Fichamento Bosi - Paula Pinheiro Costa

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  • Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Letras e Artes Faculdade de Letras Departamento de Letras Vernculas Setor de Literatura Brasileira Poesia Brasileira I Docente: Rodrigo Jorge Discente: Paula Pinheiro Costa DRE: 113068204

    Fichamento do texto Do Antigo Estado Mquina Mercante

    1. INTRODUO

    O autor comea fazendo uma anlise do soneto Triste Bahia, explicitando dois movimentos de sentido oposto: primeiramente h uma identificao entre o eu-lrico e a cidade da Bahia personificada, nos dois quartetos. Depois, nos dois tercetos, o sujeito-lrico distancia-se da Bahia para imputar-lhe castigo, invocando a mediao de Deus.

    A exclamao Triste Bahia, que abre o soneto, d pistas de como se d a aproximao entre o sujeito-lrico e a cidade: o nome da cidade alheio a uma construo frsica denota uma forte identificao do eu-lrico com a Bahia; e a qualificao triste, alm de demonstrar o estado depressivo da cidade (sua condio de esprito), indica que algo aconteceu Bahia, causando sua desgraa.

    No primeiro quarteto, o foco est no fato de que a mudana afetou tanto a Bahia quanto o sujeito-lrico, o eu e o tu. H uma profunda e marcada associao entre sujeito e objeto.

    Est presente neste primeiro quarteto uma troca de vises entre a cidade e o sujeito-lrico. H um reconhecimento entre ambos, mas com uma diferena: essa mudana lanou os dois na pobreza, que refletida nesta troca de vises.

    No segundo quarteto, o sujeito-lrico acusa a mquina mercante de ser a causadora da mudana funesta. Esta entidade pode ser entendida concreta ou metonimicamente: no primeiro sentido refere-se aos navios mercantis europeus, que aportavam na Bahia de Todos os Santos. No segundo, representa todo o sistema mercantil.

    O poeta usa o verbo trocar com dois sentidos: primeiro para designar a atividade mercantil em si. Mas, alm disso, o verbo trocar tem o sentido de mudar. E, neste sentido, a mquina mercante trocou a Bahia, metamorfoseou-a. O resultado desta metamorfose foi a pobreza do sujeito-lrico e da Bahia.

    No primeiro terceto, o sujeito-lrico deixa a atitude de simpatia para assumir um distanciamento em relao cidade da Bahia. Como diz Bosi, aqui se d a passagem do lrico sofrido (Triste Bahia!) ao satrico encrespado. O sujeito-

  • lrico critica a posio da Bahia diante do Brichote, pois o saldo da negociao foi negativo para a cidade.

    No ltimo terceto, v-se o veredito e a condenao da cidade: ela deve recolher-se na sua pobreza; vestir o capote de algodo, tecido simples e prprio dos mais pobres.

    2. GREGRIO EM SITUAO: ESTAMENTO, RAA, SEXO

    Bosi analisa o panorama histrico no qual Gregrio inseriu-se de flutuaes mercantis ocorridos no sculo XVII, como a crise do acar e o declnio da poltica protecionista da corte portuguesa com relao produo de acar no Brasil.

    A passagem do Antigo Estado Mquina Mercante acusada por uma abertura efetiva da barra de Salvador a navios estrangeiros, depois de passado mais de meio sculo em que s navios portugueses gozavam legalmente dessa regalia. (p.99)

    O poeta barroco insere-se numa ciso existencial entre o tipo humano ideal (o bom homem, com o qual o prprio poeta se identifica), e o com o tipo humano brbaro (que d primazia aos seus prprios interesses, e pelo qual o poeta sente repulsa).

    O resultado do conflito existencial do poeta barroco uma posio preconceituosa e ressentida, pois com a ascenso dos no-nobres, os indivduos de estirpe perdem suas regalias. Este o alvo de Gregrio de Matos: todos aqueles que no so nobres de nascimento, os que Bosi chama de ignbeis.

    A questo do preconceito de cor aparece fortemente em Gregrio, pois esta a caracterstica prototpica da diviso social no Seiscentos, e ver indivduos mestios adquirindo cargos antes reservados a pessoas de linhagem causa um forte impacto no poeta.

    3. EROS RETALHADO

    A representao amorosa na poesia de Gregrio tambm revela uma ciso dupla: de um lado aparecem as mulheres idealizadas, herana de uma tradio trovadoresca; de outro, as mestias e negras, meretrizes cuja representao permeada por elementos erticos e sexuais.

    A diviso de tratamento do erotismo em Gregrio obedece sua partio entre nobre-ignbil, e isto visualizado a partir da comparao que Bosi faz entre Rabelais e Gregrio: a obscenidade presente no primeiro tem por objetivo destronar conceitos e aspectos at ento tratados como sacros, ideias. J no segundo, a ideia , de fato, sacralizar o que ideal em essncia (numa platonizao da mulher nobre e branca) e profanar o que profano, a saber, a mulher negra e mulata.

  • Ainda que a bipartio da representao amorosa seja definida, na poesia de Gregrio h espao para um certo equilbrio. Exemplo disso a figura de Custdia, uma mulata desejada pelo poeta, mas apaixonada por Gonalo, filho de Gregrio. Aqui encontra-se uma viso mais atenuada de Custdia, embora em algumas partes esta viso seja mais turbulenta.

    4. DEUS BIFRONTE

    A poesia sacra de Gregrio tambm bipartida: de um lado marcado por um vis moralista de outro pela sublimao mstica da figura divina.

    O lado moralista da poesia de Gregrio apela para a figura do pecador confessando os seus pecados. No entanto, enganoso pensar que a confisso motivada por um corao arrependido. Pelo contrrio, a motivao do pecador o medo da morte eterna. Assim, o sujeito-lrico apela para uma permuta com Deus, no sentido de que o perdo seria glria para Deus.

    Outro aspecto da veia moral da poesia de Gregrio o olhar para o dia do Juzo Final. Bosi analisa que este elemento aparece como uma condenao para o mundo s avessas e perdido no qual o poeta insere-se.

    O tom moralista da poesia sacra de Gregrio coexiste com um outro modo de poetar a lo divino, no qual o centro inspirador do texto no est na angstia da falha reiterada nem no medo da pena eterna, mas na memria da Paixo de Cristo. O texto possui um forte apego figura do amor de Cristo, e Sua divindade.

    A veia sublimada de Gregrio no chega a ter expressividade na stira crtica, esta voltada para retratar um cotidiano socialmente bipartido.