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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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DESCENTRAÇÃO COGNITIVA E SUA RELAÇÃO COM A
CONSTRUÇÃO DA COOPERAÇÃO
FAETI, Pâmela Vicentini(UEM)1
CALSA, Geiva Carolina(UEM)2
Agência financiadora: CAPES
Introdução
Denominado brincar3 ou jogar, para a criança, o ato lúdico4 se configura como
uma necessidade para sua inserção no meio social, pois é na relação estabelecida
durante a brincadeira que ela pode revelar encontrando espaços de interação entre seu
eu em construção e a realidade cultural e social que a circunda. Santos (2005 apud
BICHARA, 1994; CONTI e SPERB, 2001; KISHIMOTO, 1997) destaca que é por
intermédio da brincadeira que a criança vai se apropriando dos elementos imersos em
sua realidade e ao se expressar pelo brincar recria situações vivenciadas no cotidiano.
Isso oportuniza à criança criar novas possibilidades de pensar e agir, adquirindo para
seu repertório de experiências elementos que irão contribuir para sua formação física,
cognitiva, afetiva e moral.
As teorias a respeito do brincar são unânimes ao destacar os fatores cognitivos e
emocionais que são envolvidos no ato lúdico, além da importância dos valores afetivos
que são empregados nas relações sociais estabelecidas durante esta atividade. São
diversas as teorias que trabalham na tentativa de explicar os comportamentos e fins
assumidos no brincar.
1 Pedagoga e mestranda do curso de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Bolsista do CNPq. 2 Doutora em Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Líder do
Grupo de Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura – GEPAC/CNPq/UEM. Membro do GT sobre Jogo da ANPEPP.
3 Neste texto utilizamos as palavras brincar e jogar como sinônimos. 4 Termo lúdico de acordo com o dicionário Michaels online se refere a jogos e brinquedos ou a jogos
públicos dos antigos. Diponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=lúdico&CP=103430&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50. Acesso 28/10/2011.
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Dentre as teorias sobre o brincar, as denominadas clássicas, a partir de reflexões
filosóficas sobre dados empíricos, buscam o entendimento desta atividade e de seus
propósitos. Entre elas teorias recreacionais e do excesso de energia consideram que a
brincadeira constitui um importante meio de regulação de energia do corpo; enquanto as
teorias de recapitulação e prática tendem a explicar a brincadeira como uma atividade
instintiva (SANTOS, 2005).
Para além das teorias clássicas, as teorias denominadas modernas têm como foco
de investigação não somente a origem do brincar, mas, sobretudo sua importância para
o desenvolvimento infantil. Segundo a autora, para Freud (1969 apud SANTOS, 2005,
s/p.) “o brincar pode ter um efeito catártico, permitindo que a criança se desvencilhe de
sentimentos negativos associados com eventos traumáticos”.
De um ponto de vista próximo destas últimas, Piaget (1994, p. 18 ) em sua obra
O Juízo Moral na criança assinala que a brincadeira é uma forma de consolidar e pôr em
prática aprendizagens recentemente adquiridas.
Através dos processos de assimilação e acomodação, a brincadeira infantil é uma forma de consolidar e pôr em prática comportamentos, conceitos e habilidades previamente aprendidas, ao brincar, a criança não aprende novas habilidades, ela pratica e consolida habilidades recentemente adquiridas. [grifos nossos].
Piaget (1994), ao descrever as brincadeiras, classifica-as e diferencia-as como
jogos de três tipos básicos: 1) jogos de exercícios 2) jogos simbólicos e 3) jogos de
regras. Para o autor, a troca de experiências sociais que ocorre na brincadeira propicia à
criança o desenvolvimento de noções lógicas, do pensamento, da linguagem, da
motricidade, do espaço e do tempo, entre outras aprendizagens.
A brincadeira é uma característica intrínseca à espécie humana, além de sua
importância para o desenvolvimento intelectual, “a curiosidade e a ludicidade seriam
traços herdados filogeneticamente, que impelem a nossa espécie a ‘explorar ativamente
o ambiente buscando situações novas que promovam a aprendizagem’” (BICHARA
apud SEIXAS, 2007, p. 13). Seixas (2007, p. 12) assinala que ao nascer a criança
carrega uma gama de comportamentos que lhe permite a sobrevivência e lhe garante a
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interação e a formação de vínculos sociais. Neste aspecto, a brincadeira surge como um
instrumento que para além do desenvolvimento cognitivo propicia aos indivíduos a
percepção do mundo no qual está imerso e os põe em contato com esse mundo por meio
das relações que são estabelecidas, entre essas as regras.
Apoiando-se em Jonhson, Cristie e Yankey (1999), Santos (2005, s/p) reitera
que a partir da interação da criança com seus cuidadores ela vai adquirindo as
habilidades necessárias para sua inserção no mundo. Ao adquirir tais habilidades
gradativamente sente-se preparada para inserir-se nas brincadeiras sociais, tais como os
jogos de regras.
De acordo com Macedo (1995), o jogo de regra contém um caráter original em
relação aos outros dois tipos (jogos de exercício e jogos simbólicos). Há algo que é original e próprio dessa estrutura de jogos: o seu caráter coletivo. Ou seja, nessa estrutura só se pode jogar em função da jogada do outro, Por exemplo, em uma partida de xadrez, os movimentos da peça de um jogador são feitos em função dos movimentos de seu adversário. Os jogadores, nesse sentido, sempre dependem um do outro (MACEDO, 1995. p. 8).
Nesta perspectiva, em uma primeira pesquisa sobre jogos de regras, buscamos
verificar quais as representações sociais manifestadas pelas crianças no ato de brincar
(Faeti, 2010). Este trabalho foi realizado a partir de uma abordagem qualitativa de
caráter etnográfico. Os dados foram obtidos por meio de observações de crianças entre 9
e 12 anos de ambos os sexos, brincando livremente, bem como de entrevistas
individuais ou em pequenos grupos aleatoriamente organizados nas ruas.
A coleta se deu em comunidades ribeirinhas, na região sul do estado do
Amazonas, às margens do Rio Madeira.5 Para a realização da pesquisa foram
selecionados os dados da região de Humaitá. A coleta de dados foi realizada por meio
de observações diretas do comportamento dos indivíduos em seu ambiente natural. Para
registro das entrevistas utilizaram-se diário de campo e filmagens.
5 Os dados fazem parte do acervo de dados do GEPAC/UEM/CNPQ disponíveis para a análise dos
componentes do grupo.
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As pesquisadoras6 registraram o desenvolvimento dos jogos enquanto as
crianças brincavam e realizavam as entrevistas, a fim de investigar as regras próprias de
cada jogo. Os registros foram realizados durante o dia quando saíamos pelas
comunidades conhecendo as famílias e as crianças. Para a elaboração do trabalho
selecionamos dois dos jogos mais citados pelas crianças entrevistadas e observadas:
Pincha e Cabo de Guerra. Partimos da hipótese de que estes jogos podem manifestar as
relações intersubjetivas ocorridas durante as atividades e, em decorrência disso,
expressar as representações sociais de si e do outro.
Entre as atitudes que pareceram mais frequentes por parte dos jogadores
destacamos a percepção do outro como um “indivíduo igual a si” com as mesmas
possibilidades para pensar e jogar em conjunto, em cooperação. Para que as equipes
conseguissem alcançar seus objetivos foi necessário que se organizassem, planejassem e
executassem as estratégias propostas por todos. A proposta de organização do brincar se
orientava de forma dialogada entre os participantes da equipe, evidenciando a
representação social destas em relação ao outro. Para pensar as melhores estratégias, as
crianças se reuniam e dialogavam sobre as possibilidades de organização da equipe.
Sendo assim, a relação que se estabelecia no grupo parecia se caracterizar por uma
forma de pensar, que implicava em pensar com o outro; todos tinham o direito de falar,
o que demonstrava uma representação do outro como uma possibilidade de diálogo
entre iguais.
No mestrado ao nos voltarmos para o ambiente escolar, verificamos novas
possibilidades de abordagem para os jogos de regras como instrumento para a tomada
de consciência dos diversos papéis assumidos pelos indivíduos na escola, família e
sociedade e sua relação com o Outro, em um movimento que envolve as relações
estabelecidas entre os atores escolares na constituição das representações destes em
relação o mundo. Nesta mesma linha de raciocínio Jovchelovitch (2007) argumenta: A representação emerge como um processo psicossocial complexo e rico, envolvendo atores sociais com identidades e vidas emocionais (que são, na verdade, construídas no ato de representar), que se
6 Com a presença da profa. Geiva Carolina Calsa, orientadora do projeto, e da profa. Regina Mesti -
DTP/UEM.
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engajam em relações com outros (cuja natureza modela o que e como eles vêem a conhecer o mundo), que têm razões para fazer o que fazem e, ao assim agir, põem em prática os propósitos daquilo que fazem. A representação é uma prática que implica relação e comunicação e, deste modo, imprime no núcleo central dos saberes as mesmas estruturas relacionais e comunicativas que, originalmente, os constroem (JOVCHELOVITCH, 2007, p. 174).
Com esse enfoque, destacamos a importância de instrumentalizar os educadores
no sentido de compreender o jogo de regras como um momento de manifestação e
construção da representação dos indivíduos. Nesta perspectiva, o fazer escolar pode se
configurar como uma oportunidade para que os indivíduos constituam uma prática
social que se volte para a construção de relações mais humanas e solidárias, nas quais a
representação social do outro não implique sentimentos de diferença como
desigualdade. Segundo Freire (2007), essa conversão só pode ser vivenciada, a partir do
momento em que cada indivíduo for capaz de compreender criticamente seu papel
social e lutar contra as formas de relacionamento interpessoal não-dialógicas.
Partindo da possibilidade de análise do jogo de regras como instrumento
pedagógico para fins que ultrapassam os limites de recurso para aprendizagem de
conteúdos escolares nesse projeto nos propomos avançar nosso olhar sobre esse objeto.
Se pensarmos que instituições educativas, incluindo a escola, utilizam jogos de regras,
jogos de salão ou esportes, nos perguntamos se o uso deste tipo de jogo com a
contribuição de um processo de discussão sobre os procedimentos e relações
interpessoais ocorridas durante as jogadas podem contribuir para o desenvolvimento da
cooperação dos indivíduos? Como o jogo de regras não-cooperativo colabora no
processo de centração e descentração do aluno no espaço escolar? E, pensando para
além da situação de jogo, para o funcionamento de qualquer outra forma de relação de
grupo?
Para responder a essas indagações, nos propomos inicialmente a pensar os jogos
de regras sob a perspectiva da Teoria dos Jogos relacionando-a aos conceitos de
centração e descentração elaborados por Piaget. No presente texto apresentamos nossas
formulações iniciais sobre este tema.
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Teoria dos jogos e Jogos de regras
Criada na década de 1920 pelo matemático von Neumann e depois reformulada
por Jonh Nash, trabalho que posteriormente lhe rendeu o prêmio Nobel de Economia
em 2006. Nesta ultima teoria, diferentemente da anterior desenvolvida por von
Neumann, matemático e professor em Princenton, Nash criou uma fórmula matemática
para pensar na Teoria dos Jogos de forma que o resultado das estratégias utilizadas
pelos jogadores ocorresse por meio do “equilíbrio”.
Na perspectiva adotada por ele, o jogo seria pensado de forma coletiva
ultrapassando o conceito de minimax elaborado pelo professor Neumann, que previa a
vitória por apenas um dos competidores. A proposta do equilíbrio de Nash está
vinculada a uma espécie de coletivização dos resultados do jogo, ou seja, para formular
suas estratégias, cada jogador deve pensar no coletivo, para que o jogo aconteça e os
ganhos sejam compartilhados entre si. Consideramos relevante estudar estas
questões uma vez que o jogo pode ser pensado como a simulação da própria existência
humana nas relações sociais cotidianas, nas quais a todo momento precisamos tomar
decisões que envolvem aspectos individuais e coletivos. Como é o caso de participação
em grupos sociais. É preciso conhecer e perceber as possibilidades e variáveis que nos
permitirão a escolha de participação ou não nos diversos grupos sociais disponíveis. Em
um primeiro momento essa escolha é individual, ou seja, o sujeito se identifica ou não
com um grupo de pessoas. Esse processo se torna coletivo na medida em que os
interesses são agrupados de forma que se tornam comuns abrindo possibilidades da
construção de estratégias coletivas para a satisfação dos interesses individuais e do
grupo.
Supomos, ainda, que em todas as relações sociais realizamos processos de
negociação e disputa com o Outro, seja em grupos aos quais pertencemos, seja com
grupos diferentes ou mesmo “adversários”, quando nos voltamos para situações de jogo
ou mesmo de disputas mais amplas de caráter social como de classe ou minorias; ou
disputas econômicas e territoriais como as guerras; ou disputas entre sociedade civil e
estado, entre outras.
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Pressupomos que nas relações escolares também ocorre esse processo de
negociação e disputa que refletem ações de um jogo de regras. Toda relação social
envolve necessariamente a busca pela “sobrevivência” de um indivíduo ou grupo para
alcançar o objetivo da vitória, diretamente relacionado a um quantum de poder frente
aos demais. Para pensar as possibilidades de estratégias e acordos e atingir esse
objetivo, os estudantes se põem em um movimento que busca equilibrar interesses
individuais e coletivos do grupo. Cada grupo defende interesses comuns presentes, ao
mesmo tempo, nos indivíduos e no coletivo e se agrupam em nome dos benefícios e
maior probabilidade de vitória que o grupo lhe proporcione frente as situações de
disputa de interesses.
De acordo com (JOVCHELOVITCH, 2007, p. 175) Toda representação está ligada ao esforço de pessoas e comunidades para representar a si mesmos, mesmo quando existe a intenção ativa de retirar e controlar a dimensão subjetiva da representação, como no caso das ciência. As representações aglutinam a identidade, a cultura e a história de um grupo de pessoas. Elas se inscrevem nas memórias sociais e nas narrativas e modelam os sentimentos de pertença que reafirmam a membros individuais sua inserção em um espaço humano.
Pensando essas relações, mas de forma específica nos jogos de regras como uma
manifestação de relações entre indivíduos, é hipótese de nosso projeto de pesquisa que
na medida em que os sujeitos percebam suas estratégias como possibilidade de vencer e
participar, a responsabilidade de pensar o jogo é compartilhada por todos. Como nos
afirma Jovchelovitch (2007, p. 175) “É neste sentido que podemos perceber que os
saberes também buscam representar as pessoas que os possuem e os usam. […] Alguns
sistemas de conhecimento dependem fortemente da identidade dos sujeitos do saber e
desejam, mais do que qualquer outra coisa, projetar sua identidade no campo social”.
Assim é que sentindo-nos parte de um todo (equipe/jogo), podemos decidir por
unir nossos interesses para que, mesmo que nem todos vençam, se beneficiem de
alguma maneira, nem que seja a própria continuidade do jogo e de participação. Para
que a dinâmica do jogo se mantenha torna-se necessário que as diferentes estratégias se
organizem para que se abram concessões de forma que em diferentes momentos as
equipes organizem estratégias que nem sempre a primeira vista serão vitoriosas, mas
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contribuirão para a manutenção da dinâmica do jogo e poderá lhes possibilitar vitória
posterior.
Para pensarmos as relações envolvidas no jogo de regras entre elas a cooperação,
nos voltamos aos conceitos de centração e descentração como características cognitivas
e afetivas que segundo Piaget, possibilitam o sujeito tomar decisões sobre cooperação
ou não-cooperação, nesse caso, em um jogo de regras. Em Marques (2005) encontramos
elementos que nos auxiliam na compreensão da relação entre centração e descentração e
a construção de cooperação entre sujeitos.
Centração, Descentração e Cooperação Intelectual
Partindo das definições descritas por Marques (2005), o sujeito centrado é
aquele que encontra dificuldades para lidar com diferentes possibilidades em relação a
ideias e formas de ver e pensar o mundo. Esse tipo de funcionamento dos sujeitos é
estudado por Piaget em crianças, mas o autor amplia a possibilidade de utilização deste
conceito para diferentes faixas etárias, até mesmo quando escreve sobre relações
diplomáticas entre nações.
Piaget, ao escrever sobre o sujeito centrado (cognitivamente egocêntrico) aponta
significados distintos para a conceituação das características egocêntricas e suas
manifestações.
Piaget diz, as vezes, que egocentrismo se manifesta na 'incapacidade de distinguir' a perspectiva de outrem da perspectiva própria . Outras vezes ele descreve o egocentrismo como sendo a manifestação da 'incapacidade de coordenar' perspectivas já conscientes como sendo distintas. Acho que Piaget, na verdade, fala de dois fenômenos diferentes: existem dois tipos de egocentrismo, um no sentido estrito (segundo o qual a criança não distingue perspectivas diferentes) e um no sentido lato (segundo o qual a criança distingue as perspectivas mas não consegue coordená-las) (MARQUES apud KESSELRING, 1990, p.11).
Seguindo os estudos de Piaget, o desenvolvimento ocupa um papel importante
para a transição da forma de pensamento centrado à construção de um pensamento
descentrado. É com o avanço das estruturas mentais do sujeito que o egocentrismo vai
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aos poucos dando lugar a descentração, em um processo em que capacidade cognitiva e
afetiva dos sujeitos reorganiza-se para partilhar de outras posições disponíveis em seu
universo de convívio, entre esses, familiar, escolar, entre outros (Marques, 2005).
Explicitando a condição de centração, a autora, define-a como uma forma de
“confusão” dos sujeitos entre seu ponto de vista e o de outros, entre “as atividades do
sujeito e as transformações do objeto. Pode-se também definir essa tendência não mais
em termos de lacuna intelectual, mas, mais positivamente, pela existência de uma
centração” (MARQUES, 2005, p. 78).
Pautando-se em Montangero e Maurice-Naville (1988), Marques acrescenta Os autores relacionam a existência do egocentrismo à centração do pensamento em um único aspecto da realidade, fazendo o sujeito acreditar que sua forma de ver o mundo é única e igual para todos. Não se trata assim de atitude que possa ser explicada moralmente, como boa ou má intenção, mas sim de uma dificuldade cognitiva (MARQUES, 2005, p. 79).
Referindo ao conceito de centração cognitiva (egocentrismo) Montangero e
Maurice-Naville nos ajudam a entender que O conceito de egocentrismo7 é o polo oposto à ideia central, no primeiro período da obra de Piaget, de cooperação interindividual. Ora, a cooperação pode definir-se pelo processo de descentração. É graças a esse processo que o estado egocêntrico inicial do conhecimento transforma-se gradualmente em proveito de cooperação, portanto de reciprocidade de pontos de vista (MONTANGERO e MAURIDE-NAVILLE apud MARQUES, 1988, p. 148).
Para definir descentração Marques (2005) argumenta que esta ação se configura
como a capacidade do sujeito deslocar seu pensamento do centro e ser capaz considerar
outras formas de pensamento possíveis. Nesse sentido o sujeito descentrado é aquele
que ao se relacionar com outros, sabe que suas ideias e sua posição frente as ideias que
esta se situa em uma entre outras possíveis. Um sujeito descentrado é capaz de
7 Marques (2005, p. 141) acrescenta que aos poucos Piaget vai deixando o termo egocentrismo para referir-se ao mesmo fenômeno como centração, pelo fato de sua dedicação estar mais ao campo epistemológico. No entanto o termo egocentrismo ainda é mais adequado às relações em que envolve sujeitos, como é o caso das relações escolares.
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coordenar sua forma enxergar os fenômenos à diferentes pontos de vista sem perder-se
nessas relações.
Marques (2005) retirando esse conceitos da obra de Montangero e Maurice-
Naville (1988), acrescenta Adaptar-se ao meio social, como ao meio físico, é construir um conjunto de relações e situar-se a si próprio entre essas relações graças a uma atividade de coordenação implicando a descentração e a reciprocidade de pontos de vista. Em outra obra Piaget afirma que com a descentração “a própria perspectiva situa-se no conjunto de pontos de vista possíveis e desempenha o papel de um elemento móvel entre os outros”. A descentração é com o processo de liberação do egocentrismo inicial […] O processo de coordenação das ações e operações que conduz aos sistemas reversíveis, é o instrumento privilegiado da descentração. Essa coordenação é, ao mesmo tempo, individual e social. Ora a cooperação é precisamente constituída pela pela reciprocidade interindividual das operações de cada um. (MONTANGERO E MAURICE-NAVILLE apud MARQUES, 1988, p. 79). (Grifos nossos)
Outro conceito abordado por Marques (2005) é o de cooperação, que é
apresentado em seu trabalho como contraposição ao egocentrismo. Segundo nos aponta,
cooperação [...] consiste no ajustamento do pensamento próprio ou das ações pessoais ao pensamento e às ações dos outros, o que se faz pondo as perspectivas em relação recíproca. Assim, um controle mútuo das atividades é exercido entre os parceiros que cooperam . Ao estudar a gênese da linguagem, 'Piaget mostra que o verdadeiro diálogo instaura-se quando a criança dá-se conta da perspectiva do outro. A discussão é conduzida pelo desejo de escutar e compreender o interlocutor' (MONTANGERO E MAURICE-NAVILLE apud MARQUES, 1988, p. 80.
Considerações finais
Levando em conta os resultados de nosso primeiro estudo sobre os jogos de
regras Pincha e Cabo de Guerra, os conceitos de centração e descentração e os
pressupostos da Teoria dos Jogos de Nash consideramos que o jogo de regras de rua
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pode ser considerado um jogo não-cooperativo. Apesar disso, implicam relações
necessárias entre interesses individuais e coletivos dos grupos envolvidos no jogo.
Em vista disso, concluímos provisoriamente os jogos de regras, ainda que não-
cooperativos, podem se constituir em instrumentos escolares para a tomada de
consciência das relações necessárias entre interesses individuais e coletivos e, portanto,
da necessidade da cooperação e da dialogicidade para o seu funcionamento.
O projeto, ora proposto, terá prosseguimento por meio da investigação da
centração e descentração como processo de construção de cooperação intelectual por
meio do jogo de regra aplicado à crianças no ambiente escolar cujos dados serão
coletados pela pesquisadora na região me Maringá (PR). Os dados serão obtidos por
meio de observações de crianças entre 9 e 12 anos de ambos os sexos, brincando na
escola em grupos organizados nas aulas de educação física na escola selecionada.
REFERÊNCIAS
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JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: vozes, 2008. KISHIMOTO, Tizuko. Jogos tradicionais infantis: o jogo, a criança e a educação. Petrópolis: vozes, 1993. MACEDO, Lino. Os Jogos e sua importância na escola. Cad. Pesq., São Paulo, nº 93, p. 5-10, maio 1995.
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MARQUES, Tania Beatriz Iwaszko. Do egocentrsimo à descentração: a docência no ensino superior. Tese apresentada ao programa de doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. MCLAREN, Peter. Multiculturalismo revolucionário. Porto Alegre: Artmed, 2000. NASER, Sylvia. Uma mente brilhante. Trad. Sergio Moraes Rego. 2ªed. Rio de Janeiro: Record, 2002. PIAGET, Jean. A representação do mundo. Rio de Janeiro: Record,1978. PIAGET, Jean. O juízo moral na criança [tradução: Elzon Lenardon]. São Paulo: Summius, 1994. SANTOS, Ana Karina. Um estudo sobre brincadeira e contexto no agreste sergipano. (dissertação) Universidade Federal da Bahia, 2005, 132f. SEIXAS, Angélica Amanda C. Brincando na ilha dos frades. (dissertação) Universidade Federal da Bahia, 2007, 143f.