Post on 11-Jan-2016
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Entrevista com Delfim Afonso Júnior, professor de Comunicação Social da UFMG
1 – Você é a favor ou contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo?
Na época do Projeto de Lei, eu tive uma grande dificuldade em entender o objetivo
daquela proposta. Não consegui compreender de que maneira o Conselho traria
benefícios para a democracia, para a profissão de jornalista. Por isso, não fui a favor da
aprovação do Projeto. Até onde eu entendi, achei muito complicada a proposta. Mesmo
porque, nós já tínhamos naquele momento uma forma de regulamentação profissional,
que era a Lei de Imprensa, além dos artifícios presentes na Constituição. Curiosamente,
agora não temos nem Lei de Imprensa e o Conselho não foi aprovado. Há uma espécie
de vácuo na profissão de jornalista.
2- Você não acha que o CFJ ajudaria a tornar o jornalismo mais ético no país,
impedindo desvios por parte da imprensa?
Até pouco tempo atrás, os abusos da mídia caíam no julgamento da Lei de Imprensa,
que servia como um instrumento de controle. A proposta do Conselho era mais
complexa, pois envolvia o controle de produção de notícia e informação. Eu não sei
exatamente se isso ajudaria de alguma forma a tornar o jornalismo mais ético.
3- Você acha que o Conselho poderia delimitar o trabalho do jornalista, cerceando sua
liberdade de expressão?
Eu tenho a impressão de que esse Conselho não se criou por uma luta política, claro,
com empresários de comunicação, por exemplo, lutando contra esse tipo de órgão. A
questão é que eu não acho nenhum benefício que o CFJ poderia trazer. A minha
impressão é de que estava havendo uma espécie de conjugação, de combinação, para
criar formas de avaliar e de intervir na atividade jornalística, que talvez, me parece, iria
se tornar uma espécie de pólo de criação de leis. Hoje, é o contrário: não temos mais
diploma obrigatório, nem Lei de Imprensa e continuamos sem Conselho. É uma espécie
de vácuo no jornalismo. Eu não sei exatamente como o mercado de trabalho vai
funcionar.
4- É que um dos pontos que mais causou polêmica no Projeto foi o uso da palavra
“disciplinar”, o que poderia sugerir uma censura.
A época em que estamos, da globalização, nos trouxe esse furor de regulamentação, à
ordem econômica, à ordem social, à ordem legal, etc. A questão é que eu não vejo
benefícios na implantação do Conselho. O que eu sei é que haveria uma intensa briga
político pelo controle dele.
5- Você não acha que seria importante um Conselho para punir jornalistas em
determinadas situações, como no caso da Escola Base?
A questão é que aqui no Brasil a gente cria uma variedade de recursos, como na
Constituição, que é cheia de declarações, de leis para regulamentar, e a gente não
consegue aplicar essas coisas. É um problema do país. Eu não sei se o Conselho iria
disciplinar da mesma forma que a Lei de Imprensa. A ampla maioria dos países da ONU
possui Lei de Imprensa, o Brasil é que mudou nesse sentido, em nome da liberdade de
expressão. Mas eu não acredito muito nesse disciplinamento, não.
6- Muitos meios de comunicação acusaram o presidente Lula de querer censurar a
imprensa, depois que ele enviou o Projeto de Lei ao Congresso. Você acredita nisso ou
acha que é só intriga da oposição?
O Governo Federal tem, sem dúvida, um envolvimento nisso, e é possível até que tenha
tido essa intenção, mas eu não fiquei sabendo de nenhuma articulação política nesse
sentido. Isso é complicado, eu realmente não saberia dizer se o Palácio do Planalto tinha
essa intenção da censura. Mas eu não vi o Governo Federal entrando com todas as suas
forças para aprovar esse projeto. Eu acho que a idéia do Conselho muito dificilmente irá
voltar por enquanto, mas surpresas acontecem. Eu acho que a maioria das pessoas não
entendeu essa proposta.
7- Profissionais como engenheiros, médicos e advogados têm seu próprio conselho há
tempos. Na sua opinião, por que os jornalistas não o possuem? Por que tantos
profissionais da área se opõem ao Conselho?
A categoria dos jornalistas é representada universalmente pela Fenaj, mas é muito
dividida. Na prática, essa criação dos Conselhos coube num momento atrás para certos
tipos de profissões, muito antigas. As Relações Públicas meio que copiaram esse
modelo, pela própria natureza do mercado de RP. Então, no jornalismo, a idéia de ter
um Conselho era porque esse era um dos modelos que existia, político e legal, para que
esse tipo de atividade tivesse algum tipo de regulamentação. O que se tem hoje é a idéia
de não ter um CFJ em nome da liberdade de expressão. Isso é muito curioso, porque
essa idéia de liberdade é compreendida como sendo garantida apenas pela livre
concorrência no mercado capitalista, o que é muito complicado. Mas, naquele momento,
eu acho muito estranha a entrada em cena de um Conselho Federal de Jornalismo, me
parece mais a entrada de uma outra força política, quando, em alguma medida, já
existiam instrumentos para fiscalizar, disciplinar e punir, se fosse o caso, tanto
profissionais como empresários da mídia.
8- Você acha que por trás do Projeto que cria o Conselho há uma vontade da Fenaj de
aumentar seu poder?
A Fenaj é uma instituição importante para a democracia brasileira. É inequívoco que
todo e qualquer grupo organizado e institucionalizado tem interesses políticos. Não há
dúvida de que a Fenaj, internamente, chegou à conclusão de que havia o interesse de
intervir na cena pública, no debate político, na ação da imprensa e da mídia em geral
através desse Conselho. Não há dúvidas de que a Fenaj iria ganhar fatias de poder
dentro desse Conselho, ela teria uma presença mais diferenciada. Ela se tornaria mais
visível para a sociedade como um todo. Mas também não quero dizer que não seja
legítimo que a Fenaj queira mais poder, por que não? Mesmo porque, acho que a Fenaj
tem uma importância no debate, e não é inválido ela querer mais poder, não. Mas, sem
dúvida, ela o obteria.
9- Você acha que, com o fim da exigência do diploma, o Conselho poderia ajudar na
restrição do mercado a jornalistas formados?
Não, eu acho que não. O Conselho não teria competência legal para isso. Quem tem
competência legal é o legislativo, o Congresso Nacional. Eu não acho que esse
Conselho teria o poder de derrubar ou restringir uma lei. O que houve, no caso do
diploma, foi uma surpreendente parceria harmoniosa entre entidades patronais, que
representam os interesses dos donos dos meios de comunicação, o que também é
legítimo, com o Ministério Público de São Paulo. Os donos da mídia entraram com uma
ação na justiça e promoveram essa parceria absolutamente nova na vida pública
brasileira. Isso porque a população, a opinião pública em geral, não está nem um pouco
por dentro desse assunto do diploma, ela não sabe de nada. Enfim, não acho que o
Conselho iria legislar de alguma maneira sobre a exigência do diploma, duvido que teria
condições para isso. Ele poderia é elaborar alguma proposta que pudesse vir a ser
encampada e reelaborada pelo Congresso para alterar alguma coisa.
Eu achei que o debate em torno da proposta que criava o Conselho foi muito mal feita.
A população em geral não ficou sabendo de nada, e mesmo dentro da Universidade não
houve uma ampla discussão. O que me pareceu é que estava descendo um “pacotão”
sobre a cabeça dos profissionais, dos meios de comunicação. Assim, após a votação a
proposta da Fenaj acabou perdendo e até hoje ela não conseguiu rearticular essa idéia.