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DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E SUAS IMPLICAÇÕES - VIEIRA, Sinai Bomcompanhe; FERNANDES, Edicléa Mascarenhas
Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de
dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4
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DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO
DOS CONCEITOS E SUAS IMPLICAÇÕES
VIEIRA, Sinai Bomcompanhe
Mestranda do CMPDI-Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão da UFF
E-mail: sinaibomcompanhe@hotmail.com
FERNANDES, Edicléa Mascarenhas
Professora adjunta da UERJ e professora colaboradora do CMPDI da UFF
E-mail: profaediclea@gmail.com
RESUMO: A história da pessoa com deficiência mental/intelectual nos apresenta diversas etapas de
vermos esse indivíduo e sua relação com o mundo. Várias terminologias foram usadas para
classificá-los ao longo dos anos e variavam conforme o que a sociedade esperava e sabia sobre eles.
Dessa forma procuramos nesse artigo apresentar uma breve retrospectiva histórica iniciada a partir do
século XIX até os dias atuais dos conceitos de deficiência intelectual, tecendo comentários e
considerações sobre o que cada um desses conceitos representou na vida dessas pessoas. Servimo-nos
para isso de uma revisão bibliográfica, apoiada em autores que produziram material para que
pudéssemos refazer essa trajetória. O que pudemos concluir é que avanços significativos aconteceram e
acarretaram mudanças no conceito e atitudes que nos permitiram, em particular, redimensionar a
educação desses sujeitos.
Palavras-Chave: Deficiência Intelectual. Conceitos. Educação.
ABSTRACT: The history of the person with mental / intellectual disabilities presents different ways of
seeing this individual and his relationship with the world. Various terminologies were used to classify
them over the years and varied as the company hoped and knew about them. Thus we seek in this article
provide a brief historical retrospective started from the nineteenth century to the present day of
intellectual disability concepts and considerations commenting on what each of these concepts
represented in their lives. We employ to that of a literature review, supported and authors who have
produced material so that we could redo this trajectory. What we can conclude is that significant
advances have happened and led to changes in the concept and attitudes that allowed us, in particular,
resize the education of these subjects.
Key Words: Intellectual Disability. Concepts. Education.
INTRODUÇÃO
A história da humanidade é marcada por mudanças. A grande maioria delas trazidas por
descobertas que não permitiram que se continuasse a ver o mundo e as pessoas da mesma
forma. Tudo muda, se transforma, evolui. No cenário da história da pessoa com Deficiência
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Intelectual1, não é diferente, ele se apresenta de variadas maneiras, dependendo do tempo em
que o olhamos. No decorrer dos anos, a deficiência vai tomando novo caráter, nova identidade e
segue avançando e se individualizando quando o homem consegue finalmente distingui-la de
outras condições. Quando ela deixa de ser vista simplesmente pelo aspecto nosográfico e passa
a ser analisada em função de suas peculiaridades, seus ajustes ou necessidades destes com o
mundo.
Neste artigo abordamos algumas fases e suas respectivas visões e ações oferecidas às
pessoas com Deficiência Intelectual. Nossa retrospectiva se inicia no século XIX e discorre
sobre alguns aspectos e nomes importantes para a construção de conhecimento necessário ao
ajustamento da sociedade a essas pessoas. Nossa metodologia é a revisão bibliográfica, onde
procuramos brevemente apresentar a história do emprego dos conceitos e suas implicações na
vida desses que foram por tantos séculos marginalizados.
O texto esta estruturado em três seções I- Conceitos e suas Implicações: onde fazemos o
recorte da história da pessoa com Deficiência Intelectual a partir do século XIX até o século
XXI, especificamente até o ano de 2010, II - Fundamentação Teórica: apresentação do
principal suporte teórico que nos moveu e que viabilizou a releitura de nosso objetivo e III-
Resultados Alcançados: Neste capítulo discutimos a relevância da pesquisa enquanto
elucidadora da necessidade de revermos nossa postura diante das pessoas com Deficiência
Intelectual, enquanto professores e principalmente, enquanto seres humanos.
1. CONCEITOS E SUAS IMPLICAÇÕES
No começo de nossa pesquisa, a partir do século XIX, as pessoas com deficiência
mental2 eram segregadas em instituições que pretendiam oferecer-lhes uma educação à margem
da sociedade de onde provinham. Dentro desse século temos a fase da institucionalização
configurada pela concepção organicista, que trazia a ideia de a deficiência mental ser
hereditária. Dessa forma a segregação era considerada necessária para combater e impedir a
propagação da “doença”. Nesta mesma ocasião, no nosso país, não existia nenhum interesse
1 Utilizaremos-nos desse termo todas as vezes que não apresentarmos definições/conceitos de outrem.
2 O termo deficiência mental começou a ser utilizado a partir do século XIX, e possuía um caráter estritamente
configurado pelo “modelo médico”, para nomear, classificar as pessoas que apresentavam problemas em seu
desenvolvimento mental, que repercutia negativamente em seu desempenho autônomo e independente, assim
como em sua adaptação ao meio social.
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pela educação das pessoas consideradas idiotas e imbecis, persistindo, deste modo, a era da
negligência (MENDES, 1995; DECHICHI, 2001).
A criação do “Instituto dos Cegos”, atual Instituto Benjamim Constant e o “Instituto dos
Surdos”, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos foram marcadores da Educação
Especial, no século XIX. Ambas as iniciativas partiram do Governo Imperial e foram
implementadas no Rio de Janeiro. Marcava-se dessa forma o início da história da Educação
Especial no Brasil. (BUENO, 1993).
Apesar da significativa expressividade da criação desses centros de atendimento, às
pessoas cegas e surdas, a população de pessoas com as deficiências atendidas por esses
institutos era ínfima. Dos mais de 15.800 cegos e mais de 11.500 surdos, apenas 35 cegos e 17
surdos eram atendidos (MAZZOTTA , 1996, p.29). Esses números representam um percentual
de 0,22% e de 0,15% de atendimento respectivamente denotando uma realidade de dívida à
maioria dos necessitados
O que havia até então em termos de Educação Especial eram centros voltados à
deficiências, por assim dizer, de fácil detecção ( visual, auditiva, física) . A deficiência mental
mantinha-se sob a égide da medicina e no campo da educação, sob a do obscurantismo, até que
alguns nomes se destacam e prenunciam um avanço no conceito e na educação dessas pessoas .
Dentre eles podemos destacar, conforme quadro 1 abaixo.
Quadro 1 – Pontos de Vista sobre a Deficiência Intelectual no séc. XIX.
Jean-Jacques Gaspar Itard 3 Médico-Fundador da Psicologia Moderna e da
Educação Especial.
Considerava a idiotia4 uma deficiência cultural
Philippe Pinel5 Médico – Considerava a idiotia uma deficiência
biológica.
Fonte: Próprio autor.
O fato de Itard considerar a idiotia (um dos termos empregados à época) como uma
deficiência cultural e Pinel, uma deficiência biológica, suscita, ainda hoje, problemas na
avaliação de especialistas em determinar com mais precisão a origem da deficiência mental,
3Estudou durante três anos o menino Victor considerado o selvagem de Aveyron O relato dessa experiência está
ricamente descrito por Itard na obra Memoire sur lês premiers développements de Victor del´Aveyron. 4 Idiotia “A idiotia é uma enfermidade do sistema nervoso que tem por efeito radical subtrair todo ou parte dos
órgãos e faculdades da criança à ação regular de sua vontade e se aponta sob duas formas essenciais: 1- afecção de
toda ou parte das massas nervosas, que dá lugar a idiotia profunda; 2- afecção parcial ou total dos aparelhos
nervosos, que se ramificam pelos tecidos. Edouard Séguin. 5 Foi influenciado pelo estudo de Foderé- autor da obra “O tratado do bócio e do cretinismo”.
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considerando-se que tanto os aspectos biológicos quanto os ambientais podem se reunir em um
mesmo diagnóstico.
A figura do pedagogo se legitima na Educação Especial, através de Jean-Étienne
Esquirol, que influenciado por Pinel sugere a distinção dos termos “idiotia” e “cretinismo” 6.
Sendo o primeiro não mais considerado uma doença, e sim um estado, passível de mensuração
pelo rendimento escolar. Para Esquirol os idiotas eram o resultado de pessoas que passavam por
carências na fase da infância ou pré e peri-natais, fornecendo dessa forma uma breve distinção
entre doença e deficiência mentais.
O idiota sempre esteve no infortúnio e na miséria. O estado do homem louco
pode variar; o do idiota é sempre o mesmo. Este tem muitos traços da infância,
aqueles que conservam muito da fisionomia do homem feito. Em ambos, as
sensações nulas, ou quase nulas, mas o homem louco, na sua organização e
mesmo na sua inteligência demonstra qualquer coisa de sua perfeição de
outrora; o idiota é o que sempre foi, é tudo o que se pode ser relativamente à
sua organização primitiva... a idiotia começa com a vida ou na idade que
precede o desenvolvimento das faculdades intelectuais e afetivas; os idiotas
são o que virão a ser durante toda a sua vida; neles, tudo revela uma
organização imperfeita ou incompleta no seu desenvolvimento. Não se
concebe a possibilidade de alterar esse estado. Nada será, pois, capaz de dar
aos infelizes idiotas, por um instante que fosse, um pouco mais de razão, um
pouco mais de inteligência (Esquirol apud Giordano, 2000, p.27-28).
Para Esquirol, o idiota não era uma pessoa sem inteligência e sim uma pessoa sem meios
dela se servir. A origem da deficiência mental era, pois, uma consequência do déficit
intelectual.
Nessa ocasião as pessoas com Deficiência Intelectual ainda eram vistas como um perigo
ao meio social, pois estavam atreladas ao preconceito de possuírem caráter duvidoso, agressivo
ou até mesmo criminoso. Em decorrência dessa visão continuaram, como nos séculos
anteriores, sofrendo estigmas e recebendo, em sua maioria, tratamento idêntico ao dispensado
aos doentes mentais, exilados em asilos psiquiátricos.
Avançava, entretanto, com o auxílio de Itard, Pinel, Esquirol, entre outros, a caminhada
rumo à desconstrução do conceito de deficiência mental , que cabe lembrar não acontecia de
forma igualitária em todos os países de economia central e de periferia.
6 Segundo Foderé o cretinismo implica, sobretudo, na degradação intelectual maior ou menor, dependendo do
acometimento da doença.
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No século XX surgiram as organizações internacionais (ONU7, OMS
8, OIT
9, OEA
10,
AADM11
) de defesa dos direitos da população em geral. Originaram-se então lutas em favor da
garantia dos direitos políticos e sociais e na implantação de políticas protetivas e de cidadania
(BEHRING, 2007) para os trabalhadores e mesmo para aqueles que não constituam força de
trabalho, mas que mantinham seu status de cidadão.
Contudo, mesmo no modelo industrial, bem como no capitalismo financeiro, as pessoas
com deficiências não faziam parte do cenário produtivo e consequentemente não gozavam dos
benefícios sociais implantados pela política voltada para o mundo do trabalho. Foi somente
depois, principalmente, da Declaração Mundial dos Direitos Humanos, instituída pela ONU em
1948, considerada um marco para a humanidade, uma vez que a partir dela o homem teria seus
direitos assegurados não somente em seu país de origem, mas também em todos os outros
países membros que assinassem o documento (BOBBIO, 1992), que a diversidade, fator da
condição humana foi reconhecida, conforme esclarece o Artigo II da Declaração:
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades
proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente
de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de
origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra
situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto
político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da
pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou
sujeito a alguma limitação de soberania (ONU, 1998).
A partir dessa Declaração, várias outras, também de caráter universal e especificas para
determinados segmentos da sociedade, até então relegados a um segundo plano, surgiram e
apoiadas por alguns setores da sociedade, como intelectuais com deficiências e familiares de
7 Organização das Nações Unidas (ONU) é uma organização internacional cujo objetivo declarado é facilitar a
cooperação em matéria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento econômico, progresso
social, direitos humanos e a realização da paz mundial. 8 A Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma agência especializada em saúde, fundada em 1948 e subordinada
à Organização das Nações Unidas. 9 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência multilateral ligada à Organização das Nações
Unidas (ONU), especializada nas questões do trabalho. 10
A Organização dos Estados Americanos (OEA) é uma organização internacional criada em 1948, cujos
membros são as 35 nações independentes do continente americano. 11
A American Association on Mental Deficiency (AAMD) – Associação Americana de Deficiência Mental
(AADM) trata de questões da deficiência intelectual. Fundada em 1876 é considerada a mais antiga e a maior
organização a tratar de assuntos relacionados a deficiência intelectual. Em 2006, membros da associação votaram
em mudar o nome da organização, passando a ser denominada American Association on Intellectual and
Developmental Disabilities (AAIDD).
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pessoas com deficiências fizeram coro em prol da garantia efetiva da afirmação da dignidade e
direitos já preconizados nas Declarações. Em países considerados subdesenvolvidos ou
emergentes, como o Brasil, os deficientes mentais/intelectuais tiveram seu reconhecimento de
sujeitos diferenciados na década de 1980.
No decorrer do século XX, organismos internacionais buscaram operacionalizar um
nome para melhor definir as pessoas com deficiência, em especial, as pessoas com deficiência
mental, que durante todo o processo histórico da humanidade, em variadas sociedades
estiveram qualificadas entre as pessoas com transtornos mentais. A população interessada se
organizou a passou a exigir do Estado novas políticas publicas que os reconhecessem como
sujeitos de direito e produtivo.
A Associação Americana de Deficiência Intelectual e Desenvolvimento (AAIDD),
considerada uma referência mundial na área da Deficiência Intelectual, apresentou em 2010, a
mudança do termo “Retardo Mental” para “Deficiência Intelectual12
”. Em 2007 já havia
alterado o nome de sua personalidade jurídica, anteriormente denominada Associação
Americana de Retardo Mental (AAMR). Tais alterações foram frutos de estudos que buscaram
uma melhor aplicabilidade dos termos às características por eles representadas, uma vez que o
construto do conceito não é mais baseado em modelos estáticos de condição humana. Assim a
AAIDD define a Deficiência Intelectual.
A Deficiência Intelectual é definida como limitações importantes que afetam
o funcionamento intelectual, significativamente abaixo da média,
acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em
pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, auto-
cuidados, competência doméstica, habilidades sociais, interpessoais, uso de
recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho,
lazer, saúde e segurança. O início deve ocorrer antes dos 18 anos (AAIDD,
2010, n.p)13
.
Essa definição, não considera apenas o Quociente de Inteligência (QI) baixo como era
diagnosticado na época de Binet,14
. A avaliação é bem mais abrangente, abarcando as
habilidades e dificuldades da pessoa deficiente na execução das atividades do dia a dia, em sua
12
O termo deficiência intelectual passou a existir e figurar na Declaração de Montreal sobre a Deficiência
Intelectual. Resultado das discussões feitas na Conferência Internacional sobre Deficiência de Saúde
(OPM/OMS). Disponível em <http://www.defnet.org.br/decl_montreal.htm>. Acesso 18/12/2015. 13
Tradução nossa. 14
Alfred Binet (1857-1911), pedagogo e psicólogo francês, que ficou conhecido por sua contribuição à
psicometria. Foi o inventor do primeiro teste de inteligência, a base dos atuais testes de QI.
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relação com o meio ambiente, nos cuidados pessoais, aprendizagem acadêmica e atuação
efetiva no meio onde vive.
As pessoas com deficiência intelectual se relacionam com os outros, com o mundo de
forma diferenciada da maioria das pessoas. Seu tempo de aprendizagem costuma ser mais lento
e nesse processo necessitam de suportes e apoios, que variam de acordo com o grau de
dificuldade que essas apresentem. As dificuldades consideradas mais leves costumam constituir
as mais difíceis de serem detectadas, comumente são percebidas na idade escolar.
Faz-se necessário entender quando se inicia o conhecimento cientifico da Deficiência
Intelectual e suas anteriores denominações na história da humanidade: sua associação à doença
mental (transtorno mental), sua separação com essa terminologia e o construto da Deficiência
Intelectual como uma característica da diversidade humana e não um estigma (GOFFMAN,
1999).
Mas, cabe aqui o seguinte questionamento? Por que a preferência da substituição do
termo “Retardo Mental” (RM), para “Deficiência Intelectual” (DI), se os sujeitos classificados
com RM ou candidatos ao “título”, continuariam a ser os mesmos?
Para compreender e tentar responder a essa questão é necessário que avaliemos o
conceito de incapacidade atribuído a essas pessoas e como esse se transformou em face de uma
visão mais ampla entre o sujeito e o meio em que este con(vive).
Segundo Hahn e Hegamin (2001) e Rioux (1997), os fatores orgânicos e sociais dão
origem a limitações funcionais que vão refletir numa incapacidade ou restrição em ambos,
funcionamento pessoal e desempenho de papéis e tarefas esperadas por um indivíduo no
ambiente social. Esta concepção ecológica social da deficiência se reflete também nas
publicações atuais tanto da AAIDD, quanto da Organização Mundial de Saúde (OMS). Da
mesma forma, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF é
descrita como tendo a sua origem na condição de saúde (distúrbio ou doença) pessoal e
desenvolvimento de tarefas e funções esperadas por uma pessoa no ambiente de seu convívio
social.
Para Luckasson e Reeve (2004), cinco fatores importantes precisam ser considerados
quando se pretende selecionar um termo (elencados à esquerda no quadro 1 - abaixo) e segundo
Schalock et al (2007), há um consenso emergente de que o termo atenda a esses cinco critérios
(elencados à direita do quadro 1-abaixo).
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Quadro 2 – Fatores e consenso na seleção de um termo.
Luckasson e Reeve (2004) Shalock et al. (2007)
O termo deve ser específico e se referir a uma
única entidade ao mesmo tempo em que permite
a diferenciação de outras entidades e aprimora a
comunicação;
Reflete mudança na construção da
deficiência descrita pela AAIDD e OMS;
Deve ser usado de forma consistente pelas
diferentes partes ou grupos ( indivíduos,
famílias, escolas, médicos, advogados,
organizações profissionais, pesquisadores e
formuladores de políticas);
Alinha-se melhor com as práticas profissionais
atuais que incidem sobre os comportamentos
funcionais e fatores contextualizados;
O termo deve representar adequadamente o
conhecimento atual e ser capaz de incorporar novos
conhecimentos científicos, bem como os avanços
que ocorrem;
Fornece uma base lógica para a prestação
de suporte/apoio individualizado devido à base
teórica social e ecológica;
Deve ser robusto o suficiente em sua
operacionalização a fim de permitir seu uso para
fins múltiplos, incluindo a definição, o diagnóstico,
a classificação e o planejamento dos níveis de
suporte/apoio;
É menos ofensivo para pessoas com deficiência;
Deve refletir um componente essencial para nomear
um grupo de pessoas, que significa comunicar
valores importantes, especialmente para o grupo.
Está mais consistente com a terminologia
internacional.
Fonte :Revisão Bibliográfica , 2015
Este quadro nos mostra que a mudança do conceito de Deficiência Mental para
Deficiência Intelectual é o reflexo do avanço da compreensão da condição da pessoa deficiente
que deixa de ser vista pelas lentes das limitações e passa a ser vista através das suas
potencialidades, quando o meio em que vivem se tornam mais ajustados a elas ao contrário de
querer adaptá-las ao meio.
Importante analisar as definições que fazem Luckasson e Reeve, quando discorrem, por
exemplo, sobre a necessidade da especificidade do termo referir-se a uma única entidade, fator
que o diferencia de outras e aprimora a comunicação entre diversas pessoas ou grupos, como:
famílias, escolas, médicos entre outros. Quer dizer, quando falarmos de pessoas com
Deficiência Intelectual, estaremos nos reportando entre outros aspectos, a necessidade dessas a
algum tipo de suporte/apoio.
shalock et al nos apresentam bons motivos, também , para a alteração da nomenclatura:
ratificar mudanças na construção da deficiência descritas pela AAIDD e OMS, ser mais
compatível com as práticas profissionais atuais e no aspecto humanitário destaca a forma
menos ofensiva no trato com as pessoas com essa deficiência.
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD), que
na década de 2010, alterou o conceito de “Deficiência mental” para “Deficiência Intelectual”,
em meio a acirradas discussões sobre os termos, em função do aprofundamento nos estudos
sobre as características das pessoas com essa deficiência e sua forma de relacionarem-se com o
mundo foi a principal fundamentação teórica para que retomássemos o caminho de volta ao
século XIX e fizéssemos uma breve retrospectiva da situação desses indivíduos.
Refazer essa trajetória não é fácil, pois não existe literatura especifica, o que há são
autores que nos descrevem como era a vida dessas pessoas em determinados períodos da nossa
história e foi através deles que tecemos nosso recorte apresentado.
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
Nossa revisão bibliográfica possibilitou-nos fazer um breve recorte da pessoa com
Deficiência Intelectual nos mostrando aspectos como a segregação, concepção organicista da
deficiência e o total desinteresse de nosso país pela educação dessas pessoas.
Destacamos alguns avanços como a criação de Institutos (IBC e o INES), implantados
no Brasil Império, com atendimento reduzido as pessoas com deficiência visual e auditiva, mas
que marcaram expressivamente o início do atendimento especializado no Rio de Janeiro.
Constatamos uma mudança no conceito de “deficiência mental”, através de Esquirol,
que a ela atribuiu a condição de estado, passível de mensuração pelo rendimento escolar,
introduzindo assim a figura do pedagogo na educação das pessoas com essa deficiência.
Apresentamos a criação de organismos internacionais, como a ONU, OMS, OIT,
AADM, promotoras dos direitos universais de algumas classes negligenciadas pela sociedade.
Inicia-se nessa época uma luta de intelectuais e membros da família de pessoas com deficiência,
na defesa da proteção dos direitos de cidadania e dignidade destas. Esse movimento é
fortalecido principalmente após 1948, conforme nos esclarece com a Declaração Mundial dos
Direitos Humanos, instituída pela ONU.
Seguimos nossa revisão bibliográfica com a AAIDD, Hahn e Hegamin (2001), Rioux
(1997), Luckasson e Reeve (2004), Schalock et al. (2007), que discutem as causas e
necessidades da alteração de determinados conceitos que em nosso caso particular, sustentam o
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posicionamento da AAIDD na mudança do termo “Deficiência Mental” para Deficiência
Intelectual” para nomear um mesmo grupo de pessoas, em função do progresso nos estudos que
buscaram uma melhor aplicabilidade dos termos às características por eles representadas.
CONSIDERAÇÔES FINAIS
Ao refazermos a trajetória da pessoa com Deficiência Intelectual, percebemos o quanto
importante foi e continua sendo, o desenvolvimento dos estudos na área e a contribuição das
políticas públicas, organizações não governamentais, famílias, intelectuais e dos próprios
sujeitos da questão, para que a inclusão efetiva destas seja efetivamente conquistada na prática.
Percebe-se nesse caminhar, que por muito tempo a deficiência foi atribuída somente ao
individuo e não ao meio em que este estava inserido. Consequentemente o preço pago por essa
concepção foi bastante caro para eles. Variou entre o abandono, segregação, tratamento
indevido, preconceitos, por longos anos.
Atualmente podemos enxergar essas pessoas dentro de uma perspectiva mais favorável
em vários aspectos da sociedade. E vale lembrar, particularmente aos professores que estamos
tratando de Deficiência e não de Incapacidade, diferença que se clarifica quando buscamos na
história os conhecimentos que nos sustentam e nos ajudam na promoção da escolarização
desses que por tanto tempo ficaram à margem da sociedade por falta de informações de quem
deveria trabalhar no desenvolvimento de suas potencialidades.
Já avançamos muito. Não há dúvidas. Temos registros científicos a respeito da
necessidade de Apoios e Suportes na promoção dos ajustes do meio, à pessoa com Deficiência
Intelectual. Temos Declarações, Leis, Notas Técnicas e afins. Também temos a consciência da
realidade que muito nos falta em termos práticos, desde as mudanças das escolas, tanto nos
aspectos materiais como nos humanos, seja na área da saúde, nas vezes em que seus serviços
são indissociáveis à obtenção de sucesso, seja da sociedade enquanto organismo inteiro.
Mas, podemos afirmar que houve evolução e certamente continuará havendo, e que cada um de
nós, envolvidos de alguma forma com as pessoas com Deficiência Intelectual somos
responsáveis por continuar a promovê-la.
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