Post on 22-Jul-2015
Patricia BiegingRaul Incio Busarello
ORGANIZADORES
Experincias de consumo
contemporneo pesquisas sobre mdia e convergncia
So Paulo, 2013
Copyright Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.
Raul Incio Busarello, MSc.Capa e Projeto Grico
Patricia Bieging, MSc.Editorao Eletrnica
Prof. Dra. Gilka Elvira Ponzi GirardelloComit Editorial
Prof. Dra. Marlia Matos Gonalves
Prof. Dra. Vania Ribas Ulbricht
Ligia Stella Baptista Correia, MSc.
Patricia Bieging, MSc.
Raul Incio Busarello, MSc.
Autores e OrganizadoresReviso
Patricia Bieging, MSc.Organizadores
Raul Incio Busarello, MSc.
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Esta obra licenciada por uma Licena Creative Commons: Atribuio Uso No Comercial No a Obras Derivadas (by-nc-nd). Os termos desta licena esto disponveis em: . Direitos para esta edio cedidos Pimenta Cultural pelos autores, conforme as normas do edital da chamada pblica de trabalhos realizada em 2012 para esta obra. Qualquer parte ou a totalidade do contedo desta publicao pode ser reproduzida ou compartilhada. O contedo dos artigos publicados de inteira responsabilidade de seus autores, no representando a posio oicial da Pimenta Cultural.
PIMENTA COMUNICAO E PROJETOS CULTURAIS LTDA ME
So Paulo SP
Fone: (11) 96766-2200 (11) 96777-4132
www.pimentacultural.com
E-mail: livro@pimentacultural.com
2013
E964 Experincias de consumo contemporneo: pesquisas sobre mdia e convergncia / Patricia Bieging, Raul Incio Busarello, organizadores. - So Paulo: Pimenta Cultural, 2013. 221 p..
Inclui bibliograia ISBN: 978-85-66832-00-6
1. Convergncia da Mdia. 2. Transmdia. 3. Consumo. 4. Redes Sociais. 5. Comunicao. 6. Identidade. 7. Criana. 8. Publicidade. 9. Novas Mdias. I. Bieging, Patricia. II. Busarello, Raul Incio. III. Ttulo.
CDU: 659.3 CDD: 300
SUMRIO
Prefcio ............................................................................................................................ 05
Captulo I
Convergncia e eroso de espaos no meio rural portugus
atravs do consumo das novas mdias ................................................................ 08
Ana Melro e Ldia Oliveira
Captulo II
Territrio hipermediatizado e convergncias multilocalizadas:
dialtica entre terra e nuvens .................................................................................. 28
Vania Baldi e Ldia Oliveira
Captulo III
Visualizao da informao por meio da infograia digital: uma
anlise sob o ponto de vista da semitica peirceana ..................................... 47
Mariana Lapolli, Tarcsio Vanzin e Vania Ribas Ulbricht
Captulo IV
Publicidade infantil nos indicadores de sustentabilidade para
agncias .......................................................................................................................... 63
Rosemri Laurindo e Aline Francielle dos Santos Oliveira
Captulo V
Consumo, infncia e marcas: estabelecendo vnculos atravs
das redes sociais digitais ........................................................................................... 81
Brenda Lyra Guedes e Slvia Almeida da Costa
Captulo VI
A mdia e o envolvimento das crianas na produo de contedo
cultural ............................................................................................................................. 106
Ligia Stella Baptista Correia
Captulo VII
Aprendendo a (vi)ver com a Capricho: no evento NoCapricho .................. 117
Gabriela Falco Klein
Captulo VIII
Virei um Big Mac: as classes CD e a vaidade fast food .................................... 135
Maria de Lourdes Bacha e Celso Figueiredo Neto
Captulo IX
Faniction: possibilidade criativa nos ambientes digitais ............................. 155
Beatriz Braga Bezerra
Captulo X
A subverso do sujeito: o produsurio nas interaes em rede
e relaes de consumo .............................................................................................. 173
Felipe Jos de Xavier Pereira
Captulo XI
Telenovela e transmidiao: o caso da temporada
Malhao Conectados ............................................................................................... 191
Patricia Bieging e Raul Incio Busarello
Sobre os autores .......................................................................................................... 212
05
sumrio
PREFCIO
Em uma poca em que a convergncia das mdias e as novas formas de consumo
e prticas culturais mudam a relao entre os sujeitos, tanto em um contexto
dentro ou fora da rede, torna-se essencial entendermos mais profundamente
como este fenmeno da convergncia miditica contribui e abre espao para a
participao, apropriao e produo de novos contedos pelos indivduos.
Considerando as formas contemporneas de produo e de expanso dos
contedos gerados pelos veculos de comunicao, pelos departamentos de
marketing das empresas e tambm pelos mais variados programas de rdio, de
televiso, pelo cinema e pelos dispositivos mveis, busca-se com este livro o
compartilhamento de pesquisas realizadas nas reas de consumo, convergncia
e novas mdias.
Apresenta-se nos diferentes captulos relexes sobre o que vem sendo produzido,
sobre as inovaes e sobre as formas de interao com o pblico. Alm de
estudos que evidenciam a participao ativa dos usurios nas redes sociais. Neste
livro so relacionados aspectos tericos por meio de um olhar que abrange o
mercado, a cultura e as prticas de consumo. Os captulos trazem o vis inter e
transdisciplinar de pesquisadores de campo da comunicao e reas ains.
Reletindo acerca dos fenmenos da comunicao, os quais transitam por
diferentes pensamentos terico-metodolgicos.
No captulo Convergncia e eroso de espaos no meio rural portugus
atravs do consumo das novas mdias, os autores abordam a questo do
consumo de novas mdias/crans por sujeitos nascidos nas dcadas de 60 e 70 e
residentes no meio rural portugus. Analisou-se o uso destas mdias em
ambientes como: trabalho, escola, lazer e famlia.
Com enfoque nos dispositivos mveis o captulo Territrio hipermediatizado
e convergncias multilocalizadas: dialtica entre terra e nuvens, traz uma
relexo acerca das relaes com o espao e as implicaes dos servios
georreferenciados nas dinmicas de apropriao do territrio. A pesquisa traz de
uma anlise do que os autores entendem como efeito boomerang. Partindo deste
06
sumrio
conceito, os autores fazem associaes dos contedos aos territrios de onde os
mesmo foram gerados e vinculados, os quais atravs de dispositivos tecnolgicos
voltam a materializar estes mesmos territrios, ganhando novos valores no
mbito comunicional e contextual.
Partindo do ponto de vista da semitica peirceana o captulo Visualizao da
informao por meio da infograia digital: uma anlise sob o ponto de vista
da semitica peirceana, traz a interpretao dos signos da tela inicial de um
infogrico digital, demonstrando as ambiguidades e as contradies presentes
no objeto.
Nos trs prximos captulos Publicidade infantil nos indicadores de
sustentabilidade para agncias, Consumo, infncia e marcas: estabele-
cendo vnculos atravs das redes sociais digitais e A mdia e o envolvimento
das crianas na produo de contedo cultural, a questo do relacionamento
das crianas e das mdias posta em debate. Na primeira pesquisa so reletidas
as questes da publicidade e do merchandising direcionado ao pblico infantil,
assim como a discusso acerca dos Indicadores de Sustentabilidade da
Comunicao. Na segunda so analisadas as estratgias das aes publicitrias
adotadas por empresas de grande destaque nacional, especialmente, com foco
nas redes sociais para chamar a ateno do pblico. Na ltima apresenta-se a
relexo sobre o papel do consumo de produtos culturais e na possibilidade da
participao ativa das crianas na produo de contedos.
O captulo Aprendendo a (vi)ver com a Capricho: no evento NoCapricho traz
a pesquisa e vivncia da autora durante o evento anual de msica realizado pela
Revista Capricho. Questes como consumo, convergncia e identidades so
problematizadas atravs da experienciao e observao da pesquisadora frente
a este meio e, principalmente, junto s jovens leitoras.
Na sequncia o captulo Virei um Big Mac: as classes CD e a vaidade fast food
traz uma pesquisa realizada com 420 indivduos da cidade de So Paulo, onde
so abordadas as questo da aparncia e da vaidade por consumidores das
07
sumrio
classes C e D. O estudo avalia a relao e as noes de beleza, sucesso proissional,
autopercepo do corpo, autoclassiicao do peso e prtica de atividades
fsicas e a relao entre percepo de sucesso proissional e importncia do cargo
exercido e materialismo pelos indivduos entrevistados.
Faniction: possibilidade criativa nos ambientes digitais traz uma relexo
sobre as redes digitais provenientes de ilmes brasileiros, tendo como objetivo
analisar as possibilidades de participao e interao dispostas pelos produtores
aos fs. Alm das aes de marketing adotadas que visam tal iniciativa.
A partir do conceito de produsurio, o captulo A subverso do sujeito: o
produsurio nas interaes em rede e relaes de consumo apresenta uma
relexo sobre as novas formas de interao, participao e produo dos sujeitos
frente s aes promocionais realizadas por grandes empresas, tanto do Brasil
quanto do exterior.
O ltimo captulo Telenovela e transmidiao: o caso da temporada Malhao
Conectados analisa como a narrativa apresentada na mdia televisiva serve de
apoio para que o telespectador utilize o ambiente da web como agente de
motivao e solidiicao do produto miditico. A pesquisa tem como foco
reletir sobre as possibilidades de interao entre o espectador e as formas
narrativas apresentadas.
Percorrendo diversas mdias e conceitos relacionados convergncia miditica,
s novas mdias e ao consumo, este livro convida os leitores a um mergulho em
estudos empricos e estudos de caso, que buscam contribuir para a relexo e a
discusso sobre a participao ativa dos sujeitos na construo coletiva de novos
contedos. Entender estas apropriaes e a nsia dos sujeitos por espaos que
permitam variadas formas de participao tambm entender a metamorfose
pela qual a sociedade contempornea, as mdias e os sujeitos experienciam as
prticas culturais e de consumo nos dias de hoje.
Patricia Bieging e Raul Incio Busarello
ana melro e ldia oliveira
convergncia e eroso de espaos nomeio rural portugusatravs do consumodas novas mdias
01
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 09
sumrio
A utilizao de novas mdias, como a televiso, o computador e o celular, comea
a ser um ato constante e irreletido por parte dos indivduos. Usam-se esses
artefatos para trabalhar, conviver, fomentar discusses, reunir com algum,
alimentar tempos mortos Um ininito nmero de motivos que conduzem a
que seja cada vez mais difcil passar tempos prolongados sem se estar em contato
com um desses artefatos.
A relao persistente entre dispositivos e indivduo origina alteraes profundas
na vida deste, nos seus modos de trabalhar, passar momentos de lazer e familiares,
tais que, por vezes, nem as fronteiras se encontram bem deinidas entre esses
diferentes tempos e espaos. Alis, Urry (2000) considera mesmo que esta
disrupo temporal ocorre de um modo mais profundo, onde () o futuro cada
vez mais parece dissolver-se num presente alargado. (URRY, 2000, p. 128,
traduo nossa).
Para se adaptar, o indivduo precisou redeinir os seus tempos e espaos, bem
como integrar as novas mdias em todas as atividades e tarefas. Ver o e-mail,
consultar as redes sociais, atender telefonemas de trabalho ou de familiares e
amigos, assistir televiso, aceitar o convite para uma festa, uma exposio, uma
pea de teatro ou mesmo comprar bilhetes para estas ltimas, todas elas deixaram
de ser atividades que apenas se podero desempenhar num local especico, mas
de uma forma que esses locais agora convergem todos num s, aquele onde o
indivduo se encontra, seja ele qual for e a que altura do dia for.
No meio rural portugus o panorama no muito diferente. H algumas
vantagens associadas ao fato de no se viver preso a tantos tempos vazios, como
o tempo no trnsito, ou de se poder ainda usufruir de atividades mais no exterior,
mas a apropriao das novas mdias tem sido realizada de forma bastante
intrusiva, com o celular e o computador (associados internet) a acompanhar os
ritmos dirios dos seus residentes que se encontram numa fase de vida ativa
proissional, familiar e socialmente.
Ser abordada a questo da redeinio dos tempos e espaos, devido utilizao
das novas mdias, no cotidiano da gerao dos indivduos nascidos entre 1960 e
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 10
sumrio
1970, ou seja, que tm entre 34 e 53 anos de idade. Esta redeinio dos tempos
e espaos origina uma alterao nas relaes sociais, pelo que tambm se iro
analisar as transformaes nas relaes sociais desses indivduos, residentes no
meio rural, decorrentes da utilizao frequente das novas mdias. Para o
enriquecimento deste estudo contribui a anlise de questionrios aplicados no
territrio rural (Portugal Continental e Ilhas).
Redeinio de tempos e espaos atravsda utilizao das novas mdias
Desde inais da dcada de 1950 que, em Portugal, tm ocorrido mudanas
profundas nos modos de fazer, viver e sentir. A integrao das novas mdias no
cotidiano primeiro a televiso, seguida do computador e, por ltimo, do celular
provocou uma mudana de prticas e uma nova compreenso do que
efetivamente importante acompanhar e manter atualizado. Para alm disso, com
a utilizao desses dispositivos, os indivduos tm uma noo diferente das
distncias, logo, do espao, da sua disponibilidade imediata e, por isso, do tempo.
Assiste-se, assim, a uma reorganizao individual e, consequentemente, social.
Thompson (1998, p. 36) airma que esta reorganizao social e societal uma
forma dos indivduos atingirem os seus objetivos, na medida em que a adaptao
s novas mdias uma obrigao presente e real, no permitindo que quem se
queira manter atualizado se desligue desta imposio. De um modo geral, diz o
autor que antes do desenvolvimento das indstrias da mdia, a compreenso
que muitas pessoas tinham de lugares distantes e passados era modelada
basicamente pelo intercmbio de contedo simblico das interaes face a face
(THOMPSON, 1998, p. 38). Harvey (1990) tem, inclusivamente, uma forma de
representar esta reestruturao global, que se poder aplicar conigurao das
relaes sociais, laborais e familiares, designado de mapa de reduo do mundo,
que pode ser veriicado na Figura 1.
O autor deine a diminuio do mundo atravs das velocidades mdias atingidas
pelos meios de transporte mais utilizados em cada uma das pocas, ou seja, a
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 11
sumrio
forma como a evoluo tecnolgica permite fazer-se o caminho de forma mais
clere, logo encurta as distncias entre espaos e diminui o tempo de viagem e
de encontro. Como refere,
Como o espao parece encolher numa aldeia global de telecomunicaes
e numa nave espacial terrestre de interdependncias econmicas e
ecolgicas e como o horizonte temporal encurta a um ponto em que o
presente tudo o que existe, temos que aprender a lidar com um esmagador
sentido de compresso dos nossos mundos espaciais e temporais. (HARVEY,
1990, p 240, traduo nossa)
A internet veio acelerar de forma exponencial este efeito de reduo do mundo.
Sendo que, apesar de todas as suas especiicidades, o mundo rural no ica de
fora desta dinmica. No que diz respeito ao meio rural, caracterizado pela sua
pluralidade de sentidos (FIGUEIREDO, 2011) e pelo seu carter idlico (FIGUEIREDO,
2003; BAPTISTA, 2011), a viso do construtivismo social considera que h uma
Figura 1: Mapa de reduo do mundo atravs das inovaes nos transportes que aniquilam o espao atravs do tempo. Fonte: Harvey (1990, p. 241)
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 12
sumrio
luidez e hibridez de espaos e lugares, bem como da sua relao com o tempo
neste meio (BRYANT E PINI, 2011, p. 5). O rural percebido como um espao onde
se pode ter um estilo de vida exterior, com harmonia, segurana, valores familiares
e coeso da comunidade, aqui entende-se o contraste com o estilo de vida
urbano (BRYANT E PINI, 2011, p. 6), considerado bem mais agitado. No entanto,
no que diz respeito utilizao das novas mdias, os residentes nos meios rural e
urbano no apresentam tantas diferenas assim. Como refere Fidalgo (1999),
pode-se dizer com propriedade que se assiste a uma libertao do homem
relativamente s distncias geogricas. (FIDALGO, 1999, p. 94), e essa libertao
decorre da utilizao dos meios tecnolgicos ao seu dispor, que tambm o
empurra para a parafernlia de exigncias simultneas que transportam consigo.
Na Figura 2 pode analisar-se um organograma do tempo realizado por Silva
(2010), no qual o tempo absoluto, enquanto construo social se divide em
tempo de trabalho e tempo livre absoluto. Este, por sua vez, subdivide-se em
tempo livre comprometido, semi-lazer e tempo de lazer descomprometido. Entre
o tempo livre e o de lazer surge, segundo o autor, um tempo online e no cran
(SILVA, 2008, p. 4).
Figura 2: Organograma do Tempo. Fonte: Silva (2010, p. 288)
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 13
sumrio
Apesar da existncia destes diferentes tipos de tempos, provavelmente os
indivduos no sentem estes limites entre uns e outros. A portabilidade associada
s novas mdias est na origem desta diluio de limites e fronteiras. A
portabilidade faz com que os dispositivos se tornem cada vez mais ubquos,
transparentes e invasivos, transportando com eles quaisquer que sejam os
espaos e os tempos para todo o lado. Por exemplo, o celular, nas palavras de
Ganito (2007), proporciona novos usos do tempo, novas formas de interaco
social e o esbater das barreiras espaciais (GANITO, 2007, p. 13). Ou, como refere
Ilharco (2007, p. 72, traduo nossa) o celular promete tornar tudo o que importa
permanentemente disponvel. Todo o espao uma localizao apropriada quer
para trabalho ou lazer. E para Dias (2007), o celular permite a fuso do espao
pblico com o privado, do real com o virtual e do local com o global (DIAS, 2007,
p. 83), nos quais o utilizador pode estar sem se encontrar efetivamente em algum
deles. Assim, h uma () possibilidade de prescindir do corpo, ou seja, poder
estar em dois locais ao mesmo tempo: o local fsico, onde se encontra, e o local
onde est atravs da conversa mediada (TEIXEIRA-BOTELHO, 2011, p. 75).
Estas potencialidades so associadas aos celulares, mas tambm aos
computadores, sobretudo, aos portteis, ainda mais quando a eles se junta a
internet. Aliado s comunicaes telefnicas, surge a consulta do e-mail e das
redes sociais quer pessoais, quer proissionais; a pesquisa de pginas de internet,
ou seja, d-se uma deslocalizao de todas as tarefas que antes se encontravam
bem deinidas no tempo e no espao, sendo que o que se perde em corpo
ganha-se em rapidez e capacidade de disseminar o eu no espao-tempo (SILVA,
1999, p. 1) na medida em que
A Internet simultaneamente real e virtual (representacional), informao e
contexto de interaco, espao (site) e tempo, mas que altera as prprias
coordenadas espacio-temporais a que estamos habituados, compactando-
as, ou seja, o espao e o tempo na rede existem na medida em que so
construo social partilhada. (SILVA, 1999, p. 1)
Atualmente, o tempo como antes era deinido e ocupado, deixa de fazer sentido.
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 14
sumrio
dada a possibilidade ao indivduo de estar constantemente conectado, sendo
esta lexibilidade temporal apenas quebrada pela rigidez dos contatos com
outros pases, por exemplo, com fusos horrios diferentes. Vilhelmson (1999)
apresenta uma proposta das atividades mais ixas e das mais lexveis em termos
de tempo e espao.
Figura 3: Aplicao do esquema de classiicao de atividades de acordo com os requisitos do tempo e do lugar: exemplos de atividades estacionrias. Fonte: Vilhelmson (1999, p. 181)
Pode, ento, dizer-se que o espao fsico tem sofrido alteraes no sentido da
integrao do ciberespao, o tempo delimitado deu lugar a um tempo hbrido,
quer no meio urbano, quer no meio rural. O tempo j no marcado pelo relgio,
mas pelas novas mdias e pelas atividades que necessrio realizar recorrendo
aos meios tecnolgicos, ou seja,
A ordem das aes esto desconectadas da linearidade do tempo e
reestruturadas no presente, e as funes de estrutura e sincronizao do
tempo-relgio so reduzidas e substitudas pela disponibilidade. Atravs da
conexo e disponibilidade a necessidade de coordenar atividades ou aes
de acordo com um padro comum conhecido como tempo-relgio
reduzido, e o tempo , por isso, entendido como algo imediato. (JOHNSEN,
2001, p. 67, traduo nossa)
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 15
sumrio
Redeinio das relaes sociais atravs da utilizao das novas mdias
Com todas as alteraes em termos de espao e tempo que foram analisadas na
seco anterior, quase que se torna bvio que ocorram tambm mudanas nas
relaes sociais, uma vez que estas se desenrolam sempre num determinado
tempo e espao (delineados com antecedncia ou no). Alis, ao contrrio das
indicaes, de certa forma, fatalistas, de que os indivduos estariam a se isolar por
detrs dos crans (GENTILE E WALSH, 2002), Arajo e outros investigadores (2009)
consideram que a Sociedade em Rede potencia as relaes de convivialidade
existentes, ao mesmo tempo que acrescenta novas formas de sociabilidade,
reforando mesmo as relaes sociais. (ARAJO, ESPANHA et al., 2009, p. 248).
Quando, virtualmente, um indivduo conversa com algum on-line ou procura
comunidades de partilha de contedos (blogs ou pginas de facebook, por
exemplo) essas aes so bastante objetivas para esse indivduo e para os que o
acompanham no ciberespao. A procura da partilha nesses espaos sempre
baseada num interesse e esse comum a todos os que o procuram e se mantm.
Isso seria mais complicado de ocorrer no mundo fsico, na rua, no trabalho, em
casa de familiares, amigos, ou outros locais mais pblicos como cafs, bibliotecas,
cinemas, por exemplo, os designados terceiros lugares (OLDENBURG, 1999),
onde o indivduo se integra nas conversas que ocorrem, sem ter sido, muitas das
vezes, ele a procurar os tpicos sobre os quais recai a conversa. Logo, nos cenrios
de comunicao mediada pelas crans, h uma conexo entre pessoas que evolui
ao longo do tempo, mas que diicilmente passa para o mundo of-line (CRUMLISH
E MALONE, 2009).
A fora dos laos sociais , ento, uma associao entre o tempo que se
disponibiliza relao, a intensidade emocional, a intimidade e a reciprocidade
dos atos relacionais (GRANOVETTER, 1973, p. 1361), fatores vistos de forma
positiva e simtrica. Com os contornos que tm, na sociedade contempornea,
as relaes sociais, na qual os indivduos interagem com quem conhecem ou
desconhecem, no sendo necessrio deterem informao acerca do seu passado
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 16
sumrio
para que uma conversa e contatos frequentes sejam estabelecidos, como era nas
sociedades tradicionais (ALMEIDA, SILVA et al., 2011, p. 414), aquelas caractersticas
dos laos sociais passam a fazer sentido atravs de mediao tecnolgica.
Naqueles laos ou relaes sociais esto, por isso, sempre, includas relaes
tecnolgicas, em perfeita simbiose, de tal forma que, como dizem Law e Bijker
(1992), relaes puramente sociais so encontradas somente na imaginao dos
socilogos, entre os babunos, ou possivelmente, em praias de nudistas; e
relaes puramente tcnicas so encontradas somente nas descobertas
selvagens da ico cientica (LAW E BIJKER, 1992, p. 290, traduo nossa). Talvez
esta viso seja tecnicista demais, no entanto, no possvel considerar muitas
das relaes sociais que ocorrem com recurso s novas mdias sem que se pensem
que antes delas ocorre uma relao tecnolgica e que, por isso, esto ambas
intimamente ligadas. E como de pessoas que se fazem as relaes sociais, ento,
nas relaes tecnolgicas esto tambm includas essas mesmas pessoas. uma
trade que, sendo virtual, no sobrevive sem um dos seus elementos.
Atualmente, as conexes so mais intensas, porque tambm so mais ilimitadas,
constantes e contnuas. So, por isso, provavelmente, mais hiper-reais (TEIXEIRA-
BOTELHO, 2011, pp. 56-57). O estudo Social Isolation and New Technology. How
the internet and mobile phones impact Americans social networks (HAMPTON
et al., 2009), analisa a forma como a tecnologia e outros fatores esto relacionados
com a dimenso, a diversidade e o carter das redes sociais. Este estudo, cuja
amostra foi de 2.512 adultos, residentes nos Estados Unidos concluiu que, a
utilizao da internet e de redes sociais contribuiu para aumentar e diversiicar as
relaes sociais dos envolvidos (HAMPTON et al., 2009), ou seja, para alm da
realidade associada aos contatos no mundo fsico, junta-se uma hiper-realidade,
a das redes sociais virtuais, que transforma as relaes sociais em algo mais
abstrato e difuso.
Assim, as relaes sociais podem, hoje, ser desenvolvidas atravs de chamadas
de voz ou vdeo, por escrito, atravs do e-mail, salas de chat ou mensagens de
texto (SMS"1"); os contatos podem, por isso, ser sncronos ou assncronos; e podem
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 17
sumrio
ser desenvolvidos enquanto o ou os indivduos esto num local ixo (computador
ou telefone ixo) ou quando esto em movimento (celular, computador porttil
ou tablet) (VAN DEN BERG, ARENTZE et al., 2012, p. 990). Estas relaes, apesar de
modernizadas, porque se modernizaram os meios que as sustentam, mantm
caractersticas tradicionais, como a reciprocidade. Se algum envia uma SMS
espera uma resposta, como espera tambm que a outra pessoa retribua a
chamada que no conseguiu atender, por exemplo (TEIXEIRA-BOTELHO, 2011, p.
64).
Conclui-se que, apesar dos inmeros estudos que vm sendo realizados em
torno desta temtica das relaes e das redes sociais, este um tpico que ainda
ter de ser mais explorado, no s para entender a forma como os indivduos
agem em determinadas situaes, como esperam que o outro o faa. Como se
referiu, so fenmenos sociais que j possuem caractersticas das sociedades
modernas, sobretudo, o meio que as alimenta e lhes d vida (os suportes onde
ocorrem), mas que ainda no se libertaram das caractersticas mais tradicionais
das sociedades indgenas (como o potlatch (sistema de trocas) de Marcel Mauss)
e isso confere-lhes um carter de ritual, no qual apenas os envolvidos se entendem
e entendem o que se passa e o que devem fazer a seguir para que tudo decorra
dentro da normalidade que esto habituados.
Apresentao dos resultados
Na investigao aplicaram-se questionrios. Foram selecionados 13 municpios
rurais: Macedo de Cavaleiros, Vieira do Minho Norte; Sabugal, Penela Centro;
Nisa, Odemira, Mrtola Alentejo; Vila do Bispo, Alcoutim Algarve; Nordeste,
Lajes do Pico Regio Autnoma dos Aores; e, Porto Moniz, Santana Regio
Autnoma da Madeira, dos quais se fez um estudo das escolas existentes. A partir
das escolas, e da aplicao dos questionrios aos alunos dos 2 e 3 ciclos e
secundrio"2", foi solicitado que os seus pais e avs tambm preenchessem o
questionrio. No total foram validados 1.151 questionrios de trs geraes, dos
quais se apresentam os resultados referentes aos pais, a gerao dos indivduos
nascidos nos anos 1960 at inais dos anos 1970, um total de 401 questionrios.
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 18
sumrio
Relativamente caracterizao sociodemogrica dos respondentes, das 401
respostas, 100 eram de indivduos do sexo masculino e 291 do sexo feminino. 15
eram solteiros, 338 pertenciam ao grupo dos casados ou que viviam em unio
estvel, 160 estavam divorciados ou separados e 122 eram vivos. Em relao
escolaridade, a maior parte dos respondentes airmou ter o 9 ano (74 indivduos),
70 respondentes disserem ter o ensino secundrio, 61 o 6 ano, 57 a 4 classe e
com licenciatura havia 53 respondentes.
A situao proissional dos respondentes era, na sua maioria, de funcionrio
pblico (99 respostas), seguida de empregado por conta prpria (67 respostas),
em situao de desemprego estavam 54 indivduos e trabalhadores
administrativos ou dos servios eram 42. A opo Outra situao fora
mencionadas em 68 respostas.
Os Pais tinham entre 24 e 62 anos (esto aqui includas respostas dadas de
indivduos nascidos nas dcadas de 1950 e 1980, no entanto, so pouco
signiicativas estatisticamente). A mdia das idades situa-se nos 44 anos (desvio
padro de 6,041). A Tabela 1 mostra a distribuio dos respondentes de acordo
com as faixas-etrias.
Idade N %
21 a 30 4 1,0
31 a 40 111 27,7
41 a 50 222 55,4
51 a 60 40 10,0
61 a 70 3 0,7
No respostas 21 5,2
Total 401 100,0
Tabela 1: Faixa-etria dos respondentes
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 19
sumrio
Analisando agora a aquisio das novas mdias pelos respondentes, veriica-se
pelo Grico 1 que a maior parte deles adquiriu o computador, a internet e o
celular j na dcada de 2000, enquanto que a televiso 34,2% dos indivduos
Sempre se lembra de ter em casa. Este aspecto poder ter inluncia na forma
como as mdias so utilizadas, em conjunto com outras caractersticas como a
portabilidade, a localizao no espao casa, entre outras.
Para a compreenso da opinio sobre as relaes sociais dos respondentes,
procedeu-se a uma anlise descritiva dos questionrios. Conclui-se que apenas
9,2% (37 respondentes) considera que as relaes sociais nos dias de hoje, com a
utilizao das novas mdias esto mais presenciais, no entanto, 58,9% considera
que esto mais virtuais (236 respondentes). Alis, 158 respondentes (39,4%) da
opinio de que, no s as relaes sociais esto diferentes do passado, como
esto piores, contra 93 indivduos (23,2%) que considera que essa diferena foi
para melhor. Nesta anlise ainda importante incluir a opinio dos respondentes
relativamente s relaes intergeracionais familiares. Dos dados recolhidos
possvel veriicar que a maior parte dos respondentes considera que as relaes
entre avs e netos, pais e ilhos e entre irmos se mantm iguais ao perodo em
que no utilizavam as mdias. No entanto, h ainda uma percentagem bastante
Grico 1: Ano da primeira mdia (adquirido ou oferecido), em %.
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 20
sumrio
elevada que da opinio de que essas relaes esto mais prximas ou prximas.
Por exemplo, nas relaes dos avs e netos so 19,2% e 20,7% que se incluem
nestas opes de resposta, em oposio a 35,4% que as considera iguais. Nas
relaes entre pais e ilhos so 28,2% e 19,2% contra 28,7% e, por ltimo, quanto
s relaes entre irmos, 25,9% e 22,7% consideram-nas muito prximas e
prximas, respetivamente, e 29,2% iguais. A percentagem de indivduos que
considera as relaes intergeracionais familiares distantes ou muito distantes
nunca ultrapassa os 10%.
No que respeita ementa diria de consumo das mdias, a maior parte dos
respondentes utiliza a televiso (93,3%), o computador (48,4%), a internet (43,4%)
e o celular (89,5%) diariamente. E, durante o dia, a utilizao da televiso
realizada pela maior parte dos respondentes, entre 1 e 3 horas (56,9%), do
computador, da internet e do celular menos de 1 hora (31,2%, 39,2% e 59,6%,
respetivamente). Para alm disso, os respondentes consideram ainda que se
residissem em meio urbano, a utilizao da televiso (58,1%), do computador
(54,9%), da internet (52,4%) e do celular (66,3%) seria igual.
A convergncia de espaos e tempos devido utilizao das novas mdias foi
outro dos tpicos que se pretendeu explorar com a aplicao do questionrio.
Numa escala entre Concordo totalmente e Discordo totalmente, os indivduos
deveriam assinalar a opo que melhor se aplicava sua situao relativamente
s frases que lhes eram facultadas. Na Tabela 2 so apresentados os resultados.
Contexto CT C D DT NO NA NS/NR
O fato de ter computador porttil faz com que traga muitas vezes trabalho para casa
29 51 82 38 9 150 19 N.
7,2 12,7 20,4 9,5 2,2 37,4 4,7 %
Respondo a e-mails pessoais no trabalho 11 60 69 53 7 154 21 N.
2,7 15,0 17,2 13,2 1,7 38,4 5,2 %
Acesso s redes sociais no trabalho 6 27 73 71 18 161 18 N.
1,5 6,7 18,2 17,7 4,5 40,1 4,5 %
Vejo televiso no trabalho 3 30 79 87 18 144 15 N.
0,7 7,5 19,7 21,7 4,5 35,9 3,7 %
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 21
sumrio
Veriica-se que a opo mais assinalada foi a NA (No se aplica minha situao)
para todas as frases. Tal poder signiicar que, no desempenho da atividade
proissional, os respondentes no precisam recorrer utilizao das novas mdias
e, como foi possvel perceber na caracterizao sociodemogrica, um elevado
nmero de respondentes encontrava-se em situao de desemprego, logo era
difcil responder a algumas destas questes. Seguidas destas respostas, as mais
facultadas situam-se na opo de discordncia, o que signiica que os
respondentes no so da opinio de que ocorra uma convergncia entre espaos
to acentuada como esperado, exceto quando em frias vem informao sobre
trabalho na internet, em que 15,7% airmam fazer; ou quando airmam que
interrompem a atividade que esto realizando no trabalho para atender o celular,
a opo que teve 20% de concordncia.
Discusso dos resultados e consideraes inais
Os resultados apresentados mostram que o consumo das novas mdias bastante
frequente (numa base diria) na gerao dos indivduos nascidos nas dcadas 60
e 70. Na realidade, se pensarmos que so pais, indivduos em idade ativa (de
trabalho) e com uma rede de contatos diversa, compreende-se que assim seja,
uma vez que necessitam estar atentos s necessidades dos ilhos, responder a
responsabilidades laborais e estar a par do que se passa com a sua rede de amigos
e familiares.
Ao se reletir sobre as mudanas que esta utilizao diria das novas mdias
trouxeram, uma das mais evidentes a interferncia nas dinmicas de percepo
do tempo e do espao. De forma mais explcita, o dia tem as mesmas 24 horas
Quando vou de frias vejo informao sobre o trabalho na internet
16 63 70 57 14 142 15 N.
4,0 15,7 17,5 14,2 3,5 35,4 3,7 %
Quando estou trabalhando interrompo o que estiver a fazer para atender o celular
20 80 89 59 18 92 17 N.
5,0 20,0 22,2 14,7 4,5 22,9 4,2 %
Tabela 2: Opinio relativamente utilizao das mdias nos diferentes contextos"3"
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 22
sumrio
que tinha antes da disseminao do uso das novas mdias em grande escala
pelos indivduos, estes passaram a ter acesso a computadores ixos e portteis,
celulares, tablets, leitores de livros (e-book readers), jogos ixos e portteis,
televiso, leitores de msica e de vdeo portteis e ixos, ou seja, um grande
nmero de opes de hardware que podem utilizar para realizar as tarefas
laborais, familiares e de lazer, sobretudo se se considerarem igualmente as
possibilidades de software que lhes esto associados (aplicaes, pginas de
internet, redes sociais, programas, etc.). Sendo o tempo que tm disponvel o
mesmo, tendencialmente, deixaro de existir momentos mortos ou invisveis,
na medida em que as rotinas passaram a usufruir das potencialidades de cada
meio tecnolgico, que alarga o horizonte cognitivo e relacional.
O que antes eram atos contnuos, sem interrupes, agora so cada vez mais
tarefas permanentemente interrompidas pelo celular, por alguma notiicao
recebida na agenda ou na rede social, um novo e-mail. Estas suspenses so cada
vez mais frequentes e, por isso, como refere Boaventura de Sousa Santos (2002
[2000]), as rupturas e as descontinuidades, de to frequentes, tornam-se rotina e
a rotina, por sua vez, torna-se catastrica. (SANTOS, 2002 [2000], p. 39). Os
indivduos comeam a se habituar a esta nova agitao, algo que tambm
acontece a quem reside no meio rural. A televiso ocupa a maior parte dos
momentos familiares, ou ento serve como pano de fundo quando esto
realizando outra qualquer tarefa, o computador ocupa o dia de trabalho, bem
como o celular e a internet. A necessidade da multitarefa est tambm associada
a esta parafernlia de meios ao dispor dos indivduos, que na urgncia de usufruir
de tudo e de fazer tudo, acaba por precisar emparelhar vrias tarefas.
A multitarefa est associada eroso dos espaos, como se veriicou, sobretudo
utilizao do celular. Alis, este dispositivo vive com os indivduos como uma
segunda pele, como diz Ilharco (2007), como o celular porttil, pode-se dizer
que est localizado com o nosso corpo. () o celular est acoplado a ns e
pertence nossa acoplao no mundo (ILHARCO, 2007, p. 69, traduo nossa).
Esta caracterstica potencia a noo de disponibilidade imediata quer para quem
entra em contato, quer para quem est com o celular ou o e-mail, sempre
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 23
sumrio
comunicveis, deixando de ser necessrio esperar por horas especicas para falar
com algum. O que cria a necessidade de cruzar contextos e perodos temporais,
interromper tarefas numa base constante e adaptar-se multitarefa.
As relaes sociais so tambm um bom indicador dos tempos. Provavelmente,
os indivduos no esto mais isolados, procuram menos o exterior da casa, os
terceiros lugares, como cafs, bares, locais de encontro para conversar. No
entanto, como foi possvel ver nos resultados dos questionrios, as relaes
mantm-se na opinio dos respondentes, e, hipoteticamente, nada seria diferente
se residissem num meio urbano.
Para terminar, pode concluir-se que os habitantes do meio rural portugus,
nascidos nas dcadas 1960 e 1970, possuem os dispositivos tecnolgicos
caractersticos da contemporaneidade e incorporaram o seu uso das rotinas
cotidianas. Contudo, os dados mostram que ainda mantm uma separao
signiicativa entre os espaos: domstico, laboral e de lazer. As novas mdias no
potencializaram de forma signiicativa, para estes indivduos, a eroso das
fronteiras reais e simblicas entre esses espaos-contextos. Os dados denotam
que h uma coabitao entre especiicidades dos lugares que no so violentadas
pela presena das novas mdias. Esta caracterstica denota uma especiicidade
do contexto rural onde o ndice de mobilidade substancialmente inferior ao
dos contextos urbanos onde as pessoas tm de fazer grandes e/ou demoradas
deslocaes entre o lugar onde habitam e o lugar onde trabalham, com migraes
pendulares que geram grandes perodos de tempos intermdios relativos
espera dos transportes pblicos, numa viagem de txi, numa ila de trnsito, etc.
em que os indivduos ocupam esses tempos intermdios com o uso de
dispositivos mveis conectados internet que permitem aceder a informao e
estabelecer comunicao, redeinindo o signiicado do lugar, que passa a
coincidir com o prprio indivduo, que satura o tempo intermdio com prticas
sociais mediadas tecnologicamente.
No contexto rural, a conectividade ubqua no demonstra ter um forte impacto
na redeinio dos espaos, podendo assim os seus habitantes usufruir dos
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 24
sumrio
espaos de lazer para se divertirem e reporem as energias, dos espaos domsticos
para fortalecer os laos fortes familiares e dos espaos de trabalho para se
focalizarem nas tarefas proissionais. A lgica dos espaos hbridos promovidos
pela saturao do tempo pela tecnologia ainda no caracteriza o ecossistema
social do contexto rural. A comunicao mvel ainda no conseguiu homogeneizar
os espaos no contexto rural.
Notas
1. Short Message Service. (p. 16)
2. Em Portugal, os primeiros nveis de ensino so divididos em ensino bsico e secundrio. O ensino bsico contempla 3 ciclos: 1 ciclo de ensino bsico com a durao de 4 anos (do 1 ao 4 ano escolaridade - dos 6 aos 10 anos de idade); 2 ciclo de ensino bsico com a durao de 2 anos (5 e 6 anos de escolaridade - dos 11 aos 12 anos) e 3 ciclo de ensino bsico com a durao de 3 anos (7, 8 e 9 anos de escolaridade - dos 13 aos 15 anos). O ensino secundrio tem a durao de 3 anos (10, 11 e 12 anos de escolaridade - dos 16 aos 18 anos de idade). (p. 17)
3. Legenda: CT: Concordo totalmente; C: Concordo; D: Discordo; DT: Discordo totalmente; NO: No tenho opinio; NA: No se aplica minha situao; NS/NR: No sei/No respondo. (p. 21)
Referncias
ALMEIDA, P. et al. Connector: A Geolocated Mobile Social Service. In: CRUZ-
CUNHA, M. e MOREIRA, F. (Ed.). Handbook of Research on Mobility and
Computing: Evolving Technologies and Ubiquitous Impacts. Hershey, PA:
Information Science Reference, 2011. cap. 27, p.414-425.
ARAJO, V. et al. Uma nova identidade para o pequeno ecr: da televiso de
massa televiso em rede. In: CARDOSO, G.; ESPANHA, R., et al (Ed.). Da
Comunicao de Massa Comunicao em Rede. Porto: Porto Editora, v.18,
2009. cap. 9, p.243-265. (Comunicao).
BAPTISTA, F. O. Os Contornos do Rural. In: FIGUEIREDO, E. (Ed.). O Rural Plural -
olhar o presente, imaginar o futuro. Castro Verde: 100Luz, 2011. p.49-58.
(Territrios de Mudana).
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 25
sumrio
BRYANT, L.; PINI, B. Gender and Rurality. Nova Iorque: Routledge, 2011. 194.
CRUMLISH, C.; MALONE, E. Designing Social Interfaces. 1. Canada: O'Reilly
Media, 2009. 518.
DIAS, P. O impacto do telemvel na sociedade contempornea: panorama de
investigao em Cincias Sociais. Comunicao & Cultura, n. 3, p. 77-96, 2007.
DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. So Paulo: Editora Perspectiva, 1973.
FIDALGO, A. Nova Corte na Aldeia. Internet e ruralidade. In: RODRIGUES, D. (Ed.).
Dilogos Raianos - Ensaios sobre a Beira Interior. Lisboa: Edies Colibri, 1999.
p.89-99.
FIGUEIREDO, E. Um rural para viver, outro para visitar: o ambiente nas
estratgias de desenvolvimento para as reas rurais. 2003. 919 (Doutoramento).
Departamento de Ambiente e Ordenamento, Universidade de Aveiro, Aveiro.
______. Introduo: Um rural cheio de futuros? In: FIGUEIREDO, E. (Ed.). O Rural
Plural - olhar o presente, imaginar o futuro. 1. Castro Verde: 100 Luz, 2011. p.13-
46. (Territrios de Mudana).
GANITO, C. O telemvel como entretenimento. O impacto da mobilidade na
indstria de contedos em Portugal. Lisboa: Paulus Editora, 2007. 238.
GENTILE, D.; WALSH, D. A normative study of family media habits. Applied
Developmental Psychology, v. 23, p. 157-178, 2002.
GRANOVETTER, M. The Strength of Weak Ties. American Journal of Sociology, v.
78, n. 6, p. 1360-1380, 1973.
HAMPTON, K. N. et al. Social Isolation and New Technology. How the internet
and mobile phones impact Americans social networks. Pew Internet & American
Life Project. Washington. 2009.
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 26
sumrio
HARVEY, D. The Condition of Postmodernity. An Enquiry into the Origins of
Cultural Changes. Oxford: Blackwell, 1990.
ILHARCO, F. Where are you? A Heideggerian analysis of the mobile phone.
Comunicao & Cultura, n. 3, p. 59-76, 2007.
JOHNSEN, T. The instantaneous time. How being connected afect the notion of
time. IT-Users and Producers in an Evolving Sociocultural Context. Norberg: 62-
70 p. 2001.
LAW, J.; BIJKER, W. Postcript: technology, stability, and social theory. In: LAW, J. e
BIJKER, W. (Ed.). Shaping Technology/Building Society: Studies in Sociotechnical
Change. Cambridge: MIT Press, 1992. p.290-308.
OLDENBURG, R. The Great Good Place: Cafes, Cofee Shops, Bookstores, Bars,
Hair Salons, and Other Hangouts at the Heart of a Community. 3. Washington:
Marlowe & Company, 1999.
SANTOS, B. D. S. A Crtica da Razo Indolente: contra o desperdcio da
experincia. 4. So Paulo: Cortez, 2002 [2000].
SILVA, A. N. Jogos, Brinquedos e Brincadeiras. Trajectos Intergeracionais.
Contornos de um Estudo de Doutoramento. VI Congresso Portugus de
Sociologia. Mundos Sociais: Saberes e Prticas, 2008, Universidade Nova de
Lisboa. Associao Portuguesa de Sociologia. p.1-12.
______. Jogos, brinquedos e brincadeiras - Trajectos intergeracionais. 2010.
(Doutoramento). Instituto de Estudos da Criana, Universidade do Minho.
SILVA, L. O. D. Internet: a gerao de um novo espao antropolgico. Biblioteca
on-line de Cincias da Comunicao, 1999. Disponvel em: . Acesso em: 14 set.
2012.
CONVERGNCIA E EROSO DE ESPAOS NO MEIO RURAL PORTUGUS ATRAVS DO CONSUMO DAS NOVAS MDIAS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 27
sumrio
TEIXEIRA-BOTELHO, I. Gerao Extreme. Lisboa: Edies Slabo, 2011.
THOMPSON, J. A mdia e a modernidade: uma teoria social da mdia. Rio de
Janeiro: Vozes, 1998.
URRY, J. Sociology Beyond Societies - mobilities for the twenty-irst century.
Londres: Routledge, 2000.
VAN DEN BERG, P.; ARENTZE, T.; TIMMERMANS, H. New ICTs and social interaction:
Modelling communication frequency and communication mode choice. New
Media & Society, v. 14, n. 6, p. 9871003, 2012. Disponvel em: . Acesso em: 27 ago. 2012.
VILHELMSON, B. Daily mobility and the use of time for diferent activities. The
case of Sweden. GeoJournal, n. 48, p. 177-185, 1999. Disponvel em: . Acesso em: 16
nov. 2012.
vania baldi e ldia oliveira
territrio hipermediatizado e convergncias multilocalizadas: dialtica entre terra e nuvens
02
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 29
sumrio
O vestido duma mulher de Lhassano seu lugar um elemento visvel daquele lugartornado visvel
Wallace Stvens
Do espao ao territrio, do territrio ao lugar
No nos relacionamos com o espao puro, mas com o espao construdo
simbolicamente. Mesmo os espaos de natureza so apropriados a partir de um
quadro geocultural e geoemocional que vincula o indivduo ao territrio
enquanto lugar de sentido. O GeoCMS (Geospatial Content Management System)
cria a possibilidade de gerao de servios que suscitam um contexto a partir do
qual o usurio pode partilhar as suas experincias dos lugares, pode conhecer o
que os outros usurios sentiram, pensaram, sugerem numa lgica de cultura de
convergncia e participao (HAMILTON, 2009). Mas, tambm usufruir de servios
de realidade aumentada e de realidade acelerada que lhe permitem fruir de
modo intensivo das dinmicas fenomnicas do lugar (JESUS, 2009). Assistir
festividade que apenas ocorre num dado momento do ano, aceder s tradies e
aos objetos culturais que foram povoando historicamente o lugar, assistir s
metamorfoses arquitetnicas do lugar. Enim, um lugar aumentado signiicar
um lugar que se pode explorar como quem explora um quadro com a tcnica do
palimpsesto, em que se vai explorando camada a camada e se vo
compreendendo as redes e espessuras culturais, histricas, polticas e sociais de
um dado ambiente social. Ampliando as potencialidades de fruio esttica do
lugar "Camadas de dinmicas e dados contextuais sobre o espao fsico um
caso particular de um paradigma esttico geral: como combinar diferentes
espaos juntos (MANOVICH, 2006, p.266, traduo nossa).
A proposta de lugar aumentado que se apresenta, prope lgicas dialticas entre
vinculao territorial e usufruto de contedos digitais, entre participao
amadora dos usurios (User-generated content - UGC) e participao
especializada com a criao de contedos especializados produzidos pelas
indstrias culturais (Specialist-generated content SGC) (KEEN, 2008) (FLICHY,
2010). A convergncia assume-se numa pluralidade semntica (JENKINS, 2009)
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 30
sumrio
enquanto horizontalizao da comunicao em que especialistas e amadores
conluem num mesmo espao, mas tambm convergncia de meios e linguagens
utilizadas para expressar a relao com o lugar e a fruio cultural do mesmo
(LEMOS, 2007; SANTAELLA, 2008); bem como, convergncia participativa com a
hibridao das funes de produtor/consumidor de contedos e convergncia
colaborativa no sentido da autoria coletiva efetivada na dinmica da rede, em
que no se trata apenas da relao usurio-contedo, mas usurio-usurio da
qual nasce o capital social como camada imaterial-relacional do lugar aumentado
(MEIKLE; YOUNG, 2012).
As pessoas transformam o espao em territrio e povoam o territrio de lugares.
Este trabalho de domesticao/apropriao do espao para o transformar em
lugares passa por um processo de povoamento do espao com artefatos que
cristalizam a cosmoviso dos indivduos, dos grupos, das sociedade. Assim, o
espao passa a territrio deixando de ser uma entidade homognea e ganhando
diferentes espessuras simblicas, que criam assimetrias, que diferenciam e que
do sacralidade, no sentido em que atribuem signiicao e valor. O espao
profano homogneo no existe, existem territrios povoados de lugares de
diferentes densidades, com diferentes capacidades de habitar e atrair capitais
(inanceiros, culturais, sociais, etc.). A proposta promover estratgias de
comunicao baseadas em servios georeferenciados que acrescentem camadas
ao territrio, aos lugares, que os tornem mais competitivos por serem multiplexos.
A relexo vai no sentido da gerao dos lugares aumentados multiplexos, por
uma estratgia de duplo enraizamento: um enraizamento na terra, no contexto
material produtor de diferena e um enraizamento nas nuvens em que a partir
do lugar material tenho acesso a um territrio complementar que aditiva
positivamente a experincia dos lugares. A convergncia nas mdias com
georefernciao permite criar este cenrio de lugares aumentados multiplexos.
Os dispositivos mveis, os crans pessoais, conectados internet em permanncia
(celulares, tablets, laptops, etiquetas RFID, Wi-Fi, bluetooth, etc.) e que esto com
cada sujeito, abrem uma nova porta para o territrio criando novas formas de
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 31
sumrio
relao e gesto das redes sociais com os indivduos que geram/agregam valor
ao lugar e com as memrias do lugar, com a sua identidade. Mais nuvens
signiicar mais terra. Mais terra incrementar a nuvem, a espessura imaterial do
lugar, graa s lgicas mltiplas da convergncia dos meios e da compulso para
a proximidade (BODEN; MOLOTCH, 1994), com os lugares e com as pessoas.
Autctone ao mesmo tempo um atributo de soberania e submisso
Emmanuel Lvinas
Orientaes, destinos, sentidos: informar o espao
A nossa relao com o mundo vem da nossa relao com o espao e o ambiente.
A dimenso espacial aquela a partir da qual e dentro da qual procuramos, desde
sempre, orientaes signiicativas. Damos sentido s nossas preferncias
escolhendo percursos, e atravs destes nos aproximamos, duma forma
ciberntica, ao que fulcral, ou central, para ns. O sentido dos lugares nunca
ingnuo, embora nos preexistam, uma vez que com estes nos deparamos,
teremos que nos situar nestes espaos, material e simbolicamente.
Como nos encontros entre seres humanos precisamos constantemente de uma
avaliao acerca do contexto de interao, para testar e entrever todas as
possveis implicaes presentes no processo comunicacional que se vai
desenvolvendo. Necessitamos de coordenadas, embora que invisveis, para
poder assim entender e supor o destino de qualquer relao.
Relativamente aos ambientes fsicos, ica ainda mais urgente a sensao,
antropologicamente fundamentada e inesgotvel, de dever promover uma
capacidade de familiarizar com tais espaos, e com muito mais evidncia quando
uma espacialidade se apresenta como alheia. Instituir e aplicar coordenadas ao
ambiente circunstante, apesar de evocar uma atitude normativa, acaba por
resultar em uma atitude naturalmente tcnica de codiicao do circundante.
Algo de necessrio, mas que proporciona um certo gozo no aproveitamento
semntico do habitat.
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 32
sumrio
Esta tcnica de adaptao ao ambiente nos leva prtica do habitar, sem esta
hermenutica espacial, sem esta procura de orientao no conseguiramos criar
um centro (um centro relativo, em dilogo com outros centros, mas o nosso
centro), um lugar que nos faa sentido. Esta habilidade antropolgica no
imediata, nem nos dada, mas vem sempre de uma relao entre um aqui e um
fora, onde se perdem os conins desta relao, mas constantemente recriam-se
no confronto com um exterior que no deixa de exercer a sua presena. Orientar-
se no ambiente, seja ele urbano ou desabitado, tem a ver com a procura de
presenas, com a descodiicao destas e com o deixar sinais (mais ou menos
duradouros) de presenas.
Esta atitude cognitiva, mas tambm emocional e afetiva, de orientao ao
mesmo tempo geral e particular, porque sempre nos localizamos atravs de um
pensamento e de uma sensibilidade localizada, conforme a superfcie do
ambiente circunstante. Para cumprir uma tarefa to essencial desenvolvemos
uma sensibilidade heurstica ligada ao espao, a georeferenciao, que um dos
efeitos desta nossa sensibilidade. Mas com sensatez podemos considerar e
destacar como provvel de que a nossa mente funcione mesmo por localizaes,
assim como a nossa memria chegue a icar vinculada e condicionada pelos
lugares, como se estes fossem invocadores de experincias maneira de uma
madeleine proustiana, conigurando assim as lembranas como mais que um
passado, isto , como um espao passado (PEREC, 1974).
Foram mile Durkhiem e Marcel Mauss os estudiosos que, no comeo do sculo
passado, avanaram com a hiptese de que a lgica dos sistemas de classiicao
fosse toponomstica, e os conceitos se encontrassem localizados em um milieu
de relaes em rede com outros conceitos (DURKHEIM; MAUSS, 1903). Neste
sentido, os conceitos vm sempre de uma igurao espacial projetada pela
nossa mente, de uma localizao ideal, remetendo a lugares comuns
esquematizados (os topoi aristotlicos), as formas espaciais de grupos ou de
afastamentos de ideias.
A psicologia da evoluo nos explica tambm de como o feto j muda de posio
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 33
sumrio
vinte vezes por cada hora, este movimento permanente corresponde primeira
experincia de si mesmo atravs de uma explorao espacial, de propriocepo,
que a base do equilbrio (PERRIN, 1991).
Neste sentido, um dos fundadores da psicologia ambiental, Kevin Lynch, no seu
livro A imagem da cidade (LYNCH, 2009/1960) explica como o sentido de
orientao que se forma atravs do envolvimento com os territrios representa a
base das nossas representaes mentais, dos nossos mapas cognitivos que,
fundamentalmente, acabam para constituir o nosso ethos.
Um autor heterodoxo como George Perec, no seu livro Espces d'espaces (PEREC,
1974), antecipou sem querer a idealizao das aplicaes digitais de geolocalizao
por sistemas mveis. A sua relexo abre com uma constatao banal: todos tm
e andam com um relgio pessoal, mas no encontra ningum andando com
bssolas. Na poca em que Perec escrevia no havia o mnimo indcio sobre as
futuras mdias locativas. Esta curiosa diferena entre o uso dirio do relgio e a
total ausncia da bssola remonta a um conhecimento do espao que mais
intuitivo, concreto e referido nossa sensibilidade e individuao corprea,
enquanto o tempo depende de coordenadas independentes de ns e da nossa
adaptao a ele.
s vezes, teremos que perguntar-nos "aonde estamos: fazer o ponto da
situao: no apenas sobre o nosso humor, o estado de sade, as ambies,
as convices e motivaes, mas somente sobre a nossa posio topogrica,
e no apenas em relao aos eixos (latitude, longitude) j mencionados,
mas em relao a um lugar ou a um ser cuja pensar, ou pensar-se-. Por
exemplo [], questionar-se, num momento certo do prprio dia, sobre a
posio que ocupam, uns em relao aos outros e vs, alguns dos vossos
amigos: pensar os seus caminhos, imaginar as suas deslocaes no espao.
(PEREC, 1974, p.112, traduo nossa)
Hoje em dia existem aplicaes de georeferenciao que desempenham mesmo
este exerccio de orientao espacial constante (ALMEIDA; ABREU et al., 2011). O
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 34
sumrio
que ser interessante questionar e referir se as aplicaes interativas so
capazes de criar contextos de interao e familiaridade com os lugares.
Aprendemos que vivemos mergulhados no espao e que atravs do espao
exterior que chegamos ao nosso centro e nossa produo de habitat familiares
e ntimos. Ser que as mdias locativas permitem estabelecer relaes
comunicativas, e no apenas informativas, acerca da tangibilidade dos lugares e
dos habitat?
Sobre a toalha de gua, luz de um sol real,dana e respira, respira e dana a vida,o seu corpo um barco que o prprio mar modela.
Antnio Ramos Rosa
A mapa no o territrio
O ambiente e o espao devem ser traduzidos em lugares. Sendo, os humanos,
antropologicamente desorientados na sua englobante e unilateral exterioridade
acabamos por vivenci-la como um desaio cognitivo e afetivo, abrigando-nos
ento a uma abertura, a reagir e a familiarizar com as suas presenas criando
mapas informativos e cdigos signiicativos, incitados assim a injetar cultura na
natureza e a projetar mundos alfabticos na superfcie do ventrloquo espao
terrestre.
A troca e a transposio entre mente e geograia, a assimilao recproca entre
lugares e culturas locais, so as condies que os antroplogos nos indicam para
termos um aproveitamento saboroso do mundo. Em castelhano existe uma
expresso que explica este processo at fsico de ambientao: Hacerse con un
sitio. Este processo pressupe e gera uma competncia especial, a construo de
um mapa cognitivo visado localizao. Os habitantes no so utentes de um
territrio, mas competentes situados nele e, ao mesmo tempo, construtores dele.
Estamos enraizados nos lugares, essa vinculao enraizada aos lugares gera o
crescimento da pessoa e dialeticamente o crescimento e enriquecimento do
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 35
sumrio
lugar. Este processo dialtico pode ser fertilizado pelas nuvens, que acrescentam
novas camadas informativas e comunicacionais nos e com os lugares.
A nossa mente, explicou um estudioso como Gregory Bateson, ecolgica e
cinestsica, e tende a criar, de forma interativa com o espao, representaes e
mapas dos territrios, que todavia nunca so isomricas com estes, mas
representam necessariamente a signiicao cultural destes, isto , a tentativa de
objetivar e tornar visvel o invisvel desta relao geocultural e geoemocional.
Neste sentido, podemos entender os nossos dispositivos tecnolgicos locativos
como herdeiros das nossas primeiras cartograias. Estas, de fato, mapearam,
mensuraram e analisaram os nossos trajetos nos espaos percorridos. Mas qual
que a natureza destes espaos codiicados?
O elemento temporal, diacrnico, o da familiarizao com os lugares subjaz
aquisio da competncia antropolgica do habitar, competncia entremeada,
como fcil entender pelo j referido, com a faculdade de representar e codiicar
uma especica rea geogrica. Mas qual que a forma mais pertinente de
representar um lugar vivenciado no tempo, aquela mais adequada e conforme
experincia sentida duma especica rea geogrica? Como podemos passar
dum mapa mental para um mapa exteriorizado?
Narrar a presena e as presenas envolventes num contexto socioambiental
remete a mais uma habilidade, aquela da evocao e da traduo da materialidade
e da sensorialidade do espao vivido numa alegoria grica de signos e smbolos,
hoje em dia sempre mais dinmicos e interativos por meio de softwares e
webwares (MANOVICH, 2008).
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 36
sumrio
Semelhante imvel transparncia inesgotvel face pedra larga onde o olhar repousa
Antnio Ramos Rosa
Remediar as relaes com os territrios
De fato, a experincia contempornea dos lugares sempre mais uma experincia
hipermediatizada. Os lugares sempre mudaram por meio das nossas intervenes
e das nossas redes de relaes atuantes neles. Hoje estas redes relacionais no (e
com) os territrios atravessam e desfrutam novos suportes tecnolgicos que, por
sua vez, proporcionam vrias camadas de experincias scio-espaciais. Olha-se
no cran e na rua, ica-se na praa, mas ao p do hotspot Wi-Fi, se ouve o ritmo
da cidade e a voz do GPS, se procuram amigos e se encontram notcias com
comentrios, entra-se num meio de transporte e pergunta-se ao smartphone o
percurso. Os relacionamentos com o territrio tornam-se multiplexos, densiicam-
se, h recombinao de elementos numa estrutura caleidoscpica, ressigniicando
os lugares.
As mdias sempre estruturaram a dimenso espaciotemporal e perceptiva da
nossa experincia: elas organizam o frame atravs do qual mediamos cognitiva e
afetivamente a nossa interao com a realidade. O frame, como a familiaridade
com um habitat, resulta geralmente invisvel para quem ica dentro dele e
incompreensvel para quem est no seu exterior.
Neste sentido, McLuhan fala de auto-amputao, isto , o que ocorre quando
aceitamos como bvio um sistema que medeia e que iltra as nossas relaes
com o mundo. Redimensionando a relao com o espao fsico dos territrios
redimensionamos, tambm, a possibilidade de perder-nos (facilmente) nele,
para posteriormente reencontrar-nos (felizmente) como seres situados. Ao
mesmo tempo, ganhando tecnicamente um posicionamento e uma orientao
algortmica e instantnea, ganhamos tambm, novas informaes e novos
estmulos para sentirmo-nos multi-situveis, ou potencialmente situados, pr-
situados, pelo programa locativo informatizado (SANTAELLA, 2007).
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 37
sumrio
Os frames que antigamente produziam, com muita eiccia, as instituies
polticas e religiosas, hoje so produzidos pelas mdias. Mas no pelas mquinas
mediticas, no mais o hardware a condicionar a forma comunicacional, mas o
software, as regras de funcionamento dos programas e as convenes desaiadas
pelas aplicaes interativas. O frame a mensagem, ele a matriz da signiicao,
signiicao desencadeada por caixas pretas 2.0!
Estudar a cultura do software no signiica analisar apenas as prticas de
programao, os valores e a mission dos programadores e das empresas; assim
como no seria suiciente analisar a cultura que atravessa os contextos de
produo. Para completar o estudo sobre a cultura contempornea deveramos
esclarecer como o software readapta, remodela, remedia os objetos e os
contedos aos quais se aplica, determinando o nosso processo de fruio.
Foi mrito de estudiosos como Bolter e Grusin (BOLTER; GRUSIN, 2000) ter
recuperado e reconigurado a centralidade do conceito de remediation em
McLuhan: o contedo de um medium sempre um outro medium. O contedo
da escritura o discurso, assim como a palavra escrita o contedo da imprensa,
e o da imprensa o telgrafo (MCLUHAN, 1964). A remediao hoje em dia
uma hipermediao que pretende ser imediao. Neste sentido, o tempo
consubstancial ao habitar ica transigurado pela remediao constante do
espao em cones digitalizados.
Mudam as coordenadas cognitivas e perceptivas nas relaes com o mbito
cultural atingido pelo software, isso , quase todas as prticas sociais da nossa
vida cotidiana esto sujeitas a transcodiicarem-se na rede das relaes
intersticiais entre cidados-territrios-Web-utilizadores.
Porm, os software studies no so os code studies, porque o que interessa a
uma anlise cultural a experincia medial proporcionada pelo software, a
interatividade com os documentos digitais. A leitura em suporte digital de um
documento PDF, ou a viso de uma fotograia determinada pelo software que
deine as opes para a navegao, o editing e a partilha do documento. No
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 38
sumrio
apenas o documento em si, o seu contedo, que determina a sua recepo.
Para entender e participar na cultura contempornea essencial um estudo das
premissas tcnicas e dos princpios culturais implicados no funcionamento do
software; ao mesmo tempo necessrio focar a ateno na customizao (as
apropriaes dos meios nas suas diferentes utilizaes) dos artefatos
programados.
A experincia com as mdias digitais, a interpretao dos seus produtos, no
permite pressupor os seus contedos (como na cultura analgica) como
completos e deinidos. De fato, os contedos digitais so inacabveis e
constantemente alterveis: Google Earth atualizado diariamente, mas tambm
um arquivo PDF ou um arquivo de msica nos disponibiliza e desaia uma fruio
tecnicamente lexvel.
A terra tambm se tornou lquida e lexvel? Pensar e experimentar os territrios
atravs destas novas lentes muda a relao com os mesmos, mas no a
necessidade de dever familiarizar-se com eles. No ser com um cran ou com
um interface grico que familiarizaremos e aprenderemos a habitar, mas sempre
com um contexto espacial, geocultural e geoemocional.
Os lugares aumentados multiplexos
O mapa ele prprio um dispositivo cultural que foi tendo a sua metamorfose do
proto-mapa aos mapas lexveis em suporte digital. O mapa um interface
cultural, poltico, geoestratgico, clssico entre o sujeito e o territrio. O mapa
permite relacionar agentes e sobrepor diversas camadas de informao: o
modelo estrutural do mapa composto por trs nveis de base: o mapa sinttico,
o mapa semntico, e o mapa pragmtico. Os diversos nveis permitem ao mapa
expressar-se como ferramenta de conhecimento, poder e comunicao. (NEVES,
2011,p.1). A passagem do paradigma analgico para o paradigma digital trouxe
tambm ao mapa novas identidades e novas potencialidades. O mapa digital
passa a ser dinmico, permitindo usufruir da gesto de dados geogricos e
ambientais complexos que os Sistemas de Informao Geogrica (SIG) passaram
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 39
sumrio
a permitir. Desde o surgimento da geographic information science passaram-se
mais de 20 anos (GOODCHILD, 2012), neste perodo deu-se uma mudana radical
nos nveis de conectividade internet, na computao ubqua, na miniaturizao
dos dispositivos de comunicao que permitiu a sua portabilidade. neste
contexto em que os dispositivos mveis conectados em rede e apetrechados de
aplicaes que usam informao georeferenciada, em que o mapa surge como
interface no qual se partilham contedos e se estabelecem redes sociais, que
interessa pensar a relao entre mapa e territrio: onde acaba o mapa e comea
o territrio? A terra como interface (NEVES, 2011). E onde comea o territrio e
acaba o mapa? H uma dupla textualidade.
O mapa como plataforma geomedia multifuncional e multidimensional (NEVES,
2011) abre, num efeito quase paradoxal, a oportunidade de ter o territrio a
desempenhar a funo de interface, de mapa que remete para o mapa. O
territrio passa a estar embutido de sensores, de etiquetas RFID, etiquetas QR
Code, etc., que o tornam num corpo implantado de dispositivos que o convertem
em agente. Simbiose entre biolgico, ecolgico e a codiicao, um meio saturado
de capacidade computacional (KANG; CUFF, 2005). A ideia do cyborg, com a
incorporao da tecnologia no prprio corpo, salta agora para o territrio
Cyborguizao do territrio (Cyborgeo) o territrio como organismo ciberntico,
corpo implantado de dispositivos que o tornam agente. Os trs atores natureza
(espao), ambiente construdo (territrio) e subjetividade (usurio/lugar)
interatuam tendo como pele o mapa sensitivo e o territrio sensitivo que
permitem ampliar as relaes no cotidiano: O territrio humano o espao
povoado de artefatos tecnolgicos. (...) um mundo de tecnologias iniltradas,
das tecnologias que, quanto mais poderosas, mais invisveis. (FIRMINO; DUARTE,
2012, p.71).
O territrio cran, o prprio territrio o elemento desencadeador da interao
devido sobreposio de territorialidades, o mesmo lugar pode ser desdobrado
em camadas virtuais customizveis graas computao ubqua, realidade
aumentada, aos interfaces tangveis, aos smart objects (objetos conectados com
a internet), wearable computers (dispositivos de computao e telecomunicaes
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 40
sumrio
embebidos no vesturio), etc.
Nasce e incrementa-se uma nova dinmica de relacionamento com o territrio,
de possibilidade de antropologicamente nos situarmos, em que o territrio
ganha novas camadas atuantes e em que o usurio se relaciona consigo, com o
territrio e com os outros numa lgica de convergncia e participao.
A anlise deve ser realizada em trs eixos: a representao, a semntica e a
participao (ORELLANA; BALLARI, 2009, p.29).
Muitos termos tm sido usados para tentar deinir este novo papel ativo dos
cidados: neogeograia, informao geogrica voluntria, ambientes de
participao e de colaborao, as pessoas como sensores. Em suma, o que
esses termos representam que a produo de informao geogrica,
bem como, os servios e aplicaes baseados em localizao j no so
atividades exclusivas de organismos oiciais e de empresas privadas de
cartograia. Neste contexto, cada um de ns tem em suas mos a
oportunidade de participar ativamente na captao de informao e
partilhar os seus prprios dados com outros possveis usurios. (ORELLANA;
BALLARI, 2009, pp.38-39, traduo nossa)
Assim, os LBSM (Location Based Social Media) como os LBSM criam um novo
tipo de visibilidade e de memria sobre lugares, pessoas e atividades eu
argumento que eles so signiicativos para a atribuio subjetiva de laos de
elevado sentido com o lugar. (FISCHER, 2008, p.586, traduo nossa) permitem
gerar novas dinmicas de fruio do territrio, com uso de dispositivos mveis
usando GeoCMS (Geospatial Content Management System), como por exemplo:
Layar (www.layar.com), Wikitude (http://www.wikitude.com/), Foursquare
(https://pt.foursquare.com/), Citysense (www.citysense.com), Sense Networks
(https://www.sensenetworks.com/retail-retargeting/), Tripit (https://www.tripit.
com/), Google Latitude (http://www.google.com/mobile/latitude/), Facebook
Places (https://www.facebook.com/about/location), UberTwitter (http://m.
ubertwitter.com/).
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 41
sumrio
A comunicao em rede v a sua dinmica enriquecida pela percepo do
contexto que se passa a ter. O enraizamento da comunicao na territorialidade
abre novas fronteiras na cultura da mobilidade, que deixa de ser apenas
mobilidade virtual, navegao no ciberespao, para ser navegao entre terra e
nuvens. Sobre a imagem captada da realidade o utilizador pode obter novas
camadas de informao sobre esse lugar, camadas de experincia e relao que
no estariam ao seu alcance, criando ambientes mistos aumentados baseados
na colaborao ACME Augmented Collaboration in Mixed Environments
(LUCAS, 2012).
Trata-se de uma ecologia miditica hbrida (SANTAELLA, 2008) novas
espacialidade / hipercomplexidade cultural e comunicacional dos lugares
memria e esquecimento, individual e coletivo.
De fato, as mdias locativas esto criando oportunidades para se repensar e
re-imaginar o espao cotidiano. Embora conectados imaterialidade das
redes virtuais de informao, no poderia haver nada mais fsico do que
GPS e sinais Wi-Fi que trazem consigo outras maneiras de pensar o espao e
o que se pode fazer nele. Uma nova espacialidade de acesso, presena e
interao se anuncia: espacialidades alternativas em que as extenses, as
fronteiras, as capacidades do espao se tornam legveis, compreensveis,
prticas e navegveis, possibilitando, sobretudo, prticas coletivas que
reconstituem os modos como nossos encontros com os lugares especicos,
suas bordas e nossas respostas a eles esto fundados social e culturalmente.
(SANTAELLA, 2008, p.97)
Ler e escrever nos lugares icar com a sua narrativa para uso pessoal ou partilha
MIM (Mapeamento Interativo Mnsico) o rastro, a memria, as marcas
interpretativas do lugar, a complementaridade subjetiva do lugar, recupervel
pelo MIM. Diz-me por onde andas dir-te-ei quem s! a experincia dos lugares
como elemento estruturante da identidade e da capacidade de explorao futura
de novos lugares - os lugares passam a dialogar, o sujeito pode fazer anotaes
no espao o contexto ganha um novo valor.
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 42
sumrio
A informao geogrica (GIS), a internet das coisas dadas pelas tags de
radiofrequncia (RFID) e a linguagem de marcao geogrica (GML Geographic
Markup Language), entre outras tecnologias, criam a oportunidade de
desenvolvimento de servios que permitem gerar uma relao afetiva e sensorial
com o lugar (sensorizao do espao -> sensibilidade do lugar). Os elementos
dos lugares passam a ser atores que dinamizam o usufruto e a fruio esttica,
emotiva, histrica, poltica e cultural do lugar. A questo central no a tecnologia
que rapidamente se torna obsolescente, a questo central o ontos do lugar, a
sua essncia, o que o torna particular, ou seja, a dimenso geocultural e
geoemocional que central as pessoas tm no essencial uma relao esttica
com os lugares, gostam dos stios. Mais do que um clculo racional de um
clculo relacional, afetivo que se trata. Deixam-se afetar pelo lugar. Esta
sensorialidade projetada na prpria tatilidade dos dispositivos que interatuam
com o territrio.
Cada lugar esconde um conjunto de informaes, de relaes potenciais, de
desaios, mistrios e oportunidades, com os servios de informao e comunicao
georeferenciados abre-se a oportunidade de tornar visvel o invisvel dos lugares,
de tornar patente o latente. Rede de pontos quentes do lugar (hotspots places)
rede de geotags que permite transformar/adicionar ao lugar uma camada que
est nas nuvens, mas se cola ao lugar ampliando o potencial de relao. O lugar
como um corpo com histria e com histrias.
A comunicao em rede v a sua dinmica enriquecida pela percepo do
contexto que se passa a ter. O enraizamento da comunicao na territorialidade
abre novas fronteiras na cultura da mobilidade, que deixa de ser apenas
mobilidade virtual, navegao no ciberespao, para ser navegao entre terra e
nuvens.
O territrio interface, desaios futuros
A criao de novos servios em que a componente cultural e social seja central
o desaio principal. O envolvimento das instituies e organizaes culturais a
participarem na criao de contedos culturais de qualidade, que potenciem a
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 43
sumrio
riqueza histrica, cultural, social, poltica e cientica de um lugar. Para alm desta
componente formal de participao de especialistas, os servios tm a ganhar
com a participao amadora dos habitantes e visitantes dos lugares que
adicionam informao emotiva e sensitiva relativa sua experincia dos lugares.
Vive-se numa realidade mista a realidade mista deine a partilha de um espao-
tempo entre o real e o mundo virtual. (LUCASA; CORNISHB et al., 2012, p.277,
traduo nossa) na conluncia da fruio do territrio com a fruio da
territorialidade imaterial da camada cultural e social desse territrio.
Mark Weiser (1991), o pai da expresso computao ubqua (ubiquitous
computing) sublinha a ideia da transparncia das tecnologias no cotidiano - as
tecnologias mais profundas so aquelas que desaparecem. Elas tecem-se no
tecido da vida cotidiana at que se tornam indistinguveis a partir dele. (WEISER,
1991, p.94, traduo nossa), essa transparncia uma das caractersticas centrais
dos dispositivos mveis, que passam a ter uma presena naturalizada no
cotidiano.
Os desaios para alm de tecno-sociais so tambm ticos e polticos. Levantam-
se questes como: quem e como garantir a proteo da informao? Se estamos
disponveis para ser vigiados a todo o momento e em todos os lugares? Como
so utilizadas as informaes recolhidas sobre os hbitos das pessoas,
nomeadamente, para ins publicitrios e comerciais? (ORELLANA; BALLARI, 2009,
p.49). E novas oportunidades como aprendizagem informal ubqua (SANTAELLA,
2010) com base em servios de realidade aumentada e MEIS (Mobile
Environmental Information Systems) que abrem novas formas e estratgias de
relao com o territrio e com as sua histria e redes de sentido.
Estamos face a lugares plissados, que mostram e escondem conforme os
movimentos do usurio, em que a terra (os objetos, as materialidades) so a
interface para as nuvens (a camada digital de informao e comunicao)
potencializadas pelo lugar.
Estar e ser entre terra e nuvens, num jogo dialtico.
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 44
sumrio
Referncias
ALMEIDA, P. et al. CONNECTOR: a geolocated mobile social service. In: M. CRUZ-
CUNHA, F. M. (Ed.). Handbook of Research on Mobility and Computing:
Evolving Technologies and Ubiquitous Impacts. PA: Hershey, 2011. p.414-425.
BODEN, D.; MOLOTCH, H. L. The Compulsion of Proximity. In: FRIEDLAND, R. e
BODEN, D. (Ed.). NowHere, Space, Time and Modernity. Berkeley and Los
Angeles: University of Califronia Press, 1994. cap. 8, p.257-286.
BOLTER, J. D.; GRUSIN, R. Remediation: understanding new media. Cambrigde:
MIT Press, 2000.
DURKHEIM, .; MAUSS, M. De quelques formes de classiication - Contribution
l'tude des reprsentations collectives. Anne Sociologique, v. VI, n. Rubrique
Mmoires originaux . Les Presses universitaires de France, p. 1-72, 1903.
Disponvel em: .
FIRMINO, R.; DUARTE, F. Do Mundo Codiicado ao Espao Ampliado. In: JANEIRO/
FAU/PROARQ, U. F. D. R. D. (Ed.). Qualidade do Lugar e Cultura Contempornea:
controvrsias e ressonncias em ambientes urbanos. Rio de Janeiro: Afonso
Rheingantz e Rosa Pedro, 2012. p.69-80.
FISCHER, F. Implications of the usage of mobile collaborative mapping
systems for the sense of place. Real Corp 2008, p. 583-587, 2008.
FLICHY, P. Le sacre de lamateur Sociologie des passions ordinaires lre
numrique. Paris: Seuil, 2010.
GOODCHILD, M. F. Twenty years of progress: GIScience in 2010. Journal of
Spatial Information Science, n. 1, p. 3-20, 2012. ISSN 1948-660X.
HAMILTON, J. Ourplace: The convergence of locative media and online
TERRITRIO HIPERMEDIATIZADO E CONVERGNCIAS MULTILOCALIZADAS: DIALTICA ENTRE TERRA E NUVENS
EXPERINCIAS DE CONSUMO CONTEMPORNEO: PESQUISAS SOBRE MDIA E CONVERGNCIA 45
sumrio
participatory culture. Proceedings of the 21st Annual Conference of the
Australian Computer-Human Interaction Special Interest Group: Design:
Open 24/7, 2009, ACM. p.393-396.
JENKINS, H. Cultura da Convergncia. So Paulo: Aleph, 2009.
JESUS, C. M. A. Servios mveis baseados na localizao com realidade
aumentada: proposta de uma anlise das potencialidades para o sector do
turismo. 2009. (Mestrado em Comunicao Multimdia). Departamento de
Comunicao e Arte, Universidade de Aveiro, Aveiro-Portugal.
KANG, J.; CUFF, D. Pervasive computing: embedding the public sphere. Wash.
& Lee L. Rev., v. 62, p. 93, 2005.
KEEN, A. O Culto do Amadorismo - como a Internet actual est a matar a nossa
cultura e a assaltar a economia. Lisboa: Guerra e Paz, 2008.
LEMOS, A. Mdia locativa e territrios informacionais. XVI EN, 2007.
LUCAS, J. F. Interactions et ralit mixte dans la ville hybride. In: KHALDOUN, Z.,