Post on 26-Jun-2015
ESTUDOS
PHILOLOGIA MIRANDESA
VOLUME II
JUSTIFICAÇÃO DA TIRAGEM
3 exemplares em papel de linho branco nacional
i:ooo em papel de algodão de i.^ qualidade
QUARTO CENTENÁRIO DO DESCOBRIMENTO DA ÍNDIA
CONTRIBUIÇÕESDA
SOCIEDADE DE GEOGRAPHIA DE LISBOA
ESTUDOSDE
Philologia Mirandesa
J. LEITE DE VASCONCELLOS
Professor do Curso Superior de Bibliotbecario-archivista,
Conservador da Bibliotheca Nacional de Lisboa
VOLUME II
í5
^1
LISBOA
LMPRENSA NACIONAL
I9OI
PARTE III
THEORIA DO MIRANDÊS
I
Origem do mirandês, condições em que se constituiu,
e sua evolução geral
o mirandês é evolução do latim.— Theoria da filiação das lingoas. — Se o mirandês
foi importado ou é autochtone. —A Terra-de-Miranda na época romana e medie-
val. — Razões da existência do mirandês, e da sua conservação. — InHuencia do
português e do hespanhol.— Mirandês archaico.
A origem do mirandês é o latim. Isso ficou directa-
mente demonstrado na Gram.matica, onde estabeleci a
cada passo a correspondência completa que existe entre
os phenomenos mirandeses e os latinos. Ninguém poderá
duvidar d'isto. Só os pyrrhonicos. Mas os p3Trhonicos
estão fora de combate, porque as armas dos combates
scientificos são os factos e a razão; e os pyrrhonicos
nem se submettem a esta, nem acceitam aquelles. Por
tanto, non ragioniam' di lor. .
.
Outr'ora havia indivíduos que se compraziam em dis-
cutir se certas lingoas eram ou não filhas de outras,
apresentando para isso apenas argumentos theoricos.
Entre nós são celebres a tal respeito os celtomanos,
aos quaes me referi no meu opúsculo A philologia por-
tuguesa, p. 34 sqq. ; elles queriam provar que o portu-
guês provinha do céltico. Hoje a sciencia ri-se dessas
e semelhantes tentativas. Para se mostrarem as rela-
ções entre as lingoas, não se fazem considerações espe-
ciosas; trata-se de estabelecer comparações. Se, por
4
exemplo, eu mostrei que os phenomenos mais essen-
ciaes do mirandês acham a sua razão de ser no latim,
e só por este se explicam, que o p, o le, o ou, o ôã,
o Ih-, of, o ç, que os processos de formação do plural
e do feminino dos nomes, que os pronomes, os nume-raes, os verbos, as preposições, as conjuncções, os advér-
bios, tudo isto, e o mais que omitto, é de origem latina,
que dúvida pôde haver da veracidade da proposição que
enunciei ? O mirandês é pois uma das evoluções do latim;
digo lima, porque a lingoa latina evolucionou de diversas
maneiras, conforme os paises, tornando-se aqui miran-
dês e português, alli gallego, asturiano, hespanhol, ca-
talão, mais alem gascão, provençal, francês, valão, e
noutras direcções ladino, sardo, italiano, romeno. Aideia que hoje se forma das lingoas é tal, que nem já
mesmo com rigor se pôde dizer que ha lingoas filhas
e lingoas mães. Estes modos de expressão «remontent
à une conception de Thistoire des langues et de leurs
rapports qui ne saurait longtemps se maintenir»'. Defacto, haveria pouca exactidão em se dizer que, v. g.,
«o port. ceia vem do lat. cena», pois que a expressão
rem denota que existe uma lingoa d onde a segunda pa-
lavra partiu, e que por consequência ha separação entre
cena e ceia ; todavia a verdade é que ceia e c e n a são
fundamentalmente uma só palavra: a primeira modifi-
cou-se, e tornou-se successivamente, sem interrupção
na lingoagem, cea, cea, ceia. Os Romanos, quando
vieram para a Lusitânia, trouxeram a palavra latina, e
diziam cena; na Idade-Média os nossos avós disse-
ram cêa; no sec. xvi a palavra tinha já a forma cea;
modernamente apresenta-se com a forma ceia. Veiu
passando de boca em boca, desde a época romana até
• Gaston Paris, crítica ao Dictionnaire générale de la langue
française de Hatzfeld & Darmesteter, extraída do Journal des.
savants (1890), p. 16.
hoje; conforme as bocas que a pronunciaram, assim se
modificou, sem nunca deixar de viver. O que se nota
em relação a esta palavra nota-se em relação a quasi
todos os phenomenos grammaticaes do português, con-
siderado nos seus elementos tradicionaes e populares.
Logo o português não vem do latim, mas. pelo contrá-
rio, é lenta transformação do latim, é latim alterado.
O mesmo se applica ao mirandês e a todo o romanço.
Sem dúvida, quando se considera o latim de Cicero e
o mirandês do pastorico de Angueira, a diiferença é
capital entre ambos: é comtudo differença mais appa-
rente do que real. Cicero dizia lo cus, o pastorico diz
Ihôugo: a palavra é fundamentalmente a mesma. Asse-
verar que o mirandês é filho do latim, seria o mesmoque asseverar, tratando-se de uma só pessoa, que o velho
é filho da criança, apesar de entre estes dois estados da
vida, observados em separado, haver também muitís-
sima diiferença, como, noutra ordem de ideias, entre o
latim e o mirandês, que são do mesmo modo duas phases
de uma só lingoagem. Isto que acabo de notar é o que
na realidade se deu, é a exposição dos factos taes comosuccederam; no uso geral, porém, para commodidade
da expressão, não ha inconveniente em eífectivamente
se dizer que tal lingoa é filha de outra. O caso está
em não tomar por interpretação fiel da verdade o que
não passa de mera metaphora.
A respeito da origem latina do mirandês surgem dois
problemas, que convém desde já elucidar:
provém o mirandês directamente do latim vulgar tra-
zido na época romana para a Terra-de-Miranda, e é
por isso autochtone, transmittido lá, sem solução de
continuidade, desde essa época até hoje ?
ou provém de um idioma vizinho, importado, já depois
da época romana, para aquella região?
Começarei pelo segundo problema. Realmente pôde
a alguém afigurar-se como plausível que o território
mirandense fosse pouco a pouco colonizado na Idade-
V
Média por gentes vindas da Hespanha, que trouxessem
comsigo a sua lingoa, que depois aqui evolucionaria até
hoje. Mas,— alem de não haver necessidade de suppor
isto, porque, se existe certa semelhança entre os phe-
nomenos grammaticaes do mirandês e os dos idiomas
de Leão e Astúrias, ella explica-se perfeitamente, comoveremos no cap. iii, sem se recorrer á ideia de impor-
tação linguistica— , a hypothese cruza-se com graves
difficuldades, porque é preciso admittir: ou que era
completa a solidão da raia trasmontana, onde ao lado
do mirandês se faliam outros idiomas que estão nas
mesmas circumstancias, e cuja existência se ha-de ex-
plicar como a d'este', ou que, sendo antecedentemente
povoada a raia, a lingoa dos recem-vindos supplantou
e substituiu as que deviam cá preexistir: ora, nem a
Terra-de-Miranda, — para aqui fallar só d'ella— , foi
totalmente deserta desde a época romana, que é a que
importa aqui considerar (este ponto trata-se adeante,
p. 7 sqq.), nem a supposição de que o mirandês é lingoa
implantada se torna acceitavel, sem que se acceite a
importância e preponderância dos recem-vindos, e ipso
facto a inferioridade dos povos autochtones, — o que
não se pôde demonstrar. Sem dúvida muitas infiltra-
ções no nosso território haveria de povos vindos do outro
lado da fronteira em diversas épocas ; devem, porém,
ter sido insensíveis: quem chegava, facilmente se fun-
dia com as populações preexistentes, como hoje suc-
cede ainda, tanto com os povos que vem de lá para
Portugal, como vice-versa.— Logo, se havia povoação
antiga, havia lingoa \ e não existem motivos para deixar
de crer que esta era a mirandesa.
Resta-nos pois o segundo problema, cuja solução só
pôde ser affirmativa. O mirandês ha-de considerar-se
não só como continuação do latim vulgar que se fallou
na época romana no território correspondente á Terra-
de-Miranda, mas como um dos idiomas do systema lin-
guistico do Noroeste da Ibéria. Este ponto será tratado
com algum desenvolvimento no cap. iii, p. 48 sqq. Aqui
basta apenas indicar as condições em que o mirandês se
desenvolveu.
Durante a época romana, o rincão de Miranda não
se subtraiu, como disse, á influencia do -povo-rei. EmSetembro de i8S3 encontrei na aldeia de Duas-Igrejas
cinco inscripções romanas funerárias, que publiquei na
Revista Lusitana, i, 67-68, d'onde passaram para o
Corp. Inscr. Lat., 11 (Supplemento), 5657-566 1. Alemd"estes, outros vestigios romanos encontrei em terras
perto de Miranda, como, por exemplo, moedas, de que
obtive algumas. Posteriormente aos meus achados, mais
alguns se tem feito por lá. O illustrado tenente do exer-
cito, o Sr. Albino Pereira Lopo, conservador do MuseuArcheologico de Bragança, diz-me que neste Museu ha
objectos romanos das seguintes localidades: Aldeia-
Nova,—uma lapide funerária inteira, de granito, parte
de outra, de mármore grosseiro, um fragmento de
crânio humano encontrado numa sepultura que estava
perto do sítio em que appareceu a ultima lapide, umaporção de pão (trigo, centeio e centeninho\ encontrado
nesta sepultura, fragmentos das vasilhas que continham
o pão, e finalmente duas moedas de cobre; Picote,
—
cinco lapides funerárias com inscripções, fragmentos de
tegulas, um pondiis de barro, uma moeda de Tiiriaso, e
vários fragmentos de objectos de bronze: Malhadas,
—
duas moedas de cobre: Sendim,—uma moeda de prata
(que, pelas informações que tenho, é um denario ibé-
rico, argentum Oscense). O Rev.'^° Moraes Calado, digno
Conego-prior da sé de Miranda, a cuja benevolência
nunca recorro em vão quando preciso de alguma infor-
mação histórica de Miranda, diz-me também o seguinte,
em carta de 7 de Maio de 1898: «Ainda não ha muito
que enviei para o Museu de Bragança uma moeda de
cobre do tempo de Tibério. Nas arribas do Douro, ou
ribas, junto a Aldeia-Nova, apparecem vestigios irre-
cusáveis de uma habitação romana, muitas sepulturas,
8
com as competentes lapides. Foi nesse sítio que appa-
receu a tal moeda do tempo de Tibério».— Sobre este
assunto vid. Norte Transmontano (jornal de Bragança),
de i8 e 25 de Março de 1898 e de 8 de Abril do mesmoanno; e O Archeologo Português, iii, 212 e 244, iv,
1-6, i54-i55 e V, 148; e cf. i, 11-12.— Não ha pois
dúvida que a Terra-de-Miranda foi povoada na época
romana. D'este facto porém a dizer-se que a cidade de
Miranda se chamou Concium, como diz Fr. Bernardo
de Brito', vae grande distancia! Miranda nunca se cha-
mou Concium em época alguma^.
O P.® Carvalho da Costa", seguido por Pinho LeaHe por J. Maria Baptista -\ affirma que Miranda não só
se chamou Contium, mas Paramica e Sepontia! O erro
é repetido pelo Sr. Albino Ferreira*^, que adoptou semponderação o que algures viu escrito. A cerca de Se-
pontia Paramica cf. o que eu disse no meuvol. i, p. 141.
Comprehende-se, pois, que tendo sido habitada a
Terra-de-Miranda pelos Romanos, ahi se fallasse a sua
lingoa. Já a respeito das cinco lapides funerárias de
Duas-Igrejas, a que a cima me referi, eu disse na Re-
vista Lusitana, i, 68: «como ellas appareceram no ter-
ritório em que se falia a lingoa mirandesa, provam pelo
seu lado que o latim foi fallado nesse território, o que
vem em apoio da minha theoria, aliás em harmonia comos principios glottologicos, de que o mirandês não re-
' Geographia dã Lusitânia, 097, fl. 8 v.
2 A forma Concii encontra-se em Júlio Obsequens, Prodigio-
rum Liber, ed. de lahn, Leipzig i853, que diz: «Concii homo ex
speculo acie orta combustus» (p. 11 5, cap. xiv). Não só não ha
aqui a minima allusao á Hispânia, e muito menos ao território
de Miranda, mas o philologo Heinsiús tem a forma Concii como
errónea por ^-l»//i (vid. obra cit., nota).
3 Corografia, s. v. «Miranda».
•1 Portugal antigo e moderno, s. v. «Miranda».
^ Corografia moderna de Portugal, i, Sgo.
6 Dialecto mirandej, p. óo.
sulta de uma mistura do português com as lingoas de
Hespanha, mas representa pelo contrário uma phase
directa do idioma dos Romanos modificado in loco pelos
povos d'aquella parte da Lusitânia». Isto combina com
o que escrevi no vol. i d"estes Estudos, p. io3.
Ao dominio romano succedeu na Lusitânia, como é
sabido, o dominio dos Bárbaros, no sec. v, e o arábico
no sec. VIII. Não conheço restos archeologicos d'estas
épocas encontrados na Terra-de-Miranda; todavia, re-
correndo a outras fontes, alguma cousa poderemos
apurar a tal respeito. A p. loo do vol. i estabeleci que
o nome Sejidim era de origem germânica; a p. 260-261
do mesmo volume mostrei que no vocabulário miran-
dês havia outras palavras germânicas, taes como lua
( «luva») c lista; a pp. 62 e 83 do mesmo volume encon-
tramos no onomástico mirandês a palavra árabe Aldeia,
e a p. 69 a palavra árabe Aíeno7\ Da existência das
palavras deduzimos assim a preponderância dos povos a
cuja lingoa ellas pertencem. Com quanto a estes factos
não se deva attribuir valor absoluto, porque as palavras
podiam ter vindo de fora, possuem comtudo algum,
sobretudo Sendim e Aíeuo7\ tanto mais que, tendo es-
tado o vizinho território de Zamora submettido aos
Godos e aos Árabes, como diz Fernandez Duro nas
suas Memorias históricas de la ciudad de Zamora, i,
pp. 161 sqq. e 169 sqq., não é nada improvável que a
acção d'esses povos chegasse até Miranda'. No tempo
• A p. 60 do seu Dialecto mirande^ diz o Sr. Albino Ferreira
que Miranda foi conquistada em 746 pelos Árabes, e que estes
lhe deram o nome. Quanto ao primeiro facto, onde estão as pro-
vas históricas d'elle? Ora, sem provas, não se fazem taes affirma-
ções. Quanto ao segundo, ninguém, depois do que se leu no meuvol. I, pp. 33-34, lhe dará attenção.— Se cito o Sr. Albino, não é
porque eu attribua ao seu trabalho a minima importância (vid.
o meu vol. i, p. xi sqq.), mas porque este autor se faz eco incon-
sciente do que outros disseram ; e, combatendo eu o úhimo emdata, combato implicitamente todos os anteriores a elle.
IO
de D. Sancho I começam a apparecer, como vimos no
vol. I, p. 37, etc, documentos escritos á cerca daTerra-
de-Miranda. Fica pois assente que esta região, se foi
habitada na época romana, o continuou a ser, mais ou
menos, na alta Idade-Média ; digo mais ou menos, por-
que as aggiomerações humanas então eram geralmente
pequenas, e constituídas por meros valares, granjas,
villas, póvoas, segundo o que na Parte I, cap. iii, de-
duzi da anál3^se dos nomes geographicos da região.
Que razões houve para que se formasse um idioma
especial na Terra-de-Miranda, e logo a tão pouca dis-
tancia d'ella, em muitas localidades do concelho de Vi-
mioso, e no de Mogadouro, por exemplo, se falle já
português ? Em primeiro lugar lembrarei o que já disse
no vol. I, pp. 127 e 475, que o mirandês não é único
alli: ao Noroeste, na raia, ficam os idiomas riodonorês e
guadramilês; num documento do Mogadouro, anterior
ao anno de i3i i, citado no vol. i d'estes Estudos, p. 127,
mencionam-se vocábulos com caracter dialectal bem pro-
nunciado; em Avellanoso, também na raia, deve ter-se
fallado algum dia mirandês (vid. adeante, p. 46 sqq.);
alem d'isso, como mostrei no vol. i, p. 36 sqq., a Terra-
de-Miranda era a princípio mais extensa que hoje ; e o
mirandês tem perdido terreno desde a Idade-Média para
cá. As razões da formação do mirandês e dos outros
idiomas vizinhos, tanto em Portugal, como na Hespa-
nha, são múltiplas, e não differem, em geral, das que
concorreram para a constituição de todos os idiomas par-
ticulares em que um principal se scinde. Ainda assim,
notável é que Tras-os-Montes nos oífereça três unidades
linguisticas tão características, ao passo que no Entre-
Douro-e-Minho, na Beira, etc, não succede isso, embora
lá a lingoa portuguesa apresente diíferenciações, mas
não tamanhas.
A p. 41-68 do vol. I indiquei as condições topographi-
cas, climatéricas e ethnographicas da Terra-de-Miranda,
que, por terem certa uniformidade, facilitavam a pro-
1
1
ducção do phenomeno linguistico de que me estou occu-
pando'. Se estas condições avultam tanto ainda hoje,
quanto mais não avultariam na Idade-Média, época emque o phenomeno se produziu ? Quanto maiores são os
caracteres differenciaes entre duas ou mais regiões, quer
no que se refere á geographia physica, quer á ethnogra-
phia, á anthropologia e á historia, tanto mais facilmente
se realiza a scissiparidade dialectal, como se observa
na Suiça, na França, na Itália. Encravada por um lado
no território leonês, limitada d'outro por um rio impor-
tante como o Douro, a Terra-de-Miranda, como emgeral toda aquella zona da provincia trasmontana, es-
tava em bellas condições para que alli se criasse umafalia especial
;por ventura também alguma antiga tribu
lusitanica deixaria alli os germens de uma diíferenciação
ethnica que contribuísse para isso. A própria denomi-
nação Terra-de-Miranda, que, como vimos no vol. i,
p. 37, data pelo menos do tempo de D. Sancho I,
contém a sancção popular desta unidade geographico-
social.
Constituído o idioma, importa investigar como elle
se manteve até hoje, embora dia a dia cada vez mais
circumscrito. Algumas das causas d'esta manutenção
estão nas próprias condições que concorreram para a
sua constituição; outras estão no relativo insulamento
do território, só modernamente posto em contacto íntimo
com o resto do país por estradas, jornaes, aulas prima-
rias ; outras no atraso intellectual dos habitantes, que,
—felix culpai— , os levam a amarem e a conservarem
o que é seu, ainda que de algum modo divorciados do
pensar commum. A medida que estas e semelhantes
causas vão desapparecendo, o idioma vae-o também,
como no vol. i, pp. 128 sqq. e i53 sqq., o mostrei
I Cf. também algumas observações genéricas que fiz nas Lin-
goas raianas de Tras-os-Montes. p. 5 sqq.
12
com algum desenvolvimento. Ibidem, p. i58, vimos comoa phonetica hespanhola, não obstante a luta exercida emtodos os tempos pelo idioma português contra o miran-
dês, contribue em parte, pelo seu lado, para a persis-
tência d'este: de facto o mirandês é raiano, e é só na
raia que se apresentam as ilhas linguisticas importantes.
Sem embargo da semelhança que em certos casos ha
entre o mirandês, de uma parte, e o hespanhol e portu-
guês, da outra, — o que ora contribue para maior fixa-
ção dos elementos d'aquelle, ora para a gradual fusão
com os das lingoas vizinhas, sobretudo com os da por-
tuguesa, por ser no território o idioma dominante— , a
differença é manifesta para os Mirandeses, que tem dos
factos plena consciência: vid. o vol. i, p. i58. O notável
contraste que elles encontram, por exemplo, entre a sua
região e a vizinha Terra de Sayago, que é como que o
Alvernhe hespanhol', levou-os mesmo a applicarem a
' «Aux environs de Zamora est un petit quartier de pays, nomméSagjago [sic)^ composé de plusieurs bourgs, villages & hameaux,dont on dit que les habitants sont fort grossiers, tant pour le lan-
gage, que pour la manière de vivre». Alvarez de Colmenar, Les
délices de l'Espagne et du Portugal, t. i, Leide 1707, p. i5o (Con-
sultei esta obra na Bibliotheca Nacional de Madrid em 1899).
A cerca de Sayago publicou D. Cesáreo Fernandez Duro umcurioso artigo no Boletin de la Sociedad Geográfica de Madrid,
t. vm.—Vid. também Diccionario enciclopédico hispano-a7iiericano,
s. V. «Sayago».
O habitante de Sayago chama-se sayagues, palavra synonima
de «rústico». Por isso os poetas do vizinho reino, para darem certa
graça satyrica ás suas composições, empregavam mais ou menosphantasticamente o fallar sayagues, como entre nós se emprega
o gallego, a lingoagem saloia, etc. Assim, Francisco de Quevedo,
Las três musas ultimas castellanas, Madrid 1716, p. 65 (Musa vii,
Euterpe), traz um «romance sayagues burlesco».— Foi por des-
conhecer a significação de sayagues, e a existência da terra de
Sayago, que o Sr. Theophilo Braga na sua Historia da littera-
tura portuguesa, vol. ix, Sá de Miranda e a eschola italiana,
Porto 1896, pp. 295 e 296, perguntou duas vezes se sayagues
i:>
esta as seguintes fórmulas que dizem contra o anubvãdo,
«nevoeiro» (cf. também Trad. pop. de Port., p. 291 1:
1. Reté-te. reté-te,
Reté-t". anubrado,
Bai-te descargando
Pa la Tíerra de Saiago.
2. Reté-t", anubrado,
Pa la Tierra de Saiago,
Cíâ túe molhíer barbuda
I tíie perrica aguda 1 «ligeira»).
Fórmulas análogas correm no resto do país, como mos-
trei nas minhas Tradições populares de Portugal, S 1 12.
Confinado entre o português e o hespanhol, não
admira que o mirandês tenha de ambos recebido ele-
mentos lexicaes, com especiahdade do português. Nodecorrer da leitura da Grammatica que publiquei no
vol. I se encontraram já muitos exemplos. Aqui darei
ainda outros:
a) Palavras provindas do português:
abernuncio, palavra que já de si é também litteraria
em português,— lat. ecclesiastico abrenuntio;
significava «fallar da gente do Suajo». Por igual motivo diz o
Sr. F. Adolfo Coelho no Diccionario etytnologico que a palavra
saiagues, a que dá por definição «o que veste saial", vem de saio.
O mesmo repete o Sr. Cândido de Figueiredo no Novo diccionario
da lirtgoa portuguesa:— nem outra cousa era de esperar d'elle!
Nas Memorias parochiaes (sec. xviii) a que me refiro adeante,
p. 21, os parochos de Malhadas e da Póvoa empregam, em vez de
Terra de Sayago, a expressão partido de Sayago. Diz o primeiro,
por exemplo : «Ao oriente se avista o partido de Sayago. que he
do bispado de Zamora, reyno de Leão» (vol. xxii, fls. 245 sqq.).
Aqui partido está no sentido hespanhol de «districto», «divisão
territorial jurídica ou administrativa".
14
ameixoa, «ameixa», palavra que, como o mostra o
etymo *damáscina', o derivado gall. mod.
ameixenda < '^ ameixeneda, e o latim bárbaro
do sec. X (em documento de origem portuguesa)
Ameixenedo > *dasmascinetu-, devia ter
originariamente um n intervocalico, que não
podia cair em mirandês (vid. a Grammatica,
§ 109);
amóbeto, «móvito», palavra que mesmo em português
não é de origem popular.
assobiar, que, por vir do lat. s i b i 1 a r e , devia con-
servar o /, se fosse mirandesa de origem (Gram-
matica, V 112)-;
baleia, que, se viesse directamente do lat. ballae-
na, como veiu o port. baleia e o hesp. ballena,
devia ter -///- (Grammatica, í; 141)^;
belo, que por vir do lat. bellu-, devia ter /// emmirandês (Grammatica, § 141);
janela, que, se fosse mirandesa de origem, teria tam-
bém Ih, por vir do lat. * i a n u e 1 1 a ( cf. Gr.am-
\LATicA, S 141).
trevo, que por ter como etymo ^-piçu/cv, — vid. vol. i,
p. 232, nota 2— , devia conservar o / (cf. asso-
biar supra).
1 Vid. Cornu, Die portiigiesische Sprache, 2 179 (in Grundriss
der romanischen Philologie, de Grõber) ; e Meyer-Liibke, Gram-
ynatik der romanischen Sprachen, i, p. 473.
2 A palavra latina síbilare está representada de duas ma-
neiras em português
:
d) por assobiar = a-{s)sobiar < assíbilare tendo-se o pri-
meiro i atono, embora longo, mudado em o por influencia da
labial vizinha
;
b) e por silvar < > hesp. silbar, de *silibare, *silivar, tendo
havido metathese do /, e syncope do / postonico, como em sol-
teiro < solitariu-.? Á cerca da forma b a 1 1 a e n a , com //, vid. Revista Lusitana,
II, 373.
ID
b) Palavras provindas do hespanhol:
buída, abulla do Papa», hesp. também buída;
cerilha, «phosphoro de cera», hesp. cerilla;
duana^ «alfandega», do hespanhol aduana (a palavra
duana não é especial ao mirandês, usa-se emtoda a raia);
tntewo, «palhaço ambulante», «comediante», do hesp.
titerevo; digo que a palavra é hespanhola, por-
que em mirandês não se usa a forma primitiva
títere.
Como o mirandês só está em contacto com idiomas
de Portugal e de Hespanha, não pôde,— abstrahindo
do que lhe viria dos idiomas dos Bárbaros e Árabes—
,
ter recebido influencia de outros senão d'esses;quando
em mirandês apparecem palavras oriundas de outros
idiomas, ellas passaram para elle por intermédio do por-
tuguês ou do hespanhol: caceio^, centinela-, chapéu'^,
por exemplo, que são de origem francesa, vieram pelo
português.—A influencia do português é mais forte,
mais íntima, do que a do hespanhol, pelo facto de o
mirandês se fallar em território de Portugal, onde o
português é a lingoa oííicial e geral. A influencia do
hespanhol na phonetica mirandesa é nulla; nem mesmose exerce na morphologia ; limita-se ao léxico, pheno-
meno perfeitamente exterior. A influencia do português
exerce-se também principalmente no léxico.
Depois de conhecida a origem do mirandês, e as con-
dições da sua existência, seria interessante conhecer a
sua evolução geral. Infelizmente faltam-nos testemunhos
directos do mirandês archaico, pois o que pude desco-
brir é tão pouco, que quasi equivale a nada. Esses tes-
1 Vid. o vol. I, p. 3 08.
2 Vid. no mesmo vol. a Gr.\mmatica, § 1 14-OBS. 4.
3 Cf. fr. mod. chapeau, ant. chapei. As palavras portuguesas
chapeleiro, chapelaria, chapelinho attestam ainda o ant. fr. chapei.
i6
temunhos são de duas espécies: a tradição oral; e os
docuQientos escritos. Pela anályse phonologica tambémse descobrem formas antigas, como a cada passo vimos
na Gram.matica ; assim, v. g., antes de se dizer õuheilha,
devia dizer-se * oubeilha ou * oubelha, e ^^ obelha (§ 78)
;
mas isto são testemunhos indirectos, e que tem valor
relativo, embora real. Quando converso com os Miran-
deses, principalmente com os velhos, muitas vezes lhes
ouço dizer— tal e tal palavra é antiga, já se não usa
em toda a Terra-de-Miranda, ou usava-se d"antes: nesse
caso está por exemplo q redes, que citei no vol. i, p. Syo,
abolo (ou abolo) a p. 829, rera por era, a p. 417, e ou-
tras. Pelo que respeita a documentos, -já quando tratei
da geographia no vol. i, p. 61 sqq., indiquei algumas
formas antigas de nomes de terras, como Barceosa
(sec. xni), Costantim (sec. xiii), Ifane\ (sec. xvi). Aqui
cito algumas palavras avulsas que respiguei em docu-
mentos dos séculos xvi-xviii.
Sec. xvr.
O documento de que me sirvo é o Livro do tombo
das demarcações dos lugiiares das comarcas de Tralos-
montes e dantre Douro e Minho que esíam ao longuo da
raia, estremo de Castella e Guali\a, fls. 24 sqq., docu-
mento que existe na Torre do Tombo, e cuja cópia, na
parte que me interessa, devo ao Sr. Pedro de Azevedo.
Este documento é de i538, e contém certas expressões
locaes da raia de Miranda, umas que são nomes com-
muns, outras que são nomes próprios,— como:
arrife, na phrase «arryfe de pedra»; a palavra arrife
usa-se noutras localidades de Portugal. Viterbo,
Elucidário, também a cita num documento bra-
gançano do sec. xvi, e compara-o com arrecife.
A palavra arrecife é arábica, vid. Dozy & En-
gelmann, Glossaire, pp. 198-199. Mas virá ar-
rife de arrecife? (por intermédio de *acein^ife.
*aç'rrife?). Arrife e Arrifes encontra-se no ono-
mástico português do Sul, o que, com o facto
citado a cima, prova que a palavra foi outr'ora
usada em todo o pais.
Candena, na phrase: «húa cruz grande de pedra, que
se chama a Crti^ de Candenay>. De certo can-
dena foi na origem nome commum, pois se en-
contra no onomástico de Hespanha Candenosa
(Cantábria), Candenal (Astúrias). Em astur. ha
mesmo candanal, que parece variante de Cande-
nal^ e que significa, segundo Rato de Argiielles,
Vocabulário bable, s. v., «sitio de tierra blanque-
cina». Nô onomástico da Galliza ha Candendo,
que faz presuppôr *Candenedo: cf. ameixenda,
que citei a cima. Outras formas se poderiam citar
no onomástico quer gallego, quer português, mas
não desejo levar mais longe a anályse.—Em vir-
tude do significado de candanal em asturiano,
talvez a palavra seja aparentada com o latim
candidus e candens.
Cai^queijal, «cabeço que se chama Pena do Car-
queijalU. No português commum não se encon-
tra carqueijal, mas somente carqiieija, em gall.
carqueixa, em astur. carquexa; cf. o hesp. car-
quexia e o catai, carquexia e carqiieixia. Nonosso onomástico não só se encontra Carqueijal
mais de uma vez, mas Carqueijo, Carqueijido,
Carqueijosas, Carqueijoso; no onomástico da
Galliza ha Carqueijedo e Carqueijeda.
carril, escrito carj'll, «carreiro». Também em hesp.
carril, «camino estrecho y solo para un carro»
{Dicc. hesp. de Barcia); em gallego a palavra tem
pouco mais ou menos o mesmo sentido.
Cerdeira, «serra de Cerdeira». Em mirandês, comono dialecto beirão, ha Cerdeira, que significa
«cerejeira», e no onomástico, sobretudo no Cen-
tro e Norte do reino, a par de Cerdeira, ha Cer-
i8
deiral, Cerdeiredo, Cerdeiro. Em gall. ha comonome commum não só cerdeira, mas tambémcevdeiral, ambos os quaes existem no onomás-
tico. E curioso que ao fruto cei^eja, do lat. * ce-
re si a, corresponda aqui, como nome da arvore
respectiva, cerdeira, que evidentemente tem outro
radical.
Cinheu^o: aE dahy íforã decendo a Vali Cenheiro,
decendo a hú valle onde estava outro marco, e
na metade do Vali de Cfnheiro amostrara outro
marco, e ao dyante amostrara outro marco entre
Vali Cynheiro e osValles». Cinheiro deve ter
sido na origem também nome commum, pois no
onomástico de Leão se encontra Cinera; o suf-
fixo leva a crer que a palavra de que se trata
pertence ao reino vegetal: como em grego ha
x.íwa, que significa certa herva, poderíamos tal-
vez ver aqui o etymo da nossa palavra, pois que
-vv- = -;/;/- estavam perfeitamente representados
por -nh- em mirandês, e por -n- em hespanhol.
Claro é que neste caso, como nos semelhantes,
o grego só podia ter vindo por intermédio do
latim vulgar.
Corvaceira: «teso [isto é, altura, cerro], que por seu
nome chama a Pena Corvaceira-» . No onomás-
tico português é frequente esta palavra; no da
Galliza também se encontra Corvaceiras.—Oradical parece ser o mesmo de corvo: Corv-ac-
eira; cf. lam-ac-eira, Gest-aç-ô.
Godinho: «Vali de Godinhov (em mir. deve ser Go-
dino). A palavra Godinho é bastante frequente
no onomástico de todo o pais ; também ha Ca-
dinhos, Godinha, Godinheira, Godinhares, Go-
dinhaços. No onomástico hespanhol encontro só
uma vez Godina, nas Astúrias. Vê-se que a pa-
lavra Goditiho foi na origem nome commum, e
que, a julgar das outras formas, se decompõe
19
verosimilmente em God-inho; com o th. god-
relaciona-se talvez também Godela em Portugal
e Galliza, e Godella e Godelleta em vários pontos
da Hespanha. Com a mesma familia de palavras
se relacionará ainda Godim e Agodim, do nosso
onomástico, e Godiíi, do onomástico gallego (ant.
genetivo Gutini: vid. o vol. i d'esta obra, p. 8o).
Cf. mais: Goda e Godão em Portugal, e Godas
do Rio na Galliza.
malhoeira: «os antigos com que se ífor ver esta terra
da Raya lhes poderá dyzer os nomes por õde
vay a malhoe/r^i»^ i. é, a divisão (em mir. devia
ser malhoneira). Vid. o artigo seguinte.
malhões: «marcos e malhóesy> (em mir. devia ser ma-
Ihones) ; ynalhòes são marcos divisórios de terras.
A forma port. ant. correspondente no sing. é ma-
Ihom, apud Viterbo no Elucidário, s. v., que tem
como parallela em hesp. mojon. Viterbo, loc. cit.,
também traz moiom como português antigo no
sentido de «linde» = limite-, porém moiomou não é português, ou é raiano. O etymo pa-
rece estar no lat. *moleone- (*molione-),
derivado de moles.—Em malhão, de molhom,
o o mudou-se em a por influencia de jualhar
ou malho.— De malham deriva t7ialhoeira, que
vimos no artigo precedente.— No «Vocabulário
trasmontano» publicado pelo Sr. Augusto Mo-reno in Revista Lusitana, v, acho a seguinte no-
tícia, que importa aqui citar: aamalhoar (uma
terra de mato),— é pô-la aos malhôes, isto é,
juntar algumas estevas e giestas, pelas pontas,
e atar-lhes á roda um vincelho. Os malhôes indi-
cam que a terra está vedada» (pag. 26); cf. ibi-
dem, p. 96, malhão. Parece que estas palavras
se relacionam com a estudada a cima: num caso
o malhão serve de marco divisório (feito de pe-
dra); noutro serve de vedação (feito de giestas).
20
Morigo: «está h}' hú marco, que se chama Morfgoi>.
Ignoro o sentido primitivo d'esta palavra.
veferta: «e que nunca sobre iso vyrã esta villa de
Miranda ter nenhum debate, contenda nem de-
manda e Refferta cÓ Castelia». Vê-se do con-
texto que «debate», «contenda», «demanda» e
referia são synonimos entre si. Muitas vezes
nos documentos officiaes acham-se a seguir ter-
mos synonimos, com o fim de se attingir maior
clareza. Em hespanhol ha eíFectivamente refer-
tar = reyertar, «contender», «altercar», com o
derivado refertero, «polemista». O etymo creio
dever buscar-se em *refertu- «> relatus)
= re-fertus, de refero; cf. também o port.
offerta, o fr. e prov. offert, o ital. qfferto, que só
podem explicar-se por *offertu- «> obla-
tus)\ igualmente temos o fr. soiiffert, o prov.
suffert < *suffertu-. São participios analó-
gicos, formados como apertiis (de aperire), re-
fertus (de refercire) e outros. O catalão levou
mesmo um pouco longe este processo, pois tem,
por exemplo, otnplert, cumplert, suplert, esta-
blert, etc.
retorto: «até onde chega ho caminho de Cangalho
Retorto, que va}' para Alcamiças». A palavra
retorto, «retorcido», < lat. retortu = re-tor-
t u s , nada tem especial, a não ser o seu em-
prego.
urreta, mir. mod. ôurreta: «hyndo mais pêra diante,
amostrara outro marco a cabeça de Urreta d'agtar>
(i. é: á cabeça [= ao cabeço] de Urreta d'águia).
Noutro ponto do documento leio: «cabeço do
Reto do Callvo», que se repete outra vez; tal-
vez do Reto esteja por d'Orreta = d'Urreta. Ácerca da palavra diz Viterbo no seu Elucidário^
s. V., o seguinte: nOrreta, valle profundo entre
montes, e com mui estreita margem, que apenas
21
admitte poucas fiadas de oliveiras, ou outras
arvores. Esta palavra antiga ainda hoje tem uso
em Tras-os-Montes». Eífectivamente ouvi-a por
lá muitas vezes, não só em Miranda, mas longe.
Sec. XVII :
Não encontrei documentos nenhuns que sirvam para
o assunto de que me estou aqui occupando.
Sec. xviii:
Os documentos de que me sirvo para fazer os meus
extractos são as Memorias parochiaes existentes em ms.
na Torre do Tombo, e redigidas no sec. xviii. Estas
Memorias constam de descripções das differentes fre-
guesias do reino, feitas pelos parochos, por ordem do
governo, e destinadas a servirem para a organização de
um grande diccionario geographico: cf. O Arxh. Port.,
I, 267-268 (artigo do Sr. Pedro de Azevedo). Os paro-
chos da Terra-de-Miranda deixaram muitas vezes trans-
parecer certos mirandesismos em meio da lingoagem
litteraria de que se serviam. São estes mirandesismos
que aqui transcrevo, indicando entre parenthesis, nas
citações, os números dos volumes e das folhas. Emboraseja duvidoso para mim se em Atenor se falia miran-
dês, segundo o que escrevi no vol. i, p. 60, não deixo
de incluir na lista seguinte algumas expressões colhidas
na informação do parocho d"aquella freguesia, por terem
cunho popular.
alcáceres: «tem hua {sic) boa faceira, aonde se colhem
muitos alcáceres e muloens» (v, 767 sqq.). Develer-se alcáceres. Em hesp. temos alcacel ou alcá-
cer, «cebada en hierba» (Barcia). Na Beira-BaLxa
chama-se alcácer o centeio em verde destinado ao
pasto dos animaes. No Alemtejo também existe
alcacél, segundo vejo nos J'estig{os da lingoa ará-
bica, de Sousa & Moura, Lisboa i83o, s. v. Vi-
22
terbo, no Elucidário, cita alchaiar (sec. xiii) e
alcácer (sec. xvi). No «Vocabulário trasmontanoo,
publicado pelo Sr. Augusto Moreno in Revista
Lusitana, v, encontro a p. 24 o seguinte artigo
:
aalcacél, pimentos, tomates, cebolas, etc, que se
compram para pôr na horta. Ao verde para as
bestas não chamamos». Vê-se que é neste sen-
tido de pimentos, cebolas, etc, que o parocho
empregou a palavra alcáceres, e não na do sen-
tido de cevada verde.—O et3^mo é arábico,
—
alcacil: vid. Sousa & Moura, ob. cit.; e Dozy
& Engelmann, Glossaire, s. v.— Não sei se a
palavra existe hoje em mirandês ; é provável
que sim.
ancha, larga (iv, 58). O mesmo em mirandês mo-
derno: vid. o meu vol. i, p. 283.
arbores, arvores (v, 757 sqq.). Nota-se aqui b por v,
segundo um dos caracteres do mirandês.
arribas: «arribas do Douro» (11, 181; xvi, 1089). Emvez de ribas < lat. ripas, com a prostethico;
cf. Grammatica, Z i5i-a.
bacum: «gado bacumf> (xiv, 461), vaccum. Temos aqui
outra vez b por v.
carreteiro, o homem que conduz o carro (xxx, 181 7).
Derivado de carreta. Cf. hesp. carretero.
charqueirão: «hum charqueirão que avia anos estava
seco» (xxxv, 1180). A forma mirandesa devia ser
charqueirôU ou charqueirõu. Derivada de charco,
como o port. poceirão, de poço. Os diccionarios
portugueses também citão charqueirão, mas a
palavra não é geralmente usada.
conceilho, concelho (xiii, parte 1, 215-217). ^^ ^^'^'
concilium. A forma mir. mod. é cunceilho,
e já de certo o era no sec. xviii, mas o parocho
só representou em mirandês a terminação -eilho.
dismos, dizimos (xli, i865).— Deu-se syncope do i
postonico: cf. Grammatica, § 70.
23
Estevo, Estevão (xiii, parte i, 215-217): < lat. Ste-
p h a n u s = ^tíçíízv:;, com -v- < -b-, ainda que
em mirandês a palavra deve ter -b- (cf. a Gram-
^L\TICA, S 99), mas o parocho fez um mixto de
lingoa litteraria e lingoa popular. A forma Es-
tevo, quanto á sua terminação, é análoga ás pop.
port. Cnstópo < (por Christovão) *Christo-phanu- = Christophorus (cf. ital. Chris-
tofanó)^ e orfo < orphanu- (litter, orphãó).
faceira: «os linhares ahonde chamão a Faceiras (11,
1180). Nesta expressão é Faceira nome próprio,
mas a cima, s. v. alcáceres, vimos outro texto,
em que ella é nome commum. De facto faceira
existe ainda hoje em mirandês, e por toda a raia
trasmontana (muitas vezes ouvi lá tal palavra);
não posso dar uma definição rigorosa, mas de
modo geral direi que faceira é um campo combom chão para frutos, situado ordinariamente,
como creio, junto das povoações. Quando fiz
uma das minhas viagens pela raia trasmontana,
e ia a cavallo no meu burrinho, aconteceu muitas
vezes perder-me ; o meu guia, logo que avistava
uma faceira de trigo, dizia que era isso signal
de que ficava perto uma povoação. Uma variante
de faceira é faceiro, que encontro no «Vocabu-
lário trasmontano» de Augusto Moreno, in Re-
vista Lusitana, v, 88: faceiro (subst.),— quasi
o mesmo que veiga; em geral, campos fecundá-
veis e planos, cerca das povoações».— Quantoao etymo, talvez faceira e faceiro fossem na
origem adjectivos derivados à^ face: (terra) fa-
ceira, {cdSTí^o) faceiro,—em face das povoações;
cf. fundeiro, «o que está no fundo»; deanteiro,
«o que está adeante». Todavia yàce não pôde ser
palavra da origem da lingoa, como também o não
é em português: cf. hesp. ha:{ < facie-, port.
a^ < a c i e -
.
24
freiguesia, freguesia (xm, 634).— Forma corrente emportuguês antigo. Em mir. mod. fraguefia ; de
origem portuguesa, senão em mir. devia haver
o / correspondente ao hesp. feligresia.
horto: «nos hortos particulares ha hortaliça» (xxxiv,
911). Em mir. diz-se prto; significa «quintal».
—
Lat. hortu-. Cf. hesp. huerto, port. ant. orto
(horto).
labraiitia: «terra labrantia» (xiv, 471), isto é, lavra-
dia. Cf. hesp. labrantio. Lat. *laborantivu-,sobre o th. 1 a b o r a n t - do participio do pre-
sente de laborara; cf. lavandeira, tambémformada de participio.
linhar, terra onde se cria linho: vid. o texto citado
a cima, s. v. faceira. Em português actual diz-se
linhal ou linhar. A forma mir. mod. é Ihinal,
de Ihino < lat. linu-. Em hesp. ha linar. Noonomástico port. Linhares.
maré, mar (xni, parte i, 215-217). Sobre o -e vid.
Grammatica, § 1 19. Noutra cacographia miran-
desa, também do sec. xviii, encontrei mai^i.
muloens, melões (v, 767 sqq.). Em mir. consta-me
porém que se diz melojies, sing. melôíi; o u,
devido a influencia da labial vizinha, é comtudo
phenomeno muito natural.
Ourreía da Silva, (xiii, parte i, 215-217). Nome pró-
prio de sítio. Cf. supra.
paramio: vid. o meu vol. i, p. 140 sqq.
raça de sol, restea de sol (xiii, parte i, 215-217).
Ainda hoje em mir. se diz raça de sol. Na Beira-
Alta e Baixa diz-se reça. Em Mogadouro e La-
goaça (iraça de sol», araçada de sol»: vid. Re-
vista Lusit., V, 102 (artigo de Augusto Moreno).
Em hesp. ra:{a, forma análoga á mirandesa.
—
O etymo do port. reça será o lat. r e s t i s , na
forma derivada * r e s t i a ; o hespanhol e o mi-
randês experimentariam influencia de raça, ra\a.
2D
OU tem a <i e, por influencia do r vizinho. Ogrupo ST -^ i pôde dar c (y): cf. woço (mo:{o)
< *musteu- (mustus), Çarjo-oça = Za-
rago-{a < *Gaesaraugustea ou *Caesa-raugustia.
relutes: «cristaes a que chamam relu{esr> i^xxx, iq3j
sqqi. Parece que estes crystaes não serão aqui
mais do que estalactites e estalagmites, porque
o parocho falia d'elles referindo-se a uma gruta.
O etymo está em relu:{ir \ relutes é substantivo
verbal) ; todavia em mir. diz-se relhuiir.
sebada, cevada (v, 767 sqq.). A palavra está mal
escrita quanto ao s por c. O b por v é pheno-
meno mirandês que já encontrámos a cima.
sentir: «nem sinto que nella haja previlegio» (v, 757
sqq.), onde sinto está no sentido de consta-me,
creio, como succede na lingoagem familiar de
outros pontos do país.
sÍ7'pe, serve rxiii, parte i, 215-217). Á cerca de formas
mirandesas semelhantes vid. o meu vol. i, p. 38o.
Numa busca que algum dia farei em cartórios públi-
cos e particulares da Terra-de-Miranda é provável que
maior número de palavras mirandesas colha, e talvez
na maior parte mais características do que estas, pois
na lista precedente nada se averiguou quanto á gram-
matica, a não ser o valor de b dado ao r primitivo, o
desenvolvimento do / na terminação -eilho, a prothese
de e m) em maré (mar[), a acção da labial em mulóes,
e a forma verbal sirre; o mais tem apenas importância
lexicologica.
II
Variedades dialectaes do mirandês
o mirandês nâo se falia uniformemente em toda a Terra-de-Miranda. — Sub-dialecto
central. — Sub-dialecto raiano. — Sendinès.
A palavra mirandês designa de modo geral o con-
juncto das falias populares, e indígenas, da Terra-de-
Miranda. O povo, porém, estabelece neste conjuncto
de falias certos grupos, chamando ya//a atravessada á
que se usa na raia sêcca (atravessada, entende elle, de
hespanhol!)\ sendinès á de Sendim ; e mirandês pro-
priamente dito á do resto da Terra-de-Miranda. Esta
distincção é razoável, e representa até certo ponto a
realidade \ eu a adoptarei, substituindo apenas a pri-
meira pela de raiana, e chamando á terceira tnirandês
normal ou central,—normal, por ser a que corresponde
á maior parte do território, e a que tomei por norma na
minha obra, e também por ser nelle que estão escritos
quasi todos os trabalhos que ha em mirandês.— e cen-
tral, por ficar entre a falia de Sendim e as da raia.
O sendinès tem caracteres phoneticos importantes,
que lhe dão independência dialectologica. O mirandês
raiano parece offerecer sobretudo algumas diíferenças
morphologicas em relação ao central. Diversidades lexi-
caes ha-as, como é natural, por toda a Terra-de-Miranda:
assim diz-se na Povoa abe-rapina, e em Duas-Igrejas
28
abe-rapinha ; diz-se t^uga na Povoa e Malhadas, e rúe
em Duas-Igrejas; uns dizem beldre, beldro, outros be-
Ihõã (port. «vello»); em Villar-Sêcco diz-se pa-lí, emDuas-Igrejas pa-lhi; em Especiosa diz-se nojoutros e
bofõutros, e em Duas-Igrejas nós e bós. Pelo menossão estas as informações que colhi.
Entremos agora mais particularmente no nosso as-
sunto. Denominando sub-dialectos as referidas varie-
dades dialectaes, temos pois: I) sub-dialecto normal ou
central; II) sub-dialecto raiano ou septerttrional ; III) seti-
dinês ou sub-dialecto meridional. Talvez possa ainda
constituir-se um 4.° grupo com as falias mirandesas do
concelho de Vimioso,— mirandês occidental; mas fal-
tam-me elementos para dizer se sim ou não. Por ora
contentemo-nos com aquella divisão, que porventura eu
ainda modificarei um dia, após novos estudos, e nova
viagem á Terra-de-Miranda.
I. Mirandês central:Os seus caracteres ficam superabundantemente discri-
minados na Parte II d'esta obra, onde tratei da Gram-
MATiCA MIRANDESA ; nao preciso pois de voltar ao assunto.
II. Mirandês raiano:Já também na mencionada Grammatica me referi
aqui e alem ao mirandês raiano. Exporei agora todavia
no conjuncto o pouco que me foi possivel apurar.
A raia sêcca mirandesa é constituída pelas seguin-
tes aldeias: Paradella, Ifanez, Gonstantim, Gicouro e
S. Martinho de Angueira.
De modo geral dizem-me que na raia se usa antonces,
ao passo que no Sul se usa antóces e no centro atitou:
vid. a Grammatica, p. 45o. E também da raia abolo
(ou abplo?)^ e talvez o archaismo q'redes.
Um amigo meu escreve-me que em Paradella o miran-
dês é muito castelhanizado; provavelmente isto significa
que os caracteres intermédios que o mirandês possue
2Q
em relação ao português e ao hespanhol, são lá mais
próximos do hespanhol do que noutras localidades.
Em Ifanez, como lembrei na Gil^mmatica, p. 448,
diz-se pa-'lhinã, po-lhina, aquina, por quina, ao passo
que, por exemplo, em Duas-Igrejas se diz alhi e eiqui
;
e diz-se calhe (cf. hesp. calle), e não ruga, nem rúe;
mas a lingoagem doesta terra tem muitos phenomenos
grammaticaes em commum com o mirandês central,
por ex. : solo < lat. solo (Grammatica, § 58); Ihuç e
Ihume com Ih- < /- (Grammatica, Z iii); anda no indi-
cativo, e ande no conjunctivo, como se viu na Gramma-
tica, pp. 420 e 422.
A lingoagem de Constantim, a julgar do que obser-
vei, também não diífere, senão no vocabulário, e pouco,
da lingoagem do centro. A cerca de Cicouro não tenho
informações especiaes.
Em S. Martinho de Angueira estive de passagem
umas horas, e colhi alguns factos linguisticos. Entre os
pronomes ha: esto, ésso, aquésto, aquésta, que não se
usam em Duas-Igrejas, e parece que ha míiu (ou mieu)^
a par de mhi. Formas avulsas que também ouvi: tolho
por «lodo»', em mir. central Ihodo; lureiro. em mir.
central loureiro; solo, em mir. central chano; frol,
pi. froles, em mir. central ^or
—
jlores. Formas verbaes
interessantes são: j'era, no mir. central era; caier, no
mir. central caer ou cair, e dolgã, a par de dolã. Namaioria dos phenomenos grammaticaes, a falia do povo
de S. Martinho não differe da do centro da Terra-de-
Miranda: frie, Marie, tie (Grammatica, 3 56); tierra,
cielo (S 5o); npbe, bpno, posto, osso (2 58 e Obs. 2);
Ihougo [ou Ihõugo?] (§ 58-Obs. 5); carbõu [ou car-
bôú?\ tissÕu [ou tissôíí?] (§ iio-í>), no pi. carbojies.
1 Cf. hesp. íoUo, atolhar, atolladero, atolladal, atolladar; port.
atolar-se, atoleiro. Temos assim a conhecida correspondência de-//- mir. e hesp. a •/- português.
3o
tissones (§ i65); mano, rana (§§ 3-b e 109); qiieifo,
beijo (§ 44), ye, yerba (C 5i-íf); nos pronomes, foii
(j'òw?), «dS;, èds, e como pronome atono mos (p. 354);
nos verbos observa-se o mesmo que em Duas-Igrejas
em amâ, jantóvú, fúrii, di\e, etc; na syntaxe, ao passo
que em mir. central se diz bpn, com ;/, antes de vogal
(Grammatica, § 307), em S. Martinho diz-se bÕ ou búÕ
mesmo antes de vogal (em pausa porém búono). Comoespécime da falia do logar de S. Martinho aqui trans-
crevo o Padre Nosso e Ave Maria, d'onde se verá me-
lhor que ella não offerece differenças phoneticas em rela-
ção á do centro:
Padre nosso que stáis no cíelo, santificado seia 1 bosso
nome, beng' a nós 1 bosso reino, seia feita la bossa bun-
tade, assi na tíerra como no cielo; 1 pã nosso de cada
die mos dái oije;perdonái-mos, Sinhor, las nossas dib-
das, assi cumo nós perdonamos a los nossos debedores :
nu mos deixeis caiér ã tentaciõu [tentaciôú?]^ mas Ihi-
brai-mos de todo 1 mal, amei Jeyiis'.
Abe Marie, chena de gracia, 1 Senhor ye cum bós,
benta sodes antre las molheres \molhieres?]^ bento ye
1 fruto- de 1 bosso bentre, Je/iis-; Santa Marie, mái de
Dius, rogai por nós pecadores, agora i na ora de la
nossa morte, amei, Je/us.
O Rev.^'' P/' Francisco Meirinhos, venerando reitor
de Avellanoso, teve a bondade de me offerecer, entre
outras, a seguinte composição mirandesa de sua lavra,
a qual aqui transcrevo, também como texto comprova-
1 Ou Jafus, como em Duas-Igrejas?
2 0\x fruito, como em Duas-Igrejas?
3 Vid. nota i.
.^I
tivo da lingoagem que se falia em S. Martinho de An-
gueira, d'onde elle é natural. Apesar dos seus 76 annos
de idade (1899), o Sr. Reitor de Avellanoso dedilha ainda
a lyra, como qualquer joven árcade.— Para deLxar á lin-
goagem do Sr. Reitor toda a espontaneidade, publico o
texto tal qual m'o enviou, e reproduzo-o ao lado coma orthographia phonetica que nesta obra adopto.—Natranscripção feita pelo Sr. Reitor ha as incertezas natu-
raes de quem por um lado tenta reproduzir do melhor
modo uma lingoa que não tem tradições litterarias, e
do outro luta com a orthographia portuguesa e com a
hespanhola.
LA NINA
PERDIDA NO CAMPO, E ACHADA NO LHOGAR
Orí«inal Tréinscripção phonetica
Y-era num daqueilhes meses,
quando cantava la rolha,
e a certas ninas pequeinhas,
qualquier cousa se le entolha.
Yera ú d'aqueilhes me/es,
Quando cantaba la rolhai,
I a estas ninas pequeinhas
Qualquier cou/a2 se 1' antolha.
Havi-e comprado mieu pai
um tagalhico de ouveilhas,
e fumos y-o-u, e la nina
alha pai monte com eilhas.
Habie cumprado míeu? pai
Um tagalhico 4 d' oubeilhas-
I fumos, vou 6 i Ia nina,
Alhá pa I monte cú eilhas.
' Em Duas-Igrejas ouvi dizer rola.
2 Melhor talvez cõu/a. E assim também õubeilhas, sons, yõu,
outro, rouca, passou, nas quadras 2, 5, 8, 10, 1 1 e 12.
3 Ou miu.
4 = tagalh-ico, deminutivo de tagalho, «conjuncto de sete ove-
lhas» ; tagalhico significa também, em geral, pequena porção de
ovelhas.
5 Vid. nota 2.
6 Vid. nota 2.
32
Lhevemos nussa merenda,
i-era de trigo bien goapo,
para cenar a la nuite.
Las castanholas num saco.
Lhebémos nossa merenda
(Yera de trigo bie guapo!)
Para cenar a la nuite.
Las castanholas' num saco.
El die estava muy cralo
el monte cheno de froles.
Los paxaricos cantavam
las su-os cantigas d'amores.
L die staba múi cralo',
L monte cheno de froles;
Los paxaricos3 címtabã
Las sues cantigas d' amores.
La nina apanhava froles,
e arranjava sous ramicos,
e cantava su-os cantigas
a par de los paxaricos.
5
La nina apanhaba froles,
I arranjaba sous+ ramicos,
I cantaba sues cantigas
A par de los paxaricos.
Cada couza que fazi-e
la palombica irmocente
como eram sin malícia
fartava de rir la gente.
Cada cou/a.'^ que fazie
La palombicaó einocente,
Como erã si malicia,
Fartaba de rir la gente?.
' «Castanhetas».
2 Em Duas-lgrejas ouvi dizer claro, como em português. Emport. ant. também se encontra cralo (dissimilação). Esta palavra
é de origem litteraria em português ; e em mirandês é de origem
portuguesa : senão em ambos estes idiomas os cl- lat. estariam
representados por eh-.
3 Paxaricos, «passarinhos». Cf. gall. paxaro.
4 Vid. nota 2 da pagina precedente.
5 Vid. nota 2 da pagina precedente.
ô «Pombinha».— Cf hesp. ant. palomba. Também em cantigas
populares portuguesas se encontra palomba. Diz-se em mirandês
palumbica f
7 Na redacção desta quadra commetteu-se um anacolutho, de-
vido á significação vaga do pronome cada. O sentido é: «comoeram sem malicia as cousas que a pombinha fazia, a gente far-
tava (ou fartava-se I de rir».
33
Y-a quage ai anuitecer
eilhi ai valhe dei pino,
emponteila para casa
e perdi-o-se no camino.
Yá quaije ai anuitecer,
Eilhí ai balhe de 1 pino
«
Ampuntei-Ia2 para ca/a,
E perdiu-se no camino.
Y-o-u cuidei queilha abrie ido
dreitica a tener a casa
num-me tornei acordar
De la buona la rapaza.
You cuidei qu'eilha habrie ido
Dreitica 3 a tener a ca/a;
Nu me tornei a 'cordar4
De la bona la rapaza 5.
Mie mai coidando que estava
comigo bien recolhida,
e elha lalma de Dius
toda la nuite perdida.
Mie mái, coidando (^ que staba
Comigo bíe recolhida;
E eilha, 1 alma de Dius,
Toda la nuite perdida!
Ai. , . Ai. . . mie nina dei alma?.
para dezir la verdade
solo de y-o-u lo contar
dame muita senhardade.
Ai... ai... mie nina de 1 almal
Para dezir la herdade,
Solo de you 7 lo cuntar
Dá-me muita senhardade 8.
I «AUi ao Valle do pinheiro» (talvez nome de sítio).
- «Encaminhei-a«. Também se usa em tal sentido empontar na
nossa lingoagem familiar.
3 «Direitinha».
4 = a acordar. Vid. Gram.matica, 3 38.
5 Em port. "da boa da rapariga». A expressão la bona la ra-
pada está por la bona de la rapaja, onde a preposição de serve
de designar o que grammaticalmente se chama apposto definitivo
:
cf. Epiphanio Dias, Gramm. port. elementar, q." ed., § 154. A pre-
posição de perdeu-se por processo análogo a outros mirandeses
que vimos no vol. i d"estes Estudos, pp. 473-475.
6 Em Duas-Igrejas ouvi dizer cuidar. Em gallego também se
diz coidar, com o. — Lat. cogitare.—Todavia na quadra 8 o
Sr. Reitor escreve cuidar.
1 Vid. nota 2 da p. 3i.
8 Significa: «pena, tristeza».—Tendo eu perguntado ao Sr. Rei-
tor se haveria engano na escrita d'esta palavra, elle por duas vezes
34
Aparciu ai outro die Aparciu a 1 outro i die
arrimadica a u-a esquina Arrimadica a Gás squina,
toda rouca de chorar Toda rouca3 de chorar,
la cuitadica la nina. La cuitadica la ninak
Naide deixe asi angicos Naide deixe assi anjicos
solos ai Dius temedou, Solos ai Dius te me dou-'':
pude suceder amuitos Pode soceder a muitos
Lo que a esta le passou. Lo que a esta le passou "J.
Este trecho vem coníirmar o que já disse a cima:
que as diíferenças da lingoagem da aldeia de S. Mar-
tinho em relação ás do centro são morphologicas (empequeno niímero) e lexicologicas.
III. Sen dines:No pequeno opúsculo, que em 1886 publiquei no Porto
com o titulo de Lingoas raianas de Tras-os-Mojites, dei
já uma notícia, embora imperfeita, deste sub-dialecto.
Como estive em Sendim em 1884; como aqui em Lis-
boa fallei por vezes com um soldado da guarda-íiscal
natural da lá, e perfeito conhecedor do sendinês; e
m'a confirmou. A palavra, de facto, explica-se phoneticamente
muito bem pelo lat. singularitate- > * sing'lar'dade (Gram.,
Z1 70 e io3) >> senhardade (Gram., p. 285). Vem, pois, senhardade
a significar na origem o sentimento d'aquelle que está só : tristeza
e soledade! como diria Herculano.— Cf., quanto á evolução pho-
netica, o port. arch. senJios < s i n g u 1 o s .
' Vid. nota 2 da p. 3i.
2 Ou melhor uiia.
? Vid. nota 2 da p. 3i.
4 Em português: «a coitadinha da menina». Sobre a omissão
do de vid. a nota 5 da p. 33.
5 Ou melhor dou.— A expressão ta 1 Dius te me dou» significa
em português: «ao Deus dará». O artigo tem por fim determinar,
não o substantivo seguinte, mas toda a phrase.
6, Vid. a nota 2 da p. 3i.
35
como o Sr. Francisco Maria Guerra, a quem ja mereferi no vol. i, pp. ix e 407, teve a amabilidade de meoíferecer muitas notas: posso aqui tratar um pouco mais
amplamente d'este sub-dialecto do que do raiano.
As differenças essenciaes entre o sendinês e o miran-
dês do resto da região são as seguintes, quanto á pho-
netica:
a) em sendinês o l latino inicial não se palatizou
como em mirandês, conservou-se intacto como em por-
tuguês ; ex.
:
i mir. central e raiano : lhanalat. lana,
, ,
' send. lana.
vid. Grammatica, Sm- /
b) em sendinês o e aberto latino deu /, ao passo que
nos restantes sub-dialectos deu íç, nas condições estu-
dadas na Grammatica, Z 3o; ex.:
lat. festa^ mir. central e raiano: fíesta
> send. fisla.
d) A -le mir. corresponde também -/ em send. ; ex.
:
Send. Mir. central e raiano
ti th
tis ties
mi' mkdi die
jantari (i.* pess.i jantaríe
jantaris jantaries
jantari (3.* pess.
'
jantaríe
jantarímos jantariemos
jantarides jantariedes
jantari i= jaiitarim> jantaríe
bi bíe ( «via»).
vid. Grammatica, CC 56 e 23 1-282.
I Mas no masculino diz-se tmu como em mirandês normal.
36
c) A o (ih) mir. corresponde em send. u; ex.:
( mir. central e raiano : orto (ihrto)lat. hortu- ,
I send. iirío.
vid. Grammatica, § 58.
d) A -i)e mir. corresponde em send. também -ii ; ex.
Send.
^7
g) No fim de palavra, em syllaba atona, diz-se -e,
e não -e (como succede em mirandês);por ex. : te?iê,
debê, fiijê.
h) A cerca de certo valor do i vid. adeante, p. 40,
nota 4.
Creio serem estas as principaes differenças phoneti-
cas. Pelos C3 ^, /^se os factos mencionados neste último
são bem exactos) o sendinês assemelha-se mais ao por-
tuguês do que ao mirandês central e raiano. No restante
o sendinês é igual á falia vizinha : é assim que mantémo L e N latinos intervocalicos, por ex.: cuneilho, bino,
cheno, tronar, arena, corona, sano, huno, magana, be-
nir, escalada («escada»), pala («pá»), 7nalo, salir, colii-
bra («cobra»), cilo («ceu»), inolino; tem õú, por ex.
:
õubir, lôiigo, fõii, stôii, rouca, sou («seu»), tõu («teu»);
tem 77ÚU, tiu («tio»), higa («egoa»); tem mari, torri,
fami, parti; tem deixa, séiã, com -ã; tem mái e muito
(sem nasalr, tem ií atono em cundiciones, cumprei.
As differenças phoneticas imprimem, já se vê, certo
caracter á morphologia: é assim que as formas verbaes
que em mir. tem -le, tem i em send., como mostrei;
á forma ye do verbo ser corresponde em send. j'i.
Vid. sobre isto a Gram.vlytica, p. 418.—A cerca de
deira vid. a Grammatica, p. 481.—Em vez do mir.
trago e traio diz-se em send. traio [trafo?]\ cf. hesp.
arch. trayo.—O plural do pronome pessoal él é, não
eilhes, como em mir., mas eilhos; cf. hesp. ellos. Ou-tros pronomes interessantes são: esto, e os que já citei
na Grammatica, p. 355, comeyo («comigo») e cuntefo
(«comtigo»;, onde eu disse que elles correspondiam aos
antigos pron. port. mego, tego, comego; não sei porémse esta affirmação é exacta, poisque encontro nos meuscadernos também ameio '.rjKej'o?] < amicu-, e feio
[feyoY] < ti cu-, factos que nos mostram não só ei
por i, mas syncope de g secundário (isto é, nascido
de c latino depois de vogal palatal: amicu- > amigo
> ameio) ; outro exemplo d'esta syncope está (sem fallar
38
em fieira, «figueira»), em dia («diga» < dica-) e díã
< dicant.— Entre os advérbios noto antoces (Gram-
MATicA, pp. 450-451).— Correspondentemente ao miran-
dês lie diz-se em sendinês no, como em português, e pa-
rece que iiel.—Em vez do mirandês até o Sr. Guerra
escreve aia (vid. adeante, p. 41) e atai, em ligação como artigo.
Como facto de phonetica syntactica cito este, que
também se dá em S. Martinho de Angueira (vid. supra,
p. 3o): o adj. buno em próclise torna-se bíi, pelo menos
antes de consoante, por ex. : bã pai.
As differenças grammaticaes correspondem, como é
natural, differenças lexicologicas, sem fallar naquellas
que dependem das differenças phoneticas; por exem-
plo: «collete» diz-se em send. sartíí, com accento no
ú (cf. dialecto gitano sertã, «camisa»), ao passo que
em Duas-Igrejas se diz jaleco; «flíor», em mir. central
flor, é em send. frôl, no pi. froles, formas que tam-
bém apparecem em port. arch., da ultima das quaes
veiu, quanto a mim, o nosso appellido Fi^oes, que é
propriamente o pi. port. de fj^ol ; «jaqueta» diz-se emDuas-Igrejas béstia, e em send. rabona, palavra deri-
vada, parece, de rabo^. Mas não posso dar aqui a lista
completa de todas as differenças.
Já na Grammatica mirandesa eu havia indicado os
pontos de separação que ha entre o sendinês e o miran-
dês normal ; aqui porém repeti-os em globo para maior
commodidade dos leitores, e augmentei-os.
' Se ha alguma semelhança entre esta palavra e o adj. hesp.
rabon, tem. rabona, que se applica «por antifrasis ai animal á
quien se ha cortado el rabo» {Dicc. da Acad. Hesp.), pôde a desi-
gnação de rabona ser na origem um deminutivo em -on; cf. port.
pop. coixão (de coixa) ; o deminutivo em -on é frequente em
francês.— Cf. na mesma ordem de ideias rabona em Mogadouro
e Lagoaça, onde significa «enxada de cabo curto» : vid. Revista
Lusitana,\, 102 (artigo de Augusto Moreno).
^9
Trancreverei agora alguns textos neste sub-dialecto:
o primeiro texto ( cançõesj foi colligido por mim da boca
do povo, em Sendim, em 1884: os outros foram-me en-
viados pelo Sr. Guerra.
â) Canções:
Yirba cidreira no monte
Yi regalo de los pastores
:
Deixa 1 ganado na yirba
I bã a bér los sõus amores.
Miu canibete de prata
Caiu no mar, afogou-se
:
L amor que tu me tenís
Era pouco i acabõu-se.
Se la parreira nuba déira
Bei/os cumo dá abraços.
Todo 1 timpo gastarí.
Amor mm, ã seguir tous passos.
Yòu hei d' ir a 1 cilo ã bida.
Solo por ber nusso Senhor,
Que me deixou neste mundoCumo õubeilha si pastor.
QuT me déira d' eiquí bér
Quí yõu traio no sentido :
Fracisco i Antonho . .
.
I Manúl 1 mais q"rido.
Los mius ulhos que são dous botones,
São colhidos na frol de 1 tõu rostro
;
Las túes faces são tã carmelindas
I tu sós Tjna dama de gusto'.
I Não parece ser de origem popular. Tem, porém, como todas
as outras, o mérito da lingoagem.
40
Las túes faces mimq/as
I los tõus ulhos cristalinos
Desanquietã la mi' alma,
Cau/a-me' grandes de/atinos2.
L sol, que se bái desponendo
Alhá pela bena de Chabes,
Di-le a 1 miu amorQue benga, qu' yõu murro de saludades.
Saludades de três dies
Para mi 3 são três semanas:
QuT chegará a 1 Domingo 4
Cum saludades tamanhas?
Fustes a dezir mal de mi
A quí miu peito adora
:
Se muito me q'ri d'antes,
Muito mais te quiro agora!
b) Carta:
Amiio^ Manul: Nel domingo po la manhana tengo
tencião de iir^ fazer-te úa bejita, por esse nú baias co
las baças, manda ú rapaç culhas^, que yõu tengo gana
de falar cumtiio-, e para esso debo star ende a las nube
de manhana temprano. Bõu alhá nú solo por ^bér-te,
mas tamí para te pedir ú fabór, porque bí sabes que
yõu tamí serí capaç de te lo fazer a tales cundiciones.
• = caufã-me, tendo-se absorvido a nasal áo a no m seguinte.
2 Esta quadra não é de origem popular,
3 O I aqui tem certo som especial.
4 Parece que o i d'esta palavra, e em cumtiio, se pronuncia
differentemente do z ordinário, talvez tendendo para e; mas nada
posso agora adeantar a isto. Terão alguma relação com esse phe-
nomeno as formas cunteyo, comeyo, ameio e feio, por «comigo»,
«comtigo», «amigo», «figo», citadas a cima? Nem o i na primeira
palavra será rigorosamente j nem o e nas segundas será e. Cf no
§ b) d'estes textos a graphia amiio.
5 A cerca do í7 vid. supra, nota 4.
6 «Com ellas».
41
Cumo te dixe 1 outro di, cumprei a Antonho Grigúiro
la cayk que tení ã ru de las Frangas por nube libras •,
cumo yõu solo tengo site, tenes de m'amprestar dus
ata' el brano, que benda el centeno u el biino^, i an-
toce te las pago. Fui acupar-me cú Francisco Binhão,
i nú me las quijo amprestar: yõu bl sabí que las tení,
mas acá 1 áspero. Ata 1 domingo. Dá-le muitas bejitas
a Ia tu ti. i tõus armanos i mái.
Cl Phrases e adágios:
Quí muito durme pouco aprende.
Anque diã que no, 1 home fui criado por Dius.
A los rapazes hái que dá"-le pa nua mano i paio
noutra.
Los que fúré sanos de corpo i alma nu são probes.
Pã d"oje. carne d"onte i bino de 1 outro brano
Fázé 1 orne sano.
QuT cena i lõugo se bái a deitar
Mala nuite ha-de passar.
Náide faga mal cil sentido que 1" ha-de benir bl.
Que r amporta a náide las bidas de náide ?
Muito i br
Nú hái quT.
Bunos dis, armano I
Bunas núites!
I Sôa atá ?
- Vid. p. 40, nota 4.
42
Outros pequenos textos foram insertos no vol. i,
pp. 365 e 414-nota (cantigas), e no citado opúsculo
Lingoas raianas, p. 12.
Deixo ao Sr. Francisco Maria Guerra o cuidado de
profundar o estudo scientifico do sendinês, como seu
idioma natal que é. Creio que ninguém como elle pôde
dar-nos desde já uma grammatica desenvolvida e umvocabulário extenso d' este sub-dialecto.
III
Caracteres e classificação do mirandês
Relações linguisticas do mirandês com os idiomas vizinhos. — Dialecto trasmontano-
raiano. — Português em geral. — Guadramilês. — Rionorês. — Paliares de Ermi-
sende e Castromil. — Galiego em geral. — Berciano.— Paliares de Boal, Franco e
Navia.— Asturo-leonês.— Communidade dos phenomenos linguisticos. — O que
se entende por lingoa e dialecto. — Logar do mirandês no quadro dos idiomas do
Noroeste da Ibéria.
Quando na Gr-\mmatica expus os factos phoneticos,
morphologicos e syntacticos do mirandês, tive o cui-
dado de os ir comparando, sempre que isso vinlia a
propósito, e eu o pude fazer, com os factos semelhan-
tes dos idiomas vizinhos ; ao mesmo tempo vimos os
caracteres d"aquelle, quer em relação ao latim, quer
em relação a estes últimos idiomas. Convém agora,
para que melhor se comprehenda em que consistem as
peculiaridades e as differenças, considerar em grupo o
que primeiro se estudou avulsamente, e ampliar as com-
parações. D'este novo exame se evidenciará qual o lugar
que o mirandês occupa no quadro dos idiomas do No-
roeste da Ibéria, pois são taes idiomas os únicos que
tem de entrar na discussão.
Em Portugal o mirandês confina unicamente com as
falias que constituem o conjuncto que na classificação
dos dialectos portugueses chamo suh-dialecto trasmon-
44
iano-raiãuo^ ; ellas rodeiam-no pelo Sul e Occidente.
Só caminhando-se mais para NO. se encontrarão, den-
tro ainda do nosso pais, em Rionor (ou Riodonor) e
Guadramil, outras falias que se afastam dos dialectos
portugueses propriamente ditos.
Ao Sul da Terra-de-Miranda fica o concelho do Mo-gadouro. Ao Occidente fica toda a parte do concelho
do Vimioso que não está incluída na moderna área geo-
graphica do mirandês.
O mirandês tem maiores semelhanças com as falias
de Vimioso do que com as do Mogadouro; todavia é
á região do Mogadouro que pertence o documento me-
dieval que citei no vol. i, p. 127, e onde se lê sou, «seu»,
correspondente ao mir. mod. sou, e soum, «são» (do
verbo ser)^ correspondente ao mir. mod. sôii. As lin-
goas modificam-se com o tempo ; se se pudessem obter
mais documentos com textos dialectaes, descubrir-se-
hiam certamente outros pontos de contacto. No «Voca-
bulário trasmontano» publicado pelo Sr. Augusto Mo-reno na Revista Lusitana, vol. v, e que contém palavras
de Mogadouro^ (e Lagoaça^), encontro alcacél (p. 24),
' O povo trasmonta/10 chama á lingoagem portuguesa popular
da raia falia chamorra, por opposição á falia politiga ou portu-
guesa culta : assim ouvi, por exemplo, em Montezinho, cuja lingoa-
gem offerece bastantes particularidades, taes como pretéritos em-<?>« na 1.' conjugação (por analogia com a 2.»), cheu por «cheio»
(gallego meridional cheó)^ teis por «tens», como em berciano, muto
a par de munto, tratamento de vós, etc.
2 Num doe. do sec. xiii (vid. Appendice I, doe. n.° 3) o nomed'esta terra é Mogodoyro. Se Mogadouro não ficasse tão longe
do Douro, eu perguntaria se a forma Mogodoyro poderia decom-
por-se em Mogo-Doyro. Como é sabido, mogo em português
antigo significa «marco». No emtanto, se a villa fica longe do rio,
o concelho pega com elle.
3 A forma antiga do nome d'esta terra é Lagõaça (vid. Appen-
dice I, doe. n.° 5) = lagÕ-aça, de * lagoa, o que está de accôrdo
com o que á cerca de lagoa disse no vol. i, p. i23 : effectivamente
o fem. de *lagão devia ter sido * lagoa, antes de ser lagoa.
45
canhona, «ovelha» (p. 35j, raça de sol ip. 1021, que
são palavras da Terra-de-Miranda ; encontro mais: fa-
ceiro (p. 88;, variante do mir. faceira; malhão (p. 96),
que parece também ser mirandês; rabona (p. 102),
que se relaciona com a palavra mirandesa que tem a
mesma forma; palanco (p. 99), que é de certo o etymo
de Palancar, aldeia do concelho de Miranda (vid. o
vol. I d'estes Estudos, pp. 93-94); peina e pei?iaços
(p. 100), que se relacionam com o mir. peine «pente»;
no mesmo Vocabulário lê-se ainda cochina (adj.: «cuja»),
que tem como forma parallela em mir. cochino «porco»,
cochina «porca» ísubst.); e aterlondar «atordoar», que
talvez se relacione com o mir. stelondro «estrondo».
Pela minha parte ouvi empregar na falia de Meirinhos,
do mesmo concelho, ourifeiro «ourivez», palavra a que
corresponde a mir. õiiribeiro (cf. Revista Lusitana, v,
52 e nota). Os factos mencionados, porém, uns por
serem em pequeno número, outros por não serem espe-
ciaes da região em que foram colligidos, não bastam
para só de elles se concluir que o mirandês se estendia
outr'ora mais para o Sul; se isso succedia, o que não
é improvável, faltam as provas: hoje em Mogadourofalia- se português.
Entre o mirandês e as falias do concelho de Vimioso
ha, em certos casos, muitas analogias. A cerca doestas
falias vid, os meus «Dialectos trasmontanos» publicados
na Revista Lusitana, 11 e iii; ainda porém não publi-
quei tudo o que tenho colligido. Na Matella, por exem-
plo, diz-se fai «faz», como em mirandês; na villa de
Vimioso pôde ouvir-se tõu, sou, que são também pro-
nomes mirandeses. Em Campo de Vibora ouvi: lougo,
cf. mir. Ihôugo; sou, cf. mir. sou; siubisse, como emmirandês; pujo, cf. mir. pujo; iou, cf. mir. vou; rifa,
«riso», como em mir. ícf. hesp. risa)\ sentar, sacra-
tnentado, bender, com e, como em mir. ; muntôu, comM < õ atono, como em mir.; naquestas «em estas»,
cf. mir. aquesto ; Joa, como em mir. : houbo, em mir.
46
hõiiho; ténê, cf. mir. téne; béne, cf. mir. héne; iha,
como em mir. •, haba, como em mir. ; -ábã no imperf.
dos verbos da i.* conj., como em mir.: todavia ha na
lingoagem de lá muitos phenomenos que são contrários
á grammatica mirandesa, como a terminação -ia {de\ia,
etc), beu «veiu», screbeu, bò e bõii «bom», bei ou bãi
(com â) «bem», etc. Ou no Campo deViboras, que é
povoação que logo se encontra quando se sae daTerra-
de-Miranda por S. Pedro da Silva, se fallou algum dia
mirandês, e disso ficaram uns restos, ou a lingoagem
d' aqui constitue um dos pontos de transição do miran-
dês para o português.
Quem vae do concelho de Miranda pelo NO. para o
de Vimioso', a primeira povoação a que chega fora da
Terra-de-Miranda é Avel lanoso, na margem esquerda
do rio Angueira. Em Avellanoso falla-se português,
como tive occasião de verificar quando la estive, mas
os phonemas grammaticaes da falia de lá análogos aos
do mirandês são muitos: ou/ar «usar», oubrigado, oii-
bdecer; Einés «Ignês», einemigo, Eigito; a terminação
-éilho (que não ouvi nas povoações vizinhas fora da
área mirandesa); rói «ruim»; qiiêi; bubimos, bubistes
«bebemos», «bebestes»; di\c, quérc, bénem «vem», tba
«ia»; faleito «feto», como em mirandês, do lat. file-
c t u , com o -L- caracteristico do mirandês, mulo, com
o mesmo -l- caracteristico,— em port. ant. miio (cf.
Serra do Mit)^ lat. mulu-; xórdo «surdo», como emmirandês e gallego; o phenomeno syntactico mirandês
que estudei no vol. i, pp. 473-475, encontra-se igual-
mente no onomástico de Avellanoso: Oiirreta la' cer-
i A forma antiga d'esta palavra é Vimeoso (vid. Appkndice I,
doe. n.° 5), que provavelmente no sec. xiii se pronunciava Vhnêoso,
pois no mesmo doe. alatina-se a palavra em Viminoso. De facto
o etymo é *viminosu-, do th. vi min- (nomin. vimen,«vime«).—O nosso onomástico contém outras palavras da mesmafamilia ; Vimeira, Vimeiro, Vimieira, Vimieiro.
47
pas\ Ourreta- 1 inferno, Peinha lapala, onde ao mesmotempo se vê, como que petrificado, o / que corresponde
ao do artigo mirandês; no referido onomástico se encon-
tra ainda Lameirona (cf. -ona em mirandês no vol. i,
p. 123). Comparando-se a própria palavra Avellanoso,—que vem do lat. ave liana- «avellã», como Pedroso,
áo. pedra, Salgiieiroso, de Salgueiro, Xagoso^=*No-goso, de nuce- «noz» — , com as formas irmãs A7>el-
loso, Velloso, Vellosos, Avellosa, Vellosa, que se repetem
no onomástico português, nota-se que a primeira se diífe-
rença das outras pela manutenção do -n- latino intervo-
calico, o que constitue um ponto de separação radical
entre mirandês e português: pôde pois asseverar-se que
Avellanoso é até certo ponto uma forma petrificada, umaespécie de meio termo entre a forma genuinamente mi-
randesa doesta palavra, isto é, Abelhanojb ou AbiUianoso,
e as formas genuinamente portuguesas, isto é, Avelloso
e Velloso^. E por estas razoes que supponho, como
1 la' por las, porque o -5 foi absorvido pelo ç- seguinte; cf.
Grammatica, § 38.
2 É provável que nesta palavra e em todas as outras com o
ditongo ou este se pronuncie ou.
3 Como disse no vol. i, p. 333, ha em português certos nomes
derivados que conservam o n que caiu nas respectivas formas
primitivas, como canito, no Sul, — cf. cão < cane;por
tanto parecerá a alguém que Avellanoso estará neste caso, e será
pois um exemplo pertencente a uma classe geral, e não um facto
de valor puramente local, como eu creio que é: a isso objectarei
que a circumstancia de Avellanoso se encontrar uma só vezno onomástico (representado pela Corographia moderna, de J. M.
Baptista, que tem um rico Índice onomatologico), ao passo que
Avelloso e as outras formas irmãs, que citei, se encontram pelo
menos doze vezes, sem fallar noutras formas da mesma famí-
lia, e numerosíssimas, como Avellada, Avellaes, Avellal, Avellar,
Avelleda, Avelleira, Avelleiras, Avelleiro, Avellinho, Vellal. Velledo,
Velledos, Vellida, todas igualmente sem o -x- originário,e algumas pertencentes também ao N. de Tras-os-Montes, é suf-
ficiente para fazer pôr de parte tal ideia.—A palavra Avellanoso
está para o espirito do povo bastante afastada de avellã, para que
48
disse no vol. i, p. 475-nota, que em Avellanoso se fallou
algum dia mirandês, ou pelo menos um idioma intima-
mente apparentado com elle, supposiçao aliás perfeita-
mente verosímil, pois que o termo d'esta povoação pega
com o termo de S. Martinho de Angueira, povoação já
mirandesa.
Continuando a nossa viagem pelo NO., passamos por
Valle-de-Frades, e, para lá do rio de Maçãs, por Para-
dinha, Rio-Frio, Quintanilha, Deilao, Petisqueira. Veja-
mos algumas semelhanças e diíferenças entre as lingoa-
gens da maior parte d'essas terras e o mirandês.
Em Valle-de-Frades diz-se bitbiste, ôiibo^ cumprésíe,
como em mirandês, mas apresenta a lingoagem de lá
bastantes differenças, taes como o ditongamento de o
ao pé das labiaes, puoço, mnoço, biiote, fuoste, fuogo
(mas 7'oto, dote^)^ e o ditongamento, com labialização,
do a accentuado, também ao pé das labiaes, rapucDS,
capucDS, piicDta.
Em Paradinha não estive; a lingoagem porém não
deve diíferir da das vizinhas.
Sobre a falia de Rio-Frio ha um excellente artigo do
Sr. Gonçalves Vianna na Revista Lusitana, i, i58 sqq.;
este pudesse pôr em connexão uma com a outra; já não assim
avellanal, que entra perfeitamente na categoria que estudei no
cit. loc. (vol. I, p. 333),— poisque na formação dos nomes signi-
ficativos de sities plantados de arvores ou abundantes de frutas
o suflfixo -ai (e aqui quasi -nal) é vivaz, ao passo que -oso não
:
por isso desde o momento que o suffixo -oso passou á classe dos
suffixos mortos (cf. Grammatica, §§ 177 e 178), Avellanoso, se
fosse palavra portuguesa, tinha perdido o n, como o perdeu Avel-
loso, Velloso, etc.—É curioso que num texto português do sec. xiii,
que cito no Appendice I, doe. n.° 5, se leia Avelaoso, que talvez se
pronunciasse Avelaoso. Temos assim ao lado da forma, que sup-
ponho mir., isto é, Avellanoso, a forma port. Avellaoso, que ia a
caminho de se tomar Avelloso e Velloso, mas que o não chegou,
porque a forma indígena prevaleceu. Este documento confirma o
raciocínio precedente.
» Este ditonso uo ditfere do mir. uo.
49
nessa falia se encontra: iba, como em mirandês: Òui>o
(ou ôubo)^ cf. mir. ôitbo; aeude, cf. mir. ende; bubela
apoupa», cf. mir. bõubielha; canhona, como em miran-
dês; tagalho «rebanho», como em mirandês (vid. supra,
p. 3i, nota 4),— embora as differenças entre o portu-
guês de Rio Frio e o mirandês sejam muitas, pois os
phenomenos característicos deste, como -/-, -;z-, uo ou
o, íe, etc, não apparecem lá.
Em Quintanilha bube?' faz no pret. biibistes, cf. mir.
bubiste; o pret. de ser é fumos, flisteis, cf. mir. fumos,
fustes; diz-se rõi «ruim», cf. mir. ríii ou rõi; qual-
quera, cf. mir. qualqufera e qualquera. É difficil deci-
dir se a palavra Quintanilha, pela manutenção do -;/-,
pois esta palavra vem de quintana i^cf. port. quintãa,
quifiíã), tem um resaibo da phonetica mirandesa, ou se
este -71- entra na categoria de que fallei no vol. i, p. 333
[botânico, de botão, etc.) e a cima, p. 47, nota 3; o facto
de no onomástico do Sul existir Quintanilha pôde apoiar
a primeira hypothese, mas este nome, por se applicar
a uma quinta, quem sabe se terá origem no de um an-
tigo proprietário? No onomástico de Leão e noutros da
Hespanha apparece repetidamente Qiiintanilla. Apesar
das semelhanças que citei a cima entre a lingoagem de
Quintanilha e o mirandês, exitem muitas differenças:
assim o pret. da i.^ conj. é cortáríí ou cortáro (mir.
-dn7), usa-se a terminação -elho (mir. -eilho)^ diz-se têi
ou tãi, etc.
Deilão' pertence ao território chamado A Lombada,
que consta de mais outras povoações. Os habitantes
I Para o estudo da et}-mologia da palavra Deiláo note-se que
não só ha em Portugal, na Beira, outro lugar com este nome, masque ha nas Astúrias Deilan.—Talvez o etymo esteja num deri-
vado de Z)e//zw5, por ex. : fundus Dellianus. Como é sabido,
ha muitos exemplos análogos. No Onomasticon de DeVit citam-se
varios/M«iz Delliani.—Nas inscripções romanas da Península tam-
bém se encontra o gentílico Dellhis.
4
5o
d'este território chamam-se lombardeses, e a sua lingoa-
gem falia lombardesa. De Deilão escreve Pinho Leal
no Port, ant. e mod., ii, 466: «fica próximo da raia, e
a gente d'aqui já falia mais hespanhol do que portu-
guês». A última affirmação não é exacta, comquanto
a lingoagem de Deilão contenha certas particularida-
des notáveis: ahi ouvi soi «sou», hesp. soy, mir. sou;
binhiste, mir. beniste; fui, fuste, fumos, fustes, comoem mir.
5 fago, fáis, fai, como em mir. ; si, assi, comoem mir.
;parece que ha a terminação -o??i e coraçom,
etc. (pi. corações). A lingoagem de Deilão é o portu-
guês-popular (raiano) de Tras-os-Montes.
Na Petisqueira', que fica no extremo da raia, ha phe-
nomenos um tanto especiaes, como: fuxe «foge», com.V por j, como no gall. fugir (mas diz-se Joã)\ acá,
ftna, fuste, di^ê, fórií; o conjuncto da lingoagem d'essa
terra differença-se porém muito do mirandês.
Até aqui tenho comparado o mirandês unicamente
com fallares portugueses da raia sêcca, mais ou menos
seus vizinhos, e pertencentes á mesma latitude geogra-
phica. Se estendermos a comparação a outros fallares,
ou mesmo á lingoagem geral portuguesa, e ainda ao
gallego, que está tão intimamente relacionado com o
português, acharemos também, ao lado de differenças
essenciaes, semelhanças palpáveis. Nesta pequena ex-
cursão dialectologica fazemos alto na Petisqueira, por-
que para lá ficam duas zonas linguisticas que não per-
tencem ao português; d'ellas me occuparei mais a baixo.
Entre o mirandês e o português geral do N. de Tras-
os-Montes ha outras analogias, alem das citadas, como:
o ditongo ou, que se ouve por extensos territórios; o o
' A palavra Petisqueira parece, pelo suffixo, significar sítio
onde ha abundância de quaesquer productos naturaes. Existe,
pelo menos, mais um lugar e um quinta, com este nome, emPortugal (na Beira, e em Tras-os-Montes). Cf. ainda o nome de
de um casal no Algarve Petisques.— Mais não posso adeantar.
Dl
e e abertos ; o ditongo iu, ex. : fiHu, riu ; e os sons eh,
e b = p, e a distincção entre 5 e ç de um lado,e / e ;{
do outro,— tudo isto observável em grande parte de
Portugal. Algumas das semelhanças e diíFerenças pho-
neticas mais sensiveis entre o mirandês e a nossa lingoa
commum constam das seguintes tabeliãs:
a) Semelhanças:
Sonsoriginários
D 2
A par das semelhanças e diíferenças phoneticas, ha
outras, quer de grammatica, quer de léxico. Pela ma-
neira de formar o plural dos nomes acabados em / e
em nasal o mirandês separa-se também radicalmente
do português: o primeiro diz normalmente caracol—cavações, Jim—Jins; o segundo caracol— caracoles,
ft—Jines. As diíferenças dos artigos definidos — / emmirandês, o em português— , são capitalissimas. Osverbos mirandeses do typo de halanciar não se encon-
tram em português. Os pretéritos mirandeses em -óru
constituem outro ponto formal de separação. Pelo con-
trário, o processo de formar o plural dos nomes acaba-
dos em vogal, os artigos indefinidos, grande parte das
flexões verbaes, são communs ao português e ao miran-
dês. Quanto ao léxico encontramos ora as mesmas pala-
vras nos dois idiomas, como braço, faca, mal, monte,
nuca, obra, ser,— abstrahindo, já se vê, das minuden-
cias da pronúncia,— ora palavras diversas, como a??ibe-
Ihigo «umbigo», argolha «argola», atlondrar «atroar»,
chano «chão», cada e eixada «enxada», ceridonha «ce-
lidonia)),ya///a «fatia», /Awwar «luar», moucas «monco»,
trebo «favo».
Antes de passarmos ao gallego, que, apesar de já
ficar fora de Portugal, está tão estreitamente relacio-
nado com o português, devemos estacionar um pouco
em Guadramil, Riodonor, Ermisende e Castromil, para
observarmos as lingoagens d'estas quatro aldeias, as
duas primeiras das quaes pertencentes a Portugal, e
as duas últimas já a Hespanha.
Riodonor (ou Rionor) e Guadramil acham-se situadas
no extremo Nordeste de Tras-os-Montes, concelho de
Bragança, logo a seguirem á Petisqueira. Ahi existem
duas interessantes ilhotas linguisticas de que dei notícia
no meu opúsculo Lingoas raianas de Tras-os-Montes,
Porto 1886. A historia d'estas povoações ascende já,
pelo menos, á idade-média. O meu erudito amigo Pedro
de Azevedo, oííicial da Torre do Tombo, desenterrou
neste rico archivo a respeito d'ellas umas valiosas noti-
cias, que teve a bondade de me resumir assim: «No
Livro das Inquirições, que se diz ser o Livro 2.° das
Inquirições de D. Affonso III, vem a cópia de uma emlatim que tem a data (a copiai de i3oi (era de iSSg).
Nesta encontram-se os dois nomes de Rio de Onor e
Guadramil orthographados, o primeiro: (fls. 160 v.)
Barrio de Riuulo d'oor, (fls. i65) Rio d'oor; e o se-
gundo: ífls. ii5 e i65) Galdramir, (fls. 160 r. 1 rillar
de Galdramiro^y. Deste documento vê-se que. se as
povoações são hoje pequenas, — em 1884 Rionor tinha
26 fogos, e Guadramil 20,— não eram também muito
grandes na idade-média, pois que Rionor não passava
de um bárrio ou bairro\ e Guadramil de um villar.
Tratemos separadamente de cada uma das povoações,
e comecemos por Guadramil, que é, como disse, a que
primeiro se nos depara.
A palavra Guadramil acha-se sob differentes formas
no onomástico do vizinho reino : Gardamil e Gradamil
na Galliza; Guadramire na província de Salamanca.
Em Portugal encontra-se no Minho Giiardamilo. Foi
na origem talvez nome de homem, em genetivo. comoCotistaníim, que estudei no vol. i, p. 76 sqq. : de facto
no Port. Mon. Hist. encontra-se como nomes de ho-
mens, no sec. x: Vidramiro^ e Vedrattiiro'^,— de certo
nomes germânicos, como outros muitos terminados em-miro, v. g., Ramiro, Theodemiro, Rauimiro, etc; a
consoante v- < > w- está várias vezes representada
por g(u) em romanço, em palavras de origem germa-
1 Bárrio é palavra ainda usada em Tras-os-Montes para signi-
ficar divisão de uma povoação: cf. Revista Lusitana, 11, iiô (hesp.
barrio). Com eífeito só metade da povoação de Rionor ou Rio-
donor é que é portuguesa ; a outra metade é hespanhola ; e já o
mesmo se diz no citado documento medieval.
2 Dipl. et chartae, pp. 89 e 100.
3 Ibid., pp. 100 e 109.
54
nica, por exemplo no port., hesp., ital. e prov. guerra
< werra, no fr. giiérir, port. guarir < warjan, no
port., hesp., prov. guardar, fr. re-garder < *^/war-
da = warta, etc. Por tanto parece-me provável a
aproximação que faço, e isto vem em apoio do que
fica dito a p. 9 á cerca de ser povoada a raia trasmon-
tana na alta idade-média.— Entre o guadramilês (assim
chamo á lingoa de Guadramil) e o mirandês ha seme-
lhanças e differenças, umas e outras fundamentaes. Ve-
jamos algumas.
a) Semelhanças:
Sonsiginarios
55
e alem d'isso numerosas diíFerenças morphologicas, pois,
ao passo que o artigo mir. é l, o guadr. é ou, e nos
verbos ha pretéritos terminados no pi. em -ojw, comopunióne, labóne, saliÓ7ie.— Incidentemente se vê que o
guadramilês, se tem pontos de contacto com o mir.,
os tem também com o gallego (xO 7, ss <,^ J) e
com o asturo-leonês (j' < > //z), distinguindo-se d'estes
ao mesmo tempo.
Riodonor é a forma official ; Rionor a popular (mas
também ouvi popularmente a primeira); àquella corres-
ponde a medieval Riodoor, que provavelmente se pro-
nunciava em português RiodÔor. Como disse a cima,
metade da povoação é portuguesa, e a outra metade é
hespanhola. D'esta diz Madoz, Dicc. Geogr. de Espaiía,
XIII, 1849, denominar-se também Rionor, e dá-lhe na-
quella data apenas 12 vizinhos e 42 habitantes. O Rio-
donor português tem lá o nome de Riodonor-de-Baixo
;
o Riodonor hespanhol tem o de Riodonor-de-Ciína. Aslingoagens das duas localidades diíferem pouco entre si.
Aqui occupo-me só da da povoação portuguesa. Chamar-
Ihe-hei riodonorês, ou, mais brevemente, rtonorês. Veja-
mos também as relações que existem entre mirandês e
rionorês
:
a) Semelhanças;
Sonsoriginários
56
b) Dififerenças:
^7
vogaes nasaes, syncopa o -l-, ex.: moinho < moli-nu-, transforma o -n- em resonancia nasal, ex.: chão
< pi anu-, representa o Ê e 5 pelas simples vogaes
e, o, e não por o ou úo e íe, como o mirandês ; todavia
tem em commum com este e com o gallego vários phe-
nomenos phoneticos e morphologicos, ex.
:
Port.
de Ermisende
58
lego do Sul, diz-se em Castrorail mau amão», irmau
«irmão», com syncope do -n- das formas lat. manu-,g e r m a n u - . Com o mirandês tem em commum, por
exemplo, os pretéritos fortes em -o, por ex. : stobo, mir.
stubo; fe\o, mw. fiio; e certos phenomenos avulsos, por
ex.: mái, wia, jniii amuito» (em próclise). A lingoagem
de Castromil é pois fundamentalmente gallega.
De facto o gallego não está circumscrito á Galliza
actual. Ultrapassa-lhe os limites, ainda que ás vezes por
graus insensíveis. A historia do gallego pôde fazer-se a
começar da idade-média: ha já algumas palavras gal-
legas num documento em latim bárbaro do sec. viii,
publicado na Revista de Archivos, Bibliotecas j' Museos,
III, 685 sqq., se este documento é authentico, ou pelo
menos da epocha a que o attribuem'. Na Espana sa-
gi^ada, de Florez, acham-se também vários documentos
medievaes. Na Revista critica de historia f literatura,
II, 3o I sqq., publicou o Sr. D. A. Martínez Salazar umtexto do sec. xiii. Producçóes propriamente litterarias, a
começar da idade-média, abundam: alem do que se en-
contra nos Cancioneiros portugueses, temos as Cantigas
de Aífonso X (sec. xiii), a Estorea Troyana (princípios
do sec. XIV, que o Sr. André Salazar vae imprimir)^, as
poesias de Macias (sec. xv). Para o estudo do gallego
moderno ha igualmente numerosos elementos: textos e
estudos lexicologicos e grammaticaes. O Sr. D. A. Mar-
tínez Salazar, illustre director da Biblioteca gallega,
tem sido incansável na publicação de obras a respeito
da Galliza, e do gallego em especial; esta Biblioteca
1 Cf. Revue Hispanique, vi, 5i8.
2 A cerca d"este texto publicou em 1898 na Coruna uns Apuntes
gramaticales o Sr. R. Rodríguez: trabalho, em verdade, imperfei-
tíssimo.— O Sr. J. Cornu publicará brevemente num volume con-
sagrado ao philologo italiano Ascoli, e collaborado por diversos
especialistas, uns extractos da Estorea; em Julho de 1900 vi eu emPraga, em casa do Sr. Cornu, as provas typographicas do trabalho.
5q
conta ja 40 e tantos volumes, parte dos quaes escritos
em gallego. A par d'esta Biblioteca muitos trabalhos
avulsos se tem publicado, litteratura amena, jornaes, etc.
Como trabalhos grammaticaes posso citar, entre outros,
El habla gallega, de Cuveiro Pinol, Barcelona 1876,
2.* ed., e a Gramática gallega, de Saco Arce, Lugo
1868, que, se pécca em parte pelas doutrinas philolo-
gicas, encerra comtudo excellentes materiaes e observa-
ções. O Sr. Francesco d"Ovidio, professor da Univer-
sidade de Nápoles, publicou um extracto d"esta gram-
matica no vol. 11 dos Manueletti d'introdii\ione agli
stiidj neolatini, Insola 1881, pp. 5o, sqq. Como diccio-
narios temos: o de Javier Rodriguez, Coruna i863'^
o de Cuveiro Pinol, Barcelona 1S76; e o, superior a
todos, deValladares y Nunez, Santiago 1884, cuja posse
devo á amabilidade do seu auctor. Um livro bastante
curioso é A gaita gallega tocada por o gaiteiro, Ponte-
vedra i853, 2.* ed.^ A Liga Gallega publicou em 1898
na Coruna um Catálogo de obras escritas eu gallego,
onde o leitor encontrará indicação de tudo o que sobre
o assunto viu a luz até áquella data: poesia, theatro,
prosa, jornaes. Em virtude da bondade de que tem
usado para comigo os escriptores gallegos, sobretudo
os Srs. Martínez Salazar, Galo Salinas, Carré Aldao,
e Garcia Ferreiro, possuo na minha livraria particular
grande numero de trabalhos litterarios gallegos.—Opouco que conheço do idioma gallego tenho-o adqui-
rido pela leitura, pois ainda me não foi possível ir á
Galliza; apenas uma ou outra vez tenho observ-ado a
pronúncia de gallegos vindos para Portugal.— Entre o
mirandês e o gallego ha muitas das semelhanças que
existem entre o mirandês e o português, como: represen-
1 Creio que raro. Comprei um exemplar em Madrid em 1899.
2 Muito raro. Adquiri um exemplar em Madrid em 1899. Apesar
de ser livro pequeno, e em 2.' edição, custou-me 4 duros.
6o
tacão do ditongo lat. av pelo ditongo ou, com ou semmodificação do o; a(v)i > ei, pl-, cl- e fl- represen-
tados por eh-; e também ha diíferenças análogas ás que
citei a cima, p. 5i, entre estes dois últimos idiomas. Aopasso que o mirandês tem f e j, o gallego representa
estes dois sons por s o. x, o que constitue distincçáo
muito característica. Na morphologia as semelhanças
e as divergências correm parallelas: nos pretéritos -o,
ex. : mir. pujo, gall. puxo; -si- no mir., e -eh- no gall.,
ex. : mir. puniste, gall. pufieehe ou puxeche.
Por motivo da extensão e constituição geographica
da Galliza, o gallego offerece ao observador numerosas
variedades. Já Saco Arce assignalou algumas na Gram-matica gallega, pp. 23 1-232, em capitulo especial, inti-
tulado «Subdialectos dei gallego», e no decurso d'ella,
por exemplo, pp. 32, 76. Uma das diíferenças mais im-
portantes entre o Norte e o Sul consiste no modo de
tratar o -N-: maíian no gall. septentrional, ttiaíiá no
meridional ; eans no primeiro, eas no segundo. A cima,
quando fallei de Castromil, cuja falia se relaciona como sub-dialecto meridional, vimos mau < m a n u -
,que
pertence á mesma categoria.
Na província de Leão ha um território bastante ex-
tenso, circumdado de serras, que o separam do resto
da província e das Astúrias e Galliza, chamado o Bierzo
ou Vierzo, dividido em Bierzo-Alto, e Bierzo-Bajo \ ahi
também se falia um sub-dialecto gallego,— o bereiajio.
Os meus textos para o conhecimento d''esta lingoagem
são os Ensayos poéticos en dialecto berciano, de Fer-
nandez y Morales, com uma introducção de Cubí ySoler, Leon 1861; não sei até que ponto elles repre-
sentam, como se diz a p. 5, o baixo-berciano, porque
seu auctor, comquanto educado no Bierzo, é natural
de Astorga'. Ahi acho com effeito phenomenos contra-
I Vid. a Introducção, p. 7.
bi
dictorios, por exemplo, a manutenção de -l- em maio,
solo, volar, e syncope em doer, jieito. Como diz Fer-
nandez y Morales, o berciano «se castellaniza á me-
dida que los pueblos dei país se van acercando
á Castilla, ó se galleguiza completamente segun que
sus opuestos confines van tocando la Galicia»'. Neste
sub-dialecto, se ha phenomenos que são inteiramente
gallegos, ou galleco-asturianos, como -che na 2.^ pess.
do pretérito, che < > port. te, e, em commum com o
português e até certo ponto com o mirandês, os diton-
gos ei, ou, ha outros que são mais asturianos, como a
frequência do deminutivo -in, por ex. : pobrin, a syn-
cope do -d- secundário, isto é, proveniente do lat. -t-,
ex. : láo, contáo, phenomeno que também é normal no
castelhano ordinário e no andaluz. Phenomenos bercia-
nos curiosos são estes: peis, pi. de pé, < lat. pe(d)es;
teis < lat. te (n i i s ; condiciois < lat. c o n d i c i o (n) e s
,
jnaldiciois <lat. maledictiofn)es, ra:{ois,— ao passo
que no sing. se tem -ón'^. Em berciano a i.^pess. sing.
acaba muitas vezes em -ein, tanto no pretérito, comono futuro, por ex.: faréin «farei», pagaréin «pagarei»,
aiopéin «atopei», brinquéin «brinquei». O gallego não
é inteiramente estranho a este phenomeno, porque Sar-
miento escriptor, gallego do sec. xvni, empregava comfrequência as terminações -ein e -eim na i.'^ pessoa:
paseim, direim, cheguein, verein'^; no gallego moderno
é corrente estiven, andiven, e mesmo se acha falm,
gardín, etc.
1 P. 4-
2 Estes pluraes bercianos correspondem de algum modo aos
catalães : pi. excursions, sing. excursió. Tanto em catalão comoem berciano elles dependem das leis phoneticas. Em catalão é de
regra cair o n final depois de vogal (por isso excursió)', mas o
n mantem-se antes de s (por isso excursions). Em berciano os
phenomenos passam-se de outra maneira: n intervocalico cae
(por isso ra^ois)^ n tornado final fica (por isso ra^ón).
3 Vid. Saco Arce, Gramática gallega, pp. 77 e 1 77.
62
Outra localidade, fora de Galliza, e de Leão, onde
se encontram particularidades gallegas é Boal, no par-
tido de Castropol, nas Astúrias Occidentaes. Conheço
alguns factos da lingoagem d'esta localidade pelo livro
de B. Acevedo, Boalf su concejo, Oviedo 1898. Diz o
A. : «Tiene el lenguaje de este concejo participación en
el carácter de los dialectos de Galicia y de la Asturia
Oriental» (pp. 57-58). Em confirmação disto encontro
ahi effectivamente : ovejias «ovelhas», llugar «lugar»,
77iias (como em mir. w/es), meu, Antoniii, Xiián.
Pouco mais ou menos nas mesmas circumstancias
está a lingoagem de Franco, perto do mar, também no
Occidente das Astúrias. Para o estudo d'ella sirvo-me
do livro de Fernandez y Fernandez, El Franco y su
concejo, Luarca 1898. Phenomenos análogos aos galle-
gos são, por exemplo, a terminação -eira, também port.
e mir., o ditongo ou; phenomenos do asturo-leonês são
o //-, por /- (também mir.), ex. : em lluar, lleíia, e -j'-
por -//-, ex. : em muyer < lat. muliere-, ayéu <lat. a 1 i en U-.
Noutros pontos das Astúrias a lingoagem muda, como
é natural. Quando estive em Madrid em 1899, tive occa-
sião de fallar com um asturiano', e de observar muitos
phenomenos phoneticos e morphologicos da lingoagem
do concelho de Nabia, que fica ao Occidente de Franco,
também perto do mar. Para o meu fim, poucos factos
importa citar aqui: õ ditonga-se em uo, excepto antes
de nasal: nuosu^, nuobo, nuobu (mas fofiíe, ponte)^ phe-
nomeno que é o protótypo do que se observa em miran-
dês, onde ha ih (o) ; a o- atono corresponde ou-, como
em mir. oumano, oubeya, oureya ; um dos phenomenos
1 O Sr. D. António Graino, da Livraria de D.Victoriano Suarez,
Calle de Preciados.
2 Não posso deixar de seguir a orthographia hespanhola : por
isso s corresponde aqui a 55 em português ; escrevo -m em vez
de -o, etc.
63
phoneticos mais interessantes d"esta lingoagem, já no-
tado pelo Sr. Munthe no seu estudo sobre o asturiano
occidentaP, é a correspondência da africata ts- a l- e
-LL-, ex. : tsoiigu < 1 o c u - , tsargii < 1 a r g u - , tsobu
< lupu-, etsã < illa-, batsena < ballaena-, afri-
cata que, segundo tive occasião de verificar na Catalu-
nlia, corresponde como surda á africata sonora d\ do
cat. dot\e, treine, sel^e, cujo t aqui soa d {dod\e, etc).
E-me impossivel indicar todas as variedades do as-
turiano; nem isso importa ao fim que tenho em mira. Aproporção que se caminha para Occidente apparecem
novos phenomenos. Na lingoagem de Lena, estudada
num bem elaborado opúsculo pelo Sr. D. Ramón Me-
néndez Pidal^ encontra-se um facto,— a syncope do -g-
secundario, isto é, proveniente de -c-, depois do ditongo
iií, ex.: chiiiu < lo cu-, fiiíii < focu-,— que faz lem-
brar o que, como vimos a p. 07, se observa em sen-
dinês, ex.: dia < dica-. No asturiano oriental ha
phenomenos verdadeiramente notáveis, como estes de
Llanes e Parres, citados no Vocabulário bable de Rato
de Arguelles, p. v: jijo < filiu-, jacer < facere-.No seu conjuncto o astur. otferece certas semelhanças
com o mirandês: //- < l-; eh- < fl-, cl-, pl-; o ditongo
ou : -u, etc. ; mas ha em asturiano phenomenos que não
se observam em mirandês, como a syncope do -d- se-
cundário, a correspondência de j' a / palatal, a de .y
ay, etc.
Para se encerrar esta digressão linguistica, resta fazer
uma referencia ao leonês, pelo qual chegamos outra vez
a tocar a Terra-de-Miranda. O reino de Leão, que no
sec. XIII foi encorporado definitivamente no de Castella,
era a princípio muito extenso: no seu último estado cor-
1 Anteckningar, etc, Upsala, p. 1887, Z 35.—Vid. na Revista
Lusitana, i, 278, uma desenvolvida notícia bibliographica deste
opúsculo feita pelo Sr. Gonçalves Vianna.
2 Notas sobre el bable hablado en el concejo de Lena, Gijón 1899.
64
respondia pouco mais ou menos, indo-se de N. para S.,
ás modernas províncias de León, Palencia, Valladolid,
Zamora e Salamanca. Neste longo tracto de terra a lin-
goagem não pôde ser uniforme: «las palabras general-
mente son castellanas castizas; pêro no deja de haber
según los parages, algunas vocês exóticas y de origen
desconocido, cu3'o significado solo se comprende en
ciertos distritos; si a esto se anade el uso inmode-
rado que en algunos se hace de los diminutivos, la
estrana pronunciación de otros, y la variedad de acento
en todos, se sabrá sin sorpresa que á duras penas se
entienden entre si los habitantes de los estremos de la
província»'. Difficil cousa seria dizer em que consistia
o antigo leonês, e as dííferenças que havia entre elle
e o asturiano, mesmo tomando em conta os trabalhos
importantes que citei no vol. i, pp. 262 e 386, nota i.
Muitos phenomenos eram communs ás falias das duas
regiões, como r < > / palatal, o ditongo iio. E pena
que na Hespanha não se façam estudos desenvolvidos
sobre os modernos fallares d'estes sitios. No livro de
versos intitulado Qiierellas dei ciego de Robli^a, publi-
cado anonymamente por um professor da Universidade
salamanquina, que teve amabilidade de me oíferecer
um exemplar d'elle, por intermédio do Sr. D. Miguel
de Unamuno, quando estive em Salamanca em 1897,
representam-se alguns phenomenos da actual falia po-
pular d'aquella cidade, taes como: los sus hijos, com o
artigo a preceder o possessivo, como em hesp. antigo
e em mir. •, jui < lat. fui, com o assignalado pheno-
meno, de j <C f- Nas «Locuciones» e «Zamorismos»
que acompanham as Memorias históricas de la ciudad
de Zamora, iv, Madrid 1 882-1 883, encontro tambémel mi sombrero [O artigo a preceder o possessivo), e
os suff. -ico, -ica, tão usuaes em mirandês; ahi se en-
I Madoz, Diccionario geográfico de Espana, x, 1 5 1
.
65
contra íi- < n-, como em asturiano, mas não como emmirandês: por este lado o mirandês separa-se do astu-
rianò-leonês. Em Sa3"ago, e certamente no resto da pro-
víncia, e ainda noutros pontos vizinhos, usa-se o trata-
mento de j'ós, como em mirandês. O //- < l-, que,
como vimos no vol. i, pp. 261-263, apparece no astu-
rianò-Ieonês, aproxima delle a lingoagem de Miranda.
Destas comparações conclue-se que, se entre o miran-
dês e os idiomas seus vizinhos ha muitas diíFerenças,
ha também muitas semelhanças, contactos íntimos ; ha
casos em que se passa de uns para outros quasi insen-
sivelmente. Vê-se que a rede linguística do Noroeste da
Ibéria tem malhas inextricáveis. Foí-me preciso citar ao
mesmo tempo as semelhanças e as dííferenças, porque,
se citasse só aquellas, poderia parecer que as língoa-
gens constituíam uma única, e, se citasse só as dííferen-
ças, poderia parecer que as lingoagens eram no todo
radicalmente antitheticas. Poucos phenomenos haverá
no mirandês que não se descubram em idiomas vizi-
nhos. O mesmo succede em todas as lingoas românicas,
quer por causa da communídade da sua origem, quer
pelo parallelísmo das condições em que se desenvolvem:
assim o F- dá h em hespanhol e em gascão, ex.: fe-
mina > hemhra, hemne; ct- está representado por eh
no hesp. nueche, no prov. nuech; o mesmo grupo está
representado por it no port. friiito ( arch.j, no fr. friiit,
e ainda no prov. fruit ; o lat. íntegra- deu enteira
em provençal e em português; ca- no Norte da região
provençal pôde dar eh-, como em francês : o verbo
stare deu estar, tanto em provençal, como em portu-
guês; aequale deu egual nos mesmos dois idiomas;
luna deu Ihiina (Iluna) em catalão, em mirandês e emasturíanò-leonês ; bonu- tornou-se bo em catalão, emgallego e em português popular; longe tornou se luefíe
em hesp. (arch.), e lucuh em prov. ; gn tornou-se nh
(gn, fi) em português, italiano e hespanhol, ex. : lenha,
legna, leila < lígna; sum tornou-se sou em prov.,
66
som em port. (arch. e ainda pop.); -p- permanece emitaliano e romeno, deu -b- em port., hesp., prov., cat.
e sardo, e deu -p- em fr. e ladino. São factos muito
conhecidos. Não é preciso insistir mais nelles.— D'isto
pôde concluir-se que é verdadeira, em certo sentido, a
theoria do Sr. Paulo Mcj-er, segundo a qual, «aucun
groupe de dialectes, de quelque façon qu'il soit forme,
ne saurait constituer une famille naturelle, par la raison
que le dialecte iqui represente Tespèce) n'est lui-même
quune conception assez arbitraire de notre esprit
Cest que les phénomènes linguistiques que nous obser-
vons en un pays ne s"accordent point entre eux pour
couvrir la même superfície géographique. lis senche-
vêtrent et s'entrecoupent »'. Eífectivamente, raro
se encontrará numa lingoa um phenomeno que lhe seja
especial, e não se encontre, realmente ou em gérmen,
noutras da mesma familia. D ahi a difficuldade de defi-
nir, de modo absoluto, em que consiste uma lingoa, com
relação a outra semelhante.
Mas, como toda a gente tem consciência de que,
quando falia certa lingoa, falia essa determinada, e
não outra; como ninguém confunde, por exemplo, umtexto francês com um italiano; como existem no uso
geral não só a palavra lingoa, com a sua congénere
idioma, mas as palavras dialecto, co-dialecto, e ainda
sub-dialecto, etc: não é menos verdadeira a theoria do
Sr. Ascoli, de que o que separa um idioma de outro
não são os phenomenos característicos em si, mas a
contemporaneidade ou concorrência d"estes com outros
que são communs a idiomas com os quaes pôde haver
corrfusão: «il distintivo necessário dei determinato tipo
sta appunto nella simultânea presenza o nella particolar
combinazione di quei caratteri»-. Quando na falia de
' In Romania, iv, 294.
2 In Archivio glottologico italicino, 11, 38-.
^7
certo povo se encontram os phenomenos a -{- b -\- c -{-
í/ = A, que sempre apparecem relacionados uns com
os outros, diz-se que este povo se serve do idioma A
;
quando na falia de outro povo apparecem os pheno-
menos c -j- (^ + e -f ./ = B, sempre também rela-
cionados entre si, diz-se que este povo se serve do
idioma B; mas os idiomas A e B tem em commum,como se vê, os phenomenos c ~\- d, o que succede
nas lingoas que citei a cima, em relação aos factos
apontados. Não ha distincção absoluta nesses pheno-
menos e leis de A e B ; ha porém differença radical
entre A e B quanto ás circumstancias do apparecimento
àe a -[- b -j- c -\- d, pois de um lado estão sempre emrelação a -{- b -{- c -\- d, c do outro c -{- d -{- e -{-
f.
D'este modo, quando a -\- b -\- c -\- d se encontram
circumscritos em certa nacionalidade, em certa região,
em certo país, constituem a lingoa A d'esta nacionali-
dade, desta região, d'este país: o mesmo se pôde dizer
da lingoa B, constituída por c -{- d -\- e -^ f.
Suppondo que
a-\-b-\-c^d = K é o português,
c-[-<i + e-|-/' = B éo hespanhol,
a^b-\-e-\-f = Çj éo mirandês:
achamos que o mirandês tem a -\- b em commum com
o português, e e -{- / em commum com o hespanhol
;
apesar d'isso forma unidade linguistica, porque não só
a -\- b estão em desaccôrdo com o hespanhol, o. e -\- fem desaccôrdo com o português, mas porque a -n^ b ~\-
e -\- f apparecem sempre relacionados entre si. O mi-
randês mantém o l e n intervocalícos, como o hespa-
nhol, e neste caso é hespanhol ; transforma em certos
casos CE e ci em -:{e- e -:[i-, como o português, e neste
caso é português; mas diíferença-se do português e do
hespanhol em que, quando apparece o -i.- e o -n-, tam-
08
bem apparece o -{e- e o -:{{-, o que não acontece nemem hespanhol, nem em português. Se ouvirmos um indi-
viduo dizer avulsamente salir e raiia, sabemos que não
está fallando português, mas não podemos distinguir se
está fallando hespanhol, se mirandês; se o ouvirmos
dizer, também avulsamente, fazendo e re^ar, sabemos
que não está fallando hespanhol, mas não podemos
distinguir se está fallando português, se mirandês: to-
davia, se o ouvirmos dizer concomitantemente salii\
fa\endo, rana e re'{ar, ficamos conhecendo que a falia
de que se serve é a mirandesa, porque d'entre os três
idiomas, hespanhol, português, mirandês, é este o único
em que rc^ar e fazendo coincidem com salir e rana.
Sem dúvida, muitas differenças que existem entre o
mirandês e o hespanhol não apparecem quando ascen-
demos ao passado: o som f, que hoje caracteriza o mi-
randês a respeito do hespanhol moderno, onde só existe
s, existia em hespanhol antigo; palavras hespanholas
que hoje tem h inicial, proveniente de f- latino, o que
constitue outra distincção actual entre hespanhol e mi-
randês, tinham também / em antigo hespanhol; e
assim por deante, já fallando propriamente do caste-
lhano, já de outros dialectos hespanhoes. Mas d'aqui
não ha de inferir-se que o mirandês é hespanhol, porque
para isso tornava-se necessário demonstrar que coinci-
dências d'estas se davam em toda a linha ao mesmo
tempo, o que não pôde admittir-se, ou pelo menos não
pôde demonstrarse. Também, quando comparamos
entre si os outros fallares neo-latinos, achamos factos
parallelos: o francês archaico possuia, por exemplo, o
ditongo iii, que possue agora ainda o português, e
possuia a palatal explosiva sonora, que possue agora
ainda o italiano. Quanto mais antigos são os docu-
mentos que examinamos, tanto mais vizinhas nos appa-
recem do latim todas as lingoas da Romania. As diffe-
renças que se notam são pois sempre relativas, e não
absolutas.
6q
Pois que no mirandês ha phenomenos que ficam entre
os do português e os do hcspanhol, e pois que taes phe-
nomenos constituem a unidade linguistica C, procure-
mos agora saber se esta unidade Hnguistica é lingoa,
idioma, dialecto ou co-dialecto, pois que taes palavras
correspondem a outras tantas unidades linguisticas, e
de todas essas maneiras se tem chamado ao mirandês.
A palavra lingoa toma-se em accepçao geral e emaccepção particular. Em accepçao geral é qualquer ma-neira de fallar, e tem como synonima a palavra idioma,
que nesse sentido se presta menos a confusão que lin-
goa. Assim os Mirandeses dizem la nossa Ihcngoa, e
todos nós dizemos a ling;oa de IWo-ilio, a lingoa de
Barros, para significarmos a maneira de fallar dos povos
a que pertencem estes auctores. Resta pois considerar
a accepção particular, ou de lingoa propriamente dita.
Se a noção de unidade linsruistica resulta da con-
comitancia de certos phenomenos. a noção de lino;oa,
co-dialecto e dialecto resulta do número e importância
d'estes phenomenos, em opposição aos de uma unidade
linguistica vizinha.
Um phenomeno linguistico é tanto mais importante
quanto fôr mais raro e mais amplo: por exemplo, a
s3-ncope do l intervocalico é phenomeno raro em ro-
manço, porque entre todas as lingoas românicas de
certa importância é a portuguesa a única em que elle
se observa ; e é phenomeno amplo, porque não lhe
conheço realmente excepção nenhuma': por tanto essa
I Nas lingoas românicas ha duas classes especiaes e principaes
de vocábulos:— os de origem estrictamente popular, que datamdo tempo dos Romanos ; e os que foram introduzidos posterior-
mente, por intermédio da litteratura. Claro está que só entro aqui
em consideração com os da natureza da primeira; entre os da se-
gunda espécie ha muitos em que o l se mantém. Só os primeiros
estão sujeitos á lei apontada. Por ex. : dor, door < dolore-, doer
< dolere, doente < dolente- são palavras de origem popu-lar ; doloroso, dolenie são palavras de origem litteraria. Quando
70
S3'ncope constitue phcnomeno importante. Quanto maior
for o número e importância dos phenomenos que for-
mam uma unidade linguistica, tanto mais razão haverá
para que ella represente uma lingoa propriamente dita.
O hespanhol é lingoa, porque ha nelle muitos pheno-
menos raros, como são, por ex.: //- proveniente de
PL- e CL-, eh proveniente de ct, manutenção de -n- e
-L-, valor do j Q áo \; Q. todos estes phenomenos são
amplos: contém pois muitos phenomenos importantes.
Comprehende-se, porém, que para avaliar a importância
de um phenomeno linguistico variem os critérios, e que
o que baste a uns philologos para elles chamarem lin-
goa a certa unidade linguistica não baste a outros. Eisso dá-se effectivamente. As dúvidas cessam no en-
tanto, em casos, como o do português e o do hespa-
nhol, porque, alem de o número e importância dos seus
respectivos phenomenos característicos serem grandes,
cada uma d'essas lingoagens serve de órgão a uma litte-.
ratura rica, e a uma nação autónoma.—Também se
chama lingoa a uma unidade linguistica, quando esta
se encontra completamente insulada, sem parentesco
algum conhecido com outras, como o vasconço (lingoa
viva) e o etrusco (lingoa morta).
A palavra dialecto toma-se igualmente em várias
accepções: umas vezes significa a particularidade local
de uma lingoa nacional, como o andaluz a respeito do
hespanhol ou castelhano; outras vezes a resultante da
transformação de uma lingoa, como o português a res-
peito do latim, o indo-português de Ceilão, o macaista,
e os crioulos de Africa, a respeito do português conti-
nental ; outras vezes uma lingoa irmã e vizinha de outra
que, por circumstancias politicas, etc, se tem como prin-
em glottologia se falia de uma lei, sem mais explicação alguma,
entende-se que se trata de factos da natureza dos da primeira
serie.— Cf. sobre o assunto o vol. i d'estes Estudos, pp. 3io-3i2.
—
Tudo isto são factos elementarissimos em glottologia.
71
cipal, por exemplo, o picardo a respeito do francês. Emqualquer destes casos a noção de dialecto resulta da
comparação com uma lingoa mais nobre a que está su-
bordinado, e da qual diílere mais ou menos. Se differe
pouco, o dialecto é pouco notável, se ditíere muito, é
muito caracterizado, e então aproxima-se de lingoa, no
sentido que expus a cima. Também neste caso o critério
da delimitação varia. Pôde auxiliá-lo a consideração da
ideia da litteratura, do povo ou da região: os franceses
chamam patois ao dialecto inculto, isto é, sem littera-
tura, e chamam dialecto propriamente dito ao dialecto
litterario; na Grécia os dialectos dórica e eólico, por
exemplo, denominavam-se assim em virtude dos nomes
dos povos que os usavam; na Itália o dialecto calabrês
tira o seu nome da Calábria, onde domina. Tanto o cri-
tério da delimitação varia que, como vimos a cima, ha
philologos que são levados a não admittirem a existência
de dialectos, e a considerarem apenas os phenomenos
avulsamente, porque numa área. cuja lingoagem se con-
vencionou chamar dialecto, podem existir phenom.enos
de outra, que está nas mesmas circumstancias. Em todo
o caso a noção de dialecto é commoda, para nos enten-
dermos melhor, e corresponde á realidade dos factos,
no sentido da concomitância destes.
Muitas vezes num dialecto ha peculiaridades que
constituem unidades linguisticas de terceira e quarta
ordem: são os sub-dialectoí^ e as variedades. A lingoa-
gem do Baixo Minho, com o seu diir por ai, o seu ê,
etc, representa um sub-dialecto no conjuncto das falias
de Entre-Douro-e-Minho. as quaes denomino, segundo
uma antiga nomenclatura, dialecto interamnense ; e a
lingoagem do Porto, com o seu s Tou ç) especial, repre-
senta uma variedade neste sub-dialecto: de facto, tanto
o áiir, como o e, como o s ou ç, são phenomenos im-
portantes (isto é, raros e amplosi.
O mirandês será lingoa, na accepção especial, ou
será dialecto? No sentido de lingoa insulada, já se vê
72
que não, porque está aparentado, de um lado com o astu-
rianò-leonés, do outro com o galleco-português. Comonão é instrumento de uma litteratura propriamente dita,
pois o que nelle se tem escrito, e só ha pouco tempo,
não passa de mera curiosidade philologica; e como não
é órgão de uma nação, mas só de um povo circum-
scrito numa limitada zona geographica, a Tcrra-de-
Mirajidj: pôde também por este lado não merecer o
nome de lingoa, embora, se os seus phenomenos fossem
extremamente importantes, a consideração da ideia de
litteratura e de nação nada valesse, como acontece ao
vasconço, que é lingoa, e de nenhum modo dialecto. Nomeu opúsculo Flores mirandesas, publicado em 1884,
disse eu a p. 29: «o mirandês é uma lingoa fundamen-
talmente diversa das outras lingoas peninsulares». Coma 'Ç)a\axY3. fundamentalmente eu quis significar essencial-
mente, isto é, que o mirandês tinha phenomenos que
lhe davam independência a respeito d'aquellas lingoas;
e esses havemos nós visto que os tem. Comtudo, pois
que a muitas pessoas este nome de lingoa pareceria
ambicioso de mais, e pois que o mirandês, ao lado
de phenomenos que contrastam com os do português,
contém outros que são característicos da nossa lingoa,
por exemplo, as nasaes, o valor de / e :-, adoptei em1886, no opúsculo Lingoas raianas de Tras-os-Montes,
publicado pois posteriormente ás Florões mirandesas, a
designação de co-dialecto português, para definir o mi-
randês. No primeiro opúsculo que publiquei sobre elle,
isto é, n-0 Dialecto Mirandês (1882), eu tinha-lhe cha-
mado dialecto, mas em relação ao latim, e pouco mais
ou menos no sentido de co-dialecto, como digo ibidem,
pp. SS-Sg. A questão de nome não faz muito ao caso
para a comprehensao histórica do mirandês; no entanto,
co-dialecto é porventura a melhor das designações.
Com a expressão co-dialecto português quero signifi-
car que a unidade linguistica chamada tnirandês goza
de certa independência glottologica, a bastante para que
73
ella occupe lugar entre as falias de Hespanha e as de
Portugal, e não seja mero dialecto nem do português,
nem do hespanhol, mas que ao mesmo tempo, em vir-
tude principalmente de causas de ordem geographica e
sociológica, está mais subordinada á lingoa nacional de
Portugal, do que á de Hespanha.
Só quem conhece as falias todas de um país é que
pôde comprehender bem a essência de uma classifi-
cação como esta. Para mim, que conheço sufficien-
temente, na sua grammatica, as falias de Portugal,
desde a foz do Minho até á do Guadiana, desde o
recanto de Miranda do Douro até o Cabo de S. Vi-
cente, a noção de co-dialecto, attribuida ao mirandês,
é clara. Não lhe posso chamar dialecto (a não ser emrelação ao latim, como, segundo disse a cima, tam-
bém lhe tenho chamado), porque cm tal caso ficavam
sem nome conveniente as particularidades de lingoa-
gem do resto do país, as quaes estão incomparavel-
mente em mais íntimas relações com o português nor-
mal, do que o mirandês, apesar de não se poderem
chamar siib-dialectos, porque nessas mesmas particula-
ridades ou dialectos ha sub-dialectos.
Sem me preoccupar muito com a nomenclatura, o
que desejo frisar é o seguinte : o mirandês não é va-
riante do português, porque encerra bastantes pheno-
menos em contraste com os d'este, e muitos mais do
que os que bastam para se delimitar um dialecto portu-
guês; e, não obstante ter alguns vocábulos muito próxi-
mos de antigos vocábulos portugueses, não é de modoalgum uma forma archaica do português, porque de
muitos factos característicos mirandeses, como Ihiina,
:{{noIho, anielho, tenhir, não podiam vir as palavras port.
lua (ou líia), joelho (ou geolho), anel, tingir, que obe-
decem a outras leis, e tiveram pois outras evoluções.
—
Logo o mirandês não é propriamente português. Pelas
razões expostas a cima, é idioma sui generis, muito vizi-
nho d"este, e pôde considerar-se seu co-dialecto.
4
Pessoas ha a quem custará acceitar a palavra dialecto
applicada a factos portugueses, sendo sabido, como é,
que um aldeão do Alto-Minho entende, á parte algumas
expressões, a lingoagem de um aldeão do Algarve. Essas
pessoas suppoem que, para haver dialectos, é necessário
que as particularidades que os constituem sejam muitas,
que os indivíduos que vivem numa zona geographica não
entendam os que vivem noutras. Mas não devem pensar
assim, já porque a palavra dialecto se tem applicado his-
toricamente a fallares pouco diversos uns dos outros,
como são, por exemplo, os dialectos gregos (e foi até
dos Gregos que veiu para nós, por intermédio do latim,
a palavra e a noção de dialecto = òtá/£/,Tc;!), Já porque
o que importa não é propriamente o nome, mas sim a
cousa em si mesma. Ora a cousa em si mesma é esta:
—
em Portugal ha certas particularidades locaes de lingoa-
gem, que podem chamar-se dialectos^; ha outras menosextensas, que podem chamar-se sub-dialectos-; ha outras
ainda menos, que podem chamar-se variedades^ ; e ha
finalmente idiomas que não cabem nestas categorias, e
que por isso devem receber o nome de co-dialectos, se
se prefere este termo ao de lingoas. Entre os últimos
conto o mirandês^.
Quando a cima comparei o mirandês com os idiomas
vizinhos, não procedi com ordem rigorosa, como se exi-
giria numa grammatica histórica ou comparada, mascitei os factos mais ou menos ao acaso, embora esco-
1 São as falias: de Entre-Douro-e-Minho [dialecto interam-
nense)\ deTras-os-Montes {dialecto trasinontano, que poderá com-prehender certas falias raianas do reino de Hespanha); do prin-
cipado da Beira {dialecto beirão); e do Sul [dialecto meridional,
que comprehende também a lingoa de Olivença).
2 Por exemplo o algarvio, ou falia do reino do Algarve.
-^ Por exemplo, como vimos a cima, a lingoagem do Porto.
4 Os outros co-dialectos portugueses, dentro de Portugal, são
:
o rionorês e o guadramilês, de que fallei a p. 52 sqq. Fora de Por-
tugal é de modo geral o gallego.
75
Ihendo de ordinário os mais expressivos, e não evitei
mesmo continuadas repetições;
quis assim deixar no
animo dos leitores incutida melhor a noção do paren-
tesco que une esses diversos idiomas entre si, e que
faz que ao primeiro exame seja difficil descriminar o
dominio de uns do domínio dos outros. Os idiomas
do Noroeste da Ibéria offerecem á primeira vista o
aspecto de uma campina coberta de flores variegadas,
e ao mesmo tempo tão parecidas, que quem preten-
desse formar com ellas ramalhetes uniformes se veria
embaraçado ao principio na colheita. E comtudo a umacampina análoga o botânico vae, e delimita o que per-
tence a diversos géneros naturaes. Assim também a
respeito das lingoas procede o philologo.
Na excursão dialectologica que os leitores e eu fize-
mos por aquella extensa zona territorial, achámos que
o mirandês estabelece transição do português e gallego
para o asturianò-leonès. Incidentemente vimos que, se
o rionorês e o guadramilês estão nas mesmas circum-
stancias que o mirandês, tem comtudo phenomenos que
os aproximam muito do gallego ; e vimos finalmente que
ha uma serie de idiomas secundários entre o gallego e
o português, de uma parte, e o asturianò-leonês, da
outra, ora mais vizinhos, ora mais afastados dos idio-
mas principaes. O que tudo sobresae mais claro no
seguinte eschema:
>C/5
HO 70
H • >n - c MIRANDÊS 2.
> f ^ rr, Rionorês bl
^ 5 = y- ^ O^ -
F- ^. 2
^ Guadramilês '-)<*
d* A
; I
Berciano, Franco, Boal Xabia, ele.
76
O latim fallado pelos Romanos no Noroeste da Ibéria
experimentou ahi certo numero de modificações, a prin-
cipio ténues, mas que augmentaram com o andar dos
tempos: essas mudanças foram, num lugar as que pos-
teriormente constituíram o galleco-portugiiês ; noutro as
que posteriormente constituíram o rionorês-guadrajni-
lês; noutro as que constituíram o mirandês; noutro as
que constituíram o astiirianò-leonés. Caminhando mais,
encontraríamos as que constituíram o castelhano, o ca-
talão, o gascão, o provençal, os idiomas do Norte da
França, etc. Achamos assim dcsenvolvendo-se paralle-
lamente aos outros fallares da Romania, e em particular
aos outros do Noroeste ibérico, os fallares cujo conjuncto
hoje se chama mirandês. O mirandês não é lingoa mixta
de português e de hespanhol', mas idioma intermédio,
que se constituiu de per si só, desde a época romana até
hoje, no território a que pertence. Nem pela sua gram-
matica, nem pela historia da sua região se comprehende
que pudesse ser lingoa mixta. Em toda a Romania pul-
lulam idiomas intermédios como este: o valdense liga o
' A algumas pessoas alheias aos estudos glottologicos assim
o tenho ouvido dizer. Quando se compara, por exemplo, o mir.
iíerra, cenar, delor, tnclones, podo, quejiste, bengo, iba, com as
palavras hespanholas que correspondem a estas ; ou quando se
compara o mir. outro, nií, prumeiro, ne, sõií, fala com as res-
pectivas palavras portuguesas, quer da lingoa litteraria, quer da
lingoa popular: pode effectivamente ser-se levado a fazer tal sup-
posição; ella porém carece de fundamento, como vimos nos §§ da
Grammatica, onde deduzi as leis a que obedecem as referidas ou
semelhantes palavras. Em todas as lingoas da mesma familia ha
phenomenos iguaes entre si ou parecidos, embora numas mais do
que noutras: se é por em mirandês se dizer tengo e viíel que se
classificaria como hespanhol, também como italiano se poderia
classificar, pois que nesta lingoa se diz tengo e miele; e se é por
em mirandês haver abeilha e hei (em hei-de) que seria português,
também se poderia dizer que era provençal, porque nesta lingoa
ha parallelamente abelha e ei ou ey. Mas não vale a pena repetir
aqui as considerações que já fiz supra, pp. 65 e 66.
77
provençal ao piemontês; o l3^onense liga o franco-pro-
vençal ao francês; o franco-provençal liga entre si, comoo seu nome indica, os dois grandes idiomas românicos
da França ; o gascão tem phenomenos que como que
estabelecem transição do provençal para o hespanhol.
Natura nonfacit saltiis.— Para avaliarmos mais profun-
damente as relações de parentesco que existem entre o
mirandês e os idiomas seus vizinhos, tanto de lá, comode cá da fronteira, devemos transportar-nos pelo pensa-
mento aos primórdios da idade-média, em que não havia
ainda Portugal propriamente dito, e em que as diver-
sas comarcas do Noroeste da Ibéria estavam entre si
em idênticas circumstancias sociaes, a que a criação do
reino de Leão, nos principies do sec. x, deu ainda maior
cohesão e uniformidade, pois chegou a conglobá-las.
PARTE IV
CAMONIANA MIRANDESA
ADVERTÊNCIA
Traduzir é sempre difficil. Lá dizem os italianos: tra-
duttore, traditore. . . Na traducção, de mais a mais, de
uma obra poética, do valor dos Lusíadas, e das outras
do nosso épico, e para uma lingoa meramente popular,
sem nenhumas tradições litterarias, como a mirandesa,
a difficuldade augmenta, porque ao trabalho de inter-
pretar com fidelidade o pensamento do poeta, e de não
destruir totalmente a forma artística, — tanto quanto
isso se pôde conseguir em prosa, poisque foi em prosa
que fiz quasi todas as minhas versões — , accresce o de
representar com os acanhados recursos do vocabulário
e da phraseologia vulgares o que está expresso com
sublimidade num idioma de si opulento, e alem d'isso
enriquecido e cultivado, com labor incessante, por várias
gerações de escriptores,— qual era Já o português no
tempo de Camões.
Abalancei-me, porém, a esta empresa árdua, porque,
como o mirandês está destinado a desapparecer, mais
tarde ou mais cedo, segundo a terrível sorte que per-
82
segue os idiomas que vivem nas condições d^elle, pre-
tendi, á sombra de Camões, torná-lo lembrado dos vin-
douros, dotando-o com uma obra que, embora de pobre
execução, tem comtudo necessariamente de ser compul-
sada por todos os que se occuparem do nosso épico.
Sem dúvida um individuo natural daTerra-de-Miranda
achava-se para isso em melhores condições do que eu,
que não sou mirandês, e apenas me interesso por este
idioma, como me interesso por tudo o que se refere
á glottologia e ethnologia nacionaes; mas, como antes
de que me lembrasse de realizar uma traducção desta
espécie, ninguém, que eu saiba, se havia lembrado de
tal', resolvi-me eu a metter mãos á obra.
Podia ter escolhido, em verdade, outras obras mais
fáceis de traduzir, e que, pelo seu mérito, pudessem
também contribuir para perpetuar a memoria do miran-
dês. Decidi-me no emtanto pelas de Camões, porque
isso me agradou mais, — íi~ahit sua qiiemque voliiptas—
,
e porque, quando primeiro pensei no caso, andavam um
pouco em moda as traducções camonianas: e quem vae
com a moda, é do seu tempo. .
.
Os trechos que traduzi pertencem a todas as classes
das obras de Camões, ás da poesia e ás da prosa:
I. Género lyrico;
II. Género épico;
III. Género dramático;
IV. Cartas.
1 A Camoniana mirandesa está anunciada desde 1884: vid. Flo-
res miranãesas, p. 3o. Nesse opúsculo publiquei já, a pp. 19 e 20,
a traducção metrificada de duas estancias dos Lusiadas.
83
No género Ivrico escolhi algumas das poesias mais lidas
e estimadas em Camões, como o soneto da Ah72a minha
e as Endechas a Barbara, e outras que não oífereciam
grande embaraço na traducção. No género épico escolhi,
alem da proposição e de várias estancias sentenciosas,
duas séries : episódios, como o acto heróico de Egas
Monis, a morte de D. Inês, a batalha de Aljubarrota
e a aventura de Velloso; e estancias que constituem
outros tantos traços autobiographicos do poeta. No gé-
nero dramático escolhi trechos interessantes de El-rei
Seleitco e do Filodemo. Nas cartas escolhi a primeira.
As referencias bibliographicas são feitas á edição que
das Obras de Liiis de Camões deu em seis volumes, im-
pressos em Lisboa, de 1860 a 1869, o fallecido Visconde
de Juromenha.
I
GÉNERO LYRICO
(EXCERPTOS)
(Vol. II, p. lo)
Tu q' eras la mie alma, i me fugiste
Tá cedo, d' este mundo desgustq/a,
Bibe síempre ne cíelo, ah branca rq/a!
I yõu qued' acá na tíerra siempre triste.
S' alhá, nesse Ihugar donde chubiste,
Pode chegar d' la bida delorq/h
On' alhembrança, Ihembra-te piadq/a
De 1 puro amor que nes mius olhos biste.
I s' antendires que podrá mercer-te
Algo este miu delor que me quedou
Po la grande desgracia de perder-te,
Pid' a Dius, que Is tõus anhos ancurtõu.
Que me Ihíebe d' acá tã brebe a ber-te
Cumo él de pie de mi f a ti Ihebõu.
88
II
(Vol. IV, p. 59)
Quíero que me roubeis V alma, i quanto
yõu tubír, cú tanto que me deixeis Is
olhos pra bos ber.
Nú tengo nada que nú séía bosso; despuis de me
tirar la bida, tirai-me tamíe la morte; s' inda tengo algo
que perder, quiero que me Ihebeis, cii tanto que me
deixeis Is olhos pra bos ber.
8q
III
(Vol. IV, p. 6ij
Pus Is mius olhos nuna funga, i atirei ú tiro
co' eilhes a las grades d' úria janela.
Una lidalga, por maldade, pegou nes olhos na mano, i
atirõu-m' una pedrada co" eilhes a 1 coraçõú. Apuis mirei
par" eilha, armei la mie funga, acertei-le na janela, i
bumba! cobrei-la.
qo
IV
(Vol. IV, p. 73)
Hái ú bie que chega i fuge,
I chama-se este bie tal
:
«Tener bie pa sentir mal».
Quíé bebiu síempre nú ser,
Indasque séia a pobreza,
Nú biu 1 bié de la riqueza,
Ni 1 mal de s' ampobrecer
;
El nú ganhou pa perder,
Mas ganhou cú bida eigual
Nú t'ner bíé, ní sentir mal.
01
(Vol. IV, p. -b)
Ls bonos bi-los siempre passar ne mundo grandes
tremíentos; i, para más me spantar, bi síempre ls maios
nadar nú mar de cuntentamíentos.
Cuidando alcançar assi 1 bié, tã mal õurdenado, fui
maio, mas fui castigado. De modo que solo para mi
anda 1 mundo cuncertado.
VI
(Vol. IV, p. 79)
Perdigoú perdiu Ia pruma,
NQ hái mal que le nu benga.
L perdigoú, que pu/b 1 pensamíento nú Ihugar múi
alto, perde las prumas cú tanto bolar, mas ganha la
pena de 1 tremiento': yá nú tê alas para se tener nel
aire, nT nel bíento: nú hái mal que le nú benga.
Quijo bolar par' úna torre múi alta, mas achõu-sc
de/alado, i, quando se biu assi deprumado, morriu cú
muito delor... él ampeçab' a queixar-se: quanto más
se queixaba, él más se sentie, i nú hái mal que le nú
benga.
I No texto português ha um trocadilho entre penna e pena, que
o mirandês não pôde reproduzir, pois á penna corresponde aqui,
como vemos, «pruma».
(p
VII
(Vol. IV, p. 85)
Inda nú podo coincer
Este grande de/arranjo:
Que bós, sinhora, sendo anjo,
L Diabro bos querga tanto. .
.
Bíé beio que dais sinal
De la mie muita firmeza.
Porque Is Diabros quíere mal
A Is anjos por natureza.
94
VIII
(Vol. IV, p. I lo)
SI bentura ye por de más. .
.
L trabalh" unrado trai síempre frúito cú gusto; mas
Is trabalhos d' aqueilhcs que nú tenf bentura bale pouco
i custa muito. L trabalho cuntino quebra tódalas pie-
dras duras, i fai Is ornes eimortales. Mas qrer achar la
bentura, sT bentura, ye por de más.
9^
IX
( Vol. IV, p. 1 18)
Aqueilha cautiba
Que me té cautibo,
Porque neilha bibo.
Yá nú quíer que biba.
Yõu nunca bi rq/a
Nú ramo purfeito,
Q" assi pa 1 miu peito
Fusse más fromq/a.
Ni ne campo flores,
NI streilhas ne cíelo . .
Nad' acho tã belo
Cumo Is mius amores.
Rostro d" ancantar,
Olhos sossegados,
Negros i cansados.
Mas nó de matar.
96
Una grada biba
Que neilhes le mora,
Par" eilha ser sinhora
De quíé ye cõutiba . . .
Tá negro 1 sou pelo . .
Ni 1 pobo eignorante
Yá diç arrogante
Que 1 louro q" ve belol
Negrura d' amor
A doce figurai
La niebe le jura
Trocar Ia quelor.
A quié neilha bíra
Mansidõú tamanha
Bié parcíra stranha,
Braba' nú parcíra.
Sumbrante animado,
Que 1 delor amansa:
Neilha ã íT descansa
Todo 1 miu cuidado.
Esta ve la cautiba
Que me trai cautibo:
I, vá que neilha bibo,
Neçairo ye que biba!
I O trocadilho imaginado por Camões não pode reproduzir-se
em mirandês com perfeição, pois que o adjectivo feminino é bar-
bera (melhor mirandês é mala, prubersa, braba) e o nome de
mulher é Barbela. Cf. estes Estudos, vol. i, pp. 28 e 29, nota.
97
Traducção em prosa da poesia antecedente
Aqueilha cõutiba que me té cõutibo, porque bibo
neilha, yá nú quíer q" yõu biba.
Yõu nunca bi nú ramo de flores úna royii que fusse
más guapa de 1 q eilha pa Is mius olhos.
NI las streilhas nel cíelo, nT las flores nel campo me
parece tã fromo/as cumo Is mius amores: ú rostro sT
eigual, olhos sossegados, negros i cansados, mas nú
cansados de matar. . . úna gracia biba que hái nei-
Ihes, par' eilha ser la sinhora de quíé 3'e cõutiba. .
.
L pelo de la sue cabeça ye ta negro, que 1 pobo, que
nú sabe 1 que diç, ^^á nú cuida, a 1 bé'-lo, que 1 pelo
louro q' ye lindo.
Negrura d' amor. . . la cara tã doce, que la níebe
jura que por eilha trocarie la sue quelor.
Assi tã alegre i tã mansa, i a 1 mesmo tíempo cú
tanto tino, bíê parece stranha, mas nú parece prubersa.
La sue pre/éncia ye grabe, i fai abrandar la tremíenta:
todo 1 miu delor descansa neilha.
Esta ye la cõutiba que me trai cõutibo; i, yá que bibo
neilha, ye neçairo que j^õu nú deixe de bebir.
98
X
(Vol. IV, p. i3o)
Berdes sõú Is campos,
De q'lor de limou:
Assi SÕÍ3 les olhos. .
.
De 1 miu coraçòu.
Campo, que te stendes cú guapa berdura ; õubei-
jhas, que neilha teneis pástio: manteneis-bos de las
yerbas que 1 brano trai; i ^-õu de las lhembranças de
1 miu coraçõú.
Ganados, que paceis cuntentos, nu' antendeis 1 bosso
pástio: isso que comeis nú sõú 3^erbas, nó; sõú gradas
de Is olhos. . . de 1 miu coracõú.
II
GÉNERO ÉPICO
(EXCERPTOS)
PROPOSIÇÃO DOS «lusíadas»
(Lus., I, i-iii)
Las armas i les ornes afamados
Que fúrú de la tíerra Lu/"itana,
Por mares d' atrás nunca nabegados,
Inda pr' alhá de 1' ilha Taprobana,
A peligros i guerras bíé sforçados,
Más de 1 que prometie la força õumana,
I antre gente de lõge stablecírú
Nobo reino que tanto angrandecírú
;
I tamíê las Ihembranças gloriq/as
D' aqueilhes Reis que fúrú alhargando
Fé, amperio, i las tíerras beciq/as
D' Africa i d' A/ia andórú arra/ando
;
102
I aqueilhes que por obras balero/as
De la lei de la morte bã scapando:
Todo isso agora bengo eiqui cantar,
Se r arte, más 1 angeinho, m' ajudar.
Nú fale 1 sábio Gre^o ní 1 Troiano
Nas síies grandes biaiges que fazírú
;
Calhe-se de Lixandre i de Trajano
La fama de las guerras que bencírú:
Q' yõu canto 1 peito unrado Lu/itano,
A quiê Netuno i Marte õubedecírú
:
Fine quanto la Mu/a antiga canta,
Q' outro balor más alto s' alhebanta.
Traducção em prosa
Las armas i Is omes afamados que salírií de las
bordas de 1 mar pertués, que queda a 1 Poníente, i
passórú ind' alhá de la Taprobana, más balientes pa
rejestir a Is peligros i a la guerra de 1 q' era d' asprar
de 1 ome, i stablecirú antre gente de múi longe ú reino
nobo que tanto angrandecírú
;
lOJ)
I tamíé la glória deixada por aqueilhes reis que fúrú
stendendo la fé i 1 amperio, i andorú arra/ando las
tierras pecadoras d" A/"ia i d" Africa; i aqueilhes que
por obras de balor se Ihíbra de la lei de la morte
:
cantando, los farei Ihembrados por tódalas partes, se
1 angeinho i1" arte m' ajudáré a tanto.
Nú se fale más de las grandes biaiges que 1 sábio
Grego i 1 Troiano fazírú por mar; acabe la fama de
las bitórias de Lixandre i de Trajano,— porq" yõu
canto 1 nobre peito de Is Pertue/es, a quíé õubede-
cirú Netuno i Marte: acabe todo 1 que la Mu/a antiga
canta, porque s" alhebant" agora delantre de nós outra
balantie maior.
I04
EXCERPTOS YARIOS
(Lus., I, cvi)
Ne mar síempre tanta tremienta i tanto danho, tantas
bezes pruparada la morte! Na tíerra tanta guerra, tanto
anganho, tanta necidad' anfadonha! Adonde pod" arri-
mar-se 1 ome fraco ? Adonde tenerá segura la sue bida
tã curta, que 1 cíelo nú s' arme i nú s' amofine contra
ú bicho tã pequeinho de la tíerra?
(Lus., VI, LXXXIIl)
Ah ! felizes aqueilhes que pudírú morrer antre las
Ihanças aguçadas de Is Africanos, ã quanto defendírú
cú balor la santa Fé nas tierras de Is Mouros ! De
quíf se sõubírú nobres aciones, de quié queda Ihem-
branças múi grandes, de quíé la bida se ganha cú
perdé'-la, a 1 mesmo tíémpo que las onras alcançadas
neilha fáié doce la morte!
lOD
(Lus., VII, iii)
Bós, Pertue/es, que sodes ta poucos canto sodes
fortes, que nú pe/àes 1 fraco poder bosso; bós, q' a
la custa de bossas numarq/ás mortes, spalháis Ia lei
de la bida eiterna: assi las sortes sõú botadas po 1
cielo,— que bós, por múi poucos que séiades, fágades
muito na santa crestiandade : que tanto, ah ! Cristo,
alhebantas Is pequéinhos
!
io6
FAÇANHA DE EGAS MONIZ
(LUS., III, XXXV-XLl)
Nú passa muito tíempo, quando 1 forte Princepe ã
Guimarãis stá cercado de muitissema tropa;que d'
esta maneira 1 einemigo frido fui pruparar-se de ng-
bamente \ mas 1 Princepe quedou Ihibre, porque 1 sou
fiel mestre Egas õufrcciu-s' a la dura morte; si assi nú
fusse, podie-se perder, por nú star bíé prebenido.
Mas 1 bassalho fiel, coincendo que 1 sou amo nú
podíe rejestir, bai a star cul Castelhano, prometendo
q" el farie cú que 1 Princepe beniss' a õubedecer-le.
L einemigo alhebanta 1 circo õurrendo, cunfiado na
promessa i na cuncencia d' Egas Moniz ; mas 1 peito
de 1 nobre moço nú cunsinte star sujeito a outra pessona.
107
Tenie chegado 1 prázio prometido, a que 1 rei caste-
lhano yd aguardaba que l Princepe, sujeito a las sues
ordenes, le disse 1 õubediença 'sprada. Egas, bendo que
quedaba por mintiro/ò,— l que 1 Castelhano nú cuidaba
d' él— õubriga-se a dar la doce bida a troco de nu tener
cumprido la palabra.
I bai-se culs filhos i la mulhíer a 'Ihebantar la fiança,
descalços i desnudos, de tal modo que más faie pia-
dade de 1 que pidf bingança. I dezie: «Grande Rei, se
pretendes bingar-te de la mie astrebida cunfiança, eiquí
bengo õufrecer-me a pagar cuia bida 1 prometido.
Bés, eiqui traio las bidas einocentes de Is filhos sT
pecado, i de la mulhíer: se peitos generq/òs i bonos
quédã sastifeitos cuia morte cruel de Is fracos. Bés
eiqui las manos i la Ihengua creminq/as: dá-l' a eilhas
solas todo' Is maios tratos i la morte, cumo fazié Cinis
i 1 touro de Perilo».
Cumo delantre de l algóç 1 cundanhado, q' yá bubiu
la morte na bida, pó 1 cachaço ne cepo, i yá antregado
aspéra po 1 golpe temible: assi delantre de 1 Princepe
anreibado Egas staba õufrecido a todo; mas, bendo 1
rei aqueilha rala lialdade, tubo más força la cumpaixõíí
de 1 que la ira.
io8
Era grande la fedlidade pertue/a de 1 bassalho que
s' õubrigab' a tanto! Que más fizo 1 Persa naqueilha
õuca/iõú ã que cortaba 1 rostro i las narizes ? Dariu
agoniaba-se tanto cú isto, que, suspirando, dizie mil
bezes q' antes qrie melhor l sou Zop3To sano de 1 que
ser sinhor de binte Babilónias.
100
MORTE DE D. INÊS DE CASTRO
(Lus., III, CX\7II-CXXXVl)
Adespuis d" esta feliç bitória, bulbendo Afonso pa la
tíerra lu/itana a gozar de la paç cú toda la glória q"
él sõubo ganhar na dura guerra, acunteciu 'a] aqueilha
mi/arable i desgraciada, que depuis de ser morta fui
rainha, 1 causo triste, i que bié merece publicar-se, que
deyànterra Is ornes de 1 barranco.
Só tu, Amor puro, co" essa força cruda que tanto
cõutiba Is coraçones õumanos, fuste 1 cau/ánte de la
síie morte anfeliç, cumo s' eilha fura íína einemiga falsa.
Se dizf. Amor faróç, que la tiie sede nú abranda nT
cú Ihágrimas tristes, ye porque quíeres, tirano i maio,
Ihabar is tõus altares a sangre õumano.
I IO
Tu stahas, guapa Inês, a gozar ã paç 1 fruito de Is
tõus anhos, naqueilhe anganho ciego de 1 alma, que
la sorte nú deixa durar por muito tíempo, nes campos
de 1 Mundego, que fáif suidades, i que las Ihágrimas
de Is tõus olhos nunca deixórú anxugar,— ansinhando
las muntanhas i las yerbas a dezir 1 nome que tu tenies
screbido ne tõu peito.
Respundié-t' eilhi las Ihembranças que 1 tõu Princepe
tenie de ti, i que te traié síempre delantre de Is sõus
olhos, quando eilhes s' apartábã de Is tõus fromq/bs : de
nuite ã sonhos doces que te mintié, i de die a pensa-
míentos que bolaba; todo aqucilho S q" él pensaba i todo
aqueilho q' él bie érã Ihembranças de prazer.
Él nú quijo outras fidalgas i Prince/as de/'iadas por
muitos, porque tu, Amor berdadeiro, desprézias todo
á fí quando ú bõ sumbrante te prende. Mas 1 bíelho
pai se/udo, que daba õubidos a 1 pobo, i õusserbaba
1 eideia de 1 filho, que se nú qVie ca/ar: quando biu
las bõubadas q' él faziç por cau/a de 1 amor.
mandou matar Inês, pa le tirar 1 filho q" eilha tenie
pre/ò,— porque cuidaba d' apagar 1 bibo fogo de 1 amor
1 1
1
cul sangre d' una mort" anjusta. El síempre staba mui
bõubielho, pa deixar alhebantar contr" íina rapaza ta
fromq/à i tã fraca la spada cú q" él benciu la raiba de
Is Mouros de la Mõuramal
Ls berdugos maios traié-la delantre de 1 rei, q" yd
staba quáij" a perdoná"-le; mas 1 pobo. cú rezones falsas
i farozes, anteimaba ã le dezir que le disse la morte
cruel.
Eilha staba triste, dando ais piadq/òs, cú suidades i
pena de 1 sou Princepe. i de ls íilhos q' eilha deixaba,
i por quié tenie más pena que de morrer.
AntõG, alhebantado pa 1 cíelo ls olhos chenos de
Ihágrimas, ls olhos, porq" ú de ls menistros 1 stab"
atando las manos*, i adespuis. mirando pa ls ninos,
q' eilh' amaba tanto, i q' érã tã mimo/os, i q' eilha
tenie pena de deixar tá solícos, dezi" assi pa 1 pur-
berso pai-abó:
«— Se ls bichos brabos de 1 monte, que sõú maios
por natureza, i las abes-rapinhas. que solo pensa a rou-
bar, tubirú cumpaixõú de crianças pequeinhas, cumo
eilhes mostrórú cuia mai de Nino i culs dõus armanos
que fazírú la cidade de Roma:
112
IO
«bós, que tenéis peito i rostro d' orne (s' ye d' orne
matar úna dunzeilha fraca i sT força, solo por tener pre/ò
1 coraçõú de qui| se namorou d' eilha), perdonai a estes
pequerricos, yá que nú perdonais a la mai: oxalá que
bós téngades dolo de mi i d' eilhes, puis que nú bos
abalha la culpa que nú tengo.
II
«I se, bencindo la rejistencia de Is Mouros, sabeis dar
la morte cú fíerro i fogo, dái tamié la bida cú caridade
a quié nú íizo mal niú pa la perder: mas, s' estes ninos
bo' 1 merece assi, mandai-me pra siempre tristemente
degradada pa la Citia frie, ou alhá pa la Libia calíente,
dond' yõu biba siempre a Ihágrimas.
12
«Ponei-me donde s' u/e toda la maldade, antre lionês
i tigres: i brei se podo achar neilhes la cumpaixõú que
nú achei ne coraçõú de Is omes: alhi, cul miu amor
prefundo i culs de/eios de ber aqueilhe por quié yõu
morro, hei-de criar estas sues relícas, qu' eiqui bistes,
i q' hã-de ser le cunsolo de la triste mai».
i3
L rei bundo/o qrie perdoná'-le, cumbencido d' aquei-
Ihas palabras que 1' antristecié ; mas 1 pobo teimq/ò, i
Ia sue sorte, q' assi 1 quijo, nú 1' perdónã. Ls que jul-
I ID
gábã q' isto era bíé feito puxóríj po las spadas d" aço
fino. Ahl peitos carniceiros, cumo bos astrebeis a mos-
trar-bos farozes i cabalheiros contra íina mulhíer?
14
Assi cumo 1 duro Pirro se purpara cuia spada contra
Policsena, q" era rapaza mui guapa, i 1 redadeiro cun-
solo de la mai bíelha, porque la selombra d' Aquiles la
cundena: mas eilha, botando pa la mai, q' ambõubece,
Is olhos cú q' abranda 1 aire, õufrece-s" a 1 duro sacra-
ficio, cumo iína õubeilha mansica i miii õumilde:
ID
assi Is brutos matadores s' ancarniçába de/anfrena-
dos contra Inês, ansopando ne sangre de 1 culho d"
alhabasto ladond" eilha tenie las obras cú que 1 Amor
matou d' amores aqueilhe q" adespuis la fizo rainha >
las spadas i las brancas felores, q" eilha regaba cuias
Ihámmas de Is sõus olhos. Cuitados 1 nú adabinábã
1 castigo que los aspraba.
16
Ah sol! tu bié podies scunder naquel die Is tõus raios,
cumo de la me/a desõumana deTiestes, quando él comie
Is filhos po la mano d' Atreu. Bós, ah ! fondos balhes,
q' õubistes la redadeira boç de la sue boca frie, por íj
grande rato de tíempo repetistes 1 nome de 1 sou Pedro,
q" eilha dezie.
1 14
17
Assi cumo la rq/a branca i guapa, quand' yê cortada
antes de l tíempo, i maltratada de las manos de/án-
quietas de la rapaza que la truxo núna crona, perdiu 1
cheiro i te la quelor demudada: assi stá mort' aqueilha
nina desbotada, cuias felores de la cara secas, i tenendo
perdida cuia doce bida la quelor biba i branca.
i8
Las filhas de 1 Mundego, chorando por muito tíempo,
Ihembrórii aqueilha morte desgraciada: i, por una Ihem-
brança nunca squecida, fazirú de las Ihágrimas una
«fonte»: ponírú-le 1 nome, q" inda dura, «de Is amo-
res» d' Inês alhi passados. Bede que fonte tã fresca
rega las flores: las Ihágrimas sou 1 auga, i Is amores
sõú 1 nome.
Nú passou muito tíempo que Pedro nú bisse la bin-
gança de las fridas mortales, porque Ihõugo q" acome-
çõu a goberná' 1 reino, la tomou de Is matadores q'
habiê fugido; agarrõu-los de las manos d' outro Pedro
múi cruel, porq' ambos estes reis, einemigos de las
bidas õumanas, fazirú antr' eilhes 1 cuntrato anjusto i
duro q' Agasto fizo cú Lépedo i Antonho.
ii5
A BATALHA DE ALJUBARROTA
(LUS., IV, XXVIII-XLV)
La trumpeta castelhana dou sinal õurrendo, faróç,
grande i medonho. L monte Artabro õubiu-lo; i 1 Gua-
diana tornou p' atrás cuias ondias, amedrancado; 1
Douro r õubiu, i la tíerra alantjana tamié; ITeijo corriu
dubido/ò pa 1 mar: i las mais, que scuitórú 1 sòú terri-
ble, apertórú Is felhicos a Is peitos.
Quantos rostros eilhi se béie sT quelor, porque 1 san-
gre amigo fuge pa 1 coraçõú, porque nes peligros gran-
des 1 míedo vê muitas bezes maior que 1 peligro: i se
nií ye, paréce-lo, porque 1 gusto d' õufender u bçncir 1
duro einemigo fai-mos nú sentir que la perda de Is nem-
bros corporales i de la qrida bida ye grande i rala.
ii6
Ampeça la batalha ancierta; d' ambos Is Ihados se
bolbe la prumeira fila: ús bã Ihebados pra defender la
tierra; outros bã cuias sprancias de la ganhar. Lhõugo
1 grande Preira, ã quié stá todo 1 balor, ye 1 prumeiro
que s' amostra: derrui i ataca, i finalmente sembra la
tierra co' aqueilhes que tanto la deyeiã, sendo eilha
alhena.
Yá bólã po 1 aire muitos tiros. La tierra tembra de-
baixo de Is pies duros de Is cabalhos brabos^ õube-se
strondos po Is balhes alantre; las Ihanças spedáça-se, i
las caídas repetidas cuias armas pe/àdas atlóndrã todo;
Is einemigos béne ã maior númaro contra la pouca tropa
de 1 baliente Nuno, que Is bái apoucando.
Sõus armanos béne contra él (cau/b feio i cruel!);
mas él nú se spanta, porque quíe s' arma contra 1 rei
i contra la pátria inda té más culpa de 1 que se matasse
ú armano. Muitos d' estes desquemungados stã ne pru-
meiro squadrõú, que s' adelantra contra armanos i pa-
ríentes, — cau/ò stordinairo— , cumo nas guerras cebi-
les de Júlio i Manho.
Ah! Sertório, ah! nobre Coriolano, Catelina, i bós
outros de Is antigos, que bos fazistes einemigos cú maio
117
coraçõú contra las bossas pátrias: s" alhá ne reino scuro
de Sumano recebirdes grandessissemos castigos, dezí-le
que tamié de Is Pertue/es hõubo algúnas bezes algús
treidores.
Rompe-s' eiqui la prumeira íila de Is nossos ; tantos
de Is einemigos bã contra eilhes! Stá eilhi Nuno. cumo
nes montes de Ceita sta T liou mi forte, que se bei cer-
cado de Is cabalheiros que bã a correr po Is campos de
Tetuã: persiguf-lo cuias Ihanças, i él, andinado, stá ú
pouco subressaltado, mas nú cú míedo.
8
Bei-los cuia bista subressaltada; mas la Natureza
faróç i la raiba nú cunsinte que fuja: antes po 1 cun-
tráiro s' atir" a 1 meio de las Ihanças, q' õumentã: assi
stá 1 cabalheiro que tenhie la berdura de 1 chano cul
sangre alheno; eilhi morre algús de Is sõus, porque 1"
alma baliente perde la coraige contra tanta gente.
9
Joã sentiu 1' afronta que Nuno passaba, porque cumo
capitã sábio corrie i bie todo, i daba a todos coraçõú
cuia sije pre/encia i cuias sues palabras: cumo la liona
parida, faróç i braba, ã quanto busca pástio pa Is filhos,
que stá solos ne nial, sinte que 1 pastor de Massilia le
los roubara,
ii8
IO
corre anraibada, i ruge i atelondra i fai tembrar cú
bramidos Is montes Siete-Armanos: assi Joã, co' outros
scolhidos de Is sõus, correndo açude a la prumeira fila:
«Ah! fçrtes cumpanheiros, ah! grandes cabalheiros,
a quíé naide se cumpara ! defendei la bossa tíerra, por-
que la sprancia de la libardade stá na bossa Ihança!
II
Bós me bedes eiqui bosso Rei i bosso cumpanheiro,
que corro i sou 1 prumeiro a ir antre las Ihanças i las
outras armas de Is einemigos: Ihuitái, berdadeiros Per-
tue/es !
B
Isto dixo 1 grande guerreiro; i, tomando 1 pe/b a la
Ihança quatro bezes, Joga-la cú força, i, d' ú solo tiro,
muitos dórú 1 suspiro redadeiro.
12
Lhõugo Is sõus, anflamados nobamente d' una nobre
bergonha i fogo d' onra, porfia qual bencerá cíi animo
más balíente Is peligros de la guerra; 1 sangre ardíente
tinhe las armas; ã prumeiro rompe Is bestidos de fíerro,
i adespuis Is peitos: assi juntamente recebe i da fridas,
cumo pessonas a quíé nú V amporta perder las bidas.
i3
Mandei a ber la Ihagona de 1 Stigio a muitos, fazendo
antrar nes sõus corpos la morte i 1 fierro; eilhi morre
119
1 Mestre de Sã Tiago, que Ihuitaba fortissemamente
;
morre tamíé, cõu/àndo grande strago, outro Mestre ba-
liente de Calatraba; Is Freiras desquemungados tamíé
morre, amaldiconando l cíelo i la sorte.
14
Muitos tamié de la gente baixa i descoincida, i tamíé
muitos de Is fidalgos, bã pa las prefundas de 1 anfíerno,
adonde bibe l perro de três cabeças, que stá síempre cú
fame de las almas que bã d" este mundo; i pa que se
amánsie i adome la soberba de 1 einemigo danhado, Ia
bandeira castelhana, q' ib alhebantada, fui derribad" a
is pies de la pertue/a.
i5
La faroç batalh" acende-s" eiqui cú mortes, gritos,
sangre i spadagaços; la muita gente que morre té las
felores de la sue quelor mudadas. Yá fugé i dá la bida;
vá falta la forca, i hái Ihancadas de más: vá 1 rei de
Castíelha se bei bencido, i mudado de la sue õupeniõú.
16
Bai deixando 1 campo a 1 bencedor, cuntento de nú
le deixar la bida; Is que quedórú acumpánhã-lo: i 1
míedo nú le dá pies pra fugir, mas dá-l' alas. Ancubre
n' anterior de 1 sou peito 1 delor de la morte, de las
despe/ás que fazirú, de la pena, de la deyònra i triste
descunsolo por ber outro quedar se cul q' eilhes dei-
xórú.
120
í?
Algús bã maldezindo i amaldiçonando 1 prumeiro que
íizo guerra ne mundo ; outros ba acu/ando la sede dura
de I peito codiço/o i assedilhado, que fai cú que 1 pobo
desgraciado, pra tomar 1 alheno, s" arrisque a ir pa las
prefundas de 1 aníierno, deixando mi/arables tantas mais
i tantas spq/às, si filhos i sT maridos.
i8
Joã, bencedor, stubo ne campo, ã grande fiesta, Is
dies aquestumados ; adespuis, co' õufíertas i romaiges.
dou gradas a quíç le dou la bitória.
121
AVENTURA DE YELLOSO
(Lus., V, xxvii-xxxvi)
Beio benir rodiado de Is mius cumpanheiros ú orne
stranho, de çamarra negra, q' eilhes agarrórú a la força,
ã quanto apanhaba ne monte Is doces trebos de naiiel.
Bé culs olhos spantados, cumo aqueilhe que nunca
se biu ã tales apíertos. Ní él mos antende a nós, nl nós
r antendemos a él, q' inda era más salbaige que 1 bruto
Polifemo. Ampeço-l" a amostrar 1 guapo i suprior metal
de 1 rico beldre de Colcos, la prata fina, la pumíenta
i la canela que queima. A 1 bruto nu" amportaba nada
d' isto.
3
Mando amostrá'-le píeças de menos balor, sartas de
cristal relhuzíento, algíis cascabelespequeinhos que stábiÃ
122
a telincar, ú gorro burmeilho, quelor biba. Lhõugo bí.
por sinales i aceinhos, que s' alegra grandemente co'
isto; mándo-lo ir' ambóra cú todas las cõu/às; i assí
camina pa 1 Ihugar que le quedaba múi acerca.
Mas lhõugo n" outro- die Is sõus praceiros, todos des-
nudos, i de la quelor de la nuite scura, bénê baixando po
Is montes ásparos a baixo, a buscar píeças cumo las que
1 outro Ihfeba. Mostrã-se-mos yá tã mansicos i afeitos,
que fázê cú que Fernã Belq/b s" astreba a ir a ber la
tíerra, i partir-se cíí eilhes po 1 mato.
Belo/ò cunfia ne sou braço, i, por ser arrogante, cuida
que bai seguro; mas, habendo yá passado ú grande ca-
cho de tíçmpo, ã que precuro saber algú sinal bono,
stando yõu cuia bista alhebantada, cú cuidado naqueilhe
astrebido, de repente aparece él ne monte brabiu; i, ca-
minando pa 1 mar, benie cú más priessa de 1 que fui.
La barca de Coelho fui de brebe pa 1 recebir; más
antes d" acá chegar, ú negro astrebido botõu-s" a él.
Ou melhor mánde-lo ir (dissimilação).
= ne outro.
123
pa que nu se le scapasse ; outro i outro le salírú
;
Belq/ò bei-s" ã peligro, sí que naide eilhi 1' ajudasse;
yõu acudo Ihõugo, i, anquanto dou a 1 remo, mostra-s' ú
muntõú de negros desnudos.
Una grande nubre de píedras i de setas sT conta chube
subre nós; i eilhas nú fúrú atiradas ã bano a 1 aire, porq'
yõu truxe frida esta píerna d' eilhi: mas nós, cumo pes-
sonas penq/às, demos-le la reposta tá Iharga, que se spõ
q' eilhes Ihieba d' esta beç quelor burmeilha sT ser nes
gorros . .
.
8
E quando Belq/ò }'á staba fora de peligro, Ihõugo mos
arrecolhimos pa Is nabius, bendo la malicia feia i Is ruis
pensares d'aqueilha gente bestial, bruta i mala, de quíe
nú podemos tener melhor noticia de la de/"iada índia,
seno que stábamos múi lõge d' eilha: i assi tornei a dar
las belas de Is nabius a 1 aire.
9
Antõú ú cumpanheiro dixo a Belq/ò (ampeçando-se
todos a rir): «Olá, amigo Belq/ò, aqueilhe monte ye
melhor de baixar que de chubir?»— «Si, ye, responde
1 astrebido suldado; mas, quando yõu bi benir pr' acá
tantos d' aqueilhes perros, bení ú pouco mas de brebe,
por me Ihembrar que bós stábades acá sT mi. . . ».
124
IO
Cuntõu antõú, que Ihõugo que passórú aqueilhe monte,
Is negros, de quié falo, nú I' deixórú passar más alantre,
qrendo-l' eilhi matar, se nú bolbe: i quando él bulbiu,
Ihõugo s' anfruscorú, pra que, salindo nós [a] arrece-
bí'-lo, mos pudisse mandar a 1 reino scuro de la morte,
pa mos rõubarê sT corrére peligro.
I2D
TRâCOS AUTOBIOGRÂPHICOS de CAMÕES
1. Nasce Camões junto do Tejo.
Começando por cultivar na poesia o género lyrico, passa a cultivar o épico,
e emprehende a composição dos - Lusíadas»
(Lus., I, IV e v)
I bós, mies Tágides, vá que teneis criado ã mi u
nobo angeinho ardíente. se siempre a berso õumilde l
bosso riu fui múi lomiado por mi alegremente: dai-m'
agora ú sõii alto i grande, íj stilo de fala que seia guapo
i natural, pra que Febo tremine que las bossas augas
nú tengã ambeija d" las d" Eipocrene.
Dai-m" agor" albelidade pra tocar, nó una fraita rui,
mas íína trumpeta de guerra i bié afinada, q' anima 1
coraçõú i m/uda la quelor a 1 rostro; ansinai-me ú cán-
126
tigo eigual a las aciones de la boss' afamada gente, a
quié Marte ajuda tanto: pra q' eilha seia coincida i can-
tada por todo 1 mundo, se tã grande balor se le pode
dar ã berso.
2. Falia das suas viagens em geral, e desgraças
(LUS.,VII, LXXVIII-LXXXIl)
Mas ah! ciego. Q' heide 3'õu fazer, tonto i as-
trebido, sT bós. Ninfas de 1 Teijo i de 1 Mundego, por
caminos ta maios d' andar, tã Ihargos i ta defrentes ús
de Is outros! Pido-bos que m ajudeis, porq' ando a na-
begar ne mar alto, cú aire tã cuntrairo, que, se me nú
ajudais, arreceio muito que la mie fraca barca s' incha
d' auga de brebe.
Mirai, q' hai tanto tíempo que la sorte me trai po 1
mundo a cantar 1 bosso Teijo i Is bossos Lu/"itanos, i a
passar por nobos trabalhos i nobos danhos: íínas bezes
a sofrir 1 mar, outras bezes a sofrir Is peligros de/ou-
manos de la guerra (cumo Canace, que se cundanhõu
él mesmo a la morte), tenendo síçmpre núna mano la
spada, i na outra la pena de screbir;
outras bezes, a pobreza anfadonha, degradado por
ca/às alhenas ; outras bezes bendo, más que nunca, per-
12-
didas de nobo las sprancias q" yõu tenie ; outras, sca-
pando de la morte, Ihebado a las costas, de tal modo
que salbar-se la mie bida, que dependie d" ú filo tã del-
gado, fui ú milagre inda maior de 1 que acrecentar-se
la de 1 rei judiu.
I inda nu era bastante, ahl Ninfas mies, q" vou mebisse ne meio de tamanhas mi/erias, quanto más inda
ã riba darf-me tal pago de Is mius bersos aqueilhes
ornes q" yõu andaba cantando: ã troca de Is descansos
q' yõu aspraba, i de las cronas de loureiro que medisse onra, õumentoríi-me trabalhos descoincidos. cú
que me ponírú neste stado.
Bede, Ninfas, q" angeinhos de fidalgos balero/òs cria
l bosso Teijo, q' assi cú tales fabores sabe stimar a quíé
cantando le dá gloriai Qu" ei/emplos a Is que benire
adespuis de nós i quergã screbir cú de^eio de cuntar las
cõu/as que merciré glória eiternal
3. Naufraga no rio Mecom, na costa de Camboja
(Lus., X, cxxvii e cxxvni)
Stás bendo 1 riu Mecom, que passa por Camboja: 1 sou
nome quier dezir «capitã de las augas»: tantas arrecibe
d' outro solo ne brano, q" alhaga i anquieta Is campos
128
Ihargas; té las anchenas cumo 1 Nilo friu. La gente d''
él cuida, cumo eignorante, que Is brutos animales de
toda la calidade tene pena i glória apuis de la morte.
Est" ha-d' arrecebir, assossegado i brando, ne sou
rugaço, 1 Ihibro que be molhado de 1 nõufraijo triste i
anfeliç, scapado de las tempestades de 1 mar, de las
fames, i de Is peligros grandes, quando fur cumprida
la ordene anjusta naqueilhe que tenerá más alomiada
que bentura.
4. Continua escrevendo o poema.
Difficuldades do assunto.— Só cantará a honra e a glória
(LuS.jVII, LXXXIII-LXXXVIl)
Puis q' yê neçairo, Ninfas, q' ã tantos males só 1
bosso fabor me níí falte, principalmente eiquí, que che-
guei a ij punto ã que debo angrandecer bárias aciones,
dai-me-lo bós solas, porq' yõu tengo 3'á jurado que nú
1 hei-de ampregar ã quíé 1 nú mereça, nT hei-d' aga-
bar, sT cuncencia, algú grande orne, cíí pena de nú ser
agradecido.
Ni penseis. Ninfas, q" yõu disse fama a quié fur
einemigo de la lei debina i õumana, i antes quejir 1
sou antresse de que 1 bíé de todos i 1 de 1 sou rei.
129
Nú cantarei ningú ambecio/ò, que quejisse chubir a
grandes ampregos, solo porque podisse, por maneiras
bergonho/as, meter-se más Ihargamente nes sòus bícios:
ningú que se bala de 1 sou grande poder pa serbí"
Is sòus feios de/èios, i que p' agradar ai pobo tonto,
se muda a más figuras que Protelo : nl tamíé, Game-
nas. cuideis q' yõu cante quié bíeno cú traige òunesto
i grabe a desnudar i roubar 1 probe pobo, solo para
cuntentar 1 rei ne nobo cargo;
nl quíé acha q' yc justo, i q' ye de dereito guardá"-se
bíé la lei de 1 rei, i nú acha q" ye justo i bõ respeito que
se pague 1 suor de la gente que fai serbicios ; ní quíé
siempre cú pouca sprencia aprende rezones (cuidando
q' vç prudente) pra julgar cú mano rapinheira i garu-
nha Is trabalhos alhenos q" cl nú passa.
Falarei solo d'' aqueilhes q" arriscorú la súç qrida
bida po 1 sou Dius i po 1 sou rei, adonde, a 1 perdé*-la,
la delatorú a fama, sendo eilha ta bíé mercida po las
sues obras. Apolo i las Mii/as. que me acumpanhorú,
me dobrará 1 õudáç que yá me dorú, anquanto yõu
tomo aiíento i descanso, para tomar más fulgado a !
miu trabalho.
lOO
5. Epochã em que conclue o poema
(Lus., X, VIII e ix)
Agora, mie Calíope, chamo por ti ne fí de 1 miu
trabalho, pra que, á paga de 1 que scribo i de I q' 3-õu
quíçro ã bano, me tornes a dar 1 gusto que bõu per-
dendo de screbir.
Ls anhos bã passando, i desde 1 brano até 1 õutonho
hai pouco que passar. La sorte fai-me 1 angeinho friu,
i d" él yá nú m' agabo. Ls desgustos bã-me Ihebando a
1 riu de 1 squecimento. Mas tu, ahl grande Rainha de
las Mu/as, cunsinte-me q' 3-õu acabe 1 que de/eio fazer
a la mie tíerra.
6. Desânimos ao terminar os «Lusíadas»
(Lus., X, CXLV)
Nú más, Mu/ii, nú más, porque tengo las cordas des-
tempradas, i la boç rouca, nó de cantar, mas de ber
que bengo cantar a gente xorda i ruda. La pátria nú dá,
nó, 1 premio cú que 1 angeinho más s" acende, porq'
eilha stá toda chena de codícia i d' úna tristeza bil, apa-
gada i selumbrie.
i3i
7. Synthetiza os factos capitães da sua vida,
e offerece-se ainda para cantar as acções futuras de D. Sebastião
(LUS., X, CLIV-CLVl)
Mas que stõu a dezir, yõu õumilde, baixo i basto?
Sei cú todo que 1 lõubor sal a las bezes cumpleto de
la boca de Is pequeinhos. Nú me falta na bida studio
õunesto, misturado cú muita sprencia, nl angeinho, q'
eiqui breis agora pre/ènte,— cõu/hs estas que ralas bezes
s' acha juntas.
Para bos serbir, 1 miu braço stá afeito a las armas;
i para bos cantar, stõu aquestumado a fazer bersos ; só
me falta ser recebido por bós, que débeis stimar la ber-
tude. Se 1 cielo me purmetir isto, i bós quejirdes ser
cantado, cumo la bossa debina anclinaciõú me fai ada-
binar
;
u fazendo que 1 monte Atlante tenga más miçdo de
la bossa bista de que de la de Medu/ã, u bencendo nes
campos d' Ampelu/a Is Mouros de Marrocos i de Tru-
dante: pormeto que la mie stimada i alegre Mu/a ha-de
cantar-bos a todo 1 mundo, de tal modo, que Lixandre
se beia ã bós, sT tener ambeija de la fertuna d' Aquiles.
III
GÉNERO DRAMÁTICO
(EXCERPTOS)
DO AUTO DE «EL REI SELEUCO»
(\'ol. IV, p. 204 sqq.)
Rei
Sinhora, adespuis que Ia sorte me quijo dar-bos a mi
por mulhier, sinto-me tornar de bielho a nobo; porque
na bossa forme/ura perde la belhéç 1 sou sér. U ome
bielho i cansado nú te força ní bigor para sentir amor
ã si; seno ye que, por ser bosso, stõu mudado ã outra
quelor. Muito grande felcidade té la mulhíer q' ye fro-
mo/a
!
Rainha
Sinhor. grande I mas se Ia tal mulhíer ve bertuo/a.
la sorte quier-Ie más bíé.
Rei
Si, mas nunca bemos Ia natureza smerá"-s" adond"
haba algúna nota, porque quando eilha quier fazer una
cõu/a purfeita, fai-la purfeita ã todo. Yõu falo cumo quíé
i36
acha esta calidade ã bós, po 1 que beio eiqui pre/entc
;
i se me mime est' amostra, minte-me la mesma ber-
dade. Tengo só una tristeza que la meninéç nú te: que
ne maior prazer 1 trabalho de la belhéç m' ambaraça
1 coraçòú.
Rainha
Sinhor, tales nobidades fazê-me crer, na herdade...
i.iy
DO AUTO DE «FILODEMO'>
(Acto II, SC. viu)
Caçador
Perdiu-se por estas toucas Venadoro, miu Sinhor, sT
yõu tener noticias d' él. Qucrga Dius que d' esta perda
nú benga outra maior. Corriu por este liiado d" eiquí
atrás d" ú benado. Lhòugo de/aparciu. Tanto que l"
perdi de bista, perdi 1 gusto. Yõu i is outros caçadores
corrimos montes i balhes; falemos co" aradores d' esta
õurríeta, i cú pastores, si ancuntrarmos rastros d' él.
Quiero ber nestes ca/iiles, que stã debaixo d" aqueilhes
alboredos, s' acharei outros pastores que me déíf algús
sinales cú q' yõu poda quedar más cuntento. (Boi^éía).—Ah de Is casalesi ah bós d"alhál ah pastores! nú falais I
Pastor
Quiê sodes! Q" andais a buscar?
Caçador
Oubis ? Chegai-bos pr" acá.
Q' ye que bós qVeis
i38
Pastor
BÒUBO
Nú báiades adonde bos chamou, pai, sT saberdes
quié ve.
Pastor
Porquei r
BòUBO
Porq" est" ye aquel Ihadrõú que furtou 1 burro de 1
Pertués. Y se báiades adonde eilhes stã, jur'-bos po 1
cçrpo sagrado de S. Pisco i S. Joã que tamíe bos fur-
tara, porque sodes burro, mas unradol
IV
CARTAS EM PROSA
(EXCERPTO)
CARTA
(A I.* na ed. de Juromenha, vol. v, p. 219 sqq.)
De/"iei tanto una carta bossa, que cuido que, po la
de/'iar muito, nú la bi, porq' este yç 1 más cierto ques-
tume de la fertuna, cunsentir que más se de/éie 1 que
más de brebe ha-de negar. Mas, para que outros nablus
me nú fágã tamanha õufénsia, cumo ye fazérê-me des-
cunfiar que bós nú bos Ihembrais de mi, treminei a scre-
bir-bos agora esta pra que tamíé bós me screbíssedes;
neilha breis pouco más u menos 1 que quíero que me
screbéiades d" essa tierra. A paga d" isso, dõu-bos no-
ticias d' est" adelantradamente : eilhas nú será malas
ne fondo d" úna arca pr' abi/ò d" algús bagamundos,
que cúidã que todo o mato hc oiiregãos\ i nú sabe que
cá e Li tJhis Fadas ha-.
Apuis que sali d" essa tíerra, cumo quíe salie pa 1 outro
mundo, mandei anforcar cú pregou público, por falsifi-
1 Em mir. : todo l mato ye ouríeganos.
2 Em mir. : acã i alliA malas Fadas hái.
142
cadoras de moneda, toda' las sprancias a quié yõu dei
de comer até antõú. I de/ànganhei esses pensamientos,
que traie por ca/â, pra que a mi nú quedasse piedra
subre piedra. I assi posto a stado que me nú bie seno
por antre Ihusques-fusques, las redadeiras palabras que
dixe nel nabiu fúríj las de Cepiõíi Africano: Ingrata
pátria, non possidebis ossa mea. Porque, quando cuido
c]ue, sT tener cometido pecado, que m' õubrigasse a três
dies de purgatório, passei três mil de malas Ihenguas,
piores antenciones, danhadas buntades, solo nacidas de
1 ambeija de bérê su amada redra de si arrancada, i en
otro muro asida ... D' eilha tamié ami/ades más bran-
das que la cera s" acende ã ódios que chiçpaba Ihume
que me deitaba más pingos ne credito q' ã riba de 1
cuiro d' ú Iheitõú.
Antõú ajuntõu-s' a isto acháre-me síempre na ça-
marra la bertude d' Aquiles, que nunca pudo ser curto,
a nú ser po las solas de Is pies; cumo nunca me las
birú, tube yõu que bé' las de muitos, i nú despreziar
cumbersaciones de la mesma ampressiõú a pessonas a
quié fracos ponie mal nom^, bingando cuia Ihengua 1
que nú podiê cul braço. A fí, sinhor, yõu nú sei cú
que m' hei-de pagar, por saber ta bie fugir a cantos
Ihaços nessa tíerra m' armába Is acuntecimientos, cumo
cuia mie benida pr' esta tferra, adonde bibo más bene-
rado que Is touros de Merceana, i más sossegado que
1 quarto d"* ú frade pregador. De la tíerra bos sei dezir
q" ye mai d' omes ruis, i madrastra d' omes unrados.
Porque Is que s' acá Ihançã a buscar dinheiro, síem-
pre se sustenta subr" auga cumo bexigas mas aqueilhes;
a quíé la sue õupeniõú deita a las armas Mouriscote,
cumo la maré corpos mortos a la praia, sabei que se sécã
14^
antes que amadúrê. Ya estes que tomábãesta õupeniõú
de balíentes a las costas, acreditai que nunca
RiberãS de Diiero arriba
Cavalgaron Zamoranos,
Que roncas de tal soberbia
Entre si fuesen hablando
1 quando be ai fí de 1' obra, sálba-se dezindo que nií se
pode fazer dúes còu/ás tamanhas, cumo ye pormeter i
dar. Anformado d' isto bíeno a esta tíerra Joã Toscano,
que, cumo se achaba ã algú magosto de rufiones, berda-
deiramente eilhi era:
Su comer las carnes cnidas,
Sii beber la viva sangre '.
Calistro de Siqueira bíeno acá más õumanamente,
porque assi 1 prometiu ã una tremíenta grande ã que
se biu. Más ú Manol Serrou que, siciit et nos\ tê falta
d" una bista, té acá dado de si probas arrezonados, por-
q' vou fui tomado por juiç de ciertas palabras. de q" él
íizo desdezir a ú suldado, 1 qual po la postura de la
siie pessona er acá tenido ã bona conta.
Se qreis saber nobidades de las sinhoras de ia tíerra,
las quales sõú ta neçairas núna carta, cumo marinheiros
na fíesta de Sã Frei Pedro Gunçales^, sabei que las
Pertue/ás todas caie de maduras, que nii hái tilo que
le tenga Is puntos. se le quejíre Ihançar pedaço. Puis
las que la tíerra dá? a riba de sére de la quelor de
1 Em mir. : cumo tamie nós.
2 Não ouvi -ç no fim, mas -s, como indico.
144
1 pcã negro, fazei fabor de le falar ã algús amores de
Petrarca u de Boscã, responde-bos una linguaige am-
bolta ã arbulhaca, q' amarga na garganta de 1 anten-
dimiento, la qual bos bota auga na ferbura de la maior
calentura de 1 mundo. Ora, julgai, Sinhor, le que sen-
tirá ú stamago aquestumado a rejestir a las falsidades
d' íí rostrico de taiixia d" úria sinhora de Lisboa, que
chia cumo pucarico nobo co" auga, bendo-se agora antr"
esta carne salgada, que niú amor dá de si. Cumo níi
chorará las memorias de in illo tempore! Por 'mor de
mi dezi a las mulhieres d" essa tíerra que, s' eilhas
quéré anteiramente tener jurdiçòú cú baraço i pregou,
nij arreceie seis me/es de mala bida por esse mar, q"
yõu las 'pêro cú precissõú, pálio, rebestido a ponti-
fical, adonde estas sinhoras 1' irã antregar las chabes
de la cidade, i recoincerá toda 1 õubediença, a que por
sue muita eidade sõú 3^á õubrigadas. Por agora nú más.
seno que este Soneto q' eiquí bai, que fiç a la morte
de D. Antonho de Noronha, yõu bos lo mando ã sinal
de toda la pena que tube d' eilhe. Cna Egloga fiç subre
la mesma còu/a, la qual tamíç trata algo de la morte
de 1 Princepe, que me parece la milhor de todas las
que íiç. Tamíé bos la mandara pa la mostrardes ende
a Miguel Dias', que, po la muita ami/ade de D. Anto-
nho, stimarie muito bé'-la', más 1 õucupaciõú de screbir
muitas cartas pa 1 reino me nu dou tíçmpo. Tamíé alhá
scribo a Luis de Lemos, ã reposta d' outra que bi súç:
se le la nú dírc, que saba q" yç la culpa de la biaige.
na qual todo se perde.— Vale.
' Ouvi Dias, c não com -ç final.
PARTE V
VOCABULÁRIO ETYMOLOGICO
OBSERVAÇÃO PRELIMINAR
Como os phenomenos linguisticos se operam segundo
leis, não sendo a grammatica histórica senão a codili-
cação dessas leis, o ideal de quem fizer um vocabulário
etymologico consistirá em, para a explicação de cada
vocábulo, se limitar a remetter o leitor para os respe-
ctivos ::j da grammatica, com o que dará ao seu tra-
balho forma até certo ponto mathematica. NoA"ocabl"-
LARio que se segue procurei, tanto quanto pude. realizar
tal desideratum. E evidente que o não consegui por com-
pleto, em virtude do atraso em que ainda está a phi-
lologia mirandesa; mas fique ao menos consignada a
tentativa.— Os números postos entre( ) são os dos H
da Grammatica mirandesa, que constitue a Parte II da
presente obra.
Inclui no Vocabulário todas as palavras que na fórma
ou no sentido diíferem das que lhes correspondem em
português. A transcrição rigorosa, a que no vol. i, p. 194,
me referi, adoto-a só em relação àquellas palavras cuja
leitura possa otferecer alguma duvida.
Entenda-se que o Vocabulário o é unicamente da
Camoniana mirandesa, que fórma a Parte W doestes
Estudos.
a em.
HiST. Lat. ín > en {bi) > ê (no) > i (ySj.
—
A forma en está ainda representada pela hesp.
en; a forma e pela port. em.
abalhar abalar, mover.
HiST. Lat. e vali are.— Cf. Cornu, Die purtu-
giesische Sprache, 92. Quanto a -li.- > -///- vid.
5 141-a.
abe-rapinha- (= àbe-rapinha) ou abe-rapina «ave
que nas rapinas aéreas tem o intento».
HiST. Vid. Grammatica, 1: 3o i. Cf. hesp. rapina
(verbo rapinar).
abifo aviso.
HiST. Subst. verbal de ajnsar: ^'visu-. QuantC'
ao b vid. ;; 101.
abó avô, avó.— Esta palavra veiu do português.
HiST. Cf. Grammatica, p. 329. — Na raia diz-se
abolo, abola, segundo informações que ultima-
mente colhi.
acá cá.
HiST. Em hesp. acá. Em português antigo tambémacá, escrito por vezes aquá; ex.: nos Inéditos
de Alcobaça, de S. Boaventura; na Demanda
lio
do Santo Graall, edição de Reinhardstoettner:
«tanto gram tempo acay> (p. ii), «por ai nomuym aquay> (p. i6); em D. Dinis, Cancioneiro,
ed. de Lang, v. i58o:
mais, amigo, acá tornade.
Do lat. eccu'hac; o -c apocopou-se (tíS);
a geminação cc deu c (iSg). O a inicial talvez
seja anterior ao período propriamente mirandês.
jiceinho (== açeinhui aceno.
HiST. Em hesp. ant. ha acenar, palavra com que
se relaciona o ital. ceno.—A etymologia d'estas
palavras é obscura.
acender accender.
HiST. Lat. accendere (iSg, i52-ci.
a cerca perto.
HiST. Vid. Gram.matica, p. 44Ó.
achar (= atxar) achar.
HiST. Lat. afflare (142-0-, i52-c).
aciôíi acção, acções. No pi. aciones.
HiST. Lat. actione- (87).
acomeçar (= acumeçar) começar.
HiST. Em gall. come'{ar; noutras lingoas porém a
palavra apresenta n: port. arch. començar (se
não é hespanholismo: Cancioneiro da AJfida,
p. io5, V. 6), hesp. comen\ar, ital. cominciare,
fr. commencer, etc: — do lat. *cominitiare(cum -f- v/initium). A forma port. começar,
que corresponde á gallega, e á mirandesa, pôde
já documentar-se com um texto do sec. xiii
:
come\ar-la-liei ( apud Teixeira de Aragão, Des-
cripção das moedas portuguesas, i, 344), onde
porém •{ = ç. A falta da nasal em português
levou o Sr. Meyer-Lubke a suppôr que come-
çar resultaria de començar por influencia da ter-
minação de empeçar, que é synonima {Gram-
101
matik der vomanischen Sprachen, i, § 485); masnão me parece isso, porque a palavra que re-
sultou da influencia de empeçar foi compeçar,
que também se usa em dialectos portugueses
ta empeçar corresponde em mir. ampeçarK Tal-
vez a ausência do « nas formas citadas se possa
explicar phoneticamente : *cominitiare daria
por metathese con'meçar, d'onde. por absor-
pção regular do « no m, começar.— SohvQ o
a prosthetico de acomeçar vid. Gra.mmatica,
•^ ibi-a.
ãcrecentar accrescentar.
HiST. Do thema do lat. accrescente- (partic.
de accrescere)-f- suff. -ar.
actímpatihar iicompanhar.
HiST. Vid. Rej'ista Lusitana, n, 33.
acuntecer i^^ acúnteçéri acontecer.
HisT. Lat. ""ac-contingescere:: vid. Kõrting,
Lateinisch-romanisches Wõrterhuch, Z 91- Nos
verbos inchoativos a terminação - s c e r e foi
nas lingoas da Península reduzida a -cere:
cf. em mir. também nacer.—A cerca do iin de
aamtecer vid. Z 80.
acuntecimiento (= aciíntecimíentu) acontecimento.
HiST. Do thema de acuntecer -{- suff. -?niento <-mentum. Sobre -nu- vid. :"; 80: sobre -fçnto
vid. C 52-Obs.
aciifar acusíir.
HiST. Lat. a c cu sare í'ii5, iSg, id2-C).
adabinar adivinhar. Também se diz dabinar e ade-
hinar.
HisT. Em hesp. adirinar.—Do lat. divinare.A cerca do a prosthetico vid. Z iSi-j; do i
atono mudado em a, § 70; da apócope do -e,
Z 1Ò2-C. A forma adebinar está representada
pela port. arch. e pop. mod. adevinhar ; no
Cancioneiro da Ajuda, edição de D. Carolina
l52
Micháelis de Vasconcellos', p. Sq, v. i8, a que
punhan en adevinhary>^ p. 869, v. 10, «non
vo'-lo poden adevinharí>^ etc.
adelantradamente adeantadamente.
HiST. De adelantradã -^ -mente (293).
adelanti^ar adeantar.
HisT. Do thema de delantre -\- sulí. -ar.
adespuis depois.
HiST. Vid. vol. I, p. 449.
adotJiar [^^ adumar) domar.
HiST. Lat. dom are. Palavra talvez vinda porémpor intermédio do português. Sobre o j- cf.
§ i5i-<.t; sobre a apócope do -e vid. 2 i52-c'.
adonde onde.
HiST. \iá. Grammatica, p. 448.
agabar gabar.
HiST. Palavra de origem germânica, com a ter-
minação românica -ar: nord. arch. gahb.Vid. Kõrting, Lat.-rom. Wh., § 3549.— Sobre
o a- vid. S iM-c7.
Agiisto Augusto.
HiST. Lat. A u g u s t u s .— Palavra de origem lit-
teraria; a forma propriamente pop. é Agosto
(mês).— Já em português popular se diz tam-
bém Àgiisto (nome), por dissimilaçao de au— 11:
cf. lat. vulg. ascultare < auscultare,a g u r i u m < a u g u r i u m
.
aire ar, vento.
HiST. Lat. aère- (cf. S 1^4 e vid. i52-c"). Nasignificação do português «ar», tem o miran-
dês também ar. Em português não conheço
» Sempre que me referir ao Cancioneiro da Ajuda, entenda-se
que é á ed. da Sr.'' D. Carolina Micháelis de Vasconcellos. Posto
que a obra ainda não esteja publicada, possuo, por obsequio da
mesma Senhora, um exemplar das folhas já impressas.
i53
forma que corresponda phoneticamente a esta,
mas ha derivados: airado < *aeratu, airoso
< * a è r o s u -
.
ala asa,
HiST. Lat. ala-.— A forma correspondente emportuguês archaico é aa, pela syncope normal
do -/-,* como a contracção, que tinha fatalmente
de se operar, se a palavra continuasse a viver,
daria à, que se confundia com outra palavra da
lingoa, foi aa substituída por asa, que vem do
lat. a(n)sa- (metaphora). Em hesp. ala, comoem mirandês.
alantjauo alemtejano.
HiST. Corresponde á forma portuguesa popular
alantejano, e não a alentejano, senão -en- não
daria -an- (76); parece que a mudança do -en-
em -an- no port. alanteja^io é devida á influencia
do /; cf. pop. Alamquer (se esta forma não é
primitiva) < > Alemqner, popular lançol < >lençol.
alantre adeante.
HisT. Vid. Grammaj ícA, p. 448.
albelidade habilidade.
HisT. Vid. Grammatica, § i5i-^.
alboredo arvoredo.
HiST. Lat. arboretu- > arbovedo (io3) > albo-
redo (149-^). As formas arboredo e alboredo
são também do português popular. A dissimi-
lação que se deu em alboredo deu-se de outro
modo no mir. árbole, que corresponde d'essa
maneira ao hesp. árbol. Também em mirandês
se diz arbe, como no português popular.
algo alguma cousa.
HiST.Vid. Grammatica, p. 36i.
algóç algoz.
Hisi". Do árabe al-Go\\: \\á. Dozy & Engelmann,
Glossaire, p. 128; e Diez, Eípn. Wb., u-b, s. v.
i54
alginia alguma.
HisT. Vid. Grammatica, p. 36i.
alhá lá.
HiST. Vid. Grammatica, § 141-a.
alhabasto alabastro.
HiST. Vid. Grammatica, p. 299.— Parece que tam-
bém em mirandês se diz alabasto e alhabastvo.
A primeira d'estas formas será de origem por-
tuguesa.
alhagar alagar.
HiST. Deriv. do thema de Ihago < lat. 1 a c u -
(11 1) -}- suíF, -ar.
alhargar alargar.
HisT. Deriv. do thema de Ihargo (i 1 1) < lat. lar-
gu- (i 11) + suff. -ar.
alhebantar alevantar, levantar.
HiST. Alhebantar = a-lhcbantar; Ihebantar < Ihe-
vantar < levantar (iii), do thema do partic.
lat. levante-, de 1 e v a r e (cf. acrecentar,
também derivado de um participio). A mesmaexplicação tem as correspondentes palavras por-
tuguesa e hespanhola.
alhembrança lembrança.
HisT. Deriv., por meio do suíf. -a-nça, do thema
de alhembrar = a-lhcmbrar < lembrar (iii)
< nembrar (port. arch.) < *mem'rare. —Cf. Grammatica, § 142-Ã.—Vid. neste Vocabu-
lário Ihembrar.
alheno alheio.
HisT. Do lat. alie nu- (87-Í3, 109). Cf. hesp. mod.
ajeno, arch. alieno; port. arch. alhêo (sec. xiv),
gall. alleo.
alhi——2i\X\.
HiST. Vid. Grammatica, p. 447.
aliento alento.
HiST. Lat. vulg. *alenitu- < anhelitus.Aquella forma do latim vulgar é também pos-
i55
tulada pelo hespanhol aliento (sardo alenu): cf.
Kõrting, Lat.-rom. Wb., s. v. * alenitiis.
alomiada (= alumiada) nomeada, fama.
HiST. Deriv., por meio do suíf. -a-da, do thema
do verbo alomiav, que é de origem portu-
guesa < nominare; se alomiav não fosse
de origem portuguesa, o ;/ ter-se-hia mantido
em mirandês (109). Na nossa lingoagem popu-
lar é frequente ouvir estas duas formas: alo-
miar e alomiada, no sentido mencionado; o
n- mudou-se em /- por dissimilação de ;/ — ;;/,
como em lembrar < arch. nembrar, e em arch.
nembro < membro.
amaldiçonar (= amàldiçunar) amaldiçoar.
HiST. Deriv. do thema de maledictione- (109)
-{- suíf. -ar.
amansiar amansar.
HiST. Do thema de manso, com o suff. -iar = -ear
(Grammatica, p. 459).
ambaraçar embaraçar.
HiST. < > port. embaraçar. A cerca de am- vid.
§ 75.
ambeciofo (= ambeçió/ii) ambicioso.
HiST. Lat. ambitiosu-.ambeija inveja.
HiST. : invídia- > ^invedia (5-2) > enveja =enveija (87) > "^ anvcija (76) > ambeija (loi).
As formas enveja e enveija = inveija estão repre-
sentadas no português.
ambolto, -a envolto, envolvido, meado.
HisT. Corresponde ao participio port. envolto <* i n - v o 1 1 u s ; cf. Kõrting, Lat.-rom. Wb..,
s. V. * voltus.
ambóra embora.
HiST. De em boa Jiora (cf. Revista Lusitana, i, 274)
> embora (ib4-bis) > ambora (76). A forma
embora está representada no português.
i56
ambõubecer enlouquecer.
HisT. Do thema de bõiibo, com o suffixo -ecer
< -escere (208).— Bõiibo < lat. balbu-(p. 286).— Cf. gall. bouba, «mentira jocosa».
—
A existência do ditongo em gallego e mirandês
ieva-me a crer que a forma portuguesa bobo
não vem directamente do lat. b a l b u s , mas é
de origem hespanhola, tendo sido para cá trans-
mittida por intermédio do theatro ou da corte,
onde havia os famosos bobos: de facto em hes-
panhol diz-se bobo; e, se a palavra fosse origina-
riamente portuguesa, devia conservar o ditongo
que ainda existe em gallego e mirandês. Julgo
pois sem fundamento o que a propósito d'ella
diz o Sr. F. Adolfo Coelho no seu Dicciona-
rio etymologico: «devia escrever-se boubo, do
mesmo modo que se escreve outro, em que o u
representa um / latino»; o citado philologo não
viu que em outro o // se pronuncia, em quanto
na pronúncia de bobo não existe 11, e que não
ha-de ser a pronúncia que deve sujeitar-se á
orthographia, mas o inverso. Outro argumento
em apoio da origem hespanhola de bobo está no
facto de, por exemplo, na Beira-Baixa, se dizer
gogo de comedia: a pakura bobo, por estranha,
foi ahi substituida, em virtude da influencia da
etymologia popular, pela mais conhecida gogo.—O Sr. Cândido de F^igueiredo no seu Novo Dic-
cionario da lingoa portuguesa, s. v., bobo, per-
gunta se o etymo do port. bobo estará em balbus
ou em pupus (!); no Appendice do mesmo Dic-
cionario decide-se porém afoitamente por bal-
bus. Como se vê, nada adeanta ao que diz o
Sr. Adolfo Coelho, e também, como este, não
viu as ditficuldades que offerece o etymo bal-
bus, dificuldades que com a minha explicação
ficam resolvidas.
i57
amedrancado medroso.
Hisi . Deriv. do thema de medranco, que existe emmir. na mesma signihcação: mcdr-anco; sobre
o suff. -anco cf. Gram.matica, p. 459. O ele-
mento thematico medr-, que corresponde ao de
medo, existe no port. medroso, tnedríca, ame-
drontar, e no hesp. medroso, tJiedrosia, ame-
drentar; o -r- poderá explicar-se pelo de temor:
assim, por ex.: medroso por * mederoso, * me-
doroso como * temoroso, d'onde veiu o port.
temeroso, como valeroso de valoroso, fernioso
dQ formoso: cf. catai, temerás.
amifade {com f, e não com -) amizade.
HisT. Vid. p. 3 12.
amor, 'mor, na phrase jt?07' ';;?or úfe, «por amor de», «por
via de», «por causa de».
HisT. De amore- 1 i52-c). Também no português
popular se diz abreviadamente por mór de. Apalavra amor tomou o sentido de causa.
ampeçar (= ãmpeçari começar.— Vid. acomeçar.
Ampelufa Ampelusa. Forma unicamente empregada
nesta traducçSo camoniana.
ampério império.
HiST. Forma de origem portuguesa. Sobre a syl-
laba am- vid. o C jS.
ampobrecer (= ampubreçér) empobrecer.
HiST. Deriv. do thema de pobre com o suff. -ecer
<-escere. A cerca do am- vid. § 7?, e da
apócope do -e o § i52-c.
amportar (^^^ ámpurtan importar.
HiST. De im-portare íjS, i52-C), com alteração
de significação.
ampregar (^-= ampregar) empregar.
HisT. Palavra vinda do port. empregar ijb), que é
também forma relativamente moderna < im-plicare. Com effeito, aqui o grupo lat. -mpl-tanto em port. como em mir. ip. 283) daria -eh-.
i58
ampressiôu (ãmpressiõú) impressão.
HisT. Lat. impressione- (75,110-^1.
ancantar encantar.
HisT. Lat. incantare (yS, i52-c).
ancarniçar-se enfurecer-se.
HiST. en-carn-iç-ar (75), palavra representada ainda
pelo português. A base é carne < lat. carne-.
anchena cheia (de rio).
HiST. Substantivo verbal que faz presuppôr a exis-
tência do verbo * anchenar= "^ en-chen-ar (731,
cuja base é cheno < plenu- (p. 283). — Cf.
hesp. Uenar.
ancíerto, a incerto, a.
HiST. Lat. incertu- > ancíerto (5o, 75).
anclinaciôfi inclinação.
HiST. Forma de origem portuguesa: an- {~i)\ -ou,
pela correspondência que usualmente ha entre
as palavras portuguesas acabadas em -ão, e as
mirandesas acabadas em -õfi (iio-M.
ancobrir (-^= ãncubrir) encobrir.
HisT. : en-cobrir (75) ; cobrir <*coprire < coo-
p e r ir e (90 e i52-c).
ancortar (= ãncurtar) encurtar.
HiST. en-curtar (75), do thema de curto — suff. -ar.
ancuntrar encontrar.
HiST. en-contr-ar (jò), de contra -j- suff. -ar.
andinado indignado.
HiST. De origem portuguesa: an- (jb). Com effeito.
em port. arch. ha dino, «digno»; e se a palavra
mirandesa não fosse de origem portuguesa, o
-GN- do lat. d i g n u s teria dado no nosso co-
dialecto -Jih- (Grammatica, p. 288).
anfadonho enfadonho, aborrecido.
• HisT. en-fad-onho, do thema de enfadar, com o
suff. -onho (298-ti).—A cerca do etymo de
enfadar vid. Kõrting, Lat.-rom. IVb., n." Siôo
e Appendice na col. 802, sob igual número.
ibg
anfeliç (= afelíç) infeliz.
HiST. Lat. infelice- (75,128).
anfierno (= ãfiernu) inferno.
HisT. Lat. infernu- (yS, 3o).
anflamar inflammar.
HiST. De origem portuguesa: de facto o -fl- do
lat. flamma teria dado em mir. -eh- (Gram-
MATiCA, p. 284). Sobre an- vid. 3 75.
anforcar (= ãfurcar) enforcar.
HiST. en-forc-av (75); do thema de forca -\- suff.
-ar e prefixo en-.
anfonnado {= ãfurmado) informado.
HiST. Lat. in formar e (-5, i52-c); ou do port.
anfruscav-se emboscar-se.
HiST. Cf. hesp. enfroscarse = enfrascarse, «me-
ter-se en una espesura» {Diccionario da Aca-
demia H espanhola). Tanto o mirandês como o
hespanhol parece terem por base "^'frosco ou
^frusco, que em tal caso se relacionaria com o
ital. /n/sco, «raminho», sobre cujo etymo muito
se tem dissertado.
aniiãttJio engano.
HiST. Sobre o etymo vid. Kõrting, Lat.-ropi. Wb.,
Z 3589; an- (75).— Cf. hesp. enganar.
angeinho (=-^ ãjeinho'1 engenho.
HisT. Lat. ingeniu-. A cerca de an- vid. Z 75;
á cerca de -nh- $ S-j-a.
angnorante (= ãngnurante) ignorante. Outra forma
é eignorante.
HisT. Também em port. se diz in-gnorante, que é
a base da palavra mirandesa angnorante ; an-
(75). A outra forma mirandesa vem da port.
ignorante (73).
angrandecer 1= ãgrandeçér) engrandecer.
HisT. en-grand-ecer (jb). Do thema de grande.
anho anno.
HisT. annu- (141-^).— Cf. hesp. aíio.
lt)0
anjiísto —— injusto.
HisT. Lat. iniustu-. A cerca de ã- vid. Z "p-
anqiianto (= ãquãtu) em quanto.
HiST. an-qiianto; an- < > cm- (76); quanto <q u a n t u -
.
anquietar inquietar.
HiST. Do port. inquieiar (7Õ).
anraibado, -a enraivado, -a.
HiST. an-raib-ado. Do thema de raiba «raiva»;
an- (75).
ansinar ensinar.
HisT. De origem portuguesa (7 5). No sub-dialecto
sendinês diz-se ansinhar < lat. i n - s i g n a r e
(142-/1); cf. hesp. enseíiar.
ansopar (= asupar) ensopar.
HisT.— en-sof-ar (75), do thema de sopa.
anteimar teimar.
HisT. an-teini-ar, do thema de teima; an- (75).
anteiramente inteiramente.
Hisr. anteiva-mente (293): sobre anteiro vid. Gram-
MATIÇA, p. 288.
antenciõH intenção, tenção.
HiST. Lat. intentione- ou do português (75,
76).
antendev entender.
HiST. i n t e n d e r e (75, 1 52-c).
antendimiçnto entendimento.
HiST. Do thema de antender <C\ài. intendere
(75) -\- suff. míento.
anterior interior.
HiST. Lat. interiore- (76, i52), ou do portu-
guês.
Antonho António.
HiST. Em português popular iguahiiente Antonho:
palavra de origem ecclesiastica, —-Cf. mir. e
port. Demonho; em Santander (Mugica, Dia-
lectos castellanos, p. 22) também Demoíio.
lOl
antõH então.
HiST. Vid. p. 4ro.
antrar entrar.
HisT. Lat. intrare ijS, i52-c).
cintre entre.
HisT. Vid. p. 446.
antregar (=^ antregar) entregar.
HiST. Lat. integrarc > ^intergar > entregar
\^ib^\ > antregar ('b).
N. B. E preciso admittir a forma intermédia "' /';/-
lergar, senão gr daria ir i i42-A*i. Esta expli-
cação vale também para o português.
a}itresse interesse.
HisT. Lat. interesse > inlresse ^lyi-b) > ..7//-
tresse (jb).
antristecer (^ ãntristecér) entristecer.
HiST. : en trist-ecer. Verbo inchoativo formado do
thema de triste, com o pretixo en- > an- (jb)
e o suíf. -ecer.
arixiis^ar-— enxuí^ar.
HiST. Lat. ex-sucare. Sobre o -g- vid.I^ 124:
sobre a apocope do -e Z i52-c. Ha outros exem-
plos de a exs- corresponder ãx-: cf. anxame <exame-; em port. temos ê.v- e em hesp. enj-.
Creio dever admittir-se que houve confusão como prefixo in- no começo da palavra; de outro
modo não pôde explicar-se a nasal: isto vê-se
melhor quando se compara, por exemplo, o
• port. enxame, enxuto, o mir. anxame, anxuto,
o hesp. enjambre, cnjuto, com o catai, aixam,
aixut, onde não se introduziu o sobredito pre-
lixo; no mesmo caso está o astur. exame.
apierto aperto.
Hl ST. Subst. verbal de apertar (3oo).
apoucar apoucar.
HiST. Propriamente a-pôuc-ar, do thema de pouco
< lat. pau cu- (69-^;.
102
apuis depois.
HisT. Vid. Grammatica, p. 44Q.
ãqiiél aquelle.
HisT. "\'id. Grammatica, Z 194-
ãqueilhe, -a aquelle, -a.
HisT. A'id. Grammatica, :^ 194.
ãqueilho aquillo.
HiST. Vid. Grammatica, § 194.
aquestumar (= akestumar) acostumar, costumar.
HisT. Propriamente a-qiiestum-ar, do thema de
questume (vid. Grammatica, p. 280).
arador lavrador.
HisT. Do thema de arar < ar are (i52-c) -|- suff.
-dor < -tore- (ib2-c).
arbulhaca ervilhaca.
HisT. arbulhaca < arbilhaca (i5o-t7), que parece
poder decompor-se em arbilh-aca: o primeiro
elemento será a mesma palavra que o latim
ervilia, que deu em mirandês arbilha, a er-
vilha»; o suffixo -ãco apparece também empoçaco (Grammatica, p. 459), postoque seja
de origem obscura (cf. Meyer-Lubke, Gram-matik der romanischen Sprachen, 3 499-OBS.).
Palavras portuguesas ou gallegas em que ha
o mesmo suffixo são, por exemplo, além de
Poçacos (terra transmontana no districto de
Villa-Real\ plural de uma palavra correspon-
dente á mir. poçaco, as seguintes: velhaco (que
não vem porém de relho, como poderia parecer,
mas talvez de vilisi, fam-aco (de fame <lat. fame-, cí. faminto)^ rarr-aco ou rer^r-
aco (de verres). Xa Beira-Baixa diz- se ^a-
vaco, que talvez porém seja a mesma palavra
que alfavaca, onde não entra o suffixo de que
me estou occupando.
ardíente ardente.
HisT. Lat. ardente- [bd).
i63
armano irmão.
HiST. Lat. gernianu-. Cf. hesp. hermano.—Vid. § 73.
arrafav arrasar.
HiST. a-rraf-ar, do thema de rafo (que creio exis-
tirá em mirandês) < lat. r a s u -
.
arrecebir {= arrecebirj receber. Também em mi-
randês se diz recebir.
HiST. Lat. recipere, com mudança de conju-
gação (207); cf. hesp. recibir. A evolução da
palavra em mir. foi : r e - c i p e r e > recibir
(90) > recebir (149-^1) > a-{r)recebir (i5i-a c
Obs.). Deve admittir-se re-ciperc, assim decom-
posto; o facto de se considerar re- como pre-
fixo fez que o -c- intervocalico não se mudasse
em -i- (127), e fosse pois tratado como inicial
(126). Esta explicação convém também ao por-
tuguês e ao hespanhol.
arrecelar recear.
HiST. Cf. hespanhol recelar. Lat. *re-zelare:cf. Diez, Etpji. Wb., i, 346. O -l- manteve-se
(112), o -z- está representado por -c- = ç (cf.
Cornu, Die portugiesische Sprache, § 175), e
o a- foi accrescentado como em arrecebir =a-(r)recebir.
arre^onadamente arrezoadamente, arrazoadamente.
HisT. Do thema de ratione-. Vid. re^õil.
arrumbar arrombar, romper.
HiST. a-(r)romb-ar (80); deriv. do thema de rombo.
ásparo áspero.
HisT. Lat. asperu- (i5o-c). Cf. em port. arch.
asparameuíe (sec. xv).
asprar esperar.
HiST. Lat. *a-sperare (talvez por analogia comaspectare) > asperar > asprar {\b2-b, ib-i-c).—A palavra não é especial ao mirandês: em astur.
ha asperar, segundo o Vocabulário de Colunga,
164
de B. Vigón. Em port. ant. ha cisperaiiça, aspe-
rar e desasperar. Exs. de asperauça :
vosso bem que mui servid" ei,
mais nom com asperança
d'aver de vós bem
mais nom com asperança
que aja do mal que mi vempor vós nem galardom ....
mais nom com asperança
que sol
vid. Cancioneiro de D. Dinis, ed. de H. Lang,
Halle 1894, p. 20-27,— onde a repetição da pa-
lavra mostra que não ha ahi fusão do artigo a
com o subst. sperança.— Ex. de asperar:
Non am" eu mia senhor, par Deus,
por nunca seu bem asperar:
vid. Cancioneiro da Ajuda, p. 836, vv. 1-2.
—
Ex. de desasperar
:
e viv' assi por én
sen conselho, e dei desasperado :
vid. cit. Cancioneiro da Ajuda, p. 2 3, v. 7.
assedilhado (= assedilhadui sequioso.
HisT. Deriv. do thema de sede: vid. vol. i, p. 458.
assi assim.
HiST.Vid. Gra.mmatica, p. 452.
assossegar (= iissussegari —sossegar.
Hisr. Cf. gall. asosegar, asosego, hesp. mod. sose-
gar, hesp. arch. asesegar, port. arch. sessegar,
assessegar: nos Inéditos de Alcobaça, i, i52,
lê-se desassessego, em ^^ite^bo, Elucidário, lê-se
sessega. O etymo destas palavras é, como de-
monstrou a Sr.^ D. Carolina Michaèlis, o verbo
latino popular ^' s e s s i c a r e (derivado do latim
10?
sessu-, combinado com a preposição sub: vid.
Studien ^itr hispau. iind port. Wortdeiitimg,
s 39).
-V. B. A pronúncia do hespanhol e do mirandês,
as nossas antigas graphias e a etymologia da
palavra mostram que é erro escrever socegar,
em port., com c; a boa graphia é unicamente
sossegar, com ss.
Jistreber-se atrever-se.
HiST. Cf. em port. pop. astrevcrsc e astrebcr-se
;
em port. arch. astrevimenlo e estrevimenío (Vi-
terbo, Elucidário, s. v.); em hesp. arch. estre-
ver, que se lé no Fiiero d'Arilés, v. 53 (ed.
de F. Guerra 1: «et si scstririr lidiar«, e no
Libro de Alexandre cit. ibidem a p. 154. Diez,
Et/m. Wb., 427, também cita o hesp. arch.
ireverse. Este philologo deduz atrever-se de
attribuere. O mir.-port. asíreber-se (as-
trever-se) poderá explicar-se pelo cruzamento
de atrever-se -\- estrever-se, sendo estrever-se
< *ex-tribuere.— Cf. o que se disse no
vol. I destes FJstudos, pp. 402-463.— O partic.
astrebido emprega-se substantivamente.
ãtelondrar atroar. Também, por syncope, se diz
atloudrar.
HisT. Relaciona-se com stlondro: vid. vol. i, p. 296.
A base é o lat. t o n i t r u -. Propriamente:
*a-tonitrare > ^ a-trondrar (vol. i, p. 298
e 3 io3) > atloudrar 1 149-/') ^= ãtelondrar.
atloudrar atroar. Vid. ãtelondrar.
atrás, d'atrds— d"antes.
HisT. Vid. Grammatica, p. 440.—Esta palavra, que
na origem era preposição, tornou-se adverbio de
tempo, como depuis, etc.
auga agua.
HisT. Lat. aqua. Cf. p. 61. A cerca de o- <^ .q.
vid. ;: 124.
i66
B
bã vão. Flexão do verbo ir (288).
bagamiindo vagabundo.
HisT. Cf. hesp. e port. pop. vagamundo, port. va-
gamiindear. O mir. bagamundo vem do port.
ou do hesp., e nestas lingoas a respectiva forma
tem origem litteraria no lat. vagabúndu-,senão o g caia: cf. vadio < *vagativu-.—O 771 resulta de influencia de 77iimdo, segundo os
processos da etymologia popular (pp. 3o3 sqq.).
bai vae. Flexão do verbo /r (288).
báiades vades. Flexão do verbo ir (288).
baixar descer. nBaixar una scalada» (descer umaescada").
HiST. Deriv. do thema de baixo -\- suff. -ar.
bala valha.— Forma do verbo baler: vid. § 271.
balantie valentia.
HiST. Lat. valente- -j- suff. -ie < -ia (56).
O -671- parece ter-se mudado em -a«- por in-
fluencia do /, senão soaria -pi- (76).
baler valer. Vid. S 271.
balei^ofo (= baleró/li) valoroso.
HiST. Do port. valoroso, também na ling. arch.
valeroso, com dissimilação vocálica (149-a).
balhe valle.
HisT. Lat. valle- (loi, 141-a).
balipite valente.
HisT. Lat. valente- > * valíente (5o) > balíente
(lOl).
balor valor.
HiST. Lat. valore- < valor (i52-c) > balor (loi).
bano vão. A ba7io, «em vão».
HiST. Lat. vanu- (loi).
bd7'bela barbara.
HiST. Vid. vol. I, p. 295.
lOy
bd}'io vário.
HiST. Do port. raiio (roí).
barranco— sepultura aberta no chão.
HiST. Especialização da significação mais genérica
que tem em port. e hesp. a palavra barranco.
bassalho vassallo.
Hisj . Céltico *vassallos > vassallo- y- vassa-
Iho (141 ) > bassalho (loi). A forma *vassal-
los é hypothetica; mas em céltico é conhecido
o thema v a s s o -, que existe em Dago-vassus
por Dcgo-rassos («optimus puer«;; a esse thema
corresponde o irl. foss, «domestico» ío thema
d ego- está representado pelo irl. dech). O suff.
-alio- pôde effectivamente ser céltico: cf.Thur-
neysen, Kdtoromanisches, Halle 1884, p. 82.
—
A forma vassalho está representado pela hesp.
vasallo; a forma vassallo pela portuguesa cor-
respondente, que se documenta com textos de
differentes idades, por ex. do Cancioneiro da
Ajuda, p. i3, v. 14:
De vosso vassalo seer.
basto rude, grosseiro.
HiST. Cf. hesp. basto, «grosero, sin pulimento».
bebir viver.
HiST. Lat. vivere (loi, ibi-c) com mudança de
conjugação: vid. vol. i, p. 366.
beciofo vicioso
.
HisT. Do port, vicioso, ou do thema de bício -\~
suíf. -o/ò.
beç vez. PI. be'{es.
HisT. Lat. vice- = *vece > ve:{ ('128) > beç
(lOl).
bei— vê.— Forma do verbo ber: $ 272.
béie vêem.— Forma do verbo ber: 5 272.
béio vejo.— F^órma do verbo bér: Z 272.
i68
bela vela.
HiST. Lat. vela- (pi. de vclum).beldre vello (de lá).
HisT. Lat. '•vellere- > ""' vcWre (cf. fr. arch.
pelre) > beldre (loi, e cf. vol. i, p. 298).
belhéç (= belhéç) velhice. Também ouvi dizer belhice.
Hisr. Do thema de velho com o sulí. -cç < lat.
-rriE-, como em mninéç, que também soa nini-
néce ou incuinécc. Cf. hesp. i'<?/c'-, iiiTiey, port.
meiíinei.
bemos vemos. De ber (272).
benado (= benádu) veado.
HisT. Lat. venatu- (loi, io3).
bencedor vencedor.
HiST. Do português ou do thema de beiícir -j- suf-
fixo -dor.
bencir vencer.
HisT. Lat. vincere (loi, 1 52-c\ com mudança
de conjugação (207), e mudança de -in- cm -en-
béne vem (no pi.). De benir (285).
bencrado (= beneradu) venerado.
HiST. Lat. veneratu- > venerado (io3) > bene-
rado (10 1).
benga venha.— Forma do verbo benir: 2 286-
bengo venho.— Forma do verbo benir: Z 285.
benida— vinda.
HiST. Do thema de benir com o suff. -i-da, que se
encontra também em port. em ferida, ida, e
nos verbos de outras conjugações em corrida,
andada; em hespanhol em salida, etc. O port.
vinda deve explicar-se do mesmo modo; cor-
responde á forma arch. vunda (cf. jnir, aviir)^
que representa a prehistorica * venida, ainda
existente em hesp. e mir. (neste último idioma
benida). — No Elucidário de Viterbo cita-se
vinte (partic. do prés.), e 77/r, que, se não
109
está por mir, constitue a forma intermédia
entre viir e 7'ir; no Cancioneiro da Ajuda,
p. 33, V. 4, ainir; nos Inéditos d'Alcobaça,
I. 148, ;'//;/;• (= vlin; Innocencio da Silva, na
edição que fez do Elucidário de Santa Rosa de
Viterbo, transcreve do Glossário dos Inéditos
d'Alcobaça, riiícs, que está incorrectamente por
ríites.
As formas portuguesas archaicas verrd («virá») e
arerrá úavirá», oadvirá»i presuppõe tambéma nasal: vinrá, arinrá.
benir vir.—Vid. S 28?.
benisse \iesse. De benir í'285).
berJura ventura.
HisT. Lat. ventura- (76, [on. que é propria-
mente participio de v e n i r e .
bér ver.—Vid. Z 272.
berdade (=^ bcrdadei verdade.
HisT. Lat, veritate- > ^' reridade 'io3j > ;vr-
dade ri52i > berdade iioi).
berdadeiramente verdadeiramente.
Hisr. De berdadeira — suff. -jnente (293).
berdadeiro verdadeiro.
HiST. Do thema de berdade — suff. -eiró.
berdc- verde.
HisT. Lat. virfijde- (52, loií.
berdugo verdugo.
HiST. Lat. "' V i r i d u c u - : cf. Kurting. Lat.-rom.
IVb., s. V.
berdura verdura.
Hisr. Do thema de berde -j- suff. -ura.
bergonha (= bergónha) vergonha.
HisT. De V e r e c u n d i a - > ~ v e r e c o n d j a i ô r
,
Sy-a) > ^ vcregonha (124 e p. 282; > bergonha
(lOI ).
bergonhojb '= bergunhó/ò) vergonhoso.
Hisr. Do thema de bergonha — sutí. -o/o.
170
bcrso verso.
HiST. Do port. verso, que tem origem litteraria:
lat. V e r s u - ; senão rs teriam dado ss tanto
em mirandês (142-//), como em português.
bcrtiíde (= bertude) vertude.
HiST. De virtude > vertude (io3) > bertude
(loi). a forma vertude está representada pelo
português archaico e pelo alemtejano; cf. francês
verlii, provençal vertiit.
bertuofo, -a virtuoso, -a.
HisT. Do port. virtuoso (10 1).
bestido vestido.
HiST. Participio substantivado de èes//V<lat. ves-
tir e (101, i52-c).
biaije viagem.
HiST. Do port. viagem emling. pop. também viaige
e biaige.
bibo, -a vivo, -a.
HiST. Lat. vivu-: vid. 3 ioi-Obs. 2.
bicho (= bitxu) bicho.
HisT. Lat. b e s t i u . — Vid. a bibliographia emKòrting, Lat.-rom. \Vb., s. v.
bicio vicio.
HiST. Do lat. V i t i u m ou do port. vicio.
bida vida.
HisT. Lat. vi ta- (loi, io3).
bíe via. De ber (272).
bié bem.
HisT. Lat. béne (5o e iio-^).
bielho velho.
HiST. *vé'clu- (vol. I, p. 284) > * víe lho (õo)
> bielho (loi).
N.B. O hesp. vie/o tem de se explicar pelas for-
mas anteriores vieio, viello.
bieno veiu.— Forma do verbo benir: $ 285.
biento vento.
HisT. Lat. vèntu- (5o, loi)
171
bigor — vigor.
HisT. Do lat. vigore- (loi, i5'2-cj ou do portu-
guês.
hil vil.
HisT. Do lat. vile- (loi, i52-c) ou do português.
bingança vingança.
HisT. Do thema de bingar -[- suli". -a-nça.
bnigar vingar.
HiST. Lat. vindicare > * imidigar (124) y> vin-
d'gar {\b-i-b) > vingar (i5o-bis).
binte vinte.
HiST. Vid. Grammatica, S i8q-0bs. i.^
bisse -visse. De ber (272).
bista vista, olho.
HiST. Relaciona-se com visto, cujo et3mio estudei
in Reviie Hispaniqiie, iv, 211.
bitória victoria.
HisT. Do português, onde é de origem litteraria.
bÕ bom. Em próclise. Md. bono.
boç voz.
HisT. Lat. você- (128 e loi).
bolar voar.
HisT. Lat. volare- (112, \o2-c, loi).
bolber {= bulbéri volver, mover. Flexão: bolbe.
HisT. Lat. volvere (loi, i52-c), com mudançade conjugação (207).
bono, em próclise bô bom.
HíST. Lat. bònu- (58, 109).— Cf. 5 58-Obs. i.
borda borda.
HiST. Germânico bord-: vid. Kõrting, La/.-row/.
Wb., s. v.
bos vos.
bós vós.
Vid. vol. I, p. 352.— Bós < lat. vos (loi); bos
<> lat. vobis como forma atona.
bpsso-— vosso.
HiST. Vid. vol. I, p. 365.
172
botar deitar.
HiST. O etymo é germânico :* b õ t a n (-f- suffixo
-av)\ vid. Kõrting, Lat.-rom. Wb., S 1296.
bõubada loucura.
HiST. Deriv. do thema de bõiibo, com o suff. -ada
(vol. 1, p. 459). Cf. ambõiibecer neste ^'ocabu-
LARIO.
bòiibielho, -a louco, -a.
HiST. Do thema de bõubo -•- suffixo -içlho < latim
-éllu- (vol. I, p. 458). A cerca de bõubo vid.
ambõubecer neste Vocabulário.
bo\iar {= buziar) vozear.
HisT. Do thema de bo^ < lat. você-, com o sutt".
-iar < > port. -ear.
brabíii bravio.
HiST. De brabo, com o suff. -;// < -10 < -ivu-
(•01).
.brabo bravo.
HiST. Cf. Cornu in Romania, xin, iio.
brano verão.
HisT. Lat. *veranu- (deriv. de ver) '^ berano
(loi) > brano {ib2-b).
brebe breve. De brebe, «depressa».
HisT. Do lat. breve- (ioil
breis vereis. Do verbo ber. Vid. Z 272.
buber beber.
HiST. Lat. bibere (i52-c, i5o-í7).
bundofo bondoso.
HisT. < > port. bondo/o (80).
buntadc vontade.
HisT. Do port. vontade (80); senão teria -/- a pa-
lavra mirandesa (112): cf. hesp. voluntad < lat.
V o 1 u n t a t e -
.
burméilho vermelho.
HiST. Lat. vermiculu- > *j>enneilJio (62) >burméilho (loi, \bo-a).
173
C
cabalheivo cavalleiro.
HiST. Lat. caballariu- > cabalheivo (44, 141 -ai.
N. B. A palavra port. cavalheiro, como o mostra
o -Ih- < lat. -LL-, vem da hesp. caballero, por
aportuguesamento do suff. -ero.
cabalho cavallo.
HisT. Lat. caballu- (141-a).
cacho pedaço. aCacho de tiempo», como «rato de
tiempo». Emprega-se em diversas circumstan-
cias. É palavra muito usada emTras-os-Montes;
até a ouvi applicar no sentido de quadras ou
cantigas, por estas serem pequenas I
HiST. Á cerca da et^^mologia cf. Kòrting, Lat.-
rom. Wb., s. v.
caida queda.
HiST. Do thema de cair ou caér, com o suíf. -ida,
como benida; cf. hesp. caida.
calentiira quentura.
HiST. Do thema do lat. ca lente- -|- sutt". -ura.
calhar-se cal ar- se.
HisT. Cf. hesp. callar; a etymologia que desta
palavra se tem proposto olTerece difficuldades
por causa do //.
calidade qualidade.
Hisr. Ou do lat. qualitate (io3), ou do portu-
guês, onde também cm lingoagem popular se
pôde ouvir calidade.
caliente quente.
HisT. Lat. c a 1 ê n t e - > caliente (76).
Calistro Callisto.
HiST. Gr. Ká//.t7T:;. Também na lingoagem popular
portuguesa se diz como em mirandês. A cerca
do r da svllaba -tr- vid. Gra.mmatica, Z i5i-^.
caminar caminhar.
HiST. Deriv. de camino.
174
camino caminho.
HisT. Vid. Kõrting, Lat.-rom. Wb.,% i538.
cansado-— cansado.
HisT. Muita gente escreve em port. cançar, com
ç, mas, não só pela pronúncia da palavra mi-
randesa, e pela da hesp. causar, como pela ety-
mologia, a boa graphia é com s. Com eíFeito o
etymo está no lat. campsare: vid. Kõrting,
Lat.-rom. Wb., Z i54q.
cantiga canto. Sobre tudo empregii-se cántigo no
sentido de musica vocal.
HiST. L. cantícu-> cántigo ( 1 24).— Cf. port.
do Norte e gall. cantiga.
canto quanto.
HisT.—Variante de quanto: Z -lo^-b.
capitã capitão.
HiST. De origem portuguesa ou hespanhola. Tanto
o port. capitão como o hesp. capitan (ital. capi-
tano) são de origem litteraria : *capitanus;cf. Kõrting, Lat.-rom. Wb., s. v.
caJa casa.
HiST. Lat. casa- (ii5).
cafal casal.
HisT. Lat. medieval "^casale- (ii5).— Sobre a
história d'esta palavra vid. Alberto de Sampaio
in Portugália, i, 3o3.
cascabél guiso pequeno que anda ao pescoço dos
cães e dos cordeiros (cascavel).
HiST. Cf. hespanhol cascabcl e cascabillo, pro-
vençal cascavelh.
Castielha - Castella.
HisT. Lat. Castella- (60, loi). O hesp. Cas-
tilha passou primeiro pela forma ditongada Cas-
tiella (vid. vol. i, p. 221).
caufante causador, causa.
HiST. Participio primitivo de cau/ar; ou directa-
mente do port. causante.
175
caiijar causar.
HiST. Do port. causar, que é forma de origem litte-
raria: lat. < causare.caufo caso.
HisT. Cf. Z 2gb-b.
cautibo e cõutibo cativo.
HiST. Do port. caiitivo, que é forma semi-Iitteraria.
cebil (= cebil)—-civil.
HiST. Do português: o / mudou-se em e por dissi-
milação (149-a), e. o v normalmente em b (loi).
chabe (^= txabe ) chave.
HiST. Lat. clave- (vol. i, p. 284,* e :; 101;.
chamar (= txamar) chamar.
HiST. Lat. cl amare (vol. i, p. 284; e :; i52-c).
chano {= txanu) chão.
HiST. Lat. planu- 1 142-0").
chegar (= txegar)-— chegar.
HiST. Lat. p lie are ívol. i, p. 280; Z i52-c).
cheiro (= txeiru) cheiro.
HiST. Deriv. de cheirar < lat. flagrare (vol. i,
pp. 284 e 288). Derivação regressiva (Soo).
cheno (= txenu) cheio.
HiST. Lat. plenu- > cheno (142-^).
chiçpar (= txiçparj chispar.
HisT. Assim se pronuncia, com ç, apesar de emhesp. ser chispar,
chober (= txubér) chover.
HiST. Do thema de chuba > lat. pluvia-. Escre-
ve-se com o, tanto em português como em mi-
randês, por causa da flexão, chobe, chove, onde
ha o.
chorar (= txurar) chorar.
HisT. Lat. pior are ívol. i, p. 288; § i52-c).
chubir (= txubir) subir.
HisT. Cf. Z 1 14-
ciego • cego.
HisT. Lat. caecu- > cíego {6g-b, 124).
176
cielo — ceu.
HiST. Lat. caelu- > cíçlo {6q-b).
cierio certo.
HiST. Lat. cértu- (5o).
circo cerco, assedio.
Hisr. Do hesp. circo, forma litteraria < lat. cir-
cus. O hesp. e port. cerco é que são de ori-
gem popular.
climcncia clemência.
HiST. Do port. clemência,
co', por cã, antes de vogal.
HisT. Vid. p. 446.
codicia (= cudíçia) cobiça.
HisT. Lat. *cupiditia- «> cupiditas) >* cobdicia (representada pelo hespanhol arch.
cobdicia) > codicia (com assimilação seguida
de absorpção). Cf. 3 53.— O português cobiça
tem a mesma origem \ sem embargo, o Sr, Cân-
dido de Figueiredo no Xopo Diccionario da lin-
goa portuguesa dá-lhe como etymo o latim cupi-
ditas !
codiçofo {-^ cudiçó/ia) cobiçoso.
HisT. Por codicioso, do thema de codicia.
coincer \-- cuTçér) conhecer.
HiST. Vid. § 109-OBS. 2.
couta conta.
HiST. Do thema de cuntar, por derivação regres-
siva (Soo). Cf. hesp. cueuta.
coraçoú (= curaçõQ) coração. No pi. coraçoues.
HisT. Cf. port. coração, hesp. cora\on. A cerca da
etymologia vid.: Diez, Et. Wb., s. v. «corazon»;
J. Cornu in Romania, ix, 129; e A. Thomasibidem, xxvni, 177.
coraije (=^ curaije)— coragem.
HisT. Do português.
corda corda.
HiST. Lat. chòrda- (58).— Cf. hesp. cuerda.
corpo corpo.
HisT. Lat. corpus 1 58).
costa costa.
HiST. Lat. costa- > costa (58;.
coufa cousa.
HiST. Lat. causa lôg-tii.
coutiba. Wá. cautiba.
coiilíbar cativar.
HiST. Deriv. do thema de cõutibo < lat. capti-
V u -. A forma intermédia anterior de cõutibo é
cautibo. A origem é semi-litteraria, senão o -p-
da terminação -ivv- não se conservaria ( loi).
—
Cf. vol. I, p. 279.
creminojb (= creminó/ia) criminoso.
HiST. Do português, com dissimilação (149-^2).
crestiandade {^^ crestiãndade) cristandade.
Hl ST. Lat. christianitate- > ""• crístiamdade
( io3; > cristiandade 1,; ib2-b).— Cf. hesp. cris-
tiandad.
croiia coroa.
HiST. Lat. corona- nb-i-b).
cvudo cru.
HiST. Lat. c r u d u -
.
cã, em próclise com. Antes de vogal toma a forma
co'. Em ligação com o artigo definido: cid, pi.
culs; cuia, pi. cuias.
HisT. Vid. p. 44(5.
cubrar (^= cubran quebrar.
HiST. Também na lingoagcm popular portuguesa
ha cubrar, com o por e (i5o-<3). Lat. crepare
> * crebar (90) > quebrar Ti 54) > cubrar ou
cobrar í'i5o-a).
cuiro (= cúiru) -— coiro.
HiST. Vid. Z 59.
cuitado coitado.
HisT. Corresponde ao port. coitado, participio do
verbo archaico coitar, que se lê a cada passo
178
nos nossos Cancioneiros. Ao verbo coitar cor-
responde também o português archaico coita
como substantivo: «dor», «pena», etc. Tanto o
verbo como este substantivo tinham antigamente
também, em certos documentos, o ditongo iii
{iiy)', como em mirandês é normal: citita, cui-
tado, cuyta, cuftado. Lat. cogitar e, d'onde
igualmente veiu o port. e mir. cuidar', embora
por via diíferente.
cul com o; no pi. culs.— \\á. vol. i, Z 199.
cuia com a; no pi. cuias.—Vid. vol. i, § 199.
culho collo.
HisT. Vid. S 38-Obs. 4.
culidade (= culidade) qualidade.
HiST. Ou do lat. qualitate-, ou do port., onde
popularmente também se diz .culidade, comocuresma < quaresma, curenta < quarenta, etc.
Cf. port. coirella < * q u a d r e 1 1 a < > qua-
di^ula, e neste Vocabulário calidade.
cumbencido convencido.
HisT. Do lat. convincere com mudança de con-
jugação (§ 207, 10 1, 80), ou do português.
cumhersaciôfi conversação.
HiST. Do lat. conversatione- (87, loi, 80), ou
do port., com correspondência do suff. -iôfi a
-ão (arch. -om).
cumo e cume como (conj. e adv.).
HiST. Lat. quomodo, com syncope do -d- (106);
para o mais vid. S 63.—A forma cume corres-
ponde a port. arch. come, ex.: acome melhor
poderdes», do sec. xiii (in O Instituto, xlvi,
943); come no Elucidário, s. v. ; «achasse co?iie
de quanto servi» {Cancioneiro da Ajuda, 278,
V. 2, e passim); «come cada huij», sec. xiv
(Inéditos da Academia, iv, 585); «come son
postos {Port. Mon. Hist., Leges et consuetud.,
p. 85o). Cf. ital. cojne.
179
cumpaixõú — compaixão.
HisT. Lat. compassione- 180, iío». Com -ssi-
-|- vog. > ix cf. haixo < *bássiu- <>^b a s s u-
.
ciimpanheh'0 companheiro.
HiST. Vid. s. V. acumpajihar.
ciimparar comparar.
HiST. Lat. comparare > comparar nbi-c) >ciimparar (80).
cumpleto completo.
HisT. Do port. (801.
cuncencia consciência.
HisT. Do port. (80).
cuncertado, —— concertado.
HisT. con-certado (80).
cundanhar condemnar. Flexão: cinidanho, cunda-
fihas, cimdanha.
HiST. Do lat. *condamnare ícf. Kõrting, Lat.-
rom. \\1)., s. v.'i; -mn- > -nh- ivol. i. p. 280 <.
Também se ouve ciindanar e cundeiiar, que
revelam influencia do português.
cundeiiar condemnar.
HiST. Vid. cundanhar.
cunjiar confiar.
HiST. con-Jiar iSo)\ fiar < *fidare (loò: <>f i de re
.
cunjiança confiança.
HisT. Do thema de cunjiar -~ sutf. -a-nça (vol. i.
p. 459;.
cunsentir e cunsintir consentir. Flexão : cunsinte,
«consente».
HiST. Lat. consentire > consentir íi32-c) >cunsentir ^76, 80).—A cerca de cunsintir vid.
também C 76.
cunsolo consolo.
HisT. De cunsolar, «consolar» < lat. consolare(i52-c).
i8o
ciiníar contar.
HiST. Lat. còmp(u)tare > *contarc vol. i,
p. 279) > coutar (i52-c) > cuntav iSoi.
cuutentamiçnto contentamento.
HisT. Do thema de cuutentar, «contentar».
ciiuteutar contentar.
HisT. Deriv. do thema de cuuteuto.
cuutento, -a contente.
HiST. Md. vol. I, C 80.
cuntino contínuo.
HiST. Do português, senão o / do lat. conti-nuus teria dado c. A forma portuguesa é de
origem litteraria.
ciDitráiro contrário.
HisT. Do port. contrário (80), que é de origem
litteraria.
cuntrato contracto.
HisT. Do port. contracto, senão -acto teria dado
-eito (44).
curto cortado, ferido.
HiST. Vid. Z 249-OBS. 3.
Cçaniarra pelle.
HiST.— Cf. Kõrting, Lat.-rom, Wb., Z 2776.
.V. B. E curioso que na Beira-Alta se diga eusa-
marrado no sentido de «pessoa que tem co-
rvza ou bronchite», sobretudo no último: a evo-
lução sematologica partiu de «pessoa que por
causa d"essa doença se envolveu numa pelle»;
d'ahi samarreira, «bronchite», etc.—Na Beira-
Baixa usa-se a palavra saman^do no sentido de
«mono», «que não falia»; parece relacionar-se
essa palavra também com çamarra.—A me-
lhor graphia d'essas palavras populares beiras
será pois com ç\
i8i
D
dabinar adivinhar. Também se diz adabinar e adc-
binar.
HiST. Lat. divinare > aderiíiar ^ibi-a, i32-c,
149-Í3) > adabinar (loi).—A forma adeiinar
está também representada pelo asturiano mo-derno iB. Vigon, \'ocabulãrio de Coliinga^. Amudança de e em a, de mais a mais ao con-
tacto da labial, é difficil de explicar: cf. no em-
tanto o port. pop. Sabastião < Sebastião.
danhado danado.
HisT. Lat. damnatu- ivol. i, p. 2X0, io3).
danho damno.
Hi5T. Lat. damnu- (vol. i. p. 280).
debino divino.
HiST. Lat. divinu- 1 149-a, loil.
defender defender.
HiST. Lat. defendere icom mudança de con-
jugação: S 207) > defender (i52-c) > defender
--(Si.
defrente ditferente
.
HiST. Lat. differente- 170, i52-è).
déie dêem. Do verbo dar. Vid. Z -70.
delantrc deante.
HiST. Vid. vol. I, p. 448. Em hesp. arch. delantre
e adelantre, in El Fuero d'Arilés, ed. de Fer-
nandez Guerra, p. iSq.
delatar dilatar.
HiST. Do port. dilatar, que é de origem litteraria:
lat. di lat are. Na lingoagem popular portu-
guesa também se usa delatar.
delor dòr.
HisT. Lat. dolore- > dolor {\d2-c) > delor
(149-a I.—A forma dolor está também repre-
sentada no hespanhol.
l82
ddorofo (= deluró/u), -a doloroso, -a.
HisT. Deriv. do thema de delor (459).
depender— depender.
HiST. Ou do lat. de-pendêre, ou do port. de-
pender, o que julgo mais provável.
deprumado, -a—-sem priimas (pennas).
HiST. Deriv. do thema de priima; propriamente
a palavra decompõe-se em de-prum-cido.— Cf.
defalado.
dcpuis depois. Vid. vol. i, p. 449.
dereito direito.
HisT. Lat. derectu- (vol. i, p. 287) <> dire-
ctui cf. hespanhol dcrecho, português archaico
dereito.
defalado sem alas (asas).
HiST. Do thema de ala ; propriamente : def-al-ado.
Cf. o participio de-prum-ado.
dejanfrenado (= de/ afrenadu) desenfreado.
HiST. Em virtude do § 76, poder-se-hia esperar
defcnfrenado ; mas a palavra é formada de an-
frenado < > port. *enfrenado, com an-, se-
gundo o Z 75. A base é freno < lat. f r e n u -
,
«freio». Propriamente: def-an-fren-ado.
de/angauhar desenganar.
HiST. Formada de angauho. Propriamente a pala-
vra decompõe-se em dej'-anganh-ar.
defanquíeto inquieto.
HiST. Vid. vol. I, p. 461 (onde se lê defanqiiieto em\ ez de defanquíeto). A forma primitiva é quieto,
também com íe, correspondente ao send. quito.
O mir. quieto rima com príeto, «preto»; o send.
quito rima com a palavra port. mosquito. Naoiigem devia dizer-se quieto, com o dissyllabo
ie, que depois se condensou em íe; condensa-
ções análogas oft'erece-as o português a cada
passo na pronúncia familiar, por ex. : âu =a -4- o, éu = é 4- o.
I»D
defauterrar desenterrar.
HiST. Propriamente def-an-terr-ar. A base é terra.
Cf. quanto a phonetica desanfrenado.
defaparcer desapparecer.
HiST.O port. desapparecer ^- des-apparecer, do
lat. apparescere.defarranjo (e defarrãijo?
)
desarranjo.
HiST. Formado de arranjo. Propriamente temos:
dej-arraujo.
descomcer (=- descuTcér; desconhecer.
HisT. Formado de coincer. Propriamente a palavra
decompõe-se em des-comcer.
desanimar desconfiar. Em lingoagem descuidada
pôde dizer-se dscunjiar, com syncope de e
(cf. l52).
HiST. Formado de cunjiar. Propriamente temos:
des-cunjiar.
descimsolo desconsolo.
HiST. Propriamente: des-cunsolo.yiá. s. v. cunsglo.
desde^ir desdizer.
HisT. Propriamente: des-de^ir. Vid. s. v. de-i'r.
desdito/o desditoso.
HiST. Do port. desditoso.
defeio desejo.
HiST. Vid. dejiar.
desgracia desgraça.
HisT. Formado de gracia. Propriamente temos:
des-s^racia.
desgraciado, -a desgraçado, -a.
HiST. Deriv. de desgracia.
desgiisto desgusto.
HisT. Propriamente: í/es- o-z/s/o. Vid. s. v. gusto.
desgiistofo, -a desgostoso, -a; descontente.
HiST. Do th. de desgusto -f- sulT. -ofo Cvol. i. p. 45qj.
defiar desejar.
HisT. Esta palavra posmla como base defeio: cf.
hesp. desear, de deseo; todavia em mir. ouvi
i84
dizer desseio, com ss, a par de defeio, dejiar e
dejiofo. Em português antigo encontra-se tam-
bém dessejar (a par de desejar). Diz o Sr. Epi-
phanio Dias na sua bella edição das Obras de
Christovão Falcão, a propósito da forma des-
sejar empregada por este auctor: «A graphia
dessejar representa, em nosso entender,
a pronuncia originaria conforme á etymologia
(do latim popular dissidium por deside-rium)»: p. 3i nota. Todavia é preciso admittir
também *desídium: cf. J. Cornu, Die por-
tugiesische Sprache, § iii; Kõrting, Lateinisch-
romanisches Wõrterbuch, n.° 2521
; e ainda outros
AA. (Diez, Meyer-Lubke).— Quanto a deseio >* d e s í d i u m cf. S ^"j-a.
desnudar despir.
HisT. Do th. de nudo. Propriamente: des-nud-ar.
desnudo nu.
HisT. Cf. desnudar.
dejonra deshonra.
HiST. Propriaente: def-oura. Quanto a oura, port.
e hesp. mod. honra (em hesp. ant. ondra., emport. pop. honlra = hõlra)., esta palavra creio
ser substantivo verbal tirado do verbo honrar
< h o n o r a r e .
defõumano - deshumano, inhumano.
HiST. Propriamente: def-õuniano.Yiá. s. v. õumano.
despeja - despesa.
Hisr. Lat. dispensa, lat. vulg. *dispesa ou*' despesa.
despre\iar deprezar.
HisT. Lat. * di sp r e t i ar e : vid. Kõrting, Lat.-
rom. Wh., s. v. Quanto d phonetica cf. G Sy-ti.
despuis depois.
HisT. Vid. vol. I, p. 449.
desquelorado descorado.
Hisr. De quelor. Propriamente: des-quelor-ado.
i85
desquemuiiLíãr excommungar.
HiST. Vid. vol. I, p. 461. Formado do lat. *de-ex-communicare iib^-b, 124. io3). — Sub-
stantivamente: desquemuugado.— Cf. nos Port.
Moii. Hist., Leges et consuet.. p. 8ro: «todo
christiano que auer dere a renouo seia dcsco-
miingadoí). Em hespanhol ha também desco-
mulgado.
destempvar destemperar.
HiST. Propriamente: des-iemprjr <C Isit. *de-ex-temperare (i52-^, i52-c).
de:{i dizei. Do verbo de\ii\ Vid. § 287.
de-ir dizer.
Hist. Lat. dicere (127") com mudança de con-
jugação 1,207;.
Diabro Diabo.
Hist. Lat. D i a b ' 1 u - (vol. i, pp. 283-284).
diç diz.— Flexão do verbo de-ir (287).
die dia.
Hist. \\á. vol. i, C 34-0^.
dívé derem. Flexão de dar. Vid. Z 270.
disse desse.— Flexão do verbo dar (270).
disse dessem. Flexão de dar. Wá. Z 270.
Dius Deus.
Hist. Vid. vol. i, 5i-c7, iSq.
dixe, dixo disse (i.* e S.'"^ pess.).— Flexões do verbo
de^ir (287).
dolo dó.
Hist. Substantivo verbal correspondente ao latim
dolere. Cf. hesp. duelo, port. arch. doo, mod.
dó (lat. vulg. ibérico "'dolu-): cf. ainda fr.
deuil.
donde, adoiide onde, aonde.
Hist. Vid. vol. i, p. 448.— Lat. únde (161 •.
dórú deram. Flexão de dar. \\á. Z 270.
dôii deu.— Flexão do verbo dar (270).
dõus dois. Vid. vol. I. p. 348.
i86
díies duas. Vid. vol. i, p. 348.
dunieilhã donzella.
HiST. Lat. *dom'nicella- (49, 80, 127, 141).
Eeidade idade.
HiST. Lat. aetate- (loS, yS).
eideia ideia (phantasia).
HiST. Do port. ideia < lat. i d e a , accentuado
como o gr. iòix.
eigtwrante ignorante.—Também se diz augnorante
e einoraiite.
HiST. De origem portuguesa lyS).
eigual igual.
HiST. Lat. aequale- > egual (124, i52-c) >eigiial (73).
cVia ella.
HiST. Vid. vol. 1. p. 352 sqq.
eilhes elles.
HiST. Vid. vid. 1, p. 352 sqq.
eilhi alli.
HiST. \\á. vol. I, pp. 447-448.
eimortal immortal.
HiST. Lat. immortale- (73), ou do português.
eiiiemigo inimigo.
HisT. Lat. i n im i c u - > inemigo (i^ot-a) > eiiemigo
> einemigo ifò).—A enemigo corresponde a pa-
lavra hespanhola que tem a mesma forma.
A'. B. A palavra portuguesa inimigo, na pronúncia
ordinária inemigo, é de origem moderna, refeita
sobre o lat. inimicus; a genuina palavra port.
ant. é enmigo, imigo, esta ultima conservada
ainda na poesia até tarde.
einocente innocente.
HiST. Palavra de origem ecclesiastica (cf. «os Santos
Innocentes») ou portuguesa, porquanto no latim
IN;
innocente- os -im- dariam-;//;- cmmir. (141).
A cèrca de ei- xlá. Z 73.
Eipocrcne Hippocrene.
HiST. Não fiz mais que amirandesar o português
Hippocre)ie <i\at. Hippocrene = gr. I-rc-
•/.zr.vn. Tal palavra é desconhecida em Miranda.
eiqiii aqui.
HisT. Vid. vol. I, C 292.
eifemplo exemplo.
HisT. De origem portuguesa, como o prova a con-
servação do grupo -mpl- (Grammatica, p. 283).
eiterno, -a, eterno, -a.
HiST. De origem ecclesiastica (cf. «Padre Eterno»)
ou portuguesa, senão no lat. a e t e r n u - o -t-
teria dado -d-, A cerca do ei- cf. § 73.
él elle.
HiST. Vid. vol, I, p. 352 sqq.
ende ahi.
HisT. Vid. vol, I, p. 447. A significação primitiva é
«d' ahi», e, por extensão de significação, «disso»:
cf. no Cancioneiro da Ajuda, ed. de D. Caro-
lina Michaelis, p. 8, v. 23:
E o que xvCende guardar não poder. .
.
E essa a significação do lat. inde, conservada
no fr. en, etc. ; mas, assim como unde, que
significa «d'onde», passou a significar «onde»,
também inde passou em mirandês a ter o
significado de «ahi».— Forma port. arch. pa-
rallela é en.
fabor favor.
HiST. Do lat. favore- iioi), ou directamente do
português.
fágã façam.
fágades— façaes (277).
i88
fai faz (277).
fáié fazem (2771.— Flexão do x^iho fa-er (277).
fame fome.
HiST. Vid. vol. I, p. 216, n. i.—A palavra fame é,
como lá digo, também portuguesa archaica. Por
exemplo, vid. Inéditos d'Alcobaça, de Fr. For-
tunato S. Boaventura, i, i35, 142, 146, 162. NoCancioneiro de Resende, i, 184:
Sobre todos vem doença,
Sobre todos vem tal fame.
Cf. prov. fam, port. faminto, etc.
fantejia phantasia.
HiST. Do port. phantasia, que tem origem litte-
raria: lat. phantasia, accentuado como o gr.
':,x-j-oi.'^íy.. Em ling. pop. port. também se diz
fantesia.
faróç feroz. PI. fa-orcs.
HiST. Lat. f e r o c e - > fcroç (i 28) ^ faróç (i 5o-c).
fa-írfi fizeram (2771.
fa-istes fizestes. Do \Qvbo fa-er (2771.
fedlidade fidelidade.
HiST. Do port. fidelidade, que tem origem litte-
raria: lat. fidelitate- isenão -d- ter-se-hia
syncopado como ^m. fiel < fidele-).
felcidade felicidade.
HisT. De origem portuguesa. O port. felicidade c
de origem litteraria: felicitatc-.
felhico filhinho.
HisT. Deminutivo com -ico (174 sqq.). Propria-
mente: filh-ico y' felhico {i^q-a).
feliç felis.
HisT. Do lat. felicc-, ou do port. yè//-, que é
forma de origem litteraria; a forma portuguesa
popular que lhe corresponde está hoje ainda
representada pelo appellido Fins=^ Fu\, e pelo
nome geographico Sanfins = Sã Fins.
i89
felor flor.
HisT. Do port. y/or, que é forma litteraria provinda
do lat. flore- y-JIor {ib-i-c)'^ felor i\b\-b).—Cfr. Revista Lusitana, ii, 371; e iii, 3-27.
ferbura fervura.
HiST. Subst. verbal ác ferber < lat. ferve re-
-|- sulf. -ura.
fermofo, -a formoso, -a.
HiST. Lat. formo su- (i4()-íí).— Cf. port. ant.
fermoso, hesp. hermoso.
fertuna fortuna.
HisT. Do lat. fortuna- ( 149-tT), ou do português,
que tem origem litteraria.
fíerro ferro.
HisT. Lat. férru- (5o).
fíçsta festa.
HiST. Lat. festa- (60).
filo fio, cabo.
HisT. Lat. fllu-.
fnar findar, acabar.
HisT. Lat. *finare (i52).—A forma latino-vulg.
*finare, derivada de finis (<> litt. finire,
que deu em port. arch. fiir, mal transcrita no
Elucidário de Viterbo por Jiir) é postulada pelo
hesp. finar., ital. fnar, etc. Cf. Kõrting, Lat.-
rom. Wb., Z 3274.
fiyO fez. Do verbo /b^er (277).
fondo, -a fundo, -a.
HiST. Lat. fúndu-. Cf. prov._/ò;i<i, fr.fond, ital.
fondo, hesp. hondo, astur. fondii.
fonte fonte.
HiST. Lat. fonte- (58).
fora fora.
HiST. Vid. vol. I, p. 448.
força — força.
HiST. Lat. fòrtia- (58), plural neutro de fortis,
empregado com funcçao de substantivo femi-
igo
nino, como tantos outros, por ex. : debita.vir'dia, pigmenta .
formefiira formosura.
HiST. De fermofo. Propriamente: de *fennefurã
(149-a), apparecendo depois o por e na pri-
meira syllaba, por influencia da labial inicial,
cuja acção foi de mais reforçada pela da labial
seguinte (i5o-a).
forte forte.
HiST. Lat. forte- (58).
fortissetnamente fortissimamente. Superlativo adAcr-
bial de forte.
fráita flauta.
HiST. Tem-se proposto como base o verbo *fla-
t u a r e ; cf. português antigo fraita, popular
fráiita, hespanhol flauta, etc.—Vid. Kòrting,
Lat.-rom. ]Vb., § 33 18. — Et3^mologia duvidosa.
frida ferida (subst.).
Hisi. De ferir, como henida, caída.
frie fria. Wá. friii.
frir—- ferir.
HisT. Lat. ferire (i52-c).
frhi frio. Fem. frie, em próclise frV.
HisT. frigi du- (57).
fromofo, -a formoso, -a.
HiST. Variante de fermofo.
fruito fruto.
HiST. Lat. fructu- (vol. i, p. 287).
fui foi. Do verbo ser (261).
fulgar folgar. Também se usa folgar.
HiST. Lat. follicare > *\foligar (124, i52-c)>
folgar {\b2-b) 'y fulgar.
funga funda.
HiST. Vid. vol. I, p. 3o4 (base lat. funda-).
fur for (261).
fúrú foram (261).
fusse fosse (261).
iQi
ganado gado.
HiST. Cf. hesp. ganado.
garunho, -a escasso, sovina. Também se diz siibino
e apunhado.
HisT. Cf. astur. gorullo?
generofo (^ jeneró/m, -a generoso, -a.
HiST. Do port. generoso, que é de origem litteraria:
lat. generosus.gj-abe grave
.
HiST. Lat. grave- iioi).
gracia graça, agradecimento.
HisT. Lat. gr a ti a- (871.
gi'a7idessissemo grandissimo.
HiST. Vid. vol. I, : 186.
giiapo lindo.
HiST. Vid. Diez, Etvm. Wh., i. s. v. «guappoy.
gusto gosto.
HisT. Não directamente do lat. gústus, cujo 11
daria o 161 1, mas sob a influencia do verbo gos-
tar, isto é, giístar <i lat. gústare. Cf. hesp.
giisto, catai, gust, que devem ter a mesmaexplicação.
Hhaba haja (260).
haber haver (260).
hai ha (^260).
hôubo houve (260).
/
i e.
HiST. Lat. é t > e, que, por ser sempre procli-
tico, se tornou i. A mudança deu-se talvez pri-
meiro só antes de vogal, generalizando-se emseguida. A m.esma explicação convém ao por-
tuguês, onde e soa hoje i; no Cancioneiro da
Ajuda encontra-se por vezes et e ed.
IQ2
incha encha mo conjunctivo). Do verbo aiichcr.
HiST. Lat. implere > íncJier (;283) > encher >ancher (jS).
.7
Joã João.
HiST. Lat. *Joane- (i lo-^j = Johanne-.
jiidhi judeu.
HiST. Lat. ludaeu- Í69-Z' e 5i-a).
juiç juiz.
HiST. Do port. jui\, provavelmente.
jiirdiçôú jurisdição.
HisT. Wá. vol. I, p. 299.
Ll— o.
HiST. Vid. vol. I, C 198.
la—-a (art. fem. sing.).
HiST. Md. vid. I, 198.
ladrou ladrão.
HiST. Lat. latrone-. Ao lado da forma ladrõil,
com /-, também se usa, segundo o § 111. Iha-
drõíí com Ih-; assim como se usa Ihadra, a
par de Ihadrona.— Em asturiano, onde, como
disse (iii-Obs. 3), a l- corresponde Ih- como
em mirandês, encontro a mesma incerteza: o
Diccionario de Vigón cita lladrón ; o de Rato
cita ladra.
le lhe, lhes.
HisT. Vid. vol. I, r. 193.
Ihahar lavar,
HisT. Lat. lavare- > * lavar (i52-c; > Ihabar
(l I I, lOl).
Ihaço laço.
HiST. Lat. laqueu- > (§ 87-C7, pois que em lat.
vulg. foi - q u e u tratado como -céu, - c e a)
> Ihaço (III).
19-^
Ihado lado.
HiST. Lat. la tu- (iii, io3).
Ihadrõíí. Vid. s. v. ladrõft.
Ihagona lagoa.
HisT. Vid. vol. I, p. 123.
Ihágrima lagrima.
HisT. Lat. lacrima- (124,111).
Ihança lança.
HiST. Lat. lance a- (87, iii).
Ihançada lançada.
HiST. Do thema de Ihançar, com o suff. -a-da.
Ihançar lançar.
HisT. Lat. lance are- (i52-c, 87, 1 1 1 1.
Ihargo, -a largo, -a.
HisT. Lat. largu- (m).Ihebautar. Vid. s. v. alhebantar.
Ihebar levar. Flexão: Ihiebe (leve).
HiST. Lat. levare (i52-c, iii, loií.
Iheitôu leitão.
HiST. Lat. *lectone (142-J, i\o-b, iiij.—A cerca
de * lectone- vid. o vol. i, p. 126, nota.
Ihembrança lembrança.
HiST. Deriv. do thema de Ihembrar -\- suff. -a-uça.
Propriamente: Ihembra-nça.
Ihembrar lembrar.
HiST. Lat. memorare > '^mem'rar (i52-^,
xbi-c) > *membrar (142-/2; > nembrar (149-^)
> lembrar ( 149-è) > Ihembrar ( 1 1 1).—A forma
lembrar corresponde em português moderno
forma igual •, a nembrar corresponde tambémforma igual em português archaico, por exem-
plo no Cancioneiro da Ajuda, v. 6067
:
Quando me nembra o prazer
e outros muitos passos podia aqui citar.
Ihengua (= Ihéngua) lingoa.
HiST. Lat. língua- (52. 1 1 1 1.
194
Ihibrar livrar.
HiST. Lat. líber are {ibi-b, \b2-c).
Ihibre livre.
HisT. Lat. *Iíbre- (iii).— A forma *libre-por libni- deve ter sido motivada pela analogia
com outros adjectivos em -e; cf. contente (vol. i,
p. 242, n. I e p. 4Ó0).
Ihibro livro.
HiST. Lat. líbru- (m), com i, porém, em vez
de e (52), porque a palavra é certamente de
origem erudita, embora introduzida em epocha
remota, como o mostra o ///-.
Ihiona Vid. liona.
1/iogar logar.
HiST. Lat. *locare- (iii)<> locale-.
Ihõugo logo.
HisT. Vid. Grammatica, § 58-Obs. d. Sobre Ih-
vid. C III-
Ihuitav lutar.
HiST. Lat. luctare > (142-y, i52-c).
Ihume lume.
HisT. Lat. lumein) (iii).
Ihusques-fusques lusco-fusque. Também se diz Ihus-
que-fiisque , Ihòsqiie-fosco e Ihòsqiie-fòsques.
HisT. Cf. port. litter. lusco-fusco, port. de Lisboa
lusqiie-fusque, gall. entre lusco efusco.—O gal-
lego representa talvez a phrase primitiva, que
se originou da rima de lusco com fusco; cf.
nem chus, nem bu^, onde bu\ foi pedido por
chus («mais», do lat. plus). Vid. a respeito
de factos semelhantes a Grammatica, p. Sog.
n.'' 7. Depois a expressão, ainda em virtude da
rima, tornou-se uma palavra única, luscofusco
;
cf. num ensalmo popular do Minho a fórmula
Pedro-Paulo foi a Roma (rima allitterante), emvez de Pedro e Paulo foram a Roma (isto é,
«S. Pedro e S. Paulo»). De luscofusco pas-
IC)D
soLi-se para lusco-fiisque, bisque-fusque, por dis-
similação dos iiii; cf. na ling. fam. tude-nada
por tudo-nada. A explicação até aqui convém
ao português e ao mirandês, só neste o /- é Ih-.
De Ihiisqiie-fitsqiie fez-se lliiisqiies-fusques, por
a expressão ter certo sentido adverbial, e ser
frequente juntar -s aos advérbios ; cf. na ling.
pop. entrementes, sumentes, ant. mentes, etc. Éprovável que antes de Ihusqiies-fiisques se dis-
sesse *" Ihusque-fusqiies, havendo propagação do
-s final ao primeiro elemento da expressão.
—
As formas com o explicam-se pelo u do lat.
pop. *lúscus e *fúscus: cf. Kõrting, Líí/.-
rom. IVb., s. vv. O latim clássico tem Ti nas
duas palavras.
lialdade lealdade. Também com /-, e não Ih-, se
diz liai.
HiST. Do português.
limôú limão.
HisT. Árabe leimôn: vid. Doz}', Glossaire, s. v.,
e Sousa, Vestígios, s. v.
lingiiaije linguagem.
HisT. Do português.
liona leoa.
HiST. Do lat. *leona <> leaena. Com quanto
me conste que em alguns logares da Terra-dc-
Miranda se usa Ihiona (segundo o g 1 1 1), o
Sr. Bernardo Fernandes Monteiro assevera-me
que só conhece liona. — Cf. o que digo a res-
peito de liou.
liõã leão. PI. lionês.
HiST. Do lat. leone- (iio-^i.— Consta-me que
também se usa Ihiõã (segundo o § no), mas
o Sr. Bernardo Monteiro só conhece liou, que,
em todo o caso, é a forma usual. Não admira
que se dê esta apparente infracção ás leis pho-
neticas do l- (Z i i i): P°^ '^^*^ 4^^ ^ leãaé animal
igG
estranho á Terra-de-Miranda, e só podia ahi ser
conhecido por intermédio dos contos populares
ou da Igreja.
Lixandre Alexandre. Litt.
HisT. Vid. Grammatica, j i52.— Em português
popular também se diz Lixandre.
lo o. Pronome.
HisT. Vid. Grammatica, C iqS.
lõje ou lôije longe.
HiST. Vid. Gr.\mmatica, § i42-/'(mas a palavra, por
causa do /-, deve ser de origem portuguesa r,
em asturiano lem //-; llonxe, llone.
lomiar (= lumiar) nomear.
HiST.A^id. Grammatica, § 149-^ imas a palavra deve
ser de origem portuguesa; do contrário o ;/ do
lat. nominare não cairia).
loureiro loureiro, louro.
HisT. Lat. ^laurariu-.^— Cf. vol. 1, p. 260.
louro, -a louro, -a (côr).
Hisr. Et3^mologia obscura (vid. Kõrting, Lat.-rom.
Í17>., s. v. «aureus»).— Cf. também o vol. i,
p. 260.
hífitano, -a lusitano, -a.
HiST. Esta palavra não se usa em Miranda. Empre-
guei-a por necessidade da rima, mas d'accôrdo
com os hábitos do idioma mirandês.
Mmagosto magusto.
HiST. Cf. gall. magosto, astur. magiiestu, ama-
giiestu, amagostar. Na Beira diz-se t?iagusto.—A etymologia é difficil; parece entrar nella a
palavra lat. ustus: mas o que significa o ele-
mento mag-?
mai mãe.
HiST. Vid. vol. I. p. 2Í^I.
'97
mal mau. Em próclise. Vid. s. v. maio.
maio mau. Em próclise mal, ex. : «mal nome», «mal
negócio» (cf. Grammatiça, p. 472, 3 307).
HisT. Lat. m a 1 u -
.
ftiatio mão.
HisT. Lat. man u-
.
mansico, -a mansinho, -a.
HiST. Deminutivo de manso.
mausidõã mansidão.
HisT. Vid. Grammatica, 5 iio-^.
mantenér-se manter-se.
HiST. Lat. manu-tenere, com syncopc do u
(\bi-b).
más mais, mas. No sentido de «mais», e «mas» tam-
bém se diz mais.
HiST. Md. vol. I, pp. 45-2 e 455.— E frequente ?uaís
por «mas» em português archaico, como ainda
hoje na lingua vulgar; cf. no Cancioneiro da
Ajuda, p. 28, V. 4 (e passim), «mais se o sei».
Mediífa Medusa.
HiST. Palavra desconhecida em Miranda. Emprc-
guei-a para ser fiel á traducçao, mas de accôrdo
com os hábitos phoneticos do mirandês.
medonho medonho. Parece que também se diz me-
dunho.
HiST. Derivado do thema de medo (298-a): pro-
priamente med-onho.
meni?iéç meninice. Em lingoagem descuidada pôde
dizer-se mninéç, por syncope do e {\b2-b).
HisT. Do thema de menino com o suff. -eç <-ítie, variante do suff. -ítia- (87-a). A ter-
minação - 1 i e teve o mesmo resultado phone-
tico que -ce (128).
mercida merecida.
HiST. Participio de mercer < > português mei^e-
cer < latim *merescere, forma inchoativa
de merere.
198
meja mesa.
HiST. Lat. m e n s a - , lat. vulg. *m e s a (vol. i,
p. 283).
ynefes pi. de mes, «mes».
HiST. Lat. mense-, me n ses, em lat. vulgar
*mese, meses (vol. i, p. 283).
1. mi mim.
HiST.Vid. Gra.mmatica, Z 193.—-A forma mi encon-
tra-se a cada passo no português archaico.
2. mi ou ?7iúi míii.
HiST. Vid. vol. I, p. 452. A evolução foi: tmiito >mui > * ;;;/// > mi.
mi em próclise por mie~i— minha.
HisT. Vid. Grammatica, 3 206.
mie minha.
HisT. Vid. vol. I, p. 364.
miedo medoHisT. Lat. m è t u - (60).
77Úel— mel.
HisT. Lat. m è 1 (5o), ou, se prefere, * m é 11 e -
(l52-C).
milhor — melhor.
HisT. Lat. meliore (184, 87-^ e i52-c).
mimofo mimoso.
HisT. Do th. de inimo -f sulf. -o/ò (vol. i, p. 459).
mintir mentir.
HisT. Lat. mentire <> mentiri (i52-c, 76).
mintirofo mentiroso.
HiST. Do th. de mintira -\- suff. -ofo (vol. 1, p. 43q).
mirar olhar.
HiST. Lat. mirare ri52-c) <> mira?'i (209).
N.B. E do thema deste verbo que vem a palavra
Miranda, c por tanto o adj. mirandês, segundo
o que se disse no vol. i, p. 33 sqq.
mifarahle miserável.
HiST. Lat. miserabile- (i5o-c, i52-^). A pala-
vra de\ e ter vindo por intermédio do português.
199
mijeriã — miséria.
HisT. De origem portuguesa.
mhi meu.
HisT. \'\á. Grammatica, § 20o.
'mor Vid. s. v. amor.
morrer—-morrer. Também se diz morrer-se, ex.:
«tJiorrni-se-))i' una canhona» (morreu-me umaovelha).
HiST. O lat. *mórere <> mori, — por isso
que os depoentes receberam formas activas emromanço (209), e este verbo é da 3.* conj. —
,
dava naturalmente em mir. (e port.j * morre
(cf. prov. querre < quaérere): por isso este
infinitivo, que não tem a terminação usual, foi
alongado em morrer (cf. ital. essere < esse).
Tal é a explicação que pouco mais ou menos se
tem dado d'este verbo. Todavia poderá pôr-se
uma objecção: porque é que succedeu isto commorrer, e não com querer, que estava nas mes-
mas circumstancias ?
morte morte.
HiST. Lat. morte- (58).
morto, -a morto, -a.
HisT. Lat. mòrtu(u)- (58).
Môurama Mourama, terra dos mouros.
HiST. Tanto em português como em mirandês ha
nesta palavra um suff. -ama, que parece ser o
mesmo que se encontra em courama {coiir-ama)^
e terá por origem o suff. lat. - a m e n , estu-
dado pelo Sr. Meyer-Lubke na Gramm. der
roman. Sprach., 11, § 444.
mouro, -a mouro, -a.
HiST. Lat. M a u r u - (69-a).
mos nos.
HiST. Vid. vol. I, p. 354 e 407, nota 2.
múi mui.
Vid. mi.
200
muitissemo muitissimo.
HisT. Vid, Grammatica, Z 186.
viúito muito.
HisT. Lat. multo (142-^-).
mulhier mulher.
HiST. Lat. muliére- (147,51-^,87-^1).
N. B. No hesp. mod. diz-se iniijer; mas no hesp.
arch. o e ditongava-se como em mirandês, pois
se lê em mss. do «Fuero Juzgo» miigier (apud
Galindo, Idioma castellano, p. 35-, cf. p. 118,
nota; outros exemplos de mugier no sec. xiv,
ibidem, 148 nota). Usou-se mugier em hespa-
nhol até o sec. xv {ibidem, p. i65).— Por isso
ha correspondência entre mirandês e hespanhol.
mimíajiha montanha.
HiST. Lat. *montanea- (Sj-a, 80),
A^ B. A forma *montanea, — que está para
mo7is, como o lat. campanea (campaneus) para
campus—, justifica-se também pelo prov. mon-
tanha, fr. montagne, ctc.
minitõã montão (magote).
HiST. Augmentativo de monte, que tanto pôde ser
formação propriamente mirandesa (173), comoascender a um protótypo latinò-iberico *mon-tone- (vol. I, p. 126, nota): cf. hesp. montón.
Mu/a Musa.
HiST. Palavra desconhecida em Miranda, mas que
adoptei por tidelidade de traducção, e de accôrdo
com os hábitos phoneticos do mirandês.
Nnabegar navegar.
HiST. Lat. navigare > navegar (70, i52-c) >nabegar (loi).
nabiu — navio.
HisT. Lat. navígiu- (53, i35, b~).
•201
iiacer nascer.
HiST. Lat. nas cere (com mudança de conjugação
§C 207, 208 e p. 287).
nariç nariz. PI. narizes.
Hisi. O Sr. Adolfo Coelho no Diccionario ety-
mologico explica uari^ pelo latim naris, mas
o -:{ do port. narii e do hesp. nari\, e o -ç
do mirandês nariç contradizem esta explica-
ção; só uma forma como *narix, *narTce-
póde explicar aquellas palavras, e outras do
romanço (cf. Kõrting, Lat.-rom. Wb., Z 554i);
assim se explica também o -g- do derivado
português narigão « *naricone-) e nari-
ganga. — O Sr. Cândido de Figueiredo não
segue o melhor caminho quanto á etymologia
que propõe d'esta palavra; diz elle: unari^. .
.
do baixo lat. naricus ou de outra forma aná-
loga, do lat. naris». O lat. *narix é postu-
lado não só pelo consenso das lingoas româ-
nicas, mas ainda pelo verbo lat. naricare, que
tem o aspecto de derivado de um thema em-ic, qual é o de * n a r i x .
naide ninguém.
HiST. Vid. Grammatica, 5 202 c Obs. 2.
n, ne no. PI. nes.
HiST. Vid. Grammatica, Z 199.
neçairo necessário.
HisT. Vid. o vocábulo necidade, na Grammatica,
Z i52-c.— Outra prova a juntar á que dei s. v.
«necidade», de que esta palavra não data do
latim vulgar, está na terminação -airo < -ariu,
que, se fosse popular, devia ter-se tornado -eiró
(44).
necidade necessidade.
HiST.O lat. necessitate- > necessidade (io3)
> necidade (ibi). Mas a palavra, tanto em mi-
randês como em português, é relativamente mo-
202
derna, senão a syllaba -ce- estaria representada
nos dois idiomas por --- (127). Em mirandês
deve ella ter origem portuguesa.
neilhe nelle.
HiST. A forma neilhe é por analogia com ne (199),
e tem a mesma explicação que o port. nelle,
neste; etc: vid. o meu opúsculo As ^Lições de
li)igoagem» do Sr. Cândido de Figueiredo (aná-
lyse crítica), Porto 1898, p. 5o sqq.
nel no (199).
nembro membro.
HiST. A palavra é de origem portuguesa, e não
ascende directamente ao lat. m è m b r u - cujo
è teria dado ie em mir. (5o)', cf. hesp. miembro.
Em todo o caso, nembro (mir. e port. arch.) é
dissimilação de membro (149-^); cf. tambémport. arch. nembrar.
ni nem.
HiST. Vid. VOl. I, p. 455.
nial ninho.
HiST. Vid. vol. I, p. 458.
niebe neve.
HiST. Vid. Grammatica, 5 54-c.
ningú, a par de niii nenhum.
HisT. Vid. Grammatica, Z 202.
nino, -a-— menino, -a.
HiST. Cf. Kõrting, Lat.-rom. Wb., Z 5617.
nifi nenhum.
HisT. Vid. Grammatica, § 202.— Cf. port. arch.
niun no Cancioneiro da Ajuda, p. 2 3, v. 6
(e passim); e neun, ib., p. 25, v. 285.
nó, em pausa—- não.
HiST. Vid. vol. I, p. 45 1.
nobamente (de) novamente.
HiST. Locução adverbial. Sobre -mente vid. Gram-
matica, § 293. O o conservou- se na syllaba
inicial, por ahi recair o accento secundário;
200
em syllaba propriamente atona creio não haver
p (vid. Grammatica, p. 177).
nobidade (= núbidade) novidade.
HisT. Lat. novitate- > novidade iio3) > no-
bidade (10 II.
nobo novo.
HiST. Lat. nõvu- (58eioi).
nôufraijo naufrágio.
HiST. Do port. naufrágio 11541.
nu, por nfi antes de vogal e ;'.
HisT. Vid. vol. I, p. 4?!.
nubre nuvem.
HiST. Lat. *nubine-. Cf. sangre < sanguine.A^. B. A forma *nubine- é justificada também
pelo port. nuvem: vid. Meyer-Liibke, Gram.der roman. Sprach., 11, Z 16.
núite noite.
HiST. Vid. Grammatica, CS H-^g" ^ 5g,
númaro número.
HiST. Lat. numeru- ([5o-ci, por intermédio do
português número, que tem origem litteraria
(numbro é forma semi-popular).
numarofo numeroso.
HisT. Do thema de númaro -\- sutf. -oso (Gramma
xrcA, p. 459), ou do port. numeroso.
níma nunca (200).
Oolho olho.
HiST. Lat. óc'lu- (58, 142-g).
orne homem.HiST. Lat. homine-.—No vol. i, p. 280, expliquei
orne por *home('ne); todavia pôde propor-se
outra explicação : *hom'ne-> *hon'me e
^por assimilação: *omme, orne. No hespanhol
antigo encontra-se de facto onme {Fuero de Sa-
lamanca, ed. de Ruano, pp. i e 6}.^ mas encon-
204
tra-sc no mesmo documento tantas vezes tam-
bém orne, que pouco valor se pôde faz pois
ligar áquella forma.
ondia (= ondm) onda.
HiST. Lat. linda- (6i).— Cf. no port. pop. ondia,
que provém de onda, por desenvolvimento da
terminação -a em -ia, como em Elysia < Elysa,
etc. Vid. vol. I, p. 488.
ordene ordem.
HisT. Lat. ordine (i52-^).
õubedecer obedecer.
HiST. Na origem é inchoativo de o b e d i r e,pro-
priamente *obedescerc íi 52-c, 78).
õiibediença obediência.
HiST. Lat. obedientia-, certamente por inter-
médio do port. obediência (78).
oubeilha ovelha.
HiST. Lat. ovíc'la {lá^i-g, 78).
oubido ouvido. No pi. ôubidos, «attençao».
HíST. Lat. auditu- (subst.). Cf., s. v., ôubir.
õnbir ouvir.
H IS r. Lat. audire > *auire > *auwire >oumr (6g-a, i52-c) > õiibir (loi). A epenthese
(suarabacti) que se realizou nesta palavra rea-
lizou-se noutras em português;por ex. : coupe
> *cauwe > *caue < caule-, que está
representada em mirandês no deminutivo còii-
lina. Todavia em português archaico tambémha o/V.
õubrigar obrigar.
HiST. Lat. obligare > * obligar ( 1 52-c) > * obri-
gar (142-^) > õubrigar (78).
oiicaftôu occasiáo.
HisT. Lat. occasione-, certamente por inter-
médio do port. occasião, que é forma semi-
popular; a forma popular portuguesa genuina
é a antiga cajom.
•20?
ôucupaciôii occupaçao.
HisT. Lat . occupatione->* ocupaciõu ( 1
1
o-b i
> ouciipaciôú (78).
õudáç audácia, capacidade. «Tener õudáç para
todo»; «tener õiidaç para cantar».
HisT. Lat. *audacie- <> audácia (161 1 >* oudáç (69-<2, 128) > ôudaç (78).
õufender offender.
HiST. Lat. offendere > "^'ofender {ib-i-c) >* ofender (76) > õufender (78).
õufénsia oíFensa.
HiST. Lat. offensa > ^ofensa (78) > * õufensa
> õufénsia (vol. i, p. 488).
õufierta ofterta.
HiST. Lat. ^oíférta- <> oblata-, por ana-
logia com outros participios em -e-rta, isto é,
-e-ríu-s (ex. : apertus, coopertus) > * ofterta (5o 1
> õufterta (78).
õufrecer-se oíferecer-se.
HiST. Lat. ^offerescere > * ofrecer (
1
52-cj
> õufrecer (78).
ôuguardar—-aguardar. «Òuguardar por F.» Tambémse diz aguardar.
HiST. * aguardar > * auguardar (cf. vol. i, pp. 61-
62) > ôuguardar (84). De a-guardar: do thema
do germ. warda; cf. ali. jvarten.
õumanamente humanamente.
HiST. Do thema de õumano -\- surf. -mente (2q3 i.
õumajio, -a humano, -a.
HiST. Lat. hum a nu- (78).
ôumentar augmentar.
HisT. Lat. au(g)mentare (69-íi, i52-ci.
õumilde humilde.
HiST. O ou- em relação ao port. {hmmilde expli-
ca-se pelo Z 78-
õunesto honesto.
HisT. Lat. h o n e s t u - (78 1.
20b
õupeniôú opinião
HiST. o p i n i o n e -: por intermédio do português
(78)-
õiirdenado— ordenado.
HisT. Lat. ordinatu- > ^ordenado (io3) >õurdenado (78).
õuríegano ourégão.
HisT. Cf. port. orégão, hesp. orégano. Lat. ori-
g ã n u -. O ou- explica-se pelo :^ 78. O ditongo
íe é porém irregular, como o é também o e emportuguês e hespanhol.
õuvrendo horrendo.
HisT. Lat. horrendu- (78).
õuvrieta orreta, valle.
HisT. Vid. este volume, p. 20.
õutonho outono.
HiST. Lat. autumnu- > ^oiitom'no (84) > õu-
tonho (142-c).
outro, -a outro, -a.
HiST. Lat. a 1
1' r u - > * autru- (28Ó) > outro (õg-ti).
pa para.
HiST. Vid. vid. I, p. 446.
pã pão.
HisT. Lat. pane- (iio-^). Cf. hesp. pan, e o pi.
port. pães < panes.paç paz. PI. pa^^es.
HiST. Lat. pace- (128).
pacer pascer, pastar.
HiST. Lat. pascere (207,208).
pai-abó avô (vol. i, p. 029).
pariente parente.
HiST. Lat. parente- (5o).
pástio pasto.
HiST. Vid. vol. I, p. 3o8 (lat. pastu-).
20-
peligro perigo.
HiST. Lat. pe ri cl LI- > ^ perigro (142-0-) > /"c-
ligro (149-^).— Cf. hcsp. peligro.
pelo cabello.
HiST. Vid. vol. 1, p. 6b.
peiíojb, -a magoado, -a.
HiST. De pena -\- suff". o/b ( vol. i, p. 439). Pe7ia
< lat. poena (§ 69-c), a que corresponde a
forma ant. port. pea (ou pêà)'^ a moderna pena
é de origem litteraria.
pensamíçiito pensamento.
HisT. Lat. pensamentu- i5o^ 76).
pensar pensar.
HisT. Do português, onde é de origem litteraria
< lat. pensare: se o não fosse, -ns- teria
dado -s-, como deu no allótropo pesar.
peqiieinho pequeno.
HisT. Cf. Kõrting, Lat. -rum. JM)., Z 5912. O etvmo
parece dever ser *picquennu-.pequerrico pequenino.
HiST. Propriamente: peq(ii)-err-ico.
perdigõií perdigão.
HiST. \[á. S 110-^.
perdanar perdoar.
HíST. Lat. *per-donare (i52-ci.—O mirandês
neste, como em muitos outros casos, representa
uma phase prehistorica do português ; de facto,
entre o lat. *per-donare e o port. mod.
perdoar, houxQ perdonar (português prehisto-
rico) e perdoar (português archaicoí; nos nossos
textos antigos encontra-se a cada passo: per-
doar, perda (<C perdonet).'pcro = spero. De sprar. Yiá. s. v.
perro cão.
HiST. ^'id. Korting, Lat.-rom. }Vb., Z 6100.
pertués, -efa português, -esa. -,
HisT. Md. vol. I, pp. 272-273.
208
pejar pesar.
HiST. Lat. pensare>*pesare. Cf. pensar.—Ou derivado de pefo.
pejo peso.
HisT. Lat. pensu- > *pesu > pefo. Cf. pejar.
pessona pessoa,
HisT. Lat. persona- (142-A).
piado/o, -a piedoso, a.
HisT. Formação análoga á port. piedoso, na ling.
pop. também jc/aí/oso ,• como saudoso, bondoso,
cuidoso.
pide pede (imperat.). De pedir.
HisT. Lat. petere; com mudança de conjugação:
*petire (20'j) "^ pedir (io3, i52-c).
pido peço. De pedir. Vid. s. v.
pie pé.
HiST.
pieça peça.
HisT. Cf. Kòrting, Lat.-rom. }M?., z. 6101.
piedra pedra.
HisT. ^'id. Kõrting, Lat.-rom. Wh., § 6101.
pierjia perna.
HisT. Lat. perna- (So^i.
pior peor.
HisT.Vid. § 184.
po por. Só usado antes do artigo definido: po 1
;
pôde também escrever-se pui, etc.
Poho povo.
HiST. Do port. poro, pois popúlu- teria dado
outra forma: cf. Proba no vol. i, p. 97.
poda possa. De poder 12701.
podo posso. De poder 1279).
poner pôr.
HisT. Vid. : 280.
potiiê punham. De poner (2801.
Ponientc Poente, Occidente.
HisT. Lat. p o n e n t e - TSo 1.
20Q
poniríí puseram. De poner ij^^o .
pormeter prometter. Também se diz prometer.
HisT. Lat. promittere com mudança de conju-
gação (207) e metathese na s\llaba inicial nr4).
povquéi porquê (interrogativo).
HiST. "\'id. Grammatica, 3 2ob-b.
posto posto. De poner (280).
pouco pouco.
HisT. Lat. paucu- 169-a).
pra para. •
HisT. Vid. Grammatica, p. 44Õ.
praceiro parceiro, companheiro.
HiST. Lat. p a r t i a r i u - > " parcieiro 144' >parceiro {ti + vog. > ç, cf. vol. i, p. 92) >praceiro (i54).
prd{io prazo.
HiST. Lat. placitu- > ^plá\ido 1 127) > ""//j-
d(i):[o I metathese, cf. re^ar <i~' 7'ed-are < re-
citarei > prayO (283) ^ pra-{io ivol. i, 3o8).
prebenido, -a prevenido, -a.
HisT. De prebenir < lat. prae-venire, ou dire-
ctamente do português, o que julgo mais prová-
vel, onde a palavra é de origem litteraria.
precissõíi procissão.
HisT. Lat. processione- > ""procissõií (i lo-b)
> precissõú, com troca de pro- por pre-, o que
é frequente na lingoagem popular. Palavra de
origem ecclesiastica.
preciirar procurar.
HisT. Provavelmente do português procurar <lat. pro-curare. Na nossa lingoagem po-
pular este verbo tem a forma prècurar.
preflindo, -a profundo, -a. Prefiindas de l anfierno.
HiST. Do port. profundo (149-17;.
pregador pregador.
HisT. praedicatore- > 'predegador í io3,
124) > ^preegador (1061 > 'pregador, e por
2IO
attenuação do e aberto, por ser atono, prega-
dor (cf. Reinsta Lusitana, i, 245).
pregoa pregão.
HisT. Lat. praecone- (124,110-^).
prejencia presença.
HiST. Lat. praesentia-(ii5).prejente presente.
HiST. Lat. praesente- (i25).
prefo preso.
HisT. Lat. praehensu- > *prensu> *'presu-
> prejb (i i5).
priessa pressa.
HisT. Vid. vol. I, 45o.
proba prova.
HisT. Subst. verbal de probar > lat. p r ò b a r e .
probe pobre.
HisT. Vid. Grammatica, S 69-a.
pruberso, -a perverso*, bárbaro, -a. Também se diz
purberso.
HisT. Do port. perverso, onde a palavra é de ori-
gem litteraria: lat. perversu-. Se a palavra
não fosse de origem litteraria, o grupo -rs- não
se teria conservado. O 11 explica-se por influencia
da labial vizinha (iSo-a).
pnima - penna.
HisT. Lat. pluma- (i42-g").
priimeiro primeiro.
HiST. Vid. vol. I, p. 35 1.
pruparar-se —— preparar-se.
HiST. Lat. praeparare = prae-parare >"^preparar (i52-c) > pi^uparar (i5o-íz). Ou o
-p- não se abrandou em -b- (90), por haver
consciência da independência do segundo ele-
mento da palavra; ou esta veiu por intermédio
do português.
pudirú puderam. De poder (2'jg).
piido— pôde. De poder- (279).
2 I 1
puis pois.
HiST. "\'id. Grammatica, p. 449-450.
pitmienta pimenta. Com a expressão apioníenta i ca-
nela que queima» traduzi a expressão camoniana
«quente especiaria» (Lusíadas, canto V, estân-
cia xxix).
Hisr. pigmenta- > *pig7uenta n42-/ri > pi-
míenta (bo\ ^ pumieuta (ibo-a).
punto ponto.
Hi>T. Lat. punctu-. Ha outros exemplos de //
seguido de nasal se tornar u em mirandês; por
exemplo : nunca, segundo, mundo, funga ; cf.
Grammatica, Z iqo.
purfeito perfeito.
HiST. Lat. perfectu-, com // por e {lio-a.
purmetir permittir.
HiST. Do português.
purparar preparar. Purparar-se de nnbameute, are-
fazer-se».
HiST. Do lat. prae-parare. ou directamente
do português, onde também existe purparar
e pruparar, com u por intluencia da labial
(cf. Granlmatica, ^ i5o-ai.
pufo pôs (280).
Qquaije quasi.
HisT. Vid. Gr.a.m.matica, p. 452.
quedar ficar.
HisT. Do thema de quedo < lat. "que tu- (io3>
< > quietus — suff. ar.
qrer querer 1 2811.
quejir quiser (281).
quejisse quisesse. De qrer (281).
qiielor côr.
HiST. Lat. colore- > 'color (122-0 > quelor
(149-a).
212
qiierga queira (281).
qiiestume costume.
HiST. costume (vol. i, p. 280) > questume (149-j).
qiiíe quem.
HisT. Vid. Grammatica, § 204.
quíehra quebra. (Verbo ?).
HisT. Lat. crèpat > *quèprat imetathese)
> quiebra (5o).
quíer quer. De qrer (281).
quijo quis (281).
R
vãiba raiva.
HisT. Lat. * rabi a <> rabie-.
ralo raro.
HisT. Lat. raru- > ralo (149-^).
)\ipa;a rapariga, menina, donzella.
HisT. De vapaç.
rapinheiro, -a rapace.
HiST. De rapinha: vid. vol. 1, p. 463 e nota 2.
rastro rasto, vestigio.
HisT. Lat. r as tru-
.
7-aío espaço. <íRato de tiempo».
HisT. Lat. raptu- 1 142-17).
rebestido revestido.
recebir (= reçebir) receber.
HisT. Lat. re-cipere com mudança de conju-
gação (207). Por haver consciência da formação
do prefixo rc-, o -ce- tornou-se ç, sendo pois
considerado como inicial (126).
Hisr. De bestir < latim vestire, com o pre-
fixo re-.
recoincer (= recuTçén reconhecer.
HiST. Propriamente: re-coincer.
redadeiro — derradeiro.
HiST. Vid. Grammatica, Z 184.
2l3
rejestir—- resistir.
HiST. Lat. resistere com troca de conjugação
(207) : *resistire > ^ resestir (i 49-^) > re-
jistir (i i5-Obs. i).
rejistencia resistência.
HiST. Formado do thema de rejestir.
relhuiieiíto, -a reluzente.
HisT. Propriamente: re-lhit\íento. O elemento //»/-
\íento corresponde ao port. luzente, porque este
adject., de uniforme, se tornou biforme, comorudo: o inverso se deu no port. contente <>mir. ciintento < lat. contentu-.
relica reliquia.
HisT. Do port. relíquia, fórm.a litteraria: lat. reli-
quia- (reliquiae).
reposta resposta.
HiST. Lat. r e - p ò s i t a
.
respnnder responder.
HiST. Lat. respondere > "^^ responder (i32-c)
> respnnder (80).
re:{ôu razão. PI. re^ones.
HisT. ratio ne- > * raiôíí {S-j-a, iio-b) > re^õT?
(149-a).
N. B. Em port. arch. re\ão, por exemplo em Sá de
Miranda, Obras, ed. de D. Carolina Michaelis,
PP- 172, Kjo, 197:
Pois contigo a re:^ão vai . .
.
Abastem as rejõis velhas . .
.
I sua fraca re^ão.
Em port. pop. também ha re\ão.— E notável
que o lat. r a t i o n e - desse num caso ra\ão e
noutro ração, por dissimilação reção. Talvez
ração corresponda antes a *racione- do que
a ratione-, tendo-se já no lat. vulg. ti -\- vog.
tornado ci -^ vog. Ou é uma d' essas formas
semi-popular, e só a outra puramente popular?
•2 14
riba cima. .1 jiba de, «em cima de».
HisT. Lat. ripa- (90).
romaige romagem, romaria.
HisT. A base et3'mologica é Roma, tanto do mi-
randês como do português ; com ella se rela-
ciona também o português moderno romeiro
= rom-eiro e o port. ant. romeu == rom-eii
<> gr. 'P',vj.y.'ioz (cf. Judeu).— Suíf. -aige <>port. -agem.
roja rosa.
HiST. Lat. rosa- (ii5i.
rostrico (= rustrícu) rostinho. Deminutivo de rostro.
rostro rosto.
HiST. Lat. ro s t ru -
.
roubar roubar.
HiST. Germ. (alto-all. ant. 1 roubou, em ali. mod.
raubeu,— com a terminação românica -are.
rouco rouco.
HisT. Lat. raucu- (69-a).
rudo, -a rude.
HisT. Lat. rude- tornado biforme (cf. relhu-
•{lentó). E provável que a mudança de termi-
nação se desse já no latim vulgar da Ibéria:
cf. hesp. rudo, e também português archaico,
e ainda popular, rudo.
rufiou rufião. No pi. rujiones.
HiST. Cf. Kõrting, Lat.-rom. Wb., l 7016.
rugaço— regaço.
HisT. Cf. port. regaço, hesp. regado.— O miran-
dês tem rug-, por influencia talvez de outras
palavras começadas pelas lettras rog- {rug-).,
como rogar.
rui ruim. Esta palavra pronuncia-se como no Minho,
em um monosyllabo (ás vezes mesmo em mi-
randês roí).
HisT. Explica-se geralmente esta palavra pelo lat.
ruina.— Port. ant. roim.
2 1 D
saba saiba. De saber (-283).
sacraficio sacrifício.
HisT. Do port. sacrifício, que também tem forma
popular sacrajicio. A mudança de i em a ex-
plica-se por influencia do a de sacramento, sa-
cratissimo. Palavra de origem litteraria: latim
sacri fí c ium.sal sae. De salir i2i6-Obs. 4).
salbar salvar.
HiST. Lat. salvare (i52-c, loi).
salbaige selvagem.
HiST.O port. selj'agem, pop. salvage lant. sal-
pagem)^ hesp. sahaje, ital. salvatico. Do lat.
silvaticus, com troca do sufi', -aticus por
-agem.
salir sair.
HiST. Lat. salire (i52-c).
sangre (masc.)——sangue.
HisT. Lat. sanguine > *sangne^ sangre; hesp.
mod. sangre. Cf. hesp. ant. sangne no Fitero
d'Avilés, ed. de Fernandez Guerra, p. 178; e
o português sangrar, sangrador, sangria, san-
grento.
sano são.
HisT. Lat. sanu-.
sarta conta (de vidro, eto; «um ro/airo de sai'tas
de bidro», «íjna bolta de sartas^y (um collar de
contas).
HisT. Em hespanhol também existe sarta na signi-
ficação de «serie de cosas metidas por orden en
un hilo, cuerda, etc.» (Diccionario da Academia,
s. V.).—Em astur. ha saies, que significa «sarta,
y sartas» (Arguelles, Vocabulário, s. v.).—Emport. ha sarta como termo náutico, enxárcia.
—
2lG
Diez, no Etym. Wb., ii, s. v., explica o hesp.
sarta pelo lat. sertã.
scapar escapar.
HisT. Lat. *ex-cappare (i52-c). Cf. Kõrting,
Lat.-rom. Wb., 2 2894.
scolher escolher.
HiST. Lat. ex-colligere, com mudança de con-
jugação (207).
screbir escrever.
HisT. Lat. s c r i b é r e com mudança de conjuga-
ção (207),
scuitar escutar.
HisT. Lat. auscultare > lat. vulg. a s c u 1-
tare > ascuitar {i^-i-g) > scuitar (i52-a).
—
Entre ascuitar e scuitar pôde admittir-se ainda
a forma intermédia escuitar. Tanto esta comoascuitar se encontram em textos portugueses
archaicos; exemplo de escuitar: em Sá de Mi-
randa, Obras, edição de D. Carolina Michaèlis,
pp. 900-910: exemplo de ascuitar: «vus faç'
aver de m" ascuitar» {Cancioneiro da Ajuda,
p. 5o, V. 27); no Códice Alcobacense da Biblio-
theca Nacional, n." 828 (Regra de S. Bento).
no princípio, ascuytar. Cf. ascoytar no Can-
cioneiro Colocci-Brancuti, p. i3, n.° i5.
scunder esconder.
HiST. Lat. abscondere > asconder > escon-
der > sconder > scunder (cf. scuitar). A forma
asconder está representada pelo português ar-
chaico; ex.: asconderfc no Códice Alcobacense
n.° 244, fl. 75, V. ; ascondudamente nos Inéditos
d'Alcobaça, i, 149; «por me vus asconder» no
Cancioneiro da Ajuda, p. 568, v. 22. A syllaba
atona inicial -as passou a es-, e desta phase a
s-, como em scuitar; cf. também mir. sturiano
< esturiano < asturiano, e o port. arch. Es-
iorga < Astorga < A s t ú r i c a .
217
scuro — escuro.
His I . Lat. obscuru- > "^ oscuro (i bobis) >escuro > scuro. A forma oscuro está repre-
sentada pela ital. e pela hesp. ant. oscuro; a
forma escuro pela hesp. mod. e pela port. escuro
(nesta última lingoa porém es- soa como /5-1.
seia seja. Do verbo ser (261 j.
séiades sejaes. Do verbo ser (261).
selombra sombra.
HiST. Propriamente lat. suibi (ih la- umbra-> solomhra (cf. hesp.) > selombra 1 149-íz).
—
O port. sombra, arch. soombra, está tambémpor *solombra = *so V ombra. O Sr. Cândido
de Figueiredo, no Xoi>o Dicc. da ling. port.,
deduz sombra de umbra; os inicial ficou-lhc
porém no tinteiro, por isso que o não explica.
selumbriu, -ie, e selòmbrhi, -ie sombrio. A forma sc-
lumbriu, com -um-, é mais geral que a com -om-.
HisT. Deriv. de selombra com o suff. -/// < -io.
sembrar - semear.
HiST. Vid. vol. p. 280.
seno senão.
HisT. Vid. Grammatica, p. 453.
sentie sentia.
Hisr. Lat. sen tire > {\b-i-c, 76).
serbicio serviço.
HisT. Lat. s e r V i t i u m .
sefudo sisudo.
Hisi . Lat. *sens[itu->^sesQtu-, do thema
de sen sus, com o sufi". -O tus, que se encon-
tra, por exemplo, no port. narigudo, carnudo,
telhudo, etc. Cf. port. ^vz\\. sesudo, por exemplo
em Sá de Miranda, Obras, ed. de D. Carolina
Michaèlis, pp, 161 e 169:
Sofre, que sofre o sesudo.
.
Falou-te como sesudo.
2l8
Este vocábulo conserva-se ainda hoje como sub-
stantivo na lingoa popular («jogar o sesudoT>).
Em hesp. sesudo. Deduzo o mir. sefiido dire-
ctamente do latim, porque o substantivo miran-
dês correspondente á forma primitiva é sifo,
onde não ha e; em hesp. é que se diz seso;
no Caticioneiro da Ajuda também por vezes
se encontra seso, mas será hespanholismo.
sforçado (= sfurçado) esforçado.
HiST. Deriv. de força.
sí sem.
HiST. Vid. vol. I, p. 447.
síempre sempre, em verdade, effectivamente.
HiST. Vid. vol. I, p. 449.
síete—-sete (189).
sinhor senhor.
HiST. Lat. s e n i o r e - (87-a).
sinhora senhora.
HiST. Masc. de sinhor < lat. s e n i o r e .
smerar-se esmerar-se.
HiST. Lat. *ex-merare: Kõrting, Lat.-rom.
Wb., § 2963.
sodes sois (261).
sofrir soffrer.
HiST. y\á. Grammatica, S 207.
sola sola.
HisT. Cf. hesp. suela. Comquanto haja em latim
s ò 1 e a,que pôde comparar-se com esta pala-
vra pela significação, não está ahi directamente
a origem da palavra mirandesa, nem da hes-
panhola e portuguesa correspondentes, porque
-lêa daria nestes idiomas -lha, e não -la. Sóuma forma como *sòla podia explicar a pala-
vras hespanhola e a mirandesa ; a palavra port.
sola veiu talvez do hespanhol, o que creio acon-
teceu a chinela, palavra que, quanto ao sentido,
se aparenta com sola.
219
solico (= sulico) - sozinho.
HisT. Deminutivo de solo.
solo - -só (adjectivo e adverbio), somente. —Tambémse usa só em mir. no sentido de «somente»;
é portuguesismo.
HisT. Lat. s o I u .
spjiho sonho.
Hisr. Lat. sòmniu- (58 e p. 280).
sorte sorte.
HiM. Lat. sorte- (58).
sossegado sossegado. Vid. assossegado.—A palavra
port. sossegado deve também escrever-se corn
S5, e não com c, como erradamente escreve
quasi toda a gente.
HiST. Lat. *sessicare, ^/sessus. O port.
arch. sessegar representa a forma intermédia
entre o latim e o mirandês (e português mo-
derno 1; na producção da forma sossegar influiu
o suff. sub.—Md. s. v. assossegar.
sou seu.
HiST. Md. Gra.mmatica, ^ 65.
sou som.
HisT. Do port. som.
sõíí—-são [verbo] (261).
sõubírã souberam. De saber (283).
sõubo soube [3.-^ pess.] (283).
spada espada.
HiST. Lat. spatha = spata íio3).
spadagaço espadagada, cutilada.
HisT. Vid. vol. I, p. 458.
spalhar espalhar.
HiST. Lat. *ex-paleare (í52-c, ^j-à), ou do
thema de palha.
spantar espantar.
HiST. Lat. *ex-paventare > *spauentar< spantar.— «Dizem os Portugueses espantar,
os Italianos espaventar, os Franceses espoiwan-
220
ter, que todos vaõ a hum»: Duarte Nunes do
Lião, Origem da lingiia poi^ttignesa, Lisboa
1606, p. 89.
spedaçar despedaçar.
HisT, Do thema de pedaço.
spõ suppõe. Do verbo sponer.
HiST. Cf. Grammatica, § 2i6-Obs. 4.^— O portu-
guês archaico oíferece phenomenos semelhan-
tes : assim no Cancioneiro da Ajuda, lê-se,
p. 27, V. 3, «si Deus me perdony> (= *per-donet).
sponer suppor.— Flexão : spongo, etc.
HiST. Lat. supponere > s{u)poner (cf. no En-
tre-Douro-e-Minho stafeira = sexta-feira).
spofa esposa.
HisT. Lat. sponsa- > sposa- > spofa (11 3).
sprancia— esperança.
HisT. Lat. *sperantia-.sprar esperar. Vid. s. v. asprar.
sprencia experiência.
HiST. Lat. experientia- (vol. i, p. 448, e Gram-
matica, § \b2-b).
squadrõú esquadrão.
HiST. Lat. *exquadrone-', cf. ital. sqiiadrone,
fr. escadron, port. esquadrão: y/quadrum.squecido, -a esquecido, -a.
HisT. Partic. de esquecer <C \3.t. ex-cadescere .
A forma intermédia está representada pela por-
tuguesa archaica escaecer (e escaescet^): vid. Elu-
cidário, s. V. •, Cancioneiro da Ajuda, p. qS,
V. i3, etc.
squecimento esquecimento.
HisT. Do thema de squecer -{- sufF. -mento, variante
de -miento (5o-Obs. 4.^).
stã estão. De star (270).
stablecer estabelecer.
HiST. Do português.
221
stado estado.
HisT. Lat. statu- iio3i.
stamago estômago.
HisT. Da forma pop. port. stamago (istamago).
star estar.
HisT. Lat. st are ('i52-c).
stender estender.
HisT. Lat. extendere, com mudança de con-
jugação (207).
stilo estylo, modo de fallar.
HiST. Do port. estrio, forma litteraria: lat. stylus.
stimar estimar.
HisT. Do lat. aestimare [ib-i-c, ']'ò). ou do por-
tuguês, onde a palavra é litteraria ou semi-litte-
raria; a forma portuguesa genuinamente popu-
lar é a arch. esmar, que existe a par de osmar.
stlondro e strondo estrondo.
HisT. Cf. atelondrar.
stordinairo e sturdinairo extraordinário.
HisT. Do port. extraordinário, com dissimilação
de r— r 1149-^), e raetathese da terminação
(154).
stoii estou. De star (270).
stranho, -a estranho, -a.
HiST. Lat. "extraneu- (87-^^
streilha estrella.
HiST. Lat. s te 11 a (141-J, e vol. i. p. 3o5).
stubo esteve (2701.
stúdio estudo.
HisT. Lat. s t u d i u-
.
subre sobre.
HisT. Vid. vol. i, p. 447.
subressaltado sobresaltado, torvo.
HiST. Propriam.ente : sobre-saltar; saltar < lat.
s ai tare.
siie sua.
HisT. Vid. Grammatica, 2 206.
222
siiidade saudade.
HiST. Do port. soidade < *so(l)idade < lat.
solitate-. A cerca de ui < > oi vid. Gram-
MATiCA, § 59.
suldado soldado.
HisT. Lat. * s o 1 i d a t u - > soldado.
siimbrante semblante, gesto (no sentido archaico).
HisT. Lat. simulante- ou similante- >* setnlante > * semhrante (vol. i, p. 285) >sumbj^ante {ibo-a).
sumbrar. Vid. sembrar.
sustentar sustentar.
HiST. Lat. sustentare (i52-c).
tã — tão.
Hisr. Como o port. tão, sobre o qual vid. Gram-
MATiCA, § 97-Obs. 2.
tamiê também.
HisT. ^'id. vol. I, p. 402.—Em dialectos hespa-
nhoes igualmente se usa tamién (Mugica, Dia-
lectos castellanos, pp. i3, 54).
Teijo Tejo.
HiST. Do português.
teimo/b—— teimoso.
HiST. Do thema de teima -{- suíT. -o/b (Gramma-
TiCA, p. 459).
telincar tlintar (tilintar).
HisT. Vid. vol. I, p. 461.
tembrar -tremer.
HiST. Vid. Grammatica, Z 142-g". Cf. na Bizcaia
tremblar (Mugica, Dialectos castellanos, p. 3 11.
temible temível.
HisT. Do português.
tempestade tempestade.
HiST. Lat. tempestate- (io3).
223
tener ter (238).
téngades tenhaes. De tener (258-259).
tengo tenho (2 58).
tenhir tingir. Flexão: íiiihe.
HisT. Vid. vol. I, p. 282.
íenie tinha. Do iener (258-259).
terrible terrivel.
HisT. Do lat. terribile- ou do português.
Tetuã Tetuão.
HiST. Palavra aqui empregada, por fidelidade da
traducção, pois ella é desconhecida em Miranda;
adòtei esta forma por analogia com a hespanhola
Tetuán, que no presente caso pôde senir-nos
de guia.
tiempo tempo.
HisT. Lat. t é m p u - (5o).
tierra terra.
HisT. Lat. terra- (5oi.
tinhe tinge. Do verbo tinhir.
todo tudo.
HisT. Lat. to tu- íioS).
tódolos, -as todos os, todas as.
HisT. Por todos los, todas las. Assimilação de -s a
/-, seguida de absorpção (cf. ibo-bís).
tôu teu.
HiST. \\á. Grammatica, :: 206.
tôiiça mata, mato, matagal.
HiST. No onomástico português ha Touca (aldeia;:
em gall. ha tou\a, pouco mais ou menos no sen-
tido mirandês; em hesp. to-{a, «pedaço de cer-
teza dei pino y otros arboles», e fo-a/, «lugar
alto y eminente" ^ Diccionario de Barcia).
touro touro.
HiST. Lat. ta uru- (p<^-a).
trai—-traz (284).
traie trazia. De traier (284).
traier trazer (284).
224
traige trage, trajo.
HisT. Cf. Kõrting, Lat.-rom. Wh., 5 83oo.
traio trago. De traier (284).
irebo favo de mel.
HiST. Em mirandês é usual a expressão: doce como
ííj^ã faba de miei (mais vulgar que doce como
ã trebo de miei). A palavra faba talvez seja
de origem portuguesa, áç.favo: por etymologia
popular (i55-2).
treidor traidor.
HisT. Lat. traditore- > traidor (io3, 106) >treidor (84).
tremienta tormenta.
HiST. Lat. tormenta > * tromienta (bo)';^ tre-
mienta, onde i7'o- se mudou em tre-, por in-
fluencia de tremer: cf. na lingoagem popular da
Extremadura atremi-ado, deformação da pala-
vra litteraria atemorizado.
iremiento tormento.
HisT. Lat. tormentum. Vid. tremienta.
treminar -determinar.
HisT. Vid. vol. I, p. 462.
truxe trouxe (i.* pess.). De traier (284).
triixo trouxe (3.'' pess.). De traier (284).
tube tive. De tener (258).
tubo teve (258).
trumpeta trombeta.
HiST. Por trompeta (80); cf. fr. trompette, port.
trombeta, etc. Sobre todas estas formas vid.
Kõrting, Lat.-rom. IVb., Z 838 1.
UH ou.
HiST. Vid. Grammatica, Z -igb-a.
íí>ia —uma.HisT. Vid. Grammatica, 33 200 e 202.
22D
mirado honrado.
HiST. Lat. honoratu- > ourado (io3) > mirado
(8o). A fórma ourado está representada no por-
tuguês liourado.
ufar usar.
HiST. Do thema de ufa -^ suff. -ar.
Xxordo, -a surdo, -a.
HisT. A'id. Grammatica, § 114-OBS. I
Yyá já.
HisT. Vid. vol. 1, p. 449.
j-e é(26i).
jyrba hcrva.
HiST. Md. Grammatica, 3 ?i-d.
vou eu.
HisT. ^'id. Grammatica, C 19?.
APPENDICES
APPENDICE I
Documentos antigos que se referem á Terra-de-Miranda
Os originaes de todos os documentos seguintes estão
em Lisboa, no nosso Archivo Nacional. Pubiico-os aqui,
por servirem de illustração ao que escrevi em vários luga-
res destes Estudos, sobretudo quando me occupei do
onomástico mirandês, no vol. i, p. 6i sqq.
Foi o Sr. Pedro A. de Azevedo, oííicial da Torre do
Tombo e actualmente professor do Curso Superior de
Bibliothecario-archivista, qucni não só m'os descobriu,
mas teve alem d "isso o incómmodo de mos copiar, o que
lhes assegura a authenticidade, visto que elle aos conhe-
cimentos históricos que possue, e de que, sem nenhumalarde, e com a maior modéstia, faz constantemente libe-
ralidade a todos os que frequentam a Torre do Tombo,reúne o mérito de ser excellente paleographo.
I. Ao moesteiro de Moreirola doaçam do Regemgo que
se chama InfaufS e Costamtino acerca de Surraga em
termo de Miramda etc. com encarrego de huu aniver-
sairo ejn cada hufi anuo.
In dei nomine hec est carta donacionis et perpetue
firmitudinis quam iussi fieri Ego Sancius dei gracia
200
Portugalensis Rex una cum filio meo Rege dono Al-
fonso et vxore eius Regina donaVrraca et ceteris filijs
et filiabus méis vobis dono Herberto Abbati de Morei-
rola' de illo nostro regalengo quod vocatur Infancis- cumCòstantino^ iuxta Surraga et sunt in termino de Miranda:
Damus igitur uobis et Monasterio uestro predicta loca
que sunt in nostro Regalengo cum omnibus que in eis
ad ius nostrum pertinent et concedimus uobis et cun-
ctis successoribus uestris ut eã habeatis atque possi-
deatis absque omni callumnia et contradicione iure he-
reditário in perpetuú. Insuper do uobis .C. áureos in
helemosinam pro remédio anime méé ad hedificandum
supradictum locum scilicet Ifaneis cum Constantino.
Quicumque igitur hoc nostrum factum integrum obser-
uauerit sit benedictus a deo. Ame. Facta fuit hec carta
apud Sanctam Herenam. Mense Januário. E.'^ M.'* CC."'
R.^ viiij."'' (Era de 1249). N*^^ Reges qui hanc cartam fieri
precepimus coram subscriptis testibus eam roboraui-
mus et in ea hec signa fecimus. Qui aífuerunt Donus
Gonsaluus Mendiz maiordomus curie conf. Donus Mar-
tinus Fernandiz signifer domini Regis conf. Donus Mar-
tinus Petriz conf. Donus Gil Valasquiz conf. Valascus
Martini dapifer domini Regis conf. Petrus bracarensis
electus conf. Martinus Egitaniensis conf. Petrus colim-
briensis conf. Suerius vlixbonensis electus conf. Sua-
rius Elborensis conf. Julianus cancelarius curie. Egofrater Herbertus Abbas de Morerola una cum con-
uento nostro promitto singulis annis fieri aniversariú
pro anima doni Sancij piissimi Regis Portugalie scilicet
post obitum^.
1 = Moreruela (província de Zamora).
2 = Ifánez.
? = Constantim.
4 Livro 2." de Doações de D. Affonso III, fl. i5 e Livro 2.° de
Alem-Doiiro, fl. ny.
20 1
2. A Pero Memde- caualeiro doaçam do Regemgo de
Mirjuda de Senhorio de Hulgoso .s. Atenor e Palá-
ciola com tall condiçam, etc.
In dei nomine et eius gracia. Noscant omnes homi-
nes qui hanc cartam audierint legere quod ego Alffon-
sus Rex Portugalensis una cuni filio meo Rege Saneio
et filia mea Redna Tharasia facio uobis nostro militi
Petrus Menendiz et comominatus Tmí karta donacionis
et firmitudinis de nostro regalengo quod habemus in
terra de Miranda' sub dominio de Ilgoso^ scilicet Ate-
nor et Palaciola" cum omnibus suis terminis sed scien-
dum quod omnes homines cultores debent morari in
Atenor et etiam in utraque laborare. Et concedimus
tibi ut ubicumque volueritis ponere uillas uestras et
sedes uestras construatis preter autarium de Palaciolo
et caput de ipso auctario non populetur. Damus et
concedimus uobis ipsum supradictum reganengum (sic)
quomodo superius diximus cum omnibus suis terminis
pro bono seruicio quod semper de uobis recepimus et
adhuc recipiamus (sic). Igitur ab hac die in antea ha-
beatis uos ipsum supradictum Reganengum cum omni-
bus terminis uos et quoscumque uolueritis et faciatis
de eo quicquid uobis placuerit in perpetuum. Facta
karta donacionis et firmitudinis mense Júlio. Era M.*
CC* R.* lEra de 1240)-. Ego Alfonsus Rex Portuga-
i O livro original diz de baixo do riscado : Bragancia. No livro
da Leitura nova escreveram : Miranda.- = Algoso.
- = Palaçoulo.
4 No livro de Doações vera o x (ou R) aspado que representa
40. Reduzindo ao armo christão a era de 1240, fica 1202, anno emque reinava D. Sancho I: tendo nós com isto de acceitar que houveum engano da parte do escrivão, que assentou o x aspado era vez
do X siraples. Lendo a era 1210 (anno de Christo 1172) tudo se
harmoniza. Cf. João Pedro Ribeiro. Diss. Chron.. ni, 202. (Nota do
Sr. Pedro A. de Azevedo».
202
lensis una cum filio meo rege Saneio et filia mea re-
gina Tarasia hanc kartam roboramus et concedimus
tempore quo comes Ualascus erat meus maiordomus
et Petrus Fernãdi maiordomus regis Sancij et Petrus
Presbyter Feisaj tsic) meus scribanus coram bonis ho-
minibus hoc signum facio. Petrus Odorij testis. Suarius
Diaz Testis. Martinus Suaris (sic) Testis'.
3. [Extracto das Inquirições de D. Affonso III (sec. xiiir.
«Incipit Judicatum de Mgoso- que est in terra de Mi-
randa, x.^ die decenbris»^.
«Petrus Cortes de Ulgoso iuratus et interrogatus dixit
quod scit quod Ulgoso et totam terram de Miranda fuit
domini Regis et scit quod Pena Roya fuit domini Regis
sicut diuidit cum Legione per antas * qui stant ultra
Crasto de Latronis. ergo uillas de Malada etc.))^
Didacus Didaci de Villa Plana de Barccosa iuratus e
interrogatus dixit quod scit quod tota terra de Miranda
fuit regalenga domini Regis sicut diuidit per Petram de
Sandeu que stat in diuisio Regnj Port. et Legion. ultra
uillam de Castro de Latronis et scit quod totas rendas
de Miranda dabant domino Regi et modo non habent
rendas de ipsa terra propter milites et ordines qui te-
nent totam terram de Miranda. Interrogatas unde ipsi
• Livro 2." de Doações de D. Aftbnso III, fl. i5 v e Livro 2." de
Alem-Douro, fl. 157.
- = Algoso.
3 Livro 2." de Inquirições de D. Affonso III, fl. 106 v e sqq.
4 Antas são monumentos sepulcraes dos tempos prehistoricos.
Esta designação ainda hoje se usa no Alemtejo. Vid. as minhas
Religiões da Lusitânia, i, 252.
5 Id.. fl. 106 V.
23:
milites et ipse Ordines habuerunt ipsam terram dixit
quod nesciebat et scit quod Petrus Saluatoriz arci-
prestes de ipsa terra populavit uillam de Biberes' in
diebus Regis dõni. S. fratris istius et ipsa villa stat in
termino de Miranda. Et ipse Arciprestes dedit eam in
commenda dono Petro Poncij de Leon et modo tenent
ipsam villam filij supradicti dõni P. Poncij et nichil inde
habet dominus Rex et scit quod villa de A'ime(o)so fuit
domini Regis et scit quod dõnus Ffernandus Fernandi
populauit villam de Viminoso in tempore Regis dÕnj
S. ífratris istius et ipse donus Ffernandus Fernandi dedit
eam donno Petro Poncij de Leõ et modo filij et vxor
ipsius dónj Petri Poncij tenent ipsam villam et nichil inde
habet donus Rex et scit quod Rodericus Pelagij et Ffer-
nandus Pelagij milites populauerunt villam de Sancto
Johane in Miranda in diebus istius Regis et nõ faciunt
inde fórum domino Regi et dixit quod scit quod Mo-nasterium de Moreyrola inpetrauit et comparauit villam
de Angueyra de filijs de dono Telo in tempore istius
Regis et non facit inde fórum dono Regi. et scit quod
Monasterium de Sancto Martino de Castineyra que est
in Legione populauit uillam sancti Martinj de Riparia-
in terra de Miranda in tempore istius Regis et non
facit inde fórum domino Regi. et scit quod Rex dõnus
.S. senex dedit uillam de Maladas dono Nuno de Za-
mora et dono Petro Poncij et donno Michaeli et dono
Andree et dõno Saluatorj per tale pactum quod si ue-
niret cercum ad uillam de Bragancia quod ipsi intra-
rent ibi et quod defenderent eam; et post ea uenit
en (sic) cercum ad ipsam villam e nõ intrarunt ibi nec
defenderunt eam. et modo filij de dono Nuno et Mo-nasterium de Moreyrola habent ipsam villam et nichil
inde habet dominus Rex. Interrogatus unde habuit eam
1 = Campo de Víboras.
2 = S. Martinho da Ribeira. Vid. o vol. i, p. 38, nota.
2:>4
predictum Monasterium dixit quod audiuit dicere homi-
nibus qui sciebant quod supra dicti quibus Rex dederat
eam ad supradictum pactum dederant eam supradicto
Monasterio et non faciunt inde fórum, et scit quod donus
Nunus' populauit Crasto de Latronis citra Petra de San-
deus in terra de Miranda in termino Port. et modotenent ipsam villam filij predicti donnj Nuni et nichil
inde habet donus Rex. et nec ipsi obediunt sibi de ea.
et scit quod Ifanes- fuit dominj Regis et populauit eamdonus Fernandus Fernandj quando tenebat terram doni
Regis et leixauit eam monasterio de Moreirola in diebus
Regis doni .S. fratris istius et non faciunt inde fórum
dono Regi. et scit quod fratres de Moreyrola popuia-
uerunt villam de Costant)-^ in Miranda in diebus istius
Regis et non faciunt inde ei fórum.
Saluator Bónus de Cerceo iuratus et interrogatus dixit
sicut Didacus Didaci.
Stephanus Exeminis deMlla Ghana de Barceosa
etc.4
«Petrus Maurus de Maladas iuratus et interrogatus
dixit quod scit quod tota terra de Miranda fuit rega-
lenga regis et scit quod milites domini Regis stabant in
Ulgoso de manu Regis et ipsi milites leuabant omnes
rendas et montadigos de terra de Miranda pro ad do-
minum Regem etc.»\
« scit quod diuisio Regni Port. erat per Petram
de Sandeus villa de Crasto de Latronis stat in Re-
gno Legion »^.
' O mesmo que teve Malhadas.
2 Ifanez já nos apparece no tempo de D. Sancho I.
? Constantim já nos apparece no tempo de D. Sancho I.
4 Id., fl. io8 V.
'-
Id., ri. 109 V.
':> Id., fl. 109 V.
20D
4- Catita de foro diiú logar que chama Villar eu Terra
de Mirada que e chamado LagõaçaK
Dom Denis pela graça de deus Rey de Portugal e do
Algarue a todos quantos esta carta vyre íFaço a ssaber
que eu dou a .xiiij. Pobradores o meu villar que he é
terra de Mirada que he chamado Lagoaça que o pobre
áá tal preyto que faça foro e vezinhãça. ass}' como he
conteúdo eno foro de Mogodo}ro e doulhys por termho
como parte pela carreyra que vay per o Freyxeo=^ e
des y como parte pelo termho do Freyxeo apróó derei-
tamente como ferjT va}' é Doyro e des y como parte
per Doyro a festo e vay ferir eno termho de Bruçóó
e como parte cono-^ termho de Braçóó {sic) e como sse
vay dereitamente áá cabeça do Forno Telheyro e daly
como sse ué dereytamente áá estante que sta a so a
sculca e des y como sse uay áá Carualheyra grande
que esta na carreyra da esculca que sse parte da de
Bruçóó e des y como sse vay ao Porto de Maçééinhas
que esta ena carreyra que vay pêra Freyxeo. E essa
Rybeyra de Maçééinhas nõ fazerem prado coutado né-
huú. Mays deué a ífazer Moinhos de suú conos de La-
goaça os da Esculca e os da Esculca conos da Lagoaça
e paceré e mõtaré e cortaré todos de consuum saluo
seus prados anaes e sas façevras. En testemÕvo da
qual cousa dey a eles esta mha carta. Date e LixbÕa
.xxvj. dias dabril. ElRey o mãdou pelo chãceler. Dura
Perez a fez. Era M.'' e CCC.^ xxiiij.^ (1324)4.
1 Lagoaça: contemporâneo.
2 Isto é, Fréixeo, ou talvez Fréixêo, < lat. fráxinu-.'i «Com o». Por cã lo, tendo-se o / assimilado á nasal prece-
dente, como em eno = ê lo, hoje «no».
4 Chancellaria de D. Dinis, liv. i." de Doações, fl. 166.
236
5. Caj~ta per' que El Rej- fe{ yiierçee aos moradores e vizi-
nhos do Cõcelho de Mirada, e per que os Caualeiros
dEspada Cinta seiã seus uassalos e que aiã seus ma-
rauidis e oiitrossi como todos os vi\inhos da dita vila
seiã esscusados de todo foro Real.
(E)no nome de deus Ame. Sabham quantos esta carta
virem como Eu dom Denis pela graça de deus Rc}- de
Portugal e do Algarue. Querendo fazer bem e mercee
aos moradores e vjzinhos e ao Concelho da mha vila
de Miranda. Outorgo e tenho por be. que os Cauakiros
dEspada Cinta vjzinhos que moraren per seus corpos
ena vila de Miranda sem outro engano cÕ casas pobra-
das en essa vila seiã. meus vasalos e aiã meus mara-
uidis e que tenha Caualos e armas cÕ que me seruha
e que nõ dem luitosa né na leue eu deles. E outrossi
outorgo e tenho por bê que todos aquelles que mora-
rem na dita vila de Miranda cõ seus corpos sen outro
engano cõ sas pobradas seiã escusados de todo foro
rreal que soyam a dar e fora posto de darem e de
pagarê per rrazÕ da pobrança desa vila. saluo uoz e
coomha que a pague o que fezer porque. E outrossi
outorgo e tenho por bê. que a dita vila de Miranda seia
senpre mjnha e que a tenha a mha maao. eu e os Reis
que depôs mjn ueeren e que a nÕ de a neguií en pres-
tamo nê en doaçõ e que as Igreias dessa vila e de seu
termho feitas e por fazer seiã mjnhas e que eu ffaça bé
e mercee aos Clérigos dignos naturaes moradores desse
logar. E outrossi Ihis outorgo que os vizTos moradores
dessa villa. nó dem portage en todos meus Reinos. Entestemunho desta cousa dey aos moradores e aos vizj-
nhos e ao Concelho de Miranda esta carta seelada do
meu seelo do chúbo pendente. Dada en Miranda, vijnte
sete dias de Setenbro. ElRey o mãdou Lourenço Affonso
a ffez. Era M.^ CCC* e trijnta cinque anos (Era de i335)'.
> Chancellaria de D. Dinis, liv. 3." de Doações, fl. i.
2D-
6. 'Inquirições que Fernão de Pina tirou em Miranda,
para se lhe dar noi'o foral \o de iSiof^.
A \Tnte ovto dias doutubro de b*^ bj i'i5o6) na qua-
mara da villa de Mirada perante Joane Anes e Afonso
Roiz Jujzes e Joã Vara e Joã Pirez vereadores e Mar-
tym Pirez procurador hof^xiaes da dita villa e Luys
Nunez prioll da dita villa e Aluaro Manhoz e Aluaro
Mendez e Aluaro Pereira e MartymVara e Afonso Ba-
rata e Giralldo Pirez homés boõs da camará e Rem-mento da dita villa. Per Fernã de Pina caualeiro da
casa delrrej nosso Snor lhe foy dado e mostrado huú
mãdado atras esprito e lhe foy dado Juraméto pello dito
Fernã de Pina é forma etc. aos quaes foy mostrado ho
forall da dita villa e preguíítado pellos foros e cousas
conteudas é elle sedo yso mesmo Lourenço Pimétell
alquaide presente é nome de Aluaro Pirez'.
it. primeiramente preguntados se fazia deferença de
quinze e vynte e vynte coatro sólidos seguúdo forma
do forall diserõ primeiramente que aos moradores da
villa de detro da çerqua nõ paguã nenhuú foro asv dos
beés que té na dita villa como nos do termo segundo
forma de seu priuillegio o qual tem e vy cõfirmado per
elRey e també da sisa aa villa.
it. disserÕ que na villa ne no termo nÕ avva nenhúa
deferença na pagua dos soldos porque todos os mora-
dores do termo da dita villa paguã nos termos do dito
forall trinta e seys reaes por ano nas ditas duas paguas
.s. a dezoyto por pagua e ysto per Respeyto dos vynte
soldos que se mãdam pagar pello dito forall.
it. preguntados se avya aqui memoria quaes fosê as
villas velhas de que se a\yam de pagar os vynte e coatro
soldos diserõ que o nõ sabyã em certo né se vsaua ja
soomente todos pagauã por huúa cousa a contia.
I De Távora.
238
it. preguntados se estauã em foro de dar a elrrey
algúa cousa quando aqui vyese diserõ que se n5 acor-
dauã vyr aqui el rrey se nÕ liúa soo vez e que lhe nõ
dera nenhúa cousa .s. v3mdo de Gastella.
it. quanto aos termos diserõ que despoes de feito o
forall fora dado parte deste termo a Oyteiro de Mirada
e a Vymjoso'.
it, preguntados como êtrepetaró e entenderÕ e hu-
sam dos alfouteiros diserõ que o emtrepetauã é seré
seis Ivuremente pagado a elRej seu foro 2.
it. Se goarda o priuilegio ao Juiz o ano que ho he
diserõ que nÕ pagauã a elles nenhúa por que os Juizes
era da vylla e no termo nõ a Juizes ne \yntaneiros e
que pagam .s. os do termo.
it. diserõ que estauã é pose do forall e de nÕ seré
dados e que lhe vyese metydo em seu forall.
it. E pello dito forall nÕ ha hy outros direitos somente
ho gado do uéto que se arrequada por alquaide pella
ordenaçã.
it. preguntado Lourenço Pimentell alquaide do cas-
tello da dita villa pella portajem que requada dise que
leuaua por toda besta desquaregada ou caregada pella
besta mayor seys rreaes e ho meyo pollo asnal que som
três reaes E esto cõprãdo ou ucdendo ou entrado ou
sayndo pêra Gastella segundo forma da Sentença E os
que pagam dizmo dalfandega nÕ pagam outra portajem.
it. preguntado o dito alquaide pellos direitos da al-
quavdarja dise que nõ leuaua nenhúa cousa por quanto
era todo dado ao Concelho da villa e a villa os da a
huú meyrjnho que serue quadano o quall he tomado e
cõfyrmado pello alquaide mor de três que o concelho
mete e apresenta.
1 A jnargem: «Não he pêra aqui».
2 A margem : «Alfouteiros. Daqui o prouervio vulgar que dizê
foutamente. Nô he do foral».
23q
E este meyrinho leua estes direitos .s. de pena de
sangue de sobre holhos pêra cima çéto e cinquoenta
reaes e de hy pêra baixo sesenta e sete reaes e tãbé
leua arma.
it. E da pena das armas perde as pêra ho dito mey-
rinho posto que no faça mall com ellas e leua as forças
e as outras cousas cõteudas na ordenaçam.
it. pregútados se avya hy outros direitos diserom que
nõ e por verdade signarõ aqui: (Seguem as assignatii-
ras).
Faça se ho foral segundo o uelho e segundo estas
deligencias e quãto aa portagé faça se segundo ho foral
dEuora e das penas das armas segundo que estom c
costume de leuar. =Rodericus'.
7. Demarcaçã do termo da vjlla de Myranda do Doiro
diocisf do arcebispado de Braga.
Esta villa de Miranda nã haa diiuida em quãto uay
partindo com Castella pella uea dagoa do Douro ate
foo\ da ribeira de Crasto, donde se começa a demarcaçã
per terra com termo dAlcani:{es, onde se achou huúa du-
uida pequena, que vay aas 3i folhas deste liuro"^.
Anno do nascimento de noso senhor Jhu Xpo de
mjll e b^ XXX h\\f (i538) anos aos xb dias de Junho
em a vjlla de Mjranda do Doyro na cassa da camará
da dita vjlla estamdo hy Pêro Copico e António de
Reboreda cavaleiros e juizes ordinairos em esta vjlla
e asy Francisco Fernandez e Luis Anriquez vereadores
e Diogo de Miranda procurador do Concelho e asy
estamdo hy Joã Pegas scripvam da camará desta vjlla
E asy Fernã Pimjntell e Gomez de Buiza homes de-
I Maço único de Inquirições, n." 12.
- Escrito por outra mão.
240
putados peras cousas da camará E asy estando hy
todos Juntos eu sobredito Memdafonso de Resemde
lhes amostrey a proujsao que trazia deli Rey noso
senhor pêra me darem conta da demarcaçã desta vjla
E semdo per elles vista a dita proujsao lhes pergumtey
loguo se esta vjla partya cÕ Castella e cõ que lugares
partia e se per o lugar cõ que partia estava o termo
bem demarcado per marcos e malhões dyuisões per
que conste o termo está demarcado sem duujda dise-
rão que ho termo desta vjUa partya cõ os lugares de
Castella sygintes^ .s, primeiramente parte cÕ a vjla de
Fermoselha que esta ao lõgo do Doyro abaixo desta
vjUa pello Doyro abaixo a quall vjla he do bispo de
Camora camará do bispado e Jurdiçã e tudo. A quall
vjlla estamdo é esta vjlla cõ ho Rostro pêra Õde ora
nace o soll fyqua Fermoselha casy nas costas que he
abaixo desta vjlla e que des esa vjlla ao Doyro aÕde
pello dito R3'0 se partem os termos ãbos .s. desta vjla
cõ ho de Fermoselha ha quatro legoas e do dyto Ryodo Doyro que he aRaia a vjla de Fermoselha ha dous
terços de legoa e que começa esta vjlla a partyr cõ ho
termo de Fermoselha pello Ryo do Doyro em o lugar
Õde entra no D03T0 hú Rybeiro que se chama o Re-
dõdall o quall Rybeiro está entre o termo desta vjlla e
o de Allgoso e dah}^ pêra cyma vê partymdo os termos
per o meo e £3^0 dagoa do R3'0 do Doyro o termo desta
vjlla cõ termo de Fermoselha legoa e mea e se acaba
de part3T o termo entre húas alldeas que esta em Cas-
tella que chama Fornilho e Mamoles^ e vão ao lõgo do
Doyro dapar dallem. E acabado de partir cÕ termo de
Fermoselha vem logo partymdo esta vjla seu termo
dahy pello Doiro acyma cõ termo da cydade de Ca-
> Á margem por ouira mão: «Começa a partir Miranda com
Castella ao longo do Douro de P"ermoselha que he de Castella
pello ribeiro do Redondal .s. de frÕte delle«.
- A margem: «Fornilho e Mamoles, aldeãs de Castella».
•241
mora' a quall cidade de Camora esta do R}0 do Doiro
dóde esta vjla parte cÕ Castella per elle ha dez legoas.
A quall cidade de Camora he cydade Realenga e de
Sua Magestade e cercada e forte e gramde e esta per
svma (sic) desta vjlla^ hú pouco ao nacente do soU e
vay partymdo esta vjla seu termo pello Rio do Doyro
acyma per o meo da vea dagoa cymquo legoas hymdopelas volltas do Doyro as}- como elle vay e que desta
vjla ao Rio do Doyro ode parte cõ termo de Camora
per o meo da vea dagoa os termos ha quatro tyros de
besta e que do dito lugar dÓde esta vjla começa pello
D03T0 a part}T cÕ termo de Camora pello Doyro acyma
va}' partymdo o termo desta vjla-^ cõ termo de Camora
ate õde entra no Do\to a Rybeira do Crasto no Rio do
Doyro e ífaz hy híia ífoz o Ryo e da bada dallem do
Ryo do Doyro na parte de Castella está hú mojnho an-
tigo que he de Castella e desta ifoz do Doyro esta hú
marco-! que he a dvvysão dantre o termo desta vjlla e
o termo da vjlla dAllcanjca que he de dó Francisco
Anrriquez que hora novamente- he feito marquez {sio
dAUcanjças e dahy do dito marco que está desta parte
1 .4. margem: "Camora, cidade da coroa de Castella». Camora
está por Çatnora, que era assim que d"antes se escrevia, tanto emportuguês, como em hespanhol.
2 .4. margem: "Agoa acima).
3 A margem: "Parte Miranda cõ Camora pollo Douro acima ate
onde entra no Douro a ribeira de Crasto».
4 A margem : "Daqui começa a demarcaçam dos regnos de Por-
tugal e Castella per marcos em terra fora do Douro».
5 O adverbio novamente significa que D. Francisco Henriques
era criado novo Marquês e não que elle fosse feito de novo ou
segunda vez. Esta palavra, tão usada nas cartas de nomeação
pôde prestar-se, e tem-se prestado, a equívocos. Haja em vista
um documento sobre Bernardim Ribeiro, publicado pelo Sr.Vis-
conde de Sanches de Baena no estudo que lhe dedicou. Vid. o ar-
tigo da Sr.^ D. Carolina Michaelis de Vasconcellos sobre a littera-
tura portuguesa de 1891 a 1S04 no Rom. lahresbericht, iv, 211. (Nota
do Sr. Pedro A. de Azevedo).
16
24-2
do Doyro deyxa esta villa de partyr o seu termo cÕ
termo de Camora pello Doyro acima Õde parte pello
dyto R}'© per elle aha3xo cymquo legoas como ja dyto
tem e sempre vão partymdo os termos esta vjla cõ termo
de Camora e Fermoselha pelo meo dagoa e a metade
do dito Rio he termo desta vjlla e a outra metade he
do termo de Castella e que ao lomgo do Rj-o do Doyro
desta parte de Portugall e termo desta vjlla ha allguas
moendas de persoas desta vila e termo sem contradyçã
dos de Castella e que ho mesmo os de Castella tem
outras moendas no dito R}^© do Doiro da parte de Cas-
tella por que esta vila está em pose paçvfica e Jmmo-riall de posoyr por seu termo a metade do dito Ryo do
Doyro' de cento e dozentos annos e mais a esta parte té
o dia doje sem nenhúa contrad3-çã e que aõde esta vyla
começa partir cõ termo de Camora pello Ryo do Doyro
anda húa barqua- no dito Ryo que he toda desta vjlla o
Rendvmento delia sem ter parte nella nenhúa Castella
nem nunca a teve ate oje. E que ha doze mojnhos e qua-
tro açenhas ao logo do Doyro em quanto va}' o Doiro par-
tvmdo o termo desta vjlla cÕ Castella e estes estão no
termo desta vjlla do meo do Rio do Doyro pêra esta parte.
E que ahy no dito Ryo do Doyro a tFoz da Rybeira
do Castro õde esta o marco a borda do Doiro da parte
desta vjlla começa dahy pêra dyante esta vjlla a partyr
o seu termo per terra cÕ termo da vjlla dAllcanjcas^ que
he do Marquez dAllcanicas e na parte majs o termo per o
Ryo do Doyro que ja dahy pêra cyma vay o Doyro per
Castella asvma o quall Rvo do D03T0 nace em huas ser-
ras que estão junto de Sorea^ abaixo das Manchas dAra-
> A margem: "Vea dagoai.
2 A margem: "Barqua de Portugal onde Miranda começa a
partir com termo de Camora'.
? ,4 tnargem: ••Demarcaçã per terra com Alcanices».
4 Á margem: -Nace o Douro junto de Soria abaixo das man-
chas dAragão. E o Tejo nace da outra parte da serra».
24^
gão e nace em húa serra de húa banda e da outra parte
da serra se diz que nace o Tejo, que Camora' terá três
mjll vyzinhos e tem húa ponte no Doyro cõ duas tores
em ella e que a vjlla dAUcanicas he lugar que he cer-
cado e tem húa fortaleza boa e que terá a vila cento
e vynte vvzinhos fora o termo e que a vjlla dAllcanjcas^^
esta per cyma desta vjlla ao direito delia contra o norte
hú pouco per cvma desta vjlla a mão esquerda que fyqua
ao direito do norte, e que tem a dita villa dAUcanicas
sesenta e duas alldeas no seu termo. E que desta villa
ao marco aonde está a foz no Do}TO que se chama de
Paravella que he õde esta vjlla começa de partyr seu
termo cõ termo da vjlla dAllcanjcas ha duas legoas e
do dvto lugar e arraia a vjlla dAUcanicas ha três legoas
e do dito lugar pêra diante deixando o Doiro a mãodireita que se vay per dentro de Castella dõde elle vem
vay dahy per terra esta vylla part\"mdo seu termo cõ
termo dAUcanicas quatro legoas até chegar ao termo
de Vymjoso^ e chega o termo desta vila partymdo cõ
AUcanicas ate ho lugar que chama Vali de Frades que
he ja a dita alldea do termo da vjlla doAVmjoso, e esta
outra alldea do termo desta vjla ahy pegado em a arraia
que chama Avelenoso (sic). E que per o termo desta vjla
ao logo da arraia de Castella em quanto va}' partjmdo
cõ termo dAUcanicas esta as alldeas syg}-ntes4 .s. Para-
della que esta da arraia dous tiros de besta. E mais ao
1 A margem: «Camora teraa iij vezinhos».
2 A margem: «Alcanizes he lugar cercado e tem boa forteleza,
teraa c.'" xx. vezinhos, mas tem grande termo, porque diz que teraa
de termo Ixij aldeãs. He de dom Francisco Anriquez, Marquez do
dito lugar».
3 .4. }7iargem: «Chega o termo de Miranda atee o Vimioso par-
tindo com Alcanizes .s. ate aldea de Auellanoso de Miranda eVal
de Frades doVimioso".
4 A margem: «Paradella, Infanes, Constantim, Cicoiro, SamMartinho dAngueira, Auellanoso, Todas estas aldeãs sã do termo
de Miranda e vam partindo ao longo da raya com Alcanizes».
244
dyante outra aldca que chama Infanes que esta da araia
hú terço de legoa.
E outra alldea que chama Comstatym que esta da
arraia o voo de húa perd^•z daçor que será dous tiros
de besta e mais não. E está outra alldea que chamão
Cycoiro que esta da raia outros dous tiros de besta.
E está outra alldea que chama Sá Martinho dAn-
geyra que está da Raia mea legoa.
E está outra alldea que chama Avelanoso que esta
da Raia hú terço de legoa.
E que em toda esta terra per onde esta vjlla vay per
terra partymdo os termos cÔ AUcaniças vão sempre pos-
tos malhoes de hú cabo ate o outro e ja ha anos que os
de Castella mudara hos malhois e se tornara a concertar
e por em seu lugar, e que o Ano pasado hymdo esta vjlla
corer e prover os malhoes da aRaia como costuma fazer
cada hú ano achara mudado hú só marco atyguo que
esta acyma dalldea de Paravella junto de húa rr3^beira
e que este cõcelho tornou a cõcertar seu marco no pro-
pio lugar õde sempre esteve e despois os dAllcanica
tornara a desmãchar e espalhar as pedras do dito ma-
lhão e marco que estava no dito lugar. E que disto
as}^ elles dera dyso conta a Fernão Lopes Corregedor
que ora he desta comarqua e não proveo niso nada.
E estamdo o marco em termo desta vjla em o propio
lugar dõde esta dãtygo tempo e que os de Castella não
meterão marco nenhuú em outro lugar. K que isto causa
allgús castelhanos que tem comprado terás no termo
desta vylla ao longo da arava e eles morão em Castella
e quando lavra as taes terás que esta no termo desta
vjlla se vão metendo e dá caso aos dAllcaniças querere
tomar o termo desta vjlla como ora fizera no dito marco
que desmãcharão que se se provese per prov3são forte
que nenhuú castelhano nã t3-vese terá em este termo ao
longo da aRaia de Castella ne lavrase nella nã se far3^a
a dita dyferença que se ora íTez e outra que já se fez
á anos e seria proveitoso mãdar se que vendesé os cas-
24D
telhanos as terás que tem e este termo ao longo daraia
era termo certo e nã lavrasé mais em elle' e que de
como isto tudo as}' pasa ha persoas em esta vila ãtygos
que ho sabe que pesue seu termo per os lugares ja dytos
os quaes lugares per õde vão os marcos não lhe sabem
né tem nomes que elles ao presente saybão os antygos
cÕ que se íFor ver esta terra da Rava lhe poderá dyzer
os nomes por õde ^ av a malhoeyra. E que em a ca-
mará desta vjUa nã ha nenhuú forall né scryptura que
diga por omde o termo delia parte cõ Castella por que
o forall antygo onde podia estar deve ser na Tore do
Tõbo que se levara pêra se fazer o forall novo e comelles Juizes e ofycyaes catey o cartoryo da camará todo
e não lhes achey nenhuús papes né scripturas que fallé
em nenhúa cousa de termos =^. E que nunca cÕ Castella
t\-verão ate ora outras mais diferenças senão hiía que ha
anos que se emendou e ora este marco que lhe desmã-
charã e espalhara as pedras por se meteré mais pêra
dentro deste Regno e o lugar Õde se desmãchou o dvto
marco he terra boa de pão por que a mais terra dah\'
pêra d\"ante he terra e vav a demarcaçã per húa será
callva de pouco provevto, e que os ant\"gos e persoas
que no termo ama que dvsto sab^•ã parte se catarvã
pêra cÕ elles h3Tmos ver a demarcaçã desta vjlla cõ
Castella e por verdade asynarã aquy todos. Mendaf-
fonso de Resende que ho scpreuv.= António de Re-
uoreda=Pero Çapyquo=Luvs Anrriquez=Francisco
Fernandez= Diogo de Miranda= Fernam Pimentell.
J^ista dos marcos com testemunhas ajuramentadas
E despois aos xbij dias do mes de Junho de mjll e
b'' e xxxbiii° anos eu sobredito Mendatfonso de Resende
1 A margem : «Asy o tê Oliuença per proujsão dellRev que
deus ajao.
2 A margem: "Não se achará papes na camará do Concelho».
246
cstamdo nalldea de Paravella' termo da vjlla de Mi-
randa com Amtonio de Revoreda, cavale3T0 da casa
dellRey noso senhor, Juiz da villa de Miranda e cõ os
vereadores e procurador da dyta villa e por testemu-
nhas por parte do comcelho que pêra jso me nomearão
•s. Joã Pegas scripvao da camará e tabelliam em a dita
vjlla e asy AíFonso de Queirós e Gonçalo Roiz e Fernã
Pymintell que sab^ão por homde ora partia o termo
desta vjlla cÕ o termo dAllcanicas e asy certos mora-
dores dalldea de Paravella que tãbem sabyão a demar-
caçam da parte que tocava ao h-myte da dita sua alldea
de Paravella por que des ho marquo que está a borda
da rybejTa do Doato a ífoz donde entra a r^-beira do
Crasto no D03T0 ate õde estava o marco que os de
Castella ho ano pasado desmancharão pêra tomare ho
termo desta vjlla e lloguo aos marcos que estão desde
homde está o marquo a borda do D03TO na ífoz até
hú marco que está a borda da estrada que va}' de
Mirada e sa}- dalldea de Paravella e vay pêra alldea
do Castro termo de Allcaniças e que são sete mar-
cos des ho da foz do Doyro até o que esta a borda
da dita estrada já dita e decrarada os quaes marcos
mandey ver e os íforão ver Joã Aífonso e Pêro Migeli
e Francisco Ortega moradores em a dita alldea de Pa-
ravella que hos sab3'ão e por estarem em lugar tam
áspero e fragoso de p3'njdia que nã se podia ver per
homes e persoas que fosem a cavallo e por isso hos
forão ver estes. E des que V3-erão de os ver lhes de3'
aos ditos Yoã Affõso e Pêro Migeli e Francisco Ortega
juramentos dos avãjelhos em que poserão as mãos
direitas e por o Juramento lhes pergunte3' se os d3'tos
sete marcos que forão ver des ho marco que esta a
foz do D03T0 des hõde esta villa de Myranda começa
I Por vezes o escrivão tem escrito Paradella, que logo foi emen-
dado para Paravella.
247
partyr lio termo cÕ ha vjla dAUcanicas per terá ate ho
marco que esta a borda da estrada que vay da villa de
Miranda e alldea de Paravella pêra alldea de Castro se
estavão os dytos marcos todos em seu propio lugar
donde soem e estão des que se acorda a esta parte.
E elles por o dito Juramento diserao que os fora hora
ver os ditos marcos e que os vyra e estava alevantados
no lugar propio onde soem destar sem estarem nenhúa
cousa mudados e tanto que isto as}- todos Jurara nos
Ifomos todos direitos ter a huú teso allto que se chamao dito cabeço do Reto' do Callvo. E no dito cabeço no
meo delle em cvma estava hú arvffe de pedra de com-
primento de três llanças e a borda do dito arryfe estava
hú marco de pedras cÕ mujtas pedras darredor delle e
ao de trás deste cabeço e marco em outro cabeço que
fyqua logo atras antes deste que se chama a Pena do
carquejall onde está no meio do cabeço outro marco
e entre estes dous cabeços core hú Regato per entre
elles e no cabeço do Reto do Callvo onde esta ho marco
ao pe do ar3'ffe na testa da dita pvnjdia e anffe contra
o Doiro e contra o marco que hv esta pegado cõ elle
mamdev llogo ífazer húas quynas que tem o rostro contra
o Doyro. E ffeito asy as ditas quinas em a dita pedra
junto do dito marco pêra ficar pêra llembrança pêra o
dyante. E aas dytas testemunhas que se por parte da
villa de Miranda que o Concelho deu e nomeou atras
nomeados logo dey Juramento dos santos avanjelhos
em que poserão as mãos direitas e por o dito Jura-
mento lhes mãdey que disesem se era verdade do que
lhes per my fose perguntado e elles asy o prometera
de dizer e ífazer e do costume diserã que erã da villa
de Miranda e que diryao verdade e sendo perguntados
• É do Reto o que está escrito, mas nada impede que se inter-
prete como dorreto ou do Urreto. Cf. em dialecto transmontano
arreta ou urreta (mir. õurríeta).
248
pella Rezão atrás dada na emformaçam do Concelho e
do lugar por omde partia o termo desta vjUa cõ Cas-
tella dyserão que des que se acórdão ate ora de dez
vynte trj^nta anos e mays a esta parte sabem e vyramsempre que Miranda do Doyro partyo e parte seu termo
per o Ryo do Doyro per o meo e metade e fio dagoa
do Rio do Doiro cõ terra de Fermoselha e cõ termo
de Camora ate que começa partvr ho termo per terra
cõ termo dAUcanicas e que sempre vvo que partva o
termo cõ Castella per a metade do Rvo do Doyro e
asy a seus pães e avos sempre ouuvrao d\zer que a
metade do Rio do D03T0 emquanto partia esta vjla cõ
Castella per elle hera termo desta villa e que nunca
sobre iso v3Tã esta villa de Miranda ter nenhuú debate
contenda nem demanda e Refferta cÕ Castella sobre o
partyr dos termos per o Ryo do Doyro senã Miranda
ter a metade do dito Rio do Doiro e a outra metade
ser termo de Castella e que do Doyro a ffoz onde
começa de part\r o termo desta villa cÕ ternio dAUca-
nicas ssabê que ora vem os marcos desta villa des ha
foz do Dovro corendo ate este marco que esta em este
cabeço onde ora estávamos do Reto do Callvo atrás
dito e decrarado. E do d3to marco do Reto do Callvo
dvserão que dahy por diante me hvrvao mostrando os
marcos pello lugar per onde sabyão que esta vjUa po-
sova o seu termo e me forão dah}?^ mais ao dyante
mostrando outro marco sobymdo hú lombo e estava
outro marco e dah^• h\-mdo por diante amostrarão outro
marco e mais ao d\ante outro marco e mais a dyante
outro marco e mais ao dyante outro marco e mais ao
dvante outro marco e mais ao d\ante outro marco acyma
do rygeiro de Vali de Fontes e mais ao dyante amostrara
outro marco e mais amostrara outro niarco que he hú
sexo branco em a serra de Vali de Fontes. E ao dyante
amostrara outro marco a borda do caminho que vay
pêra Brandvlanes e vê de Miranda. E ao dyante vay
outro marco aos Galegos aomde mandey no pé ííazer
249
as quvnas. E ao djante amostrará huú pous}o entre
hos pães (pães?) semeados onde diserã que sova destar
o marco' que os dAUcaniças lhe tvrarã ho ano pasado
por respevto de se meterem por dentro deste Regno
por que a terra toda de húa parte e da outra he de per-
soas de Castella do termo dAUcaniças e por que elles
amostrara o lugar onde so^"a destar sempre o marco
logo hahv por niso se afirmaré mandey o h}' outra
vez tornar a reformar e fazer o dito marco e ftby logo
ífevto e levantado o quall está em cyma de hú teso
que he e se chama a Pena Corvaceira. E dahy iForã de-
cendo a Vali Cenheiro decendo a hú valle onde estava
outro marco e na metade do Valle de Vali de Cynheiro
amostrara outro marco e ao dyante amostrará outro
marco entre ^'all Cvnheiro e osValles e ao diante amos-
trará outro marco, e mais ao diante amostrará outro
niarco a boca dos A'alles, e mais ao dvante amostrará
outro marco ao caminho que vay dalldea de Ifanes pêra
Brandilanes alldea de Castella termo dAlcaniças e mais
ao dvante amostrará outro marco e ao dyante mais amos-
trará outro marco e hymdo mais pêra diante amostrara
outro marco a cabeça de Ureta dagia e hyndo mais ao
dvante amostrará outro marco e dah}' h\mdo mais ao
dyante contra e ao direito de Nosa Senhora da Luz
Irmida que esta na Raia estava outro marco E dahy
hvmdo pêra ao dyante fora ter em híi cabeço onde esta
húa Irmida de Nosa Senhora da Luz no termo desta
vjUa e nas costas da dita L^mida em hú cabecynho mais
allto que ha Irmida estava posto outro marco e a Irmida
toda fyqua no termo desta vila. E do dito marco que esta
nas costas da Irmida em ho mais alto do dito cabeço da
1 .4 margem: «Aquy achou duuida que pode releuar hu tiro de
pedra em comprido e em largo huú jogo de malhão que tomara
os castelhanos aueraa ij anos e diz que mandou poer malhão e
marco onde estaua dantes etc».
25o
dita Irmida dahy se começa húa pequena de será que
vay ter la dyante a será de Santo Adryão e íforã pello
meo da será e cume delia agoas vertentes a mão direita
he termo dAllcanicas e a mão esquerda he termo de
Miranda Õde hyã marcos per o meo do cume da dita
serra õde estava outro marco junto de hú caminho que
va}' pêra Moveiros e vem de Costamt^-m termo desta
vjlla e vê da serra que está entre o Couce eVall de Go-dinho. E h3mdo mais adyante amostrara outro marco
junto de hú car}^! que vay pêra Lhama la Grulha em hú
cabeço dentre ambos os prados dos Couces e h3'mdo
mais adyante amostrara outro marco e h^-mdo mais ao
dyante no meo do lombo junto de hú caminho que vae
de Cyqueiros pêra Moveiros antes que chegem ao cami-
nho amostrara outro marco e em húa pedra nadyvell
atras do dito marco em direito delle mandey ífazer as
quynas e hymdo mais ao dyante amostrara outro marco
pegado ao caminho que va}- de Costantym pêra Arzi-
leira alldea de Alcaniças em cima de Vali de Godinho.
E hymdo mais ao diante per a dita será ao meo do
lombo e cume dele amostrara outro marco de pedras
junto de húa cova pegado ao caminho e estrada que
\em de Miranda e Costantym e vay pêra AUcaniças e
pêra trás pêra dentro deste Regno a borda do dito
caminho meo jogo de bolla esta húa cruz gramde de
pedra que se chama a Cruz de Candena. E do dito
caminho onde está o dito marco e cruz torna dahy por
dyante corer outra será que se chama a Será de Santo
Adr^áo e o termo desta vyla de Miranda diserã que
part\a cõ Castella per o cume e meo da dita serra agoas
vertentes a mão direita pêra Castella e a mão esquerda
per termo de Portugall e vay sempre part3aTido os ter-
mos per o meo da dita serra até decer delia pêra baixo
pêra a Rvbeira que se chama de Sã Mart3'nho que nace
acyma dAllcanicas e uem per junto dalldea de Sã Mar-
tynho termo desta vjlla e em decendo per a dita rvbeira
no meo da dec^'da sobre a Rvbeira esta e amostrara
2Dí
outro marco e na dita Rvbeira de São Martvnho esta
hú mojnho no termo de Gastella de Fernã Vicente de
Vmjneira (sto termo dAllcaniças e té o dito mojnho pêra
trás per a dita serra partya os termos per o lombo
delia e da dita Rvbeira de Sã Martinho torna a sobvr
ao direito pêra outra será que está per cyma do dito
mojnho e em cxma no allto esta outro marco e per a
dita serra vão part\'mdo os termos per o meo do cume
e allto delia agoas vertentes pêra Gastella e pêra Por-
tugall até onde chega ho caminho de Carvalho Retorto
que va\ pêra Allcanicas e vem dAngeira alldea de Mi-
randa que se chama o dito caminho o dito nome e junto
do dito caminho estava hú marco allto em o quall man-
dey ífazer as qm-nas pêra fvcar por lembrança e do dito
marco torna a demarcaçã sob\T per a cumiada da serra
de Cerdeira per o meo delia e em cyma no meo e lombo
da será estava outro malhão grande de pedras e a de-
marcaçã vay sempre por cyma da dita será per o meoda cumiada até que torna a decer e ftazer hú baixo a
dyta será e vê per o meo dantre a dita será e baixo
delia húa Rybeira que chama a r\'beira de Samta Anaque vé de Castella e corre pêra Portugal e vem per a
alldea de Avellenoso a quall Rvbeira na borda delia
abaixo da decvda da dita serra pasado a Rvbeira está
hy dous marcos hú de húa banda do camjnho que por
hy pasa e outro da outra banda e em o primeiro marco
que he de húa lagea mandey por as quvnas cõ ho rostro
contra Portugall e dahy torna a demarcaçã a corer e
sobir será acima té em todo cvma e vav per o dito
lombo da dyta será e lombadas e meo dos lombos os
marcos agoas vertentes pêra Castella a mão direita c
pêra Portugall a mão esquerda e pasado a dita serra
decem abaixo em húa grande colhida e torna logo sobir
a demarcaçã per outra serra que vav ao direito e pêra
dyante que esta defronte da alldea deValar}"nho que se
chama a Serra de Sam Mamede em a quall serra per
o meo delia em c\'ma vã os marcos desta vjUa e a^oas
252
vertentes pêra Castella a mão direita delia está embaixo delia na parte de Castella a alldea de Sã Ma-mede onde tem hua Igreja Sã Mamede que está emtermo dAllcaniças e do cabo e cume da dita serra
quando querem deçer pêra baixo torna logo a demar-
caçã desta villa corer o direito sobre a mão esquerda
o seu termo e vem ter qua a outros marcos que estão
cm outros outeiros abaixo que está hy hú marco que
se chama Morygo e o dito marco está pegado cÕ híã
caminho que vem do Vymioso e Vali de Frades sua
alldea pêra alldea de Santana e pêra Castella e ah\'
ao dito marco chega também o termo dAllcaniças do
lymite dalldea de Vilarinho e o termo do Vymioso,
e a dita alldea de Vilarinho estava dahv pêra baixo ao
direito entre húas serras e defronte da villa dOuteiro
.s. houteiro parece e está per cyma delle e que a terra
de A'ylar3-nho parece ser deste Regno por ter naquella
parajem tomado húa legoa pequena de terra em com-
prido e outra em largo que segundo a demarcaçã desta
vylla vem ter a do Outeiro que esta defronte das serás
atrás já decraradas esta alldea segundo per ella parece
se mete todo o lymite delia para este Regno segundo
os marcos que desta vylla fycã postos atrás e a terá
e termo douteiro que está ao dyante que parece que
ho cerca o dito lymite da dita alldea e allçijs ant^•gos
de Miranda a tem e dizem que a dita alldea foy ja termo
de Miranda' por em por ora se nã pode mais saber e
em tudo o atras da demarcaçã já vista per os ditos
oficyaes e testemunhas que ma fora apegando e mos-
trando e afyrmando que por hy poso\a esta vylla seu
termo pacyficamente sem contradyçam de persoa allgúa
1 .-1 margem: «Diz que parece que Vilarinho era antigamente
termo de Miranda e que o comendador de Vera Cruz que se chama
Pimenta (sic) tem scrituras que fallã niso e que iso lhe dise frey
Joam Borralho comendador dAlgoso».
253
c que nisto se afynnarã pello Juramento que tomado
tvnhão e Fernã Pymintell nã foy presente comigo a
todos os marcos senão veo de trás vendo os que ^y-
nhamos provendo e chegou a nos ao moinho de Fernã
Vicente e dahv coreo até o cabo a demarcaçã e apro-
vou toda que estava pelos marcos atrás já vastos e
decrarados e afvrmou que os v\-era detrás vysitando
sempre despos nos pellò juramento dos avanjelhos que
tomou que per mjm lhe ffov dado por que a partida
da dita aldeã fvcou detrás e por tudo asy pasar na
verdade asvnarao aquy todos. Mendafonso de Resende
o screpv3\ = Joam Pegas = António de Reuoreda=Francisco Fernandez = Fernã Pimentell= Nuno de
Queirós = Diogo de Mvranda = Luvs Anryquez ^Gonçalo Rovz.
Desta Vila de ^liranda aAlmioso ha quatro legoas e
he daquy alcaide mor Luis Alluez de Távora".
8. [Noticia de um mestre de grammatica da Terra-de-
Mivanda no tempo de D. Sebastião (sec. xvij].
Dom Sebastião etc. Faço saber que Pêro Martinz,
filho de João Martinz, morador no lugar dUros, termo
da vila dAlgoso- da comarqua de Tra los Momtes meenviou dizer por sua pitição que ele fora preso por se
dizer que ele e outros saltarão dasuada cõ huíí Amtonio
Fernandez mestre da gramática e Maria Roiz e Joana
Garcia etc. Dada nesta cidade de Lixboa aos quatro
dias do mes de feuereiro... de j b'' Ixij (i562) anos".
1 Liiiro do Tombo Jcis Demarcações dos luguares das comarcas
de Tra los Montes e dantre Douro e Minho que estam ao longuo
da raia estremo de Castella e Guali^a, fl. 24 sqq.
2 Algoso, como se viu no vol. i, p. 38, pertencia outrora áTerra-
de-Miranda.
3 Livro *'..o de Legilimaçóes de D. Sebastião e D. Henrique, fl. 23.
APPENDICE II
Apreciações litterarias mencionadas no Vol. I cCestes «Estudos»,
pp. 22-23
Como o meu traballio O Dialecto mirandês, dado a
lume em 1882, foi o primeiro ensaio que se publicou
sobre o idioma de Miranda-do-Douro, poderão acaso
despertar alguma curiosidade nos leitores as cartas e
notícias bibliographicas a que me referi no vol. 1 d'estes
Estudos, pp. 22-23, e por isso aqui as transcrevo,
—
umas e outras escritas por philologos competentes.
A) Cartas particulares
I. Do Sr. Dr. J. Cornu, professor de Philologia ro-
mânica na Universidade de Praga, auctor de muitos
trabalhos a respeito da lingoa portuguesa e de outras,
publicados em francês e allemao':
«Prague, Salmgasse 9, le 3i janvier i883.— Mon-sieur.— N'attribuez point à la négligence le retard que
jai mis à répondre à votre aimable envoi.^'os recher-
ches sur le D(ialecto) Mirandês m'ont entièrement inté-
I Vid. na Revista Lusitana^ 11, 359-3G4, a resenha dos que se
referem a Portugal.
2Db
ressé et me fournissent les n"io3'ens de localiser des textes
anciens espagnols qui apporteront de nouvelles lumières
à votre belle étude. A plus tard. plus de dctails».
2. Do Sr. Dr. F. d Ovidio, professor de Philologia
Românica na Universidade de Nápoles, auctor tambémde muitos trabalhos d cerca das matérias que professa,
e entre elles alguns a respeito de Portugal '
:
«Gent."^*' signore.— Ho ricevuto il Suo lavoro e ne
la ringrazio vivamente. L'ho letto súbito e con grandís-
simo piacere e istruzione. Se non mi trovassi ammalato,
come sono da un mese, m'affreterei a farne una recen-
sione in una qualche rivista italiana o straniera. Sono
però obbligato a non lavorare. Ad ogni modo, mi gio-
verò assai dei su bel lavoro in una ristampa che tra
non molto si dovrà fare dei Manualetto portoghesey>-.
3. De D. Manoel Milá }• Fontanals, hoje fallecido,
professor que foi de Historia Litteraria na Universidade
de Barcelona, e, pelas numerosas obras scientiticas que
publicou, uma das glórias da Hespanha em assuntos de
philologia 2;
aBarcelona, 17 Febrero i8S3.— Muy senor mio y de
mi aprecio.— Recibi a debido tiempo su O Dialecto
mirandês, de que le doy gracias. Atendiendo exclusi-
vaniente a la parte filológica (que es el objeto principal
1 Manualetti agli stiidj neolcilitii, em collaboraçao com o Sr. E.
Monaci, vol. 11. Portoghese {e gallego)^ Imola 1884: cf. Revista da
Sociedade de Insínicção do Porto, i, 33ó. O Sr. Ovidio publicou
ainda, na revista italiana La Cultura, de i de Agosto de 1884,
uma apreciação crítica das edições de Eutropio e Phedro anno-
tadas pelo Sr. Epiphanio Dias.
2 A edição do Manualetto, de que o Sr. Ovidio falia, não chegou,
que eu saiba, ainda a fazer-se.
? Milá y Fontanals, no seu livro De los trovadores en Espana,
Barcelona 1861, refere-se a Portugal em capitulo especial.
2^-
\ poco menos que único de este trabajo) me parece
una monografia hecha con mucho saber y esmero yque íigurará dignamente entre los mejores estúdios dia-
lectales de la península. Son tambien muy interesantcs
las noticias que dá acerca de los demás dialectos por-
tugueses.
Este es mi parecer. En caso de que le pareciese a
V. oportuno darle publicidad, le autorizo con la con-
dición de que lo inserte \ . eutero, por motivos que
puede \'. comprender».
4. Do Sr. D. Rufino José Cuer\o, collaborador da
Romania e da Reviie Hispanique, auctor do Diccionario
de construcción y regimen de la lengiia castellana, das
Apuntãciones criticas sobre el lenguage hogotano, das
Xotas d la Grammática castellana de Bello:
«Paris, 9 de Agosto de i883.— Mu\- senor mio y de
mi mavor aprecio.— Acabo de recibir el valioso tra-
bajo de V. sobre el Dialecto Mirandês, y estando con
el pie en el estribo, pues maiiana salgo de esta á fin
de pasar unos dias en el campo, no he querido dilatar
la satisfación de leerlo y dar á V. las gracias por la
exquisita mucstra de benevolência quc^'. se ha dignado
darme.
He devorado el libro de^^, y, dejando aparte mi afi-
ción á estos estúdios, la importância dei asunto v la
lucidez con que ^^ lo ha tratado, me han hecho tan
grata como provechosa su lectura, ai propio tiempo
que me han avivado el anhelo de que \ . saque á luz
la Dialectologia portuguesa, que sé que V. está prepa-
rando »
.
B) Artigos impressos
I . « O exame attento das diversas publicações
do Sr. L. de \ . permitte-nos considerar o auctor comoum espirito progressivo, animado de um grande e sin-
258
cero zelo pela sciencia. Ha pouco lemos d'elie um en-
saio sobre um interessante dialecto hispano-português,
o dialecto fallado nos campos de Miranda do Douro,
phase intermédia entre o português e o leonês, e fol-
gamos de ver que o Sr. L. de V. tem uma vocação,
bem rara entre nós, para as investigações dialectolo-
gicas, que, alimentada pelo estudo, lhe dará em breve
um logar distmcto na plêiada dos dialectologos penin-
sulares».
(F. Adolpho Coelho, in Jornal do Commercio n.° 8706, de 28
de Novembro de 1882).
2. «O Dialecto Mirandês. Contribuição para o estudo
da dialectologia românica no dominio glottologico his-
pano-lusitano por J. Leite de Vasconcellos, alumno
da Escola Medica do Porto. Porto, Livraria Por-
tuense de Clavel & C* Editores, 119 Rua do Al-
mada 123, 1882, 39 p. 8.°, 3oo reis.
Die melancholischenWorte, mit welchen F. A. Coelho
vor sieben Jahren seine treffliche 'Bibliografia critica"
abschloss, sollen nicht fur alie Zeit Bcrechtigung haben.
Jede wissenschaftliche Saat, welche unter einem civili-
sirten Volke ausgestreut wird, pflanzt sich sicherlich
fort; bald rascher, bald langsamer. Coelho ist geraume
Zeit der einzige —wenigstens der einzige produktive—Vertreter der methodischen Linííuistik in Portusal ^e-
wesen; aber schliesslich bleibt sein Bcispiel nicht ohne
gliickliche Nacheiferung. Ein junger Mann, der in Porto
dem Studium der Medizin obliegt, fuhlt sich durch die
neue Wissenschaft angezogen, erwirbt sich in ihr einc
feste Basis und wendet sich zunachst der Darstellung
einer einzelnen ihm naheliegenden Mundart zu. Bei
ihm, wie bei Coelho, steht dieses Interesse mit demfiir Volkskunde im engen Bundc, so dass, wenn wir
die schon altere Thiitigkeit der Katalanen und die dia-
lektologischenVelleitaten der sudspanischen Folklorege-
2D(>
sellschaftcn in Betracht ziehen, iiber die ganze iberischc
Halbinscl hin sich parallele Entwickelungen ergeben.
Leite de V. legt uns in gutcr Ordnung und mit zweck-
dienlichen Anmerkungen, welche auch eine ausgebrei-
tete Literaturkenntniss verrathen, ein sehr interessantes
Material vor. Nach der wissenschaftlichen Analyse des
Dialektes von Miranda- do-Douro (einer in Tras-os-Mon-
tes hart an der spanischen Grenze gelegenen Stadt) wird
uns in einer Reihe von kleineren Texten (Geschichtchen,
Zwiegespriichen, Rathseln, worunter einige zweideutige,
Liedchen, Spríichen) eine Gesammtvorstellung von dem-
selben gewahrt. Gehen wir von dem Sclilusswort aus, in
welchem seine Stellung erõrtert wird. Melleicht hàtten
hier die Dialektverhaltnisse der Halbinsel eine stilrkere
Veranschaulichung erfahren kònnen. Sie ist von Norden
nach Siiden in drei Zonen zu theilen, wobei das Bask-
isclie ausser Betracht bleibt, namlich die (galizisch-)portu-
giesische, die (asturisch-)kastilische und die katalanische.
Die mittlere gehõrt mit der westlichen innig zusammen,
wiihrend die õsthche ihre F^ortsetzung jenseits der P}'-
renaen findet. Im Norden stehen sich die drei Sprach-
charaktere thcils an sich niiher, theils sind sie durch
allmahliche Uebergangc mit einander verbunden ; nach
Siiden zu seheiden sie sich immer schroífer, was aus
den geschichtlichen Thatsachen sich unmittelbar erklart.
Abgeschen davon, dass urspriinglich das Aragonesische
das Bindeglied zwischen KastiHsch und Katalanisch bil-
dete, so ist es nach den zu wenig bekannten und auch
von Leite de V. nicht angcfuhrten L^ntersuchungen Joa-
quin Costas fim Boletin de la Institucion libre de ense-
nanza 1879 Nr. 46 íf.) ein ziemlich breiter Streifen. das
ribagorzanische Gebiet, welchen die aragonesisch-kata-
lanischen Uebcrgangs- oder Mischdialekte einnehmen
;
aus dem Siiden fehlen zwar bestimmte Mittheilungen,
doch wird im Ailgemeinen der ziemlich plõtzlicheWech-sel zwischen KastiHsch und Valencianisch bezeugt. Der
westliche und der mittlere Sprachzweig, welche an der
2t)0
Guadiana und aniTejo sich scharf von cinandcr abheben
(^wenn hier vcrmittclnde Mundartcn vorkommen sollten,
so mússen sie auf sehr enge Ritumc bcschriinkt sein),
scheinen nõrdlich von den kantabrischen Bergen fast
noch einen einzigen Stamm auszumachen. Im Fluss-
gebiet des Douro ist das gegenseitigeVerhalten ein mitt-
leres. Durch die Bierza hin geht das Kastilische stufen-
weis in das Galizische iiber; weiter sudlich bestehen
zwischen der Mundart von Trás os-Montes und demLeonesischen zahlreiche Beriihrungspunkte. Freilich geht
uns die Kenntniss des heutigen Leonesisch ab ; das Alt-
leonesische, wie es von Gessner und Morel-Fatio be-
handelt worden ist, schlechtweg mit den heutigen Mun-darten zusammenzustellcn, hat wenigstens da, \vo es die
Bemessung von Difterenzen gilt, sein Missliches.
Das Mirandesische weist, abgesehen von seiner be-
sonderen Beziehung zum Altleonesischen, eine ganze
Rcihc von Uebereinstimmungen mit dem Asturisch-
Kastilischen auf, wobei es hie und da vom Galizischen
begleitet v^'ird, und einigc niit dem Asturischen, wodies sowohl vom Galizischen, wie vom Kastilischen
abweicht. Hingegen sind mir unter den wesentlichen
Ziigen des Mirandesischen keine aufgefallen, die es
mit dem Kastilischen allcin, ohne Betheiligung des
Asturischen, gemein hatte, Avie y = s oder h =f(das allerdings im Ostasturischen auftritt). Der Cha-
rakter unseres Dialektes beruht im grosscn Ganzen
auf alterer, nicht auf neuerer Mischung. ImVokalismus
ist besonders bemerkenswerth mir. = span. ie und
ue = e und o, welche jedoch vor einfachen Nasalen
nicht Statt zu haben scheinen: bên, tên, home (welches
sich nicht nur im Altleon., sondem auch im Altkast.
findet = homin[e])^ bôno (vgl. altleon. bono neben
biieno, astur. bon neben giien, franz. regelm. o vor n
und m). Altleon. astur. ye (est) begegnet uns hier ais
ghiê. Nóbe wohl zur starkeren Scheidung von miebo
(so?), wie ital. nove neben nuovo. Ob in dem von
2t)!
Leite nicht verzeichneten fuònte S. 32. 33 das uo
dem no gleich ist, welches sich neben jiingerem ue
im Altleonesischen llndet, oder ob hier u sich para-
sitisch nach dem labialen Konsonanten entwickelt hat,
muss sich durch weitere Beispiele von uo unmittelbar
feststellen hissen. Unter den Konsonanten sind es /
und n, deren Behandlung zu der in den mittleren
Gruppen stimmt. Intervokalisch bleiben beide {ciélo,
pêlo, animales — tener, rana, panes): wo Formen wie
só (solo)^ iia erscheinen, haben ^^ ir spateren Einíluss
durch die Schriftsprache vorauszusetzen. Aus -//- wird.
wie im Span., -/>'-; aus /-, wie im Astur., /r- <caba-
Iho, streilha — Iludo, lhòho)\ wohl auch aus -nu-, wie
im Span., -nv-, obwohl wenig Beispiele zu Gebote
stehen {anho, cabanha). Anderes ist an sich von ge-
ringerer Bedeutung oder tritt nur vereinzelt auf. Die
Neigung. den Ton von eincm i auf den unmittelbar
Iblgenden ^'okal zu verlegen, macht sich im Mirande-
sischen wie im Asturisch-Kastilischen stark çeltend
;
so haben wir iiiga r= *éiíga = eqiia, wozu betreffs
der sog. Attraktion wohl ogJwj^o 32, i = agulhero?
zu vergleichen ist), riú, friú, tiú iwenn ich S. 14 N. 6
recht verstehe; zu Porto fugiu, mentiu u. s. w. =span. -/O), ion (span.^ro;, aber niíu 1 astur. mió)\ ferner
tniê, friê, devié u. s. w. = -ia (altleones. avién u. s.
w.). Das n von -gin- fãllt ab wie im Span. und Galiz.:
viage, 7'omaige; auch virge (gal. virxe, aber span. rir-
gen). I schreitet nicht zu / vor in veio, seia, ya. X=lat. ss, X, mit dem Span. und Galiz., wahrend das Port.
S5 bietet: paixaro, dixo (auch vulgarport. dixe): init
galiz. astur. quixo stimmt mir. quijo gegen port. qui-,
span. quiso; fúr -si- steht mir. -/-- in quei-o, bei-o,
welchem span. qucso, beso entspricht, wahrend das
Port. queijo, beijo bildet. Man bemerke noch -ug- aus
-»r- wie im Span.: têngo, bengo, pongo. Am = em ist
mir aus der Nachbarschaft des Mirandesischen nicht
bekannt (obwohl alt- und vulgarport. antão, anojar.
202
antre, aiitrar herbeigezogen werden kònncn); aber ich
linde an im Extremenischen {an ca = eu casa El Folk-
Lore Frexnense S. 39. 40. 41). Boiíbéla ist nicht De-
minutiv von lat. pTipa (wie S. 14 und i5 gesagt wird),
sondem von lat. iipúpa und = spiín. abiibilla. In frei-
jom hat frei kaum eingewirkt; man vergleiche galiz.
freixo, span. frejol, frisol^ an dessen Ableitung von
phãseolus Diez zweifelte, indeni tr -ç>on. feijão iibersah.
Zu atronar war nicht span. tonar, sondem span. tro-
nar und altport. troar anzufíihren.
Aus der Morphologie, sofern hier morphologische
Ursachen wirken, ware.etwa folgendes hervozuheben.
Im Possessivpronomen der 2. und 3. P. Sg. fallen Mas-
kulinum und Femininum zusammen: toit, sou (altleon.
astur. to, so); aber in dem der i. P. Sg. bleiben die
Geschiechter getrennt: miu, miê (astur. mió fiir beide).
Wie im Spanischen, mit Einmischung des Reflexivums,
so auch im Mirandesischen se lo u. s. w. = xe lo, je lo,
re lo, lye lo (vgl. ital. giglio = *filfo = *lj'ilfo). ImPerfekt der a-Konjugation bemhen -este, -êmos, -estes
(auch altleon.) nicht auf der Analogie mit der i. P. Sg.,
sondern sind = -aisti, -aimus, -aistis. Die 3. P. PI. -órfi
= -arunt mag sich nebenbei nach der 3. P. Sg. ge-
richtet haben; jedenfalls liegt zunilchst Assimilation des
a an das folgende o vor, wie im ital. -orono, -orno. Die
e-Konjugation unterscheidet sich in den perfektischen
Zeiten nicht mehr von der /-Konjugation, ebenso wenig
wie im Spanischen; nur steht an Stelle des span. ie
im Mir. i {devira, devirum, devisse)^ wie im Altleone-
sischen und (in der /-Konjugation) im Portugiesischen.
Die 3. P. Sg. des starken Perfektums hat wie im Span.
und Galiz. dem schwachen Perfektum das auslautende
-o entnommen: stitho, andubo, quijo, fi^o; sind coube,
tube S. 24 nicht etwa Dmckfehler (ebd. auch tèna statt
tên) ? Zugleich beachte man -ub- = span. -ui'- gegen
port. galiz. (theilweise auch astur.) -ev- oder -ii>-. Die i.
P. S. Ind. Praes. stimmt mit den iibrigen, wie im Span.
263
und Galiz., tiberein, wo sie im Port. von ihnen abweicht:
pido (auch vulgarport. so; sonst peçó)^ pides u. s. w.,
podo (port. posso), podes u. s. w. Die 2. P. Sg. richtet
sich nach der ersten: sós fiir ghiés nach sou, so auch
in gewissen Orten in Andalusien. Traho und facio
werden ganz gleich abgewandelt, was sie weder im
Kastil., noch Port., noch Galiz. thun: trago, traix,
trai — fago, faix, fai. Iba, nicht ia, nach Analogie
der a-Konjugation, wie im Span. und Galiz.
Wir hoífen, dass Herr Leite d. V. auf dem glucklich
betretenen Weg rasch vorschreiten wird. Zunilchst hat
er uns eine Dialectologia portuguesa versprochen, auf
welche uns einige auf der ersten Seite des vorliegenden
Werkchens gegebenen Andeutungen recht begierig ma-
chen. Danach wiirde sich der keltischeVorposten e = á
(buréco, aguilhéda) sogar in Portugal finden, freilich in
einer ganz isolirten Stellung (in einem Dorfe von Beira-
Baixa). Eine eigenthiimliche Entwickelung des z/-hal-
tigen silbenschlicssenden / wird aus dem Nordport.
angefiihrt: durdeia, durma u. s. w. Ebendaselbst kitme
ein scheinbar hiatustilgendes ; vor (a-i agua, ai-égua).
Auf zweierlei innigst mit einander Zusammenhan-gendes mõchte ich mir erlauben die Aufmerksamkeit
des Herrn Leite d. \. hinzulenken. Zuniichst auf das
Studium der Lautphysiologie, die allerdings von
einigen iilteren beruhmten Sprachforschern noch in ge-
ringer Achtung gehalten wird. Aber selbst diese, wennsie meinen, dass durch dieselbe die Erkliirung der Laut-
erscheinungen nicht gefõrdert werde, kõnnen nicht in
Abrede stellen, dass ohne sie eine genaue und zuver-
lassige Darlegung des Lautbestandes unmõglich ist. DaHerr Leite d. V. seinem Beruf nach zu den Medizinern
gehõrt, so liegt es ihm sehr nahe, sich eingehend iiber
die Beschaftenheit und die Thiitigkeit der Sprachwerk-
zeuge zu unterrichten ; vielleicht lockt ihn der Ruhm,die Disciplin der Lautphysiologie auf der iberischen
Halbinsel einsefiãhrt zu haben. Auch in den andern
264
romanischen Liindern besteht noch das Bediirfniss eines
kompendiõsen Leitfadens hierfur, welches durch die
Uebersetzung des Buches von Sicvers oder des von
Sweet nicht wirklich befriedigt werden wurde. Dass zur
Theorie auch griíndliche Uebung hinzukommen muss,
versteht sich von selbst. Es werden dann die wenigen
Unsicherheiten schwinden, an denen die Darstellung
des Herrn Leite deV. noch leidet. Er ist z. B. in Zweifel
iiber die Aussprache des mannlichen Artikels im Plural
(eis oder les oder ///s); eis, welches im Katalanischen
selbstverstándlich ist, scheint mir im Mirandesischen
nicht wohl mõglich, da ja das o der letzten Silbe bleibt
{ais ist eine verhaltnissmassig junge Form fiir a los).
In ghiês, ghiê soll das g 'muito leve, talvez uma branda
aspiração' sein (S. 23). S. 87 heisst es: 'o som vô [=rua] é difficil de representar'. Ganz unklar ist mir S. 27:
'E ditficil representar o som d' esta palavra díiês: o
accento está no é que é quasi a.Wenn è den Accent
tragt, was hat // zu bedeuten ? Und steht nicht é demâ náher, ais ê'i Allerdings sehen wir auch sonst é und
â wechselsweis gebraucht: deviém S. 22 und tiniam
S. 23; vãnha S. 33 ist wohl eine portugiesircnde Form(sie steht im Reim) fur bênga.
Dieses fuhrt mich nun auf das anderc, was fur die por-
tugiesischen Dialektologen behcrzigenswerth erscheint,
niimlich die T r a n s k r i p t i o n . Das portugiesische
Schriftsvstem ist allzu konventionell, um ohne grosse
Nachtheile fur dialektische Aufzeichnungen verwandt
zu werden. Die Accente driicken die Qualitat derVo-
kale aus; kõnnen sie zugleich in allen Flillen ais Be-
tonungszeichen fungiren ? Wenn auslaut. e und o im
Port. fast wie / und u gesprochen werden, was habe
ich zu thun, wenn ich den ursprunglichen, den spa-
nischenWerth dieserVokale darstellen soll? Die gleiche
Verle^enheit besteht bezudich des a. Warum wird der
weibliche Artikel im Mirandesischen lâ geschrieben,
wenn hier keine andcre Vokalnuance vorlicgt, ais im
iGb
port. a': Da auslaut. s und - im Port. so viel ais s
bcdeuten, wie bezeichne ich den Laut s am Schluss
der Wõrter ? Schreibt Herr Leite d. V. diess, Ihuss =port. de^, liii, um vor der Aussprache dies, lus zu
bewahren ? Zu alledem kommen noch manche Inkon-
sequenzen, besonders in der ^'^'iedergabe der Nasal-
vokale, so S. 21 ií. Ind. j;«i, Konj. amam — Ind. ihiã,
Konj. ihiam — Ind. und Koni. dérã ; amórú, aber de-
viriim
.
Gr az, 5. Febr. i883.
Hugo Schuchardt»'.
(In LiteralurbLitt fUr gennanische und romanisclie Philologie,
IV (i883), p. loS).
3. «Un librettino che non deve sfuggire agli studiosi
di lingue romanze. Miranda-do-Douro é, come si sa,
nella província di Oltremonte; e la sua parlata si frap-
pone a' rami astiiriaiio-leonese e galli\iano-portoghese
.
L"autore dá paradimmi e osservazioni, con brevitá e
chiarezza Tutto questo nostro mondo latino si
avviva e si agita: le jiiani iiegre lo minaccino: le bian-
che mani s^adoperano intorno ai suo onore e ai suo
bene».
(Emílio Teza, in La Cultura, rivista di scienze, lettere ed arti,
IV, (Roma i883), pp. 182-183)2.
' O Sr. Dr. Schuchardt, professor de Philologia românica na
Universidade de Graz, tem-se occupado muitas vezes da nossa
Hngoa, ou em artigos especiaes, ou em críticas bibliographicas.
São célebres os seus estudos sobre os crioulos portugueses. Os
seus principaes artigos acham-se comprehendidos nas duas se-
ries : Kreolische Studien e Beitrcige pir Kenntniss des kreolischen
Roínanisch.— Cf. Revista Lusitana, iv, 27S-280, e v, 242.
2 O Sr. Teza, professor na Universidade de Pádua, é auctor
do primeiro trabalho scientifico que se publicou sobre os nossos
crioulos, o qual se intitula Indoportoghese, 1872, extrahido do
periódico italiano 11 Propugnatore, vol. v (trata do dialecto de
Ceilão).
266
4- Do Relatório do concurso philologico e litterario
celebrado em Montpellier em i883 sob os auspícios daSociétc pour Vétude des langues romanes, extrae-se o
seguinte:
«Le troisième prix de la Société était destine à re-
compenser le meilleur travail philologique a3'ant pourobjet un idiome populaire néo-latin.
Trois mémoires ont attiré particulièrement Tattention
de la Société.
L'un a pour auteur M. Leite de A^asconcellos, étu-
diant à TEcole de médecine de Porto, et pour sujet
le dialecte de Miranda de Douro, dans la province por-
tugaise de Tras-os-Montès. L'ouvrage est imprime et
rédigé en portugais. Dans cette monographie très-mé-
thodique, M. Vasconcellos donne d'abord un rapide
aperçu sur les dialectes de la langue portugaise, puis
il s'occupe spécialement de Tidiome parle dans les en-
virons de Miranda. II en étudie la phonétique et la
morphologie, les compare à celles d'autres dialectes
hispaniques, tels que le gallicien, le léonais, Tasturien,
Tandaloux et le catalan; constate ensuite que la syntaxe
de Miranda na diffère pas essentiellement de la syntaxe
portugaise, et termine par une collection de devinettes
et de contes populaires, accompagnée d'un court lexi-
que comparatif.
Ge travail un peu succinct est trcs-bien fait. Lauteur
est au courant de la science, il connaít les bonnes mé-thodes et les applique. Si M. Adolphe Coelho, commele dit M. A^asconcellos, est Tintroducteur de la science
du langage en Portugal, il a tout lieu d'être fier de
son oeuvre et de son élève.
Le mémoirc de M. J.-P. Durand de Gros, qui a pour
objet le dialecte rouergat, n'a pas le plan sévère de la
monographie sur le dialecte de Miranda; mais, disons-le
vite, il n"en avait pas besoin. L'auteur n"essa3'e pas en-
core de synthèse ; il étudie et constate des phénomènes
26-
linguistiques, et cherche à les expliquer
En comparant ce travail si estimable avcc celui de
M. de Vasconcellos, Ia Société était assez embarrassée
pour choisir; mais la générosité du Conseil municipal
de Montpellier, qui vient d'instituer un prix de trois
cents francs pour un mémoire provenant dun savant
étranger, la met à Taise. Elle décerne le prix du Con-
seil à la monographie portugaise, et donne à M. Durand
Tobjet d"art annoncé par son programme.
M. Guichard, professeur à rEcole normalc primaire
d"Avignon, avait aussi presente une grammaire du patois
de Mens, en Dauphiné". L"auteur v fait preuve d^intel-
ligence et d'aptitude linguistique ; il connait bien le dia-
lecte qu'il étudie, mais il n'a pas encore la súreté de
méthode de M. de "S'asconcellos et Térudition sagace et
penetrante de M. Durand.
La Société lui accorde une mention très-honorable».
(Vid. Revtie des langues romanes, t. xxiv (i883), pp. 17-19).
I Mens, chef-lieu de canton de Tlsére, arrondissement de Gre-
noble.
APPENDICE III
Communicaçâo feita ao Congresso Internacional de Sciencias Geograpiíicas
pelo Sr. Gonçalves Yianna,
em Paris, em 1889, a propósito de um mappa linguistico dâ Europa
«J'ai lu sur le programme des travaux de ce groupe
quil s^agissait de dresser une carte générale des lan-
gues et des dialectes parles en Europe.
Je Youdrais, avant que cctte carte soit dessinée, si-
gnaler Texistence de deux langues, parlées sur la fron-
tière de TEspagne et du Portugal, dans la province portu-
gaise de Trás-os-Montes, lesquelles ont été découvertes
par le philologue portugais, M. Leite de Vasconcellos.
Elles sont parlées dans deux petits villages, Guadramil
et Rio-d"Onor, et .M. L. de A', les a dénommées gua-dramil a i s et r i o d o n o r a i s
( g u a d r a m i 1 ê s
,
riodonorês). Elles sont, comme le mirandais, une
autre langue déjà connue, parlée également sur cette
frontière du Portugal, en voie de disparaítre bient(3t,
puisque, partout, le portugais les envahit.
II me paraít donc néccssaire d'en prendre note, a\ ant
qu'elles s'éteignent, ce qui arrivera fatalement dans une
ou deux générations, lisolement ou les individus qui par-
lent ces langues ont vécu jusqu'à présent, faisant place
à des rapports continueis avec les Portugais des autres
provinces.
En ce qui concerne le mirandais. qui, quoique connu
chez nous, cst à peine soupçonné ailleurs, je profite de
270
cette occasion pour solliciter rattcntion de Messicurs les
Membres du Congrès sur ce fait, que le / initial latin
y devient, comme en catalan, un / mouillé, que Ton
écrit d'après Torthographe portugaise par ///, commedans rancicn provençal, quoiquon ne puisse voir dans
cette particularité phonétique aucune inHuence du cata-
lan, Yu la grande distance qui separe la Gatalogne du ter-
ritoire de Miranda-do-Douro, et le manque de rapports
entre les individus parlant ces deux langues, entre les-
quelles s"interpose un territoire castillan. Au contraire
de ce qui arrive pour le portugais, le / et le n mediais
latins s'y maintiennent, comme c'esl le cas pour le cas-
tillan et le catalan, tandis que les groupes de consonnes
explosives sourdes suivies de / {pi, cl)^ ainsi que fl, v
subissent la même altération qu'en portugais, ne deve-
nant point comme en castillan //, c'est-á-dire / mouillé.
En combinam ces faits, on ne saurait donc considérer
le mirandais comme un dialecte du portugais ou du cas-
tillan, et, d'un autre côté, son vocabulaire, qui se rappro-
che de celui des dialectes portugais de Trás-os-Montes,
empêche de le regarder comme un dialecte catalan, ce
que déjà sa grammaire ne permettrait point.
La phonétique du mirandais se rapproche, d'ailleurs,
bien plus de celle du portugais de Trás-os-Montes, que
de celle de tout autre langue ou dialecte parle dans la
Péninsule Ibérique: elle maintient la distinction entre ç
et s sourd, entre :^ et s sonore, distinction tout-à-fait
disparate de tout autre dialecte portugais que ceux de
Trás-os-Montes, le 5 sourd et le s sonore y constituant
une classe de fricatives particulières, qui se rapprochent
des cacuminales, classe qui existe, il est vrai, dans d'au-
tres dialectes du nord du Portugal, ainsi qu'en castillan,
à Texclusion cependant des linguales apicales ordinaires.
Le mirandais possède le j- castillan, cest-à-dire la fri-
cative palatale sonore, quelquefois allant même jusqu"à
devenir Taífriquée dy; il n'a pas cependant la gutturale
/, pas plus que Imterdentale \, du castillan.
271
Le mirandais, le guadramilais, le riodonorais n'ont
aucune littérature, le peu de contes populaires qui aient
été recueillis dans ces trois villages n'étant que des em-
prunts faits à des versions portugaises connues dans les
peuplades qui les avoisinent.
M. L. de ^'asconcellos a, il est vrai, publié, outre des
renseignements précieux sur le mirandais, un volume
(Flores Mirandesãs) contenant des poésies, composées
par lui-même dans cette langue; ces petits poèmes, ce-
pendant, ayant une origine tout-à-fait artificielle et une
forme littéraire, ne traitant d'ailleurs pas de sujets vrai-
ment populaires, et M. L. de Vasconcellos, de son côté,
nétant pas un Mirandais, on ne saurait regarder de telles
compositions comme des produits de littérature locale.
En résumant, on peut donc, dès á présent, constater
Texistence, en Portugal, de trois langues nouvelles, in-
dépendantes entre elles, aussi bien que par rapport au
gallicien-portugais et au castillan, langues en veie de dis-
parition rapide, et qui nont aucune littérature qui puisse
en conserver le souvenir, mais qui n'en ont pas moins le
droit de prendre place dans la carte générale quon veut
dresser».
(Vid. Compte rendupublié par le Secretait-e general du Congrès
t. I, Paris 1890, pp. 659-660).
APPENDICE IV
AddítameDtos ao Yol. I d'estes «Estudos»
A) A palavra caçurro.
Depois do que escrevi no vol. i, pp. iS-iy, á cerca de
caçurro, recolhi mais algumas informações. Em várias
localidades da Extremadura, por exemplo, nos concelhos
do Cadaval, de Óbidos e da Arruda, usa-se na lingoa
commum a palavra caçurro, que significa monticulo na-
tural, pedregoso e inculto, no meio de uma propriedade
cultivada. Um poeta popular da mesma província fez,
por gracejo, a seguinte quadra onde entra a palavra:
Eu vinha da Rabiçaca,
E passei pelo caçurro:
Depois atirei um salto
Para cima do me burro.
Ao pé de Aldeia-Gallega-de-Merciana ( Alemquer) ha
uma propriedade que se chama Caçurral.— Não é im-
provável que o vocábulo mirandês, embora seja adje-
ctivo, se relacione com o vocábulo estremenho, apesar
de este ser substantivo. Cf. na lingoa usual: rústico,.
que tanto significa «campestre», como «grosseiro».
—
Temos por tanto a serie: caçurro, Caçurral, Caçur-
rães (= Caçurraes).i8
!74
Em hespanhol era ca\iirro o nome de uma espécie de
jogriíes: «Había adernas las denominaciones de albar-
danes v las de ca^urros y segriers ó cosa semejante».
Milá V Fontanals. De los trovadores eu Espaíia [j" Por-
tugal]^ Barcelona 1861, p. 5ii nota.
No Cancionero de Baena, na ed. de Madrid i85i:
Burleria é casiirrya isic com s)
e traduz-se no J^ocabulario esta palavra por «bufonada».
B) A palavra peinha.
No vol. I doestes Estudos, pp. qõ e 278, propus como
etvmo do mir. peinha ihesp. peíia, port. pena) o céltico
* p e n n a ou penno- ; mas tal etymo não pôde admit-
tir-se, porque na referida palavra céltica o ^ é breve,
como se vê no Altceltischer Sprachschat-, de A. Holder,
(o fascículo em que vem esta palavra foi publicado pos-
teriormente á impressão do meu volume) ; e um e breve
teria dado em hespanhol o ditongo ie, e em mirandês o
ditongo iç. A doutrina que sustentei cm relação á cor-
respondência de ;7 hesp., uh mir. e u port. a -nn- ori-
ginários fica porém a mesma ; se o etymo das citadas
palavras não é *'penna, é outro onde haja também
-NN-, talvez pinna, como primeiro lembrou Diez, Ety-
rnologichcs Wõrterhuch, s. v.
C) BlBLIOGRAPHlA.
Às indicações bibliographicas publicadas no vol. i,
pp. 2i-3i, tenho de accrescentar mais algumas:
I. Dialecto Mirande^ por Albino J. de Moraes Fer-
reira, Lisboa 1898, Lxxxviii-108 pp., com um mappa,
estampas e musicas (entre as estampas conte-se o retrato
do auctor!),— trabalho cheio de erros, e destituído de
todo o valor scientifico. ^''id. o que sobre elle escrevi
no vol. I, pp. xi-xix.— Poderão acaso alguns leitores
imaginar que eu censuro este trabalho só pelo facto
de seu auctor se occupar do mesmo assunto que eu.
27^
Engano! A ^i^ha não é so minha, é de todos. Eu pró-
prio, no primeiro opúsculo que dei a lume sobre o
mirandês, instiguei o nosso público em geral, e os Mi-
randeses em especial, a tratarem litteraria e scientiíi-
camente d' este idioma. N-0 dialecto mirandês, 1882,
p. 9, digo: «Seria ..... muito conveniente que
os Mirandeses fizessem todos os esforços, não direi
já por meio de uma sociedade ou um jornal especial,
mas ao menos pela conversação familiar, pela corres-
pondência epistolar, pela publicação de artigoslitterarios e tradições populares, para manterem o
seu dialecto intacto o mais possível contra as invasões
do português e do hespanhol». E nas Flores miran-
desas, 1884, pp. 29-30: « esta pequena publicação
cuja curiosidade attrairá por ventura outros, que, col-
ligindo contos e poesias populares, e escrevendotrabalhos originaes, possam em breve dotar de
uma litteratura variada essas lingoas [referia-me ao mi-
randês, e ao mesmo tempo ao rionorês e guadramilês],
que vivem desterradas e ignoradas no meio das aspe-
rezas da província de Tras-os-Montes». Vêem, pois, os
leitores que eu seria o primeiro a applaudir o Sr. Mo-
raes Ferreira se elle, em vez de se apresentar modesto
e consciencioso, não viesse a público com tanta philaucia
e com tão completo desconhecimento da philologia emgeral e da mirandesa em especial.
2. O citado trabalho serviu de objecto a alguns ar-
tigos da nossa imprensa periódica. Cito aqui apenas
alguns d'aquelles de que tive conhecimento:
a) Artigo do Sr. Trindade Coelho nas Novidades de
26 de Dezembro de 1898. Diz-se ahi: « o sr. Mo-raes Ferreira não afinara a orthoepia do seu livro pelo
diapasão do gaiteiro de Genizio,— o que é o mesmoque dizer, pelo da linguagem da Terra de Miranda.
E pois que o Sr. Moraes Ferreira affirma que a gram-
276
matica deve ser o padrão, o modelo, o diapasão typico
para cotejar a linguagem, encontrei, procedendo á ope-
ração inversa, isto é, aferindo pela linguagem fallada
em Terra de Miranda a orthoepia do seu volume, que a
orthoepia do seu volume estava errada».—Nem por ser
pittoresca esta conclusão, deixa ella de ser exactíssima.
b) Na Tribima de 8 de Janeiro de 1899 trata o Sr.
Cândido de Figueiredo do livro do Sr. Moraes Fer-
reira, não o elogiando abertamente, mas também não
o condemnando. Neste caso pôde dizer-se que tanto
sabe o crítico, como o criticado. Árcades ambo . . .
«Nós, os homens de lettras . . . », como o mesmoSr. Cândido de Figueiredo solemnemente se exprime,
fallando a respeito de si próprio no referido artigo !
'
Julguem da scíéncia philologíca do Sr. Figueiredo os
leitores, pelo seguinte trecho: «a grande maioria cons-
titutiva desse dialecto é constituída por termos lidima-
mente hispanhoes, ou hispanhoes ligeiramente altera-
dos, e por termos portugueses, modificados na prática
de algumas povoações beirôas, minhotas e até alem-
tejanas». E entre os «castelhanismos puros» cita cora-
çones, pido e aqueilha. Mas esta última palavra não
é hespanhola: em hespanhol diz-se aquella, sem o
ditongo ei, que existe em mirandês! Se os leitores se
derem ao trabalho de comparar aquelle trecho com o
que escrevi na Grammatica mirandesa e na Parte III
d'este volume, p. 48 sqq., onde mostrei que o miran-
dês occupa lugar especial entre o português e o hes-
panhol, sem ser mixto d estes, e onde deduzi as leis
phoneticas e morphologicas a que obedece aqueilha,
pido e coraçones, verão que o Sr. Cândido de Figuei-
redo, se desconhece o hespanhol, não desconhece menos
> Comparável, só a irreverência de certo sacristão, que, tam-
bém fallando de si, dizia : «Nós cá, os padres. . .» (authentico)
I
277
o mirandês. Para que se metteu pois a fallar d"aquillo
de que não entende?
c) O Sr. Augusto Moreno consagrou também na Tn-biina (vid. os números de i5 e de 22 de Janeiro de 1899)
um artigo ao livro do Sr. Ferreira. O auctor conhece
praticamente o mirandês, e faz por isso correcções acer-
tadas. A synthese da apreciação contém-se nestas pa-
lavras: «Scientificamente considerada, a brochura do
Sr. Moraes Ferreira não passa de um tentame tão audaz
quanto infeliz!»'.—O Sr. Moraes Ferreira respondeu
• Visto que me estou occupando de philologia, não posso dei-
xar de fazer uns reparos a umas palavras do Sr. Moreno: «Aqui
lhes confesso ;i puridade, diz elle, que ainda até hoje os meus ou-
vidos não puderam conformar-se cOm as palavras pudico e pudica.
Pudico e pudica soava-me melhor. E, se eu mandasse, visto que
é cúbico e público, é porque também havia de ser pudico». Franca-
mente, não entendo nada, poisque público e cubico não se pare-
cem com pudico nem com pudica. De certo saberá o Sr. Moreno
que a nossa pronúncia se regula, em geral, pela latina, poisque
o portuguÊs não é senão latim modificado. Ora, se em latim se
dizia pubtícus e cubícus, com í (z breve), as palavras portuguesas
que lhes correspondem são público e cúbico, com o accento na
antepenúltima; e se na mesma lingoa se dizia pudlcus e pudica,
com í (í longo), é claro que a nossa pronúncia correcta é unica-
mente pudico e pudica, com accento na penúltima, agrade ou não
agrade a ouvidos delicados. Em Camões, Lusiadas, II, uii, lê-se
mesmo
:
A victoria trazia e presa rica.
Preso da Egypcia linda e não pudica
onde a rima prova (e não se cuide que Camões empregou umalicença poética'.) que o nosso épico também dizia, como devia di-
zer, pudica. O mesmo se hade notar em relação a Thrasybúlo, etc.
(latim Thrasybulus, etc), que o Sr. Moreno também cita.—Nãopôde ser mais justa, do que é, a seguinte máxima do Sr. Gaston
Paris, na sua lição inaugural de Grammaire hislorique de la lan-
guefrançaise, p. 23 : «pretender fazer a grammatica de uma lingoa,
sem lhe conhecer a história é renunciar a resultados scien-
lificos».
278
na Folha do Povo, numero de i de Fevereiro de 1899;mas, em vez de refutar os erros que o Sr. Moreno lhe
citou, limitou-se a subterfúgios desgraçados.
3. Phonologia mirandesa, artigo publicado
por mim na Romania (Paris 1889), vol. xxvni, pp. 598-620.—E, com levissimas modificações, a parte contida
na Grammatica mirandesa, pp. 171-193, e 206-21 1.
—
A este artigo se referiu o Sr. Me\er-Lubke in Zeitschrift
fur romanische Philologie.
4. Philologia mirandesa— Historia do L,artigo publicado também por mim in Reviie Hispanique
(Paris 1899), t. VI.—É a parte contida na Grammaticamirandesa, §§ iii-ii3.— D'este artigo fez-se separata
(,i vol., in-8.°, de 16 pp.. Paris 1899).
APPENDICE V
Liíteratura mirandesa local
A litteratura mirandesa local é muito pobre, como
já se disse no vol. i, p. i6i. Os textos que vou aqui
publicar distribuem-se da seguinte maneira:
1. Um entremês escrito originariamente em mirandês
pelo Sr. Francisco Garrido Brandão, camponês natural
de Cércio. Como seu auctor não possue propriamente
cultura litteraria, este texto tem o mérito da esponta-
neidade, e revela, o menos possível, influencia da lingoa
portuguesa.
2. Tradições populares. Nestes textos distinguem-se
ainda duas classes: uma, que se compõe de contos,
fabulas e poesias de origem portuguesa, vertidos por
varias, pessoas do povo, a meu pedido, para miran-
dês; outra, que consta de alguns rifões e dos versos da
gaita gallega ou de folie, ditos, uns e outros, sempre
em mirandês. Estas duas classes tem porém o mesmovalor, por isso que em ambas collaborou o povo. É pos-
sível que os contos populares se narrem também muitas
vezes em mirandês, e nem sempre em português, por
isso que não tem forma litteraria tão fixa como, por
exemplo, as cantigas.
28o
ENTREMES—por Francisco Garrido Brandão
Já no vol. I d'estes Estudos, p. 3o, me referi ao in-
teressante entremês que adeante transcrevo'. Consta de
duas partes: do entremês propriamente dito, e de umprologo, a que seu auctor chama Prophecia, escrito emportuguês. No entremês (em mir. antremés) os perso-
nagens faliam mirandês, gallego e português. Os pro-
tagonistas são Stiiriano, palavra que quer dizer «Astu-
riano», e Marcolfa, palavra de origem germânica (não
sei aonde o A. a foi buscar, talvez a alguma peça thea-
tral antiga, da litteratura chamada de cordel). Segundoo que me dizem, o thema do entremês assenta em factos
reaes. E curioso que Sturiano falle gallego, e não bable;
isto explica-se pelo facto de o auctor ignorar este dia-
lecto, e suppôr que, como o que queria era fazer que o
.seu personagem fallasse comicamente uma lingoa estra-
nha, o gallego bastaria.
Eis a lista dos personagens com a indicação dos idio-
mas de que se servem:
Sturiano, taberneiro, namorado de Marcolfa. .
.
falia gallego
Marcolfa, mulher de JdCÓ fdUci mirandês
Jacó, marido de Marcolfa «
Gaspar, filho dos dois antecedentes »
Ambrósio, freguês da taberna de Sturiano »
AiBERNÓ, mulher de Sturiano falia português
Bertoldim, filho de Sturiano e Marcolfa »
Lòriano (Lauriano), mendigo »
' Uma pequena parte d'elle (ao todo uns 88 versos) foi já publi-
cada, mas com muitas inexactidões, no Dialecto tnirande:^ do Sr. Mo-raes Ferreira, Lisboa 1898, p. 33-3-j. Este Sr., quando soube que eu,
como digo no vol. i, p. 3o, havia começado a copiar o entremês
da boca do próprio auctor, F. G. Brandão, apressou-se também a
copiá-lo: porém, ao que parece, não o copiou todo.
28 I
Eis as regras que me dirigiram na transcripção do
texto.
O ms., como disse no vol. i, p. 3o, foi-me enviado
pelo meu amigo o Rev. José Bernardo de Moraes Ca-
lado, conego-prior da Sé de Miranda ; mas eu, comotambém digo ibidem, copiei parte do entremês da boca
do próprio auctor, aqui em Lisboa, por occasião das
festas do Centenário da índia, em que cá vieram os pau-
liteiros de Miranda; a cópia chegou até o verso 182 do
entremês propriamente dito. De modo que até esse verso
possuo dois textos originaes: o do auctor, escrito comas naturaes incertezas orthographicas de quem, sem tra-
dições litterarias que pudesse seguir, escreve uma lingoa
popular como a mirandesa; e o meu, feito segundo a
transcrição phonetica que nesta obra adoto. Para minis-
trar aos estudiosos e especialistas documento espontâneo
da orthographia mirandesa, publico o texto do auctor do
ms. tal como o recebi; mas, para facilitar ao commumdos leitores a intelligencia d'elle, colloco ao lado o meutexto, com a transcrição scientifica por mim empregada
:
sendo até o verso 182 em conformidade com o que ouvi
ao auctor, e dahi por deante segundo o que me pareceu
que devia ser.
O texto gallego não é perfeito no original. O A. con-
tentou-se com empregar algumas palavras gallegas, sub-
stituindo outras vezes estas pelas portuguesas respecti-
vas, por isso que elle, como verifiquei, tem consciência
de que o gallego é português. Na minha transcrição
emprego, tanto quanto pude, o gallego puro, porque da
parte que colhi dos lábios do auctor vi que elle, embora
no ms. tenha, por ex., fumão, vem, também, ninguém,
já, etc, pronunciava yí//«a«, bén, tambén, ningnén (com
-en ou com -é), xá, etc: não hesitei pois em o cor-
rigir, deixando apenas algumas particularidades, comocabanhola, ficestes e outras, conforme digo em nota.
Pelo que respeita ao texto português, tanto do entre-
mês propriamente dito, como do prologo, ponho-o de
28^2
accôrdo com a pronúncia popular, sempre que íT or-
thographia official a encobre. Julguei-me auctorizado
a fazer isso, já pelo conhecimento geral que tenho da
lingoagem portuguesa popular da Terra de Miranda, já
pela parte do entremês que ouvi ao auctor, e cuja pro-
núncia not^ei também nestes pontos. Ainda assim, pro-
cedo com certa moderação.
D'esta nianeira, os textos que adeante apresento são
todos populares. Alem do mérito do texto propriamente
mirandês, por ser devido a um indígena sem grande
instrucção, o entremês tem o de representar no seu con-
juncto o caracter idiomático da região. Como disse no
vol. I,. p. i58, os Mirandeses faliam mirandês, portu-
guês e hespanhol, e entendem o gallego, facto este de
que geralmente se gabam; como disse a p. 70, d'este
volume, o mirandês estabelece transição do asturianò-
leonês para o gallecò-português: ora o entremês é astu-
riano (hespanhol), pelo nome de um dos protagonistas;
é gallego, português e mirandês pela lingoagem dos
personagens.
Na apreciação da parte litteraria não entrarei, porque
não publico este texto como documento de litteratura,
mas como documento de lingoa. Em todo o caso notarei
que, sendo elle destinado ad mores ridendo castigandos,
não deixa de revelar certa veia cómica".
• Entre os versos 112 e ii3 ha no manuscrito mais 24 versos
(ô quadras) um tanto licenciosos, que o próprio auctor riscou,
podendo porém ainda elles ler-se perfeitamente debaixo dos riscos.
STURIANO I MARCOLFA
PROPHECIA
Bõu-bos cuntar um conto,
Para entreter o serão;
Bamos falar dos outros,
Que os outros de nós falarão.
Já que temos tanto tempo,
Para q' hemos de star calados?
Bõu cuntar-bos a bida
Cá de dois namorados.
Mettem horror á gente,
Bê-los por esse lugar :
Rua a baixo, rua a cima,
Sempre se andam a encuntrar.
E, quando não se encontram na rua.
Logo bem [= vem] saindo ella
;
E elle se pÕe logo á porta.
Muito pronto a recebê-la.
E diz-lhe d'esta maneira:
—Aonde ides, querida?
E ella diz que bem (vem) chamar
O cumpadre da sua bida.
284
E dizer-bos bou tambémPara que ella o bem [= vern] chamar:
É somente para o fim
De s' irem embebedar.
Porq" isto só elles fazem,
Não Ih' importa de mais nada;
Elles só estão a aguardar
Que o homem se bá de ca/a.
E bóu dizer-bos o nomeD'este dito namorado
:
Elle beiu da Estaria,
Por isso tem o nome Esturiano.
E ella também o digo
Que Marcolfa tem por nome
;
Por qVer bem um Esturiano,
Até já aborrece o homem!
E o homem, coitadinho,
Anda mui triste e chorando;
Já não lhe importa por elles,
Só quer que o bão deixando.
Porque ella tem um génio
Muito caro de aturar:
PÕe-lhe o dedo no nariz,
Até que o faz calar.
Este homem, Jacó chamado.
Bem bundo/o poderá ser . .
.
Senão, não lhe aconteciam couyas
Que sempre lhe estão a acuntecer.
Este Jacó tem um filho,
Póde-se chamar Gaspar;
E heis de ber como bem [= vem] zangado,
Capaz de os atrabessar!
285
E bereis como Albernó,
Mulher do dito Esturiano,
Bem r= vettj] com uma criança ao collo,
E um burro carregado.
A carga que traz o burro
São dois latos de gaz
;
E bai chamar o Esturiano
E bereis o que ella faz.
Está alli um pouco a 'spVar;
Mas já lhe parecendo tarde,
Determina ir chamá-lo
A ca/a de sua comadre.
Esta diz para o filho,
Que lhe chamam Bertoldim :
—Não deixa de estar lá,
Que elle nunca sai d'alli.
Depois de o ter chamadoPara ir descarregar os latos,
Elle diz-lhe que não bai.
Não quer saber de seus tratos.
Depois a pobre Albernó
Bai-se d' alli mui zangada,
E se põe logo a caminho
P'r' a sua triste morada.
Depois diz para Marcolfa,
Zangada da sua bida:
— Se não fosse por me manter os filhos,
Parece-me que até a comia!
Bereis como pobre Lòriano
Bai com elles par' a adega,
E, logo que chegam lá,
Bereis o sermão que lhe prega.
^86
E bindo Embro/io a buscar binho
Em ca/a do dito Esturiano,
Não no topando alli,
Fica todo enraibado.
Quereis saber uma còu/a
Que passou o outro dia
Com Esturiano e Macolfa,
Que deve cau/ar alegria ?
Esturiano estaba jogando,
E diz para o filho Bertoldim
:
— Bai dizer á comadre
Que faça de m'rendar p'ra mim.
E logo que Marcolfa
Lhe chegou este recado,
Parte logo uma chouriça,
E ao rapaz disse-lhe que era rabo.
E depois ella vai lebá-lo
Ao cumpadre da sua bida
;
Mas o diacho foi comê-lo
Outra {outrem?) para quem não ia!
Póu/òu-lhe o petisco alli,
Foi-se, deixòu-o só
;
Mas depois d'alli a um pouco
Comeu-o Albernó.
E já não bos conto mais.
Que isto nunca se acaba;
Se fossemos a contar tudo,
Por ahi dois annos lubaba!
Por isso mesmo me calo,
Que já bai chegando o tempo
De dizerem as figuras
O certo acuntecimento.
287
ENTREMÊS
Original
MARCOLFA
Dieus bus de bunus dies
Compadre esturiano,
Já quanta que num bus bie
Cuidaba que estabades maio.
Transcrição phonetica
-MARCOLFA
Dius bos dé bonos dies,
Cumpadre Sturiano
!
Yá quant" ha que nu bos bie
!
Cuidei que stábades maio.
Agora desque mudestes
La casa para aquel Ihado,
Ando ruo baixo ruo riba
Raios parta el diabo.
Agora, desque mudestes
La ca/a par' aquel Ihado,
Ando rúe "baixo, rúe "riba.
Raios parta 1 diabo
!
STURIANO
Eu, se mudei a casa.
Ca levava seu camino,
E por causa dos rapaces,
Que me beben muito vino.
E non é só polo viho
E tambén poios cigarros
:
Desde que eu sayo de casa,
Fuman como diabos I
MARCOLFA
E VOS quando salis
Digovos la verdade,
Deixai la chabe antregue
A esta buossa comadre
>LARCOLFA
I bós. cando salis,
P"ra bos dezi-la herdade.
Deixai la chab' antregue
A esta bossa comadre.
Pudeis andar pui mundoA correr e a saltar
Mas comadre cumo iou
Num la eisde encontrar.
Podeis andar po 1 mundo,A correr i a saltar:
Mas comadre como vou,
Nú la heisd" ancuntrar:
288
Original
Quiem bus faga las cousas
Tanto a la buossa buntade,
Num encontrais no mundoDigovuslo iou cumpadre.
Transcrição phonetica
Quíf bos faga las cou/as
Tant' a la bossa buntade,
Nii ancuntrais no mundo,
Digo-bos-lo you, cumpadre.
Porque vós eisde saber
3o Compadre esturiano
Que nuca (sic) me fui dalhi
Quando estabades maio
Porque bós heis de saber,
Cumpadre Sturiano,
Que nunca me fui d'alhi
Quando bós stebistes maio.
Vós estubistes a la murte
A punto de abalhar
35 E iou a laborda de vós
Num fazie se non churar
Bós stebistes a la morte,
A punto d' abalhar,
I yóu a la borda de bós,
Derretindo-me a chorar.
Deixaba lus filhos an casa
Estaban siempre a esperar por mi
Mas iou nun pudie ir a lha
40 Por nun me tirar da Ihi
Deixaba Is filhos ã caya,
Stábã siempre a 'sprar por mi
;
Mas vou nunca ib' alhá
Por nu" me tirar d' alhí.
Umas bezes tenie calma
Outras vezes tenie friu
Mas iou nun miva dalhi
Quierovos mais que ai mio tio.
Urias bezes tenie calma.
Outras bezes tenie friu.
Mas yóu nu"-m' iba d' alhi :
Quiero-bos mais q' a 1 miu tiu!
STURIANO
Cando eu estive doente
Vi o que me queriádes de ben
Ficestesme una cabanJiola,
Mesmo como a de Belén
!
5o
Eu non tifía mal nett/nm.
Mas ali estaba quente :
Estabades vós a mina beira,
Eu faciame doente.
289
Orígina)
NLVRCOLFA
Vós quedavades milhor
Estardes siempre maio
Que vos dava el que iou tenie
Del milhor e dei mais maio.
Transcrição phonetica
MARCOI.FA
Bós quedábades milhore
Stardes siempre maio,
Que bos daba 1 q' yôu tenie.
De 1 milhor i de 1 mais maio.
Olhai compadre esturiano
Se estubirades siempre na cama
El prusuntico milhor
La mie familia num el pruvaba
Olhai, cumpadre Sturiano,
Se stubírades siempre na cama,
L pru/untico milhore
La mie familia nu 1 probaba
!
t)0
Vós siempre teneis comido
Aqueilhas febras mais burmeilhas
Mas el mio home jaco
Arreda las oureilhas.
Bós siempre teneis comido
D' aqueilhas febras mais burmeilhas;
Mas 1 miu orne Jacó
Arreda-le las oureilhas. . .
STLRl.ANO
Tambén eu a vós vos dou
Boas canecas de vino. .
.
r»
MARCOLFA
Antom calhemonos ambos
Queda a cunta dei toucino.
MARCOLFA
AntóQ calhemo-nos ambos,
Qued" a conta de 1 toucino.
STLRl.\NO
Pois agora, olhai, comadre,
Deixemo-nos de razois:
Vamos beber unha pinga,
Eu e vós ambos a dousl
MARCOLFA
Hoge vamos a bussa casa
E manhana a la mie dega
Bós ide andando de lantre
Agora quiero ver qual se nega.
>L\RCOLFA
Oije bamos a bossa ca/a,
I manhan" a la mi" adega
:
Vou bõu andando delantre ;
Agora quiero ber qual se nega.
•fj
290
]'ne SluriiDio demite, e Marcolfa detrás, e entram para casa de Siuriano. e di\
STURIANO
80
Ora pegai la no viiio,
Bebei p"ra baixo, comadre!
E asomaivos ahi a fora,
A ver se ven o compadre.
Marcolfa ycíia no vinlia, bebe. e defois di;
Original
MARCOLFA
Biem me emporra ami que benga
Deixaime beber outra pinga
Porque inda quel cuorra e salte
De la mie ideia num me tira.
'Jranscrição plionetica
MARCOLFA
Bíé m' amport" a mi que benga I
Deixa-me buber imtra pinga,
Porqu", inda q" él corra i salte,
D' la mie eideia nu' me tira!
S5 Porque iou compadre mio
Para vus dezir la herdade
Eide venir a bussa casa
Ouando me dir la buntade.
Porq' you, cumpadre miu,
P"ra bos dezi" la herdade,
Hei-de benir a bossa ca/a,
Quando me di" la buntade.
Aqui vem Gaspar ^an^ado, e di^
(lASPAR
Se iou governara casa
90 Cumo governa mio pai
Nun bus farie la hontade
Cumo el bus la fai.
GASPAR
S' vou gobernára ca/a,
Como goberna miu pai,
Nu bos fazie las buntades,
Como él bos las fai.
Mas se me fazeis tirar
Ca dei (sic) mios cuidados
q5 Dou cabo de la família
E de todos lus esturianos.
Mas, se me fazeis tirar
Acá de Is mius cuidados,
Dim cabo de la familia,
E de todos Is Sturianos.
.
Porque esta raça maldita
Num la pudo aturar
Alem de governar iou
100 Quierem eilhes governar.
Porq' esta raça maldita
Nu' la podo aturare :
Ale de gobernar vou,
Quíeré eilhes uobernare!
291
Original
Digovos la herdade
Agora todos encomumPor via destes esturianos
Num tengo mando nium.
Transcrição phonetica
Digo-bos la herdade,
Agor" a todos ã comQ
:
Por bias d' estes Sturianos
NQ tengo mando niú.
Eide derribar la casa
Eide cahir las purtas
Eide matar eis esturianos
Eidelus fazer an pustas.
Alto:
Hei-de derriba" la ca/a,
Hei-d' atirar cuias portas,
Hei-de matar Is Sturianos,
E hei-de Is fazer 3 postas I
io5
Eide matar a mio armano
Eide desfulha (sic) a mio pai
Eide matar a mie armana
Que nun faga cumo mie mai.
Hei-de matar a miu armano,
Hei-de desfolhar a miu pai,
Hei-de matar a mie armana,
P"ra que nu faga cumo mie mái.
\'ai-se Gaspar e vem Marcolfa, chamando os pirús,
e passa pela borda da casa de Sluriano, e di\
>LA.RCOLFA
A compadre esturiano
Vistes parqui lus mius prus
Perdironse esta manhana
Valhame dius ai Jesus.
.NL\RCOLFA
Ahl cumpadre Sturiano,
Bós histes por "qui Is mius p'rusi
Perdirú-s" esta manhana.
Balha-me Dius, ai Jasusl
ii5
Marcolfa chama os pirús.
Pru, pru, pru, pru, pru,
Pru, pru, pru, pru, pru.
STfRIAXO
Oh comadre Marcolfa,
Os perus non están por "hi?
.MARCOLFA MARCOLFA
Lus prús que iou buscaba
Estulos bendo deiqui.
Ls p'rus q" vou buscaba
Yá ls stou bendo d' eiqui.
292
Original
You SÓ bus buscaba a vós
Desbelo de lus mios cuidados
,25 Nun buscaba a mais naide
Lus prús iá estan encerrados.
'Jraiiscriçáo phoiietica
Yòu só bos buscab' a bós,
Desbélo deis mius cuidados !
Que nu buscab' a mais náide
.
Ls p'rus yá stã ancerrados.
STURIANO
Pois aqui estou, comadre,
Vós que me queredes agora?
MARCOLFA
Quiro que vaiamos a buber
i3o Cum la graça de nussa Senhora.
MARCOLFA
Quíero que báiamos a buber
Cuia sraca de nossa Sinhora
:
lou vou pa la casa de baixo
Andai nun bus demoreis
Que vós bim pudeis saber
Lu qui a mi me fazeis.
Yòu bóu pa la ca/a de baixo.
Andai, nu bos demoreis,
Que bós bíe podeis saber
L q" a mi me fazeis.
i35
STURIANO
Pois eu xa bou nun momento,
Xá estaba pra vo-lo decer,
Vamos aqui por baixo.
Escusa ninguén de nos ver.
MARCOLFA
Ide andando para baixo
140 Cum la graça de nusso Senhor
Que iou bou a buscar un chouriço
Para bebermos niilhor.
MARCOLFA
Id' andando para baixo.
Cuia graça de nosso Sinhore,
Q' vou bóu buscar u chouriço,
Pra poder buber milhore.
\'ao para a ade^a. Aqui vem o pobre (Lòriano) da comadre
e vae também para a adega, c, chegando d poria, dt^
LORIANO
140
Abri a porta, tia Marcolfa,
Que mandou o tio Jacó,
Que me désseis úa pinga,
Agora que stóu eu só.
f
Marcolfa abre a porta, e di:; o yobre
LÒRIANO
E preciso cerrar a porta
A este pobre que aqui bem [= vem]?
Não sabeis que eu, beija [= veja] o q' beija,
<;Que> não digo nada a ninguém? i5o
Original Transcrição phonetica
.MARCOLFA MARCOLFA
Antrai e cerrai la purta Antrai, i cerrai la porta,
Seno iou Ia bou a cerrar Seno yóu la bõu a cerrar,
E ide sacando vino I ide sacando bino.
Que mus emos amburrachar. Que mos hemos amborrachar.
Ambrósio ia á taberna buscar vinho.
Não achou o taberneiro, mas o rapa^, e disse-lhe
AMBKOMO
Bai a chamar a tõu pai, i55
Di-le que stá eiqui um orne:
Que beng' atéiqui de brebe,
I di-le que nú se demore.
Di-le que y' ha mais de dúes oras.
Que stou eiqui a 'spera d' él, 160
I que quíero muito bino. .
.
Quíero esta calabaça d' él.
Aqui vem um filho de Sturiano chamado Bertoldim,
e chama á porta da adega, e di^
BERTOLDLM
O tia Marcolfa,
Elle stá ahi meu pai?
Que sái' até 'qui fora, i65
Diga-lhe que de pressa bai.
Sae STURLVNO e di^:
Que queres tu, oh meu filho,
Que queres tu, oh Bertoldin ?
Ha por ahi xente en casa,
E vens m" a chamar a min? 170
294
BERTOLDIM
Está alli um homem a 'spVar,
Já passa de duas horas,
E diz que bá lá de pressa,
Que não èsteje com demoras.
STURIANO
lyS Vai lá, meu filio, a correr,
Dice-ir ô meu home que ali está,
Que a nossa comadre Marcolfa
Non me deixa chegar lá.
Original Transcrição phoneiica
-MARCOLFA MARCOLFA
Num anpunteis el rapaz Nu ampunteis 1 rapaç,
i8o Sin lu anchermos de vino ST 1' anchermos de bino,
Que quiem quiere vien ai pai Que quie quíer bíe a 1 pai
Tamien quiere vien ai filho. Tamíe quíer bíe a 1 filho.
Entra Bertolditn para dentro e bebe ; e depois di{
^LVRCOLFA MARCOLFA
Agora baite a correr Agora bai-t' a correr,
Toma este cacho de pam Toma este cacho de pa,
iS5 Vaite a dezir a quel tio Bai-t' a dezir a 'quél tmQue estes que inda nun vam. Q' estes q' inda nu bã.
Corre e leva o recado.
STURIANO
Deixaime sahir, comadre,
Tefio presa, xa me bou.
.
^L\RCOLFA MARCOLFA
Quieto aiqui compadre Quieto eiqui, cumpadre,
190 Que vós bien sabeis quien iou sou. Que bós bíe sabeis quíe yòu sou!
29-"^
Aqui vem Jjcob e Gasf.\ir píTi-íi i? íaJega]. comendo páo e cebola,
e chegando à {adega\ di\
Original
GASPAR
NÓS venimos comendoUm cacho de pam e cevolhas
E la nussa dega chena
Desta corja de .Mariolas.
Transcrição phonetica
GASPAR
NÓS benimos comendoL' cacho de pá i cebolhas,
I la noss' adega chena
D' esta corja de mariolas!
-MARCOI.FA
Calhate filho Gaspar
Tenes pouca caridade
Aiqui a dentro só está
El nusso pobre e el compadre.
-MARCOLFA
Calha-te,. filho Gaspar,
Tenes pouca caridade
:
Eiqui a dentro só stá
L nosso pobre i 1 cumpadre.
ig.-»
GASPAR
E chegam bien esses dous
Para acabar cun la cuva
De la maneira que estais todos
Rurrachos como uva.
GASPAR
I chega bie esses dóus
Par' acabar cu la cuba,
D' la maneira que stais todos
Borrachos cumo uba.
Para las escabar só sou iou
E para vever el vino son lus estu-
Mas antes de salir deiqui [rianos
Adelus Ihevar mil diabos.
Pra las scabar só sou you,
<I> pra buber 1 bino <soQ> Is Stu-
Mas antes de salir d' eiqui [rianos... 2o5
Há-de-los Ihebar mil diabos!
STURIANO
Deixaio falar, comadre,
Eu cuasi que lie acho graça:
Sempre anda decendo así,
E logo vamos ambos à caça
!
JACO JACO
Ja tengo dito vien vezes
Compadre esturiano
Que nun tornais a nussa casa
[Por] vias de este tirano.
Yá tengo dito bie bezes,
Cumpadre Sturiano,
Que nu torneis a nçssa cayk.
Por bias d' este tirano.
296
Original
11 5 Este rapaz ie mui maio
[E] mui caro de aturar
Nós dezimos a las vezes
nusso Senhor te pudie Ihevar.
Transcrição plionctica
Este rapaç ye múi maio,
I múi caro d' aturar;
Nós dezimos a las bezes
Que nosso Sinhor te podie Ihebar.
Saem da adega todos, c Sturianofa{ que quer ir para casa d'elle; e Jiy
MARCOLFA iMARCOLFA
Agora nun baiades parende
220 Pouca vergonha teneis
Acompanhestesme até baixo
Acompanhai-me agora se quereis.
Agora nú báiades par' ende,
Pouca bergonha teneis
:
Acumpanhestes-m' até baixo,
Acumpanhai-m' agora, se qreis.
STURIANO
Aonde vamos, comadre.
Aonde vamos, querida?
MARCOI.FA MARCOLFA
225 Vamos para mie casa
Compadre de la mie vida.
Bamos para mie ca/a,
Cumpadre d' la mie bida.
Vão para casa de Marcolfa ; e dii
JACO JACO
Ora se vós compadre
Num queredes aiqui tornar
Por vias d"aquel tirano
2 3o Desse mio filho Gaspar.
Ora se bós, cumpadre,
Num qredes eiqui tornar,
Por bias d' aquél tirano,
D' esse miu filho Gaspar!
Pobre LORIANO
E tem razão, tio Jacó,
Que o bosso rapaz é mui mau
:
Se elle fosse meu filho,
Já lhe daba co' este pau.
297
Original
GASl'AR
Calhate pobre demónio
Tamiem sós a contra a mi
Ja te ferro un puntapie
Se nun te tiras daiqui.
Transcrição phonetica
GASPAR
Calha-te, pobre, — demónio!
Tamíe sós a contra mi!
Yá te dou O puntapie,
Se nu te tiras d' eiqui. .
.
O pobre vae-se, e dii
:
Eu ja me bõu d'aqui,
Adeus, adeus, tia Marcolfa!
Por ua reles pou/ada,
Scuyb de oubir esta solfa.
Aqui vem Albernó, mulher de Sturiano,
com um burro, e uns latos em cima do burro, e uma criança ao collo
:
e chegando a casa de Sturiano di^ :
O Sturiano, sái cá fora,
Que já chegou a bagagem:
Bem-me descarregar os latos.
Que eu tenho pouca coragem.
Sái Bertoldim, e di^:
Olhe que o pae não está aqui,
Eu digo-lhe a herdade. .
.
240
24J
ALBERNO
Então facelmente stá
Lá p'ra ca/a da comadre
!
Albernó vai chamá-lo a casa da comadre, e di\.
O comadre Marcolfa,
EUe stá ahi o Sturiano?
Nunca ha-de sahir d'ahi. .
.
Raios parta o Diabo!
Sae Sturiano e di^ :
Tu que me queres, Albernó,
Que tanto estás a chamar ?
255
298
Ar,BERXO
Tenho os latos no burro,
Bai-os descarregar.
260
STURIAXO
Non me importa poios latos,
Nen tampouco xá por ti,
Vai-os ti descarregar,
E tirateme xa daqui.
i65
ALBERNO
Isso sabia-o eu,
Que me dabas esse galardão!
Anda. . . que, se o sei,
Não te binha chamar, não.
Em entrando para aqui,
Sei eu já como tu fazes
:
Nunca bos tirais d'aqui,
Entre tu e os rapazes.
Por isso é que me eu calo,
Porque me mantém a família,
Que senão, não me calaba
:
Parece-me que até a comia
!
Original
MARCOLFA
275 Calhaivos demónio mulhir
Parece que nun sodes mie comadre
Idevos para casa
E deixai estar el compadre.
Transcrição phonetica
MARCOLFA
Calhai-bos, demonio-mulhier.
Parece que nu sodes mie comadre!
Ide-bos para ca/a,
E deixai star 1 cumpadre!
i [Refere-se a Marcolfa].
299
AI.BERNO
Inda lhe custa pio pouco,
O demónio da mulher
!
Eu ja me bõu para cayh,
Faça d'elle o que qui/er
!
Vae-sc Albemó. Sae Marcolfa e Sturiano. E Ji;
280
Original
-MARCOLFA
Transcrição phonetica
.MARCOLFA
La bussa mulhir compadre
Parcie que venie danhada
Cuidava que el devien
Por ahi algua cevada.
La bossa mulhier, compadre,
Parcie que benie danhada. .
.
Cuidaba que 1' debié
Por hi algúna cebada. .
.
285
STL-RIANO
A nosa vida, comadre,
A todos dá que entender.
.
-NLXRCOLFA
Mais tontos somos nos
Da-Ia tanto a conhecer.
-MARCOLFA
Mais tontos somos nós
Dá-la tanto a coincer. . . 2qo
.LVCO JACO
A este traste manhosoNun el pudo tirar la manhaSe agora na coresma nun imenda
Ai que data me apanha.
A este traste manhq/b
Nú r podo tira' la manha
!
S' agora na coresma nú eimenda,
Ai que data m' apanhai
STL'RL\N'0
Eu xa me vou d'aqui.
Valha-o Deus, oh compadre!
Non vaa por causa mina
Talvez matar a comadre I
2q5
Soo
Fem Al.BERNO cdi-^:
Inda não sais d'ahi,
Balha-te Deus, Sturiano :
Para tu stares á bíjua bida,
Olha eu que roupa trago
!
3o5
O que te bale a ti é
O tio Jacó ser como os rapazes:
Senão na sua pre/ença
Não fazias o que fazes
!
Original
GASPAR
lou ia estou emfadado
De tanta cousa ver
\'ai-se ademirar la gente
3 10 Del que iou vou a fazer.
Transcrição phonctica
GASPAR
You yá stou anfadado
De tanta cõu/a ber:
Bai-s' admirar la gente
De 1 q' you bou a fazer
!
Vou a matar lus asturianos
A tira-los deste mundoArrancalle las orelhas
E punela (sic) ai fumo.
Bou a matar Is Sturianos,
A tirá-los d' este mundo,
Arrancá-le las iJureilhas
I poné-las a 1 fumo!
3i5 Por via d"esta vil raça
Nunca mos chega el pan
La culpa tenan-la mios pais
Dale la liverdade que el dan
Por bias d' esta bil raça
Nunca mos chega 1 pã!
La culpa téné-la mius pais,
Dá-le' la liberdade que 1' dã.
Quando mie mai amassa
320 Entran alhi lus esturianos
E quando salan para fura
Traiam um volho nas manos.
Cando mie mai amassa.
Entra alhi Is Sturianos:
I cando sálé para fora,
Tráié ú bolho nas manos.
325
Aqui vem Berloldim de casa de Marcol/a com um bolo corretido na mão, e di^:
Deram-me este bolo ainda agora,
Que Deus lh'o pagará.
Ai ! ah tia Marcolfa,
Benha bindo para cá!
[A AsturianoJ.
3oi
ALBERNO
I
Deixa ber, meu filho, o bolo,
Que o hemos de comer
:
Se não stá bem cozido,
Que se acabe de cozer'.^
^•'^
Come
Oh! que bolo tão bom!
E que miolo elle tem 1
A mim estes bolos quentes
Sempre me sabem bem!
A tia Marcolfa é úa mulher. .
.
^^^
Tem de má e tem de boua. .
.
Como bá dando bolos,
É uma boa pessõual
Por isso é que me eu calo
!
Soccórre-me muito, entendeis í ^4°
Que senão, não me calaba
Nem por um conto de reis!
Dz jpara Jacob :
O cumpadre Jacó,
Como não deia em begiar.
Bera o seu pre/unto -4-
O pago que bae lubarl
Porque o outro dia em minha ca/a.
Em cima d'aquella me/a
Staba alli um lenço,
Sim, que tinha úa pre/a
:
3jo
Eram ovos com pre/unto;
O petisco não era mau!
E stabam mettidinhos
Entre dois bocados de pão.
Po/eo5 alli a vossa tia 3^J
(Ella pensa que eu que não sei!)
Mas eu pos-me a comer nelles,
Até que me fartei!
302
Original
JACÓ
La vida de eilhes seila iou
36o Mas iou que le eide fazer
Tengo que me calhar
Que alas vezes quier-me bater
Transcrição plionetica
JACO
La bida d' eilhes sei -la yi3u!
Mas you que 1' heide fazer?
Tengo que me calhar,
Q' a las bezes quíer-me bater.
Iou ando mui anobrado
A punto de morrer
365 Já tengo passado a três dies
Sim comer nin beber.
You ando mui anubrado,
A punto de morrer!
Yá tengo passado a três dies
ST comer nT buber!
ALBERNO
SjO
Sim, terá, sim, coitadinho
!
Qua/"i que me dá dó dê si!
Desde que se querem ambos,
Acontece-lhe como a mim!
Sabe Deus o que cá bai,
O cumpadre Jacó!
Eu também passo as minhas,
Que não as passais bós só!
Escondem-se. Aqui vem Marcol/a e Stiiriaiio ; e di\
' .MARCOI,FA
^7^ A compadre esturiano
Tenemos tuvido fertuna
Ia tanto tiempo que nos queremos
E nun mos a vido gente niun-a.
.Mas agora si desconfian,
38o Porque el mio tio ia lo save
Olhai se vos guardais dei
Nun armeis algun-a compadre
Nós pudemonos querer vien
E pregala vien pregada
385 Aguardamos mais uns viés
Até que se anpece la arada
MARCOLFA
Ah! cumpadre Sturiano!
Tenemos tubido fertuna:
Y(á) ha tanto tiempo que mosqremos,
I nu mos ha bido gente niuna.
Mas agora si, descunfíã,
Porque 1 miu tiu yá lo sabe
:
Olhai se bos guardais d' él,
Nu armeis alguna, cumpadre!
Nós podemo-nos qrer bíe,
I pregá-la bíé pregada:
Ouguardamos mais uns dies,
Até que s' ampece 1' arada.
3o3
o ri sinal
El apuis vai por alhá
Anda todo el die arar
E nós quedamos an casa
Siempre la estamos a pregar
Transcrição phonítica
Él apuis bai por alhá,
Anda todo 1 die a (a)rar,
I nós quedamos ã ca/a:
Siempre la stamos a pregar! -^90
Olhai compadre esturiano
Quando lo veiades salir
Olhai selo teneis vien de ulho
A ver para donde quicre ir
Òulhai, cumpadre Sturiano,
Cando lo béiades salir.
ÔuJhai se Io teneis bíé d" olho,
A ber pra donde quíer ir.
STURIANO
N-isso non temos nós dúbida,
Ese coidado teno-o eu:
El non vai para parte
Que non o vexa eu.
:>q-->
-MARCOLFA
lou ia nun fago couso I5íci
Del que la gente diga
lou só quiero a mio compadre
Ai compadre de la mie vida.
NLUÍCOLFA
Y()u vá nú fago cau/o
De 1 que la gente diga
:
400
Yim só quíero a miu cumpadre,
Ai 1 cumpadre d' la mie bida I
NOTAS AO EXTREMES
1. dé, prés. do conj. de dar: assim ouvi, mas na Gram.matica.
p. 480, tenho déia, como também ouvi.
3. Esperar-se-hia liai por ha.
4. jtialo. "mal de saúde». Cf. aJeante, p. 3i5.
6. Variante que ouvi ao ajctor: De caJa pa l' outro Ihado.
7. O í7 de abaixo e o de arriba foram absorvidos pela vogal
precedente: cí. Gramm.\tica, 3 38.
3o4
8. Raios parta é uma expressão petrificada, como nos contos
era uma ve^, embora o sujeito esteja no plural. O corrente seria
pártã.—Também em português se usa a mesma expressão na lin-
goa popular.— Cf. v. 254.
9. Note-se que em gallego, nesta palavra, como nas outras emque o s é intervocalico, este se pronuncia ss. De facto o ms. tem
cassa. Mas, como disse no texto, não posso deixar de seguir a or-
thographia gallega nos casos em que ella não estiver em completo
desacordo com a pronúncia do narrador.
10. O narrador pronunciava lubaba. O Diccionario gallego de
Nuhez tem só levar, mas é provável que na Galliza se diga lovar,
isto é, lubar, do mesmo modo que se diz somana por «semana'.
—
O texto do ms. tem este verso assim :
Cá leva seu caminho
mas eu pus como ouvi ao auctor.
11. No ms.
:
E por via dos rapaces,
mas o narrador dizia como indico.
12. viíio. Escrevo com v, comquanto a pronúncia, quer do nar-
rador, quer dos gallegos, seja b. Não altero a orthographia usada
na Galliza: de facto, desde o momento que se estabelece que r
soa b, nada ha que mudar. O mesmo acontece com o hespanhol.
i3. Escrevo 7ion, segundo a orthographia gallega, mas a pro-
núncia do narrador era tiun ou nií.—Tanto neste verso, como no
seguinte, o ms. tem pelo. mas o narrador dizia polo.
17. Em mir. diz-se candn e quando.
18. Preferi esta lição, que é a que ouvi ao narrador, á do ms.
10. Ao narrador ouvi este verso assim:
Que nu deixais la cliab' antregue
em interrogação.
27. Aqui ouvi no, não ne.
3o5
28. A' pronúncia propriamente é, como ouvi: digo-bos-lhyóu, o
que se explica pelo § 87-íZ da Granimatica: lo yõu > l' you =Ihyõu; o l, ao contacto da semi-vogal, palatizou-se.
32. Stebistes: assim ouvi. D'ahi vem stubistes, que se acha na
Gr.-lmmatica, Z 270.— Preferi a lição que apresento, que é a oral,
á do ms., por causa da exactidão métrica.
36. É indifferente adoptar esta lição ou a do ms.— Derretindo
é participio de derretir, «derreter». Cf. hesp. derretir.
38. Escrevo 'sprar porque a palavra, quando independente, pro-
nuncía-se asprar; aqui o a foi absorvido pelo precedente.
40. Nu' me por nu me. O mesmo noutros passos. A nasal foi
absorvida pelo m seguinte. Cf. Grammatica, Z 38.
45. Em gallego ha estive e estiven.
47. Comquanto em gallego corrente se àis^a Jixeche, o narrador
pronunciava Jicestes (no ms. Jijesles). Entendo não dever alterar.
Cabanhola é mirandesismo ; o gallego diz cabana, como em portu-
guês ; o deminutivo gallego usual d'esta palavra é cabaniíia.
48. Em vez d'este verso o narrador dizia «Como a do menino
em Belen«, mas preferi a lição do ms., por ser mais correcta.
49. Em gallego diz-se nengun e ningun; a forma nenhun é por-
tuguesismo. Os Mirandeses tem consciência de que o gallego é emcertos casos mais vizinho do português do que o mirandês. Emmirandês diz-se ningu. ni ít, niu: Gram.matica, Z 202.
5i. O narrador dizia stabeis. Conservei a lição do ms., por ser
melhor.
55, No ms. vê-se el, que deve pronunciar-se el (Grammatica,
Z 198-Í7). No entanto o narrador pronunciava como transcrevi.
66. No Diccionario gallego, de Nuhez, não encontro caneca;
todavia é possivel que a palavra seja realmente gallega, como é
portuguesa.
3o6
70. Escrevo ra^ois. com o f, segundo a orthographia gallega^
mas melhor seria escrever raçots, com ç. O narrador pronunciava
rações, fazendo um mixto de gallego e português.
71. O narrador pronunciava bubcr. Cf. a nota ao verso to.
72. O narrador pronunciava ambos i dois, isto é, ambossidois.
Todavia nos escritos gallegos que consultei acho dous e não dois.
Curros Henriquez, Aires d'a tniíia terra, I.a Coruria 1886, p. 52,
tem ambos a dous.
78. O narrador dizia btibei. E provável que também assim se
diga na Galliza, mas adoto a forma que encontro nos livros gal-
legos que consultei.
79. Não encontro nos diccionarios gallegos o verbo asomar;
todavia, como elle existe em português, conservo-o aqui.
84. Sobre »«' me vid. a nota ao verso 40.
86 e 88. De:^i' la e di' la por Jt'7/V la e diria: vid. Gr.^.mma-
TICA, § 256.
91. No ms. farie; o narrador pronunciava fafie.
loõ. Ha, como se vê, uma pequena difterença entre o ms. e a
versão oral.
110. desfolhar^ «esfolar»: < lat. *de-ex-follare.
128. Emendei quereis (como também ouvi) em queredes.
i5o. Colloco entre parenthesis angulares a palavra que pôde
supprimir-se sem alteração de sentido, e com melhoria do metro.
154. Á cerca de heiíios amborrachar.^ «havemos de emborra-
char», vid. Grammatica, ", 309-B-Í7.
3o7
1 55-102. Estes versos, com a respectiva explicação em prosa,
não vem no ms., mas tudo me foi assim dito pelo narrador.
i63. O narrador deu-me aqui esta explicação: que o filho de
Asturiano falia português, por ter nascido em Portugal.
1G4. Elle stá ahi meu pai. O pronome elle usa-se pleonastica-
mente na nossa lingoagem familiar em circumstancias análogas a
esta. A sua funcção vê-se melhor em orações impessoaes, ou emcasos em que o sujeito esteja no plural ou seja de outro género,
por ex. : «elle agora fallou», «elle as cousas não correm como a
gente quer».— Cf. v. 252.
i65. No ms. lè-se Que saia até aqui fora, mas o narrador, di-
tando, empregava a lição que adoto.
171. Está: assim ouvi, com è, ou com ê, na primeira syllaba.
É claro que temos aqui pronúncia emphatica. Cf. èsteje, no v. 174.
174. No ms. lê-se esteje ; o narrador dizia èsléja: adopto ès-
teje que representa aquellas duas. Na lingoa vulgar de Portugal
usa-se também esteje [steije, etc).
i85. Como em mirandês não se faz crase de a -\- a (vid. (íram-
MATiCA, 2 38), o ms. tem a quel = a {a)quel: o a que escrevo
entre parenthesis não se pronuncia. Idêntica observação se»ha-de
fazer a respeito de outros versos em análogas circumstancias.
202. A expressão mirandesa mais corrente é borracho cuin' úboto, «borracho como um odre». Com o mir. boto cf. o hesp. boto,
"pellejo para echar vino, etc.« [Diccionario de la Academia)^ o
ital. bottina, bottiglia, fr. bouteille. Wherho, no Elucidaria, ao defi-
nir embolhas, diz : "bottas de vinho, muito maiores que odres, feitas
de couro». A ideia de recipiente e a de calçado foram aproximadas
uma da outra por metaphora.
210. O ms. está só roto no princípio do verso.
219. Par' ende, «para ahi».
234. No original está por engano maio e paio. -.
3o8
-236. Não sei se a expressão a contra c corrente.
252. Elle std ahi o Sturiano. Cf. v. 164.
254. Raios parta o Diabo é phrase estereotypada. Cf. v. S.
257. Lato (em mir. Ihato), vasilha de lata para azeite. Palavra
usada em Terra-de -Miranda, pelo menos.
2Ó0. No ms. lê-se tu em vez da forma gallega ti.
270. Entre tu e os rapaces, «tu e mais os rapazes», «tu, e con-
tando também os rapazes».
2o3. Na coresma, «quaresma», por ser tempo de penitencia.
322. Bolho, «bolo».
344. Deia, forma usual na lingoagem popular por «dê».
355. No ms. lê-se posios. É modo de dizer muito vulgar no
país por «pô-los». Cf. Dialectos beirões, v, 23.
357. Pos.. «pôs». Cf. v. 355.
ZG^i. Anubrado, propriamente: «ennevoado». Corresponde a
asselitmbrado, isto é, «assombrado», «espantado», etc
365. Aqui a é preposição. A phrase corresponde a a Is três dies.
378. Bido, «visto». Grammatica, ^ 272.
386. Arada, «lavrada» (subst.). A palavra hoje acha-se circum-
scrita a certas regiões; outr'ora foi porém mais geral, como o prova
o conhecido romance que começa:
Vindo o lavrador da arada.
Encontrou um pobrezinho. .
.
A mesma palavra existe também em gallego e hespanhol.— Cf.
jrar no v. 388.
II
Tradições populares mlrandesas
A') Contos (e fabulas)
A palavra mirandesa que corresponde d portuguesa
co}ito é conta,— «cuntar una conta». Alem de contos
propriamente ditos, publico adeante também três fabu-
las, ou contos de animaes, no gosto esopico.
I . Conto de Marie de 1 Paio
' Era úna beç ú tiu que staba ca/ado, i era la filha mui
guapa, i querie-se namorar d" eilha, i apúis morriu-se la
mai d' eilha, i quedou la filha sola, i querie 1 pai fazer
zumbarie d' eilha, i apuis la filha fui-s" a cunfessar a 1
cunfessor:
— Z-ahl' miu cunfessor: miu pai querie fazer zum-
barie de mil
— Di-l' a tõu pai si \'e capaç de traier aqui ú bestido
que tenga tantas flores cum' arenas té 1 mar.
Depuis bai a dezir a sou pai que era sue amiga,
se le trairá íí bestido cú tantas flores cum" arenas té
1 mar.
—Pus si-, mie filha!
Depuis 1 pai chubiu-se- ne 1 cabalho i fui ã cata de 1
bestido. Depuis ancuntrõu á meio de 1 camino ú cama-
rada que le procurou'* par' onde iba-\
1 Sobre este f- vid. Grammatica, ^ Sg.
2 «Pois sim».
3 oSubiu-se», omontou').
4 Também se diz precurõu.
5 .Ia».
:)io
— Z-bõu ã cata d' ú bestido que tenga tantas flores
cum' arenas té 1 mar.
— Bai para ca/a; 1 bestido alhá' t' irá.
Chigõu 1 pai a ca/a, i I bestido yá 'Ihá staba. Lafiliia, 'sque- biu 1 bestido, toda s' admirou. Fui a 1
cunfessor
:
—Ah! miu cunfessor: 1 bestido yá stá a ca/a.
— Z-di-l' a tõu pai que traga ú bestido que tenga
tantas flores, cumo té 1 campo.
Fui la filha para ca/a:
— Z-ah! miu pai: hei-de ser sue amiga, se me traiíra-^
ú bestido que tenga tantas flores, cumo 1 campo.
—Pus si, mie filha.
Torna 1 pai a saber de 1 bestido, i ancuntrõu 1 mesmocamarada que le preguntõu aonde iba.
— Bõu a saber d' Q bestido cú tantas flores cumo 1
campo.
— Bai para ca/a, 1 bestido alhá t" irá.
Quando 1 pai chigõu, yá 1 bestido staba a ca/a. Lafilha, 'sque biu 1 bestido, toda s' admirou, i fui dezí-l' a
1 cunfessor.
— Di-l' a tõu pai que te traga outro bestido que tenga
tantas flores cumo streilhas té 1 cíelo.
— Z-ahl miu pai: hei-de ser bossa amiga, se me trair-
des ú bestido que tenga tantas flores cumo streilhas té
1 cíelo.
—Pus si, mie filha.
Fui 1 pai a saber de 1 bestido, i ancuntrõu 1 mesmocamarada que le prôcorõu aonde iba.
—Bõu saber d' ú bestido que tenga tantas flores
cumo streilhas te 1 cielo.
' «Lá...
- "Desde que».
3 Assim ouvi. Na Grammatica, p. 489, tenho tratra, que tam-
bém ouvi.
:>i I
— Z-isso ve maio d" arranjar, mas tengo yõu una hlha
que ve santa, i bai buscar 1 bestido a 1 cielo; mas bai
para ca/à, que 1 bestido alhá t" irá.
Quando él chigõu, vá 1 bestido staba ã ca/á. La
filha, 'sque biu 1 bestido, toda s' admirou, i fui pa 1
cunfessor:
— Tengo ú bestido ã ca/á q" acupa úr^a sala'.
— Z-bai a 1 carpinteiro milhor q* haba-.
Fui la filha para ca/á, dixo-l" a sou pai:
— Z-ahl miu pai: deimingo^ heide ser bossa amiga.
—Pus si, mie filha.
Depuis sou pai tenie muita buntade que chigasse
lhõus[0'* 1 deimin^o. i la filha mandou fazer íina caka
a 1 carpinteiro para se meter a drento. Depuis la filha
todos Is dies iba ã ca/a de l carpinteiro a preguntá-le
s' vá staba la caixa feita. L carpinteiro dixo-le que inda
faltabã las manos (porque 1 carpinteiro fazie íína caixa
cumo era eilhai. Sõutro- die fui-l' a preguntar s" vá tenie
la caixa feita. Dixo-le q" inda faltaba la cara. Sõutro
die tornõu-l" a preguntar que le faltab" a la caixa. Tor-
nõu-l" a dezir que inda faltabã Is olhos. Sõutro die tor-
nõu-l' a preguntar que le faltab" a la caixa. Faltaba 1
nariç. Tornõu-le inda outro die a preguntar que le fal-
tab" a la caixa: que inda le faltaba la boca. Tornõu-le
outro die a preguntar que le faltab" a la caixa:
— Z-agora vá la podes Ihebare, que vá stá pronta.
La moça agarrou la caixa i metiu-se neilha, i scapõu
co' eilha po Io mundo. Chigõu a la porta d" íj rei, i
pediu-le põu/ada: mandórú-l" antrar pa <l>'^ Ihume,
' Pronuncia-se : jcúpãutja sala.
2 «Haja o.
? «Domingo». Também se diz: doimingo. duimingo. São casos
de metaphonia.
4 «LogOn.
5 «Outro».
6 Aqui o / do (artigo) não se pronuncia.
3l2
i eilha sentõu-se a <1> Ihume, i agarraba de 1 seno'
la granína- de las urzes, i botaba-las ne <1> Ihume,
i dezie q" erã piolhos. Depuis dixo-le se q'rie ampreitar^
úna criada pa las parras^. Dezírú-le que si. Sõutro die
po la manhana furú co' eilha para úna cortina -\ i tenie
la cortina ú chafariç; eilha bestie-se múi guapa, apuis
que s' ibá Is amos de la cortina: peinaba-se^ múi pei-
nada, i assiaba-se mui assiada, i chamaba las parras, i
dezie-le par' eilhas:
Parrinh' aqui,
Parrinh' alhi,
Se 1 filho de 1 rei beníra,
Namoraba-se de mi!
I depuis dezirú" las parras:
Si, sinhora, sil
I las parras que nú dezie si, sinhora, si, agarraba-las,
i afogaba-las ne 1 chafariç ; agarraba-las i Ihebaba-las
para ca/a, i antregaba-las a 1 amo.
— Z-ah! Marie de 1 Paio! Tu que fais"^ a las parras?
— Caif-se-me ne 1 chafariç.
Tod' Is dies Ihebaba las parras mortas para ca/a. Leprincepe mandou fazer três romaries, para s' ca/ar, para
' «Seio». Lat. sTnu-.2 «Baga» (da urze). V^granu-.? «tomar», «acceitar» (por ajuste).
4 «patas».
5 «Campo da porta». No Minho, etc. «cortinha». Lat. *cor-
tina (V''cohors).
6 «penteava-se». De peine < lat. pectine-.
7 Assim ouvi, mas a syntaxe exigia depe em vez de deprtí.
8 «Fazes».
3i3
achar moça bonita, i Marie de 1 Paio sõubo que las fazie,
i fui a dezir a la mai de 1 princepe que eilha que tamíé
querie ir. La mai de 1 princepe dixo-le que le fura pre-
guntar a 1 princepe se la deixaba ir.
— Se te deixa ir, bai.
Preguntõu-l' a 1 princepe:
—Ah sinhor princepe, deixe-me ir a la romarie.
Quando Marie de 1 Paio chigõu, staba él c' úna bota
na mano.
— Se Marie de 1 Paio nú bai alhá, nú se fai la roma-
rie!. . . Lhebas co' esta bota po la cara!
Marie de 1 Paio fui pa Ia mai de 1 princepe i dixo-le
que 1 princepe que nú la deixaba ir.
— Z-olha, bai, mas nú te deixes ber d' él.
Depuis 1 amo fui a la romarie, i eilha tamíé fui. Chigõu
a 1 meio de 1 camino, atirou cul paio' para úna cortina;
Ihabõu-se múi Ihabada, i peinõu-se múi peinada, i as-
siõu-se múi assiada, i bestiu 1 bestido que tenie tantas
flores cum' arenas té 1 mar. Fui núria cidade, i ajun-
tõu-se muita moça: s" unas erã múi guapas, outras era
muito mais; mas cum"^ Marie de 1 Paio, nu' era ningúna.
L princepe iba falar cú todas; mas cú Marie de 1 Paio
era cú quié gastaba 1 tíempo. Falaba cuias outras, por-
que nú parcira maio a las outras, i purguntõu-le de d'
onde era:
—O nina, d' onde sodes?
— Sou de la tíerra de la bota.
— Z-ond' ye la tían-a de la bota?
—Ye por essas tierras a riba.
Derramõu-se^ la romarie, i fui 1 princepe para ca/a.
Quando 1 princepe chigõu a cayâ, yá Marie de 1 Paio
' «Pau», «madeira», isto é, com a caixa de madeira dentro da
qual ella costumava andar.
- Cum' ou cwme. Vid. Vocabulário, s. v. ciimo.
3 «Desfez-se», «dissolveu-se».
3i4
alhá staba sentada a la squina assando piolhos, i dixo
la mai a 1 princepe:
— Antõú, miu filho, cumo stub' isso?
— Z-múito bíé, mie mai. Z-habie íína moça múi guapa.
— Z-d' ond' era?
— Diç que era de la turra de la bota. Bõu por esses
Ihogares a riba, a ber se 1' ancontro.
Chubiu-se ne 1 cabalho i fui a saber d' eilha. Pre-
guntõu pela' tíerra de la bota, que níi T ancuntraba;
naide^ le daba rezõú d' eilha. Fui múi anraibado para
ca/a, i chigõu a ca/à i dixo-I' a sue mai:
—Yõu nu' acho Ia tierra de la bota. Z-manhana^ bõu
fazer õutra romarie.
Tornou Marie de 1 Paio a preguntar-le se la deixaba
ir. L princepe staba a scobar íínas calças, i õufreciu-le
co"* a scoba. Tornou pa 1' ama, i dixo-le que nú la dei-
xaba ir. Mas fui cumo da õutra beç, i bestiu 1 bestido.
que tenie tantas dores cumo 1 campo. Todas erã múi
lindas, mas eilha muito mais. L princepe iba falar cú
todas, mas mais cú eilha. Preguntõu-le d' ond' era, i
eilha dixo-le que era de la tíerra de la scoba. Quando1 princepe fui para ca/a, yá eilha stab' <a> assar pio-
lhos. La mai preguntõu a 1 princepe:
—Antõú, que tal stub' isso?
— Stubo todo múi bono; se la d'onte era múi guapa,
la d' oije inda muito mais: dixo que era de la tíerra de
la scoba.
Fui ã cata d' eilha, naide le daba razõú d' eilha. Fui
para ca/a tod' anraibado. Chigõu a ca/a, i dixo que ma-
nhana tornab' a fazer õutra romarie. Tornou 'tra^ bec
• Assim ouvi. Será portuguesismo em vez de pula.
.2 «Ninguém».
3 «Amanhã».
4 =^ õutra. O ou inicial fundiu-se com o ou final da palavra
antecedente.
:)ID
Marie de 1 Paio a preguntá-le se Ia deixaha ir. Staba cú
chapéu na mano. «S ib" alhá, que 1" atiraba co él a la
cara». Marie de 1 Paio fui, i bestiu 1 bestido que tenie
tantas flores cumo stréilhas té 1 cíelo. S" unas erã mui
guapas, eilh" ind" era mais. Falaba 1 princepe] cú todas,
mas co' eilh' inda mais. Preguntõu-le d' ond" era: dixo
que era de la tferra de l chapéu. Fui para ca/a. Eilha
stab' <a> assar Is piolhos outra beç. Preguntõu-<r>la mai que tal stub' aquilho:
— Stub' bié ; se la de Is outros dies era mui linda,
aqueilh" ind' era muito mais.
— D' ond' era?
—De la tíerra de l chapéu.
Fui [1 princepe] saber de la tíerra: naide le daba rezõú
d' eilha. Chigõu a la ca/a, i ampuntõu' la Marie de 1
Paio cuias parras; cada die le traiie parras mgrtas.
L princepe dixo pa la mai q" iba ber Marie de 1 Paio
que fazie a las parras. Bé por trás d" una parede i biu-la
star mui guapa: staba eilha somada- <a> íina parede,
i eilha desque 1 biu metiu-se ne I paio i deixou iina
fita fora.
— I esta fit' eiqui- para que la quíeres, ó Marie de 1
Paio ?
— Pu/'"-me-r eiqui la Sinhora de 1 Paio, para que par-
cira bíé.
Fui 1 princepe para ca/"a i fizo-se múi maio [isto é,
«doente»]; dixo que nú comie nada si ser una palomba-^
po las manos de Marie de 1 Paio. Chigõu Marie de 1
Paio a cayà, i dezirú-le que 1 sinhor princepe staba mui
maio, que nú comie nada si ser po la sue mano, q'
habie de gui/ar úna palomba i Iheba-l' a la cama.
1 «mandou embora».
2 = assomada.
? "Aqui».
4 «Pomba-). Feminino de palombo < lat. palúmbu-.
3i6
— Z-ora eu, nú la gui/ò! Stõu chena' de piolhos, i
boto-los alhá! S-pus' si, fago-la, mas heis-bos ir todos
d' eiqui.
Puis-' íizo la comida i fui-la Ihebar a la cama d"
él. Puis agarrõu-la [1 princepe] pa la cama, i deitõu-sc
CO* eilha.
[Conto ouvido por mim em Duas-Igrejasj.
2. Conto da princesa e da velha
Era íina beç um rei i tenie una filha, i depuis staba
cú síie mái no jardí, peinando-se ambas a dúes c ú
peine d' ouro, i dixo la mái pa la filha:
— Olha, este peine quíé te Ihebar ha-de ser quíé ha-de
ca/àr cuntigo.
Depuis la mái murriu, i la filha cul peine guardado.
Achou-se dolíente-^, i tã dolíente q'yá staba ã finamente
spedida de todo, e dixo úna bíolha bezina-:
—Yõu bõu a bé' la sinhora prince/a.
Depuis dixo-l" a gente d" eilha que nij fuss' alhá, q"
eilha nú fallaba a las outras, quanto mais a eilha, q"
era bíelha! I respundiu la bíçlha:
— Quié sabe 1 que m' a mi assecederá^ po 1 caminor
I nú chigõu la bíelha a 1 palácio si cair ne camino a ú
rigueiro, i fui a bater a ú' palácio, adond' ancuntrõu úna
sala fermq/a cú três camas armadas, úna azule, outra
branca, outra berméilha; e depuis antrõu a úna cozinha
' "Cheia». Lat. plena.- Sobre o valor do s- vid. Grammatica. § Sq.
3 «Depois».
4 «Doente».
5 «Vizinha». Port. arch. vejinha. Lat. vicina-,6 «Succederá».
7 Pronuncia-se ãu (ditongo nasal).
3.7
i ancuntrõu ú Jantar pronto, i fui a tirar d" él i õubiu
una' boç que perguntaba:
— Quié me come?
—Una bíelha.
— Dai neilha!
La bíelha retirõu-se pa la sala, adonde stabã las ca-
mas, metiu-s' ã baixo d' una, i nisto benírú três palom-
bos, batirú las alas- i fazíríí-s' ã três moços, i poníríi-s'
a jantar, i depuis que jantórG fúrij a come-la fruita, cada
ú sua maçana, i sobrou una, i dixo 1 palomb' azul:
—Esta era pa la sinhora prince/à; mas, a éilha nú
star aqui, comerei-la yõu.
Depuis comiu-la, i tornórú a baté-las alas, i furú-se Is
palombos. La bíelha fui a dá' la noticia a la prince/li de
1 que le tenie acuntecido po 1 camino, i la prince/a, scui-
tando la bíelha, ampeçou a milhorar, i Ihebantõu-se, i
fui CO la mesma bíelha a ber se tornab' a chigar a 1
mesmo palácio, cumo de feito que chigórú: dóríi bolta
ambas a dúes, i furú a Ia cozina, i tornórú outra beç
a tirar do jentar, i õubirú una boç:
— Quíé me come?
—Una bíelha.
—Dai neilha.
Depuis fui antõú la prince/' a tirar.
— Quíé me come?
—La sinhora prince/a.
— Puis que coma, i que beba.
Depuis fúrú pa la sala, i benírú antõú eis três palom-
bos i jantórú. Depuis quando acabórú de jantar, ampe-
çórú a comé-las maçanas de sobreme/a.
— Ora esta era pa la sinhora prince/á; mas, a-i-eilha
nú star eiqui, comerei-la vou,— dixo el palombo azul
(que era el que le teníè tirado el peine d' ouro ne jardí).
1 Pronuncia-se õiibiitija.
2 «Asas». Lat. ala -
.
Depuis appar'ciu-r la prince/a debaixo la cama.
Depuis la prince/ii comiu la maçana i ca/ou cul pa-
lombo azule que eilha asi de/áncantõu.
[Ouvido por mim, em Duas-Igrejas, a uma mulher].
3. Fabula da vacca e do lobo
Er' una beç ú Ihobo, ancuntrõu una cochina que tenie
ús cochinicos, i chigõu 1 ihobo a la borda d' éilhes i
dixo que Is qrie comer, i la cochina dixo-le que nó, q'
aguardara mais ús dies.
— Puis bíê, acá benarei'.
Fui par' ij arador, i dixo-le q^ habie de comé-las baças.
Depuis dixo 1" arador:
—Nó, q' inda sta múi fracas. Deixaremo-las mais ús
dies.
Apúis fui par" úna que staba nú cerrado <a>2 an-
gordar:
—Ah! baça, que t' hei-de comer!
—Agora nú me comas ; deixa-m' mais ús dies, q'
agora stõu múi fraca.
D' alhi a uito dies fui <1>^ Ihobo a cumé-la baça, i
dixo-<l> Ihóbo:
—Agora bõu-t' a comer!
— Puis come, come!
Depuis prendiu <1> Ihobo úria cord' a la baça, i dixo-l"
la bac' a <1> Ihobo:
— Mete la corda ne cachaço; z- agora quers qe t an-
sine cumo fáif las baças ne brano^, quando dá-la mosca ?
— Ansinai, ansinai. Tod' vc biê saber.
«Virei».
2 Este a não se pronuncia.
3 Este / não soa, por ser absorvido pelo Ih seguinte.
4 «Verão».
3i9
I puis saltou la bac' a fugir cu<l> Ihobo a la ras-
tra'. Apuis cobrõu-se la corda i fui <1> Ihobo pa la
rapq/a, i dixo-le:
— Si, si, comadrica,
Se la corda qebra
I 1 nolo- nú de/ata,
Yõu iba parar a ca/à
Del donho' de la baça.
[Versão de Duas-Igrejas].
4. Fabula da raposa e da cegonha
Er" una beç la rapo/à. Andaba eilha i la cigonha a
fazé" 1 caldo, i apuis dixo la cigonha pa la rapo/ã:
—Adonde quiers qe faga 1 caldo?
— Fai-lo núna sartiã'*.
Apuis furú a come" 1 caldo, i Ia rapo/à fui i comiu 1
caldo todo; i la cigonha nú comiu nada. Apuis la cigo-
nha fiz" outro núna barrila de 1" auga, i apuis la raposa
nú comiu nada dei caldo.
[Ouvido por mim a um homem de Villa Chã de Freixeosa (em
mir. Bila Chana de la Freixeno/a), em 1886].
5. Fabula do mocho e da raposa
Una bec "stába ú mõucho núna fra^a. a cantar i fui
la rapq/à i agarrõu-lo, i apuis fui 1 mõucho i dixo-Ie pa
la rapo/a:
' «De rastos «.
2 oNó«.
3 «Dono».
4 a Sertã». Em lingoagem popular portuguesa também se diz
com a na primeira syllaba : sartã (este a é etvmologico ; latim
sartagine-; cf. hesp. sartén).
D20
— Ahl rapo/a, nu' me comas!
— Porquei? Antõú porque nú t' hei-de comer?
— Hás-<d"> dezir purmeiro: «mõucho comi» (eilha
vá 1 tenie na boca).
I apuis eilha fui a dezir: «moucho comi», i a 1 tiempo
d' abri-la boca, saliu-se 1 mõucho para fora. I apuis dixe
la rapq/a pa 1 mõucho:
—Para q' yõu abririe la boca!
Apuis dixo 1 mõucho:
—Mõucho comi
;
Comerás outro,
Más nu" ha-de ser a mi.
[Ouvido por mim a um homem da mesma localidade, na mesma
data].
B) Cancioneiro mirandês
A palavra portuguesa cantiga corresponde em miran-
dês outra igual. As cantigas que publico aqui são de
várias espécies: amorosas, devotas, etc, como indico
nos cabeçalhos.
a) Cantigas de amor
Yá nu" me Ihembra cantigas,
Yá nú sei q' hei-de cantare :
Nu' me Ihembrã seno ' penas,
Nú fago2 seno chorare.
L limou ye fruit' azeda
Colhida no berde scuro :
Ye cumo 1 amor de Is ornes,
NI bié liai, nl seguro.
> «Senão».
2 -Faço».
L limou ye fruit' azeda
Que se stila na botica
:
Ama-s' a quíe ye de gusto,
Quíe nu' ye de gusto, fica.
Teng' íina chag' ã miu peito
,Feita cul pie d' una flor
:
Nú hai cerjanoi que cure
Chaga que faga 1 amor.
Nu quíero amor pastor,
Anque2 tenga mil curzados :
Pastores durmé a la Ihuna,
Síempre queda alhunados".
L miu amor ye rapaç,
Yõu tamfe sou rapariga :
Tomei-l' amor de pequeinho,
Ha-de-me dar bona bida.
Adius, adius, a Miranda,
Las costas te bbu birando
:
La mie boca se bai rindo,
L miu coracoii4 chorando.
Nu s' m' Ihembraba Miranda,
NT que tal cidade habie
:
Agora yá nú me squeço,
NT de nuite, nT de diç.
Se 1 bíe querer se pagara,
Quanto me stabas debendo
!
NT cij quanto tenes, pagas
L bíe q' you te stou qrendo.
I «Cirurgião».
- «Aindaque». Cf. port. arch. emque, hesp. aunque.
3 «Aluados».
4 Ouvi realmente: / mm coraçoíí bai chorando; mas o bai é
supérfluo.
322
Se acauyb de mi t' apartas.
Gula tristeza me morro :
La pena que por ti tengo
.
Que farei, se te nu logro
!
Screbira-t' ybu una carta,
Se me la souberas ler
:
Para dar a ler a outro,
DescLibre-se 1 bíe querer.
Ne sábado buu pa 1 Porto,
L fato yá bai ne barco
:
Na sesta ye 1 feJiçi die
Que de ti, amor, m' aparto.
Esses sous olhos, menina,
Yá de Is mius fúrú amantes:
Eilhes de die sou dúes fontes,
I de nuite dous diamantes.
Esses sous olhos, menina.
Sou candenas2 de mal' 3 tterro:
Aique4 me Ihíebé a la forca.
Outros amores nu quíero.
Quíe canta, sou mal spanta,
Quíe chora, tê sentimento,
Quíe se ri, tê alegrie,
Quie ama, passa tromento.
Cantigas a 1 de/afio,
Naide s' aponga comigo :
Qu' vou tengo na mie sala
U papel d" eilhas screbido.
' Ou anfeliç?
2 «Candeias».
? = maio. Vid. Voc.\bul.\rio, s. v. maio.
4 Em duas syllabas. Variante de anque, citado supra.
323
Cantigas a 1 de/afio
Comigo naide las cante :
Tengo quíe me las ansine,
L miu amor ve studante.
Hei-d' ir a cíelo, hei-d" ir,
Só por bé' las nuobas' rq/as
Três negras i três brancas,
I três amaríeihas cheirq/as.
Bamo-nos d' eiqui ambora,
Eiqui nu' hai que fazer
:
Stoú nas jinellas fichadas,
Stá dromindo 1 bíe querer.
Adius que me bõu ambora,
Adius que me quTero ir:
Dá-me cá esses tõus braços,
Que me quíero despedira.
Manuol, por bé' las moças,
Fiz' una fuonte de prata :
Las moças nu bã a eilha,
Manuol todo se mata.
Manuol, por bé' las moças,
Fiz' una fuonte de bidro
:
Las moças nu bã a eilha,
Manuol ficou perdido-'.
L sol anda i de/anda,
Para tornar a nacer:
Yõu nú ando, ní de/ando,
Sou firme ne bie querer.
1 Originariamente devia ser nobe, o que se vê dos versos se-
guintes.
2 As três últimas cantigas ouvi-as em Lisboa a um homem de
Prado-Gatão; as outras ouvi-as em Duas-Igrejas a várias mulheres.
3 As duas últimas quadras ouvi-as a um homem de Prado-Gatão.
As mesmas cantigas noutras terras applicam-se a S. João.
324
Se 1 bíe querer se pagasse,
Quanto me stabas debendo
!
Ni cu quanto tenes me pagas
L bíé que te stou querendo.
You fui I que dixe a 1 sol,
Que nú tornasse a nacer,
Qu' á la bista d' esses tous olhos,
Que bê 1 sol acá fazer ?
Las streilhas menudicasi
Fazê 1 cíelo bíe cumposto
:
Todos me dizé que te deixe. .
.
Nú quiero nl ye míu gusto.
Se tu me quijesses bíe,
De la raíç d 1 coraçoQ,
Tu me benisses a ber,
Que las tardes bíe grandes sou .
.
L miu amor ye ú crabo,
Ybu bíe 1 sube scolher. .
.
Ne crabeiro nu hai outro,
Solo se tornar a nascer. .
.
L nome de Jo/é ye jóia
I 1 de Júlia jóia ye:
Quando me fala ã jóia,
Lhougo me Ihembra Jq/e.
Olhos negros, olhos brancos,
Olhos azules, olhos herdes,
Ls olhos acastanhados
A poucas caras Is bedes.
Ls olhos negros sou traidores,
Ls brancos soii lijunjeiros^,
Ls olhos acastanhados
Esses sou ls berdadeiros.
' «Miudinhas».
- «Lisongeiros».
3-25
Siote-streilho rundador,
Capa de quíe se quíer bíe,
Deixa banir' la nuite scura,
Que vou irei rundar tamie.
L siete-streilho bai alto,
Mais alto bai 1 Ihunar^,
Mais alta bai la fertuna
Que Dius tê para mos dar.
L siete-streilho bai alto,
Marie bai-te deitar:
Yõu tamiê fago3 1 mesmo,
P'ra manhana madrugar4.
b) Cantigas graciosas
S' tu biras el qu' you bi
Na ribeira de la bila
:
Binte cinco questureiras
A matar una formiga . .
.
S' tu biras el qu' you bi
Na ribeirinha d' Algo/o :
Binte cinco çapateiros
A cabalho num rapo/o-''. .
.
1 «Vir».
2 «Luar». ,
? «Faço».
\ As doze últimas cantigas foram traduzidas em mirandês por
uma pessoa da Póvoa, e copiadas para mim pelo Sr. Bernardo Fer-
nandes Monteiro.
5 A I.' d'estas cantigas, que ouvi em Duas-Igrejas, é uma va-
riação da conhecida sátira dirigida contra os alfaiates ; vid. sobre
esta as minhas Tradições populares de Portugal^ Z 262 ; e Revista
Lusitana, i, 256 (artigo do Sr. F. Adolfo Coelho), e 11, 84 (artigo
do Sr. Armando da Silva). A 2." cantiga parece ser, por sua vez,
variação da i.*
320
c) Cantigas devotas
I. Da Senhora do Monte
A Senhora do Monte venera-se em Duas-Igrejas: cf.
o vol. I d'estes Estudos, p. 82. Em sua honra se cantam
muitas cantigas portuguesas, algumas das quaes me dita-
ram naquella localidade, traduzidas pelo próprio povoem mirandês. Ei-las aqui:
O mie Birje > de 1 Monte,
Alhá sodes 2 una ró/a
:
La mais guapa na tíerra,
Ne cíelo la mais fermq/a.
O mie Birje de 1 Monte,
Chabeira de 1 Parai/o
:
La mocidade ye louca,
Sinhora, dai-mos juizo!
O mie Birje de 1 Monte,
Inda lá hei-de tornar.
Que me quedou la mantilha
Dobrada no bosso altar.
O mie Birje de 1 Monte,
Madrina de Santo Aleixo
:
Bós teneis na bossa beiga
U folharanco3 i ú freixo 4.
O mie Birje de 1 Monte,
Madrina de 1 melitar,
Ls suldados d' estas tierras
Nu les deixeis ambarcar!
1 Também se diz Birje e 5/Vjé (com um som final quasi igual
a -Tl.
2 «Lá sois».
3 «Olmo branco».
-1 Em Duas-Igrejas diz-se /re;.ro; noutras terras diz-se /re/íio
(cf. o vol. I d'estes Estudos, p. 12 5, nota i).
02"
Ó mie Birje de 1 Monte,
Teneis la fita burmeilha',
Que bos la dóru Is suldados,
Quando benírú d" Almeida.
Ó mie Birje de 1 Monte,
Teneis la fit" amaríelha,
Que bos la dóru Is suldados,
Quando beníru d' la guerra.
2. Da Senhora do Rosário
A r antrada de 1" eigreija
Resbalei, caí no adro:
Chamei po la mie madrina,
La Sinhora de 1 Ro/airo^.
3. De Santo António
Pára 1 sol i pára la Ihuna,
Pára tamié las streilhas
:
Parai bós, debino Sant' Antonho,
Bós sodes 1 capitã d" eilhas.
Debino Sant' Antonho,
D' onde benis tá õurbalhado?
Benís de por esses mundos,
De Ihibrar algO suldado?
Debino Sant" Antonho,
Santo miu de 1 coraçõG,
Tirai Is dientes a 1 rato,
Nu' me rompe 1 cerrou ^. . .
Estas três quadras ditou-mas um homem de Prado-
Gatão. Notam-se nellas certas liberdades, que o povo
I \'ariante de bermeilha.
- Esta quadra foi-me ditada por um homem de Prado-Gatão.
3 nÇurrão» (dos pastores). A boa maneira de escrever em por-
tuguês é com ç e não com s-.
328
muitas vezes toma para com os santos, o que tambémsuccede, por exemplo, com S. Pedro e S. João.
O Sr. Bernardo Fernandes Monteiro, de quem tanta
vez tenho fallado nesta obra, teve o incómmodo de tra-
duzir outras cantigas de Santo António, que adeante
transcrevo, nas quaes transparece o mesmo espirito
zombeteiro. Estas cantigas chamam-se lõuas em portu-
guês local. Pertencem á tradição da Póvoa. São assim:
Pare 1 sol, pare la Ihuna,
Párí tamíé las streilhas,
1 bós, debino Antonho,
Que sódes 1 capitã d' eilhas.
Ah debino Sant" Antonho,
Ai que fermq/b stais!
Bós i 1 bosso nino'
Nada bos acabais.
Bós nu me conheceis?
Yõu chamo-me Manoel;
Tengo una filha Ro/a,
I outra chama-se /abei 2,
Ah debino Sant' Antonho,
Santo de la mie debociõu,
Tirai Is díentes a is ratos,
Que me rompe 1 cerrou 3.
Ah debino Sant* Antonho,
Santo bíe abinturado^
Dai-me pêlo na cabeça,
P'ra que nu me chame pelado.
' "Menino».
2 = {D/abel.
3 Vid. p. 327, nota 3.
4 Também se diz biutura, com in-: cf. Gkammatica, p. 23S.
:»29
Ah debino Sant' Antonho,
Cara de jinja madura,
Fai hoje um anho '
Que passièstes Ia rúe.
Ah debino Sant' Antonho,
Santo d 1 miu coraçou,
Dai-me d' aqueilhas moças
Que Ihebais na preciõú^;
Nú me deis de las delantreiras.
Que sõQ múi repenicadas;
Ni tã pouco de las tra/eiras,
Que sõú bíelhas cansadas :
Dai-me de las de 1 meio
Que sou moças assentadas^.
Eiquí teneis este cordeiro,
Pequéinho i mal criado :
PoneÍ4 la culpa a 1 regidor,
Que nú 1 deixou andar ne prado.
L cordeiro nú ye miu,
Bós, Santo, bíe 1 sabeis,
Mas ye de 1 regidor. .
.
L pago bós 1 dareis.
4. C.\NTIG.\ AVULSA
Se furdes p'ra Dúes Eigreijas,
Nú téngad's pena ningúa?;
Adonde quíera^ stá Dius,
Nunca falta la fertuna:'.
1 "Anno».
2 Também se diz precessiõú, «procissão».
3 <c Sérias >.
4 « Ponde-'.
5 Assim ouvi, sem ;/, e não ningut^.7. No entanto a mesma pes-
soa dizia uiia.
6 Assim ouvi, e não qiierga (Grammatica, Z 438).
7 Esta quadra ditou-m'a um homem de Prado-Gatão.
33o
d) Adivinhas
As palavras portuguesas adivinha e adivinhação cor-
respondem em mir. adahina ou adebina, e adebinaciõU
(no pi. adehinaciones). Estas palavras mirandesas deri-
vam do verbo adabinar ou adebina r = a-debinar, dolat, divinare.No meu primeiro opúsculo, O Dialecto Mirandês,
Porto 1882, p. 3i, publiquei já algumas adivinhas. Asque tenho de novo para publicar aqui, são em númeromuito pequeno.
I. La lhengua
Conheço úna sinhora
Múi assinhorada:
Nunca sai á la rúe,
I síempre stá molhada.
2. La silba
Que serás, que serás?
Lhargo cum' ú sobeio',
Tê díentes cum"u coneilho2.
3. L RIU
Lhargo cum' ú camino,
Funga cum" íj cochino?.
ei A gaita de folie
Bi benir la gaita
A 1 cimo de 1 Ihugar:
Pou/ei la mie roca
4
I pus-m' a beilar.
' Correia com que se atam os bois ou vaccas ao carro. Cf.
hesp. sobeo, astur. sobeu.
2 «Coelho».
3 «Porco».
4 «Roca».
33 1
I tanto beilei
A la porta de 1 forno,
Tanto beilei
Que me dóru u bolho'.
Tanto beilei
Cuia gaita galhega,
Tanto beilei,
Que me namorei d' eilha.
Os precedentes versos, que me foram ditados por umapessoa de Duas-Igrejas, dizem-se ás crianças, quando co-
meçam a andar. São originariamente mirandeses, e não
traducção do português. Referem-se á famosa gaita
gallega.
f) Rifões e ditados
Em mirandês diz-se ri/rã, «rifão», no pi. rifranes
(cf. hesp. refrán)\ também pôde dizer-se adage, «ada-
gio». A palavra portuguesa ditados tem ahi a mesmaforma.
I
A quíe pinheira 2 i amassa
Nu le fúrã la fogaça.
Madalena tripa chena,
Por beilar perdiu Ia cena3.
Las forfaIhicas-4 de 1 cerrou
5
Pa la tarde honas soíi.
1 «Bolo...
2 "Peneira.) (verbo).
3 "Ceia.>.
4 «Migalhas». Cf. port. farfalhas.
5 "Çurrão.), sacola dos pastores.
332
4
Mais bale um paixarico ' na manoQue dous a bolar.
Pá i bino,
Anda camino.
Quíe cúonta ú cuonto
Acrecénta-l' Q puonto2.
7
Cesteiro que fai ú cesto
Fai ú ciento,
Dando-le herga (ou bxerga) i tíempo?.
8
Maio háia quíe mal de mi diç
:
Maio háia quíe mu 4 1 chega a 1 nariç.
' «Passarinho).
2 Diz-se puonto (ou ponto) e punto.
3 A forma ordinária d'este provérbio em português é:
Cesteiro que faz um cesto
Faz um cento.
Nos Adágios de Rolland vem assim :
Quem faz um cesto
Fará cento.
Todavia no N. de Portugal, por exemplo no Baixo-Douro e noBaixo-Minho, tenho ouvido também uma variante correspondente
á mirandesa
:
Cesteiro que faz um cesto
Faz um cento,
Dando-lhe verga e tempo.
O ultimo verso é de certo mais moderno.
4 Por me. Influencia da labial.
o •> o:)ó:)
9
Nu' me fáis el niu trás de 1' oureilha
IO
Nu te fies ã perro que níi Ihadra,
Ni ã omi que nú fala.
1
1
Cada galho ã sou muradal ' tê muita força.
12
Antre primos i armanos
Nu' metas las manos.
i3
Filho sós,
Pai serás,
Cumo fazires,
Assi ancuntrarás (ou acharás).
•4
Quíe a las onze nú benir
Comerá de 1 que trair 2.
i5
Na tíerça, nl tou cochino mates, nT tue filha ca/es, ní túe tela urdas.
16
Lhuna nob' atrobejada
Trinta dies ye molhada.
'7
Quíe sembr' abrolhos cçlhe spinos.
í «Muladar», «monturo», «estrumeira".
2 Parece que ha aqui uma allusao á hora do jantar. Trair
«trouxer».
334
iS
Quie bona semiente sembra' bon trigo colhe.
Nu se cáçã truitas
A bragas 2 aíxutas.
20
Nesta tierra terruca3
Quíe nú trabalha nú manduca.
21
Se fures a Miranda,
Lhíeba 1 pã na manga.
Alhá, alhá riba,
Contra 4 la raia,
Stá una perra parida.
Que morde que rabia 5.
Todas las de Malhadas
Paridas i prenhadas^.
' " Semeia «.
? Braga era termo usado antigamente em mirandês. Quem medisse o rifão, pessoa já de idade, ainda em criança ouviu esse termo
na lingua commum. No correspondente adagio português costuma
substituir-se bragas por barbas, por se ter perdido a noção do
sentido primitivo de bragas.
3 Territca emprega-se aqui por causa da rima; todavia o suffixo
-uca de terr-uca existe noutras palavras mirandesas : vid. Gram-MATiCA, Z '78-
4 «De frente de« («para o lado de»). É o sentido do lat. contra,em expressões como contra Galliam.
5 Verbo rabiar, «estar zangada, raivosa». Outro ex.: stá u/rhi
que rabia. Cf. Grammatica, ;' 2(')4.
6 Quem for a Malhadas, basta dizer «Todas. . .
», para logo ser
corrido !
OJD
Dito da andorinha imir. aiidorina\ á tecedeira pre-
guiçosa.
24
Fui a 1 mar,
I bl de 1 mar,
La mie tela ne telar',
I la túe inda por filarz.
Preguiceira, que faziste^?
Estes rifões, que ouvi a pessoas da Póvoa e de Duas-
Igrejas, correm na tradição oral já com forma mirandesa,
e não foram traduzidas expressamente para mim. Podemaddicionar-se á pequena collecção que publiquei no opús-
culo O Dialecto Mirajidês, Porto 1882, pp. 33 e 34.
«A minha teia no tear»
«Fiar-j.
«Fizeste...
APPENDICE VI
Sobre o sendinés
Em additamento ao que neste volume, p. 'Ò4. sqq.,
escrevi sobre o sendinés posso aqui expor algumas
observações que ultimamente fiz, conversando no Porto,
em Outubro de 1900, com o Sr. Dr. Aleixo Guerra,
natural de Sendim, e que falia perfeitamente o seu dia-
lecto natal.
a) O tratamento mais geral na conversação é na3.'' pess. do sing., e não na 2.^ do pi., como em mi-
randês normal; ex.: sentes' ende («sente-se ahi»), fal-
lando-se a outrem.
b) Existem duas espécies de /; um, igual ao / por-
tuguês commum; outro, igual ao z ou e mirandês (vid.
Grammatica, pp. 173-174). Represento o primeiro por
i, e o segundo por i. O som lat. 1 torna-se em send. i;
o som lat. e torna-se em send. /. Exs.:
Lat. / Send. i
thlu-
fílu-
flliu-
338
Ao german. lista corresponde lista. É assim que lista
não rima com Jista. Cf. Grammatica, § 5o.— Corres-
pondentemente ao port. crista diz-se em send. crista,
como se na palavra latina respectiva houvesse I; igual-
mente se diz em send. Cristo < Chrlstus, com o mesmo /.
c) Factos análogos se dão com u o. ô latinos, que
estão representados em sendinês respectivamente pelo
som mir. ú «> o, Grammatica, p. 177), e por u nor-
mal português. Exs.:
Lat. u Send. ú
uva úba (= pba)
n u d u s des-niido (= desnodo)
c LI p a ciiha {= cpba)
Lat. ò Send. u
forte- furte
b ò n u - buno
Igualmente: ru < > port. rua. Correspondentemente
ao it do port. cru:{, diz-se em send. crúç, como se esta
palavra tivesse em latim u longo.— Cf. Grammatica,
§ 68.
d) O -g- < -c- está em sendinês representado pela
semi-vogal y, igual ao ;' mirandês; ex.: fij'o < ficu-,
comiyo <> cum -)- mecu- sob a influencia do i de
mihi (vid. Grammatica, 5 54-^). Ficam assim interpre-
tadas as formas que cito neste volume, p. 40, nota: o
primeiro i que ahi se lê em amiio, cumtiio, o. o e que
se lê em ciinteyo, comeyo, ameio e feio tem o mesmovalor,— o qual é i = ^. Essas palavras podem escre-
ver-se cuniçro ou ciintifo, etc.
e) A dúvida que neste volume, p. 36, nota 2, pro-
pus á cerca do -ao em sendinês, desfi-la agora com o
Sr. Guerra, que me assevera que nesse dialecto se diz
mulão («melão»), testão («tostão»), j\ipa:^ão, embora no
plural lhe corresponda -ones: mulones, iestones, rapa-
339
^oues, phenomeno semelhante ao que se passa em por-
tuguês, onde á moderna terminação singular -ao cor-
responde a antiga terminação plural -Õcs.
f) Em virtude do que se notou a cima, no § b, diz-se
em send. iuga (em duas svllabas iu-ga) com i port. e o
ditongo iu, como em send. miii (em mirandês normal é
porém iugã e mhi). A palavra send. tio « lat. thiu)
e a palavra send. miu « lat. meu-), não rimam entre
si, porque na primeira ha i e dissyllabo, e na segunda
ha i e ditongo.
g) Ao V mirandês em yõii corresponde em sendinês
um som diíferente, que represento por y; este som
ouve-se dialectalmente na Hespanha na palavra yo.
h) Alem d'estas dijferenças, e das mais que assignalei
neste volume, p. 34 sqq., não conheço outras entre o
sendinês e o mirandês normal; aquelle tem, como este:
põuco^ stõu; distingue ç de s, como /'de {,• nelle o ditongo
/// não é nasalado em muito; o artigo definido é / no
singl.. Is no pi. {l poço, a Is poços, be l riu)\, não existe
è nem ó portugueses, mas e e ó hespanhoes, etc.
Talvez, sem grande inconveniente, pudéssemos deixar
de considerar o sendinês como sub-dialecto do mirandês,
e pudéssemos pelo contrário collocá-lo na mesma escala
que este em relação aos outros idiomas vizinhos. Comefteito, se elle apresenta phenomenos importantes que
o ligam ao mirandês normal, taes como a manutenção
do -L- e -N- latinos, e apresenta outros que são evolução
adeantada ou desvio dos do mirandês, taes como -i =mir. -ie, -u = mir. úe, -i = mir. -íe, -11 = mir. -iip,
tem também caracteres que o separam bastante, taes
como /- = mir. Ih-, e -ão = mir. -õú. Vinha assim a
haver na raia trasmontana quatro idiomas populares
especiaes: rionorês, guadramilês, mirandês e sendinês.
340
Mas, de qualquer maneira que consideremos o sen-
dinês, ou como sub-dialecto do mirandês, ou comoco-dialecto do português (todas as classificações, seiam
de que natureza forem, ofterecem de ordinário incon-
venientes), o facto que importa notar é a relativa inde-
pendência de alguns phenomenos do sendinês a res-
peito dos que no mirandês normal lhes ficam parallelos,
e ao mesmo tempo o ar de familia que se manifesta
em todas as falias raianas.
índice
PARTE III
Theoria do miraadés
I. Origem do mirandês, condições em que se constituiu, e
sua evolução geral 3
II. Variedades dialectaes do mirandês 27
III. Caracteres e classificação do mirandês 43
PARTE IV
Camoniana mirandesa
Advertência 81
I. Género lyrico i excerptos 1
:
I. Tu q' eras la mie alma 87
II. Quíero que me roubeis V alma 88
III. Pus Is mius olhos núna funga 89
IV. Hái ú bíe que chega i tuge 90
V. Ls bonos bi-los síempre 91
VI. Perdigoú perdiu la pruma 92
VII. Inda nu podo coincer gS
VIII. L trabalh' unrado 94IX. Aqueilha cautiba (traducção em verso e em
prosa) 95
X. Berdes soíi ls campos qn
'H'^
II. Género épico (excerptos)
:
Proposição dos Lusiadas (traducção em verso) loi
Proposição dos Lusiadas (traducção em prosa) 102
Excerptos vários 104
Façanha de Egas Moniz 106
Morte de D. Inês de Castro 109
A batalha de Aljubarrota 1 15
Aventura de Velloso 121
Traços autobiographicos de Camões :
1. Nasce Camões junto do Tejo.— Começando por
cultivar na poesia o género lyrico, passa a cul-
tivar o épico, e emprehende a composição dos
Lusiadas i25
2. F"alla das suas viagens em geral, e desgraças .... 126
3. Naufraga no rio Mecom, na costa de Camboja.. . 127
4. Continua escrevendo o poema.— Difficuldades do
assunto.— Só cantará a honra e a glória 12S
3. Epocha em que conclue o poema i3o
6. Desânimos ao terminar os Lusiadas i3o
7. Synthetiza os factos capitães da sua vida, e offe-
rece-se ainda para cantar as acções futuras de
D. Sebastião 1 3
1
III. Género dramático (excerptos):
Do auto de El Rei Seleuco i35
Do auto de Filodemo 137
IV. Cartas em prosa (excerpto)
:
Carta 141
PARTE V
Vocabulário etymologico
Observação preliminar 147
Serie dos vocábulos 149
APPENDICESAppendice I :
Documentos antigos que se referem á Terra-de-Miranda
:
1. Ao Moesteiro de Moreirola: doaçam do Regemgo que
se chama Infanys e Costamtino acerca de Surraga
em termo de Miranda etc, com encarrego de huú
aniversairo em cada huú anno [sec. xiii] 229
.^.^
2. A Pêro Memdez, caualeiro : doaçam do Regemgo de
Miranda de Senhorio de Hulgoso .s. Atenor e Pala-
ciola com tall condiçam, etc. [sec. xiii] 23
1
3. [Extracto das Inquirições de D. Atfonso III (sec. xui)] 23^
4- Carta de foro duQ lugar que chama Villar en Terra
de Mirada, que e chamado Lagõaça [sec. xiv] 233
5. Carta per que El Rey fez merçee aos moradores e vi-
zinhos do Cõcelho de Mirada, e per que os Caualei-
ros dEspada Cinta seiá seus uassallos e que aiã seus
marauidis, e outrossi como todos os vizinhos da dita
vila seiá esscusadós de todo foro Real "sec. xiv] . . . 23t">
6. [Inquirições que Fernão de Pina tirou em Miranda,
para se lhe dar novo foral (o de i5io)] 23/
7. Demarcaçã do termo da vjlla de Myranda do Doiro
diocisv do arcebispado de Braga "sec. xvf 23q
8. [Notícia de um mestre de grammatica da Terra-de-
Miranda no tempo de D. Sebastião (sec. xvi)] 233
Appendice II:
Apreciações litterarias mencionadas no vol. i, pp. 22-23:
.4) Cartas particulares 253
B) Artigos impressos 237
Appendice III :
Communicação feita ao Congresso Internacional de Scien-
cias Geographicas pelo Sr. Gonçalves Vianna, emParis, em 1889, a propósito de um mappa linguis-
tico da Europa 269
Appendice IV:
Additamentos ao vol. i d'estes Estudos 278
Appendice V:
Litteratura mirandesa local
:
I. Sturiano i Marcolfa (entremês— por Francisco Gar-
rido Brandão)
:
Profecia 283
Entremês propriamente dito 287
Notas ao entremês 3o3
II. Tradições populares mirandesas :
^4) Contos (e fabulasl
:
1. Conto de Marie de 1 Paio 3o()
2. Conto da princesa e da velha 3 16
3. Fabula da vacca e do lobo 3 1
8
4. Fabula da raposa e da cegonha 3 19
3. Fabula do mocho e da raposa 319
344
B) Cancioneiro mirandês
:
a) Cantigas de amor 320
b) Cantigas graciosas 325
c) Cantigas devotas
:
1. Da Senhora do Monte 326
2. Da Senhora do Rosário 327
3. De Santo António 327
4. Cantiga avulsa 32o
d) Adivinhas:
1 . La Ihengua 33o
2. La silba 33o
3. L riu 33o
e) A gaita de folie 33o
/) Rifões e ditados 33
1
Appendice VI :
Sobre o sendinês 33?
Acabou de imprimir-se
Aos 16 dias do mez de março do anno
M D C C C C I
NOS PRELOS DA
Imprensa Nacional de LisboaPARA A
COMMISSÃO EXECUTIVA
DO
CENTENÁRIO DA ÍNDIA
I
PC Leite de Vasconcellos54.01 Pereira de Mello, JoséL3 Estudos de philologiaV.2 mirandesa
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