Post on 21-Oct-2021
Fernando Henrique Dos Santos
EMBRIAGUEZ E RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2018
Fernando Henrique Dos Santos
EMBRIAGUEZ E RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA
Trabalho de conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel
em Direito à Banca Examinadora do Centro
Universitário Toledo, sob orientação do Prof. Me
Jefferson Jorge da Silva
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2018
Fernando Henrique Dos Santos
EMBRIAGUEZ E RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA
Trabalho de conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel
em Direito à Banca Examinadora do Centro
Universitário Toledo, sob orientação do Prof. Me.
Jefferson Jorge da Silva
BANCA EXAMINADORA
Prof. Thiago de Barros Rocha
Prof. Luiz Gustavo Boiam Pancotti
Prof. Jefferson Jorge da Silva
Centro Universitário Toledo
Acima de tudo, gostaria de agradecer à Deus por mais essa conquista. Agradeço a
todos os professores, especialmente ao orientador Jeferson Jorge. Manifesto aqui minha
gratidão eterna por compartilhar sua sabedoria, o seu tempo e sua experiência. Agradeço
ainda aos meus pais pelo apoio, força e amor incondicional. Sem vocês a realização desse
sonho não seria possível. A todos os amigos, especialmente à Bianca Akemi, minha melhor
amiga, meu muito obrigado. Vocês foram fundamentais para minha formação, por isso
merecem o meu eterno agradecimento.
RESUMO
O Presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a problemática relacionada a
embriaguez ao volante. Alguns doutrinadores defendem a tese de que a lei deve punir o
indivíduo que consome de maneira voluntária bebidas ou produtos contendo álcool que
poderá responder por dolo eventual, culpa consciente, caso fortuito e força maior. Neste
estudo serão tratadas as mudanças introduzidas pela Lei 11.705/08, Lei Seca, indicando a
diminuição de casos relacionados a acidente de trânsito nos últimos anos e algumas lacunas
existentes.
Palavras-chave: embriaguez; Código de Trânsito Brasileiro; acidentes de trânsito; Código
Penal Brasileiro.
ABSTRACT
The present work aims to discuss the problems related to driving drunkenness. Some writers
defend the thesis that the law should punish the individual who voluntarily consumes
beverages or products containing alcohol, but when analyzing the facts, the agent may
respond for eventual fraud, conscious guilt, fortuitous event and force majeure. It will deal
with the legislative changes of Law 11,705 / 08, Dry Law, indicating the decrease in cases
related to traffic accidents in recent years and some existing gaps.
Keywords: Drunkenness, Brazilian Traffic Code, traffic accidents, Brazilian Penal Code
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 07
I O CONCEITO DE CRIME ....................................................................................... 08
II DOLO E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .................................. 10
2.1 Noções gerais sobre dolo ............................................................................................. 10
2.2 Elemento intelectivo e volitivo do dolo ..................................................................... 10
2.3 Teorias do dolo ............................................................................................................ 11
2.4 Espécies de dolo ........................................................................................................... 11
2.4.1 Dolo natural ou neutro ................................................................................................... 11
2.4.2 Dolo normativo ou hibrido ............................................................................................ 12
2.4.3 Dolo direto ..................................................................................................................... 12
2.4.4 Dolo indireto ................................................................................................................. 12
2.4.5 Dolo dano ..................................................................................................................... 13
2.4.6 Dolo de perigo .............................................................................................................. 13
2.4.7 Dolo específico ............................................................................................................. 13
2.4.8 Dolo geral ..................................................................................................................... 13
2.4.9 Dolo eventual ................................................................................................................ 14
III CULPA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ................................ 16
3.1 Culpa como conduta voluntária e violação de um dever de cuidado objetivo ....... 17
3.1.1 Imprudência .................................................................................................................. 17
3.1.2 Negligencia ................................................................................................................... 18
3.1.3 Imperícia ....................................................................................................................... 18
3.2 Espécies de culpa ........................................................................................................ 18
3.2.1 Culpa inconsciente ........................................................................................................ 20
3.2.2 Culpa consciente ............................................................................................................ 20
3.2.3 Culpa impropria ............................................................................................................ 21
3.2.4 Culpa presumida ............................................................................................................ 21
3.2.5 Culpa indireta ................................................................................................................ 22
IV EMBRIAGUEZ E O ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO ................... 23
4.1 A imputabilidade penal ............................................................................................... 23
4.2 Critérios de imputabilidade e de inimputabilidade .................................................. 24
4.2.1 Critério biológico ........................................................................................................... 24
4.2.2 Critério psicológico ....................................................................................................... 25
4.2.3 Critério biopsicologico .................................................................................................. 25
4.3 Inimputabilidade penal ............................................................................................... 26
4.3.1 Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica ........................................................ 26
4.3.2 Imputabilidade em razão a idade do agente................................................................... 27
4.3.2 Imputabilidade em razão da embriaguez ....................................................................... 28
4.4 Espécies de embriaguez .............................................................................................. 31
4.4.1 Embriaguez não acidental .............................................................................................. 31
4.4.2 Embriaguez acidental .................................................................................................... 32
4.4.3 Embriaguez patológica .................................................................................................. 33
4.4.4 Embriaguez preordenada ............................................................................................... 33
V TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E A APLICAÇÃO AOS CRIME DE
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE ................................................................................ 36
5.1 Actio libera in causa e os crimes dolosos .................................................................... 37
5.2 Actio libera in causa e os crimes culposos ................................................................... 37
5.3 Reflexos da teoria da actio libera in causa nos crimes de embriaguez .................... 38
5.4 Crime de embriaguez ao volante .................................................................................. 38
5.5 Teoria da actio libera in causa nos casos de embriaguez acidental .......................... 40
5.6 Teoria da actio libera in causa nos casos de embriaguez preordenada .................... 43
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 45
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 47
7
INTRODUÇÃO
A embriaguez ao volante é um tema muito polêmico, ampliando atualmente o seu
cenário nas mídias, redes sociais e jornais ao se tratar da Lei nº11.705/08, a Lei Seca.
No ano de 1997 a Legislação Brasileira já se direcionava à fiscalização do álcool
juntamente com o volante, mas foi apenas em 2008 que a Lei Seca entra em vigor, porém
possui algumas lacunas o qual alguns motoristas conseguiram driblar.
Pode-se dizer, que a embriaguez ao volante é assunto de grande relevância para a
sociedade, onde houve momentos em que, ocorreram questionamentos sobre os efeitos que a
Lei trazia para os condutores embriagados. A Lei Seca no ano de 2012 passou por algumas
alterações, onde modificou-se o índice de teor alcoólico, sendo assim, é intolerável perante lei
o uso de bebida alcóolica para qualquer condutor.
Surge então, controvérsias sobre o tema e tais efeitos se são realmente aplicados. É de
suma importância, discutir o assunto para esclarecer a teoria da Actio Libera In Causa e a
aplicação da Lei.
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I O CONCEITO DE CRIME
O conceito de crime está relacionado a classificação da teoria neoclássica, ou seja, o
crime se define a partir de três elementos que vão constituí-lo, sendo a ação típica, antijurídica
e culpável, como relata Cezar Roberto Bitencourt (2013, p. 276).
“Enfim, a teoria neoclássica do delito caracterizou-se pela reformulação do velho
conceito de ação, nova atribuição à função do tipo, pela transformação material da
antijuricidade e redefinição da culpabilidade, sem alterar, contudo, o conceito de
crime, como ação típica, antijurídica e culpável.”
Seguindo as definições de crime, é importante saber sobre as diferenças existentes nos
elementos constituintes do delito.
O fato típico ou ação típica está relacionada a ação ou omissão do agente, ou seja, é
uma conduta que resulta em um fato incriminador, que está presenta na lei, aquele crime
praticado pelo agente, previsto expressamente no Código Pena. Neste tocante, podemos falar
sobre a condição do dogma constitucional (art. 5º XXXIX da CF): "não há crime sem lei
anterior que o defina, não há pena sem prévia definição legal".
Afirma Rogério Sanches (2013, p.157):
“Fato típico, portanto, pode ser conceituado como ação ou omissão humana,
antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa
conduta produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida
pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção. Do seu conceito extraímos seus
elementos: conduta, nexo causal, resultado e tipicidade.”
O conceito de antijuricidade está relacionado a contrariedade do fato com o
ordenamento jurídico. É necessário a violação daquele bem jurídico protegido pelo
ordenamento. Assim afirma Cezar Roberto Bitencourt:
“Dessa forma, uma vez afirmada a tipicidade da conduta, o seguinte degrau
valorativo corresponde à análise da antijuridicidade, em cujo âmbito corresponde
determinar se a conduta típica é contrária ao Direito, isto é, ilícita, e constitui um
injusto. O termo antijuridicidade expressa, portanto, um juízo de contradição entre a
conduta típica praticada e as normas do ordenamento jurídico.” (BITENCOURT, p.
388, 2013)
9
Entretanto a culpabilidade está relacionada a responsabilidade penal, ao valor adotado
na conduta do agente. A sua caracterização está relacionada ao estágio de reprovabilidade da
conduta, e também pela possível modificação da conduta.
Considerando que o agente ingere bebida alcóolica, e depois vai dirigir, ocasionando
um acidente de trânsito com vítima. Posteriormente a vítima do acidente ocasionado veio a
óbito.
Neste caso narrado, o agente é conhecedor que tal conduta é proibida, e age ciente de
que pode acontecer tal fato, sendo que poderia ter tomando outra atitude, a de não dirigir
depois de ingerir bebida alcóolica.
A presente escolha na realização da conduta está relacionada com a valoração do grau
de culpabilidade que será admitida no caso em comento. Assim afirma Cezar Roberto
Bitencourt:
“A culpabilidade, por sua vez, não se esgota nessa relação de desconformidade entre
ação e ordem jurídica, mas, ao contrário, a reprovação pessoal contra o agente do
fato fundamenta-se não na omissão da ação contrária ao Direito ainda e quando
podia havê-lo omitido, pois dele se espera uma motivação concorde com a norma
legal. A essência da culpabilidade reside nesse “poder em lugar de...”, isto é, no
“poder agir de outro modo” do agente referentemente à representação de sua
vontade antijurídica, e é exatamente aí – nessa liberdade de ação, nessa possibilidade
de agir diferente – onde se encontra o fundamento da reprovação pessoal, que se
levanta contra o autor por sua conduta contrária ao Direito.” (BITENCOURT, págs.
451 e 452, 2013)
O professor Damásio E. de Jesus assim descreve:
Não há diferença antológica, de essência, entre crime (ou delito) e contravenção. O
mesmo fato pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador, de acordo
com a necessidade da prevenção social. Assim, um fato que hoje é contravenção
pode no futuro vir a ser defino como crime. (1999, p.52)
O artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal traz a definição de crime como:
Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou
detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena
de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina isoladamente, pena de
prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
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Desta forma, fica claro que não há uma definição mais aprofundada, um conceito mais
formal. Não explica-se muito além de que as penas correspondem aos crimes e as
contravenções penais.
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II DOLO E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Uma das formas de conduta do agente é a dolosa, referente a voluntariedade. A
conduta dolosa possui previsão no artigo 18, inciso I do Código Penal dizendo que a conduta
será dolosa "quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo". Haverá,
portanto, uma vontade consciente, a qual não deve se confundir com desejo.
2.1 Noções gerais sobre o dolo
A vontade consciente do agente está no sentido de realizar ou até mesmo aceitar
realizar uma ação incriminadora prevista no tipo penal.
Flávio Monteiro de Barros explica:
“cumpre ainda esclarecer que a noção de dolo não se esgota na realização da
conduta e do resultado, devendo a vontade do agente projetar-se sobre todas as
elementares, qualificadoras, agravantes e atenuantes (em regra) do crime. Todavia,
para caracterização do crime, em sua forma simples, é suficiente que o dolo
compreenda apenas os elementos da figura típica fundamental. Mas a incidência dos
tipos qualificados, privilegiados, das agravantes e atenuantes dependem da projeção
do dolo do agente sobre essas circunstâncias”
Dessa forma, temos que “o dolo é, de certo modo, a imagem reflexa subjetiva do tipo
objetivo, a situação fática apresentada normativamente” (PRADO, 2008, p. 219). Além disso
a vontade que o agente possui em realizar o ato criminoso permite que este seja punido de
forma mais grave, visto que o nosso Código Penal pressupõe a finalidade do agente ao
praticar o crime, sendo esta denominada teoria da finalidade.
2.2 Elemento intelectivo e volitivo do dolo
O dolo trata-se de um implícito subjetivo da conduta do agente, pertencente ao fato
típico, sendo adotado dois elementos, o volitivo e o intelectivo.
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O elemento volitivo “consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se todos
os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua decisão em praticá-la”
(CAPEZ, 2008, p.200)
Já no elemento intelectivo deve “a consciência do autor referir-se a todos os
componentes do tipo, prevendo ele os a dados essenciais dos elementos típicos futuros, em
especial o resultado e o processo casual” (CAPEZ, 2008, p.200).
2.3 Teorias do dolo
São três as teorias sobre o dolo.
A primeira é a teoria da vontade, onde há a vontade consciente de praticar o ato
infracional.
A segunda teoria é a da representação, ou seja, haverá o dolo quando o agente
consegue prever a possibilidade do resultado e mesmo assim mantém sua conduta.
A terceira e última corrente é a do consentimento ou assentimento, aqui haverá uma
evolução da teoria anterior, pois o agente prevê a possibilidade, mantém sua conduta e assume
o risco de causar uma infração.
No nosso ordenamento jurídico, adota-se a teoria da vontade (dolo direto) e do
consentimento, (dolo indireto) excluindo apenas a da representação.
2.4 Espécies de dolo
Neste tópico, serão analisadas as espécies mais relevantes de dolo.
2.4.1 Dolo natural ou neutro
A primeira espécie é o dolo natural ou neutro, este irá integrar o fato típico, tendo
como principais elementos a consciência e a vontade, ou seja, o agente sabe o que está
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fazendo e quer ou aceita sua voluntariedade. Neste caso, ao ter consciência da ilicitude haverá
afetação na culpabilidade, visto que é adotado pela teoria finalista.
2.4.2 Dolo Normativo ou híbrido
O dolo normativo ou híbrido é aquele que possui consciência da voluntariedade e da
ilicitude, dessa forma, além dos elementos de consciência e vontade haverá a consciência
atual da ilicitude, ou seja, o agente sabe que aquela conduta é ilícita. É adotado pela teoria
neoclássica, devendo o crime ser um fato típico, ilícito e culpável. Temos assim que, o dolo
está diretamente ligado à culpabilidade sendo o elemento normativo nesta espécie.
2.4.3 Dolo Direto
Outra espécie de dolo é o dolo direto, neste haverá uma vontade de realizar a conduta
delituosa e a previsão de seu resultado, podendo ser de primeiro grau, onde “não existem
efeitos colaterais necessários à consecução da vontade do agente em razão dos meios
escolhidos” (CUNHA, 2011, p. 46) ou de segundo grau, onde “a vontade do agente abrange
os efeitos colaterais necessários em virtude dos meios escolhidos pelo agente, para realizar o
fim almejado” (CUNHA, 2011, p.47).
2.4.4 Dolo indireto
Há também o dolo indireto, que, segundo Capez (2008, p.208) é quando “apesar de
querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao
contrário, do que sucede com o dolo direto”. Esta espécie possui duas subespécies, a
alternativa e a eventual.
No dolo indireto alternativo “o agente prevê uma pluralidade de resultados, dirigindo
sua conduta para perfazer qualquer deles com a mesma intensidade de vontade (ex.: quero
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ferir ou matar, tanto faz)” (CUNHA, 2017, 215). Dessa forma, o agente irá responder pelo
crime mais grave pois havia intenção nos dois sentidos, tanto mais grave como mais leve.
Já no dolo indireto eventual “o agente também prevê a pluralidade de resultados,
dirigindo sua conduta para realizar um determinado evento, mas assumindo o risco de
provocar outro (ex.: quero ferir, mas aceito matar” (CUNHA, 2017, p.215). Diferente do dolo
alternativo, o agente não possui a intenção de realizar a conduta mais grave, porém assume o
risco de produzi-la.
2.4.5 Dolo Dano
Há também o dolo dano, onde a vontade refere-se a causar uma lesão a determinado
bem jurídico tutelado.
2.4.6 Dolo de perigo
O dolo de perigo fundamenta-se na vontade de colocar o bem jurídico tutelado a uma
situação de perigo de lesão,
2.4.7 Dolo específico
No dolo específico a vontade do agente está voltada a um fim específico, ele pratica o
elementar do tipo penal a fim de uma condição, vontade específica.
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2.4.8 Dolo geral
O dolo geral o agente realiza uma conduta com um dolo, e após acreditar que esta
surtiu resultado, prática outra conduta, sendo que nesta houve a efetiva consumação.
Trata-se, em verdade, de uma hipótese de engano quanto ao meio de execução do
delito, mas que termina por determinar o resultado visado. É um erro sobre a causalidade, mas
jamais quanto aos elementos do tipo, nem tampouco quanto à ilicitude do que se pratica
(NUCCI, 2014, p.186).
2.4.9 Dolo eventual
Após estas sucintas analises, passamos ao dolo eventual nos crimes de trânsito.
Segundo Cleber Masson (2012, p.268) “a jurisprudência posiciona-se no sentido de
existir o dolo eventual na conduta do agente responsável por crimes graves praticados na
direção do veículo automotor”.
Entretanto, apesar de esta ser a jurisprudência majoritária, Cleber Masson (2012, p.
269) ainda nos alerta:
No tocante ao homicídio cometido na direção de veículo automotor, encontrando-se
o condutor em estado de embriaguez, a análise da situação concreta é fundamental
para a tipificação da conduta. Com efeito, a conclusão pelo dolo (direto ou eventual)
acarreta na incidência do crime definido no artigo 121 do CP, ao passo que a
presença da culpa resulta no delito previsto no artigo 302 da lei 9.503/1997-CTB.
Art. 121, CP: Matar alguém
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos
§ 1 - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
§ 2 - Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime.
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§ 3 - Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
16
§ 4 - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime
resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente
deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências
do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a
pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de
14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. 17
§ 5 - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as
conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal se torne desnecessária. (Acrescentado pela L-006.416-1977).
Art. 302, CTB: Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a
pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:
I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do
acidente;
IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de
transporte de passageiros. (grifos nosso)
Nucci (2014, p.186) nos ensina sobre o dolo eventual nos graves crimes de trânsito:
Tem sido posição adotada, atualmente, na jurisprudência pátria considerar a atuação
do agente, em determinados delitos cometidos no trânsito, não mais como culpa
consciente e sim como dolo eventual. As inúmeras campanhas realizadas,
dmeosntrando o perigo da direção perigosa e manifestamente ousada, são suficientes
para esclarecer os motoristas da vedação legal de certas condutas, tais como o racha,
a direção em ala velocidade, sob embriaguez, entre outras.
Adiante adentraremos nos conceitos de culpa do nosso ordenamento jurídico.
17
III CULPA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Segundo o Defensor Público Gerson Aragão (2015) a Lei só poderá punir agente
imputável, que tenha total consciência da ilicitude, quando dele é exigível conduta diversa.
Pode-se entender que o princípio da culpabilidade garante ao agente que ele seja
julgado e posteriormente condenado pela conduta realizada por ele, não sendo julgado pela
pessoa que é.
Júlio Fabbrini Mirabete (1992) refere que:
“Hoje cresce a ideia de que do conceito de culpabilidade não se pode excluir
definitivamente o dolo e a culpa. Como se tem afirmado, o dolo ocupa dupla
posição: em primeiro lugar, como realização consciente e volitiva das circunstâncias
objetivas (no fato típico), e em segundo, como portador do desvalor da atitude
interna que o fato expressa. Nosso Código, por exemplo, o art. 59, ao mencionar
como circunstância para afixação da pena “a culpabilidade” do agente, inclui a
apreciação da intensidade do dolo e do grau de culpa”.
Como pode ser analisado o artigo 13 Caput, do Código Penal Brasileiro: “o resultado,
de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe ofereceu causa.”.
Sendo assim, apenas será condenado quem cometeu o crime, não podendo transferir a
pena designada ou ser condenado pelo fato diverso daquele praticado.
Para Rogério Sanches Cunha (2017, p.102) o princípio da culpabilidade:
Trata-se de um postulado limitador do direito de punir. Assim, só pode o Estado
impor sanção penal ao agente imputável (penalmente capaz), com potencial
consciência da ilicitude (possibilidade de conhecer o caráter ilícito do seu
comportamento), quando dele exigível conduta diversa (podendo agir de outra
forma).
A culpa segundo Fernando Capez (2008, p.207):
Não está descrita, nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo. Isso
se deve ao fato da absoluta impossibilidade de o legislador antever todas as formas
de realização culposa, pois seria mesmo impossível, por exemplo, tentar elencar
todas as maneiras de se matar alguém culposamente. Por essa razão, sabedor dessa
impossibilidade, o legislador limita-se a prever genericamente a ocorrência da culpa,
sem defini-la. Com isso, para a adequação típica será necessário mais do que
simples correspondência entre conduta e descrição típica.
18
Dessa maneira, temos que a culpa, para ser caracterizada, deve passar por um juízo de
valor, pois será através deste que serão analisadas a prudência do homem médio e a conduta
realizada pelo agente.
Para aqueles que adotam a teoria finalista, “a culpa fundamenta-se na aferição do
cuidado objetivo exigível pelas circunstâncias em que o fato aconteceu, o que indica a
tipicidade da conduta do agente. A seguir, deve-se chegar a culpabilidade pela análise da
previsibilidade subjetiva” (DELMANTO, 2007, p.80), ou seja, além de ser uma forma de
cautela cujos deveres são objetivos, a culpa deve ser analisada sob a luz da previsibilidade que
o agente possuía para com a conduta praticada.
3.1 Culpa como conduta voluntária e violação de um dever de cuidado objetivo
Os dois elementos da culpa são a conduta voluntária e a violação de um dever de
cuidado objetivo.
O primeiro, trata-se da ação ou omissão que o agente realiza de forma voluntária
consistente em realizar uma conduta ou deixar de realizar algo em uma situação ilícita que irá
gerar um resultado.
No segundo elemento, haverá um comportamento que não condiz com os do homem
médio, ou seja, haverá uma inobservância de regra comportamentais, sendo elas a
imprudência, a negligência e a imperícia.
3.1.1 imprudência
A imprudência ocorre quando “o agente atua com afoiteza, ignorando os cuidados que
o caso requer” (CUNHA, p.48). O agente pratica uma ação, uma conduta sem as devidas
cautelas.
Para Greco (2008, p.205):
Imprudente seria a conduta positiva praticada pelo agente que, por não observar o
seu deve de cuidado, causasse o resultado lesivo que lhe era previsível. Na definição
de Anibal Bruno „consiste a imprudência na prática de um ato perigoso sem os
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cuidados que o caso requer‟. Por exemplo, imprudente é o motorista que imprime
velocidade excessiva em seu veiculo ou o que desrespeita um sinal vermelho em um
cruzamento, etc. imprudência é, portanto, um fazer alguma coisa.
3.1.2 Negligência
A negligência ocorre quando o agente, não realiza uma conduta que gera o
descumprimento de um dever de cuidado, que está previsto no homem médio, haverá a
ausência de precaução, visto que se trata de uma omissão.
“A negligência, ao contrário, é um deixar de fazer aquilo que a diligência normal
impunha. É o caso, por exemplo, do motorista que não conserta os freios já gastos de seu
automóvel ou o do pai que deixa a arma de fogo ao alcance de seus filhos menores” (GRECO,
2008, p. 205)
3.1.3 Imperícia
Por fim, temos a imperícia, nesta modalidade haverá uma ação, porém, o agente que a
realiza não possui aptidão para tanto, sendo a imperícia caracterizada pela inaptidão técnica
para a profissão ou arte, pois não há conhecimentos técnicos e nem habilidades para tanto.
Uma característica importante da modalidade culpa é que a ação ou omissão do agente
se caracteriza pela involuntariedade, ou seja, o agente não possuía a vontade de realizar o ato,
porém este ocorre e é provado através do nexo de causalidade.
Segundo Rogério Greco (2008, p. 205):
Fala-se em imperícia quando ocorre uma inaptidão, momentânea ou não, do agente
para o exercício da arte, profissão ou ofício. Diz-se que a imperícia está ligada,
basicamente, à atividade profissional do agente. Um cirurgião plástico, v.g., durante
um ato cirúrgico pode praticar atos que, naquela situação específica, conduzam a
imperícia. Com isso não estamos querendo dizer que esse profissional seja imperito,
mas, sim, que naquele caso concreto, atuou com imperícia. Um motorista pode gozar
de excelente conceito profissional, mas, em determinada manobra, pode ter atuado
sem a sua reconhecida habilidade, agindo com imperícia.
20
Os crimes culposos são crimes materiais, onde o nexo causal, a conduta e o resultado
estão previstos no tipo penal. Cleber Masson (2012, p.28) explica:
No âmbito jurídico, a afirmação da causalidade deve estar respaldada em elementos
empíricos que demonstrem que o resultado não ocorreria, com um grau de
probabilidade nos limites da certeza, se a ação devida fosse efetivamente evitada ou
realizada, tal como o contexto o determinava. Não demonstrada empiricamente essa
relação é , de se negar a causalidade.
Outro elemento da culpa é a previsibilidade, onde haverá uma possibilidade, não uma
previsão, de que ocorra o fato delituoso. Quando se tratar de culpa consciente, haverá previsão
da ocorrência do resultado danoso. Quando se tratar de culpa inconsciente, haverá a
possibilidade de ocorrência do resultado danoso.
Tanto a culpa consciente como a culpa inconsciente integram a previsibilidade
objetiva e a previsibilidade subjetiva. A previsibilidade objetiva leva em conta o homem
médio, ou seja, uma prudência que qualquer pessoa deveria ter ao prever o resultado. Já a
previsibilidade subjetiva trata do autor do delito, como sua vida social, sua cultura, costumes,
intelectualidade, entre outros. Não será utilizado para a culpa em sim, mas influenciará no
juízo de culpabilidade.
O elemento tipicidade encontra-se previsto no artigo 18, parágrafo único do Código
Penal:
Art. 18 - Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime doloso (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime culposo (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência
ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato
previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Incluído pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
Capez (2007, p. 207) nos ensina:
“para a adequação típica será necessário mais do que simples correspondência entre
conduta e descrição típica. Torna-se imprescindível que se proceda a um juízo de
valor sobre a conduta do agente no caso concreto, comparando-a com a que um
homem de prudência média teria na mesma situação. A culpa decorre, portado, da
comparação que se faz entre o comportamento realizado pelo sujeito no plano
concreto e aquele que uma pessoa de prudência normal, mediana, teria naquelas
mesmas circunstâncias.
21
Com isso, temos que pelo fato de a culpa ser genérica, deve-se analisar o caso
concreto para constatar a sua existência ou não.
3.2 Espécies de culpa
A culpa pode ser classificada em 5 espécies:
3.2.1 Culpa inconsciente
A primeira espécie é a culpa inconsciente, ou seja, é uma culpa que não possui
previsão, o agente não prevê a ocorrência de seu resultado
3.2.2 Culpa consciente
A segunda espécie de culpa é a culpa consciente ou culpa com previsão, Capez (2007,
211) diz que “é aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente
a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que
evitará e que a sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto”.
“O autor não quer o resultado, mas por erro ou excesso de confiança (imprudência),
por não empregar a diligência necessária (negligência), ou por não estar suficientemente
preparado para um empreendimento cheio de risco (imperícia), fracassa e vem a ocasioná-lo.”
(Assis Toledo, 1994, p.302)
Válido observar que ambas as espécies de culpa não possuem tratamento diferenciado
no tocante das penas, devendo assim, na o magistrado, em sua primeira fase da dosimetria da
pena, elevar a sanção daquele que agiu com culpa consciente, pois este possuía maiores
chances de evitar o resultado danoso.
Outra observação importante é a de que a culpa consciente não deve se confundir com
o dolo eventual, pois este prevê o resultado e não se importa com a sua ocorrência ou não, ao
22
contrário daquele que prevê a possibilidade, mas acredita que a mesma não vá ocorrer e não
deseja que ela ocorra.
Nucci (2014, p.187-188) faz uma distinção entre a culpa inconsciente e a culpa
consciente:
A primeira modalidade é a culpa por excelência, ou seja, a culpa sem previsão do
resultado. O agente não tem previsão (ato de prever) do resultado, mas mera
previsibilidade (possibilidade de prever). A segunda é chamada culpa com previsão,
ocorrendo quando o agente prevê que a sua conduta pode levar a um certo resultado
lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na
sua atuação (vontade) para impedir o resultado.
3.2.3 Culpa imprópria
A culpa imprópria é a terceira espécie de culpa, ela ocorrerá quando, mesmo o agente
agindo com dolo, será punido com culpa em razão de política criminal, ou seja, o agente, em
virtude de erro, acredita estar agindo de forma lícita.
“Há uma má apreciação da realidade fática, fazendo o autor supor que está acobertado
por causa de uma exclusão da ilicitude. Entretanto, esse erro poderia ter sido evitado pelo
emprego da diligência mediana, subsiste o comportamento culposo” (CAPEZ 2007, p.212).
Apesar da modalidade culposa não admitir tentativa, quando se trata de culpa
imprópria, estamos diante uma exceção. Por possuir um aspecto híbrido, sendo o crime
metade doloso e metade culposo, admite-se a modalidade tentada.
3.2.4 Culpa presumida
Como quarta espécie, temos a culpa presumida que trata-se de uma espécie de
responsabilidade objetiva, não possui previsão na legislação atual, tendo vigorado apenas no
Código Penal de 1940. Atualmente, deve a culpa ser comprovada, inexistindo a possibilidade
de presunção de culpa.
23
3.2.5 Culpa indireta
Por fim, temos a culpa mediata ou indireta, nesta espécie, o agente dá causa a um
resultado culposo e de maneira indireta.
Para que esta seja configurada, deve o resultar estar presente na linha de
desdobramento causal da conduta e deve ser atribuído ao autor de forma culposa.
Capez (2007, p,214) nos dá o seguinte exemplo:
Um motorista se encontra parado no acostamento de uma rodovia movimentada,
quando é abordado por um assaltante. Assustado, foge para o meio da pista e acaba
sendo atropelado e morto. O agente responde não apenas pelo roubo, que
diretamente realizou com dolo, mas também pela morte da vítima, provocada
indiretamente por sua atuação culposa (era previsível a fuga em direção à estrada).
Concluímos aqui então que o agente agiu de forma dolosa contra a vítima, entretanto,
não agiu com dolo no resultado posterior, sendo caracterizada a culpa consciente ou
inconsciente.
24
IV EMBRIAGUEZ E O ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
A embriaguez é tratada no nosso ordenamento jurídico dentro do título imputabilidade,
a qual esta diretamente ligada a culpabilidade. Senão vejamos:
4.1 A imputabilidade penal
No Código Penal não há um conceito específico para a imputabilidade, apenas foram
elencadas algumas hipóteses para a sua aplicação.
Por não haver um conceito expresso em lei, coube aos doutrinadores conceituar a
imputabilidade.
Sanzo Beodt (apud, GRECO, 2008, p. 396) diz:
A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de
entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se
acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de
compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz que o agente deve
poder „prever as repercussões que a própria são poderá acarretar no mundo social‟,
deve ter, pois, „a percepção do significado ético-social do próprio agir‟. O segundo,
a „capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico.
Conforme Bettiol, é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do
motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal.
Para Cleber Masson (2012, p.452) trata-se da “capacidade mental, inerente ao ser
humano de, ao tempo da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de
acordo com esse entendimento.”
Segundo Capez (2008, p.307) “o agente deve ter condições física, psicológicas, morais
e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade
plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre a sua vontade”
Temos então a imutabilidade como um pressuposto da culpabilidade, sendo a
responsabilidade penal mera consequência.
De acordo com Bitencourt (2015, p. 451-452):
25
A culpabilidade, por sua vez, não se esgota nessa relação de desconformidade entre
ação e ordem jurídica, mas, ao contrário, a reprovação pessoal contra o agente do
fato fundamenta-se não na omissão da ação contrária ao Direito ainda e quando
podia havê-lo omitido, pois dele se espera uma motivação concorde com a norma
legal. A essência da culpabilidade reside nesse “poder em lugar de...”, isto é, no
“poder agir de outro modo” do agente referentemente à representação de sua
vontade antijurídica, e é exatamente aí – nessa liberdade de ação, nessa possibilidade
de agir diferente – onde se encontra o fundamento da reprovação pessoal, que se
levanta contra o autor por sua conduta contrária ao Direito.
Como pode ser analisado na citação acima, temos a imputabilidade como elemento
que a integra. A Imputabilidade, como já foi mencionado no presente capítulo está assegurada
no art. 28 do Código Penal e se delimita pela sua não exclusão. Dessa maneira, cabe destaca
que a imputabilidade ou não se dará a partir das definições dos estágios de embriaguez.
A capacidade de culpabilidade apresenta dois momento os específicos: um
cognoscivo ou intelectual, e outro volitivo ou de vontade, isto é, a capacidade de
compreensão do injusto e a determinação da vontade conforme essa compreensão,
acrescentando que somente os dois momentos constituem, pois, a capacidade de
culpabilidade. (WELZEL, Derecho Penal alemán, cit., p.216, apud Bitencourt, 2015,
p. 457)
Concluindo assim, o entendimento de Welzel e ficando caracterizado que a ausência
de qualquer um dos aspectos mencionados acima é o suficiente para ficar caracterizado o
afastamento da culpabilidade, isto é, imputabilidade penal.
4.2 Critérios de imputabilidade e de inimputabilidade
São três os critérios utilizados para definir a imputabilidade e a inimputabilidade.
4.2.1 Critério biológico
Neste critério, será levado em conta o desenvolvimento mental do agente, ou seja,
doenças mentais e idade, independentemente se possuía ou não a capacidade de entendimento
e autodeterminada à época dos fatos. O agente será considerado inimputável.
26
“Nesse critério basta, para inimputabilidade, a presença de um problema mental,
representado por uma doença mental, ou então por desenvolvimento mental incompleto ou
retardado” (MASSON, 2012, p.453).
“Há uma presunção de que a deficiência ou doença mental impede o sujeito de
compreender o crime ou comandar sua vontade, sendo irrelevante indagar acerca de suas reais
e efetivas consequências no momento da ação ou omissão (CAPEZ, 2008, p. 311).
4.2.2 Critério psicológico
A imputabilidade neste caso irá depender da condição do agente quando praticou a
conduta, se possuía capacidade de entendimento e autodeterminação, independente da sua
condição mental ou idade.
Será analisado então a saúde metal do agente à época dos fatos, não precisando,
necessariamente, ser portador de anomalia psíquica.
Trata-se do oposto do critério biológico.
Segundo Capez (2008, p.311):
Enquanto o sistema biológico só se preocupa com a existência da causa geradora da
inimputabilidade, não se importando se ela efetivamente afeta ou não o poder de
compreensão do agente, o sistema psicológico volta suas atenções apenas para o
momento da prática do crime.
4.2.3 Critério biopsicológico
Trata-se de um critério misto, levando em consideração tanto a presença da doença
mental como a sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento em que
realiza da conduta delituosa.
Dessa forma, temos que até o doente metal pode tornar-se imputável se ao momento
em que praticou a conduta, estivesse com sua devida capacidade de entendimento e
autodeterminação.
O Brasil não optou por apenas um critério, dependendo da causa de inimputabilidade
para que seja definido.
27
4.3 Inimputabilidade penal
Vimos o que é a imputabilidade através do contrário sensu, visto que por outro lado
temos os casos de inimputabilidade, ou seja, casos em que a lei definiu aquelas pessoas que
não irão ser punidas penalmente. As hipóteses são:
4.3.1 Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica
Possui previsão no caput do artigo 26 do Código Penal:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
O critério adotado nesta imputabilidade é o biopsicológico, portanto, nessa hipótese,
para que o doente mental possa ser considerado inimputável, este deve ter a sua
autodeterminação ou capacidade intelectiva comprometida.
Ademais, se sua doença mental permite que o agente tenha momentos de lucidez, se
este praticar o ato delituoso conscientemente, será punido como imputável. Paulo Queiroz
(apud Cunha, 2017, p.313) nos ensina:
A expressão doença mental deve ser entendida em sentido amplo, a fim de
compreender toda e qualquer alteração mórbida da saúde metal apta a
comprometer, total ou parcialmente, a capacidade de entendimento de seu
portador, como esquizofrenia, psicose maníaca-depressiva, psicose alcóolica,
paranoia, epilepsia, demência senil, paralisia progressiva, sífilis cerebral,
arteriosclerose cerebral, histeria, etc., pouco importando a causa geradora de
semelhante estado, se natural ou tóxica (v.g uso de droga lícita ou ilícita),
por exemplo.
Apesar de não serem punidos penalmente, haverá ainda, a fase de inquérito policial,
representação do Ministério Público e a seu respectivo oferecimento de denúncia ao judiciário
cuja sentença final será de absolvição, chamada de absolvição imprópria pois será esta
28
cumulada com uma medida de segurança. Cuja previsão encontra-se no artigo 96 do Código
Penal
Art. 96. As medidas de segurança são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro
estabelecimento adequado; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - sujeição a tratamento ambulatorial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem
subsiste a que tenha sido imposta. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Entretanto ainda no artigo 26, no seu parágrafo único, haverá também o semi-
imputável, pois será um imputável com a pena reduzida:
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em
virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto
ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Neste caso, o semi-imputável terá a pena reduzida ou ter a pena substituída pela
medida de segurança, a depender da finalidade que o juiz julgar adequada, trata-se do sistema
unitário.
4.3.2 Inimputabilidade em razão da idade do agente
A previsão do inimputável menor de 18 anos encontra-se no artigo 27 do Código
Penal: “Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando
sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”
Além disso, a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos
também preveem a sua hipótese em seus artigos 228 e 5º, §5º, respectivamente: "art. 228. São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial.”
Artigo 5. Direito à integridade pessoal
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e
moral.
29
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com
o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
3. A pena não pode passar da pessoa do delinqüente.
4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em
circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição
de pessoas não condenadas.
5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos
adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para
seu tratamento.
6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma
e a readaptação social dos condenados.
Adotou-se aqui o critério biológico em razão do desenvolvimento mental do agente,
pois não depende da autodeterminação e da capacidade de entendimento.
Devido a presunção absoluta, nenhum menor de 18 anos será considerado imputável,
tendo em que vista que possui previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente e
fundamentação na política criminal. Válido observar que a inimputabilidade se exaure no dia
que o menor completa 18 anos.
Para Victor Gabriel Rodriguez (apud Cunha, 2017, p.315):
A principal razão da presunção de inimputabilidade é a política criminal, como
reconhecida pela doutrina desde Tobias Barreto. Atualmente, o ponto 23 da
Exposição de Motivos da Parte Geral do instituto faz referência clara à oportunidade
de educação que deve ser dada ao jovem, ao convívio social „sem sua necessária
submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o À contaminação
carcerária. Em outras palavras (...), é de dizer-se que legislação penal decidiu
consagrar ao jovem a oportunidade de estar afastado das garras do Direito Penal, ou
ao menos daquele Direito penal idêntico ao aplicado ao adulto, embora ele possa ser
de fato responsável por seus atos, embora em última análise seu desenvolvimento
mental não seja de fato incompleto.
Referida menoridade deve ser devidamente comprovada através de documento hábil
para tanto.
3.2.3 Imputabilidade em razão da embriaguez
O surgimento da bebida alcoólica remonta ao período Neolítico, com o
desenvolvimento da agricultura e a invenção das cerâmicas que facilitaram o processo de
fermentação natural de frutas e cereais que deu origem ao álcool. Surgindo assim, a vontade
do consumo de bebidas alcoólicas.
30
Segundo a jurista Maria Helena Diniz, a embriaguez seria:
Perturbação psíquico-somática passageira, em razão de intoxicação aguda e
transitória, provocada por excessiva ingestão de bebidas alcoólicas, podendo
liberar impulsos agressivos, estimular a libido e levar o indivíduo a causar
acidentes ou a praticar ações delituosas. (DINIZ, 1998, p. 46)
Durante o consumo de bebidas alcóolicas há uma proporcionalidade entre a
quantidade consumida e o nível de embriaguez. O álcool no nosso organismo possui efeito
inibidor da função de determinado receptor.
Incialmente serão apresentados os níveis de embriaguez existentes, bem como seus
efeitos.
No primeiro estágio de embriaguez temos poucos mililitros em nosso organismo,
sendo de 0,2 gramas a 0,3 gramas de álcool por litro de sangue (cálculo baseado em uma
pessoa de 70 quilos). Esses mililitros atingem a parte cortical do cérebro, fazendo com que a
pessoa fique extrovertida ou introvertida de forma exagerada. Além disso, as funções mais
complexas também ter sua função comprometida, como é o caso do raciocínio,
comportamento, percepções. Nesse nível os impulsos primitivos prevalecem.
O segundo nível se inicia quando há de 0,3 gramas a 0,5 gramas de álcool por litro de
sangue. Além dos efeitos do primeiro estágio, a partir desse momento haverá um relaxamento
do corpo do indivíduo, ou seja, a pessoa se sente satisfeita e relaxada.
Após ingerir o equivalente a 0,51 gramas a 0,8 gramas de álcool por litro de sangue,
entramos no terceiro nível de embriaguez e é nesse momento que serão afetadas as
habilidades motoras, ou seja, coisas simples como pegar um copo, pegar algo no bolso,
destrancar uma porta passam a serem feitas com dificuldade.
Os efeitos continuam se acumulando e no quarto nível de embriaguez o álcool que
passou a ser de 0,8 gramas a 1,5 gramas de álcool por litro de sangue, irá atingir a
coordenação motora da pessoa que está ingerindo álcool, afetando assim o equilíbrio, a fala, o
andar. O indivíduo alcoolizado tende a ficar mais violento, tem o senso de risco minimizado,
visão turva, reflexos retardados e passa a superestimar possibilidade.
Prosseguindo, no quinto estágio de embriaguez, a quantidade de álcool por litro de
sangue está entre 1,51 e 2 gramas, consequentemente as funções básicas serão atingidas como
ficar acordado, falas sem sentido, visão dupla e falta de coordenação. Consequentemente,
haverá, por exemplo, haverá dificuldade em dirigir um automóvel.
Vale ressaltar que, para chegar a este nível, não há uma quantidade de álcool exata a
ser ingerida para ser aplicada a todos, visto que vários fatores como frequência do consumo,
31
peso, metabolismo, grau de absorção e até mesmo as funções hepáticas influenciam, assim,
cada pessoa tem sua quantidade de consumo para chegar ao quinto estágio.
Esse nível de embriaguez a pessoa não irá mais responder a sons ou estímulos algum.
Essa fase é a mais conhecida como “apagão”, pois, a pessoa irá dormir profundamente e
dificilmente será possível despertá-la. Os níveis de álcool no sangue está entre 2,0 e 5,0
gramas aproximadamente.
O sétimo e último estágio de embriaguez é o coma. Quando a absorção do álcool for
equivalente a mais de 5,0 gramas de álcool por litro, haverá o comprometimento das funções
vitais do embriagado, podendo ocorrer uma parada cardiorrespiratória. dessa forma, deve
atentar à pessoa que está no estágio anterior, pois, a depender da quantidade de álcool
consumida, ainda está ocorrendo a sua absolvição, devendo ser observada a temperatura e
palidez do indivíduo
A embriaguez, segundo o doutrinador Cleber Masson (2014, p. 544), está relacionada
a ingestão de álcool, causando intoxicação resultando na incapacidade de entendimento e
dificuldades para assimilar o que é ilícito ou lícito. Assim afirma:
É a intoxicação aguda produzida no corpo humano pelo álcool ou por substância de
efeitos análogos, apta a provocar a exclusão da capacidade de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Como
exemplos de substâncias de efeitos análogos podem ser apontados o éter, a morfina,
o clorofórmio e quaisquer outras substâncias entorpecentes, ainda que não previstas
na Portaria do Ministério da Saúde responsável por essa tarefa, dependendo, no
caso, de perícia.
Continuando com o raciocínio do doutrinador Cleber Masson, o mesmo afirma que o
conceito acima descrito está relacionado ao da não exclusão da imputabilidade penal, assim
segue afirmando: “a embriaguez acima definida, que não exclui a imputabilidade penal (CP,
art. 28, II), é chamada de embriaguez aguda, embriaguez simples ou embriaguez fisiológica”.
Ainda sobre o conceito de embriaguez, temos o estudo do jurista Roberto Cesar
Bitencourt (2015, p. 491), que além de conceituar, classificou de forma bem sucinta e objetiva
a classificação dos estágios de embriaguez, assim segue afirmando:
A embriaguez pode ser definida como a intoxicação aguda e transitória provocada
pela ingestão do álcool ou de substância de efeitos análogos. Segundo a
classificação mais tradicional, a embriaguez apresenta três estágios: 1º inicial – de
excitação; 2º intermediário – de depressão; 3º final – de embriaguez letárgica (sono
profundo ou coma).
32
Assim como a imputabilidade em razão da anomalia psíquica, na imputabilidade pela
embriaguez, também é adotado o critério biopsicológico, tendo sua previsão expressa no
artigo 28, §1º do Código Penal:
Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
I - a emoção ou a paixão; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Embriaguez
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos
análogos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1 º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso
fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2 º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da
omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
4.3 Espécies de embriaguez
A embriaguez é classificada em 4 espécies e grau.
4.3.1 Embriaguez não acidental
Nessa espécie de embriaguez temos como principais elementos a presença da
voluntariedade, onde o agente quer se embriagar ou a presença da forma culposa, quando o
agente agindo com negligência se embriaga.
Embriaguez voluntária é aquela em que o agente, de forma dolosa ou culposa, ingere
substância capaz de lhe causar perturbação psicossomática. Tratando-se de embriaguez dolosa
ou culposa, no âmbito penal, não importa. Em tese, é aquela em que o agente ao consumir
bebida alcoólica, assumi o risco de praticar um ato ilícito, seja doloso ou culposo, vez que
somente exclui a culpabilidade a embriaguez acidental.
O agente, no caso de embriaguez voluntária, poderá ser condenado e responsabilizado
pelo ilícito praticado. Alguns doutrinadores defendem que na embriaguez voluntária o autor
33
assume o risco, sendo dolo eventual. Outros defendem que o indivíduo não tinha a intenção
de ocasioná-lo, sendo culposo.
Seja a embriaguez completa, seja incompleta, quando não acidental, o sujeito não
ficará isento de pena tendo em vista a aplicação da teoria actio libera in causa onde haverá
um deslocamento da analisa da imputabilidade para o momento em que o agente ainda
possuía consciência e possuía livre vontade. Temos então um afastamento da responsabilidade
objetiva visando não punir aquele que não age culposamente ou dolosamente, analisando a
conduta anterior do agente.
4.3.2 Embriaguez acidental
Embriaguez Involuntária é quando o agente não tem o discernimento apto para
entender o que está ocorrendo, desconhecendo qualquer substância que possa ocasionar tal
fato, ou quando o agente fica alienado a consumir a bebida não sabendo que contém
elementos que possam prejudicá-lo.
Ficam caracterizadas como caso fortuito ou força maior situações em que o agente é
embriagado de forma involuntária, sendo assim, aquelas que o agente desconhece, excluindo a
culpabilidade do delito.
Será caso fortuito quando a agente não possui conhecimento do efeito inibidor da
substância e será caso de força maior quando o agente ingere a substância de forma
obrigatória.
Se a embriaguez for completa o agente será considerado inimputável nos moldes do
artigo 28, parágrafo primeiro do Código Penal. Por outro lado, sendo a embriaguez
incompleta, o agente terá a pena diminuída nos termos do 28, parágrafo segundo do mesmo
Código.
Sobre a embriaguez completa Marques e Capez deram seus pareceres.
Frederico Marques (1997, p.246) afirma que “a embriaguez fortuita, a alcoolização
decorre de fatores imprevistos, enquanto na derivada de força maior a intoxicação provem de
força externa que opera contra a vontade de uma pessoa, compelindo-a a ingerir bebida”
Para Capez (2008, p.317) “não há que se falar em actio libera in causa, uma vez que
durante a embriaguez o agente não teve livre-arbítrio para decidir se consumia ou não a
substância. A ação de sua origem não foi nem voluntária, nem culposa”.
34
Sobre a embriaguez incompleta, Prado (2008, p.378) alega que a “embriaguez
incompleta-fase de excitação (a partir de 0,8g por litro de sangue)”. Portanto, temos que será
incompleta a embriaguez quando há perda parcial da capacidade de entendimento do agente.
4.3.3 Embriaguez patológica
A embriaguez patológica é aquela proveniente de uma doença, podendo ser
considerada uma anomalia psíquica e que, de acordo com o caso concreto, poderá gerar a
imputabilidade como nos moldes do artigo 26 do Código Penal ou a redução de sua pena
Se a embriaguez for completa, o agente se enquadrará nos termos do caput do artigo
26 do Código Penal:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Em contrapartida, se a embriaguez for incompleta, poderá ser equiparada e aplicado o
parágrafo primeiro do artigo 26 do Código Penal:
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em
virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto
ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
4.3.4 Embriaguez preordenada
A quarta e última espécie de embriaguez é a preordenada, cuja finalidade é cometer
um crime, o que faz com que o agente ingira bebida alcóolica ou outra substância com efeito
análogo.
De acordo com Rogério Sanches Cunha (2011, p.28): “é a hipótese em que o sujeito
embriaga-se propositalmente para cometer um crime. A teoria da actio libera in causa,
35
também nesta hipótese, impede a isenção da pena (mesmo que completa), determinando a
incidência de agravante de pena (art. 61, II, “l”).
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a reincidência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de
outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que
dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou
cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei
específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou
profissão;
h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida.
(Redação dada pela Lei nº 9.318, de 1996)
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; (Redação
dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou
de desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.
Não deve-se confundir a embriaguez não acidental com a embriaguez preordenada,
tendo em vista que nesta o agente se embriaga com a finalidade de cometer um delito,
enquanto aquela o agente visa apenas se embriagar, em intenção alguma de cometer uma
infração penal.
Rogério Greco (2008, p. 405) alega:
Pela definição da actio libera in causa de Narcélio de Queiroz, percebemos que o
agente pode embriagar-se preordenadamente, com a finalidade de praticar uma
infração penal, oportunidade em que, se vier a cometê-la, o resultado lhe será
imputado a título de dolo, sendo, ainda, agravada a sua pena em razão da existência
da circunstância prevista no art. 61, II, I, do Código Penal, ou, querendo ou não se
embriagar, mas sem a finalidade de praticar qualquer infração, se o agente vier a
causar um resultado lesivo, este lhe poderá ser atribuído, geralmente, a título de
culpa.
Para que esse problema seja solucionado temos que “a teoria da actio libera in causa
foi desenvolvida para a embriaguez preordenada, e para ela, se encaixa perfeitamente. O
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agente embriaga-se com a intenção de cometer um crime em estado de inconsciência, e assim
o faz” (MASSON, 2012, p.472).
Diante o exposto temos a teoria da actio libera in causa como a solução para que haja
a devida punição do agente sem se valer da fundamentação pautada na responsabilidade
objetiva.
37
V TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E APLICAÇÃO AOS CRIMES DE
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
Segundo Luiz Flávio Gomes, a Teoria do actio libera in causa “vem solucionar casos nos
quais, embora considerado inimputável, o agente tem responsabilidade pelo fato”.
O autor refere o clássico exemplo da embriaguez preordenada, quando uma pessoa se
embriaga com o fim de cometer um delito.
José Frederico Marques ensina que o artigo 28, inciso II do Código Penal, trouxe uma hipótese
de imputabilidade legal: “é porque o texto que o indivíduo embriagado não tem sua imputabilidade
excluída, quando a embriaguez é voluntária e culposa, que ele responde pelo ato praticado nesse
estado de transtorno mental transitório”.
O doutrinador Capez (2009, p.339) defende a tese de que a embriaguez não acidental jamais
exclui a imputabilidade, seja voluntária, culposa completa ou incompleta.
Isso porque, no momento em que ele ingeria a substância, era livre para decidir se
devia ou não o fazer. A conduta, mesmo quando praticada em estado de embriaguez
completa, originou-se do ato de livre arbítrio do sujeito, que optou por ingerir a
substância quando tinha a possibilidade de não o fazer.
Em sentido diverso, Mirabete (2009) afirma que a teoria do Actio libera in causa é
válida caso o agente assuma o risco de, embriagado, cometer um crime ou praticar um delito
previsível, mas não será aplica a teoria nos casos em que o agente não quer ou nem ao menos
prevê a possibilidade de comete um ato ilícito.
Para o doutrinador Masson (2012, p.471):
[...] teoria da actio libera in causa, em claro e bom português teoria da ação livre na
causa. Fundamenta-se no princípio segundo o qual “a causa da causa também é a
causa do que foi causado, isto é, para aferir-se a imputabilidade penal no caso da
embriaguez, despreza-se o tempo em que o crime foi praticado.
Três elementos são essenciais para a melhor compreensão da teoria em questão.
Como primeiro elemento é a conduta. Tal conduta deve ser voluntária e anterior a
prática da infração penal. Essa conduta voluntária causa efeitos psíquicos no agente para que
assim, ele possa chegar ao resultado pretendido da infração penal.
Como segundo elemento, temos a definição de Haroldo da Silva (2004, p.80) que diz
que deve haver “um consequente processo de produção do fato, que seja a manifestação de
um dinamismo ideomotor, tornado incoerente por um ato de vontade do agente”.
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Na posição de terceiro elemento, temos o nexo causal, o qual deve ligar a conduta
voluntária inicial ao resultado da infração penal. Ou seja, comprovar que houve a ingestão de
bebida alcóolica a fim de praticar o delito “inconscientemente”.
Vale ressaltar que a actio libera in causa não pode ser aplicada nos casos de
embriaguez acidental, quando houver caso fortuito ou de força maior em que se retira
completamente a capacidade de consciência. Caso a embriaguez seja incompleta, o agente
terá apenas a diminuição da pena.
5.1 Actio libera in causa e os crimes dolosos
Nessa modalidade, a teoria da actio libera in causa irá reconhecer que o agente se
submete de forma voluntária a um estado de incapacidade a fim de praticar um resultado de
uma ato delituoso, também de forma dolosa.
5.2 Actio libera in causa e os crimes culposos
Para que haja a aplicação da teoria da da actio libera in causa no caso de um crime
culposo, deve ser feita uma análise dos fatos do crime em questão e analisar como o agente
colocou-se em situação de incapacidade e violou a norma e o dever de cuidado objetivo
(negligencia, imprudência, imperícia).
Ademais, deve ter atenção redobrada nesse ponto, visto que a culpa consciente
ocorrerá quando o agente, mesmo sendo imputável, se coloca em um estado de incapacidade,
posteriormente causando um crime, porém possuía confiança de que o resultado não
ocorreria, enquanto a culpa inconsciente ocorre quando o agente, ao se colocar em estado de
incapacidade, não previa de forma alguma o cometimento de um delito, sendo a embriaguez
voluntária, porém não a causa do crime.
5.3 Reflexos da teoria da actio libera in causa nos crimes de embriaguez
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Quando a capacidade de entendimento e a autodeterminação estão totalmente
comprometidas e sem consciência em razão da ingestão de álcool ou sustâncias com efeitos
análogos, a teoria da actio libera in causa irá deslocar do a constatação da imputabilidade
para o momento anterior em que o agente estava consciente, e será analisado o seu subjetivo
nesse momento.
Assim, temos as consequências da aplicação da teoria da actio libera in causa que irá
versar sobre os atos praticados anteriormente à conduta. Vejamos as situações:
Se no momento anterior à imputabilidade gerada pela ingestão de álcool, o agente era
imputável, prevê o resultado e quer que ele ocorra, se a conduta estiver prevista no tipo e
penal e ocorrer o seu resultado, o agente irá responder pela modalidade dolosa.
Se houver o resultado, irá o agente responder por dolo eventual quando este, imputável
anteriormente à inimputabilidade causa pela ingestão de álcool, prevê o resultado, aceita ou
assume o risco de que ele ocorresse.
Dessa forma, se no momento em que o agente é imputável, antes mesmo da ingestão
de álcool, prevê o resultado danoso, mas acredita que consegue evita-lo, haverá a incidência
da culpa consciente caso o resultado ocorra. Entretanto, se o agente não possuir essa previsão,
caso o resultado se concretize, ele responderá na modalidade de culpa inconsciente.
Por fim, temos a situação em que o agente imputável, antes mesmo da ingestão de
estar sob os efeitos do álcool, não prevê o resultado e este ocorre. Em razão da atipicidade, o
agente não irá responder por nada.
Observa-se que no último caso há a ausência de dolo e culpa e, por não haver o
elemento subjetivo, não haverá conduta e a tipicidade da infração penal será excluída.
5.4 Crime de embriaguez ao volante
O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro nos traz um crime de perigo abstrato:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em
razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine
dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º. As condutas previstas no caput serão constatadas por:
40
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou
igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da
capacidade psicomotora.
§ 2º. A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de
alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou
outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
§ 3º. O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia
ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
(Redação dada pela Lei nº 12.971, de 2014)
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal segue no mesmo sentido:
Ementa: HABES CORPUS PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE.
ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE
DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM
DENEGADA. I - A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma
transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela
da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de
segurança nas vias públicas. II - Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o
comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado
pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa
o resultado. Precedente. III - No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o
acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de
álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja
caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime. IV
- Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano
causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer
inconstitucionalidade em tal previsão legal. V - Ordem denegada.
Em sua doutrina, Cleber Masson (2012, p. 470) concorda com a jurisprudência:
[...] esse delito insere-se no rol dos crimes de perigo abstrato, e sua descrição legal
não atenta contra princípios constitucionais, porque é cientifica e estatisticamente
comprovado que a condução de veículo automotor por quem ingeriu álcool ou
substâncias psicoativas em determinado patamar coloca em risco a incolumidade
física e a vida de terceiros, dada a diminuição dos reflexos, da percepção sensorial e
da habilidade motora.
Os crimes de perigo abstrato são duramente criticados e alvos de alegações de
inconstitucionalidade, entretanto, esse é o posicionamento majoritário do Supremo Tribunal
Federal. O fato de dirigir embriagado pode causar grandes danos irreversíveis, dai a
fundamentação de seu perigo ser abstrato, tais resultados lesivos merecem medidas mais
rigorosa.
Ainda sobre o artigo 306 do Código Penal, vale ressaltar que é necessário que o estado
de embriaguez seja comprovado, portanto, utiliza-se o exame de sangue como meio de prova
41
pericial ou outros métodos correspondentes, tais como o teste do bafômetro, devidamente
referenciado no artigo segundo do Decreto Federal n. 6.488/2008:
Art. 2º. Para os fins criminais de que trata o art. 306, da Lei n o 9.503, de 1997,
Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia
é a seguinte:
I-exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por
litro de sangue; ou
II-teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool
igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.
Vemos então que há diversos meios de se comprovar que o agente conduzia veículo
automotor sob influência de bebida alcóolica, a fim de evitar possíveis resultados lesivos à
vida ou à integridade física da coletividade.
5.5 Teoria da actio libera in causa nos casos de embriaguez não acidental
Um dos motivos para que a Lei 11.705 de 2008 seja tão severa advém do grande
número de ocorrência de acidentes de trânsito, fazendo com que surjam diversos advogados
atuando nesta área.
Muitos dos advogados que atuam em casos de acidente de trânsito acabam por
tipificarem a conduta como dolosa em sua modalidade eventual, a qual não concordamos.
Visto que a teoria da actio libera in causa realiza o deslocamento do momento de
análise da imputabilidade e de seu elemento subjetivo, aquele pretendido pelo agente, para o
momento anterior à ingestão de bebida alcóolica, evitando assim, a aplicação da
responsabilidade penal objetiva.
Lembrando que, esta teoria não ocorre nos casos de embriaguez acidental, onde se ela
for completa, haverá a inimputabilidade ou se incompleta, redução da pena a ser aplicada.
Por outro lado, ao contrário do que ocorre com a embriaguez acidental, a embriaguez
não acidental, seja ela culposa ou voluntária, incompleta ou completa, será aplicada a teoria
da actio libera in causa, aplicando, consequentemente, a culpa consciente do agente e não o
dolo eventual como muitos afirmam.
Dessa forma, na culpa consciente, “o agente prevê o resultado, mas espera que ele não
ocorra, supondo poder evita-lo com sua habilidade ou sorte” (CUNHA, 2011, p.49).
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Enquanto que, o dolo eventual é caracterizado pela teoria do consentimento, ou seja,
além do agente possuir a previsão do resultado, ele continua a sua conduta, assumindo o risco
previsto.
Fernando Capez (2012, p.212) nos traz a diferença entre o dolo eventual e a culpa
consciente: “o traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz:
„não importa‟ enquanto na culpa consciente supõe: „é possível, mas não vai acontecer de
forma alguma1‟”.
Com a distinção dada acima pelo Capez, fica mais clara a diferença entre as duas
modalidades e torna mais fácil a comprovação de que a embriaguez não acidental, seja ela
culposa ou voluntária, em sua maioria, será culpa consciente. Oras, ao admitir que trata-se de
dolo eventual, estaria o agente colocar sua própria vida em risco, tendo em vista que a vida
humana é fragilizada diante acidentes com veículo automotor, com grandes chances de risco
tanto ao condutor quanto às supostas vítimas.
Entretanto, a controvérsia está na hipótese de resultado morte de crime de embriaguez
ao volante, se seria caracterizado o dolo eventual ou não. Se assim for considerado, o crime
vai à júri, onde há o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, ficando o condutor com seu
destino nas mãos dos jurados, que não possuem conhecimento jurídico para notar que há uma
linha tênue entre a culpa consciente e o dolo eventual, dando a eles a clara ilusão de que o
crime foi praticado dolosamente na espécie eventual.
Esse é o pensamento de Silvio Maciel (2011):
Se o condutor está embriagado ou em situação de “racha” lhe é imputado o crime de
homicídio doloso, ainda que nos autos não haja um elemento concreto sequer de que
o agente de fato tenha atuado com dolo eventual. E como o julgamento do homicídio
doloso é realizado por juízes leigos (jurados) torna-se muito fácil convencê-los de
que o réu “assumiu o risco” e por isso agiu com dolo eventual. É bem verdade que
essa diferença apontada acima, embora ontologicamente seja bem nítida, na prática é
muito sutil, o que torna muito difícil – quase um exercício de vidência – saber se o
agente atuou com culpa consciente ou dolo eventual. Não menos verdade, porém, é
que um dos axiomas mais importante do direito é o do “in dubio pro reo”, razão pela
qual não se pode, à mingua de qualquer elemento concreto de prova, imputar ao
agente o dolo eventual apenas para satisfazer verdades pessoais ou sentimentos
particulares de justiça (o que, aliás, ocorre muito na prática judicial deste país).
Somente as circunstâncias do caso concreto, devidamente comprovadas nos autos
permitem afirmar o elemento subjetivo do agente, razão pela qual não se pode
generalizar que nos acidentes de trânsito em situação de “racha” ou com o condutor
embriagado há, necessária e invariavelmente, dolo eventual.
Há detalhes não notados que dão maior embasamento à tipificação como culpa
consciente quando há resultado morte. Silvio Maciel (2011) alega que com a alteração da Lei
n. 11.705 de 2008, passou a ser admitida na lei seca a existência do crime na modalidade
culposa quando houver situação de embriaguez do condutor ou “racha”.
43
Essa previsão está contida no artigo 291, parágrafo 1º, inciso I e II do Código de
Trânsito Brasileiro:
Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código,
aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este
Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro
de 1995, no que couber. § 1- Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal
culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995,
exceto se o agente estiver: (Alterado pela L-011.705-2008) I- sob a influência de
álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; II-
participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de
exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não
autorizada pela autoridade competente.
O Supremo Tribunal Federal já possui entendimento no sentido de que os crimes de
embriaguez ao volante cujo resultado será morte, será classificado como culpa consciente,
exceto nos casos em que for comprovado o dolo eventual do condutor.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, na tarde de hoje
(6), Habeas Corpus (HC 107801) a L.M.A., motorista que, ao dirigir em estado de
embriaguez, teria causado a morte de vítima em acidente de trânsito. A decisão da
Turma desclassificou a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso (com
intenção de matar) para homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção de
veículo, por entender que a responsabilização a título “doloso” pressupõe que a
pessoa tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime. Ao expor seu
votovista, o ministro Fux afirmou que “o homicídio na forma culposa na direção de
veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio
doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual”.
Conforme o entendimento do ministro, a embriaguez que conduz à
responsabilização a título doloso refere-se àquela em que a pessoa tem como
objetivo se encorajar e praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.O ministro
Luiz Fux afirmou que, tanto na decisão de primeiro grau quanto no acórdão da Corte
paulista, não ficou demonstrado que o acusado teria ingerido bebidas alcoólicas com
o objetivo de produzir o resultado morte. O ministro frisou, ainda, que a análise do
caso não se confunde com o revolvimento de conjunto fático-probatório, mas sim de
dar aos fatos apresentados uma qualificação jurídica diferente. Desse modo, ele
votou pela concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao acusado
para homicídio culposo na direção de veículo automotor, previsto no artigo 302 da
Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro). (BRASIL, 2012c)
Silvio Maciel nos dá um exemplo que nos mostra quando será tipificado o dolo
eventual em um crime de embriaguez ao volante com resultado morte, o que diferencia cada
fez mais as duas espécies e está de acordo com a posição de que trata-se de culpa consciente
nos casos de embriaguez não acidental:
Em nossas aulas, fornecemos os seguintes exemplos aos alunos: em um caso real,
ocorrido na cidade de Curitiba, o agente, revoltado com o fim do namoro, passou a
efetuar manobras radicais com o automóvel na rua onde a ex-namorada residia;
antes de entrar no automóvel ele avisou algumas mulheres para recolherem os filhos
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da calçada porque ele estava revoltado e não se importava se matasse alguma
criança; durante as manobras radicais ele perdeu o controle do automóvel, avançou
sobre a calçada, atropelou e matou uma criança; desceu do automóvel e disse “eu
avisei”. Nesse caso, diante das circunstâncias do caso concreto, evidenciado ficou o
dolo eventual; mas em outro exemplo, se um pai sai da festa de formatura da filha e
no trajeto causa um acidente matando a própria filha, não se pode afirmar que o
infrator agiu com dolo eventual apenas porque tomou dois copos de bebida alcoólica
durante o evento. Da mesma forma que não se pode afirmar que houve dolo eventual
na conduta de um filho que, socorrendo o pai para o pronto socorro, imprime
velocidade excessiva no automóvel e causa um acidente matando o próprio pai
(esqueçamos aqui a situação de estado de necessidade que não interessa no
momento). Veja-se que nos três exemplos acima, o agente previu o resultado; nos
três exemplos, um leigo diria com a maior certeza do mundo que os condutores
“assumiram o risco”. Mas certamente o que houve no primeiro exemplo foi dolo
eventual e nos dos últimos, culpa consciente.
Portanto, se não for devidamente comprovado o dolo eventual, o condutor embriagado
de forma não acidental que comete homicídio, terá sua conduta tipificada como culpa
consciente.
5.6 Teoria da actio libera in causa nos casos de embriaguez preordenada
A teoria da actio libera in causa se aplica perfeitamente aos casos de embriaguez
preordenada na direção de veiculo automotor.
Cleber Masson (2012, p.472) ensina:
O agente embriaga-se com a intenção de cometer um crime em estado de
inconsciência, e assim o faz. O dolo estava presente quando arquitetou o crime, e
por esse elemento subjetivo deve ser punido. Vale lembrar o clássico exemplo do
guarda chaves que se embriaga com a intenção de não acionar as chaves à chegada
do trem produzindo a catástrofe. No momento de beber, era ele imputável, mas já
não o era no momento do desastre. Na embriaguez preordenada o fundamento da
punição é a causalidade mediata. O agente atua como mandante, na fase anterior, da
imputabilidade, e faz executar o mandato criminoso, por si mesmo, como
instrumento, em estado de inimputabilidade.
Temos aqui, claro e evidente que o condutor se vale da embriaguez com a finalidade
de praticar um crime, transformando a condição de embriaguez como uma forma ser
considerado inimputável, porém, sua conduta será tipificada como dolo, pois, com base na
teoria finalista, houve dolo por parte o condutor.
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CONSIDERÇÕES FINAIS
Com o passar dos anos, a legislação de trânsito brasileira vem sofrendo grandes
modificações, visando punir condutas que contrariam a lei.
Nos dias atuais, a quantidade de automóveis em circulação exorbitante, e tendência é
que o aumento seja cada vez maior e consequentemente o número de infrações de trânsito
também aumentam.
Diante à falta de conhecimento da sociedade em compreender os institutos penais, há
uma grande pressão para que o Estado imponha uma punição mais onerosa. O melhor
caminho a ser percorrido foi a criação do tipo penal autônomo do ébrio, colocando fim às
discussões acerca o assunto, fazendo com que o legislador, possa se basear inclusive na lei
ordinária para que seja feita a correta aplicação do direito e não em mera pressão realizada
pela sociedade.
Assim, há possibilidade de criminalizar o ébrio quando este conduz veículo automotor
em estado de embriaguez de forma voluntária e culposa, cuja execução é livre. Acabará assim,
os vestígios sobre a dúvida acerca a embriaguez não acidental, seja ela na modalidade
voluntária ou culposa, no que tange sua tipificação como dolo eventual ou como culpa
consciente.
Visando um melhor entendimento, narra-se o conceito de crime relacionado a
classificação da teoria neoclássica, ou seja, o crime se define a partir de três elementos que
vão constituí-lo, sendo a ação típica, antijurídica e culpável.
Para um esclarecimento ainda maior, a presente monografia aborda o dolo em si,
quando o agente sente a vontade de praticar o ato, apresentando noções gerais de dolo, suas
teorias e descrevendo todas as espécies do dolo.
Dando sequência ao conteúdo, relata-se o noções de culpa no ordenamento jurídico,
mostrando-a de forma voluntária e suas espécies.
É necessário o entendimento do que a embriagues em âmbito jurídico, e quando trará
sansões como consequência. Descreve-se então no presente trabalho monográfico todas as
espécies de embriaguez.
Temos então a teoria da actio libera in causa como meio mais adequado para
solucionar de forma justa os crimes praticados pelos ébrios habituais, a fim de que a
responsabilidade objetiva seja afastada. Ela deve ser afastada em razão de gerar
46
responsabilidade ao agente independe dele ter agido com dolo ou culpa, sendo incriminado
simplesmente pela sua conduta delituosa.
Além disso outro questionamento que surge nesse âmbito é acerca os crimes de perigo
abstrato, ou seja, aqueles crimes em que não é necessário comprovar o perigo de lesão, basta
ela ser presumida, como por exemplo o que ocorre no artigo 306 do Código de Trânsito
Brasileiro
Até com uma ficção jurídica como base para se aplicar o tipo subjetivo, os operadores
do direito não aplicam a teoria de actio libera in causa de forma correta, visto que, repetidas
vezes os Tribunais necessitam reiterar seus posicionamentos a fim de corrigir os erros de
interpretação pena nos casos concretos.
47
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008. Regulamenta os artigos 276 e 306 do
Código Brasileiro de Trânsito. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 20 jun. 2008. Disponível em: Acesso em: 10 mar. 2019.
______. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana de
Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 07 nov. 1992. Disponível em: Acesso em: 10 mar. 2019
______. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código penal. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 dez. 1940. Disponível em:
Acesso em: 10 mar. 2019.
______. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. CLBR, Brasília,
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Públicas sobre as Drogas. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
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______. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei nº 9.503 - Código de Trânsito
Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 jun. 2008.
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Acesso em: 10 mar, 2019.
______. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Institui os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set. 1995.
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2019.
______. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro.
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