Post on 18-Feb-2021
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DOSSIÊ
REFORMA TRABALHISTA
(em construção)
GT Reforma Trabalhista
CESIT / IE / UNICAMP
Campinas, junho de 2017
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Expediente
Equipe de Sistematização
Andréia Galvão
Jose Dari Krein
Magda Barros Biavaschi
Marilane Oliveira Teixeira
Colaboradores
Ana Luíza Matos de Oliveira
Ana Paula Alvarenga
Bárbara Vallejos Vazquez
Christian Duarte
Carlos Ledesma
Carolina Michelman
Elina Pessanha
Euzébio Jorge Silveira de Sousa
Fernando Teixeira
Gabriel Carvalho Quatrochi
Juliana Moreira
Juliane Furno
Karen Artur
Ludmila Abílio
Mateus Santana
Paula Freitas
Pietro Rodrigo Borsari
Raquel Oliveira Lindôso
Reginaldo Euzébio Cruz
Rodrigo Carelli
Tomás Rigoletto
Vitor Filgueiras
As bases destas discussões foram construídas a partir das reflexões do GT Reforma
Trabalhista do CESIT/IE/UNICAMP.
A equipe de sistematização agradece a contribuição. Ela buscou contemplar o que era
comum. Portanto, não reflete necessariamente a posição dos colaboradores.
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INDICE
Apresentação
Pag. 4
Parte 1 - Os contra-argumentos à desconstrução dos direitos
Pag. 6
Introdução
Pag. 6
O significado histórico dos direitos como condição de cidadania
Pag. 7
1. O Direito e a Justiça do Trabalho em perspectiva histórica
Pag. 9
2. Os valores, parâmetros e as instituições envolvidas na regulação do trabalho
Pag. 13
3. Os fundamentos político-ideológicos da reforma
Pag. 18
4. Os fundamentos econômicos utilizados para justificar a reforma
Pag. 23
Parte 2 - A reforma e seus impactos
Pag. 32
1. Formas de contratação mais precárias e atípicas
Pag. 33
2. Flexibilização da jornada de trabalho Pag. 42
3. Rebaixamento da remuneração
Pag. 49
4. Alteração nas normas de saúde e segurança do trabalho
Pag. 54
5. Fragilização sindical e mudanças na negociação coletiva Pag. 57
6. Limitação do acesso à Justiça do Trabalho e limitação do poder da Justiça do Trabalho
Pag. 65
Considerações finais
Pag. 71
Referências bibliográficas Pag. 73
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Dossiê Reforma Trabalhista
Apresentação
O presente documento pretende contribuir para o debate sobre a reforma
trabalhista em curso no Brasil. Para isso, busca analisar as principais propostas de
alteração da legislação trabalhista e discutir os principais argumentos levantados para
justificá-la, oferecendo um contraponto à perspectiva dominante. A subordinação
crescente do capital produtivo à lógica das finanças é uma das características
constitutivas do capitalismo deste último século. A globalização impõe uma intrincada
rede de relações de poder e dominação que questiona o papel dos Estados e fragiliza as
políticas de proteção social e de direitos, diferentemente do que afirmam os defensores
da reforma, sustentamos que está em questão um processo de desmonte da tela de
proteção social construída sistematicamente a partir de 1930, concomitante ao processo
de industrialização do país. Para demonstrar essa tese, é importante discutir o processo
de constituição dos direitos em perspectiva histórica para, dessa forma, desvendar os
aspectos econômicos, políticos e ideológicos que fundamentam a reforma.
A trajetória da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, desde seus
primórdios tem sido marcada por forte polêmica teórica. Grosso modo, podem ser
identificadas duas abordagens. De um lado, há os que insistem em sua rigidez,
considerando-a incompatível com os tempos modernos e atribuindo a geração de
emprego, o incremento da produtividade e da competitividade à maior flexibilização das
relações de trabalho. De outro, em posição contraposta, estão os que afirmam ser um
equívoco associar a dinamização da economia à regulamentação do trabalho,
defendendo que os direitos trabalhistas e as instituições públicas não podem sucumbir à
competição internacional dos mercados. A chamada reforma trabalhista encaminhada
pelo governo Temer em 23 de dezembro de 2016 (PL 6787/2016, aprovado pela Câmara
dos Deputados e em tramitação no Senado sob o nº PLC 38/2017) está fundamentada na
primeira abordagem. A posição que aqui se defende baseia-se na segunda.
O documento está dividido em duas partes. A primeira problematiza os
argumentos que embasam o Projeto Lei 6.787/2016, agora PLC 38/17, que promove a
revisão de mais de uma centena de itens da CLT. Cumpre notar que vários dos
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argumentos que subsidiam tanto a versão original, de autoria do Executivo, quanto o
texto substitutivo, de autoria do relator, o deputado Rogério Marinho (PSDB/RN),
podem ser encontrados nas formulações de entidades patronais como, por exemplo, nos
textos da CNI (101 Propostas para Modernização Trabalhista, 2012; Agenda
Legislativa da Indústria, 2014; Caminhos da Modernização Trabalhista, 2016) e da
CNA (Proposta da Bancada de Empregadores, 2016; Balanço 2016 e Perspectivas
2017). Essas formulações foram em boa parte incorporadas pelo programa lançado pelo
PMDB em 2015 Uma Ponte para o Futuro e pelas emendas apresentadas ao PL
6.787/2016 na Câmara dos Deputados, em grande maioria acolhidas pelo relator. Afinal,
o que as organizações patronais pretendem com a reforma? Quais os interesses por trás
da defesa de cada uma das medidas contempladas no referido projeto e em propostas
correlatas atualmente em tramitação no Parlamento brasileiro? Qual o papel das demais
instituições públicas nacionais, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, STF, na
aprovação das alterações pretendidas? Essas perguntas se impõem pois, como se tem
presenciado, a disputa política contemporânea não envolve apenas o Executivo e o
Legislativo. O Judiciário tem tido uma atuação fundamental na definição do jogo
político.
A segunda parte detalhará cada uma das medidas propostas ou encampadas pelo
Governo Temer e que estão atualmente presentes na agenda política. Essas medidas
podem ser divididas nos seguintes aspectos:
1. Formas de contratação mais precárias e atípicas
2. Flexibilização da jornada de trabalho
3. Rebaixamento da remuneração
4. Alteração das normas de saúde e segurança do trabalho
5. Fragilização sindical e mudanças na negociação coletiva
6. Limitação do acesso à Justiça do Trabalho e limitação do poder da Justiça do
Trabalho
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Parte 1 - Os contra-argumentos à desconstrução dos direitos
Introdução
Frente a um cenário de forte crise econômica e política a reforma trabalhista é
retomada na agenda nacional como parte das medidas liberalizantes e alicerçadas em
um conjunto de outras reformas em implementação e tramitação tais como o
congelamento do gasto público por 20 anos, a reforma da previdência, as privatizações,
a redefinição do marco do pré-sal, a venda de terras nacionais a estrangeiros, entre
outras. Nessa perspectiva, um conjunto de medidas estruturais é adotado com o objetivo
de criar um ambiente institucional favorável para o capital produtivo e para o rentismo,
assegurando aos primeiros a possibilidade de reduzir custos por meio da reforma
trabalhista e da ampliação da terceirização, e garantindo aos últimos a rentabilidade via
redução dos gastos públicos e da reforma da previdência.
Não é um debate novo, pois retoma as mesmas bases da discussão ocorrida nos
anos 1990, em que se defendia a reforma com os mesmos argumentos. Algumas
medidas pontuais foram introduzidas naquela ocasião (como contrato por prazo
determinado, banco de horas, liberalização do trabalho aos domingos, contrato parcial,
programa de participação nos lucros e resultados). Essas medidas não contribuíram para
resolver os problemas propostos, pois o desemprego continuou elevado até o final da
década. Por outro lado, a dinâmica mais favorável do mercado de trabalho nos anos
2000 ocorreu por motivos contrários à agenda da flexibilização, uma vez que o
crescimento do emprego, da formalização e da melhora da renda do trabalho foram
possibilitados pelo crescimento econômico, pela presença das instituições públicas, pela
política do salário mínimo etc. Ou seja, a experiência brasileira recente mostra que os
argumentos de defesa do atual desmonte da legislação trabalhista são falaciosos e
frágeis, pois não se sustentam histórica e empiricamente. Portanto, a atual proposta de
desmonte de direitos é uma forma de desestruturar a vida social e de promover
condições que favorecem somente um ator na sociedade: os empregadores. Com isso, os
trabalhadores estarão submetidos às inseguranças do mercado e à precarização do
trabalho. Além disso, a reforma inibe as perspectivas de futuro de boa parte da classe
trabalhadora, que terá poucas perspectivas de se aposentar e de desenvolver uma
trajetória profissional.
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A estratégia de desmonte das políticas sociais e de retirada de direitos serve a
dois propósitos: reduzir o tamanho do Estado na formulação e implementação de
políticas públicas, reservando fatias cada vez maiores para a iniciativa privada em
setores como saúde e educação, e possibilitar a privatização de empresas públicas como
a Petrobras, entre outras. Com a diminuição do papel do Estado abre-se caminho para a
redução da carga tributária, atendendo pleito antigo dos empresários, que pressionam
por redução de impostos e pela reforma trabalhista.
O capitalismo contemporâneo, globalizado e hegemonizado pelos interesses das
finanças, vem impactando regressivamente os direitos sociais e as instituições públicas
(Belluzzo, 2013). O rebaixamento salarial que as formas precárias de contração
promovem tem impacto direto nas receitas da seguridade social, ao mesmo tempo em
que o suposto déficit nas contas da Previdência é usado como pretexto para justificar a
urgência das reformas. Assim, a reforma trabalhista irá afetar de forma decisiva as
fontes de financiamento da seguridade e criar imensas dificuldades para os
trabalhadores conseguirem comprovar tempo de contribuição. Tratemos da reforma
trabalhista, que constitui o objeto do presente documento.
O significado histórico dos direitos como condição de cidadania
O mantra da “reforma trabalhista” geralmente emerge em momentos de fortes
instabilidades políticas e institucionais. Trata-se de uma história que se perpetua e se
reinventa na atual conjuntura, que coloca em xeque a democracia e a luta dos
trabalhadores por direitos.
Uma das principais justificativas para a reforma trabalhista é a necessidade de
"modernizar" as relações de trabalho no Brasil. O pressuposto que sustenta essa tese é o
de que, depois de 74 anos, a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, estaria obsoleta.
Um conjunto de leis concebidas para um país majoritariamente rural e em um contexto
de industrialização incipiente seria inadequado para um país majoritariamente urbano,
marcado pelo crescimento da economia de serviços e pelo uso das tecnologias de
informação. As condições econômicas mudaram e as políticas também: a CLT,
implementada no final do Estado Novo (1937-1945), não caberia em um regime político
democrático. Este deveria assegurar o direito de escolha, promover a liberdade
individual e não a ingerência estatal.
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Outro pressuposto recorrente e complementar ao anterior é o de que o
regramento normativo e a Justiça do Trabalho promovem a “insegurança” jurídica nas
relações de trabalho. Assim, a reforma deveria assegurar o encontro “livre” das
vontades individuais, garantindo que a norma resultante desse encontro tenha força
superior ao regramento legal vigente.
Para discutir esses pressupostos recuperaremos, nesta parte do documento, os
principais aspectos relativos às origens do direito do trabalho e das instituições públicas
que atuam no campo das relações de trabalho no Brasil, como o Ministério Púbico do
Trabalho e a Justiça do Trabalho. Isso porque essa reforma tem como objetivo, ainda
que edulcorado sob o eufemismo da “modernização”, desconstruir o direito do trabalho
em seus fundamentos, impactando, como decorrência, os pilares que estruturam a
Justiça do Trabalho, instituição constituída para concretizar um direito especial, dotado
de fisionomia e princípios próprios.
Serão abordados os seguintes tópicos:
1) O Direito e a Justiça do Trabalho em perspectiva histórica;
2) Os valores, parâmetros e as instituições envolvidas na regulação do trabalho;
3) Os fundamentos político-ideológicos da reforma, com destaque para a
modernização e a questão da segurança jurídica;
4) Os fundamentos econômicos utilizados para justificar a reforma, com
destaque para o nível de emprego, ganhos de produtividade, redução de custos e
aumento da competitividade.
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1. O Direito e a Justiça do Trabalho em perspectiva histórica
Não têm sido poucos os embates que a CLT tem enfrentado. Apesar deles e das
transformações pelas quais tem passado, com muitos de seus dispositivos originais
alterados e flexibilizados, ela resiste. E resiste porque densamente imbricada na tessitura
social brasileira e em conexão com as necessidades sociais do tempo histórico em que
foi elaborada e permanentemente reatualizada.
Os argumentos atuais em nome da “reforma trabalhista” pretendem-se “novos” e
“modernos”, mas deitam raízes em uma longa história. Antes da “invenção” do direito
do trabalho na segunda metade do século XIX e, portanto, antes do surgimento da
maquinaria regulatória das relações de trabalho, o trabalho era tratado como mercadoria
e fator de produção no interior do pensamento econômico liberal. Triunfou o que Robert
Steinfeld (1991) chamou de “ideologia do trabalho livre”. O idioma do trabalho livre foi
instrumentalizado para impedir qualquer intromissão do poder público nas relações de
trabalho, em nome da vontade dos contratantes, supostamente livres e iguais para
celebrarem acordos de caráter privado, sem mediações estatais. Desse modo, a relação
entre empregado e empregador aparecia como uma troca voluntária entre sujeitos iguais,
numa operação contratual inscrita na ordem privada. A “liberdade da pessoa” constituía
a credencial para a liberdade de fixação de contratos individuais de trabalho, de acordo
com o pressuposto do acesso ao mercado por meios não coercitivos. Postulava-se,
assim, o primado da autonomia das vontades, sobre a qual se erigia a força obrigatória
dos contratos privados. Na medida em que a “questão social” era formulada com base
na concepção do acesso livre ao mercado, segundo a crença no mercado autorregulado
como princípio fundante e organizador da sociedade, o trabalho e o trabalhador eram
pensados a partir do direito civil, ou assistidos por meio da tutela, da filantropia e da
beneficência privada. O social aparece, nessa perspectiva, definido pelo mercado e não
pelo campo do político; as relações entre os homens são determinadas pela necessidade,
pelo interesse e pelos valores mercantis.
Segundo Polanyi (1980), a chave do sistema institucional na ordem liberal
estava nas leis ditadas pelo mercado, definidas empiricamente como contratos reais
entre vendedores e compradores sujeitos à oferta e à procura, sob a intermediação do
preço. O solapamento dessa ordem repousou no reconhecimento de que o
estabelecimento de um sistema de mercado auto regulável não passava de uma tentativa
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utópica e ilusória. Fundamentado em princípios forjados no campo das lutas sociais, o
direito do trabalho emergiu como um ramo novo do Direito, promovendo mudanças no
interior do campo jurídico e do pensamento social que levaram o Estado a intervir nas
relações econômicas e sociais. Assim, a via legal e jurídica de regulação do trabalho
teve início no final do século XIX em vários países europeus, com o objetivo de
substituir o direito da força pela força do direito, em um processo que se completou no
século XX. Partindo da compreensão da desigualdade como elemento fundante da
relação capital e trabalho, o direito do trabalho buscou limitar o arbítrio privado patronal
e “civilizar o capital”, instituindo normas de ordem públicas irrenunciáveis e
inafastáveis pela vontade individual das partes visando, assim, a compensar
minimamente essa desigualdade.
Ao longo desse processo, a concepção mercantil e patrimonial do trabalho foi
substituída pela percepção do trabalho como algo inseparável da pessoa do trabalhador,
cravando nas relações contratuais privadas a força do estatuto público, a norma jurídica,
seja na figura das leis, da jurisprudência ou dos costumes. Os acordos entre
trabalhadores e patrões por meio da intermediação dos sindicatos e entes públicos
passaram a constituir um contraponto ao papel jogado pelo contrato individual, em que,
em regra, prevalece o arbítrio patronal.
O trabalhador foi, assim, tornando-se sujeito de direitos trabalhistas, na medida
em que as prerrogativas de representação e ação coletivas (formação de sindicatos,
direito de greve e liberdade de contratação coletiva do trabalho) podiam ser
conquistadas e asseguradas. Em suma, o Direito do Trabalho passou a conferir caráter
público às relações sociais desenvolvidas na esfera privada, colocando-se na contramão
do contratualismo liberal ortodoxo. No lugar de direitos e deveres definidos em termos
individuais, a lei passou a definir salários e condições de trabalho. Reconhecia-se o
trabalhador como parte integrante de um coletivo dotado de estatuto social a ultrapassar
a dimensão individual do contrato de trabalho. Desse modo, o reconhecimento público
de direitos, sob um conjunto de normas mais ou menos uniformes, contribuiu para forjar
sentimentos de pertença a um grupo social.
No Brasil, o processo de instituição de uma regulação social protetora foi tardio.
Com o dinamismo da economia nucleado pela expansão da acumulação cafeeira, as
grandes fazendas monocultoras faziam uso da mão-de-obra escrava. Ao ser introduzido
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o trabalho “livre”, no processo de substituição do braço escravo pelo do colono
imigrante, fez-se necessária uma “boa lei de locações” que, com suas “parcerias” e o
envolvimento das famílias dos parceiros no processo produtivo, barateou o custo do
trabalho. Consolidava-se, assim, a exploração da uma mão-de-obra barata, em uma
sociedade cujo tecido era costurado com o signo da desigualdade. A Abolição livrou o
país de seus inconvenientes, mas, quanto aos negros, não houve qualquer política
pública que os integrasse à sociedade. Por outro lado, as políticas de imigração
acirravam o problema da existência de uma massa marginal, com seu inegável potencial
reprodutor de conflitos.
A industrialização capitalista recorreu historicamente a diversos arranjos
institucionais para lidar com as relações de trabalho e os conflitos delas decorrentes.
Ainda que antes de 1930 houvesse leis esparsas dirigidas ao trabalho, foi a partir de
1930 que, de forma sistemática, foram adotados no Brasil diversos mecanismos
públicos de regulação e proteção social do trabalho que a Justiça do Trabalho, prevista
na Constituição de 1934, criada em 1939, implantada em 1941 e integrante do Poder
Judiciário a partir de 1946, passou a ter o dever de concretizar e dar eficácia. A
regulação consolidada em 1943 pela CLT, publicada no dia 1º de maio de 1943 para
viger a partir de novembro daquele ano, culminou com a Constituição de 1988, que
elevou os direitos dos trabalhadores à condição de direitos sociais fundamentais.
A normatização instituída pela CLT foi abrangente e ousada, como são
exemplos: os artigos 2º e 3º que tratam da figura do empregado e do empregador; o
artigo 2º, § 2º que trata da solidariedade das empresas que compõem o grupo
econômico; o artigo 442 ao dispor que a relação de emprego nasce com o contrato
escrito ou tacitamente ajustado, incorporando o princípio da primazia da realidade; o
artigo 477, § 1º que, para evitar a burla de direitos, exige validade das despedidas e dos
recibos de quitação das parcelas rescisórias, nos contratos com mais de um ano, sem que
haja a assistência do respectivo sindicato da categoria; as disposições de proteção à
mulher, dentre outros institutos que permanecem atuais e que ora se buscam
desconstruir.
O direito e a Justiça do Trabalho, obstáculos ao livre trânsito do desejo
insaciável de acumulação abstrata que move o capitalismo, são eleitos como elementos
centrais da reforma trabalhista regressiva em curso. Por um lado, a tela de proteção
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social é reduzida substantivamente e inverte-se a fonte prevalente do direito do trabalho
para centrá-la no encontro livre das vontades iguais. Assiste-se, desse modo, à reedição
do que se consolidara no século XIX: a autonomia das vontades individuais passa a ser
preponderante, ampliando-se as margens de liberdade de contratação e, por decorrência,
o poder de mando dos empregadores. Por outro lado, são colocados obstáculos ao
acesso à Justiça do Trabalho. Os defensores dessa nefasta reforma argumentam que a
grande quantidade de processos que nela tramitam decorre, sobretudo, do detalhamento
acentuado das obrigações trabalhistas pela CLT e de regras processuais que estimulam a
litigiosidade. Afirmam, também, que o Tribunal Superior do Trabalho, TST, no
exercício de sua competência para a edição de Súmulas (cujo objetivo, aliás, é o de
uniformizar a jurisprudência e reduzir as inseguranças por ventura ocasionadas pela
diversidade dos conteúdos decisórios nos diversos Tribunais Regionais para casos
semelhantes), tem extrapolado sua função de intérprete da lei e contribuído para o
incremento da litigiosidade, ao desrespeitar, por exemplo, o que as categorias negociam
coletivamente. Chegam até a afirmar que a Justiça do Trabalho tem sido responsável
pelo desemprego e que a interpretação das normas por parte de seus juízes e tribunais
deve ser limitada para que a segurança jurídica seja recuperada e para que os
investidores apostem no país. Algumas dessas questões serão discutidas a seguir.
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2. Os valores, parâmetros e as instituições envolvidas na regulação do
trabalho
Há muito se repete que o ordenamento jurídico consagrado na CLT não teria
passado de um decalque mal disfarçado do sistema fascista italiano de relações de
trabalho. Ao atribuir à CLT uma identidade fixa e congelada em um dado momento da
história, construiu-se todo um encadeamento de conceitos que confunde fascismo,
corporativismo, legislação trabalhista e Justiça do Trabalho, imputando-lhes
propriedades e significados políticos idênticos.
O “sistema brasileiro” de relações de trabalho foi elaborado a partir de um
conjunto complexo de influências internacionais, com inspirações na Constituição da
República de Weimar (1918-1919), nos princípios da Organização Internacional do
Trabalho, OIT, (que desde sua constituição, em 1919, reconhece a assimetria das
relações entre capital e trabalho), nos arranjos corporativistas e no catolicismo social
(doutrina social da Igreja Católica, conforme as Encíclicas Rerum Novarum, 1891 e
Quadragesimo Anno, 1931), no New Deal estadunidense (1933-1937)1 e no poder
normativo das cortes trabalhistas australianas. Mas, acima de tudo, nosso modelo foi
adquirindo contornos específicos com base nas tradições de lutas dos trabalhadores por
direitos, que remontam às primeiras décadas do século XX. Tal conformação
institucional sobreviveu a diferentes conjunturas políticas e foi apropriada e adaptada
pelos trabalhadores para finalidades nem sempre idênticas àquelas para os quais foi
criada. A judicialização dos conflitos, por exemplo, não eliminou a ação direta e a
negociação coletiva com os empregadores. Ao mesmo tempo, tal judicialização
influenciou a classe trabalhadora também no aspecto cultural e discursivo, constituindo
um idioma de direitos políticos e sociais. Leis, direitos e justiça conformaram uma
1 A esse propósito consultar Biavaschi (2007), bem como o artigo de Casagrande (2017). Criticando
aqueles que defendem o modelo americano como exemplo para o Brasil, este autor sustenta que a
ausência de normas e regulação estatal naquele país não passa de um mito: "os Estados Unidos possuem
sim uma legislação trabalhista flexível, mas ela é abrangente e complexa, os tribunais americanos detêm
ampla competência para julgar conflitos laborais, exercendo-a com rigor, e as empresas americanas
gastam bilhões de dólares anualmente com indenizações (e custos judiciais) decorrentes de processos
trabalhistas". Questionando os argumentos que apontam o caráter supostamente obsoleto da legislação,
acrescenta: "Abstraindo a complexidade das legislações estaduais, e ao contrário do que se imagina, a
legislação federal tampouco é simples, inclusive pelo fato de não estar corporificada em um único
diploma. A mais importante delas é a Federal Labor Standards Act – FLSA, editada em 1938 como parte
das políticas do New Deal do presidente F. D. Roosevelt. Não custa lembrar que esta norma é, pois,
anterior à nossa CLT, e mesmo sendo mais antiga que ela, ninguém nos EUA considera “anacrônica” – ao
contrário; o governo do Presidente Obama reforçou em 2014 a cobertura da FLSA determinando a sua
aplicação a trabalhadores que antes não eram regulados por ela".
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arena de conflitos e de representação de interesses, além de um espaço no qual
a CLT foi sempre objeto de diferentes interpretações e apropriações.
Ao fim e ao cabo, a CLT adotou um sistema hibrido, que combina um modelo
legislado às negociações coletivas, válidas desde que respeitadas as regras de proteção
ao trabalho. É importante destacar que a dimensão legislada foi sendo adaptada aos
diferentes contextos políticos que o Brasil atravessou desde a década de 1940 até ser
finalmente constitucionalizada na Carta Cidadã de 1988. Não é, portanto, um modelo
“ilegítimo” tampouco “anacrônico”. Como aconteceu com outros conjuntos de leis
(Código Civil, por exemplo), a CLT foi sendo alterada historicamente por meio de leis,
decretos, emendas constitucionais e medidas provisórias. Foram promovidas 233
alterações até 2016, 75% das quais ocorreram pela via legislativa. Na ditadura militar
houve maior quantidade de decretos emanados do Executivo, sendo, ainda, importante
lembrar que a CLT, bem como as instituições do poder judiciário e do Ministério
Público do Trabalho que a ela remetem passaram pelo crivo democrático dos
legisladores constituintes, sendo fundamentais para a manutenção da plena cidadania
social no mundo do trabalho. O que garante um ambiente juridicamente seguro para que
as partes envolvidas na relação de trabalho defendam seus interesses, negociem e
estabeleçam acordos não é a ausência de leis ou de controle do respeito a elas. É, por
um lado, uma legislação que contemple a especificidade desse tipo de relação e, por
outro, instituições que atuem na garantia de que o processo de negociação se dê sob
determinadas regras e que se cumpram os compromissos assumidos nos acordos, sendo
as partes sancionadas se não os cumprirem.
Nos chamados conflitos individuais, a participação da Justiça do Trabalho é
fundamental para acolher as demandas e garantir que a lei seja cumprida, mantendo um
mínimo de equanimidade numa relação entre partes com forças sabidamente desiguais.
Nos conflitos de cunho coletivo, o ente coletivo sindicato pode se defrontar, na
tentativa de negociação direta prevista em lei, com outro ente coletivo (associação de
empregadores) ou com um empregador isolado. A Justiça cumpre, nesses casos, o papel
vigilante quanto ao respeito à lei, vindo a atuar só em última instância para promover a
conciliação, mediação ou arbitrar os interesses. É importante lembrar que desde a
Emenda Constitucional 45, de 2004, o recurso à Justiça é inibido nos conflitos de
natureza econômica, dada a exigência de comum acordo entre as partes; os de natureza
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jurídica, envolvendo a interpretação de leis, por sua vez, claramente necessitam da
manifestação do judiciário trabalhista.
Portanto, a judicialização dos conflitos, instituída desde a criação da Justiça do
Trabalho, não eliminou a negociação direta entre empregadores e empregados, de modo
que o sistema brasileiro de regulação das disputas e negociações coletivas era bifronte.
Cabe, então, perguntar: se a negociação já ocorre livremente, e é mesmo estimulada, por
que inibir a lei, como se pretende por meio da reforma ora proposta? A lei funciona
como um parâmetro necessário, como um patamar mínimo que a Constituição garante
para as relações e os conflitos de trabalho, como o faz para outros tipos de relações e
conflitos sociais. Sem a referência desse patamar legal mínimo, nas relações entre partes
tão claramente distintas na correlação de forças, pode vir a se instaurar um cenário de
injustiça, de desigualdade e até de caos nas situações de negociação. Sem poder recorrer
à justiça nos casos de exacerbação dos conflitos, ambas as partes ficariam a descoberto
diante de posições extremadas do opositor.
Dessa forma, pregar a inexistência das atuais instituições públicas do trabalho é
manifestar-se contra os patamares legais construídos a ferro e fogo em um Brasil de
capitalismo tardio, com normas de proteção social ao trabalho que foram sendo
institucionalizadas de forma sistemática a partir de 1930, passando pela CLT, pela
criação e instalação da Justiça do Trabalho e pela elevação dos direitos dos
trabalhadores à condição de direitos sociais fundamentais pela Constituição de 1988. É
opor-se às possibilidades de resolução de conflitos por via da ordem legal, ordem essa
que visa à requalificação do espaço público do país.
As pesquisas sobre acesso à justiça e os dados produzidos sobre as ações da
Justiça do Trabalho mostram que determinados atores públicos e privados, concentrados
em certos setores, movimentam os serviços da justiça. Segundo dados do relatório
Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça-CNJ para 2016, 49,43% das
demandas trabalhistas, computada toda a Justiça do Trabalho, decorrem do não
pagamento das verbas rescisórias pelos empregadores quando das despedidas, seguidas
dos pedidos de pagamento de horas extras prestadas e do reconhecimento do vínculo de
emprego em relações burladas. Quando se analisa apenas o primeiro grau de jurisdição,
verifica-se que em 52,01% das ações nas Varas do Trabalho o pedido é de pagamento
dessas verbas rescisórias. Como, então, a partir desses dados, explicar o argumento
16
apresentado no relatório da reforma de que o excesso de demanda tem como causa as
dúvidas suscitadas pelo detalhamento acentuado das obrigações trabalhistas pela CLT?
Os dados do CNJ refutam quaisquer argumentos nesse sentido. O excesso de demandas
trabalhistas no Brasil é, na realidade, fruto do descumprimento sistemático de direitos
essenciais dos trabalhadores brasileiros.
Desse modo, os falaciosos argumentos apresentados não se sustentam em
fatos ou dados oficiais e escondem os reais objetivos dos defensores da reforma. Na
afirmação da supremacia do encontro “livre” de vontades “iguais” e no ataque à Justiça
do Trabalho, o que se pretende é desconstituir a tela de proteção social duramente
conquistada neste Brasil desigual e, em decorrência, esvaziar a Justiça do Trabalho, cuja
função primeira é concretizar o Direito do Trabalho. Assim, para o sucesso dos
objetivos ocultos no texto da reforma é, também, necessário inviabilizar o acesso à
Justiça do Trabalho, em flagrante desrespeito aos princípios inerentes ao processo do
trabalho, entre eles o da gratuidade. A proposta de reforma, por um lado, rompe com o
princípio da gratuidade ao adotar normas processuais que colocam obstáculos ao direito
constitucional de livre acesso ao Judiciário Especializado; por outro lado, estabelece
regras à interpretação dos juízes e dos tribunais do trabalho limitando a ação daqueles
que buscam zelar pelos princípios incorporados pela Constituição de 1988. Por fim, a
reforma burocratiza o processo do trabalho, abrindo a possibilidade de o juiz se tornar
um mero homologador de acordos extrajudiciais.
Em outra frente, a reforma atua na imposição de regras e critérios de
interpretação judicial que limitam a atuação dos órgãos julgadores que compõem a
Justiça do Trabalho, determinando que súmulas e outros enunciados de jurisprudência
editados pelo Tribunal Superior do Trabalho, TST, e pelos Tribunais Regionais do
Trabalho (TRTs) não poderão restringir direitos legalmente previstos, nem criar
obrigações que não estejam previstas em lei. Fica, assim, estabelecido o princípio da
estrita legalidade, próprio do direito administrativo, que se encontra a léguas de
distância daqueles que fundamentam o direito do trabalho desde sua origem, em
desrespeito, ainda, à moderna hermenêutica constitucional e de direitos humanos.
Esse movimento vai na contramão de mudanças recentemente promovidas na
competência da Justiça do Trabalho que, somadas à possibilidade da substituição
processual pelos sindicatos e à atuação do Ministério Público do Trabalho, permitiram
17
que novos temas começassem a se apresentar com alguma ênfase nas instituições
judiciais.
Desde o advento da Constituição Cidadã, o Ministério Público do Trabalho tem
construído seu papel de agente na defesa dos interesses da sociedade, atuando em
situações percebidas como injustas. Esse papel se dá principalmente no âmbito
extrajudicial (Termos de Ajustamento de Conduta-TACs), mas também tem ocorrido
por meio de importantes ações civis públicas. Muitas dessas ações são fruto de uma
atuação coordenada dos procuradores e outros operadores e atores ligados ao trabalho,
em temas inspirados pela OIT, especialmente o combate ao trabalho escravo, ao
trabalho infantil e à discriminação; em temas de defesa de princípios da ordem jurídica
trabalhista como o combate às fraudes e em direitos estabelecidos por políticas públicas,
a exemplo da defesa do direito ao meio ambiente, incluindo o do trabalho.
Ao contrário de soluções baseadas em acordos privados, as ações e decisões das
instituições públicas dão lugar a regras públicas visíveis, que podem ser contestadas por
ambas as partes do conflito trabalhista, dinamizando as relações de trabalho e
alimentando o debate que deve caracterizar uma sociedade democrática.
Em contraponto a essa tendência observável de ampliação da cidadania social,
entretanto, foram se desenhando no país ações que visam conter tais avanços. No
âmbito do STF, por exemplo, associações empresariais têm sistematicamente usado de
determinadas vias para contestar as medidas legislativas e jurisprudenciais da área do
trabalho.
18
3. Os fundamentos político-ideológicos da reforma
A reforma trabalhista constitui um processo de disputa política, de interesses de
classe e de semântica, uma vez que se atribui ao conceito de “modernização”
significados distintos. A bandeira da “modernização” das relações de trabalho oculta um
passado que, mais uma vez, se ancora no presente. A primazia do negociado sobre o
legislado, o desmonte da CLT e o ataque à Justiça do Trabalho voltam à agenda política
em nome da defesa da segurança jurídica, do combate ao ativismo jurídico e em prol da
justiça social. Trata-se de uma ideologia que precisa ser desvelada.
Para os defensores da reforma, a legislação trabalhista é uma excrescência, um
anacronismo que “engessa” o mercado de trabalho porque impõe limites à livre
contratação de trabalhadores. Ela estaria também ultrapassada à luz das mudanças
promovidas na dinâmica do capitalismo internacional a partir das últimas décadas do
século XX: a difusão de um novo padrão de industrialização baseado em empresas
enxutas, em novas formas de organização e gestão da força de trabalho, em um processo
de fragmentação das cadeias produtivas e no acirramento da concorrência internacional
exigiria a adaptação da regulação estatal às condições de um mercado cada vez mais
"globalizado". Nesse contexto, a regulação estatal teria que perder sua rigidez excessiva,
para se tornar mais ágil e flexível. O "excesso" de leis teria que dar lugar à "valorização
da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores" (Marinho, 2017, p. 2). Com
menos leis e mais negociação, seria possível adaptar os direitos existentes às peculiares
condições de mercado de cada empresa, levando-se em consideração o ramo de
atividade, o tamanho da empresa, bem como os indicadores socioeconômicos da região
em que se encontra instalada.
Nesse sentido, o processo de modernização das relações de trabalho consiste na
implantação de um conjunto de medidas de modo a promover:
1. a substituição da lei pelo contrato;
2. a adoção de uma legislação mínima, residual, a ser complementada pela
negociação/contratação;
3. a criação de diferentes tipos de contrato, diferentes do padrão de
assalariamento clássico representado pelo contrato por tempo indeterminado;
4. a substituição de direitos universais por direitos diferenciados;
19
5. a descentralização da negociação coletiva, se possível ao âmbito da empresa;
6. a substituição da intervenção estatal na resolução dos conflitos trabalhistas
pela autocomposição das partes.
Não por acaso, desregulamentação e/ou da flexibilização das relações de
trabalho se tornam palavras de ordem dessa reforma supostamente modernizadora.
Esses termos, os mais frequentes nesse debate, são vagos e imprecisos o suficiente para
ocultar seus reais objetivos: se possível, eliminar a lei, se não reduzir o alcance e o
tamanho da legislação. Desregulamentação não necessariamente significa a supressão
de regulamentos e leis, podendo, ao contrário, traduzir-se em novas leis que visam
reconhecer juridicamente diferentes tipos de contrato e permitir a derrogação dos
dispositivos anteriormente definidos, consagrando a perda de direitos; flexibilização,
por sua vez, constitui um neologismo cuja função ideológica é clara: fazer com que os
trabalhadores aceitem a redução de direitos, uma vez que não há restrições que impeçam
os direitos inscritos na lei de serem ampliados via negociação coletiva. Desse modo, a
reforma pode ser feita seja eliminando leis, seja inserindo leis que instituem contratos
precários e rebaixam direitos.
Ao procurar estabelecer "a autonomia da vontade coletiva como forma
prioritária de regulação trabalhista" (Substitutivo, 2017, p. 61), a reforma em curso
desfere um golpe mortal no direito do trabalho pois, ao invés de reconhecer a assimetria
das relações entre capital e trabalho, supõe que o contrato de trabalho constitui um
contrato entre “iguais”. Trata-se, desse modo, de criar as condições para prevalência do
mercado na determinação da relação de emprego, submetendo os indivíduos ao
assalariamento conforme a correlação de forças vigente em cada setor de atividade ou
conjuntura. Ora, o mercado, como sabemos, é promotor de desigualdades e não de
igualdade. Na ausência de proteção social, consagra-se a prevalência do mais forte, o
que expõe os trabalhadores a uma série de riscos e inseguranças.
Mas para os defensores da reforma, a autonomia da vontade coletiva, garantida
através do fim da tutela do Estado e do entendimento direto entre as partes interessadas,
seria uma forma de assegurar segurança jurídica, de impedir a ingerência dos tribunais
nas relações de trabalho e de coibir o ativismo judicial. O argumento é que o excesso de
leis impede o fortalecimento da negociação coletiva e faz com que os acordos possam
ser anulados na Justiça. Além disso, o entendimento direto entre as partes interessadas
20
possibilitaria "empreender com segurança", "atendendo as vontades e as realidades das
pessoas" (Marinho, 2017, p. 19). Um desdobramento desse argumento é que o excesso
de leis inibe a contratação de trabalhadores e estimula a informalidade. Há, aqui duas
questões a serem discutidas:
1) há, de fato, um excesso de leis que é prejudicial ao trabalhador? Como
indicam os dados do Conselho Nacional de Justiça relativos às ações trabalhistas, já
mencionados, o que temos são leis que não são cumpridas. A informalidade não é
decorrente de um suposto excesso de leis, pois o arcabouço legal hoje vigente não
impediu a redução da informalidade no passado recente. O não cumprimento, a falta de
fiscalização, é que são responsáveis pela informalidade. De modo recorrente, desde o
processo constituinte de 1987-88, vozes conservadoras afirmam que direitos sociais
comprometem o emprego, tese que está intimamente relacionada à ideia da auto-
regulação dos mercados. Esse argumento, endossado pelo patronato por razões
facilmente compreensíveis, não se sustenta empiricamente, como veremos adiante. O
ordenamento jurídico brasileiro contempla o instituto da demissão sem justa causa, o
que provoca enorme rotatividade e flexibilidade no trabalho. Por fim, com essa mesma
legislação, houve momentos de maior e menor desemprego no país2, o que indica que as
causas do desemprego devem ser buscadas em outro lugar.
2) quem precisa de segurança jurídica? O patrão ou o empregado? O problema é
o excesso de lei, o "engessamento" à liberdade patronal ou a burla à lei? Já dissemos
que a lei não impede a negociação, apenas que a negociação piore o que a lei estabelece.
Ou seja, a lei já diz o que pode ser feito. Não faz sentido dizer que é preciso dar aos
acordos entre sindicatos e empregadores força de lei, pois eles já têm força de lei, são
um instrumento normativo.
Logo, a tese da segurança jurídica é um subterfúgio para ocultar os interesses de
quem a defende. O objetivo da reforma é eliminar os entraves que a regulação pública
do trabalho coloca à exploração capitalista, o que acarretará a expansão da precarização,
o aumento da vulnerabilidade, da insegurança, da desproteção. Como isso não pode ser
dito, recorre-se à tese da "segurança jurídica".
Pode-se argumentar que as disputas pelos sentidos do direito são legítimas,
fazem parte de um ambiente de democracia. No entanto, a defesa da segurança jurídica,
2 Entre 2004 e 2014 o emprego formal do Brasil cresceu 26,3%.
21
tal como vem sendo proferida para sustentar as atuais reformas, deve ser lida sob a
chave de recursos retóricos produzidos por alguns intelectuais e utilizados pelos
empresários para não aceitar as incertezas inerentes ao jogo democrático e para se
contrapor à existência de processos de afirmação de direitos sociais no Brasil.
Membros do MPT e da Justiça do Trabalho têm respondido a tais recursos
retóricos sinalizando que, ao contrário do afirmado, as reformas do atual governo com o
apoio do Congresso Nacional, não trarão a esperada “segurança jurídica”. Trarão mais
reclamações, ações coletivas e pluralidade de acordos, além de conflitos imprevisíveis.
Portanto, se para os adeptos conservadores da tese da perversidade a “segurança
jurídica” significa livre mercado, para os que se contrapõem a ela, conforme o espírito
da Constituição de 1988, a “segurança jurídica” significa aplicar a lei, os princípios
constitucionais e as normas da OIT em favor de uma sociedade mais justa.
Assim, contrariamente às expectativas do patronato que remetem
exclusivamente à diminuição de custos, a não restrições de seu poder de mando e à
liberdade do mercado, em muitos casos juízes e membros dos tribunais do trabalho e do
MPT têm feito opção pela defesa da dignidade humana, contra a discriminação, e
levando em consideração os danos morais, individuais e coletivos infringidos aos
trabalhadores. Nos últimos anos, sobretudo com o combate ao trabalho análogo à
escravidão, os direitos sociais passaram a ganhar a dimensão de direitos humanos
sempre que estão em jogo a dignidade do trabalhador e os seus direitos básicos de
existência. Essas medidas podem trazer um avanço para a sociedade como um todo, ao
possibilitar a inclusão de pessoas na cidadania e produzir aprendizados institucionais e
organizacionais sobre o cumprimento das leis.
Quanto ao ativismo judicial, o argumento dos defensores da reforma é que os
tribunais extrapolam "sua função de interpretar a lei", indo "contra a lei" (Marinho,
2017, p. 23), criando e revogando leis com suas decisões. Para evitar isso, não basta
padronizar as decisões judiciais por intermédio das súmulas editadas pelo TST, é
necessário privilegiar soluções extrajudiciais na resolução dos conflitos. Trata-se, pois,
de esvaziar a Justiça do Trabalho, como mencionamos anteriormente.
Outro argumento frequentemente empregado para justificar a reforma é que a
legislação trabalhista promove injustiças. Nessa perspectiva, a intervenção do Estado
criaria duas “classes” de trabalhadores: os protegidos pela legislação trabalhista e os
22
relegados à informalidade. Esses estariam à margem dos direitos graças à rigidez da lei.
Assim, o argumento da Justiça Social se reveste de uma aparência progressista, que
oculta o caráter regressivo das medidas propostas sob um discurso socialmente
inclusivo: diante de um cenário de desemprego crescente e tendo em vista a
informalidade historicamente elevada do mercado de trabalho brasileiro, reduzir e
diferenciar os direitos existentes seria uma forma de se promover a inclusão. O discurso
é completado com a crítica ao corporativismo dos defensores da legislação existente,
que estariam preocupados com seus interesses egoístas, e não com o bem-estar da
sociedade. O objetivo desse discurso é duplo: sensibilizar a população para que aceite o
rebaixamento e a distinção de direitos e contrapor segmentos "incluídos" aos
"excluídos", já que a ausência de direitos da maioria é explicada pelo "excesso" de
direitos de uma minoria "privilegiada", que não teria compromissos com os mais
pobres.
Não por acaso, uma das principais referências citadas pelo relator é o sociólogo
José Pastore, que foi convidado para as audiências públicas promovidas pela comissão
especial da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados e, desde os anos 1990, é um
dos principais defensores da flexibilização da legislação trabalhista, sendo também
assessor de organizações patronais. Para Pastore, com a flexibilização não se trataria de
“retirar direitos de quem tem”, mas de “assegurar direitos a quem não tem”, pois "é
melhor ter um conjunto de proteções parciais do que nenhuma proteção" (Pastore, 2006:
8).
Trata-se de um de um discurso perverso, que facilita a aceitação do combate aos
direitos universais e dificulta a oposição às propostas neoliberais. Em primeiro lugar,
ele traz implícita a tese de que a culpa pela desigualdade social, pelo desemprego e pela
informalidade é dos trabalhadores protegidos pela legislação. Ora, cumpre esclarecer
que contratos diferenciados colocam os trabalhadores em concorrência uns com os
outros, degradam as condições de trabalho ao invés de uniformizá-las, criam diferentes
graus de cidadania. Em segundo lugar, ele contribui para jogar os trabalhadores uns
contra os outros, minando sua solidariedade e enfraquecendo a resistência ao desmonte
e ao rebaixamento de direitos. Desse modo, abre-se o caminho para a difusão da lógica
do “menos pior”: é “menos pior” abrir mão de direitos, de reajustes salariais, do que
perder o emprego. É até “menos pior” aceitar aumento da jornada e redução salarial do
23
que ficar desempregado. O retrocesso é grande, pois a lógica do “menos pior” vai
impregnando trabalhadores, sindicalistas, parlamentares... Podemos nos perguntar: de
rebaixamento em rebaixamento, vamos chegar onde? Quão mínimo é o mínimo? Que
sociedade é essa que queremos construir?
Apesar de reformas iguais ou similares terem provocado em outros países
aumento do desemprego e da desigualdade, com efeitos nefastos à organização dos
trabalhadores, os que a defendem continuam a insistir na “quebra” da alegada rigidez
para que o emprego se amplie, apontando para o encontro das vontades individuais
como espaço normativo privilegiado. São cantos da sereia que insistem em caminhos
que já se mostraram desastrosos no final do século XIX e início do XX. A reforma
atende os interesses (econômicos e financeiros) dos que desejam eliminar quaisquer
obstáculos ao “livre” trânsito de um capitalismo “sem peias”.
A defesa de contratos que retiram direitos conquistados e implicam livre
rotatividade da mão-de-obra descaracteriza a identidade profissional do trabalhador e o
afasta dos sindicatos. A ampliação da terceirização, bem como a adoção de formas de
resolução do conflito sem participação das instituições públicas, ou ainda os processos
de negociação sem respeito a direitos básicos ou diminuidores do papel dos sindicatos,
cumpririam esse papel fragmentador e desarticulador do coletivo trabalhador.
O primado do negociado e a “flexibilização” das relações de trabalho investem
contra princípios sociais de solidariedade, criando entre os trabalhadores uma
insegurança estrutural e permanente, dificultando a construção da identidade coletiva
dos trabalhadores enquanto classe. É um golpe contra a democracia entendida como
processo constante de invenção e reinvenção de direitos. No Brasil, historicamente,
as lutas por direitos levam à radicalização autoritária das forças conservadoras. Por
isso, é o tema dos direitos que está no cerne dos movimentos de ruptura
institucional, formalizada no golpe de 2016.Tudo isso constitui um assalto à história.
24
4. Os fundamentos econômicos utilizados para justificar a reforma
Dentre as justificativas apresentadas para a reforma trabalhista dois argumentos
se sobressaem: o elevado custo do trabalho e a burocracia trabalhista. De acordo com
os empresários, o descompasso entre o crescimento da produtividade e dos salários é
incompatível com o padrão de retomada da atividade econômica e do emprego. Em
conformidade com esse raciocínio, o desemprego se deve à ausência de mecanismos
regulatórios que possibilitem maior flexibilidade nas regras de contratação,
remuneração e uso da força de trabalho.
Os dados evidenciam que o emprego cresceu em períodos de forte dinamismo
econômico, fortalecendo a tese de que a retomada dos postos de trabalho só será
possível se estimulada pela recuperação da atividade produtiva e não o inverso, como
preconizam os defensores das reformas. Entre 2003 e 2014 foram gerados 20.887.597
postos de trabalho.
O excesso de rigidez apontado pelos empresários impede que as empresas
possam se ajustar rapidamente às oscilações econômicas, criando uma defasagem entre
os custos elevados e a reduzida margem de rentabilidade. Elevar as margens de retorno
e reduzir os custos do trabalho são apontadas como condição para a retomada da
atividade econômica. Nesse sentido, não basta promover a dispensa em larga escala −
que, aliás, nunca encontrou entraves na legislação trabalhista uma vez que somente
entre 2015 e 2016 foram destruídos mais de 2,8 milhões de postos de trabalho −, mas
realizá-la com o menor custo. Somente, em 2016 foram movimentados mais de 30
25
milhões de pessoas entre admitidos e desligados, gerando um saldo negativo de 1,32
milhão de desempregados, conforme dados do CAGED3 de 2016.
A reformas trabalhista se insere em um conjunto mais amplo de reformas
neoliberais e em um contexto mais geral de desmonte do Estado e das políticas públicas.
No entanto, as experiências internacionais evidenciam que não é por meio da redução
ou flexibilização de direitos que os empregos serão recuperados e a economia voltará a
crescer. Em 2015, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em dois estudos
sobre os impactos das normas de proteção ao trabalho no nível do emprego (OIT, 2015
e Adascalitei; Pignatti Morano, 2015), analisou quantitativamente a relação entre
proteção ao trabalho, desemprego, taxa de ocupação e participação. O primeiro, em 63
países, no período de 1993 a 2013; o segundo, em 111 países, de 2008 a 2014. Os
resultados confirmam: não há significância estatística na relação entre rigidez da
legislação trabalhista e nível de emprego. Ao contrário: países onde a
desregulamentação cresceu, o nível de desemprego aumentou no período; onde a
regulamentação se intensificou, o desemprego caiu no longo prazo (OIT, 2015, p. 120).
Da mesma maneira, os estudos enfatizam que do ponto de vista
macroeconômico, as estratégias de flexibilização acentuam de forma mais rápida a
destruição de postos de trabalho em períodos de crise, de modo que a retomada
posterior da atividade econômica, quando ocorrer, não será suficiente para repor os
empregos perdidos. (Cisneros y Torres, 2010).
A ideia de que a produtividade só será alcançada reduzindo custos é uma lógica
empresarial que deve ser compreendida e combatida. Um argumento que ganhou força
entre os meios empresariais é que a crise econômica seria decorrência do encolhimento
nas margens de lucro dos empresários brasileiros no último período. Os incrementos
salariais, em patamar superior à produtividade das empresas, seriam os vilões da
elevação dos custos.
A resposta clássica diante desse aumento salarial é a redução do emprego através
de políticas de ajuste, de modo a forçar a queda dos salários. Dessa forma, o
desemprego é, pois, utilizado como um instrumento de regulação do preço da força de
3 CAGED é o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Trata-se de um registro administrativo
do Ministério do Trabalho e seus dados estão disponíveis na página: http://pdet.mte.gov.br/
http://pdet.mte.gov.br/
26
trabalho no mercado. Os efeitos da crise no Brasil se fazem sentir com a elevação da
taxa de desemprego e a redução dos ganhos reais de salários a partir de 2015. Mas,
como indicamos anteriormente, o mecanismo de dispensa nunca foi um empecilho para
os empregadores. Além disso, as contratações, mesmo em contextos de maior
dinamismo econômico, vêm ocorrendo com redução de salários, ou seja, a remuneração
média de um contratado pode variar entre 10% a 30% menor em comparação com o
salário do trabalhador dispensado no mesmo setor econômico. A rotatividade sempre foi
utilizada como mecanismo de ajuste dos salários. Entre 2014 e 2017, conforme dados da
PNAD contínua, a desocupação aumentou de 7,2% para 13,7% e os rendimentos médios
efetivamente recebidos no emprego principal caíram em torno de 4%. Com a reforma
trabalhista, os empregadores buscam facilitar a rotatividade ainda mais, reduzindo os
custos de dispensa.
Dados para 2016, extraídos do CAGED, comparam os salários médios dos
admitidos e desligados naquele ano para um conjunto de atividades econômicas. Os
resultados apontam para uma redução de 13% na remuneração média do trabalhador
contratado, quando comparado aos desligados. Isso indica que ou as contratações estão
ocorrendo em setores e ocupações que remuneram menos, ou os efetivos estão sendo
simplesmente substituídos por trabalhadores que recebem salários menores para
desempenhar as mesmas funções. A diferença pode alcançar até 35% nas atividades
financeiras e 20% na indústria de transformação. As menores diferenças estão
justamente naquelas ocupações em que a média salarial já está bem próxima do salário
mínimo, os serviços domésticos.
Quanto ao descompasso entre salários e produtividade, os dados das contas
nacionais publicados pelo IBGE indicam que a maior discrepância ocorreu na indústria
de transformação. Enquanto os salários, entre 2009 e 2014, expandiram-se 9,3% ao ano,
a produtividade média deste mesmo trabalhador cresceu em torno de 4,7% ao ano.
Entretanto, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o economista Thiago
Moreira decompõe o valor total da produção chegando ao seguinte resultado: os salários
respondem apenas por 25% do incremento dos custos e 75% se refere ao consumo
intermediário. Portanto, o encolhimento nas margens de lucro foi motivado
principalmente pelo consumo intermediário e não pela expansão dos custos salariais.
27
O consumo intermediário corresponde aos setores de serviços tradicionais, tais
como comércio, transporte e os serviços prestados às empresas, a exemplo de atividades
administrativas, segurança, limpeza, jurídica e contábeis. Nestes setores predominam as
contratações terceirizadas que, mesmo que tenham sofrido o impacto da valorização do
salário mínimo, caracterizam-se por um comportamento distinto do da indústria (Valor,
25/04/17). Desse modo, para o autor, a explicação para a queda na lucratividade da
indústria não está no aumento dos salários, mas principalmente nas transformações
estruturais da economia brasileira.
Outro elemento a ser considerado é o grau de internacionalização da economia,
que reduz as margens das empresas que integram uma cadeia global e que possuem uma
reduzida capacidade de incidência sobre estas cadeias. Em 2015, o Brasil representava
1,3% do comércio mundial e um quinto desse comércio era realizado com a China.
Desde 2011 se intensificaram, especialmente no âmbito do Plano Brasil Maior, as
pressões da indústria por subsídios, isenções, desonerações e regimes especiais. Essa
passou a ser a principal estratégia empresarial diante de um câmbio valorizado, que
favorece as importações de máquinas e componentes e a substituição da produção
nacional por importados, promovendo dessa forma a desindustrialização. Entre 2010 e
2014, a participação da indústria no valor adicionado caiu de 27,4% para 23,8%, sendo
que a maior queda ocorreu na indústria de transformação, de 15,0% para 12,0%,
enquanto o setor de comércio e serviços aumentou, passando de 67,8% para 71,2%.
(Dados do Sistema de Contas Nacionais do IBGE).
As pressões por competitividade indicam que as empresas vêm reduzindo os
custos do trabalho de forma sistemática como forma de administrar outros custos, como
insumos e matérias primas, além dos custos financeiros. São despesas sobre os quais as
empresas integradas em cadeias globais não têm nenhuma governabilidade. O setor
aéreo é um bom exemplo disso: em 1992 os encargos com pessoal representavam
28,6% do custo total do setor, valor que caiu para 9,6% em 2014. Mesmo assim, o total
de pessoal ocupado praticamente dobrou nesse período, revelando um processo de
precarização intensa e mudanças nas condições de trabalho para se ajustar a um novo
cenário. Ao mesmo tempo, os custos com combustível saltaram de 14,6% para 36,5%
nesse período.
28
Além disso, é importante destacar o quanto o sistema financeiro afeta o
comportamento das empresas. A análise dos balanços de um conjunto de empresas para
o ano de 2016, recentemente publicados, demonstra que as empresas compensam a
queda de receita com os resultados positivos oriundos da intermediação financeira.
Tabela 1 – Resultado do balanço financeiro de empresas (2016)
Segmento Lucro Receita financeira
Instituição financeira de
economia mista
Lucro líquido cresceu
33,7% em 2016
Receitas de intermediação
financeira cresceram
17,8% (segundo o próprio
relatório, o crescimento foi
possibilitado pela elevação
das taxas de juros que
remuneram as aplicações
financeiras)
Instituição financeira Lucro no primeiro
trimestre de 2017 cresceu
37% e respondeu por 26%
do resultado geral do
banco no mundo
Instituição financeira Cresceu 19,6% no
primeiro trimestre de
2017
Segurança patrimonial Cresceu 5,1% em 2016 Receitas financeiras
cresceram 115% em 2016
Setor de celulose EBITDA4 de
R$ 1.212.699
Receitas financeiras R$
1.148.566 (as receitas
financeiras representam
95%)
Holdings de instituições
não financeiras
Receita financeira cresceu
50%
Instituição de ensino
superior
Receita financeira cresceu
47%
Holdings de instituições
não financeiras
Lucro de R$ 73.640 Aplicações financeiras
cresceram 50% e
representa 49% das
receitas operacionais
Comércio de móveis e
eletrodomésticos
A receita operacional
liquida cresceu 4%
Lucro líquido do
exercício caiu de R$
Participação do lucro
financeiro no lucro líquido
cresceu de 24,7% em 2015
para 42,3% em 2016
Origem do salto do
4 EBITDA é a sigla de “ Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization” em português significa “ Lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações. Trata-se de indicador financeiro que reflete o resultado operacional antes de descontados os impostos e outros efeitos financeiros. É utilizado como medida para o desempenho de produtividade e de eficiência da empresa.
29
10.404 para R$ 8.884 já
as receitas financeiras
cresceram de R$ 7.207.
para R$ 8.324.
resultado financeiro foi a
compra de R$ 8,2 milhões
em títulos e valores
mobiliários, o que
possibilitou o incremento
de R$ 1,2 milhões na
renda das aplicações
financeiras
Braço financeiro da
empresa de comércio de
moveis e eletrodomésticos
O lucro líquido foi quase
3 vezes superior ao da
atividade principal. O
lucro financeiro do grupo
representa 84% de todo o
lucro líquido da empresa.
Total de aplicações no
mercado financeiro do
grupo R$ 69.554.000,00
Fonte: Valor Econômico – várias datas.
A participação das aplicações financeiras nos resultados das empresas chama a
atenção pela sua magnitude. Dados divulgados pela consultoria Economatica destacam
que o setor financeiro foi o que mais ganhou em 2016, com 23 instituições, os bancos
conseguiram lucrar R$ 48,595 bilhões. E dos 20 maiores lucros, quatro delas, inseridas
nos setores de mineração, energia e papel e celulose, haviam apresentado resultado
negativo em 2015, recuperando-se em 2016. Diante de um quadro de crise e reduzida
capacidade de investimentos as empresas apostam na rentabilidade, focalizando a
redução de custos, especialmente do trabalho, através de demissões e reorganização nos
processos produtivos. Uma empresa de capital americano, ao divulgar seus bons
resultados para 2016, admitiu que não foram reflexo das receitas das vendas, mas da
despedida de empregados, renegociação de contratos e adoção do home office.
O comportamento do mercado de trabalho influencia diretamente a própria
demanda agregada, tendo consequências sobre a pobreza, a desigualdade e a
distribuição de renda. A redução dos empregos formais amplia as inseguranças e a
precariedade, produzindo um forte impacto sobre o mercado de consumo, pois os
trabalhadores tendem a gastar o que ganham. O estreitamento do mercado de consumo
pela ausência de demanda forçará, necessariamente, um processo de reconcentração de
renda em mãos do capital, comprometendo o próprio desenvolvimento e aumentando os
níveis de pobreza. Além disso, com a queda brutal do consumo, setores inteiros deixam
de produzir internamente e migram para outros mercados mais rentáveis. Se não há
mercado para os seus produtos, não haverá novos investimentos privados.
30
Paradoxalmente, se todas as empresas seguirem o mesmo caminho, reduzindo direitos e
salários a pretexto de impulsionar o mercado competitivo, o principal resultado será a
perda de mercado interno para a recessão e a redução do poder de compra da maioria da
população (Lipietz, 1994).
Do ponto de vista microeconômico, os altos índices de rotatividade de pessoal
através de sucessivas contratações acarretam mais custos para as empresas, que não
conseguem usufruir dos benefícios produzidos pela capacitação e integração do
trabalhador ao ambiente de trabalho. Por outro lado, a precariedade do emprego
constitui um fator de desmotivação para os próprios trabalhadores, que serão
empurrados de um emprego para outro sem criar vínculos de solidariedade e relações de
pertencimento de classe. Além disso, essas formas de flexibilização produzem
mudanças nas próprias condições de trabalho e salários, rompendo com formas
tradicionais consolidadas de relações de trabalho e enfraquecendo as organizações
sindicais.
O debate que envolve as estratégias de ampliação dos ganhos de produtividade e
maior competitividade acompanha a economia brasileira desde o processo de abertura
econômica, comercial e financeira do início dos anos de 1990. Fundada em elementos
espúrios como a redução dos custos do trabalho e sob o eufemismo da desverticalização,
as empresas promoveram já nessa década um intenso processo de precarização do
trabalho através da terceirização.
Não existe apenas um conceito de produtividade, mas vários. Ele pode ser
compreendido como uma forma de maximizar o uso de recursos: equipamentos para
expandir mercados, aumentar o emprego, ampliar os ganhos reais de salários e melhorar
os padrões de vida da sociedade. Mas também pode ser visto como uma forma de
assegurar ganhos imediatos, sem a introdução de mudanças mais sistêmicas. Essa
concepção parte do pressuposto de que só a quantidade de trabalho está em condições
de variar, portanto, a redução dos custos do trabalho constitui o principal objetivo a ser
alcançado. Essa é a visão que predomina atualmente entre os empresários.
Nesse contexto, a produtividade, é utilizada para reduzir os custos da força de
trabalho através de um intenso processo de intensificação do ritmo de trabalho com a
adoção de mecanismos que eliminem os tempos mortos, adequando a demanda às
flutuações de mercado, reduzindo custos de contratação e dispensa, alterando a jornada
31
de trabalho e as formas de remuneração através da introdução da remuneração variável
como um componente fundamental.
Vejamos, na segunda parte do documento, como as medidas propostas no âmbito
da reforma em curso afetam os diferentes direitos trabalhistas.
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Parte 2 - A reforma e seus impactos
Esta parte do documento se propõe a analisar as principais medidas propostas ou
encampadas pelo Governo Temer e que estão atualmente presentes na agenda política.
Elas medidas compreendem os seguintes aspectos, que serão discutidos em itens
específicos:
1. Formas de contratação mais precárias e atípicas: terceirização, contrato intermitente,
parcial, autônomo, temporário, negociação da dispensa.
2. Flexibilização da jornada de trabalho: jornada in itinere, ampliação da compensação
do banco de horas, redução do tempo computado como horas extras, extensão da
jornada 12 por 36 para todos os setores de atividade, flexibilidade diária da jornada
redução do intervalo de almoço, parcelamento de férias, negociação individual do
intervalo para amamentação.
3. Rebaixamento da remuneração: pagamento por produtividade, gorjetas, pagamento
em espécie, PLR, abonos e gratificações, livre negociação dos salários.
4. Alteração das normas de saúde e segurança do trabalho: insalubridade (gestante e
lactante), restrições à fiscalização, teletrabalho.
5. Fragilização sindical e mudanças na negociação coletiva: fragmentação da classe,
descentralização das negociações, regras para a representação no local de trabalho,
formas de custeio da organização sindical.
6. Limitação do acesso à Justiça do Trabalho e limitação do poder da Justiça do
Trabalho: ampliação do papel dos mecanismos privados de conciliação, eficácia
liberatória dos acordos, quebra do princípio da gratuidade.
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1. Formas de contratação mais precárias e atípicas
Ao se justificar como provedora da “segurança jurídica” e como veículo para a
“modernização” das relações de trabalho, a reforma trabalhista promove os meios para
que as empresas ajustem a demanda do trabalho à lógica empresarial, reduzindo aqueles
custos que garantem estabilidade e segurança ao trabalhador. Ao mesmo tempo em que
legaliza a desresponsabilização das empresas sobre os trabalhadores que contrata, a
reforma estimula e legaliza a transformação do trabalhador em um empreendedor de si
próprio, responsável por garantir e gerenciar sua sobrevivência em um mundo do
trabalho que, lhe retirará a já frágil rede de proteção social existente. É isto que fica
evidente se analisarmos as regulamentações propostas em relação ao trabalho
temporário, terceirizado, jornada parcial, trabalho autônomo, assim como a criação
de uma nova forma de contrato, qual seja, a do trabalho intermitente.
Os contratos intermitentes, em tempo parcial, a terceirização, os autônomos e os
contratos temporários se instituem em oposição aos contratos por tempo indeterminado.
No Brasil, as tentativas de fixar novas modalidades de contratação na década de 1990
não surtiram os efeitos esperados. A rigor, a única forma que se ampliou foi a prática da
terceirização, embora restrita às atividades previstas em lei ou atividades meio,
conforme determina a Sumula nº 331 do TST. Entretanto, essa prática se disseminou
ensejando, com isso, inúmeras ações na Justiça do Trabalho reivindicando vínculos com
o tomador de serviços. Não há, nessas modalidades de contratação, qualquer estimulo à
geração de emprego, ao contrário, são adotadas com o propósito de racionalizar o uso
do tempo pelos empregadores, gerando mais desemprego, insegurança e precariedade.
A reforma cria uma nova figura do trabalho – fruto bem-acabado da
flexibilização e da precarização – a do trabalhador just in time. A regulamentação e
liberalização do contrato de trabalho temporário e a terceirização, já implementadas na
Lei nº 13.429/2017, assim como a legalização irrestrita do trabalho autônomo proposta
no PLC 38/17, são instrumentos fundamentais nesta transformação. A Lei nº 13.429/17
amplia a utilização dos contratos temporários, possibilitando, por essa via, o uso
indiscriminado da terceirização, seja no âmbito público ou privado, permitindo, ainda, a
substituição de trabalhadores efetivos por prestadores de serviços para a realização de
quaisquer atividades. Entretanto, a nova figura do contrato de trabalho intermitente
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introduzida no texto da reforma garante a disponibilidade total deste trabalhador ao
capital, mas somente utilizado na exata medida de sua necessidade.
1.1 Art. 443 - O contrato intermitente
O projeto introduz o chamado contrato de trabalho intermitente, também
conhecido como contrato de zero hora, que garante que o trabalhador permaneça
subordinado à contratante, ao mesmo tempo em que esta tem o direito de utilizar de seu
trabalho de acordo com sua necessidade. De acordo com o parágrafo terceiro do artigo
443:
“Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de
serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de
prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses,
independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador”.
Conforme previsto no projeto, esse contrato permitirá a prestação de serviços de
forma descontínua, podendo alternar períodos em dia e hora e com isso atender às
demandas especificas de determinados setores, com o respectivo pagamento
proporcional ao número de horas trabalhadas. A redação do texto deixa evidente que
não haverá nenhuma restrição à adoção do trabalho intermitente. Desta forma,
empregadores que prefiram remunerar seus trabalhadores apenas pelas horas
trabalhadas, ao invés de estabelecer uma jornada pré-definida de trabalho, terão total
liberdade para fazê-lo.
A adoção do contrato intermitente tem o propósito de se ajustar às
especificidades de cada segmento e, com isso, os empregadores poderão se utilizar de
distintas formas de contratação conforme as suas necessidades. A jornada intermitente é
uma reivindicação antiga do setor de comércio e serviços, mas poderá ser amplamente
adotada para qualquer atividade econômica. Ela se ajustará a demandas eventuais, como
trabalho em finais de semana, atendimento a horários de maior pico em bares e
restaurantes, mas também poderá ser implementada em linhas de produção, escolas e
hospitais.
Os argumentos constantes no substitutivo apresentado pelo relator em defesa do
trabalho intermitente seguem duas direções: a primeira é que essa modalidade gerará
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novos empregos sem, entretanto, especificar de que forma; a segunda se refere aos
supostos efeitos sociais desse tipo de contrato, que constituiria uma oportunidade para
aqueles que estão acessando o primeiro emprego e/ou que precisam conciliar trabalho e
estudo.
Essa forma de contratação subordina o trabalho a necessidades eventuais do
empregador. O trabalhador e a trabalhadora ficam disponíveis 24 horas por dia e
vinculados a um contratante que poderá dispor de seu trabalho a qualquer momento,
pagando apenas pelas horas trabalhadas. Não há nenhuma previsibilidade em relação ao
número de horas contratadas, nem à remuneração a ser recebida, o que produz incerteza
para o trabalhador, além de um forte impacto social, na medida em que reduz as
contribuições previdenciárias e os direitos trabalhistas.
A remuneração do trabalho intermitente não precisa corresponder ao mínimo
estabelecido pelo salário mínimo. O trabalhador torna-se responsável por gerenciar sua
sobrevivência na instabilidade – a sua carga de trabalho é ofertada com até três dias de
antecedência, tendo que aceitar ou não a oferta no prazo de até um dia. Para completar,
reproduzindo a falsa e absurda premissa de que o contrato de trabalho se estabelece
entre dois iguais – ao mesmo tempo em que a lei é inequívoca sobre a manutenção da
“relação de subordinação”, – caso confirme presença e não compareça, o trabalhador
paga uma multa de 50% ao empregador. A reforma só não chega ao ponto de eximir o
empregador de fazer o mesmo.
Em um primeiro momento, poder-se-ia afirmar que o contrato intermitente é
simplesmente uma regulamentação dos “bicos”. Ou seja, atinge aquele trabalhador que
se envolve com trabalhos esporádicos, sem jornada bem definida, de forma eventual.
Mas em realidade o trabalho intermitente poderá ser um veículo extremamente eficiente
na promoção da instabilidade e no rebaixamento da remuneração do trabalhador em
diversos setores. Para além disso, poderá promover intensificação do trabalho, ou seja,
aumento da carga de trabalho e redução de horas pagas. O contrato intermitente se torna
um veículo para que trabalhadores que eram CLTistas em tempo integral se tornem
“trabalhadores just in time”, trabalhando e recebendo estritamente de acordo com as
necessidades da empresa. Trata-se de legalizar o estabelecimento de uma nova lógica de
subordinação, gestão e controle da força de trabalho, que pode se generalizar por
diversos setores da economia.
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Esse tipo de contrato já existe em outros países e suas consequências são
desastrosas para a saúde e para a vida dos trabalhadores. Pesquisas já realizadas
apontam que trabalhadores submetidos a esse regime trabalham, a depender de cada
período, muito mais ou muito menos do que os empregados contratados em regimes
normais. Ou seja, suas vidas passam a ser completamente determinadas pelas demandas
de curto prazo das empresas. Assim, ao invés de se subordinar aos ditames empresariais
apenas durante a jornada de trabalho, os trabalhadores passam a ter toda a sua vida
vinculada como apêndice aos desígnios empresarias. Na prática, os trabalhadores ficam
ininterruptamente à disposição dos empregadores, já que sua condição precária não traz
qualquer alternativa que não aceitar qualquer trabalho que surgir. São nefastas as
repercussões em termos de condições de acidentalidade, tanto pelos prolongamentos
excessivos das jornadas, quanto pela ausência de continuidade nas atividades, reduzindo
o vínculo do trabalhador com seu processo de trabalho, por conseguinte, seu saber fazer
em dado ambiente.
1.2 Art. 58- A - O contrato em tempo parcial
O contrato em tempo parcial, de 25 horas, adquiriu pouca expressão no Brasil
desde que foi adotado nos anos 1990 como parte das estratégias empresariais de
flexibilização do trabalho. A sua pequena eficácia está relacionada às controvérsias
sobre a sua adoção e a remuneração proporcional, gerando desestímulo por parte do
setor empresarial. No entanto, o regime em tempo parcial foi retomado na proposta de
reforma trabalhista, que aumenta a jornada parcial para 26 a 30 horas semanais. Além
disso, permite a contratação inferior a 26 horas e o pagamento do respectivo salário de
forma proporcional.
Dados recentes (2015) indicam que a jornada semanal de até 30 horas representa
41,2% dos empregos das mulheres, e 24.7% dos empregos dos homens. O elevado
número de mulheres em jornadas parciais diz respeito às jornadas diferenciadas,
especialmente nas áreas de educação, saúde e serviços sociais, em que as mulheres
predominam. No entanto, em alguns segmentos, como no setor de aeroviários, a prática
da jornada parcial para os serviços de atendimento ao público vem se ampliando, da
mesma forma em que há registros da adoção dessa modalidade de contratação no
emprego doméstico.
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Os contratos em tempo parcial têm nitidamente um viés de gênero e estimulam a
flexibilização de contratos para as mulheres. Os estudos indicam que os contratos
parciais e os temporários são as formas de emprego que geram menor proteção social.
Os dados para a Europa apontam para um crescimento dessa modalidade desde a crise
de 2008, de forma que já representam 22% sobre o emprego total. As pesquisas
sugerem que, ao contrário do que se afirma, o tempo parcial não é uma opção oferecida
aos trabalhadores, mas sim uma contingência frente a um cenário de falta de alternativas
(OIT, 2015).
Essas formas de contratação são justificadas largamente como a única condição
de garantir empregos para todos, entretanto, não se encontra correspondência positiva
entre essas formas e os níveis de emprego, que seguem em patamares inferiores ao
período anterior à crise. Se as pessoas não escolhem deliberadamente pelo trabalho
parcial, então estamos falando de uma forma de subemprego.
1.3 LEI 13.429/17 - O contrato temporário
A lei que rege o trabalho temporário é de 1974 e quando foi concebida tinha
duas finalidades básicas: substituição de pessoal regular e permanente ou acréscimo
extraordinário de serviços, com duração de 90 dias. Através do PL 4302/1998, de
autoria do executivo comandado por Fernando Henrique Cardoso, e aprovado em 22 de
março de 2017, sob o governo Temer, o contrato temporário foi estendido para 270 dias
e poderá ser adotado em qualquer circunstância. Quando encaminhado para sanção,
sofreu vetos que pioraram ainda mais o seu conteúdo ao eliminar o dispositivo que
assegurava uma série de benefícios ao trabalhador temporário, inclusive o direito de
receber o mesmo salário e ter jornada de trabalho equivalente à dos empregados que
trabalham na mesma função ou cargo da tomadora de serviço.
Os trabalhadores e as trabalhadoras submetidas ao contrato temporário já têm
negado vários direitos como as estabilidades temporárias, o aviso prévio, a multa do
FGTS e o seguro-desemprego, além do acesso às férias. A estabilidade provisória de
grávidas não alcança os contratos temporários, o que estimula ainda mais essa
modalidade de contratação entre os empregadores que discriminam as mulheres. Os
contratos temporários estimularão a já elevada rotatividade que caracteriza o mercado
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de trabalho brasileiro, possibilitando baratear ao máximo os custos de admissão e
dispensa.
Por se adequar à lógica empresarial, os contratos temporários tendem a constituir
uma modalidade frequente de contratação, especialmente em áreas que não exigem
qualificação e que registram um elevado nível de adoecimento ocasionado por lesões
por esforços repetitivos, como nas linhas de produção. Com isso, não haverá
responsabilização patronal pelo dano causado à saúde do trabalhador e da trabalhadora.
A rotatividade em diferentes áreas e funções dificulta qualquer perspectiva de
progressão na carreira ou ascensão profissional, e sujeita o trabalhador a ter sua
remuneração reduzida e seus direitos violados sempre que a empresa de intermediaçã