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Globalização ou Metamorfose do Capitalismo
Jair do Amaral Filho
Maria Cristina Pereira de Melo
Anais do XXV Encontro Nacional da ANPEC
Recife, PE, 09 – 12 de dezembro de 1997
p. 702 – 721
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
ANPEC
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Globalização, ou metamorfose do capitalismo
Jair do Amaral Filho
Universidade Federal do Ceará-UFC
amarelojair@gmail.com
Maria Cristina Pereira de Melo
Universidade Federal do Ceará-UFC
melomariacristina@gmail.com
1. Introdução
Longe de ser um fenômeno totalmente compreendido e consensual a globalização vem servindo
para explicar tanto as coisas boas quanto as coisas ruins manifestadas nas economias nacionais e
locais. A dificuldade de se compreender tal fenômeno deve-se ao seu estado inacabado, à sua
amplitude e à sua complexidade mas também à manipulação ideológica da noção e do conceito de
globalização. Por sua vez, a heterogeneidade que se encontra nas interpretações dos seus resultados
computa-se ao fato de a globalização, na situação que se apresenta, ter produzido tanto ganhadores
como perdedores, demonstrando ser um jogo a soma nula.
O presente texto tem a intenção de fazer uma leitura do fenômeno da globalização, entendendo
que longe de ser um fenômeno definido e homogêneo ele é por enquanto mais uma metamorfose do
capitalismo a nível mundial. Entretanto, esta metamorfose tem a particularidade de devolver ao
capitalismo a sua vocação de sistema global, contando para isso com uma base técnica sem
precedentes na história. Em primeiro lugar, será examinado a emergência do termo globalização, seus
impactos sobre os termos consagrados e sua correspondência com a realidade. Em segundo lugar,
procurar-se-á identificar uma “história específica” para o fenômeno em questão, dentro da qual se
verifica a quebra do regime de acumulação assim como do modo de regulação que predominaram nas
economias capitalistas durante os “trinta gloriosos” anos que sucederam a II Guerra Mundial. Em
terceiro lugar, tratar-se-á dos atores protagonistas do fenômeno da globalização, procurando identificar
seus papéis. Em último e quarto lugar, verificar-se-ão os impactos e os desdobramentos provocados
pela referida metamorfose sobre a configuração do capitalismo mundial.
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2. Emergência do termo
A Globalização está irremediavelmente na ordem do dia, e por um longo tempo. Poucos foram
os temas que ocuparam tanto espaço na imprensa, nas discussões informais, nos debates acadêmicos e
ganharam alcance planetário quanto o da globalização da economia. Forjado (segundo CHESNAIS,
1994) no início da década de 80 dentro das grandes escolas americanas de administração das empresas
ou (segundo BOYER, 1996) originado na literatura consagrada às firmas multinacionais, depois
popularizado pelos livros de consultores internacionais (como OHMAE) durante toda aquela década, o
termo globalização difunde-se com força nos anos 90, já por influência do surgimento e da aceleração
de seus resultados concretos.
A partir daí o termo globalização passou a deslocar termos consagrados pela Ciência
Econômica tais como “Economia Internacional”, “Internacionalização”, “relação Norte-Sul”, “Centro-
Periferia”, que preenchiam a função de caracterizar a configuração da economia mundial. Estes termos,
associados às noções de fronteiras, regulamentações e divergências entre nações, perdem espaço para
globalização, este porém mais associado à derrubada das fronteiras, as desregulamentações e a pretensa
convergência dos resultados positivos de um mundo globalizado.
O termo globalização passou também a absorver outros termos, em especial aqueles com
pretensões de explicar o novo “modus operandi” da economia mundial, tal como “economia pós-
industrial”, para designar o forte crescimento do setor serviços, e “pós-fordismo”, para indicar a
emergência de novos sistemas organizacionais e produtivos como, por exemplo, o toyotismo.1 Estes
últimos termos, dado o seu caráter parcial, passaram tão somente a fazer parte do conjunto de
características da globalização. Diante desses dois impactos observa-se que o termo globalização vem
assumindo, do ponto de vista da retórica, uma força unificadora muito embora reducionista.
1Sistema desenvolvido originalmente pela firma japonesa Toyota, e que se contrapõe ao sistema tradicional taylorista.
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Apesar da extensão tomada na utilização do termo globalização há que se ressaltar o
desconforto no seu emprego, tendo em vista que aquele termo passa a idéia de uma situação definida,
adquirida e generalizada. É verdade que a queda das barreiras comerciais, as desregulamentações dos
mercados em especial financeiro, a queda dos custos dos transportes internacionais e o avanço
tecnológico nas telecomunicações e na informática revolucionaram as noções de tempo, espaço e por
consequência de comunicação mas, rigorosamente, o termo globalização, tal como o senso comum nos
faz passar, não corresponde perfeitamente à realidade.
Pretendendo traduzir o atual estágio do capitalismo mundial a globalização não seria mais do
que uma possibilidade futura, aquela do capitalismo total, em todos os países, em todos os segmentos
das atividades humanas, promovendo a homogeneização das normas de consumo, normas de produção,
a livre circulação mundial das mercadorias, do capital, do trabalho e do conhecimento.
Neste sentido globalização é um termo precoce. Entretanto, percebe-se que ele é utilizado
conscientemente pelas instituições internacionais, grande imprensa2, altos funcionários de governos
dos países industrializados e representantes das firmas multinacionais na forma de conceito e de
ideologia com o fim de desobstruir as forças contrárias ao pleno funcionamento do mercado, mas
também com o objetivo de procurar acelerar e coordenar, a seu favor, o processo em curso, que deve
levar o capitalismo mundial ao seu estágio mais avançado, aquele do capitalismo total e globalizado.
Independente das idiossincrasias, o momento atual da globalização pode ser definido como um
fenômeno ao mesmo tempo comum e singular na história do capitalismo mundial, ambos se
manifestando através do processo da metamorfose. A metamorfose é comum ao capitalismo porque
ela sempre esteve inerente a esse sistema e nunca o abandonou, ao contrário dos sistemas anteriores.
Além do que todas as metamorfoses experimentadas pelo capitalismo sempre procuraram o caminho
da expansão global. Mas ela é singular porque a metamorfose em curso anuncia uma mudança radical
na forma e na estrutura desse sistema, sem no entanto destruir ou esconder sua natureza, portadora de
resultados contraditórios. Portanto o momento é de grande metamorfose, isto é, um momento de
passagem para um estágio mais avançado do capitalismo, cujo desenho mantém-se ainda indecifrável.
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3. História e regras da globalização
A globalização não é um fenômeno sem história nem desprovida de regras. De um lado, a
globalização está associada a um encadeamento de processos e fatos históricos recentes que se
encarregaram de desmantelar o regime de acumulação das economias capitalistas que predominou
durante os “trinta gloriosos” anos que sucederam à II Guerra Mundial. De outro, a dita globalização
vem sendo regulada por um conjunto de regras de comportamento macro e microeconômicos,
regulação essa que se convencionou chamar de “pensamento único”.3 Diante do desaparecimento dos
fundamentos de Bretton Woods, essas regras vêm servindo de modo informal de regulação mundial
mas com o papel específico de coordenar e acelerar o processo de constituição da nova fase do
capitalismo mundial. Como pode se observar a globalização implica num efeito de substituição do
regime de acumulação e do modo de regulação predominantes na era capitalista do fordismo, o que não
quer dizer desaparecimento completo de suas características.
....encadeamento de processos e fatos históricos...
É sabido que para a história do capitalismo o aspecto da expansão global da relação salarial
assim como dos capitais e dos mercados não apresenta nenhuma novidade. No entanto o processo
atual de globalização está associado a uma série datada de processos parciais e fatos envolvendo ações
e reações da parte de indivíduos, Estados-nações, instituições multilaterais e firmas multinacionais que
provocaram conseqüências com repercussões mundiais. A conseqüência síntese desse movimento foi
a destruição do tecido das relações internacionais entre as nações colocado em prática depois da
segunda guerra mundial.
2Neste sentido é interessante ler o artigo de Thomas L. Friedman, “Don’t Leave Globalization’s Losers Out of Mind”,
publicado na seção editorial/opinion do Herald International Tribune, de 18.07.96, pg.8. 3O termo pensamento único tem uma origem européia e tem o objetivo de caracterizar a situação de convergência de idéias
ortodoxas em matéria de políticas econômicas e sociais nos países. Na América Latina o termo poderia ser Consenso de
Washington, e em Washington propriamente o termo toma a forma de Ajuste Estrutural. Para mais elementos sobre o
pensamento único ver MENTHON, PLASSART e VITTORI (1996) e GEORGE (1996). É interessante ver também
KRUGMAN (1994) com respeito à ascensão do conservadorismo na teoria e políticas econômicas, em particular nos EUA.
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O início desse encadeamento de processos e fatos históricos pode ser identificado no começo da
década de 70, exatamente no ponto de inflexão dos trinta gloriosos anos, quando o sistema fordista de
produção começa a conhecer sua crise endógena, ou seja, queda na rentabilidade, fatiga do Estado
providência e capitulação das regras monetárias e financeiras estabelecidas pelo acordo de Bretton
Woods, cujo principal emblema é a desvinculação entre o dólar e o ouro em 1971. A generalização
das políticas de câmbio flutuante, a partir de 1973, o crescimento e a autonomização do mercado
eurodolar nos anos 70 só fizeram confirmar essa capitulação.
Em seguida vieram os choques do petróleo, que não só trouxeram o fenômeno novo da
“stagflação” mas também um outro , igualmente novo, que foi a emergência financeiro-produtiva de
um grupo importante de países periféricos no mercado internacional. Todos esses países foram, de
alguma forma, alavancados pela forte redistribuição de renda verificada a nível internacional,
promovida pelos choques do petróleo e operada pelas inovações do sistema financeiro internacional da
época. A elevação dos preços do petróleo permitiu a emergência financeira dos países periféricos
produtores de petróleo, mas também a alavancagem da industrialização de outros países, asiáticos e
latino-americanos, não necessariamente grandes produtores de petróleo, pela via dos petrodólares,
antes passando pelo filtro do mercado eurodólar.
As mais importantes reações e conseqüências provocadas por esses fenômenos foram, de um
lado, o renascimento das teses monetaristas para combater a “estagflação” e, de outro lado, a alteração
da Divisão Internacional do Trabalho (DIT) marcada pela entrada dos “novos países industriais” (NPIs)
na oferta mundial de bens de consumo duráveis, bens de capital, armamentos e serviços na área de
construção de infra-estrutura. A alteração importante operada no interior da DIT é que, nas relações
comerciais envolvendo países desenvolvidos e em desenvolvimento, as relações concorrenciais
avançam em detrimento das relações complementares, derivando daí uma certa tensão comercial. No
entanto, por trás dessa nova força dos NPIs formou-se um gigantesco estoque de dívida externa
compartilhado com os países primários exportadores, fato este que foi responsável pela fragilização
econômica destes países, especialmente América Latina e África, neste momento crucial da
globalização.
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As principais economias industrializadas não ficaram sem reação face aos choques do petróleo
e à alteração na Divisão Internacional do Trabalho. Essa reação, evolutiva, foi de seis ordens, (i)
ajustes nos custos de produção acompanhados de aceleração nas inovações tecnológicas, (ii)
desenvolvimento de programas de produção de energias alternativas, (iii) defesa da balança de
pagamentos através das flutuações das taxas de câmbio, (iv) implantação de políticas anti-
inflacionárias de caráter monetarista, (v) saneamento financeiro do Estado acompanhado por medidas
que levassem a uma menor participação do Estado na economia e (vi) aumento da pressão pelo livre
comércio, canalizado através da implantação da Rodada de Uruguai em 1986. Há que se notar que
entre o final da década de 70 e início da década de 80, o cenário internacional ganha novos atores,
Margareth Tatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, autênticos restauradores da
ordem néo-liberal.
Da cadeia dessas reações são produzidos alguns fenômenos novos tais como:
(i) a forte valorização do dolar, a acentuada elevação dos juros internacionais e a conseqüente
crise da dívida externa dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos no início dos anos 80; esta
conseqüência trouxe o risco de uma grande crise para o sistema financeiro internacional mas em
compensação ela proporcionou a esse mesmo sistema uma oportunidade para se modernizar e se
reorganizar além de dar às instituições internacionais a base para uma re-aprendizagem em matéria de
técnicas de coordenação, ora utilizadas no processo de globalização;
(ii) a emergência do Japão como portador de um vitorioso paradigma organizacional-
produtivo-tecnológico com o conseqüente deslocamento do sistema fordista de produção mas também
um deslocamento momentâneo da economia americana no posto de liderança no campo tecnológico.
Esse poder japonês, nos anos 80, tem suas raízes na necessidade de respostas à crise energética dos
anos 70 e ele ficou associado às grandes transformações da base técnica do capitalismo a qual veio
servir de base de aceleração técnica da globalização. Em síntese essas transformações estão
identificadas com a microeletrônica e a flexibilização da produção;
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(iii) a afirmação da doutrina néo-liberal enquanto matriz filosófica e econômica para os ajustes
estruturais e as políticas macro-econômicas, tendo como laboratórios as economias norte-americana e
inglesa e, em menor escala e de maneira pioneira, a economia chilena.
(iv) o triunfo da doutrina do “livre-comércio”, consubstanciado na conclusão da Rodada do
Uruguai em Marrakech no ano de 1994, depois de sete anos de discussão. Nessa ocasião mais de 120
países colocaram-se de acordo com a abertura do comércio sobre as mercadorias industriais e agrícolas
e serviços além de regulamentar a propriedade intelectual.
(v) a desintegração dos sistemas socialistas na ex-URSS e nos países do leste europeu mais
ainda a reação da economia americana nos anos 90 provocaram uma forte aceleração bem como uma
maior definição do processo de globalização. A falência da socialização dos meios de produção assim
como do planejamento central naqueles países proporcionaram às leis do mercado legitimidade global,
além de acrescentar ao sistema capitalista uma porção considerável de mercado consumidor potencial.
Esta legitimidade fica reforçada pela adesão da China à essas leis mesmo que estas tenham que
conviver com a onipresença do Estado.
Por seu lado, a reação da economia americana, seja através da desvalorização do dolar e da
adoção de políticas desregulamentadoras seja através da reestruturação das empresas multinacionais de
origem americana, permitiu a essa economia retomar com força o crescimento econômico ao mesmo
tempo recuperar parte do terreno perdido no domínio tecnológico, em especial, para a economia
japonesa.4 Este revigoramento da economia americana concede a ela uma posição privilegiada no
processo de globalização .
....o “pensamento único” enquanto regras e coordenação....
4Diante disso o governo japones vem procurando reagir a fim de recuperar essa perda ao mesmo tempo que visa fazer face à
globalização. Em 1995 o ministério da educação japones quase dobrou o orçamento da Sociedade Japonesa para a
Promoção da ciência (JSPS). Em junho de 1996 o governo japones acrescentou em 60% os orçamentos públicos
envolvidos com as atividades científicas e tecnológicas. Ver Alain-Marc Rieu “Comment le Japon fait face à la
globalisation”, Le Monde, 20.11.97
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Então, se de um lado há um encadeamento de processos e fatos históricos que se encarrega da
construção real da globalização, de outro, há o “pensamento único”, um conjunto de regras que se
encarrega de coordenar esse processo. Este fenômeno pode ser definido como sendo a mobilização de
algumas idéias, conceitos, teses e teorias convergentes a fim de criar um meio ambiente cultural e
institucional uniforme e favorável à aceleração do processo de globalização, impondo a este processo
um ritmo à marcha forçada mas “legítimo” e sobretudo “racional”.
Este conjunto de regras não está desvinculado dos processos e fatos históricos referidos
anteriormente, pelo contrário, ele reflete os paradigmas triunfantes nas experiências de políticas e
ajustes econômicos, cuja fonte principal é a doutrina néo-liberal. Sua afirmação como doutrina
dominante ficou facilitada pelo enfraquecimento endógeno dos dois paradigmas rivais, social-
democracia e socialismo, que se desgastaram promovendo a guerra fria.
Nesta fase da globalização, além do papel de promotor da quebra dos obstáculos que obstruem
a expansão global do capitalismo, o “pensamento único” é também o promotor principal da grande
controvérsia que se estabeleceu entre o capitalismo puro e duro, dominante nas regiões anglo-
saxônicas, e o capitalismo social de mercado, dominante nos países da Europa continental.5 Apesar de
seu papel de coordenador do processo de globalização o “pensamento único” não substitui as regras de
Bretton Woods, e sua sobrevida depende das contradições e dos desdobramentos desta fase da
globalização.
O “pensamento único” está baseado em uma série de axiomas, que listaremos e resumiremos a
seguir sem entrarmos nos aspectos críticos dos mesmos:
i) livre-troca: ausência de barreiras alfandegárias a fim de permitir a livre-troca de mercadorias
e serviços. A livre troca, combinada com a especialização da produção em setores onde haja
vantagens comparativas, permite aumentar o fluxo do comércio internacional, acionar o crescimento
econômico além de gerar e de distribuir ganhos generalizados entre as economias que participam desse
sistema. Esta tese, teorizada desde os clássicos da economia como David Ricardo, praticamente se
5Sobre essa controvérsia ver M. Albert (1994)
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confunde com o processo de globalização na medida que ela combate a existência de fronteiras
econômicas entre os Estados-nações. Neste sentido, a livre-troca tornou-se a pedra fundamental da
globalização devido ao fato de que a abertura comercial provoca instantaneamente um confronto entre
os preços relativos das economias nacionais, o que obriga um nivelamento por baixo dos custos de
produção. O sistema produtivo, setor ou indústria que não se adapatar a esse ajustamento candidata-se
fatalmente a ser um perdedor dentro do processo de globalização;
ii) presença mínima do Estado na economia e valorização da iniciativa individual: a presença
do Estado na alocação dos recursos econômicos é tida como uma anomalia, contra as forças naturais
do mercado, estas sendo as principais responsáveis pela alocação ótima e o equilíbrio natural dos
mercados. Daí o governo ter que diminuir o déficit público, privatizar as empresas públicas mas
também diminuir os impostos sobre o capital, a fim de estimular o investimento e o crescimento. De
outro lado, a reprodução material do indivíduo deve contar sobre ele próprio e não sobre a sociedade,
quando ela se dá através da intermediação do Estado providência. O indivíduo deve receber como
salário o correspondente à sua qualificação e deve, ele próprio, ser previdente com relação aos riscos e
ao futuro.
iii) desregulamentação dos mercados: supressão das restrições à entrada e participação de
capitais externos nas atividades econômicas internas de cada país. Neste item dá-se atenção especial à
desregulamentação do mercado de trabalho, visando a diminuição dos encargos sociais e a
flexibilização dos contratos e do salário mínimo.
iv) autonomia do econômico vis-à-vis dos valores ético, social e político: o homo economicus é
o único lado do homem com a capacidade de determinar a escolha e a decisão ótimas, seja ele
consumidor ou empresário. A interferência de qualquer outro tipo de valor torna a escolha e a decisão
carregadas de sentimentalismo, assistencialismo e populismo. A autonomia do econômico permite
uma alocação mais racional e eficiente dos recursos.
v) inflação zero: o combate à inflação deve ser uma luta sem trégua, mesmo que isso tenha que
custar a recessão econômica. Por trás disso existe a idéia simples de que a inflação zero não só
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estabiliza o câmbio e gera competitividade externa à economia mas permite baixar as taxas de juros
nomimal e real. Ambos os fatores encarregando-se de restabelecer o crescimento econômico.
Curiosamente, por um certo momento, o “pensamento único” tentou agregar ao seu conjunto de
teses o fenômeno do crescimento vigoroso do sudeste asiático como sendo um paradigma néo-liberal
de crescimento, o que foi um equívoco. Mesmo se a adesão à livre-troca começa a se fazer sentir na
região asiática a presença do Estado na economia além da forte regulamentação dos mercados
desqualificam qualquer classificação néo-liberal. De acordo com COHEN (1996, p.42), nos tigres
asiáticos “o Estado é muitas vezes o ator maior das estragégias de crescimento. Portanto, se se pode
falar de liberalismo, é em razão do papel fundamental jogado pelo mercado mundial na validação das
estratégias escolhidas”. Entretanto, o savoir-faire industrial japonês e a cultura asiática do trabalho,
fortemente marcada pela disciplina, determinação, precariedade e flexibilidade, passaram a servir de
importantes fontes reais de inspiração ao “pensamento único”.
4. Os atores
Na realidade, em se tratando de um processo de globalização da economia, todos são em
alguma medida atores ou ao menos implicados nesse processo. Uns com menos outros com mais
importância, uns menos outros mais conscientes. Entretanto, a construção da globalização vem sendo
influênciada por um número restrito e conhecido de atores, trata-se das instituições internacionais, os
Estados-nações, sobretudo industrializados, e, principalmente, as firmas multinacionais. Apesar de
constarem como “velhos” atores protagonistas na história do capitalismo eles agora ocupam papéis um
pouco diferentes daqueles que figuraram nas fases anteriores.
No tocante às instituições internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas (ONU),
Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BID), Organização Internacional do Trabalho
(OIT), Organização Mundial do Comércio (OMC), etc. assiste-se a um real paradoxo, ou seja, ao
mesmo tempo em que esses organismos atravessam uma verdadeira crise de identidade devido à
evaporação dos princípios do acordo de Bretton Woods, ao fim da guerra fria, à profunda mutação do
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capitalismo e à multipolaridade de poderes, ao crescimento do crédito privado internacional, etc.
essas instituições ocupam o lugar de vanguarda na coordenação do processo de globalização.
É impossível não encontrar nos relatórios, circulares, folhetos, discursos, etc. emitidos por essas
instituições alguma alusão ou a presença de algum dos aximas pertencentes ao “pensamento único”,
mesmo porque essas instituições desde muito são parte formuladora desse pensamento. O Fundo
Monetário Internacional é o exemplo mais marcante dessa transformação, antes segundo ADDA
(1996), guardião da ordem monetária internacional, zelando pelo equilíbrio externo e as políticas de
câmbio fixo entre os países, o FMI se transforma, junto com o Banco Mundial, nas principais
instituições propagadoras dos fundamentos dos ajustamentos estruturais entre as economias em
transição.
Além desse papel pedagógico e ideológico, essas instituições ainda detém um poder
considerável em matéria de influência sobre as diretrizes de políticas macro-econômicas e estruturais
das pequenas, médias e até mesmo grandes economias subdesenvolvidas e em desenvolvimento, em
especial na África, América Latina e Leste Europeu, onde se concentram os principais problemas
estruturais da economia mundial. Esse poder está associado à posição privilegiada dessas instituições
quanto à mobilização internacional de recursos financeiros mas também quanto à legitimidade que
gozam no que diz respeito à avaliação do desempenho das economias, avaliação essa levada em
consideração pelos investidores privados internacionais. Por exemplo, o papel ocupado pelo FMI na
operação de salvamento financeiro da economia mexicana, em 1994, é um exemplo cabal desse papel,
isto é, a referida instituição acordou ao México um empréstimo que chegava no teto dos US$ 17,8
bilhões, uma soma jamais concedida pelo FMI soma essa que representava 688% da cota-parte do
México junto àquela instituição (CANDESSUS, 1995).
Quanto aos Estados-nações, apesar da imagem propagada de que esses vêm perdendo soberania
política em função da globalização, na verdade o que se pode constatar é que, através de suas decisões,
os Estados-nações vêm se constituindo num pólo importante na construção da globalização, indicando
que o movimento de fatores é global mas as decisões políticas são locais ou regionais. Através das
medidas e reformas adotadas pelos governos nacionais em matéria de desregulamentação do mercado
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financeiro, liberalização do comércio externo, reformas do estado e privatização e flexibilidade do
mercado de trabalho foi possível uma aceleração sem precedente do fluxo do comércio de mercadorias
e serviços, da migração do capital financeiro e do deslocamento industrial. De seu lado, a diminuição
nos custos de transporte e de telecomunicações, aliado às novas tecnologias de informação,
encarregaram-se de aprofundar o processo.
É bem verdade que antes deste período de globalização, as decisões locais davam-se com base
numa forte motivação local em que a formação social e as contradições políticas locais ajudavam a
influir na formulação das políticas econômicas. Mas, no ambiente de globalização, até mesmo por
motivações de mimetismo das economias nacionais, as políticas econômicas dos países sofrem o peso
da “convergência”, promovida por fatores de variadas naturezas: acordos e compromissos regionais,
mobilidade dos capitais a nível global, variação global das taxas de juros e flutuação das taxas de
câmbio entre as economias. Por seu lado, as economias subdesenvolvidas e em desenvolvimento
recebem de perto a influência do monitoramento das instituições internacionais. Considerada por
MICHALET (1995) como sendo uma das principais conseqüências da globalização a erosão do poder
econômico dos Estados-nações têm como principais constrangimentos externos, de um lado, o
imperativo industrial e a concorrência e, de outro lado, o imperativo da atração de capitais externos.
Enfim, é muito claro a tendência de interdependência entre as políticas econômicas nacionais,
mas essa tendência não significa obrigatoriamente um esvaziamento absoluto da soberania nacional
dos Estados-nações, sobretudo no campo político, hipótese esta que nos deixa supor a existência de um
resíduo de margem de manobra para os chamados Estados-nações. Pode-se falar, contudo, de perda de
autonomia ideológica dos partidos políticos, em especial não liberais, quanto à execução de seus
programas, em função da forte convergência mundial em matéria de doutrina econômica. Todavia esse
processo de esvaziamento de soberania neste processo de globalização parece não ser idêntico para
todos os países, ele é menos evidente para o Grupo dos 7 (sete) e muito menos evidente ainda para os
Estados Unidos da América que, segundo KÉBABKJIAN (1994) NYE (1992) e outros, mantêm de
longe uma liderança imbatível sobre outras nações, sobretudo porque:(i) têm a maior participação no
PIB mundial, (ii) conseguem influir decisivamente nas regras do jogo mundial, (iv) suas
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multinacionais detêm a maior parcela da produção mundial e (v) mantêm a liderança na geração e
controle da alta tecnologia, em especial no campo da informação.
O ator ou o pólo principal da globalização está representado pelas firmas multinacionais,
devido à dinâmica imprimida por essas na economia mundial, em função da forte concorrência
estimulada pelas inovações, pela liberdade de ação e pela redução de custos mas principalmente porque
nesta fase de globalização há um consenso global a favor do capital, fator não evidente até o início da
década de 80. No contexto da globalização os Estados nacionais cedem finalmente diante do estatuto
extraterritorial (MICHALET, 1984) devido às firmas multinacionais, passando a participar da
desobstrução dos entraves à circulação das mercadorias, dos fatores e das informações. A realidade da
globalização não é mais aquela do confronto entre Estados-nações e firmas multinacionais mas
preferencialmente de uma articulação entre ambos, marcada agora por um crescimento da autonomia
dessas firmas em relação aos Estados-nações.
A importância, portanto, das firmas multinacionais está no aspecto do movimento das
mercadorias e dos fatores assim como na propagação de um espaço homogêneo, porque segundo
MICHALET (1995) ao se deslocarem espacialmente elas levam consigo uma série de outros
componentes (financeiro, comercial, tecnológico, cultural). As firmas multinacionais, segundo
ANDREFF(1996), tornaram-se em um modo de organização da economia mundial e, neste sentido,
elas podem ser qualificadas de globais. Ainda, o citado autor, as multinacionais globais são atores
engajados na formação de um capitalismo mundial cujo desenvolvimento carrega consigo
desigualdades e contradições em escala mundial.
Aquelas firmas utilizam-se de vários mecanismos para manter e reforçar seu poder de
concorrência tais como investimento direto na forma de filiais, de fusões e aquisições, de alianças de
diversas naturezas -comercial, produtiva, tecnológica - formando rede de firmas , ou ainda
estabelecendo firmas-rede, modalidade caracterizada pelas novas formas de subcontratação. Esse
tecido constitui o núcleo do sistema mundial emergente onde se observa uma integração crescente
indústria-serviços. De seu lado, a globalização bancária e financeira facilita, sem dúvida, os processos
de fusão e aquisição desejados e operados pelas multinacionais.
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5. Nova configuração do capitalismo mundial: implicações controvertidas da globalização
A imagem construída pelos “manipuladores de símbolos” (termo utilizado por REICH, 1991),
aquela de uma globalização interdependente e harmoniosa, continua ainda a servir de idéia força à
globalização mas ela está longe da realidade. A globalização segue seu curso lógico, produzindo
resultados prodigiosos, tais como o controle da inflação a nível mundial e o crescimento em várias
regiões, no entanto seus efeitos excludentes e indesejados apresentam-se de maneira acentuada. Na
verdade, as implicações do processo de globalização, dadas as suas características atuais, diferem a
nível dos indivíduos, grupos sociais, países e regiões, produzindo ganhadores e perdedores. Essas
divergências estão associadas às condições iniciais de participação e de acumulação, seja de capital ou
de conhecimentos, em que cada parte integrou-se ao processo em questão.
Os efeitos excludentes e indesejados estão associados a todas as vertentes da globalização:
financeira , produtiva-tecnológica e comercial. A primeira, a financeira, diz respeito à autonomização
do capital financeiro seja em relação ao país de origem seja ao capital produtivo bem como à
centralização financeira; a segunda, a produtiva e tecnológica, está associada aos deslocamentos
industriais, identificados através dos investimentos diretos no exterior (IDE), assim como a
concentração produtiva e tecnológica - o reforço do poder concorrencial dos oligopólios e a
concentração da renda; a terceira, a comercial, diz respeito à multiplicação concentrada ou polarizada
do fluxo comercial mundial.
...esfera financeira...
A esfera financeira da globalização vem apresentando dois aspectos marcantes e interligados, o
primeiro, é a mobilidade e autonomia com que se movimenta o capital financeiro no mundo e, o
segundo aspecto, é a persistência do elevado custo do aluguel do dinheiro provocando o efeito da
financeirização da economia.
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Todo e qualquer tipo de empreendimento não se realiza sem a participação prévia do capital
financeiro ou do crédito. Sendo assim o capital financeiro é o pai de todas as formas dos capitais,
comercial e industrial. Essa singularidade permitiu ao capital financeiro uma participação pioneira e
permanente em todas as fases de expansão global do capitalismo, estando presente nas grandes
descobertas, na difusão dos resultados da Revolução Industrial, na comercialização das inovações
científicas, na formação da dívida externa dos países tanto desenvolvidos quanto periféricos, na
emergência dos novos países industriais (NPIs) e como não poderia deixar de ser neste processo de
globalização.
Neste momento da globalização o capital financeiro está por trás da aceleração do comércio
mundial assim como dos deslocamentos industriais, no entanto é importante ressaltar que, além desse
papel, de certa forma clássico, o capital financeiro vem apresentando certas características, embora
latentes, novas.
A mais evidente dessas características é a acelerada autonomia dos capitais e massas financeiras
em relação ao país de origem e ao capital produtivo. A autonomia em relação ao país de origem deve-
se à liberalização e a desregulamentação dos mercados financeiros. A autonomia em relação ao capital
produtivo deve-se, por sua vez, ao elevado custo do aluguel do dinheiro, que reserva à esfera financeira
o locus principal de valorização, gerando o fenômeno da financeirização.
A característica nova, e a menos percebida pelos não especialistas, assumida pelo capital
financeiro na globalização é o crescimento de importância da sua forma fictícia. Apoiado na
desintermediação, na desregulação e na liberalização dos mercados (três regras básicas da globalização
financeira para PLIHON, 1996) como também nos inúmeros tipos de inovações tecnológicas ocorridas
no segmento da intermediação financeira, o capital financeiro passou a se afastar das operações
clássicas de crédito. Na globalização ele passa fortemente a se fazer presente nas transações de títulos
público e privado, nas bolsas de valores e nos papéis de mercado futuro.
Segundo relatório anual da OMC (1996), os fluxos de investimentos diretos e os fluxos de
investimentos em carteira internacionais foram mais ou menos iguais durante o período 1988-90 após
17
o que os investimentos em carteira cresceram mais de duas vezes os investimentos diretos, entre 1990
e 1993. Essa forma de existência tornou o capital financeiro mais volátil e mais perigoso para a
estabilidade dos sistemas financeiros nacionais mas também para o sistema financeiro global, mais do
que nunca integrado.
Quanto à financeirização propriamente dita, mesmo tendo passado o pior momento de crise
mundial da dívida externa e mesmo havendo uma abundância de capital ocioso, o custo do aluguel do
dinheito ainda está elevado. Isto tem provocado uma elevação do chamado custo de oportunidade das
atividades econômicas a favor dos mercados de papéis, fenômeno este que passou a ser chamado de
financeirização da economia. Isso significa que os indivíduos preferem cada vez mais investir em
títulos em detrimento do consumo e do investimento produtivo. Mesmo os empresários produtivos
passaram eles próprios a apostar no retorno rápido desse mercado.
A financeirização está associada à obcessão dos governos pela meta da inflação zero, que
pressiona as taxas de juros, mas ela também está ligada à disputa entre as economias em fase de
ajustamento estrutural pela conquista do capital externo, a qualquer custo. Este tem sido o caso dos
países latino-americanos tais como a Argentina, México e Brasil. A financeirização não tem sido
neutra e ela tem trazido conseqüências perversas tanto para os países da OCDE quanto para os países
periféricos e essas conseqüências são de três ordens: crescimento financeiro das dívidas públicas assim
como o conseqüente aumento da carga dos juros, enfraquecendo os Estados; diminuição dos
investimentos produtivos e por conseqüência o aumento da taxa de desemprego e, por último, a
transferência de renda dos indivíduos assalariados ou daqueles desprovidos de poupança para aqueles
indivíduos que detém renda e poupança.
...esfera produtiva-tecnológica...
No processo de globalização os oligopólios mundiais são, sem dúvida, fortalecidos. A
internacionalização crescente da produção, os movimentos de fusão/aquisição que vêm ocorrendo a
nível nacional e mundial e as formas de acordos interempresas resultam na criação e consolidação de
oligopólios mundiais. Essas estruturas concentradas reforçam as barreiras à entrada e dificultam a
18
participação de empresas outras nos mercados onde atuam. Deve-se ressaltar que o rápido crescimento
do investimento direto nos anos 80 e 90 esteve assentado no investimento internacional cruzado -
reciprocidade entre regiões - com grande ênfase para as fusões/aquisições. O total em valor das
fusões/aquisições em 1995 foi duas vezes maior que o nível de 1988, este fato está relacionado com o
significativo número de operações acima de 1 bilhão de dólares(TABELA 1). Segundo relatório da
UNTACD(1996) a expectativa é número e valor maiores dessas transações para 1996. As firmas,
através dessa forma de investimento, protegem, consolidam e avançam posições no mercado em que
atuam na medida em que se desfazem de segmentos que estão fora de seu núcleo de competência e
adquirem estrategicamente segmentos que potencializam sua competitividade.
TABELA 1
Fusões / Aquisições efetuadas por firmas estrangeiras
(1988-1995) (bilhões de dólares)
Economia 1988 1990 1992 1993 1994 1995
Todos países
112,5
159,6
122,1
163,1
196,3
229,4
Países
desenvolvidos
110,0
132,7
81,3
97,4
128,5
161,3
Países em
desenvolvimento
2,3
18,0
29,0
53,4
73,0
63,6
Àsia
0,8
9,4
17,6
33,3
39,8
29,5
América Latina
1,5
8,5
10,5
12,4
12,0
10,6
Brasil
0,2
0,06
0,5
1,0
1,4
2,1
Fonte:UNTACD(1996)
Tem-se constatado movimento ascendente de fusões/aquisições também na América Latina,
nos últimos anos. A tendência à desnacionalização do aparelho produtivo industrial de um país pode
acarretar conseqüências inevitáveis para a perda de autonomia de possíveis políticas industriais. Em
1995 e 1996 , o capital estrangeiro comprou ou se associou a um número crescente de empresas
brasileiras, abrangendo os mais variados segmentos industriais como: bens de capital, autopeças,
19
eletrodomésticos, eletrônicos, alimentício, brinquedos, higiene e limpeza, gráfico; em vários desses
segmentos o capital estrangeiro passou a ser dominante nesse curto espaço de tempo.
Tendo em conta a importância que reveste os investimentos diretos estrangeiros sobre a
atividade econômica e a geração de renda para as economias latino-americanas, a reação dos Estados
face à globalização é adotar políticas liberais e atrativas que favoreçam a entrada desses capitais. A
participação do Estado muita vezes não é compatível com as premissas liberais que norteiam suas
políticas econômicas. Na disputa dos Estados-nações por investimentos estrangeiros diretos poderá
ocorrer supervalorização das vantagens auferidas.
Se, de um lado, observa-se um aprofundamento da concentração da produção mundial em
termos micro, em termos macro a tendência já estabelecida não se reverte, com inflexão para certas
áreas de forma positiva - Ásia - ou negativa - África negra e América Latina. Os investimentos das
empresas multinacionais têm ocorrido, sobretudo, no interior da Tríade - os chamados investimentos
cruzados - o que favoreceu uma velocidade de integração nesse ambiente sem precedentes.
Observando-se os países hospedeiros nota-se que os estoques de investimentos diretos mundiais foram
crescentes, entre 1967 e 1989, para os países industrializados - em 1967 estes detinham 69,4%
passando para 80,8% em 89, enquanto os países em desenvolvimento viram sua parcela decrescer de
30,6% para 19,2% para os mesmos anos(CHESNAIS,1994). A evolução recente pode ser evidenciada
na TABELA 2.É preciso ressaltar que os fluxos de investimentos diretos estrangeiros em direção à
Ásia, em 1994, ultrapassaram aqueles orientados para a Europa ocidental. Existe constatação que uma
parte importante dos fluxos de investimentos diretos dos EUA e do Japão vão em direção a países onde
os salários são mais altos, a mão-de-obra mais qualificada, o mercado nacional importante e fracas
restrições às atividades das empresas.
20
TABELA 2
Fluxo de Investimento Direto Estrangeiro por País Hospedeiro
(bilhões de dólares) (%) (1988-1995)
Ano Países
Desenvolvidos
Países em
Desenvolvimento
Europa
Central
e do Leste
Todos os
Países
1988-89 139,1 36,8 1,4 177,3
1990 169,8 33,7 0,3 203,8
1991 114,0 41,3 2,5 157,8
1992 114,0 50,4 3,8 168,1
1993 129,3 73,1 5,6 207,9
1994 132,8 87,0 5,9 225,7
1995 203,2 99,7 12,1 314,9
Participação no Total
(%)
1988-92 78 21 0,8 100
1993 62 35 2,7 100
1994 59 39 2,6 100
1995 65 32 3,8 100
Fonte:UNTACD, World Investment Report-1996
O PIB mundial, a taxas de câmbio correntes, apresenta forte concentração em 1995 em relação
a 1980: os países da OCDE(exceto o México) passam de 67,8% para 74,6%; os NPI da Ásia passam
de 1,2% para 3,2%, contudo a América Latina apresenta um decréscimo de sua participação que passa
de 7,7% para 5,3%, acontecendo o mesmo para a África negra(inclusive África do Sul)que sai de 2,5%
e vai para 1,2% (HATEM,1995). Em termos geográficos fala-se, nos dias de hoje, que o processo de
globalização em curso proporcionará a integração de apenas uma parte dos países do globo, excluindo
cerca de 80 países praticamente de qualquer possibilidade de integração, sobretudo a África ao sul do
Sahara (ANDREFF,1996). A polarização internacional entre os países estaria mediatizada pelos
interesses dos oligopólios mundiais.
A tecnologia , nos últimos vintes anos, vem se expressando como fator primordial da
competitividade entre firmas. Considerando-se a escala crescente de recursos necessária à atividade de
pesquisa, a rápida mudança tecnológica e a incerteza inerente a essa atividade, os acordos de
cooperação e as alianças estratégicas aparecem como veículos privilegiados, sobretudo para os grupos
21
a dominante inovadora, de criar poder de marcado, aumentar as bases de financiamento de P&D e
obter conhecimentos tecnológicos complementares.
O desenvolvimento e a comercialização de inovações maiores envolve grandes incertitudes e
uma variedade de conhecimentos tácitos, ambos os fatores requerem um intenso contato intra equipe
técnica favorecendo a concentração geográfica. Pesquisa realizada em 587 grandes empresas de várias
nacionalidades para o período 1985-90 observou a origem geográfica de patentes registradas nos EUA
e constatou que 89% das atividades de pesquisa dessas empresas são realizadas nos países de origem
(PATE & PAVIT; 1996). A possibilidade de deslocamentos de atividades de pesquisa pelas empresas
multinacionais está relacionada à possibilidade de troca com o sistema nacional de inovação. A
produção de tecnologia está também concentrada nos países da Tríade e no interior destes nas grandes
empresas. A concentração forte da geração tecnológica, nos dias de hoje, em firmas multinacionais,
deve ser entendida, sobretudo, através das alianças estratégicas que se estabelecem entre empresas
objetivando o desenvolvimento tecnológico e têm como conseqüência imediata a criação de barreiras à
entrada e o bloqueio ao acesso da tecnologia por outras firmas.
Os acordos que emergiram da Rodada do Uruguai, de seu lado, resultaram em maior proteção
aos grandes grupos multinacionais no que se refere à propriedade intelectual e exploração de patentes.
Os instrumentos jurídicos que esses grupos passaram a contar, nessa área, inibem políticas
tecnológicas independentes nos países em desenvolvimento refletindo em obstáculo suplementar ao
acesso à tecnologia gerada no centro. O movimento de concentração e marginalização abrange a
dimensão tecnológica de forma mais acentuada que a produtiva : na década de 80, nos países
avançados efetuou-se 95% do total dos acordos mundiais de cooperação tecnológica inter-firmas e
90% dos acordos de licença e transferência de tecnologia (CHESNAIS:1994). De fato, estatísticas de
1994 dão conta que 50 países são responsáveis por 98% das despesas mundiais de P&D, abrigam 94%
dos cientistas e engenheiros empregados no mundo e 99% das patentes depositadas nos EUA e
Europa(CE,1994).
...esfera comercial...
22
Alguns dos instrumentos dinamizadores da globalização têm sido a queda generalizada das
barreiras alfandegárias combinada à especialização econômica, a multiplicação de acordos comerciais
bilaterais e a construção de áreas de troca livre. Esses mecanismos contribuíram consideravelmente,
ao lado das deslocamentos industriais, para que ocorresse um certo dinamismo no fluxo do comércio
mundial. Em 1994, o volume das exportações mundiais cresceu 10%, ou seja, o melhor resultado
desde 1976 enquanto a produção 4%(TABELA 3). No interior desse processo observa-se um
aprofundamento da tendência de hiato entre a produção mundial de mercadorias e a exportação
mundial de mercadorias.
TABELA 3
CRESCIMENTO EM VOLUME DA PRODUÇÃO E DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE
MERCADORIAS (%)
Média Anual
1990-1995 1993 1994 1995
Exportações 6,0 4,0 10,0 8,0
Produção 1,5 0,5 4,0 3,0
Fonte: OMC (1996)
Entretanto, esse movimento vigoroso verificado a nível geral do comércio mundial se contrapõe
a alguns efeitos concentradores e excludentes repercutindo no interior do próprio movimento comercial
mas também na estrutura da divisão internacional do trabalho, em particular no que toca os sistemas
produtivos locais e o mundo do trabalho.
Os países da Tríade foram responsáveis por cerca de 70% das transações comerciais mundiais
realizadas em 1994, sendo que somente duas áreas tiveram crescimento notável das exportações entre
1991 e 1994, EUA e Ásia (OMC, 1995) (TABELA 4). Assim, o crescimento do comércio mundial está
acompanhado de uma intensificação do comércio intraregional, integrando, sobretudo, os países da
Tríade e alguns NPI e marginalizando regiões e/ou países que não apresentam interesse de mercado aos
oligopólios mundiais.
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TABELA 4
COMPOSIÇÃO DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE MERCADORIAS POR REGIÃO
(1985/1995) (%)
Regiões 1985 1995
América do Norte 16,0 15,9
América Latina 5,6 4,6
Europa Ocidental 40,1 44,8
Europa Central e do
Leste,Bálticos,CEI
8,1 3,1
África 4,2 2,1
Oriente Médio 5,3 2,9
Ásia 20,8 26,6
Fonte: OMC(1996)
Sem dúvida, as firmas multinacionais jogam papel fundamental no comércio internacional
apresentando crescente participação através do volume transacionado de bens no comércio intra-firmas
e fora delas. Em 1993, nos EUA o comércio intra-firmas multinacionais foi bastante significativo;
44,4% do total da exportações desse país foram efetuadas entre empresas do mesmo grupo e 48,6% das
importações foram da mesma natureza (UNTACTD,1996). A expansão das trocas intra-firmas é uma
conseqüência do aumento dos fluxos dos investimentos diretos estrangeiros. Como estes últimos estão
concentrados no interior da Tríade as trocas referidas também estão concentradas aí, em particular nos
blocos regionais. Observando-se as estatísticas do comércio internacional nota-se uma tendência à
regionalização (Ver TABELA 5).
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TABELA 5
EXPORTAÇÕES INTRAREGIONAIS NO TOTAL DAS EXPORTAÇÕES DA REGIÃO
(1983-1995) (%)
Região 1983 1993 1995
América do Norte 34,3 35,6 36,0
Europa Ocidental 65,2 68,7 63,0
Japão(Ásia) 31,0 40,0 45,9
Mercosul nd 14,1* 20,8
Fonte:OMC(1996)
O crescimento do comércio intersetorial é outro aspecto relevante no atual contexto mundial.
Este fluxo é mais significativo entre países com nível de desenvolvimento comparável; os países
industrializados efetuam essencialmente trocas intrasetores e intra-firmas, ao passo que os fluxos entre
estes países e os em desenvolvimento são preferencialmente intersetores, denotando a disparidade
entre eles. Citam-se algumas evidências: nos EUA, em 1995, a exportação de máquinas e material de
transporte para a União Européia correspondeu a 49% do total das exportações para essa região, em
contrapartida os EUA importaram do mesmo gênero de produto 45% do total das importações
efetuadas dessa origem; caso semelhante ocorreu entre EUA e Canadá cujas participações de saídas e
entradas do gênero citado foram 55% e 43% respectivamente(OMC,1996).
O livre comércio mundial que se estabeleceu no contexto dos acordos da Rodada do Uruguai
teve e tem conseqüências em termos micro para todas empresas. Os grandes grupos intensificaram a
concorrência entre eles ao mesmo tempo em que abriram portas nos quatro cantos do mundo para
organizar a produção visando usufruir das diversas vantagens específicas locais tais como sistema
nacional de inovação e custo de mão-de-mão. De seu lado, as empresas de âmbito nacional e as médias
e pequenas, que estiveram relativamente protegidas até então, sofrem, nesse contexto, ameaça
constante da concorrência mundializada resultando, em muitas vezas, no encerramento de atividades
ou na absorção por outras.
A liberalização do comércio externo e a conseqüente exposição das mercadorias produzidas
internamente têm levado unidades fabris dos países latino-americanos a encerrar atividades em
segmentos diversos do aparelho produtivo. É importante ressaltar que a situação desvantajosa de
25
empresas e setores está associada à presença de condições desfavoráveis, tanto de ordem sistêmica
como de ordem específica para fazer face ao novo contexto. São ramos industriais inteiros que
podem ser destruídos no bojo desse movimento o qual engendrará um processo de desverticalização do
aparelho industrial, sobretudo em economias que já contavam com alto nível de integração. A
desverticalização do aparelho produtivo implica em redução da demanda por bens produzidos por
setores interligados, em redução da demanda por técnicos e especialistas dos setores os quais
estabelecem intercâmbio de conhecimentos e informações indispensáveis para o processo de geração
de inovações. A perda do esforço de aprendizagem tecnológica empreendido até então fragiliza,
sobremaneira, as economias para fazer face futuramente aos termos de troca.
No Brasil, os setores produtores de bens de capital , de equipamentos elétricos e de
comunicação são exemplos característicos desse processo. Os coeficientes de importação cresceram,
nesses setores, acima da média dos outros setores manufatureiros. Quanto ao primeiro, os dados
mostram uma queda substancial da produção doméstica de 19,6 bilhões de dólares em 1990 para 14,4
bilhões em 1996 enquanto as importações para o mesmo período cresceram em 173,8% ; a participação
da produção nacional na oferta interna vem decrescendo ano a ano: em 80 era 94%, em 90 era 88% e
em 96 estava em 54% com a tendência mantendo-se em 1997 (MICT,1997). É importante ressaltar
que a eficácia e o tamanho do setor de bens de capital constitui dimensão importante para a
competitividade sistêmica na qual podem se apoiar as empresas em suas economias domésticas, na
medida em que esse setor é responsável pela difusão de inovações tecnológicas para o resto do
aparelho produtivo.
No referido país, setores intensivos em recursos naturais, no período 1990-1995, apresentaram
um aumento significativo no coeficiente de exportação tais como madeira, celulose e siderurgia. Pode-
se afirmar que tem ocorrido, nessa economia, mercantilização de atividades com maior conteúdo
tecnológico e redirecionamento para atividades de menor conteúdo. Essa mudança na estrutura setorial
das exportações e importações não são desprezíveis para a economia brasileira numa perspectiva de
longo prazo na medida em que o comércio mundial apresenta forte tendência a privilegiar setores
produtores de bens com elevado conteúdo tecnológico.
26
Setores industriais brasileiros, que já praticavam estratégias competitivas internacionais com
visão de longo prazo, ressentem-se muito menos do processo de abertura comercial na medida em que
possuem capacidades financeira, comercial e tecnológica suficientes para participarem do mercado
mundial. Vale lembrar, no entanto, que esses exemplos, tal o setor de papel e celulose , estão longe de
se constituírem regras.
Como vantagem da abertura da economia, para aparelhos produtivos de países como o Brasil,
está a oportunidade de suprimento no mercado externo de insumos industriais a baixo custo e de
melhor qualidade, proporcionando atualização tecnológica - fonte importante de competitividade - aos
produtores domésticos que dela podem beneficiar-se, numa perspectiva de curto/médio prazo.
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