatura da tradição moderna do século XIX, num espaço de fronteira onde de fato a fronteira inexiste, onde tudo é possível, desde o transitar, até o engajar-se no mercado de trabalho, passando pelo usufruir e transmitir diversas culturas (CATTA, 2002, p. 30).
O contato entre esses idiomas latinos resulta no uso do portunhol, que não é
uma língua em si, mas um fenômeno linguístico, uma mescla linguística. Essa
proximidade leva o falante a acreditar que as semelhanças sejam maiores que as
diferenças, o que pode levar a certos equívocos. Isso acontece com os chamados
“falsos amigos”, que são palavras idênticas na sua forma oral e/ou escrita, mas
diferentes no seu significado.
Do ponto de vista linguístico, o estudo desse contato é importante para
compreender a interação entre o português e o espanhol (sincrônica e
diacronicamente) e o funcionamento da variação e da mudança linguística. Pela
visão educativa, conhecer alguns aspectos sobre o relacionamento entre essas
línguas nesta zona de contato é relevante no sentido de se reconhecer e se
respeitar particularidades culturais e linguísticas regionais para subsidiar ações
pedagógicas adequadas para melhorar a competência comunicativa do falante desta
comunidade.
3 Reflexões sobre o objeto de estudo
Deve-se reconhecer que há avanços com relação ao ensino de língua
materna nos documentos que norteiam a educação básica, pois passaram a
considerar os aspectos políticos, sociais, históricos e culturais da língua, valorizando
a variação linguística, que deve ser um dos pontos trabalhados pelo professor. Mas,
também é fato que ainda há uma grande diferença entre o que pregam os
documentos oficiais e a prática em sala de aula. Em parte isso talvez se deva ao
tempo escasso de que o professor dispõe para se voltar à teoria e refletir sobre seu
próprio desempenho em sala de aula.
O Estado do Paraná, pioneiro neste tipo de formação continuada,
oportunizou este momento através do PDE, quando depois de alguns anos de
experiência prática em sala de aula, podemos retornar às instituições de ensino
superior e buscar referenciais teóricos para atender ao que se propõe no ensino de
língua portuguesa. Os caminhos percorridos durante o processo estão a partir daqui
sintetizados, comunicando aos colegas professores e outros interessados os
conhecimentos aqui construídos.
Inicialmente, partiu-se para o acesso a livros e a outras fontes sobre os
temas de estudo que sustentassem teoricamente o trabalho. Nesta fase, buscou-se
compreender as concepções de língua e linguagem mais adequadas para o ensino
proposto atualmente, observando a importância da introdução da linguística e da
sociolinguística nos debates sobre o ensino da língua portuguesa no Brasil, o que
tem trazido contribuições pedagógicas interessantes.
A partir das primeiras leituras ficou claro que havia a necessidade de se
conceituar adequadamente alguns termos que pareciam corriqueiros, como: “norma
culta” e “norma padrão”, “norma estigmatizada” e “norma de prestígio”,
principalmente porque no discurso dos professores de língua portuguesa sempre se
ouve que devemos ensinar a “norma padrão”, que é aquela que o aluno não sabe,
visto que a língua materna ele já domina.
Irandé Antunes (2007, p. 86), vem contribuir no sentido de conceituar
inicialmente norma, que é “aquilo que corresponde ao regular, ao usual, ao que mais
frequentemente as pessoas usam. Por esse prisma, o termo norma linguística
implica o conceito de normalidade, e não o caráter de certo ou correto." Com isso
entende-se que norma é o que é utilizado de acordo com a preferência das pessoas.
Já a expressão “norma culta” sempre foi empregada na escola no sentido do
que é “modelo”, “correto”, porém esse conceito nos faz ter cautela e refletir sobre
seu sentido ideológico, uma vez que quem a adota é que é culto e os que não a
utilizam não têm cultura. Analisando a questão por um viés mais otimista, pode-se
entendê-la como uma exigência da comunicação que envolve situações mais
formais de uso da língua oral e escrita, mas está vinculada mais frequentemente aos
grupos sociais que exercem atividades no âmbito da comunicação escrita, como nos
livros, na mídia impressa e nos meios acadêmicos (ANTUNES, 2007).
Cabe ainda explicar, que segundo Antunes (2007), é senso comum no
imaginário social que:
a norma culta representa uma marca de excelência ou, pelo menos, da boa qualidade de uso da língua; quer dizer, instala-se a vinculação entre a boa linguagem e a classe social de maior prestígio. Consequentemente, essa norma culta é a norma prestigiada, e norma estigmatizada é exatamente a norma da classe menos favorecida (ANTUNES, 2007, p. 90).
Desta forma, acaba se vinculando o entendimento de “norma culta” a toda
forma de poder, que por consequência pode gerar o preconceito linguístico e social.
Ainda se faz necessário explicar o que vem a ser a “norma padrão”, que é o
conjunto de prescrições tradicionais, inspiradas em usos de autores clássicos e que
historicamente sempre esteve associada a uma sociedade letrada que quer garantir
uma uniformidade linguística estandardizada, enfatizando o geral e não as
particularidades ou as variações (ANTUNES, 2007).
Por causa desses equívocos, é que muitos professores e outros segmentos
da sociedade ainda resistem em compreender que o bom uso da língua é aquele
que é adequado às condições de uso.
A partir dessas reflexões, a sociolinguística foi acrescentando a ideia de
heterogeneidade das línguas, variação e mudança linguística, níveis de fala,
competência comunicativa, estratificação e interação social; conceitos importantes
para tratar problemas linguísticos no âmbito escolar (BORTONI-RICARDO, 2004;
LABOV, 2008).
Os referenciais teóricos forneceram subsídios para a compreensão dos
papéis sociais, que nos levam a entender as migrações do discurso em função do
lugar social ocupado pelo sujeito que o produz, com relação aos múltiplos sentidos,
aos diversos gêneros textuais, aos fatores extralinguísticos, da língua como prática
social e do prestígio de certas variedades linguísticas em detrimento de outras. Entre
os fatores que originam a variação estão os geográficos, sociais (idade,
sexo/gênero, profissão, grau de instrução, padrão cultural), estilísticos, históricos e
outros relacionados à função e contexto da interação.
A sociolinguística estuda a variação diatópica, que compreende os
regionalismos, a partir do ponto de vista sincrônico, implica no estudo dos falares de
cada região, com seus sotaques, ritmos de fala, pronúncia, construções sintáticas e
significações semânticas e neste trabalho, o enfoque pretendido foi a nível lexical.
Os estudos de cunho geográfico diferenciam a variação urbana da variação
rural, esta última sendo muitas vezes estigmatizada em função do prestígio daquela
que é utilizada pelos meios de comunicação, ou ainda pelo fato de um dialeto falado
numa região pobre ser considerado “ruim”, enquanto que outro falado numa região
rica e poderosa seja considerado “bom” (BORTONI-RICARDO, 2004).
No caso de Foz do Iguaçu, as influências geográficas não puderam ser
analisadas sem se levar em conta o fator histórico, pois a formação da população
em muito se deve à construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a partir dos anos 70,
quando um grande contingente de pessoas chegou para trabalhar, “inchando” a
cidade e contribuindo e/ ou descaracterizando a cultura local (CATTA, 2002).
Os estudos prosseguiram na busca por suporte teórico sobre a questão dos
estrangeirismos e empréstimos linguísticos, então se retomaram os pressupostos de
que a língua é heterogênea e passível de variação e mudança, portanto não se
mantém pura, mesmo considerando-a “propriedade” de uma comunidade linguística.
Isso decorre do fato de que as línguas existentes no mundo não são estáticas, nem
isoladas, estão em constante contato, o que provoca dois fenômenos linguísticos: o
estrangeirismo e o empréstimo. E assim, o léxico das línguas vai se renovando e se
ampliando.
Esses fenômenos linguísticos resultam de um contato entre populações que
passam a conviver num mesmo território, ou do predomínio cultural de um país em
determinada época ou ainda do poder econômico, científico e/ou tecnológico, como
é o caso do inglês atualmente (CARVALHO, 2009).
Considerando a evolução vertiginosa pela qual a sociedade vem passando,
nas últimas décadas, a língua sendo sócio-histórica, reflete também uma busca pelo
novo, dando origem a neologismos ligados às mais diversas atividades como a arte,
a ciência, a economia e principalmente a tecnologia, muitos deles são formados a
partir de empréstimos e estrangeirismos.
Depois desse percurso teórico, o projeto de intervenção foi concluído. Em
seguida, praticamente foram elaborados paralelamente o Grupo de Trabalho em
Rede - GTR e a construção do material didático – Caderno Pedagógico.
4 Grupo de Trabalho em Rede – GTR
Após a fase das pesquisas sobre o objeto de estudo, foi oportunizado aos
professores PDE que socializassem com educadores da rede estadual o projeto de
intervenção e uma pequena parte do material didático, que se encontrava em início
de elaboração.
Todo o trabalho aconteceu no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)
Moodle, do Portal Dia a Dia Educação, onde os cursistas se inscreveram optando
pelo assunto de seu interesse. O curso aconteceu de março a junho de 2010,
compreendendo vários módulos, com atividades de leitura, reflexão, discussão,
questionamentos, troca de experiências, numa relação dialógica, onde todos
puderam contribuir e aprender.
Algumas dificuldades foram enfrentadas neste período, como o texto
escolhido para a disciplina de Língua Portuguesa pela coordenação do PDE,
enfocando os Gêneros Discursivos, o que acabou desmotivando de certa forma
alguns cursistas que esperavam que já fosse abordado o tema “Variação
Linguística”.
Outro ponto sensível desta etapa do programa foi o obstáculo que se
apresentou para alguns professores do grupo referente à utilização do Ambiente
Virtual de Aprendizagem, fato que demonstra a necessidade urgente de adaptação
do meio educativo aos avanços tecnológicos a que os nossos alunos e as escolas
do Paraná têm acesso.
Alguns professores aplicaram parte do material didático que já estava
elaborado nas turmas com as quais trabalhavam, o retorno foi muito interessante e
contribuiu para dar o aval no sentido de se perceber que o caminho traçado até
então estava certo.
5 Construção e implementação do Caderno Pedagógico
Como parte integrante das atividades do PDE, a produção didático-
pedagógica considerada mais adequada foi o Caderno Pedagógico, que é um
material composto por unidades, com abordagem centrada no tema de estudo,
contendo fundamentação teórica e atividades sugeridas para serem trabalhadas
pelos professores.
A produção em questão foi desenvolvida na intenção de fornecer subsídios
para o educador de língua portuguesa pensar sobre uma pedagogia para a
educação linguística, pois nesta importante função ele tem o compromisso de formar
o aluno, desenvolvendo suas capacidades de reflexão sobre a linguagem e o uso
crítico da língua. Como língua e linguagem são indissociáveis e fazem parte da
identidade do indivíduo, o trabalho do professor de língua portuguesa não pode
deixar de contemplar o maior número possível de suas facetas, em especial aquelas
mais envolvidas na vida social.
As atividades propostas procuraram abordar alguns aspectos acerca das
linguagens que permeiam diferentes gêneros textuais (orais e escritos), no sentido
de apresentar a língua como fenômeno social e histórico, na sua diversidade,
compreendendo-a como instrumento de apropriação e produto da cultura.
No retorno ao colégio para iniciar a aplicação do material produzido, foi
necessária primeiramente uma conversa, procurando sondar entre as três turmas de
sétima série qual teria mais alunos com perfil para a pesquisa. Isso se deu levando o
assunto do projeto através das atividades de sensibilização contidas no caderno
pedagógico.
A primeira unidade continha vídeos que mostravam três diferentes situações
de comunicação, com variedades linguísticas distintas, então os alunos foram
provocados a falar sobre língua, linguagem, para verificar se percebiam diferenças no
uso da língua, como isso ocorria e se consideravam importante estudar a língua
portuguesa. Também a intenção naquele momento foi verificar quais os conhecimentos
prévios que tinham a respeito do assunto.
A turma da 7.ª C, do período matutino, se mostrou muito interessada, então
foi apresentada aos alunos a proposta de trabalho, procurando fazer um pacto com
eles no sentido do comprometimento e da responsabilidade de todos para os
objetivos que se pretendia alcançar.
Alguns pontos explicitados a eles no início foram:
o que é uma pesquisa;
diferença entre a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo;
o olhar que o pesquisador deve ter;
a importância da observação;
a reflexão sobre os fatos observados;
o registro das verificações.
A motivação dos alunos foi conseguida principalmente pelo fato de a
metodologia ser diferenciada, saindo das aulas tradicionais em que as normas
gramaticais e os exercícios sistematizados seriam deixados de lado, dando lugar a
análises de situações reais de uso da língua utilizando vídeos, letras de música,
textos pertencentes aos gêneros digitais, além de outros como piadas e textos
literários (estes normalmente já bem conhecidos nas aulas de língua portuguesa).
No trabalho com as atividades da segunda unidade, foram trabalhados
alguns conceitos ligados à variação linguística como: fatores que podem influenciar
nas variedades, norma culta, norma padrão e preconceito linguístico, gíria, jargão,
regionalismos, estrangeirismos e neologismos. Passou a ser frequente nas falas dos
alunos o relato de situações que eles viam e ouviam na mídia (rádio e TV), nas falas
de colegas, de professores e nos ambientes em que viviam.
Seguem alguns pontos levantados pelos alunos e que foram discutidos:
as diferenças da língua utilizada no Brasil e em Portugal;
a língua ensinada na escola é muito diferente da que eles usam nos
ambientes em que vivem;
a língua que eles falam é “errada”, por isso é muito difícil aprender a “certa”;
só se valoriza a norma culta da língua;
há muitas variações no uso da língua nos diversos ambientes em que estas
são usadas;
presença de muitos sotaques regionais, de outras línguas e do portunhol na
fala da população da cidade;
diferenças entre a fala e a escrita;
as formas de uso da língua escrita nos gêneros digitais, como Messenger
(MSN) e Orkut;
há muitas situações de preconceito linguístico no dia a dia e na mídia
televisiva.
Um dos momentos especiais na realização do trabalho foi quando,
abordando as gírias utilizadas por determinadas profissões, foi lido o texto Buchicho
de Barrageiro3, que narra de forma muito bem humorada, uma passagem na vida do
3 Texto que faz parte do livro “Pedaços de Emoções”, de José M.
operário Mixaria, que foi fichado no Tio Nico4 para trabalhar no Canteiro de Obras. O
personagem, no dia em que recebeu o primeiro pagode5, foi festejar no Pé Inchado6,
onde ficou de olho em uma mina7. Porém, um moreno cabo-aéreo8, o espantou com
um berro9, fato que fez com que Mixaria pedisse a quita10 e corresse o trecho11.
Para compreender o texto mencionado, os alunos tiveram que realizar
pesquisas junto a pessoas que trabalham ou já haviam trabalhado no Canteiro de
Obras para buscar os significados das palavras que faziam parte do jargão dos
barrageiros. Perceberam então que muitas delas já se integraram à fala local, como:
chirá ou chirum: amigo paraguaio;
deitar o cabelo: deixar um lugar rapidamente;
facão: demissão de empregados; referência à redução de pessoal;
fichar: empregar-se com registro em empresa;
gibi: carteira profissional;
sonrisal: marmitex, quentinha.
A pesquisa prosseguiu e os alunos, em grupos, de forma mais sistematizada,
partiram a campo com gravadores à mão, observando e descobrindo como a língua
funciona através dos dados que foram coletando. A preparação para esta tarefa foi
muito importante: fizeram pesquisas na internet, planejaram entrevistas, discutiram
qual a postura que deveriam ter para que os entrevistados ficassem à vontade e,
principalmente, não monitorassem muito a fala, para isso escolheram assuntos não
relacionados à forma de falar das pessoas, pois “o objetivo da pesquisa linguística na
comunidade deve ser descobrir como as pessoas falam quando não estão sendo
observadas – no entanto, só podemos obter tais dados por meio da observação
sistemática” (LABOV, 2008, p. 244).
De posse do material gravado, analisaram a variedade linguística empregada
por cada entrevistado e verificaram mais casos de uso informal do que formal,
variações regionais a nível fonológico, mas também lexical, gírias, e palavras do
espanhol e do portunhol. Através da escuta repetida das entrevistas, procurou-se
4 Contratado com registro para trabalhar na empresa Unicon.
5 Pagamento; salário.
6 Zona de meretrício, nas proximidades do Canteiro de Obras.
7 Mulher, menina-moça, namorada.
8 Pessoa muito alta.
9 Revólver.
10 Demissão do empregado.
11 Ir de um lugar a outro à procura de emprego; deixar a empresa em que trabalha.
identificar elementos sociais que favoreceram a variação e recursos próprios da fala
que fazem com que a variação encontrada ocorra.
Especificamente sobre os estrangeirismos e empréstimos linguísticos, os
grupos percorreram ruas do centro da cidade, dos bairros próximos ao colégio e
registraram inúmeras ocorrências desses fenômenos linguísticos por meio de fotos de
fachadas, placas e painéis publicitários.
A partir da coletânea visual das ocorrências de estrangeirismos, houve
discussão sobre os motivos que poderiam ter levado àquelas escolhas, bem como sua
origem e os seus significados. Verificou-se que a maioria dos vocábulos encontrados
são originários do inglês, contrariando a expectativa de alguns alunos, que pensavam
ser do espanhol, já que aqui o contato mais íntimo se faz com este idioma devido à
Tríplice Fronteira. Também foram encontrados vocábulos originados do francês, do
italiano, do árabe e do japonês.
Algumas colocações feitas pelos alunos foram muito interessantes como:
o motivo da escolha por termos de outras línguas encontrados em fachadas
do comércio, principalmente oriundos do inglês, denota uma ideia de novo,
de moderno, por isso chamaria mais a atenção dos clientes;
o uso de palavras de outros idiomas não vai descaracterizar a nossa língua,
pois ela já foi influenciada por outras línguas e o Brasil é formado por várias
etnias;
em alguns casos evidenciados até poderia se fazer a opção pelo termo em
português;
nem tudo que parece realmente é (falavam sobre o caso dos “falsos
amigos” em espanhol);
as palavras encontradas nomeiam lojas ligadas à beleza, saúde,
alimentação, turismo e vestuário.
Dentre os exemplos de estrangeirismos encontrados, seguem alguns com as
informações pesquisadas pelos alunos:
Exemplo 1: Shawarma & Cia – Stuff Pub (fachada de um restaurante/bar).
Shawarma – palavra de origem árabe, que dá nome a um sanduíche
típico feito com pão sírio recheado de carne assada em churrasqueira
especial (churrasco grego), com salada e batatas fritas.
Stuff – palavra do inglês que significa „coisa, material, produto‟.
Pub – do inglês, traduz-se como „bar, cervejaria‟.
Exemplo 2: Crazy Cone Pizza (fachada de uma pizzaria)
Crazy – palavra inglesa que significa „louco, doido‟.
Pizza – palavra de origem italiana, sendo um empréstimo linguístico, já
adotado pelo português.
Exemplo 3: Tutti Yogu – frozen yogurt – sorvete italiano – milk shake
(fachada de uma sorveteria).
Tutti – palavra do italiano, traduz-se como „todos‟.
Frozen yogurt – do inglês, traduz-se como „iogurte congelado‟.
Milk shake – do inglês, „batida de leite‟, „leite batido com sorvete‟.
Exemplo 4: Tutti Pane – pães, doces, salgados e lanches (fachada de
uma panificadora).
Pane – do italiano, significa „pão‟.
Exemplo 5: Casa da Sfiha (com variações como esfiha, em outras
fachadas)
Sfiha/esfiha – palavra de origem árabe que significa „uma espécie de torta
assada originária da Síria e do Líbano‟.
Exemplo 6: Dolce Vita – Menu Express (fachada de um restaurante).
Dolce – do italiano, traduz-se como „doce‟.
Vita – também do italiano, significa „vida.
Menu – do francês, traduz-se como „cardápio; lista dos pratos que se
servem numa refeição‟.
Express – originário do inglês, significa „rápido‟.
Exemplo 7: Tokio Cosméticos – Beauty Color Fashion (fachada de uma
loja de produtos de beleza).
Beauty – do inglês, traduz-se como „beleza‟.
Color – palavra inglesa que significa „cor‟.
Fashion – vocábulo do inglês, que significa „moda‟.
Exemplo 8: Gottardo Hair Stylist (fachada de um Salão de Beleza).
Hair – do inglês, significa „cabelo‟.
Stylist – também do inglês, traduz-se como „estilista‟.
Exemplo 9: Fitfoz Evolucion (fachada de uma academia de ginástica).
Fit – palavra proveniente do inglês, provavelmente uma redução de
fitness, significando „boa forma física‟.
Evolucion – do espanhol, traduz-se como evolução.
Exemplo 10: Donna Scarpe (fachada de uma loja de sapatos femininos).
Donna – do italiano, significa „mulher.
Scarpe – palavra italiana, traduz-se como „sapato‟.
Exemplo 11: Stop Jeans (fachada de uma loja de roupas).
Stop – do inglês, significa „parar; pare‟.
Jeans – palavra de origem inglesa, mas totalmente adaptada ao nosso
idioma, traduz-se como calças feitas do tecido muito resiste de mesmo
nome.
Exemplo 12: Souvenirs – presentes artesanais (fachada de uma banca
onde se vendem lembranças da cidade).
Souvenir – palavra francesa que significa „lembrança; presente de
amizade para servir de lembrança‟.
Exemplo 13: Anny Bijoux (fachada de uma loja de bijuterias).
Anny – nome que seria uma variação de Ana, nome fantasia da loja.
Bijoux – do francês, significa „joias‟.
Exemplo 14: Love Lingeries e Acessórios (fachada de uma loja de
lingeries).
Love – do inglês, significa „amor‟.
Lingerie – palavra francesa que significa „conjunto de peças íntimas do
vestuário feminino, geralmente de tecido fino e leve‟.
Exemplo 15: Di Capri Atelier (fachada de uma loja de confecção e
aluguel de trajes sociais, para festas e formaturas).
Di Capri – de origem italiana, refere-se a um lugar da Itália.
Atelier – palavra francesa, empregada como „oficina; lugar onde se
trabalham artesãos, artistas‟. Já possui a forma aportuguesada „ateliê‟.
Exemplo 16: Panorama Home Center (fachada de uma loja de materiais
de construção e produtos para casa).
Home – do inglês, significa „casa‟.
Center – palavra inglesa que significa „centro‟.
Juntas, como expressão, é usada atualmente como „uma grande loja de
materiais de construção‟.
Exemplo 17: Agro Center Pet Shop
Agro – do verbete latino agru, refere-se ao „cultivo da terra‟.
Pet – palavra inglesa que significa „animal de estimação‟.
Shop – do inglês, traduz-se como „loja‟.
Exemplo 18: Iguassu Convention Center (fachada de um Centro de
Convenções de um hotel)
Iguassu – usada na língua inglesa para se referir a Foz do Iguaçu.
Convention – do inglês, significa „convenção‟.
Exemplo 19: Churrascaria La Estancia (fachada de um restaurante).
La estancia – do espanhol, traduz-se como „habitação, moradia; casa de
campo‟.
Exemplo 20: Labs Computer (fachada de uma loja de venda e
manutenção de computadores e produtos de informática).
Labs – do inglês, significa „laboratório‟.
Computer – palavra inglesa, traduz-se como „computador‟.
Como atividade avaliativa, resultante do estudo dos questionamentos, das
reflexões e dos conhecimentos adquiridos, os alunos pesquisadores produziram
esquetes em vídeos gravados com recursos simples, como aparelhos celulares e
câmeras digitais, onde demonstraram diferentes situações representando diversos
atores sociais.
A turma ainda organizou um mural expondo a toda a comunidade escolar
resultados da pesquisa desenvolvida, onde escreveram “A mistura linguística da região
é que dá um sabor especial à nossa língua e serve como marca registrada da cultura
local, refletindo todas as influências históricas, étnicas e culturais”.
Acreditamos que a pesquisa realizada pelos alunos foi muito útil no sentido de
verificar que a língua portuguesa que usamos não é uniforme, mas apresenta
variações de diversos tipos.
6 Conclusão
Com base no estudo aqui apresentado, pode-se concluir que não há como
realizar uma educação linguística principalmente sem o respeito ao sujeito, suas
raízes e sua cultura, pois um dos objetivos do ensino da língua é formar o cidadão
conscientizando-o de toda a riqueza linguística que se apresenta nas diversas
variedades que são encontradas diariamente nos atos de fala.
Através das ideias discutidas, fundamentadas teoricamente, sabe-se da
importância do ensino de língua portuguesa na escola, sobretudo pelo baixo
desempenho linguístico que os alunos têm demonstrado nos exames nacionais que
avaliam o ensino básico nas séries finais e que devem ser superados.
Pesquisas na área da sociolinguística defendem que entre os pressupostos
para o ensino deve estar o desenvolvimento da capacidade do aluno em utilizar a
língua de forma eficiente nas mais diversas situações comunicativas. Por isso cabe
ao professor analisar esses usos linguísticos com seus alunos aplicando novas
estratégias de ensino, buscando não utilizar somente aulas tradicionais em que as
normas gramaticais são o foco principal.
Isto não significa que não se deva trabalhar a norma culta da língua, mas
não somente esta, pois a escola é o ambiente ideal para desenvolver a capacidade
linguística dos alunos. Usuários da língua eles já são, uma vez que quando chegam
à escola já usam a língua materna de forma competente, mas precisam ampliar os
recursos comunicativos para atender a qualquer que seja a situação a que serão
expostos, como afirma Bortoni-Ricardo (2004):
A escola é, por excelência, o locus – ou o espaço – em que os educandos vão adquirir, de forma sistemática, recursos comunicativos que lhes permitam desempenhar-se competentemente em práticas sociais especializadas (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 75).
Assim também explicam as Diretrizes Curriculares:
É nos processos educativos, e notadamente nas aulas de Língua Materna, que o estudante brasileiro tem a oportunidade de aprimoramento de sua competência linguística, de forma a garantir uma inserção ativa e crítica na sociedade. É na escola que o aluno, e mais especificamente o da escola pública, deveria encontrar o espaço para as práticas de linguagem que lhe possibilitem interagir na sociedade, nas mais diferentes circunstâncias de uso da língua, em instâncias públicas e privadas. Nesse ambiente escolar, o estudante aprende a ter voz e fazer uso da palavra, numa sociedade democrática, mas plena de conflitos e tensões (PARANÁ, 2008, p. 38).
Através dessa perspectiva amparada na sociolinguística, o trabalho com a
língua em sala de aula deve ser de levar aos alunos os mais variados usos que
circulam socialmente, refletindo sobre os valores que estão embutidos em cada um
deles, fazendo com que percebam que as variedades não podem ser consideradas
“erros” e sim diferenças, que são comuns em todas as línguas faladas, pois estas
são passíveis de variações e mudanças (LABOV, 2008).
O professor que entende a linguagem como interação deve propor aos seus
alunos atividades que levem à reflexão, provocadas por questões regionais, sociais
ou situacionais, considerando que a linguagem é uma atividade humana social e
histórica, logo não está separada do indivíduo, faz parte dele, no cotidiano, em todos
os domínios sociais, por isso toda forma deve ser valorizada sem que haja qualquer
tipo de preconceito (BAGNO, 2000).
Em muitas situações, os professores, pela sua formação tradicional, têm
dificuldade em se despir de seus próprios preconceitos, porém isso é necessário
como estudiosos da língua que são, ou devem ser, para que possam dar novos
significados aos seus conceitos de língua, linguagem e ensino/aprendizagem de
língua materna.
Atividades de pesquisa na escola, como as relatadas neste texto,
proporcionaram a superação de questões que são ouvidas durante as aulas, como:
“eu não sei nada de português”, “por que eu preciso aprender português?”. A partir
das evidências que os próprios alunos iam percebendo, concluíram que não
dominam as regras, mas que podem dominar a língua, desde que reflitam sobre
seus mais variados usos, nas mais diversas situações, não deixando de valorizar
uma variante em detrimento de outra e que todas elas são igualmente importantes.
Para que os educandos chegassem a essa maturidade em relação à língua
foi exaustiva a tarefa, questionando, sugerindo, provocando, exigindo explicações,
polemizando. Mas foi gratificante perceber a importância que se deram quando
assumiram o papel de pesquisadores da linguagem, com olhares curiosos, pois
dessa forma observaram a língua nas diversas faces que ela pode ter,
principalmente levando-se em conta todas as características locais já descritas
anteriormente.
A aprendizagem alcançada através de situações concretas, em que os
alunos puderam interagir, refletir sobre os recursos expressivos, trabalhar com a
língua, analisar seu funcionamento, por mais superficial que tenha sido (em se
tratando de alunos de 7.ª série), foi muito significativa para eles.
As ideias aqui colocadas não esgotam o tema, pois há muito ainda que se
teorizar, discutir e fazer em sala de aula. Os estudos de natureza sociolinguística
podem ampliar o ponto de vista do educador com relação à linguagem e suas
variações, contribuindo muito com a escola, numa visão mais humana e menos
estigmatizante.
O que se desejou foi propor reflexões acerca do assunto exposto,
procurando amenizar a situação de incomodação na qual os educadores de língua
portuguesa se encontram, principalmente porque sabem que as velhas posturas
tradicionais devem ser substituídas, mas não sentem segurança suficiente em fazê-
lo. Na verdade, este texto pode ser um estímulo e um auxílio para o constante
trabalho do educador de língua materna que, como diz Bagno, “reconhece que a
escola é o lugar de interseção inevitável entre o saber erudito-científico e o senso
comum e que isso deve ser empregado em favor do/a estudante e da formação de
sua cidadania” (BAGNO, 2007, p. 78).
Em se fazendo dessa maneira, com certeza, o professor de língua
portuguesa terá melhores resultados no processo de ensino/aprendizagem.
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